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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MARCIEL EVANGELISTA CATANEO

JUSTIÇA RESTAURATIVA DIALOGANDO COM A FILOSOFIA

Florianópolis
2017
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MARCIEL EVANGELISTA CATANEO

JUSTIÇA RESTAURATIVA DIALOGANDO COM A FILOSOFIA

Monografia apresentada ao Curso de


Direito da Universidade do Sul de Santa
Catarina, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Dilsa Mondardo, MSc.

Florianópolis
2017
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

JUSTIÇA RESTAURATIVA DIALOGANDO COM A FILOSOFIA

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade


pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a
Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta
monografia.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e
criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, 10 de novembro de 2017

_____________________________________
MARCIEL EVANGELISTA CATANEO
4

Dedico este trabalho aos professores e


professoras da Unisul, para os quais, a
despeito de todas as dificuldades, a
educação continua sendo um projeto de
vida partilhada.
5

AGRADECIMENTOS

Depois de ter me dado tudo, aprouve à Deus, me dar Dolores. E Dolores,


me deu Isadora e João Lucas. Juntos enfrentamos desafios, realizamos sonhos,
trilhamos todos os caminhos e também o caminho da Universidade. Na Universidade
encontramos amigos e amigas queridos, sonhadores, humanos, que escolhemos
carregar para sempre no coração. Nenhum de nós foi menor do que o seu sonho; e
eu, agradeço, pelo amor, pelo companheirismo e pelos estudos compartilhados
neste tempo de descobertas, conquistas e aprendizados coletivos que chamamos de
graduação.
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RESUMO

A presente monografia apresenta Justiça Restaurativa como um novo


olhar sobre o conflito e como proposta de substituição do modelo meramente
retributivo de realização da justiça. Registra a origem e a evolução do movimento de
Justiça Restaurativa no mundo ocidental e no Brasil. Visita as características,
fundamentos, princípios e valores da Justiça restaurativa. Estabelece um diálogo
entre os pressupostos da Justiça Restaurativa e o conceito filosófico de equidade,
de Aristóteles. Aproxima a Justiça Restaurativa do conceito de autonomia, de Kant e
da proposta de ação comunicativa de Habermas. Para o desenvolvimento da
temática utiliza o método de abordagem de pensamento dedutivo. O procedimento é
monográfico e a técnica de pesquisa bibliográfica. Busca mostrar que é possível
substituir a retribuição pela restauração. A lente meramente retributiva pela lente
restaurativa, e ressignificando a cultura do conflito, substituindo o embate pelo
diálogo, o caos e o ocaso pela possibilidade de retomada das experiências de justiça
comunitária e de práticas alternativas no Direito.

Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Equidade. Autonomia. Ação Comunicativa.


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LISTA DE SIGLAS

a.C. – Antes de Cristo.


CEIJ - Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça.
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
LEP – Lei de Execuções Penais.
ONU – Organização das Nações Unidas.
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
TJSC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 09
2 SOBRE A COMPREENSÃO DE JUSTIÇA........................................................ 11
2.1 NOS PRIMORDIOS DA FILOSOFIA................................................................ 11
2.2 A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE JUSTIÇA...................................................... 13
2.3 A POSSIBILIDADE DO NOVO ENTRE NÓS.................................................. 16
3 SOBRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA.............................................................. 23
3.1 O MOVIMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA............................................. 23
3.2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UM NOVO PARADIGMA...................... 26
3.3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS RESOLUÇÕES DA ONU E DO CNJ ....... 32
4 DIÁLOGO ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E FILOSOFIA.......................... 41
4.1 RESTAURAR A EQUIDADE: DIALOGANDO COM ARISTÓTELES............... 41
4.2 RESTAURAR A AUTONOMIA: DIALOGANDO COM KANT........................... 47
4.3 RESTAURAR A AÇÃO COMUNICATIVA: DIALOGANDO COM
HABERMAS............................................................................................................ 50
5 CONCLUSÃO...................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 64
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1 INTRODUÇÃO

No cenário da reflexão sobre a natureza e as práticas do Direito, práticas


e concepções alternativas vem se apresentando como propostas de solução de
conflitos e lides.
A concepção de justiça hegemônica no direito pátrio atravessa profunda
crise. Os pressupostos e caminhos desta proposta de solução para a violação de
direitos apontados pela concepção punitiva-retribuitiva de justiça, dá sinais de
esgotamento. As vítimas não se sentem protegidas, confortadas e reparadas por
este sistema. Os violadores do direito amontoam-se nos tribunais e nas instituições
penais. Agride-se o indivíduo, paga-se ao Estado. Há algo estranho no reino do
direito. Será que a prática da justiça que não restaura as relações e o tecido social
rompido, faz justiça? Sobra descrédito, frustração, impotência. Urge encontrar novos
caminhos para o efetivo reestabelecimento do direito sempre e em qualquer lugar ou
situação em que o mesmo for violado.

Outros caminhos existem e entre estes, a concepção de Justiça


Restaurativa. Nesta o delito é visto como uma violação à pessoa e às relações
interpessoais e a justiça busca nos seus procedimentos a restauração do estado de
coisas anterior ao delito que motivou a lide e o desequilíbrio na justa medida das
coisas pactuadas socialmente. O binômio “violação-pena” é substituído pelo binômio
“violação-restauração”, favorecendo a retomada do equilíbrio perdido, da paz social.

Na construção desta monografia buscamos apresentar a Justiça


Restaurativa como um movimento de mudança, de transformação das concepções e
práticas hegemônicas no direito, em contraposição à hegemônica concepção de
justiça punitiva-retributiva.
É possível substituir a retribuição pela restauração? Que caminhos já
foram percorridos? Quanto mais ainda temos que percorrer? Conceitos filosóficos
clássicos e modernos, tais como a equidade, a autonomia e a ação comunicativa,
podem contribuir com a superação dos desafios do presente? É o que procuraremos
estudar e apresentar com a realização deste trabalho monográfico.

Na elaboração desta Monografia foi utilizado o método de abordagem de


pensamento dedutivo, partindo da caracterização da concepção de justiça, para a de
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justiça restaurativa e para os fundamentos filosóficos que nos foram legados por
Aristóteles, Kant e Habermas.

O método de procedimento é o monográfico com técnica de pesquisa


bibliográfica com base doutrinária e legislativa.

No desenvolvimento do trabalho buscaremos a compreensão do termo


justiça visitando os primórdios da filosofia grega, a concepção clássica aristotélica de
justiça e o entendimento conceitual dos contemporâneos sobre o termo e as
potencialidades e abertura para a Justiça Restaurativa no direito positivo pátrio.

Passo seguinte, apresentaremos a Justiça Restaurativa como movimento


de mudança, como um novo paradigma, como um novo olhar, capaz de gerar
práticas transformadoras da realidade e dos desafios das sociedade e nações no
enfrentamento dos litígios e crimes. O foco desta apresentação é a obra “Trocando
as lentes”, de Howard Zehr, marco teórico basilar para as reflexões e práticas
restaurativas.

Por fim, estabeleceremos um diálogo entre a concepção e princípios da


Justiça Restaurativa com a filosofia de Aristóteles, Immanuel Kant e Jürgen
Habermas. Desenvolveremos o conceito aristotélico de equidade, como estágio
superior de realização da justiça, para além do estabelecido pela igualdade, e a sua
pertinência para os princípios da Justiça Restaurativa. Apresentaremos a noção
kantiana de autonomia, como possibilidade de empoderamento e responsabilização
dos sujeitos na vida em sociedade. Visitaremos os pressupostos da ação
comunicativa de Habermas como condição e caminho para a realização das práticas
do novo paradigma.

Neste tempo de colher e semear, que caracteriza os meses finais da


graduação, percorremos um caminho fascinante de descobertas e aprendizados,
reflexões e produção textual, que aqui, compartilhamos.
11

2 SOBRE A COMPREENSÃO DE JUSTIÇA

Neste capítulo apresentaremos o surgimento e o desenvolvimento da


concepção de justiça na filosofia e civilização ocidental, com destaque para a
concepção clássica de Aristóteles e balizar para a compreensão de justiça que
temos nos tempos hodiernos.

2.1 NOS PRIMÓRDIOS DA FILOSOFIA

A realização da Justiça é um dos grandes ideais da civilização ocidental.


É em torno do entendimento, da compreensão, da efetivação possível deste ideal
que se organizaram, ao longo dos séculos, os diferentes projetos societários de
organização econômica, política e social da civilização ocidental.

Na primavera da história da civilização ocidental, no século VI da


antiguidade grega, os primeiros pensadores do ocidente se debruçaram sobre os
segredos do universo, sobre a ordem e harmonia do cosmos e viram que tudo era
cíclico, imutável, perfeito, justo. Não demorou muito para perceberem que as leis do
funcionamento do universo deveriam modelar as normas do ser e do conviver
humanos. Se cada astro, estrela, corpo celeste, possuem a sua finalidade e
movimento, ajustada ao todo harmônico que é o universo, assim também o ser
humano, nas relações interpessoais, deve observar o que lhe cabe, para que a
sociedade seja harmoniosa e equilibrada. (MARTINS FILHO, 1997, p. 20-27).

Nos primórdios da Filosofia o pensamento mítico grego se desenvolveu


do século XI ao VI antes de Cristo (a.C.) e construiu uma compreensão intuitiva da
realidade, uma forma espontânea do homem situar-se no mundo. Os poetas gregos
Homero e Hesíodo registraram em suas obras o pensamento mítico grego e
demostram de forma trágica e poética as desventuras do ser humano em buscar
uma explicação para o caos e para a ordem do mundo. O herói grego, não aceita a
determinação dos deuses e luta com todas as suas forças, técnicas e perspicácias
para realizar o que lhe cabe, o que é justo: ser senhor do seu destino. (CATANEO,
2013, p. 16).
12

Assim nasce a primeira compreensão de justiça da civilização ocidental:


da contemplação da justa disposição do que está nos céus, nas determinações
inexoráveis dos deuses ou na ordem e equilíbrio harmonioso que rege o cosmos,
para então, reproduzir esta harmonia e equilíbrio nas relações pessoais e
organização social. E o ser humano, em constante luta, pelo lugar que lhe cabe
(justo) neste cenário de epopeias homéricas. (CATANEO, 2013, p. 55).

A batalha contra as determinações dos deuses e das forças e leis da


natureza foi vencida. Por volta do século VI a.C. nasce a filosofia, e as explicações
para a realidade do mundo não são mais buscadas entre os deuses ou na
contemplação do cosmos. Novos tempos, um novo tipo de herói. Não mais o ideal
de guerreiro e sua paixão pela guerra, mas o pensador e sua paixão pelo
conhecimento. A força bruta pode ser substituída pelo uso da racionalidade, o
conflito pelo diálogo, o mando pelo consenso (CATANEO, 2013, p. 11).

É bom recordar, que a passagem da consciência mítica ou religiosa para


a consciência racional ou filosófica não aconteceu instantaneamente. Estes dois
“tipos” de consciência coexistiram na sociedade grega mesmo com a chegada da
Filosofia. Durante muito tempo, os primeiros filósofos gregos compartilhavam de
diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o conhecimento racional que
caracterizaria a Filosofia. (CHAUÍ, 2002).

Com o surgimento da Filosofia clássica, no século IV da antiguidade


grega, uma nova compreensão de justiça se manifesta. Sócrates faz a reflexão
filosófica voltar-se para a compreensão do homem. “Ensina”, extraindo a sabedoria
de dentro dos homens, que é “do” humano buscar o bem, o belo, o justo (MARTINS
FILHO, 1997, p. 28). E, segundo Andrade (1996), ao escolher o caminho do
conhecimento para alcançá-lo, funda a Ética como a ciência do buscar da vida boa
(feliz) e justa.

O que interessava aos atenienses era ação, particularmente a ação política.


Sócrates imprimiu, assim, à filosófica fundamental uma nova direção. O que
suscitava a reflexão, na nova conjuntura, não eram os astros, a origem do
cosmos, o elemento primordial, mas a vida da polis (cidade), os costumes e
comportamentos, numa palavra, o que os gregos denominavam de ethos
(estilo de vida). (ANDRADE, 1996, p. 71).
13

Pegoraro (2006) nos mostra que, da reflexão sobre a ideia de homem e a


partir da ideia de justiça como o sumo bem, Platão constrói a proposta de sociedade
ideal, que é assim apresentada por Pegoraro:

Segundo Platão, para saber o que é a justiça é melhor começar pela


sociedade do que pelo indivíduo. Na sociedade, que reúne todos os
cidadãos e todas as funções, aparece mais facilmente o que é justo e
injusto. Ora, na cidade, a origem da justiça é a divisão do trabalho. A justiça
está em que cada um cumpra sua função, seu dever na polis; e injustiça é o
contrário. Então a justiça harmoniza as ações dos membros da comunidade:
os trabalhadores, os guerreiros, os magistrados; a justiça é harmonia das
muitas funções que gerenciam a polis. (PEGORARO, 2006, p. 23).

Na visão platônica, a sociedade perfeita seria aquela em que cada classe,


cada unidade estivesse fazendo o trabalho ao qual sua natureza e aptidão melhor se
adaptassem; aquela em que nenhuma classe ou indivíduo iria interferir nas outras,
mas todos iriam cooperar na diferença para produzir um todo harmonioso. Este seria
um Estado justo, na justa medida. (CATANEO, 2013, p. 52).

2.2 A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE JUSTIÇA

A reflexão filosófica sobre ética e política caracteriza e identifica a própria


filosofia grega clássica. Aristóteles (385 a 322 a.C.) sistematiza a filosofia clássica e
apresenta a justiça como a mais elevada das virtudes, para qual, o caminho de
realização mais sublime é a política. Parte do pressuposto de que o homem (animal
racional) não quer apenas viver, mas viver bem (animal político). E para viver bem,
necessita conviver, viver na coletividade, viver na cidade. O animal racional é um
animal político e a Justiça é a realização plena da polis: local onde o “ser” do
indivíduo e o “dever ser” do cidadão se encontram, na justa medida de cada um,
para o bem de todos.

Ao falar sobre as condições históricas que favoreceram o surgimento da


filosofia na antiga Grécia, Marilena Chauí (1998) lista três aspectos relacionados ao
surgimento da política que podem trazer luzes para a compreensão do conceito de
Justiça:
14

[...] a ideia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana,


que decide por si mesmo o que é melhor para si e como ela definirá suas
relações internas, dentro da polis; [...] o surgimento de um espaço público (a
ágora), que faz aparecer um novo tipo de discurso, no qual surge “a
palavra” como o direito de cada cidadão de emitir em público a sua opinião,
de discuti-la com os outros e persuadi-los a tomar uma decisão proposta por
ele; [...] um pensamento e um discurso públicos, ensinados, transmitidos,
comunicados e discutidos, que todos podem compreender e discutir, que
todos podem comunicar e transmitir (CHAUÍ, 1998, p. 32).

Debruçando-se sobre as suas inquietações metafísicas e ontológicas,


Aristóteles pensa o ser (tudo o que existe) como realidade que permanece
(substância) e que muda constantemente (acidente). Permanência e mudança
constituem a estrutura real de todas as coisas – a síntese do que ele é e do que ele
pode vir a ser. A justiça também precisa ser compreendida nesta perspectiva de
permanência da sua substância, do que faz com que ela seja e continue sendo; e na
perspectiva da mudança, como acidente que, nunca pleno ou perfeito, não esgota as
possibilidades da substância. A justiça não “é”, ela está sendo, e sempre se fazendo.

A justiça é uma virtude e Aristóteles pensa que a virtude não é uma


habilidade inata que pode ser simplesmente relembrada (como ideia). A virtude, e
entre estas a Justiça, pode e deve ser adquirida e desenvolvida pelo exercício, pelo
hábito. Podemos, então, cultivar a virtude da Justiça por meio de nossa autonomia
racional de escolher o que fazer e do hábito de praticar boas ações, ações justas.

É interessante recordar que, ao tratar do tema da Justiça dentro do


tratado das virtudes, Aristóteles nos faz ver que, é comum tratarmos do tema Justiça
pelo viés negativo, pela sua falta ou excesso. Como virtude, a justiça não está nos
extremos. A falta extrema da justiça, a o excesso extremo de justiça representam
diferentes possibilidades da injustiça. A possibilidade dos extremos – vícios, nos faz
refletir sobre a necessária disposição de perseguir e realizar a justiça como uma
virtude.

A justiça é uma virtude, e como tal, está ligada ao hábito de praticar ações
justas, como uma disposição nossa e escolha racional, no dizer de Aristóteles,
15

[...] todos os homens entendem por justiça aquela disposição de caráter que
torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir
justamente e desejar o que é justo; e do mesmo modo, por injustiça se
entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é
injusto. (ARISTÓTELES, 1991, p. 96).

Mas a Justiça é mais do que uma virtude. Aristóteles definiu a virtude


como o justo-meio, o meio-termo entre dois vícios, entre duas ações morais
contrárias, radicais e extremas. A virtude, para Aristóteles, é a consequência de
nossa escolha deliberada, de nossa disposição em equilibrar duas ações extremas,
dois vícios. A Justiça está presente em todas as virtudes, é a própria virtude e
nenhuma virtude o é, sem estar acompanhada da Justiça.

Segundo Aristóteles, a felicidade, enquanto fim próprio do homem, é sua


realização ou perfeição. A felicidade somente pode ser obtida em uma pólis.
Ela depende da ordenação da pólis e da Justiça, sendo somente alcançada
com o uso da razão (a maneira de ser e agir específica do homem). A lei,
enquanto o produto da razão que conduz à felicidade, é, portanto, para
Aristóteles, a norma que constitui a ordem da comunidade política e a
determinação do que é justo. (TORRES, 2005, p. 5).

Na perspectiva aristotélica a Justiça é a virtude que rege as relações


entre os indivíduos na cidade. Sem esta disposição de caráter (que não produz
resultados opostos a si mesmo – a injustiça) que nos torna propensos a desejar e
fazer o que é justo, a convivência social e o projeto de cidade resta comprometido.

Essa forma de justiça é, portanto, uma virtude completa, porém não em


absoluto e sim em relação ao nosso próximo. Por isso a justiça é muitas
vezes considerada a maior das virtudes, e "nem Vésper, nem a estrela-
d’alva" são tão admiráveis; e proverbialmente, "na justiça estão
compreendidas todas as virtudes". E ela é a virtude completa no pleno
sentido do termo, por ser o exercício atual da virtude completa. É completa
porque aquele que a possui pode exercer sua virtude não só sobre si
mesmo, mas também sobre o seu próximo, já que muitos homens são
capazes de exercer virtude em seus assuntos privados, porém não em suas
relações com os outros. (ARISTÓTELES, 1991, p. 99).
16

Resta-nos registrar, com Abbagnano (2007, p. 636), que no ensinamento


de Aristóteles, a Justiça é a virtude integral e perfeita. É integral, porque
compreende todas as outras; é perfeita, porque quem a possui pode utilizá-la não só
em relação a si mesmo, mas também em relação aos outros, e como tal, desejável e
necessária para a vida política.

2.3 A POSSIBILIDADE DO NOVO ENTRE NÓS

A justiça como caminho, finalidade e realização da vida política será uma


das características fundamentais da nossa compreensão sobre o termo e projeto
civilizatório.

Ao refletir sobre as diferentes correntes de pensamento no que tange ao


conceito e compreensão da justiça, Dimitri Dimoulis (2013) registra a corrente da
justiça absoluta, do historicismo e do relativismo:

Os partidários da justiça absoluta (ou justiça material, vislumbram alguns


valores fundamentais que indicam o justo. Estes valores vigoram em todo
tempo e em toda sociedade; coincidem com os mandamentos do direito
natural e devem nortear a vida social; os partidários do historicismo
consideram que, apesar de contínua mudança das mentalidades e dos
valores sociais no decorrer do tempo, a maioria dos membros de cada
sociedade aceita certos valores que devem servir como critério para a
determinação das condutas justas. Os partidários do relativismo insistem na
impossibilidade de identificar os valores “justos”. Por isso, recusam-se a
formular uma definição objetiva do conceito. Cada pessoa possui seu senso
de justiça, sendo impossível avaliar qual destes é o melhor ou o “certo”.
(DIMOULIS, 2013, p. 77).

Observa o doutrinador que historicismo e relativismo concordam que os


valores da justiça dependem dos fatores tempo e espaço - já que as ideias sobre o
justo modificam-se dependendo do período histórico e do país, e também do fator
social - já que a representação do justo pode divergir segundo o grupo social.
Considera que essa constatação indica o paradoxo da justiça, uma vez que o
conceito apresenta-se como absoluto, mas, ao mesmo tempo, revela-se como um
conceito relativo, que depende do tempo, do espaço e da opinião das pessoas,
sofrendo contínuas mudanças. (DIMOULIS, 2013, p. 77).
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Ferreira (2009, p. 1165) define o substantivo feminino “Justiça” como o


que está “em conformidade com o direito”, bem como “a virtude de dar a cada um
aquilo que é seu”. Por sua vez, e perspectiva filosófica, Abbagnano (2007, p. 682),
define “Justiça” como “a ordem das relações humanas ou a conduta de quem se
ajusta a essa ordem”. Na perspectiva jurídica, Diniz (2005, p. 42) define Justiça
como ratio juris, “a razão de ser ou o fundamento da norma, que está vinculado a
fins que legitimam sua vigência e eficácia”. Registra a dicionarista que também se
atribui ao substantivo Justiça o sentido de virtude presente no que “visa produzir a
igualdade nas relações humanas”.

Regis Jolivet (2001), pensador neotomista do século XX, no seu clássico


Curso de Filosofia, estabelece nestes termos o conceito de justiça:

A Justiça consiste na vontade firme e constante de dar a cada um o que lhe


é devido. A Justiça supõe, pois, duas condições necessárias: a) a distinção
de pessoas em que existem correlativamente um direito e um dever de
justiça; b) a especificação de um objeto, que pertence a uma delas e que
deve ser respeitado, devolvido ou restabelecido em sua integridade pela
outra. (JOLIVET, 2001, p. 369).

Nesta concepção podemos identificar a dúplice natureza da justiça: ela


comporta sempre um direito de alguém que deve ser respeitado e um dever de
todos de respeitá-lo. Em Abbagnano (2007) a Justiça pode ser compreendida como
um critério para mensurar a conformidade de um comportamento a uma norma; ou a
eficiência da norma em possibilitar as relações humanas. Neste último, a justiça é
compreendida como um instrumento que pode ter como finalidade a felicidade, a
utilidade, a liberdade, a paz. (ABBAGNANO, 2007, p. 684).

Os tempos que estamos vivenciando apontam para uma mudança de


paradigma. O conceito de paradigma é explicitado por Thomas Kuhn (1998) na obra
A estrutura das revoluções científicas e indica conquistas científicas universalmente
reconhecidas, que por certo período fornecem um modelo de problemas e soluções
aceitáveis aos que praticam em certo campo de pesquisas. Ou seja, um paradigma
permanece em vigor pelo tempo em que for capaz de oferecer soluções para os
problemas que objetiva resolver. Quando não dá mais conta de propor soluções
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para determinado problema a fase de triunfo cede lugar a um período de crise, que é
o momento que antecede o surgimento de uma mudança significativa, de um novo
paradigma. Kuhn chama este movimento de revolução científica. As crises terminam
quando emerge um novo paradigma que purifica ou corrige a concepção sobre a
realidade e, além disso, apresenta uma nova visão da realidade ainda não existente
até então. Kuhn chama atenção para o fato de que a aceitação de um novo
paradigma não depende tanto da sua capacidade de resolver os problemas que o
velho paradigma não consegue resolver, mas sim pela capacidade que o novo
paradigma possui para resolver os problemas futuros.

Neste escopo, assistimos ao ocaso de um paradigma: o paradigma da


justiça meramente retributiva. A crescente onda de violência e a superlotação
carcerária, o sentimento de insegurança e injustiça são sinais da incapacidade deste
paradigma hegemônico responder aos desafios do tempo presente, pois,

O sistema penal tradicional, pautado sob o modelo de justiça retributivo,


confisca os conflitos de seus donos e os impede de participar do processo
de busca de soluções, em uma dinâmica que não respeita a humanidade e
a singularidade das partes, e as reduz a um signo que viabiliza a
intervenção das agências penais, em sua forma estruturalmente seletiva. A
pena representa a manifestação do poder estatal que imprime dor e aflição
e não resolve os conflitos sobre os quais o sistema criminal intervém.
(SILVA, 2007, p. 03).

Mas a crise de um paradigma é sempre acompanhada do nascimento de


um novo. É o que se dá com a justiça restaurativa. A Justiça Restaurativa é um
movimento que se manifesta em diversas partes do mundo, físico e jurídico, que visa
promover um novo olhar sobre as práticas jurídicas e aplicação da justiça. Um
movimento que objetiva, persegue, vislumbra a realização da justiça para além do
viés meramente retributivo.

Dessa maneira, a Justiça Restaurativa visa a idealização de um modelo


penal mais humano, legítimo e democrático, alicerçado na proteção dos
direitos fundamentais, bem como na construção de uma sociedade livre e
solidária. O sistema brasileiro de resolução de conflitos possui várias portas
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de entrada que possibilitam a inserção de práticas restaurativas. A nossa


sociedade tem se mostrado aberta para a aceitação de formas alternativas
de composição de conflitos e tem a capacidade de se articular para
desenvolver programas dessa natureza. Práticas restaurativas podem ser
implementadas pela sociedade civil organizada e o nosso ordenamento
jurídico confere a abertura necessária para que esses projetos comunitários
interajam com o sistema criminal estatal. (SILVA, 2007, p. 03).

Um olhar atento sobre os institutos do direito pátrio nos permite identificar


o surgimento de um novo paradigma, da possibilidade do novo entre nós.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), no
seu artigo 1º, define a República Federativa do Brasil como Estado democrático e de
direito, tendo entre os seus fundamentos a cidadania (inciso II) e a dignidade da
pessoa humana (inciso III). No seu artigo 3º, entre os objetivos fundamentais da
República, lista, construir uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I) e promover
o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem de raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras de discriminação (inciso IV).
Sarlet (2017) apresenta a dignidade da pessoa humana como princípio
fundamental estruturante e informador de toda a ordem jurídico-constitucional, com
feição particularmente relevante (atrelados com os direitos fundamentais) no
Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição. O autor apresenta o conceito,
dimensões e funções da dignidade da pessoa humana no Estado constitucional
como um conceito de difícil explicitação. Ponto pacífico, a dignidade da pessoa
humana é inerente (atribuída/reconhecida) a todo e qualquer ser humano pelo
simples fato de ser humano, independentemente de suas qualidades, e, sublinha o
autor, ainda que não se comportem como tal. Neste escopo, resenha o autor a
importância de compreender a dignidade numa perspectiva relacional e
comunicativa, como uma categoria de “co-humanidade” presente em cada indivíduo,
mesmo no quadro de pluralismo e diversidade de valores que se manifesta nas
sociedades democráticas contemporâneas.
Entre os direitos e garantias fundamentais a CRFB/88, no seu art. 5º, lista:
a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações (inciso I); que ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (inciso III); são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação (inciso X); todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
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seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (inciso XXXIII); a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (inciso XXXV);
a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a prestação social
alternativa (inciso XLVI, d); não haverá penas cruéis (inciso XLVII, e); é assegurado
aos presos o respeito à integridade física e moral (inciso XLIX); aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (inciso LV).
Tais pressupostos constitucionais corroboram com a crítica aqui
apresentada ao sistema tradicional de justiça, meramente retributivo, que não
contribui com a observância e respeito aos direitos e garantias fundamentais, e não
realiza a dimensão racional comunicativa, impossibilitando o reestabelecimento das
relações comunitárias rompidas pelo evento crime.
Cruz (2013) debruça-se sobre as oportunidades que podem ser
encontradas no direito constitucional e infraconstitucional para experiências de
justiça restaurativa. Registra a articulista que a Constituição Federal, em seu art. 98,
inciso I, prevê a instituição dos juizados especiais, com competência para a
conciliação e transação em casos de infração penal de menor potencial ofensivo. No
inciso II do citado artigo encontramos a indicação de constituição da justiça de paz,
com competência para exercer atribuições conciliatórias sem caráter jurisdicional.
Muito embora expressem o viés que se preocupa com “o fazer justiça”, o
que manifesta a essência do sistema retributivo e dos dispositivos normativos do
direito pátrio, é possível identificar na Constituição e na legislação infraconstitucional
oportunidades para que outras práticas venham se somar à ação penal no sistema
jurídico brasileiro. Este é o objetivo da Justiça Restaurativa: considerar tais avanços,
prospectar oportunidades, propor novidades.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo Cruz (2013), no
seu art. 126, também oportuniza práticas restaurativas, ao recepcionar o instituto da
remissão, previsto no art. 77 do Código Penal. Nesse caso, o processo poderá ser
excluído, suspenso ou extinto, desde que a composição do conflito seja acordada
entre as partes, de forma livre e consensual. A articulista também aponta
possibilidades restaurativa no amplo leque de medidas socioeducativas previstas no
art. 112 do ECA, com destaque para a obrigação de reparar o dano, positivada no
artigo II do artigo em comento.
21

Neste escopo a Resolução nº. 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça


(CNJ, 2016), considera que o art. 35, II e III, da Lei 12.594/2012 estabelece, para o
atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, que os princípios da
excepcionalidade, da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo
meios de autocomposição de conflitos, devem ser usados dando prioridade a
práticas ou medidas que sejam restaurativas e que, sempre que possível, atendam
às vítimas;
No Estatuto do Idoso, Cruz (2013) observa a possibilidade de aplicação
da Justiça Restaurativa nos crimes contra idosos, uma vez que o art. 94 da Lei
10.741/2003, determina o emprego do procedimento da Lei 9.099/1995 nos delitos
cuja pena privativa de liberdade não exceda quatro anos.
Ao debruçar-se sobre os limites e possibilidades da Justiça Restaurativa
no sistema prisional, Bernardi (2014) afirma a realidade das prisões afasta-se
totalmente da proposta de execução penal expressa na Lei n. 7.210, de 11/07/1984,
a Lei de Execuções Penais (LEP). Assevera que tal estado de coisas reflete o
fracasso do sistema penal no Brasil, pois os estabelecimentos prisionais não
oferecem as condições mínimas necessárias ao processo de reinserção social dos
apenados.
Cruz (2013) vê muitas oportunidades para práticas restaurativas na Lei
9.099/1995, uma vez que a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais regula o
procedimento para a conciliação e julgamentos dos crimes de menor potencial
ofensivo, possibilitando a aplicação da justiça restaurativa. Cita nos institutos da
composição civil (art. 72), a possibilidade de composição dos danos entre as partes,
presente representante do Ministério Público, e a aceitação da proposta de
aplicação de pena não privativa de liberdade, em audiência preliminar. Recorda
ainda, o art. 79 prevê que, em audiência de instrução e julgamento, quando
infrutífera a tentativa de conciliação entre as partes e não havendo proposta pelo
Ministério Público, deverá o magistrado ofertar a composição civil. Destaca o art. 76,
do mesmo diploma legal, disserta quanto à transação penal, referindo que, havendo
representação da vítima ou sendo crime de ação penal pública incondicionada,
poderá o Ministério Público propor pena restritiva de direito ou multas. Considera
também a articulista que a redação do art. 89 da Lei 9.099/1995 abre a possibilidade
para a aplicação da Justiça Restaurativa. Nesse caso, amplia-se o rol de crimes
contemplados para serem alcançados os crimes de médio potencial ofensivo.
22

Neste escopo, a Resolução nº. 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça


- CNJ (CNJ, 2016) considera que os artigos 72, 77 e 89 da Lei 9.099/1995 permitem
a homologação dos acordos celebrados nos procedimentos próprios quando regidos
sob os fundamentos da Justiça Restaurativa, como a composição civil, a transação
penal ou a condição da suspensão condicional do processo de natureza criminal que
tramitam perante os Juizados Especiais Criminais ou nos Juízos Criminais.
Amâncio (2011), ao apresentar a potencialidade da Justiça Restaurativa,
como um novo modelo de justiça, na resolução de conflitos familiares, destaca as
possibilidades restaurativas no enfrentamento legal da violência contra a mulher.

[...] a esfera da violência doméstica, disciplinada pela Lei Maria da Penha


(Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006) que seria plenamente viável a
utilização dos Círculos Restaurativos para solucionar os conflitos existentes
entre as partes, ofensor e vítima, já que, fundamentalmente esta lei trata de
relações de cunho emocional, de violência doméstica e familiar contra a
mulher. De modo que esta Lei tem como objetivo garantir a proteção e
procedimentos policiais e judiciais humanizados para as vítimas, trazendo
aspectos conceituais e educativos, qualificando-a como uma Lei avançada e
inovadora, demonstrando, portanto, uma sintonia com a aplicação da
Justiça Restaurativa para a resolução dos conflitos.

Registra Mila Amâncio (2011) que a Justiça Restaurativa surgiu


formalmente no Brasil no ano de 2005. Neste ano a Secretaria da Reforma do
Judiciário/Ministério da Justiça, que elaborou o projeto “Promovendo Práticas
Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, e, juntamente com o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD, apoiou três projetos-piloto de Justiça
Restaurativa, a saber: no Estado de São Paulo, na Vara da Infância e da Juventude
da Comarca de São Caetano do Sul; no Juizado Especial Criminal de Bandeirante,
em Brasília/DF; e na 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto
Alegre/RS, com competência para executar as medidas socioeducativas. Este último
apoiado pelo PNUD, o Projeto “Justiça Século 21”, de grande importância para o
conhecimento e disseminação das práticas restaurativas no Brasil, pode ser
conhecido no link <http://www.justica21.org.br/>.
Vivemos tempos de crise. O paradigma da justiça meramente retributiva
não representa o estágio civilizatório atual, não produz felicidade, não se demonstra
útil para frear o avanço da transgressão, não contribui para a liberdade e a paz.
23

3 SOBRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Os anos setenta do século XX trouxeram mudanças significativas para os


ditames da cultura ocidental. Os ventos revolucionários do maio de 1968 na França,
o movimento pacifista e de contracultura nos EUA, o enfrentamento dos ditames
morais conservadores e das práticas e regimes autoritários na América Latina e no
mundo levantaram bandeiras questionadoras das práticas tradicionais em todos os
campos e contextos sociais. O entendimento, acesso e realização da justiça, não
ficou imune aos ventos de renovação e o questionamento das respostas tradicionais
do sistema de justiça para os delitos e crimes fez surgir uma série de inciativas
críticas e criadoras de abordagens diferenciadas e com poder de ampliar o acesso à
justiça e as possibilidades de compreensão e resolução dos conflitos.

3.1 O MOVIMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

No início dos anos 1970, com o surgimento da Justiça Restaurativa deu-


se a aurora que sinalizou o começo de um tempo novo. Reflexões sobre a
necessidade de ampliação do acesso à Justiça e sobre o esgotamento das
respostas tradicionais dos sistemas de justiça frente aos litígios e rupturas do tecido
social, passam para a ordem do dia.

A origem e os precursores de movimentos de Justiça Restaurativa esta


didaticamente apresentada no texto “Princípios, Tendências e Procedimentos que
cercam a Justiça Restaurativa” (JACCOUD, 2005, p. 163-188). Um movimento que
busca ampliar o acesso aos meios de solução de conflitos estabelecidos pelos
meios jurídicos começa a despontar, provocando uma aproximação entre os meios
jurídicos e a sociedade. Um cenário de exclusão para grande parcela das
populações dos Estados nação e uma insatisfação com a compreensão e práticas
de justiça meramente restritiva e punitiva começa a ser desvelado. Surge a
compreensão de que o acesso universal à Justiça é uma exigência do Estado
Democrático e de Direito, requisito fundamental para um sistema jurídico moderno e
igualitário.
24

Em 1975, Albert Eglash, um psicólogo norte americano que trabalhava


com detentos, apresentou no Primeiro Simpósio Internacional sobre Restituição,
Minnesota, EUA, um artigo intitulado Beyond Restitution: Creative Restitution. Neste
trabalho, Eglash apresenta, analisa e estabelece as aproximações e diferenças entre
três possíveis respostas da sociedade ocidental às ações criminosas: a ação
distributiva, focada na reeducação; a ação retributiva, focada na punição; e a ação
restaurativa, focada na reparação. Busca o autor superar o estigma que condena o
infrator à exclusão social e o impede de enfrentar os danos causados à vítima e à
sociedade, dificultando a sua reintegração à sociedade. Defende a construção de
um sistema com penas que sejam preventivas e reintegradoras. Pela primeira vez, o
aposto adjetivo “restaurativa” foi apresentado como uma nova possibilidade de
realização da justiça. (ROLIN, 2007).

O artigo de Eglash foi publicado em 1977 no livro “Restitution in Criminal


Justice: A Critical Assessment of Sanctions”, editado por Joe Hudson e Burt
Galaway. Segundo Rolim (2007) surgia assim no cenário da produção científica o
termo Justiça Restaurativa, como agregador das críticas ao sistema penal vigente e
de um novo paradigma para pensar o crime e o castigo. O trabalho de Eglash se
desenvolve no escopo do “movimento de exaltação da comunidade”, que busca
solucionar conflitos por meio da negociação e da “restituição criativa”, na qual,
agressor, ofendido e demais atingidos buscam soluções diferenciadas das usuais
para a reparação de conflitos.

No Canadá, em 1976, surge o Centro de Justiça Restaurativa Comunitária


de Victória (VOM), motivado pela solução exitosa na mediação de um conflito
causado por vandalismos praticados por dois jovens em propriedades rurais. Em
1996 a Justiça Restaurativa se manifesta na Noruega, na solução de conflitos
relativos a propriedade. Em 1980, em Nova Gales de Sul, na Austrália, justiça de
cunho comunitário. E nos mesmos moldes, em 1982, no Reino Unido.

Marco significativo, no ano de 1988, o governo da Nova Zelândia aplica


os princípios da Justiça Restaurativa no trabalho de agentes da condicional e,
decide, em 1989, formalizar processos restaurativos como uma via para tratar
infrações de adolescentes, reformulando o seu sistema de justiça da infância e
juventude segundo o novo paradigma.
25

Sobre as formas de aplicação da Justiça Restaurativa, Caravellas (2009), entre


outros, destaca o “círculo restaurativo”, desenvolvido em três significativos momentos. O
primeiro deles, de cunho preparatório é o pré-círculo, no qual os envolvidos são
informados sobre o procedimento, o autor é motivado a assumir a sua responsabilidade,
as partes são consultadas e manifestam sua concordância. São então orientados a
comparecer a um novo encontro juntamente com seus apoios. O segundo momento é o
da realização do círculo restaurativo que a articulista assim apresenta:

O círculo propriamente é conduzido por facilitadores treinados que dirigem os


trabalhos e garantem que todos falem e ouçam. Se for ocaso, também estarão
presentes representantes dos grupos de suporte para fortalecer a vítima ou oferecer
alternativas de encaminhamentos. Durante os debates, procura-se fazer com que o
infrator perceba como sua conduta afetou outras pessoas e, assuma
responsabilidades, buscando formas de reparar os danos causados. Ao mesmo
tempo, são esclarecidas as causas do conflito abrindo-se caminhos para que
possam ser combatidas. (CARAVELLAS, 2009, p. 125-126).

Ainda no círculo e ao final deste, onde os participantes colhem os frutos do


diálogo restaurativo e elaboram um plano de atuação, assinado por todos, que estabelece
obrigações razoáveis e exequíveis e é assinado por todos. A execução do plano de ação
será acompanhada pela comunidade, e poderá ou não ser submetido à homologação
judicial, conforme os entendimentos restaurativos acordados.
Segundo Caravellas (2009), na maioria dos casos, esses dois encontros são
suficientes para a elaboração do plano, mas se necessário, um outro círculo pode ser
agendado, até mesmo com participação de novas pessoas. O terceiro momento se dá
quando,

Decorrido o prazo fixado, realiza-se novo encontro para avaliar se houve


possibilidade de execução do plano ou se são necessários ajustes. Em caso de
descumprimento, não é descartada a realização de novo círculo, mas em nenhum
momento este terá qualquer aspecto sancionador em razão da frustração da
execução do plano anterior, pois o objetivo a ser alcançado é sempre a
reconciliação. (CARAVELLAS, 2009, p. 126).

Caravellas (2009, p. 126) ressalta que o procedimento acima descrito não é


absoluto e apresenta diversificações em muitos lugares, podendo incluir discussões mais
amplas para definir obrigações da comunidade. A prática restaurativa também pode
integrar as práticas restaurativas à justiça convencional, e ainda incluindo medidas de
efeito curativo e terapêutico ou usando as técnicas restaurativas para preparar o retorno
do condenado ao convívio social após a prisão.
26

3.2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UM NOVO PARADIGMA

No ano de 1990, o professor e escritor norte-americano Howard Zehr


publica o livro “Changing Lenses – A New Focus for Crime and Justice”. O livro de
Zehr foi publicado no Brasil em 2008, com o título “Trocando as Lentes: um novo
foco sobre o crime e a Justiça”. Nesta obra capital para o movimento em prol da
Justiça Restaurativa, Howard Zehr reúne a sua experiência de duas décadas, de
leituras, discussões e práticas sobre o tema.

Para uma correta compreensão por parte do leitor da Justiça


Restaurativa, Howard Zehr dividiu a sua obra em quatro significativas partes: Na
primeira parte ele analisa a experiência do crime, da quebra, da ruptura, da ofensa e
da afronta ao que está social e juridicamente estabelecido como comportamento
desejável, justo e bom. Pedagogicamente ele inicia a sua abordagem pela vítima e
posteriormente, o ofensor, e procura estabelecer a relação que o crime e o delito
fazem surgir entre estes dois atores e entre estes e a sociedade da qual ambos
fazem parte. O crime afeta a todos nós, é um problema de todos nós.

Na segunda parte da sua obra, Howard Zehr estabelece um juízo reflexivo


e explicativo sobre o modus operandi da Justiça retributiva, as características
conceituais e limites práticos para a compreensão do fenômeno transgressor e
possibilidades de superação. Introduz uma reflexão sobre a possibilidade de
mudança dos paradigmas estabelecidos.

Na terceira parte do seu livro, Howard Zehr, apresenta as raízes e marcos


do novo paradigma que se anuncia na crise e esgotamento do paradigma até então
hegemônico. E vai buscá-los nas experiências de justiça comunitária e no que
perdemos com o que ele chama de revolução jurídica, quando o poder de realizar a
justiça passou das mãos dos círculos e organizações comunitárias para o Estado e o
Direito. Deu-se a supremacia do aspecto retributivo sobre o aspecto restaurativo na
compreensão, trato e enfrentamento dos conflitos. Podemos considerar esta Parte
III, capítulos 7,8 e 9 do livro de Howard Zehr (2008) como o “DNA” da Justiça
Restaurativa, raízes e marcos dos quais qualquer iniciativa de ressignificação da
cultura do conflito, com a lentes restaurativas, não pode deles se esquecer ou se
afastar.
27

Por fim, na quarta parte do seu lapidar trabalho, Howard Zehr apresenta o
novo paradigma, as novas lentes o novo olhar sobre o crime, sobre as necessidade,
obrigações e responsabilidade que este evento traumático traz para a vítima,
ofensor e sociedade. As novas lentes, o novo olhar exige um compromisso com uma
motivação inicial, um critério permanente, um objetivo final: a restauração das
relações e vínculos rompidos pelo fato delituoso.

Com Howard Zehr a Justiça Restaurativa ganha o status de uma forma


eficaz de tratar a questão criminal voltada para a reparação do dano causado às
vítimas e à reconstrução das relações humanas afetadas pelo delito. O crime passa
a ser visto fundamentalmente como a ofensa de um indivíduo a outro ou à
comunidade, surgindo daí necessidades que devem ser apuradas e atendidas a fim
de restaurar a relação afetada e alcançar a paz social.

Começa a ser trilhado um caminho diferente do usual na justiça penal


tradicional, ou retributiva, na qual o crime é visto como violação da norma que tutela
bens jurídicos relevantes, buscando-se através da coerção punitiva a retribuição à
conduta ofensiva e a prevenção da sua repetição. Na Justiça Restaurativa o crime é,
sobretudo a ofensa de uma pessoa a outra. Assim, afasta-se a ideia da punição para
substituí-la pela reparação do dano mediante a responsabilização ativa do ofensor e
construção conjunta de um rol de medidas consideradas suficientes pelos
envolvidos.

Esta “mudança de lentes”, na qual se busca a reparação do dano, se


apresenta com maior potencial de produzir a paz social desconstruída com o
rompimento das relações pessoas e comunitárias. E a novidade é a preocupação
primeira e primordial com a satisfação das necessidades da vítima, que transmite
aos demais membros da comunidade a sensação de segurança e de certeza quanto
à existência de resposta eficaz ao crime (CARAVELLAS, 2009, p. 121).

Mas em que consiste este movimento e novidade? No ensinamento de


Zehr (2008), por primeiro dá-se a reavaliação do fenômeno criminológico, suas
causas, o sentimento e desejo de justiça dos ofendidos, as consequências do delito
para os envolvidos. O crime, delito, transgressão, ofensa passa a ser visto como um
dano decorrente da violação das relações interpessoais. Portanto, a justiça busca
restaurar o que o crime violou, corrigir, na medida do possível o mal e voltar ao
28

estado ideal. Percebam que não se busca, por não ser possível, voltar ao estado
anterior ao evento, mas ao estado ideal, ao desejável nas relações entre os afetados
pelo evento. O foco passa a ser a “reparação” das violações decorrentes do crime
em um modelo de justiça diferente do modelo meramente retributivo.

Em vez de definir a justiça como retribuição, nós a definiremos como


restauração. Se o crime é um ato lesivo, a justiça significará reparar a lesão
e promover a cura. Atos de restauração – ao invés de mais violação –
deveriam contrabalançar o dano advindo do crime. É impossível garantir
recuperação total, evidentemente, mas a verdadeira justiça teria como
objetivo oferecer um contexto no qual esse processo pode começar. (ZEHR,
2008, p. 176).

E, afirma Howard Zehr (2008) com toda a sua obra e militância, que a
grande novidade e ponto fulcral para o sucesso da iniciativa, bem como a sua mais
significativa diferenciação e distância das práticas meramente retributivas de
condução da justiça é, sem dúvida o “empoderamento” das partes. Vítima, ofensor,
comunidade e sociedade passam da condição de passividade para a condição de
sujeitos ativos no processo e real interessados na busca de uma solução que
permita, salvaguardadas limitações, a continuidade das relações pessoais e
comunitárias. Quem são, na justiça retributiva, vítima, ofensor, comunidade? Quem
são na Justiça Restaurativa, vítima, ofensor, comunidade? Estas são as novas
lentes, o novo paradigma, a irrupção da alvissareira novidade.

Tanto a retribuição como a restituição dizem respeito à restauração de um


equilíbrio. Embora a retribuição e a restauração tenham importante valor
simbólico, a restituição é uma forma mais concreta de restaurar a equidade.
Também a retribuição busca o equilíbrio baixando o ofensor ao nível onde
foi parar a vítima. É uma tentativa de vencer o malfeitor anulando sua
alegação de superioridade e confirmando o senso de valor da vítima. A
restituição, por outro lado, busca elevar a vítima, percebendo ainda o papel
do ofensor e as possibilidades de arrependimento – assim reconhecendo
também o valor do ofensor. (ZEHR, 2008, p. 182).

Howard Zehr (2008) demonstra que o caminho restaurativo ao elevar a


vítima realiza a equidade e possibilita a justiça. Neste processo, a vítima deixa de
29

ser mero elemento de prova e não se sente duplamente aviltada, como se dá na


ação meramente retributiva.

Por isso, as vítimas almejam vindicação, que inclui a denúncia do mal


cometido, lamento, narração da verdade, publicidade e não minimização.
Buscam equidade, inclusive reparação, reconciliação e perdão. Sentem
necessidade de empoderamento, incluindo participação e segurança.
Querem proteção e apoio, alguém com quem partilhar o sofrimento,
esclarecimento das responsabilidades e prevenção. E necessitam de
significado, informação, imparcialidade, resposta e um sentido de
proporção. (ZEHR, 2008, p. 183).

Para tanto, como condição sine qua non, temos a aceitação, da


responsabilidade do delito pelo ofensor, o reconhecimento dos danos causados e da
responsabilização pela reparação destes. Passo seguinte a restituição, a formação,
através das informações colhidas, diálogo e interação, de um parâmetro para a
restauração dos danos decorrentes do delito. Por fim, a restauração, com o
compromisso de não repetição do ato danoso por parte do ofensor fundado no
arrependimento do ofensor e gerando compreensão e segurança para a vítima.

E o faz mudando as perguntas que costumeiramente fazemos diante de


um crime, conflito ou delito. Em vez de nos perguntarmos, como faz o paradigma em
crise do sistema judicial ocidental, que lei foi violada, quem fez isso, o que ele
merece; as novas lentes da Justiça Restaurativa propõem novas perguntas:

Quem sofreu o dano? Quais as suas necessidades? Quem tem a obrigação


de supri-las? Quais as causas? Quem tem interesse na situação? Qual o
processo apropriado para envolver os interessados no esforço de tratar das
causas e corrigir a situação? (ZEHR, 2008, p. 259).

Zehr (2008), autor referência para a apresentação que aqui se faz, afirma
que precisamos trocar as lentes com as quais costumeiramente vemos o crime, a
transgressão e o delito. Apresenta a “lente” retributiva como um paradigma, ainda
hegemônico, em crise; e a “lente” restaurativa como o novo paradigma emergente.
30

Estes diferentes e opostos paradigmas representam diferentes visões de


justiça. Trocar as lentes é trocar a visão de justiça retributiva pela visão de justiça
restaurativa.

Com o seu livro, sua obra e sua militância, Howard Zehr demonstra as
razões do esgotamento da visão retributiva de justiça, na qual a apuração da culpa é
mais importante do que a solução do problema e isto faz com que o foco, as lentes,
se voltem para o passado impossibilitando ou dificultando a visão de um futuro
melhor e diferente. E o faz, em síntese didática, pedagógica e explicativa,
apresentada na forma de quadro sinótico nas páginas 199-201, do seu livro capital.
(ZEHR, 2008, p. 199-201).

Neste comparativo entre a lente retributiva e a lente restaurativa Zehr


(2008) nos mostra que na visão (lente) retributiva de justiça as necessidades da
vítima, ofensor e sociedade são secundárias ou mesmo solenemente ignoradas. O
processo restaurativo restitui o direito ao considerar as necessidades da vítima,
ofensor e comunidade como prioritárias na busca da solução do conflito.

Outro aspecto fundamental desta mudança de lentes está na substituição


da concepção de batalha entre adversários que enfatiza as diferenças entre os
litigantes para uma concepção fundada no diálogo como norma e na busca de traços
comuns ao invés de ressaltar as diferenças. Tal concepção produz o
empoderamento das partes, não produzindo a vitimização da vítima ou a
demonização do ofensor, possibilitando a continuidade, possível, das relações
sociais. Assim, a competição e o individualismo são substituídos pela reciprocidade
e a cooperação na busca de todos, vítima, ofensor e sociedade pela reparação dos
danos e restituição do direito.

Esta mudança de foco põe fim a imposição da dor, norma corrente no


paradigma retributivo, na qual um dano social é cumulado com outro dano social. No
paradigma restaurativo, o dano praticado pelo ofensor é contrabalanceado pelo bem
realizado pelo ofensor, pois este é incitado a assumir responsabilidade para com o
(os) ofendidos e vítimas. O foco da justiça deixa de ser o Estado, impondo castigos
ao ofensor, e passa a ser o atendimento às necessidades da vítima e a
responsabilidade do ofensor.
31

O foco restaurativo na justiça possibilita uma redefinição de papéis. No


foco retributivo, vítima e ofensor são representados por procuradores profissionais.
No novo paradigma, vítima e ofensor, auxiliados por procuradores profissionais, são
os principais autores. A vítima deixa de ser mera prova acusatória e passa a ser
sujeito no processo, recebe informações sobre o evento, tem a oportunidade de
falar, de lamentar e ressignificar o seu sofrimento e de, na medida das
possibilidades do caso em concreto, ter restituído o direito que lhe foi usurpado.

O papel do ofensor também é redefinido com a lente restaurativa. Na


lente retributiva o ofensor é passivo e o Estado faz justiça, ao exercer sobre ele o
poder disciplinar e o uso legítimo da força. Na lente restaurativa o ofensor tem
participação na solução do conflito e é responsável pela restauração e restituição
possível do direito à vítima. Vejam que passamos de uma situação onde o ofensor
não tem responsabilidade pela resolução do mal feito para a responsabilidade do
ofensor sobre o mesmo. No dizer de Zehr, rituais de denúncia e exclusão são
substituídos por rituais de lamentação e ordenação. (ZEHR, 2008, p. 200). E tal
mudança no papel do ofensor provoca uma mudança significativa de foco, da
denúncia do ofensor para a denúncia do ato danoso e possibilita a restauração dos
laços e integração do ofensor com a comunidade. O ofensor não se confunde com a
ofensa, o criminoso não se confunde com o crime, não passa a ser identificado e
estigmatizado pelo crime ou ofensa.

Outro aspecto fundamental desta mudança de foco pode ser vislumbrado


no modo como o equilíbrio (a balança da justiça) é alcançado no antigo e no novo
paradigma. No paradigma retributivo busca-se o equilíbrio com o rebaixamento do
ofensor, com a retribuição do mal feito, através de castigos e penalidades e isto
implica, por vezes, em retribuir o mal com o mal – o que explica, em parte, a
indiferença da sociedade com as condições ambientais dos cárceres. No paradigma
restaurativo o equilíbrio é conseguido pela restituição do direito e empoderamento
da vítima. A vítima passa à condição de sujeito e a justiça é avaliada pelos frutos e
resultados restaurativos que produzir. Em vez de buscar a aplicação de regras
justas, busca-se restaurar relacionamentos saudáveis que possibilitem a convivência
social, o relacionamento vítima-ofensor e a continuidade da vida, o arrependimento,
a responsabilização, o perdão.
32

Por fim, nos cabe fazer eco à reflexão de Howard Zehr (2008) e registrar
que no foco restaurativo o contexto social, econômico e moral do comportamento do
ofensor não é ignorado e sim, considerado como relevante para que possam ser
encontradas as portas que abrem os caminhos para a restauração da realidade ideal
nas relações pessoais e sociais, rompidas pelo evento danoso.

Registra Howard Zehr (2008) que, a possibilidade de realização deste


movimento de aceitação, restituição, reparação, implica na observância dos
seguintes princípios: voluntariedade; consensualidade; confidencialidade; celeridade;
urbanidade; adaptabilidade; imparcialidade. É a observância destes princípios que
faz das práticas alternativas de realização da Justiça, práticas restaurativas.

3.3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS RESOLUÇÕES DA ONU E DO CNJ

O movimento da Justiça Restaurativa ganha o mundo. No ano de 1999


acontecem em diferentes locais diversas Conferências internacionais sobre o tema
(citar). Neste ano de 1999 o Conselho Econômico e Social da Organização das
Nações Unidas (ONU) publicou a Resolução 1999/26, intitulada “Desenvolvimento e
Implementação de Medidas de Mediação e Justiça Restaurativa na Justiça Criminal”,
na qual requisitou à Comissão de Prevenção do Crime e de Justiça Criminal que
considere a desejável formulação de padrões das Nações Unidas no campo da
mediação e da justiça restaurativa.

No ano 2000, o Conselho Econômico e Social da Organização das


Nações Unidas publicou a Resolução 2000/14, intitulada “Princípios Básicos para
utilização de Programas Restaurativos em Matérias Criminais”, na qual se requisitou
ao Secretário-Geral que buscasse pronunciamentos dos Estados-Membros e
organizações intergovernamentais e não-governamentais competentes, assim como
de institutos da rede das Nações Unidas de Prevenção do Crime e de Programa de
Justiça Criminal, sobre o desejado e os meios para se estabelecer princípios
comuns na utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal,
incluindo-se a oportunidade de se desenvolver um novo instrumento.
33

No ano de 2002, surge no cenário do direito dos povos a Resolução


número 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações
Unidas (ONU, 2002), propondo “inserir a abordagem restaurativa a todas as práticas
judiciárias”. Nesta Resolução da ONU os Estados Membros são exortados a inspirar-
se nos princípios básicos para programas de justiça restaurativa em matéria criminal
no desenvolvimento e implementação de programas de justiça restaurativa na área
criminal, bem como a divulgarem as pesquisa, boas práticas e experiências de
aplicação deste novo paradigma.

Os princípios básicos para programas de justiça restaurativas emanados


por esta fundacional Resolução merecem ser aqui citados e constantemente
revisitados.

A Resolução 2002/12 (ONU, 2002) define que o termo “Programa de


Justiça Restaurativa” se aplica a qualquer programa que use processos
restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos.

Define a Resolução em comento que, “Processo Restaurativo” significa


qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer
outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam
ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda
de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a
conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios
(sentencing circles).

Define a Resolução 2002/12 (ONU, 2002) que “Resultado Restaurativo”


significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos
incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço
comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e
responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do
ofensor. Conceitua que as “Partes” dos processos restaurativos são a vítima, o
ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um
crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo. E conceitua o
“Facilitador” como uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a
participação das pessoas afetadas e envolvidas num processo restaurativo.
34

Trata também a Resolução 2002/12 da ONU da utilização de Programas


de Justiça Restaurativa pelos países membros, orientando que estes podem ser
usados em qualquer estágio do sistema de justiça criminal, de acordo com a
legislação nacional e sempre que houver prova suficiente de autoria para denunciar
o ofensor e com o consentimento livre e voluntário da vítima e do ofensor. Ressalta
que a vítima e o ofensor devem poder revogar esse consentimento a qualquer
momento, durante o processo; e que acordos só poderão ser pactuados
voluntariamente e com obrigações razoáveis e proporcionais.

Neste aspecto registra a Resolução em comento que a vítima e o ofensor


devem normalmente concordar sobre os fatos essenciais do caso sendo isso um dos
fundamentos do processo restaurativo. A participação do ofensor não deverá ser
usada como prova de admissão de culpa em processo judicial ulterior. Há que se ter
atenção, segundo a Resolução em comento, que as disparidades que impliquem em
desequilíbrios, assim como as diferenças culturais entre as partes, bem como a
segurança das partes, devem ser levadas em consideração ao se derivar e conduzir
um caso no processo restaurativo.

Ressalva o pronunciamento da ONU (ONU, 2002) que, quando não for


indicado ou possível o processo restaurativo, o caso deve ser encaminhado às
autoridades do sistema de justiça criminal para a prestação jurisdicional sem
delonga. Em tais casos, deverão ainda assim as autoridades estimular o ofensor a
responsabilizar-se frente à vítima e à comunidade e apoiar a reintegração da vítima
e do ofensor à comunidade.

Sobre a operação dos Programas Restaurativos também se manifesta o


documento epistolar ao exortar que os Estados membros devem estudar o
estabelecimento de diretrizes e padrões, na legislação, quando necessário, que
regulem a adoção de programas de justiça restaurativa em sintonia com os
princípios básicos estabelecidos na Resolução 2002/12, observando: as condições
para encaminhamento de casos para os programas de justiça restaurativos; o
procedimento posterior ao processo restaurativo; a qualificação, o treinamento e a
avaliação dos facilitadores; o gerenciamento dos programas de justiça restaurativa;
padrões de competência e códigos de conduta regulamentando a operação dos
programas de justiça restaurativa.
35

Recorda com destaque que, em conformidade com o Direito Nacional, as


garantias processuais fundamentais que assegurem tratamento justo ao ofensor e à
vítima devem ser aplicadas aos programas de justiça restaurativa e particularmente
aos processos restaurativos; e o faz nestes termos: a vítima e o ofensor devem ter o
direito à assistência jurídica e dos pais e responsáveis legais se for o caso, sobre o
processo restaurativo; antes de concordarem em participar do processo restaurativo,
as partes deverão ser plenamente informadas sobre seus direitos, a natureza do
processo e as possíveis consequências de sua decisão; nem a vítima nem o ofensor
deverão ser coagidos ou induzidos por meios ilícitos a participar do processo
restaurativo ou a aceitar os resultados do processo.

Orienta também que os resultados dos acordos oriundos de programas de


justiça restaurativa deverão, quando apropriado, ser judicialmente supervisionados
ou incorporados às decisões ou julgamentos, de modo a que tenham o mesmo
status de qualquer decisão ou julgamento judicial, precluindo ulterior ação penal em
relação aos mesmos fatos. E, quando não houver acordo entre as partes, o caso
deverá retornar ao procedimento convencional da justiça criminal e ser decidido sem
delonga e sem a utilização do processo restaurativo inexitoso no processo criminal
subsequente.

Sobre o papel dos “facilitadores” a Resolução 2002/12 da ONU preceitua


que estes devem atuar de forma imparcial, com o devido respeito à dignidade das
partes. Nessa função, os facilitadores devem assegurar o respeito mútuo entre as
partes e capacitá-las a encontrar a solução cabível entre elas. Para tanto, devem ter
uma boa compreensão das culturas regionais e das comunidades e, sempre que
possível, serem capacitados antes de assumir a função.

Por fim, a Resolução do Conselho Econômico da ONU (ONU, 2002), se


ocupa do desenvolvimento contínuo de programas de Justiça Restaurativa,
exortando os Estados Membros a buscar a formulação de estratégias e políticas
nacionais objetivando o desenvolvimento da justiça restaurativa e a promoção de
uma cultura favorável ao uso da justiça restaurativa pelas autoridades de segurança,
autoridades judiciais, sociedade e comunidades locais. Buscando interagir com
estas diferentes instâncias para ampliar a efetividade dos procedimentos e
resultados restaurativos e das práticas restaurativas na atuação da Justiça.
36

Finaliza com uma exortação aos Estados membros para atuarem em


cooperação com a sociedade civil, na promoção de pesquisa e na monitoração dos
programas restaurativos avaliando continuamente os resultados restaurativos destes
como uma alternativa ao processo criminal convencional. Os resultados das
pesquisas e avaliações devem orientar o aperfeiçoamento do gerenciamento e
desenvolvimento dos programas. E, numa última e fundamental orientação, dispões
que nada que conste desses princípios básicos deverá afetar quaisquer direitos de
um ofensor ou uma vítima que tenham sido estabelecidos no Direito Nacional e
Internacional.

No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça escolheu, no biênio 2015-2016,


a Justiça Restaurativa como uma das suas prioridades. A Resolução nº. 225/2016,
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe sobre a Política Nacional de Justiça
Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário.
E o faz considerando o apelo e orientações emanados pelas Resoluções
da ONU. Na motivação para a sua promulgação a Resolução do CNJ considera que
o direito de acesso à Justiça positivado no art. 5º, inciso XXXV da CRFB/88, implica
em oferecer meios consensuais, voluntários e mais adequados a alcançar a
pacificação de disputa.
Considera também a Resolução em comento que na aplicação da Justiça
devem ser considerados os aspectos relacionais comunitários, institucionais e
sociais nos fenômenos de conflito e violência. Objetiva o CNJ com a sua Resolução,
uniformidade, no âmbito nacional, do conceito de Justiça Restaurativa.
No seu artigo 1º, a Resolução nº. 225/2016, do CNJ define a Justiça
Restaurativa nestes termos:

Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e


sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à
conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais
motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que
geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado
na seguinte forma:
I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima,
bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com
a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente
atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos;
II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores
restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de
solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor
do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras;
37

III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das


necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles
que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e
o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação
do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas
implicações para o futuro. (CNJ, 2016, art. 1º, incisos I, II e III).

Nos incisos do parágrafo 1º do artigo em comento, a Resolução do CNJ


define Prática Restaurativa como uma forma diferenciada de tratar conflitos e
violências; define Procedimento Restaurativo como o conjunto de atividades e
etapas a serem promovidas objetivando a composição das situações de conflitos e
violências; define Sessão Restaurativa como todo e qualquer encontro, inclusive os
preparatórios ou de acompanhamento, entre as pessoas diretamente envolvidas nas
situações danosas provocadas por conflitos e violências.
A Resolução do CNJ, no inciso V do parágrafo em comento, também
define enfoque restaurativo, nos termos que seguem:

V - Enfoque Restaurativo: abordagem diferenciada das situações descritas


no caput deste artigo, ou dos contextos a elas relacionados,
compreendendo os seguintes elementos:
a) participação dos envolvidos, das famílias e das comunidades;
b) atenção às necessidades legítimas da vítima e do ofensor;
c) reparação dos danos sofridos;
d) compartilhamento de responsabilidades e obrigações entre ofensor,
vítima, famílias e comunidade para superação das causas e consequências
do ocorrido. (CNJ, 2016, § 1º, inciso V).

No ensinamento da Resolução nº. 225/2016 do CNJ, a Justiça


Restaurativa busca promover a pacificação das relações sociais através de
intervenções focadas na reparação dos danos, no atendimento das necessidades da
vítima e na responsabilização do ofensor, e atenção aos seguintes princípios:

Art. 2º São princípios que orientam a Justiça Restaurativa: a


corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às
necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a
imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade, a
confidencialidade, a celeridade e a urbanidade. (CNJ, 2016, art. 2º)

Depreende-se da Resolução do Conselho Nacional de Justiça que o


método da Justiça Restaurativa pode ser utilizado em crimes graves, sem
necessariamente excluir o sistema criminal e a aplicações das penas legais ao
agressor.
38

No art. 3º a Resolução do CNJ define como atribuição do CNJ promover


ações de incentivo à Justiça restaurativa de caráter universal, sistêmico,
interinstitucional, interdisciplinar, intersetorial, formativo, de suporte junto a todos os
órgãos do poder judiciário.
No art. 5º a Resolução do CNJ define como atribuição dos Tribunais de
Justiça a implementação de programas de formação, implantação e expansão da
Justiça Restaurativa nas respectivas jurisdições.

A Resolução do CNJ, no seu art. 8º, define nestes termos o procedimento


restaurativo:

Art. 8º. Os procedimentos restaurativos consistem em sessões


coordenadas, realizadas com a participação dos envolvidos de forma
voluntária, das famílias, juntamente com a Rede de Garantia de Direito local
e com a participação da comunidade para que, a partir da solução obtida,
possa ser evitada a recidiva do fato danoso, vedada qualquer forma de
coação ou a emissão de intimação judicial para as sessões. (CNJ, 2016, art.
8º).

O parágrafo 1º do artigo em comento estipula que os procedimentos


restaurativos serão coordenados pelo facilitador restaurativo. A natureza e missão
do facilitador restaurativo está definida nos artigos 13, 14 e 15 da Resolução do
CJN.
Considera ainda o CNJ na sua resolução que não há um momento ideal
de iniciar as práticas restaurativas. Ela pode ocorrer na fase anterior à acusação, na
fase pós-acusação (antes do processo), assim como na etapa em juízo, tanto antes
do julgamento quanto durante o tempo da sentença. E pode ser uma alternativa à
prisão ou fazer parte da pena (CNJ, 2016, § 3º, art. 8º).
Por fim, apreende-se da Resolução nº. 225/2016 do CNJ que o foco
restaurativo deve ser mantido em todas as fases do processo: a satisfação das
necessidades de todos os envolvidos; responsabilização ativa daqueles que
contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso; o
empoderamento da Comunidade; a recomposição do tecido social rompido pelo
conflito (CNJ, 2016, art. 1º, inciso III).
No dia 19/10/2017 o Portal do Conselho Nacional de Justiça – CNJ
(PORTAL CNJ, 2017), noticiou as primeiras conclusões da pesquisa “Pilotando a
39

Justiça Restaurativa: o Papel do Poder Judiciário”, coordenada pela doutora Vera


Regina Pereira de Andrade da Fundação José Arthur Boiteux, instituição ligada à
Universidade Federal de Santa Catarina. A íntegra da pesquisa será disponibilizada
em breve no Portal do CNJ na 2ª Edição da Série "Justiça Pesquisa" realizada pelo
Conselho Nacional de Justiça.
A pesquisa aponta que a Justiça Restaurativa no Brasil passa por
progressiva expansão e vive uma caminhada de aprendizado, mas encontra
resistências para implementar suas metas de participação, alteridade, reparação de
danos e redução das violências.
Os pesquisadores se debruçaram sobre a teoria, a prática e o sentido da
Justiça Restaurativa no Brasil, para procurar mostrar como são desenvolvidos os
programas de Justiça em curso no Brasil pilotados pelo Poder Judiciário, desde as
suas primeiras experiências em 2004 até os dias de hoje.
A pesquisa identificou e mapeou a existência de programas em 19
estados do país, além de estados em que os programas se encontram em fase
preparatória. A partir deste recorte, selecionaram sete unidades da federação: Rio
Grande do Sul (Porto Alegre, Caxias do Sul, Santa Maria, Novo Hamburgo e
Lajeado); São Paulo (São Paulo, Santos, Laranjal Paulista, Tatuí, Tietê); Distrito
Federal (Núcleo Bandeirantes e Planaltina); Bahia (Salvador); Pernambuco (Recife);
Minas Gerais (Belo Horizonte); e Santa Catarina (Florianópolis), no total de 16
municípios e mais de 20 unidades jurisdicionais ou polos visitados.
Os primeiros resultados da pesquisa apontam que: a Justiça Restaurativa
se apresenta como uma política de gestão dos tribunais, ainda não internalizada
como uma política pública e ou judiciária de Estado; a Justiça Restaurativa é um
paradigma emergente e em construção com projetos que se desenvolvem em
caráter atomizado, com perspectivas e recursos institucionais muito diversificados,
com escassa interação entre si; a Justiça Restaurativa ainda não se consolidou
como um novo paradigma de juridicidade ou de sociabilidade.
Também mostrou o estudo que, nas iniciativas e práticas restaurativas
predominam as técnicas como os Círculos da Paz, seguidos pelos Círculos
Restaurativos, pela Mediação vítima-ofensor, pelas Conferências e. As Constelações
Familiares começam a ganhar espaço.
Alguns Mitos também foram identificados pelos pesquisadores: o domínio
da visão de que a Justiça Restaurativa pode concorrer para desafogar o judiciário,
40

por ser uma justiça informal mais simplificada e célere. Tal concepção não
corresponde à realidade pois constataram as pesquisadoras de que a Justiça
Restaurativa, tomada em sua plenitude, não é uma Justiça célere, mas é uma justiça
exigente, processual. E pode ser inclusive até mais demorada do que a justiça
punitiva, dada a necessidade de um número maior de encontros para se obter
resultados positivos.
Outro Mito consiste na concepção de que a Justiça Restaurativa apenas
se presta a crimes e infrações menos graves ou de menor potencial ofensivo, o que
ganhou força no Brasil a partir dos Juizados Especiais Criminais.
E o mito considerado central pelas pesquisadoras: o da Justiça
Restaurativa como “método” consensual de resolução de conflitos. Domina a
compreensão de que a Justiça Restaurativa é um método que se presta a oferecer
uma prestação pontual, um produto pacificador, e que, resolvendo o conflito, estará
evitando a “criminalidade”, a “reincidência” e a “vitimização”.

Em Santa Catarina, a Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude


(CEIJ) do Tribunal de Justiça, criou o Grupo Gestor Estadual da Justiça Restaurativa, cujo
objetivo é desenvolver ações interinstitucionais capazes de promover maior efetividade e
sustentabilidade às intervenções e serviços na atenção às crianças e aos adolescentes e
as suas famílias - notadamente aqueles que envolvem o enfrentamento de conflitos,
infrações, violências, drogadição e criminalidade. O Grupo Gestor, por meio da Academia
Judicial, no decorrer de 2017, realizou o curso de Capacitação em Justiça Restaurativa
nas comarcas da Capital e de Lages. O curso contou com a participação de servidores do
Poder Judiciário e instituições que integram a Rede de Atenção à Criança e ao
Adolescente. (PORTAL TJSC, 2017).
41

4 DIÁLOGO ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E A FILOSOFIA

Neste capítulo procuraremos estabelecer um diálogo entre o movimento


da Justiça Restaurativa e conceitos filosóficos apresentados pela filosofia antiga,
filosofia moderna e filosofia contemporânea. Em um universo tão rico e significativo
para a o pensamento e para a civilização ocidental, escolhemos três pensadores
iluminativos dos períodos filosóficos a que pertencem, Aristóteles, Kant e Habermas.
Em Aristóteles buscaremos estabelecer um diálogo entre a Justiça Restaurativa e o
conceito de equidade. Em Immanuel Kant, buscaremos o diálogo entre a Justiça
Restaurativa e o conceito de autonomia. Por fim, mas não menos importante, em
Jürgen Habermas, buscaremos uma aproximação entre os princípios da Justiça
Restaurativa e os pressupostos da ação comunicativa.

4.1 RESTAURAR A EQUIDADE: DIALOGANDO COM ARISTÓTELES

Aristóteles nasceu em Estagira, situada na Calcídia, nordeste da Grécia e


limítrofe da Macedônia, em 384 a.C., cidade de fundação e cultura jônica. Era filho
de Nicômano (médico da corte de Filipe da Macedônia) e de Aminta. Em Atenas,
desde 367 a.C., foi, durante 25 anos, discípulo de Platão. Com a morte do mestre
(347) instalou-se em Asso, na Eólia, e depois em Lesbos, até ser chamado por Filipe
da Macedônia, em 343, para participar da educação de Alexandre. Quando voltou
para Atenas, em 333, Aristóteles fundou o Liceu – nome oriundo da proximidade
com o templo de Apolo Lício –, dedicando-se ao ensino – o fazia caminhando e à
produção filosófica. Morreu em Cálcis, na ilha Eubéia, em 322 a.C.

Na filosofia de Aristóteles a realidade do homem e as exigências da vida


na cidade dão conteúdo às ideias e forma ao mundo, elegem valores, definem
condutas, moralidades e leis. Por isso é considerado por muitos como o primeiro
pensador científico do Ocidente. Para Aristóteles o que existe é o mundo real e
concreto dos indivíduos. E, fazer filosofia é pensar as coisas concretas que a
experiência da vida nos oferece. E quando a realidade se apresenta sem sentido,
não devemos buscar um sentido num outro mundo, mas reconstruí-la.
42

É o que se dá com o movimento da Justiça Restaurativa. O movimento da


Justiça Restaurativa nasce da constatação empírica de que o paradigma retributivo
na aplicação da justiça se esgotou e se faz necessário reconstruí-la sobre bases
novas. Aristóteles tem muito a contribuir com esta reconstrução. Neste escopo,
escolhemos apresentar o conceito aristotélico de equidade, de fundamental
importância para a compreensão da justiça em sentido lato, para além do que está
estabelecido, normatizado, positivado.

A equidade é uma virtude, uma espécie de meio termo entre o vício pelo
excesso de justiça e o vício pela falta de justiça. A igualdade por si só não garante a
realização da justiça. Para tanto, deve ser acompanhada da equidade, para não
incorrer no vício, pela sua falta, a injustiça, ou pelo seu excesso, a opressão.

A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e


consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é
determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de
sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e
outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam
aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude
encontra e escolhe o meio-termo. (ARISTÓTELES, 1991, p. 33).

Ao tratar da equidade, Aristóteles a compara com a justiça, e conclui que


são “a mesma coisa, embora a equidade seja melhor. O que cria o problema é o fato
de o equitativo ser justo, mas não justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça
legal”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 212). É disto que se trata a equidade: uma
possibilidade de realizar plenamente a justiça, reestabelecendo a igualdade, quando
a falta desta ameaça descaracterizar a justiça como virtude, pelo seu excesso ou
pela sua falta.

Fica bem claro, pois, que em todas as coisas o meio-termo é digno de ser
louvado, mas que às vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras
vezes para a deficiência. Efetivamente, essa é a maneira mais fácil de
atingir o meio-termo e o que é certo. (ARISTÓTELES, 1991, p. 38).
43

Ao nos debruçarmos sobre a história, conceito e princípios da Justiça


Restaurativa nada do que vimos corrobora com qualquer proposta ou iniciativa de
abolicionismo penal ou descrença nas instituições que administram a justiça. O que
ser quer – tal qual a relação estabelecida por Aristóteles entre justiça e equidade, é
a realização plena da justiça.

Aristóteles considera a equidade como uma forma virtuosa de justiça e, o


que faz dela uma virtude completa, é o fato de que a justiça com equidade considera
a lei e o próximo, favorecendo o reestabelecimento das relações sociais. E ela é a
virtude completa no pleno sentido do termo, por ser o exercício atual da virtude
completa. É completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude não só
sobre si mesmo, mas também sobre o seu próximo, já que muitos homens são
capazes de exercer virtude em seus assuntos privados, porém não em suas
relações com os outros.

Por essa mesma razão, se diz que somente a justiça, entre todas as
virtudes, é o “bem do outro”, visto que se relaciona com o nosso próximo,
fazendo o que é vantajoso a um outro, seja um governante, seja um
associado. Ora, o pior dos homens é aquele que exerce a sua maldade
tanto para consigo mesmo como para com os seus amigos, e o melhor não
é o que exerce a sua virtude para consigo mesmo, mas para com um outro;
pois que difícil tarefa é essa. (ARISTÓTELES, 1991, p. 82).

É interessante registrar que na sua reflexão sobre a equidade como


complemento e realização da justiça, Aristóteles considera a equidade um
importante instrumento a disposição dos juízes e magistrados que, diante de uma
injustiça ou desigualdade, poderá contar com a lei e a equidade para buscar
restabelecer a igualdade.

[...] a justiça nas transações entre um homem e outro é efetivamente uma


espécie de igualdade, e a injustiça uma espécie de desigualdade [...] sendo
esta espécie de injustiça, de desigualdade, o juiz procurará iguala-la [...] Eis
aí porque as pessoas em disputa recorrem ao juiz; e recorrer ao juiz é
recorrer à justiça, pois a natureza do juiz é ser uma espécie de justiça
animada; e procuram o juiz como um intermediário, e em alguns Estados os
juízes são chamados de mediadores, na convicção de que, se os litigantes
conseguirem o meio-termo, conseguirão o que é justo. O justo, pois, é um
meio-termo, já que o juiz o é. (ARISTÓTELES, 1991, p. 86).
44

A Justiça Restaurativa vai ao encontro dos ensinamentos aristotélicos


quando espera que o judiciário restabeleça a igualdade, dando aos litigantes, na
medida do possível, a restituição do que lhes pertence, retirando a diferença que
estabeleceu o litígio.

Na reflexão aristotélica a política é a virtude desejada na cidade. E, cabe


à política realizar mais do que a igualdade, buscar a equidade. Pois esta,
diferentemente da igualdade – matematicamente mensurável, exige uma análise e
deliberação constante dos cidadãos, pesos e contrapesos, flexibilização, tolerância
ou mesmo exceção que se justificam ao tornarem a igualdade justa – na justa
medida, equitativa.

Os critérios postos na sociedade política para mensurar a igualdade,


através da moralidade e da lei, não conseguem prever todas as possibilidades da
realidade e do fato concreto, por isso, precisam ser revistos e calibrados pela
equidade, “dizendo o que o próprio legislador se estivesse presente, e o que teria
incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão”. (ARISTÓTELES,
1991, p. 96).

Nas leis positivadas pelo direito, o caráter de generalidade destas implica


em uma incapacidade de responder, objetivamente, às peculiaridades de toda a
possibilidade de casos e situação. Ao propor o princípio da equidade, Aristóteles
aponta para a necessidade da ação política na aplicação da lei. Esta é a função do
equitativo: a correção da lei, para a sua maior e mais perfeita aplicação. E nada
melhor do transformar este conceito em imagem, como faz Aristóteles no que segue,
ao se referir a régua de chumbo de Lesbos:

Por isso o equitativo é justo, superior a uma espécie de justiça — não


justiça absoluta, mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição
legal. E essa é a natureza do equitativo: uma correção da lei quando ela é
deficiente em razão da sua universalidade. E, mesmo, é esse o motivo por
que nem todas as coisas são determinadas pela lei: em torno de algumas é
impossível legislar, de modo que se faz necessário um decreto. Com efeito,
quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida,
como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em
Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se
adapta aos fatos de maneira idêntica. (ARISTÓTELES, 1991, p. 96-97).
45

Cabe-nos olhar para o direito pátrio e considerar o caráter genérico e


abstrato da atividade do legislador e compreender a equidade, como a possível e
necessária adequação da lei ao caso concreto e as suas peculiaridades. Tal
pressuposto nos leva a enfatizar a ponderação proporcional da norma à situação
fática, sempre que as leis forem invocadas para solucionar conflitos e restaurar a
paz.
Ao empoderar vítima, agente e comunidade, a Justiça Restaurativa
resgata a dimensão clássica da cultura grego-ocidental de que o ser humano nasce
para a cidadania, e que esta possibilita a felicidade, a vida boa e feliz, o sumo bem,
a justiça. É sobre este escopo que Aristóteles define a atividade de quem legisla
com a finalidade de incutir nos indivíduos os princípios éticos que possibilitem a
convivência social:

[...] os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes
incutem. Esse é o propósito de todo legislador, e quem não logra tal
desiderato falha no desempenho da sua missão. Nisso, precisamente,
reside a diferença entre as boas e as más constituições. (ARISTÓLES,
1991, p. 27).

Essa responsabilidade de incutir bons hábitos com as suas ações,


podemos estender também aos que se ocupam da administração da justiça, da
interpretação e da aplicação das leis. Dos quais se espera muito mais do que gestos
mecânicos de enquadramento dos delitos aos tipos penais. A justiça, como virtude,
implica na busca do justo meio, da decisão equânime, a mais adequada, em respeito
à lei e as especificidades do fato em concreto. Isto porque, no dizer de Aristóteles,
“os homens são bons de um modo só e maus de muitos modos”. (ARISTÓTELES,
1991, p. 33).

É o que busca fazer o movimento que aqui apresentamos, a Justiça


Restaurativa. Muito mais do que aplicar a lei, busca restaurar o direito, consertar
sem causar dano, realizar a justiça. Este movimento começou como uma forma
diferente de abordar questões judiciais, com foco nas necessidades da vítima e nas
responsabilidades do agressor e nas consequências do delito cometido para toda a
comunidade, para a sociedade. Considera todos os envolvidos no acontecimento
46

que deu origem ao conflito como cidadãos, partícipes de uma comunidade política,
portadores de direitos e de deveres. Busca caminhos alternativos para a
compreensão e aplicação da lei e ao fazê-lo, não somente confirma a sua
importância, mas transcende a mera letra, explicitando o seu espírito. Assim como a
equidade faz com a virtude, admitindo diferentes possibilidades de mensuração e
calibração do justo meio, conforme as especificidades do caso concreto.

A Justiça Restaurativa se encontra com o conceito aristotélico de


equidade – superior e mais próximo da realização da justiça do que a mera
igualdade, quando busca, no enfrentamento do crime e do conflito, uma abordagem
diferente da mera culpabilização do agressor.

Mas até que ponto um homem pode desviar-se sem merecer censura? Isso
não é fácil de determinar pelo raciocínio, como tudo que seja percebido
pelos sentidos; tais coisas dependem de circunstâncias particulares, e quem
decide é a percepção. (ARISTÓTELES, 1991, p. 38).

Ao tratar da felicidade como sumo bem e da justiça como realização plena


da justiça, Aristóteles demonstrou que diferentes possibilidades podem ser
consideradas na definição do que é o bem para o indivíduo e o bom para a
sociedade, desde que apontem para o mesmo fim – a vida boa e feliz na
comunidade; e isto também vem ao encontro dos objetivos da Justiça Restaurativa
nas suas tentativas de cura e reparo aos danos causados pelo crime as pessoas e
aos relacionamentos. O que representa uma possibilidade de pensar a justiça para
além da mera retribuição ou reciprocidade.

Alguns pensam que a reciprocidade é justa sem qualquer reserva, como


diziam os pitagóricos; pois assim definiam eles a justiça. Ora,
"reciprocidade" não se enquadra nem na justiça distributiva, nem na
corretiva, e, no entanto, querem que a justiça do próprio Radamanto
signifique isso: Se um homem sofrer o que fez, a devida justiça, será feita.
Ora, em muitos casos a reciprocidade não se coaduna com a justiça
corretiva [...]. Mas nas transações de troca essa espécie de justiça não
produz a união dos homens: a reciprocidade deve fazer-se de acordo com
uma proporção e não na base de uma retribuição exatamente igual.
(ARISTÓTELES, 1991, p. 87-88).
47

A Justiça Restaurativa se apresenta como uma possibilidade de


superar a mera retribuição, a lógica primitiva do ‘olho por olho e dente por dente’,
uma possibilidade de restaurar o direito, restituir à vítima e ofensor a possibilidade
de reconstruir o projeto de vida, indo além da concepção distributiva e corretiva,
curando sequelas restituindo o direito.

4.2 RESTAURAR A AUTONOMIA: DIALOGANDO COM KANT

Immanuel Kant (1724-1804) nasceu e viveu em Königsberg, na então


Prússia Oriental, hoje Kaliningrado, onde doutorou-se, obteve e exerceu a cátedra
universitária (MARTINS FILHO, 1997, p. 195). É um nome pronunciado com respeito
e reverência na história da filosofia e reconhecido por muitos como elo principal
entre a filosofia moderna e a filosofia contemporânea.
Pensador profundo, rigoroso, sistemático, teórico e prático, trouxe solidez,
com os seus escritos, para a reflexão filosófica ocidental, mostrando os novos
caminhos do conhecimento e estabelecendo as bases de um novo tempo. Com
Kant, a modernidade chega à reflexão filosófica para nunca mais dela se afastar.
(CATANEO, 2013b, p. 26).
No livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Immanuel Kant
(2005) busca definir e a presentar o princípio máximo da moralidade. E o faz
visitando o conhecimento vulgar sobre a moralidade, buscando na prática dos seres
humanos o princípio supremo deste conhecimento, e, passo seguinte, buscando
uma fundamentação filosófica para este princípio moral de modo a poder aplica-lo
na crítica da moralidade.
Busca compreender a moralidade, ou seja, a moral realmente vivida, e
extrair daí um princípio que possa fundamentar, filosófica e metafisicamente, a
própria moral. Kant é moderno e como tal, busca encontrar o princípio que
fundamenta a moral no ser humano, no indivíduo racional e livre.
Kant escolhe a autonomia, como princípio fundamental da sua reflexão
sobre a razão teórica – como o ser humano racional constrói o conhecimento entre
os modernos, e sobre a razão prática – como ser humano racional e livre constrói a
moral, a lei e o direito.
48

Autonomia. Termo introduzido por Kant para designar a independência da


vontade em relação a todo desejo ou objeto de desejo e a sua capacidade
de determinar-se em conformidade com uma lei própria, que é a da razão. A
autonomia é contraposta por Kant à heteronomia pela qual a vontade é
determinada pelos objetos da faculdade de desejar. (ABBAGNANO, 2007,
p. 97).

Segundo Zatti (2007), ao definir o conceito de autonomia na modernidade,


seguindo a tradição iluminista, Kant definiu o fundamento dos sistemas legais da
sociedade moderna como um todo. E, ao mesmo tempo, elevou o indivíduo moderno
à condição de legislador – pelo poder de determinar a própria lei; e servo da
moralidade e das leis – pela vontade de realizar o que a autonomia da vontade
escolheu.

Etimologicamente autonomia significa o poder de dar a si a própria


lei, autós (por si mesmo) e nomos (lei). Não se entende este poder como
algo absoluto e ilimitado, também não se entende como sinônimo de auto-
suficiência. Indica uma esfera particular cuja existência é garantida dentro
dos próprios limites que a distinguem do poder dos outros e do poder em
geral, mas apesar de ser distinta, não é incompatível com as outras leis.
Autonomia é oposta a heteronomia, que em termos gerais é toda lei que
procede de outro, hetero (outro) e nomos (lei). (ZATTI, 2007, p. 12).

Ou, no dizer de Cataneo (2013b), a autonomia pode ser compreendida


com um modo peculiar e característico de ser, pensar, decidir.

A palavra "autonomia está ligada à capacidade de pensar por si próprio".


Tem "origem grega e é composta por duas outras palavras, 'autós' e
'nómos'. 'Autós' refere-se à condição de independência, de realizar algo por
si mesmo, por si próprio. 'Nómos' refere-se à lei, à norma, à regra".
Autônomo "é aquele que é capaz de estabelecer regras e procedimentos a
partir de si mesmo". E esse é o mote da ética kantiana. (CATANEO, 2013b,
p. 27).

Segundo Abbagnano (2007, p. 97) a autonomia, em Kant, manifesta a


dimensão dúplice da liberdade: a dimensão negativa de liberdade quando designa a
independência da vontade em relação a todo objeto de desejo; e a dimensão
positiva da liberdade, quando designa a capacidade do indivíduo moderno de
determinar-se em conformidade com sua própria lei, que é a da razão.
49

Detentora de significativa riqueza semântica e filosófica, a autonomia é


um pressuposto para a realização do sujeito dotado de racionalidade e para o
exercício da liberdade. Ela possibilita ao indivíduo determinar os caminhos pelos
quais trilhará, tornando-o apto para conduzir a sua vida segundo a sua própria
vontade. Sem cultivar a autonomia, o ser humano corre o risco, sempre recorrente,
de ser conduzido, manipulado, reduzido a coisa qualquer. (CATANEO, 2013b, p.
27).
Zatti (2007) considera que ao escolher a autonomia como princípio e
fundamento da moral e da lei, Kant também a elevou ao patamar de princípio
fundamental da dignidade humana pois o ser racional alçado à condição de
legislador universal e, pela autonomia da vontade, ao se submeter à lei que ele
próprio se confere, é fim em si mesmo, um valor e dignidade intrínseco e absoluto.
Freitag (1992) assim expressa esta relação entre a autonomia do
indivíduo e a dignidade humana:

A defesa da dignidade humana em cada um e na humanidade como um


todo pressupõe o respeito (Achtung) mútuo. No imperativo categórico, em
sua versão definitiva (Kant, 1974a, p. 140), já anteriormente citada, esse
respeito é transferido para a lei geral, que passa a defender essa dignidade.
Por isso, essa lei torna-se universal e necessária. Somente então ela passa
a ter validade para todos, sendo justa e boa, adquirindo, assim,
objetividade. Agir segundo essa lei passa a ser um dever (Pflicht). Mas não
se trata de uma sujeição cega (heterônoma) à lei. Trata-se de seguir uma
diretriz racional, compreendida como tal, que se impõe à consciência de
cada um, como necessária e justa, tendo em vista essa finalidade última: a
defesa e o respeito à dignidade humana. (FREITAG, 1992, p. 50).

A Justiça Restaurativa é um movimento que traz consigo esta raiz


moderna e preconiza, no rastro das concepções kantianas uma transformação na
relação entre o indivíduo e a moralidade, entre o indivíduo, vítima, ofensor ou
comunidade e a lei, ao defender que não é a moralidade vigente que deve impor ao
indivíduo o que ele deve fazer, e sim o indivíduo, dotado de racionalidade e vontade,
quem deve impor a si mesmo uma moral.
A autonomia do indivíduo é o fundamento moderno da ética. E pode
também ser considerado um fundamento e princípio da Justiça Restaurativa. E,
conforme Cataneo (2013b, p. 26) ninguém mais do que Kant primou pela autonomia,
valorizando o indivíduo enquanto legislador de sua própria moral. Cada ser humano,
racional e livre, pode pensar como deve agir. A moral, na perspectiva kantiana, tem
50

como base a lei – determinada pelo próprio indivíduo. E para tal, exercerá a
autonomia.
Resgatar a autonomia é resgatar o protagonismo dos sujeitos. Vimos no
capítulo 2 desta monografia que Howard Zehr (2008) considera o empoderamento
da vítima, do agressor e da comunidade como o ganho mais significativa do novo
paradigma, da Justiça Restaurativa. Os procedimentos desta nova ótica, transforma
os sujeitos envolvidos no evento delituoso em protagonistas, tirando-os da apatia e
passividade que estes atores ocupam na justiça meramente retributiva, apelando
para a boa vontade e responsabilidade.
Sobre este aspecto, Cataneo (2013b, p. 28) nos diz ainda que entre todos
os bens com os quais contamos para a realização da dimensão moral da nossa
existência, na reflexão kantiana, se destaca a ideia da "boa vontade". A boa vontade
é o único bem de que podemos dispor sem nenhum tipo de restrição, pois nos
pertence por inteiro, está sempre ao nosso alcance, é nosso. E coerente com o
princípio da autonomia, a boa vontade constitui o núcleo e princípio da atitude moral
e da determinação da lei moral na filosofia kantiana. Neste escopo, a boa vontade,
guiada pela racionalidade, dá-nos a noção de "dever". Estabelece a noção de dever
é o objetivo primeiro da reflexão de Kant sobre a moralidade. A noção do dever
implica um conhecimento (a priori) e um reconhecimento, a posteriori, das
responsabilidades e obrigações advindas das nossas escolhas. Por isso, dever é
uma obrigação que, consciente e livremente, o indivíduo impõe a si mesmo, uma
faculdade que permite a "internalização" da moral e da lei.

4.3 RESTAURAR A AÇÃO COMUNICATIVA: DIALOGANDO COM HABERMAS

O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas nasceu em Düsseldorf,


no dia 18 de junho 1929 e é o principal responsável pela importante reformulação da
ética de Kant, que passou a ser conhecida como ética discursiva. Habermas é um
dos principais pensadores da Escola de Frankfurt, denominação tardia do Instituto
de Pesquisa Social, fundado em 1923 pelo economista austríaco Carl Grumberg.
Segundo Abrão (2004, p. 464) a principal preocupação de Habermas é a
reformulação da teoria crítica aplicando o potencial teórico desta, na reflexão sobre a
legitimação do Estado moderno e elaboração de uma teoria da ação comunicativa.
51

Uma das características fundamentais da ética proposta por Habermas é


a necessidade da busca de consenso na definição das regras morais, entre estas o
Direito, através do diálogo, na comunidade dos falantes, na ação comunicativa. Os
falantes são os sujeitos racionais e livres que se dispõem a estabelecer um contexto
discursivo que favoreça o entendimento. A criação dos contextos discursivos
pressupõe uma ação política que favoreça o restabelecimento de uma opinião
pública democrática e crítica. (CATANEO, 2013b).
No Livro “Conhecimento e interesse” Habermas (1982, p. 232) revela que
o interesse que orienta o processo do conhecimento das ciências naturais é o
interesse técnico, instrumental, de dominação da natureza. Em contrapartida,
defende que o interesse que orienta o processo de conhecimento das ciências
histórico-hermenêuticas, entre estas a Filosofia e o Direito, é o da comunicação.
Habermas, contudo, ressalta que ambas as formas de conhecimento,
geradas pelos respectivos interesses, servem a um interesse mais fundamental, o da
emancipação da espécie: o conhecimento instrumental permite ao ser humano
satisfazer as suas necessidades, ajudando-o a libertar-se da natureza exterior (por
meio da produção); o conhecimento comunicativo o impele a emancipar-se de todas
as formas de repressão social. No dizer de Habermas há uma unidade indissolúvel
entre conhecimento e interesse. O conhecimento nunca é neutro. É “um ato de auto-
reflexão que altera a vida, é um movimento de emancipação”. (HABERMAS, 1982, p.
232).
Das teorias de Habermas se depreende que o caminho do Direito é o da
comunicação. Como ciência essencialmente humana visa aproximar pessoas,
culturas, mentalidades. Ensina a conviver com o diferente, ressaltando para tal a
importância de se ter firmeza quanto aos próprios princípios e visão de mundo. Usar
o Direito para a dominação é desvirtuá-lo de sua natureza, transformando-a em
ideologia, visão mascarada e falsa de realidade.
Habermas constrói uma crítica à perspectiva positivista nas ciências
histórico-hermenêuticas. Tal procedimento, apesar de apresentar resultados
imediatos, não produz o principal interesse do conhecimento: a emancipação dos
seres humanos. O mesmo se dá, quando esta perspectiva dá cores ao Estado, à
moralidade e ao Direito.
Habermas, na sua análise político-cultural – crítica à cultura e ao Estado,
demonstra que as decisões práticas que afetam a coletividade são agora
52

transformadas em problemas técnicos, resolvidos por uma minoria de experts, que


têm o know-how necessário. Desta maneira, impõe-se uma despolitização das
massas. A redução das decisões políticas a uma minoria tecnocrata significa um
esvaziamento da atividade prática em todas as instâncias da sociedade, e a nova
forma de dominação. (HABERMAS, 1968, p. 82).
A análise epistemológica, sobre a relação entre conhecimento e interesse,
e a análise político-cultural, sobre as novas formas de dominação são apresentadas
como os desafios contemporâneos para a emancipação dos sujeitos e base teórica
da proposta de Habermas: a teoria da competência, ou do agir, ou da ação
comunicativa – uma crítica da cultura e do Estado sob a ótica do discurso teórico e
do discurso prático. O objetivo desse tipo de ação política é o advento de um estado
de coisas tal que todos os interessados possam, finalmente, participar de contextos
discursivos.
Na sua construção teórica, Habermas parte do pressuposto de que a
barbárie não se afirma no contexto cultural e político de forma absoluta nem
tampouco representa caminho único e irreversível. Sempre permanece como
possibilidade histórica um núcleo universal de comunicação entre os homens, por
ser este o telos, a finalidade da linguagem. E apresenta, para a efetivação da ação
comunicativa, o necessário processo de entendimento mútuo entre o mundo e o
mundo da vida:

O mundo da vida constitui, pois, o contexto da situação de ação; ao mesmo


tempo ele fornece os recursos para os processos de interpretação com os
quais os participantes da comunicação procuram suprir a carência de
entendimento mútuo que surgiu em cada situação de ação. Porém, se os
agentes comunicativos querem executar os seus planos de ação em bom
acordo, com base numa situação de ação definida em comum, eles têm que
se entender acerca de algo no mundo. [...]. Os atos de fala não servem
apenas para a representação (ou pressuposição) de estados ou
acontecimentos, quando o falante se refere a algo no mundo objetivo. Eles
servem ao mesmo tempo para a produção (ou renovação) de relações
interpessoais, quando o falante se refere a algo no mundo social das
interações legitimamente reguladas, bem como para a manifestação de
vivências, isto é, para a auto representação, quando o falante se refere a
algo no mundo subjetivo a que tem um acesso privilegiado. (HABERMAS,
1989, p. 167).

Habermas (1989) apresenta o agir comunicativo como um processo


circular onde o falante traz consigo, como cenário da sua fala o mundo da vida, que
fornece os contextos e os recursos para o processo de entendimento mútuo.
53

(HABERMAS, 1989, p. 166). O que possibilita o diálogo e o consenso é a


possibilidade de encontrar, no mundo da vida e na subjetividade explicitada dos
falantes, pontos de aproximação e de interesse mútuo que possam diminuir ou até
mesmo eliminar o distanciamento, indiferença ou aversão, provocados pelo evento
litigioso.
No paradigma retributivo de aplicação de justiça o distanciamento entre
vítima, ofensor e comunidade raramente é superado pois prevalecem os interesses
individuais e os atores buscarem ter sucesso na sua causa considerando a outra
parte como adversário a ser vencido. O agir comunicativo não acontece.

Na medida em que os atores estão exclusivamente orientados para o


sucesso, isto é, para as consequências do seu agir, eles tentam alcançar os
objetivos de sua ação influindo externamente, por meio de armas ou bens,
ameaças ou seduções, sobre a definição da situação ou sobre as decisões
ou motivos de seus adversários. A coordenação da ação de sujeitos que se
relacionam dessa maneira, isto é estrategicamente, depende da maneira
como se entrosam os cálculos de ganho egocêntricos. O grau de
cooperação e estabilidade resulta então das faixas de interesses dos
participantes. (HABERMAS, 1989, p. 164).

O que Habermas propõe como agir comunicativo é o agir orientado para o


entendimento mútuo no qual o falante (ego) considera o ouvinte (alter) na
ressignificação do seu mundo e percepção dos fatos.

[...] falo em agir comunicativo quando os atores tratam de harmonizar


internamente os seus planos de ação e de só perseguir suas respectivas
metas sob a condição de um acordo existente ou a se negociar sobre a
situação e as consequências esperadas. [...] o modelo estratégico de ação
pode se satisfazer com a descrição de estruturas do agir imediatamente
orientado para o sucesso, ao passo que o modelo do agir orientado para o
entendimento mútuo tem que especificar condições para um acordo
alcançado comunicativamente sob as quais Alter pode anexar suas ações
às do Ego. (HABERMAS, 1989, p. 165).

Por isso, ele apresenta a sua teoria da ação comunicativa como uma
situação ideal na qual:

- Homens de boa vontade buscam de alguma forma o diálogo para solução de


problemas cada vez mais comuns;

- Se dispõem a se encontrar e se colocar em acordo com algumas regras do jogo;


54

- Aceitando que prevalecerá entre eles sempre o melhor argumento, construído


dialogicamente, ou seja, numa “discussão livre” na qual os pontos de vista iniciais
podem e devem sofrer revisões, durante o embate discursivo;

- E que, se curvarão diante das consequências das posições assumidas


processualmente no debate de idéias e posições políticas, mudando suas formas de
agir socialmente. Vê-se desta forma que não se trata de mera utopia, pois Habermas
não deixa de afirmar suas intenções práticas.

Nesta proposta, o contexto discursivo é o espaço de exercício do agir


comunicativo onde o agir estratégico (para atingir determinados fins) permite aos
falantes explicitar a sua pretensão de verdade, quando são observados três critérios:
que seja uma verdade proposicional; com correção normativa; com veracidade
subjetiva. (HABERMAS, 2000, p. 74).
Na ação comunicativa, falante e ouvinte buscam o entendimento e para
tanto é necessário a compreensão do significado expresso pela fala, bem como, o
assentimento racional motivado, por parte do ouvinte, desta como verdadeiro:

[...] “para que possa haver acordo na coisa é preciso que um ouvinte o sele,
de certo modo, voluntariamente, através do reconhecimento de uma
pretensão de validade criticável [...] fins ilocucionários (ato de fala completo)
não podem ser atingidos por outro caminho que não seja o da cooperação”
[...] (HABERMAS, 2000, p. 68).

Cataneo (2013b, p. 73-74) explica assim cada uma das pretensões de


validade presentes na comunidade ideal de comunicação, nos termos dos
parágrafos que seguem.
A pretensão de inteligibilidade demonstra o objetivo de ser entendido, de
falar algo que pode ser conhecido pela inteligência do ouvinte, pela razão que
acompanha o argumento porque este está inserido em um sistema de significações
ou relações lógicas já conhecidas pelos participantes do contexto discursivo. A
pretensão de inteligibilidade é, portanto, uma condição de todo e qualquer diálogo
comunicativo pois todo discurso, para possibilitar a comunicação, dever ser
inteligível.
55

A pretensão de verdade demonstra que cada um dos participantes do


discurso comunicativo deve se comprometer a apresentar conteúdos fáticos
verdadeiros nos seus discursos, assumir o compromisso de falar a verdade.
A pretensão de correção implica no compromisso e no cuidado de dizer
sempre o que é normativamente correto, segundo as normas da lógica e da
linguagem como instrumento comunicativo da realidade.
E conclui Cataneo (2013b, p. 74) que, estas três pretensões, quando
presentes na intencionalidade e na fala dos participantes dos contextos discursivos,
geram uma quarta, condicional e cumulativa pretensão: a pretensão de sinceridade.
Esta é a pretensão de veracidade. Na pretensão de sinceridade todos os pontos de
vista serão igualmente considerados e os participantes devem expressar de forma
honesta os argumentos que apresentarem e possuírem boa-fé, acreditando nas
possibilidades e necessidade de sua escolha como representativa do consenso do
grupo.
A Justiça Restaurativa, nos seus princípios e práticas, pressupõe as
pretensões de validade explicitadas por Habermas na comunidade ideal de
comunicação. Isto se manifesta na importância dada para os encontros
preparatórios para as práticas restaurativas quando se dá a necessária
conscientização dos participantes, vítima, agressor e comunidade, sobre as
disposições necessárias para a participação no processo restaurativo. Os princípios
e valores da Justiça Restaurativa exige de todos o compromisso de se expressarem
através de um discurso inteligível, veraz e correto. Visam construir um círculo
comunicativo no qual todos possam manifestar boa vontade, disposição para o
diálogo, respeito às regras estabelecidas, compromisso com a mudança de opiniões
e condutas.
56

5 CONCLUSÃO

Estamos vivendo um tempo de transformação das concepções e práticas


no Direito. Neste trabalho buscamos conhecer e apresentar a Justiça Restaurativa
como um movimento de mudança, em contraposição à hegemônica concepção de
justiça punitiva-retributiva, uma prática da justiça que não restaura as relações e o
tecido social rompido pelo conflito.
Vimos que, diferentemente do paradigma de justiça meramente
retributiva, na Justiça Restaurativa o delito é visto como uma violação à pessoa e às
relações interpessoais e a justiça busca nos seus procedimentos a restauração do
estado de coisas anterior ao conflito que motivou a lide. O binômio “violação-pena” é
substituído pelo binômio “violação-restauração”, favorecendo a retomada do
equilíbrio perdido, e da paz social.
Concluímos que é possível substituir a retribuição pela restauração. E
para tanto é preciso conhecer e apoiar as práticas emergentes que despontam de
norte a sul do nosso país.
Vimos que se faz necessário revisitar as raízes históricas e fundamentos
filosóficos da nossa formação cultural. Com o pensamento filosófico clássico vimos
que para o desejo do ser humano é viver bem; e para viver bem necessita conviver,
viver na coletividade, viver na cidade. O pensamento clássico faz do “animal
racional” um “animal político”, e da Justiça, a realização plena da polis: local onde o
“ser” do indivíduo e o “dever ser” do cidadão se encontram, na justa medida de cada
um, para o bem de todos. Nasce a ideia da lei como expressão da vontade de uma
coletividade, o espaço público no qual surge “a palavra” como direito de cada
cidadão, um pensamento e um discurso públicos que todos podem compreender e
discutir. Eis, na filosofia de Aristóteles, os fundamentos do projeto societário
ocidental.
E Aristóteles também nos ensinou que a justiça precisa ser compreendida
na perspectiva da permanência e na perspectiva da mudança. Ela é ato, porque
rege as relações entre os indivíduos na sociedade, e é potência, porque estamos
sempre buscando realizá-la mais e melhor. A justiça não é ela está sendo, sempre
se fazendo. E, como virtude, pode e deve ser adquirida e desenvolvida pelo
exercício, pelo hábito, por meio de nossa autonomia racional de escolher o que fazer
57

e do hábito de praticar boas ações, ações justas. A Justiça é uma virtude integral,
porque compreende todas as outras. A Justiça é uma virtude perfeita, porque quem
a possui pode utilizá-la não só em relação a si mesmo, mas também em relação aos
outros, e como tal, desejável e necessária para a vida política.
Vimos que os pensadores e doutrinadores modernos, ao se debruçarem
sobre o conceito de Justiça, indicam um paradoxo, uma vez que o conceito se
apresenta como absoluto, mas, ao mesmo tempo, revela-se como um conceito
relativo, que depende do tempo, do espaço e da opinião das pessoas, sofrendo
contínuas mudanças. No qual se encontram o que está em conformidade com o
direito, bem como a virtude de dar a cada um aquilo que é seu; a ordem das
relações humanas ou a conduta de quem se ajusta a essa ordem; a razão de ser ou
o fundamento da norma, e os fins que legitimam sua vigência e eficácia; um direito
de alguém, e um dever de todos de respeitá-lo.
As diferentes concepções de Justiça nos colocam diante do desafio de
compreender a norma como uma orientação para as nossas condutas e não como
objetivo e finalidade última do Direito. O Direito é mais do que norma, é fato, é valor.
E a Justiça, como realização do Direito, visa produzir a igualdade nas relações
humanas. O que implica, muitas vezes, por atenção ao fato e ao valor em tratar
desiguais de forma desigual para restabelecer a igualdade possível.
Compreendemos a Justiça como uma qualidade possível e necessária de
uma ordem social, que se realiza através do Direito. O que não implica em uma
relação direta de causa e efeito – a positivação de um direito não garante a sua
observância. E podemos perceber que sob o primado da dignidade da pessoa
humana e da garantia dos direitos fundamentais, muito embora expressem o viés
que se preocupa com “o fazer justiça”, é possível identificar na Constituição e na
legislação infraconstitucional oportunidades para que outras práticas venham se
somar à ação penal no sistema jurídico brasileiro.

No decorrer do trabalho podemos perceber que este é o objetivo da


Justiça Restaurativa: considerar tais avanços, prospectar oportunidades, propor
novidades que visem a idealização de um modelo mais humano de realização da
Justiça, legítimo e democrático, alicerçado na proteção dos direitos fundamentais,
bem como na construção de uma sociedade livre e solidária.
58

Procuramos apresentar a Justiça Restaurativa como um movimento que


surgiu no início dos anos 1970, em diversas partes do mundo, buscando ampliar o
acesso aos meios de solução de conflitos estabelecidos pelos meios jurídicos
começa a despontar, provocando uma aproximação entre os meios jurídicos e a
sociedade. No Brasil, surgiu formalmente no ano de 2005.

Identificamos a crise e o ocaso do paradigma retributivo, no qual as


respostas da sociedade ocidental às ações criminosas focadas na punição e na
vingança patrocinada pelo Estado, não tem mais a capacidade de resolver os
conflitos e restabelecer a paz social. Mostramos o surgimento do termo Justiça
Restaurativa, como agregador das críticas ao sistema penal vigente e de um novo
paradigma para pensar o crime e o castigo.

Nos debruçamos sobre a obra “Trocando as Lentes”, de Howard Zehr.


Obra capital para conhecer o movimento, princípios, fundamentos e práticas da
Justiça Restaurativa. Se, Howard Zehr, define a justiça comunitária, as práticas de
justiça locais, que perduraram no ocidente até o surgimento do Estado Moderno,
como raízes e marcos do movimento chamado de Justiça Restaurativa; a obra de
Zehr pode ser considerada como raiz e marco para as reflexões, práticas e reflexões
sobre as práticas emergentes, incipientes e significativas – pois carregadas do novo,
no campo da Justiça Restaurativa. O movimento da Justiça Restaurativa visa
retomar as experiências de justiça comunitária, que nós perdemos com a revolução
jurídica da modernidade, quando o poder de realizar a justiça passou das mãos dos
círculos e organizações comunitárias para o Estado e para o Direito. Com isto, “fazer
justiça” deixou de ser a restauração dos vínculos e pacificação social para se
resumir a “dizer o direito” e determinar a punição.

Mostramos que Howard Zehr, na sua obra, promove e inspira uma


ressignificação da cultura do conflito que passa a ser visto como as lentes
restaurativas. A experiência do crime, passa a ser vista com quebra, ruptura, ofensa
e afronta ao que está social e juridicamente estabelecido como comportamento
desejável, justo e bom. As novas lentes se voltam para as necessidade, obrigações
e responsabilidade que este evento traumático traz para a vítima, ofensor e
sociedade.
59

Assim, abre-se a possibilidade da restauração das relações e vínculos


rompidos pelo fato delituoso. Apresenta-se uma forma eficaz de tratar a questão
criminal voltada para a reparação do dano causado às vítimas e à reconstrução das
relações humanas afetadas pelo delito. O crime passa a ser visto fundamentalmente
como a ofensa de um indivíduo a outro ou à comunidade, surgindo daí necessidades
que devem ser apuradas e atendidas a fim de restaurar a relação afetada e alcançar
a paz social.

Neste escopo, vimos que, com a Justiça Restaurativa, se afasta a ideia da


punição para substituí-la pela reparação do dano mediante a responsabilização ativa
do ofensor. A preocupação primeira e primordial se volta para a satisfação das
necessidades da vítima, restaurando e corrigindo, na medida do possível, que o
crime violou.

Podemos perceber que a proposta da Justiça Restaurativa tem como


ponto fulcral para o sucesso das suas iniciativas, o “empoderamento” das partes.
Estas ocupam o lugar de protagonistas na busca da reparação e solução do conflito,
suas necessidades são consideradas, suas histórias são ouvidas. Este
protagonismo redefine os papeis das partes que deixam de serem adversários em
um campo de batalha e buscam traços comuns ao invés de ressaltar as diferenças.

Ao longo dos estudos e produção textual, também podemos perceber


que, diferentemente do que ocorre no sistema retributivo de justiça, na qual um dano
social é cumulado com outro dano social, no paradigma restaurativo, o dano
praticado pelo ofensor é contrabalanceado pelo bem realizado pelo ofensor. O
equilíbrio nas relações rompido pelo conflito é alcançado com o soerguimento da
vítima e não com o rebaixamento do ofensor, o que permite a reparação, evitando-
se a retribuição do mal feito, através de castigos e penalidades – o que explica, em
parte, a indiferença da sociedade para com as condições ambientais dos cárceres.
Mas ressaltamos aqui que as resoluções e iniciativas institucionais da
ONU e do CNJ também acendem um sinal de atenção, para que a normatização da
Justiça Restaurativa e das práticas restaurativas pelos órgãos internacionais e
pátrios de salvaguarda ou aplicação do Direito não signifiquem um enquadramento,
apropriação ou cooptação de um movimento que tem origens comunitárias e é muito
mais amplo do que o viés dos eventos caracterizados pelo conflito com a lei. A
60

Justiça Restaurativa busca resinificar a cultura do conflito, e só o fará com o


empoderamento dos sujeitos e da comunidade, com a criação de espaços de
interação e diálogos restaurativos diferenciados, não podendo ficar à mercê, ou
limitada aos interesses de gestão ou de autoridade dos que, nos tribunais, dizem o
direito. Há que se empreender esforços para que a Justiça Restaurativa não se
restrinja a uma política de determinada gestão dos tribunais, atomizada, com
recursos limitados e escassa interação entre si, longe de ser uma política pública e
ou judiciária de Estado.
Com Aristóteles buscamos compreender o conceito de equidade e
relacioná-lo com a natureza da Justiça Restaurativa.
Aristóteles nos ajudou a perceber que a igualdade por si só não garante a
realização da justiça. E, portanto, ela deve ser acompanhada da equidade, para não
incorrer no vício, pela sua falta - a desigualdade, ou pelo seu excesso - o
igualitarismo. Aristóteles nos mostrou que o equitativo é justo, mas não justo
segundo a lei, e sim justo como um corretivo da justiça legal, como uma
possibilidade de ponderar, temperar, dosar o justo segundo a lei e realizar
plenamente a justiça.
É este o foco do movimento da Justiça Restaurativa e das suas práticas
que, ao considerar a norma, mas também fato – ressignificado pelas novas lentes, e
o valor – da alteridade e das relações restauradas, realiza plenamente a justiça,
promove o empoderamento dos sujeitos, reestabelece a igualdade. As práticas
restaurativas são práticas equânimes que exigem uma análise e deliberação
constante dos sujeitos, vítima, agressor, comunidade; uma ponderação constantes,
com pesos e contrapesos, flexibilização, tolerância ou mesmo exceção ao disposto
na lei, que só se justificam se tornarem a igualdade justa, equânime.
Aprendemos com Aristóteles que a equidade, como um princípio de
aplicação da justiça, busca superar a generalidade presente nas leis positivadas
pelo direito, buscando uma calibração adequada destas às peculiaridades dos
diferentes casos e situações do fato concreto. Tal pressuposto nos leva a enfatizar,
sempre que as leis forem invocadas para solucionar conflitos, a ponderação
proporcional da norma à situação fática, caminho para restaurar a paz. Esta é a
função do equitativo: a correção da lei, para a sua maior e mais perfeita aplicação,
tal qual a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos, citada por
61

Aristóteles, que, não sendo rígida, se adapta à forma da pedra e assim, cumpre
melhor a sua função.
Com Immanuel Kant buscamos compreender o conceito de autonomia e
relacioná-lo com a natureza da Justiça Restaurativa.
Vimos que Kant busca compreender a moralidade, ou seja, a moral
realmente vivida, e extrair daí um princípio que possa fundamentar, filosófica e
metafisicamente, a própria moral. Kant encontra no ser humano racional e livre o
princípio da autonomia e o escolhe como o princípio que fundamenta a moral - e
também a lei e o direito, no ser humano e por consequência, na sociedade.
Mostramos no decorrer do trabalho que a autonomia se manifesta no
indivíduo como independência da vontade em relação a todo desejo ou objeto de
desejo e a sua capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria,
que é a da razão. A autonomia é condição indispensável para que o processo de
empoderamento levado à efeito pelas práticas restaurativas tenha êxito. É também
condição necessária para que o processo de ressignificação da cultura do conflito
possa se estabelecer. A corresponsabilidade, voluntariedade, participação e
alteridade, princípios resguardados nas práticas restaurativas, também pressupõe a
autonomia do indivíduo racional e livre.
Constatamos que Kant elevou o princípio da autonomia à condição de
fundamento dos sistemas legais da sociedade moderna como um todo. E, ao fazê-
lo, elevou o indivíduo moderno à condição de legislador, pois é este que tem o poder
de determinar a própria lei; e de servo da moralidade e das leis, pela boa vontade de
realizar o que a autonomia da sua vontade escolheu.
E concluímos que, ao promover a alteridade e o empoderamento de todos
os que tem interesse na resolução da situação de conflito, a Justiça Restaurativa
conta com a noção de individuo autônomo, que alcançou a maioridade kantiana, a
capacidade de legislar, para a realização dos princípios restaurativos da
consensualidade e confidencialidade, e de assumir com responsabilidade os
compromissos e obrigações advindas do processo de busca da correção e
reparação dos danos.
Nas observações críticas que fizemos, alhures, ao modelo meramente
retributivo de justiça se encontra a constatação de que este reserva um papel
secundário, ou marginal, para os principais interessados na solução do conflito e na
busca por corrigir e reparar os males causados por este. Aprendemos com Kant que,
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sem cultivar a autonomia, o ser humano corre o risco, sempre recorrente, de ser
conduzido, manipulado, reduzido a coisa qualquer.
Com Jürgen Habermas buscamos compreender o conceito de ação
comunicativa e relacioná-lo com a natureza da Justiça Restaurativa.
Destacamos a proposta da ação comunicativa de Habermas e a sua
característica fundamental, de buscar a definição das regras balizadores das
condutas sociais - entre estas a moralidade e o direito, através do diálogo, na
comunidade dos falantes. Nesta, vimos que os falantes são sujeitos racionais e
livres, tais como em Kant, que se dispõem a participar de um contexto discursivo
que favoreça o entendimento e o consenso.
No diálogo com a Justiça Restaurativa podemos perceber que a proposta
da ação comunicativa se manifesta como um processo apropriado para envolver os
interessados no esforço de tratar das causas e corrigir a situação de conflito. Nesta
o conhecimento instrumental permite ao ser humano, no contexto discursivo e na
posição de falante, explicitar e buscar satisfazer as suas necessidades; e o
conhecimento comunicativo, o empoderamento, impelindo-o a emancipar-se de
todas as formas de repressão social, entre as quais, as amarras culturais do
paradigma retributivo, presentes no indivíduo e nas instituições jurídicas.
Podemos concluir que tanto Habermas quanto a Justiça Restaurativa
apontam como caminho do Direito o caminho da comunicação. Como ciência
essencialmente humana, o Direito visa aproximar pessoas, culturas, mentalidades.
Como proposta restaurativa das relações rompidas pelo conflito, a Justiça
Restaurativa mantém o seu foco nas necessidades da vítima, do agressor e da
comunidade. E busca envolver e responsabilizar todos os atingidos e interessados
na solução do conflito. O respeito, a humildade e o encantamento, valores
preservados pelas práticas restaurativas, são também os valores considerados na
ação comunicativa.
Também consideramos propícia à nossa reflexão sobre a necessidade de
mudança nas lentes com as quais se vê o conflito a crítica que Habermas faz ao
poder da tecnocracia. Sob o poder desta, as decisões práticas que afetam a
coletividade são resolvidas por uma minoria de experts, de especialistas, reduzindo
ou eliminando o poder político dos indivíduos e coletividade, bem como o direito de
participarem da solução dos seus problemas. É o que se dá no paradigma retributivo
da justiça penal, no qual o protagonismo da vítima, agressor e comunidade é
63

sequestrado por especialistas e procuradores, que operam e dizem o direito, e de


modo amplo, pelo Estado. Esta alienação se constitui em uma forma de dominação
e se apresenta como um desafio contemporâneo para a emancipação dos sujeitos.
O agir comunicativo como um processo circular onde o falante traz
consigo, como cenário da sua fala o mundo da vida, que fornece os contextos e os
recursos para o processo de entendimento mútuo, se realiza plenamente nas
práticas restaurativa. Nestas, o que possibilita o diálogo e a construção do consenso
possível é a possibilidade de encontrar, no mundo da vida e na subjetividade
explicitada dos falantes, pontos de aproximação e de interesse mútuo que possam
diminuir ou até mesmo eliminar o distanciamento, indiferença ou aversão,
provocados pelo evento litigioso.
No decorrer deste trabalho buscamos apresentar a Justiça Restaurativa
como uma novidade alvissareira, uma possibilidade de irmos mais além na
salvaguarda das garantias e direitos fundamentais positivados na Constituição de na
legislação infraconstitucional. Não compactuamos com qualquer forma ou expressão
de abolicionismo penal, não advogamos que se mudem as leis. Fiéis aos autores
consultados advogamos que se mudem as lentes com as quais o conflito é visto,
para que se mudem as formas e práticas que buscam a sua solução. E para tanto
buscamos dialogar com a Filosofia e estabelecer conceitos e concepções filosóficas
que pudessem corroborar os princípios e fundamentos da Justiça Restaurativa. E
encontramos no conceito aristotélico de equidade, no conceito kantiano de
autonomia e na proposta habermasiana da ação comunicativa, fundamentos
filosóficos que corroboram com os princípios e valores da Justiça Restaurativa.
64

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