Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DESGRAÇADOS
Norman M. Major
VERSÃO NÃO FINALIZADA
Prólogo..................................................................................................................................................8
O CAMINHO DO BASTARDO.......................................................................................................13
Má comunicação....................................................................................................................31
Brutalidade.............................................................................................................................36
Facções.....................................................................................................................................51
Perfecionismo........................................................................................................................63
AS CINCO HERANÇAS...................................................................................................................75
O Filho perdido.........................................................................................................................158
O Lar Missionário......................................................................................................................167
Abraçando a Missão............................................................................................................176
Considerações finais.................................................................................................................213
Prólogo
A dona Cremilda em voz desafiadora fitou aos olhos dele, e franziu umas palavras
que lhe deixaram totalmente chocados:
-Quem és tu para repreenderes a tua irmã, se você também é fruto de um
relacionamento ilícito? Será que o teu próprio pai enquanto casado não
engravidou outras mulheres de fora? Deixa-te disto pah, você agora pensa que
é o único cristão no mundo?
Uma das coisas que o Nelson não conseguia aceitar é a ideia de que o facto de
seu pai ter sido um homem infiel, ao ponto de ter vários filhos e filhas fora do seu
casamento não podia ser razão para ele seguir o exemplo, doutro lado, o facto de
sua mãe ter-se envolvido com um homem casado também não implica que a
suafilha tenha que seguir no mesmo caminho. Já em sua casa, deitado na cama
Nelson tentou buscar todo tipo de subterfúgio imaginário para esquecer as palavras
que ouvira de sua mãe, mas sem sucesso.
As palavras se repetiam constantemente em sua cabeça como se fosse quando o
CD tem um erro de gravação ou um risco criando assim uma falha de reprodução
em que a mesma parte da música vai repetindo, estragando assim a harmonia. Ora,
com tais afirmações ficava claro que o relacionamento familiar estava minado, não
havia mais harmonia de princípios e por conseguinte caminhar juntos se tornaria
difícil (Amós 3:3). Pensou nas palavras de Cristo que dizem: “Não cuideis que vim
trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu vim pôr em
dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua
sogra; E assim os inimigos do homem serão os seus familiares” (Mateus 10:34-36).
Talvez o ponto mais difícil de engolir em tudo aquilo é o facto de sua mãe ser
membro de uma igreja evangélica, e ainda por cima, alguém que por vezes prega o
evangelho, especialmente nos cultos das mulheres (mamãs). Na verdade, não deixa
de ser chocante perceber que em certos valores morais até os mundanos são mais
zelosos do que os que se chamam de “crentes”.
Doutro lado, as palavras que Nelson ouvira naquele dia proporcionaram para ele
uma oportunidade única de encarar a realidade que apesar de tudo ele era um
“bastardo”, um filho ilícito. Nunca antes ele tinha ponderado com calma sobre a
sua origem, e sobre a sua identidade, até porque numa sociedade africana como a
angolana, a poligamia é cultural, e embora a Constituição não permita o casamento
polígamo, os filhos nascidos fora do casamento têm os mesmos direitos com os
filhos do casamento. Não existe, culturalmente, um grande preconceito em sermos
um “filho de fora”, e dificilmente os “filhos de fora” chegam a ser chamados
“bastardos”, um termo que classicamente trás consigo uma carga pejorativa.
Prólogo
Nenhum de nós se lembra de ter pedido a Deus (antes de existirmos) para que
nos introduzisse no presente mundo, tendo para tal escolhido quem seria o nosso
pai, a nossa mãe, o nosso país e etc. Essa ideia simplesmente não se enquadra na
nossa cosmovisão cristã, talvez encontrariam quem assim julga ter sucedido dentre
aqueles que acreditam na reencarnação. Na verdade, até mesmo dentre os que
acreditam na reencarnação não apresentam um relato em que se escolhe o que se
vai ser noutra vida, geralmente acreditam que na medida que nesta vida nos
comportarmos mal na próxima reencarnação poderemos acabar sendo algo de nível
inferior. Quer dizer que na outra vida, por castigo, acabaríamos por nascer um
gorila, depois um cão, um porco e sucessivamente.
Nelson não pediu para nascer um bastardo, assim como nenhum de nós pediu
para nascer branco, negro, asiático, etc. Imagina se todos tivéssemos a
possibilidade de escolher onde nasceríamos, em países subdesenvolvidos ninguém
provavelmente escolheria. Pais bêbados, famílias pobres, líderes corruptos;
ninguém igualmente escolheria. Nossas escolhas só começam depois de estarmos
aqui no mundo (porque antes não estávamos num outro mundo de qualquer
forma). Assim, fica injusto condenar alguém por nascer de um determinado jeito.
Quando no mundo todo se condena o racismo, a discriminação aos albinos, ou
as pessoas que sofram alguma doença congénita (Síndroma de Downs), e situações
semelhantes, é exatamente por ser do senso comum que não podemos condenar as
pessoas por aquilo que transcende as suas próprias escolhas. Entretanto,
biologicamente o bastardo não é culpado da sua existência, não escolheu ser
bastardo, ele simplesmente é um.
Num olhar espiritual e não biológico, o ser bastardo tem um outro significado, e
assim como biologicamente herdamos os genes dos nossos pais, espiritualmente
somos filhos de quem compartilhamos os mesmos princípios. O desgraçado,
entretanto, é aquele que herda a desgraça de seus parentes e posteriormente
transfere a mesma herança aos seus filhos. Os princípios ou o caminho do bastardo
é uma das principais desgraças no mundo, nós todos temos herdado tal caminho a
partir de Adão.
1.
O CAMINHO DO BASTARDO
Muitas são as ilações que podemos tirar quando as Escrituras nos dizem que “se
suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai
não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois
então bastardos, e não filhos”. Uma delas é que o ser bastardo não tem a ver com a
forma que nascemos biologicamente, mas sim com a forma pela qual nos
submetemos espiritualmente. Se nos submetemos a disciplina de Deus somos
filhos, se rejeitamos a disciplina de Deus seguimos o caminho do bastardo. A outra
ilação é que o bastardo não é um filho de Deus, Deus não tem filhos fora da
Aliança, fora da verdadeira Igreja de Cristo (Apocalipse 20:15).
No jardim do Éden encontramos o primeiro relato de como o homem abraçou o
caminho do bastardo, as Escrituras nos relatam a seguinte cena:
Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor
Deus tinha feito. E ela perguntou à mulher: "Foi isto mesmo que Deus disse:
‘Não comam de nenhum fruto das árvores do jardim’? " Respondeu a mulher à
serpente: "Podemos comer do fruto das árvores do jardim, mas Deus disse:
‘Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem toquem nele;
do contrário vocês morrerão’". Disse a serpente à mulher: "Certamente não
morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão,
O CAMINHO DO BASTARDO
A serpente induziu a Eva a errar contra a palavra de Deus (I Tim 2:14), esta
escolheu acreditar na palavra da serpente, enquanto isto, Adão ao invés de exortar a
Eva a não comer do fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, decidiu
igualmente comer o fruto e assim por escolha individual transgrediu a palavra de
Deus (Rm 5:14). O que deve ficar patente ao examinarmos estas passagens é que a
palavra de Deus foi banalizada e a palavra da serpente foi abraçada. A disciplina de
Pai foi rejeitada por aquele que era legitimamente seu filho (Lucas 3:38), Adão
seguiu o caminho do bastardo.
É preciso chamar a nossa memória outro aspecto importante aqui, e isto é que
em termos de tempo a esposa foi quem seguiu o caminho do bastardo primeiro, e é
esta é uma realidade espiritual reforçada no NT para que as esposas (mulheres)
tenham muito cuidado quanto aos falsos ensinos. A igreja é também apresentada
como sendo uma mulher, e não é mera coincidência que o Diabo investe no engano
e nos falsos profetas desde o princípio.
Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas
a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.(I Timóteo 2:13-14)
Se Noé não tivesse achado graça aos olhos de Deus o que seria da humanidade?
Donde viria a linhagem através de quem o Logos se faria carne (João 1:14)?
Um ponto interessante relativo ainda a história de Adão e Eva é o seu reflexo na
vida de seu primogénito. Adão caiu em transgressão, Caim caiu em transgressão,
Adão respondeu com arrogância a Deus, Caim respondeu com arrogância a Deus,
mas no que tange a natureza da transgressão há uma clara diferença em termos de
peso, comparemos o castigo dado a Adão com aquele que foi dado ao seu filho:
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Este progresso do pecado de pai para filhos e seus descendentes deve ser visto
não como mera coincidência, mas sim como a visão pela qual a Serpente seduziu a
Eva. Ela (a serpente) queria injectar o caos total na humanidade, é como um cancro
que deveria corromper todo e cada ser humano, por causa desta corrupção Deus
tinha de tirar o homem do Jardim do Éden, lugar santo é para os santos. O Diabo
sempre teve o seu foco nos filhos de Adão e Eva primeiramente, e para tal só
precisava corromper seus pais, segundo um ditado africano quando a cabeça do
peixe está podre o resto da sua carne também está contaminada . A serpente não
somente ataca n parte mais fraca, lá onde a fraqueza se revelar, lá ele ataca
primeiro.
Um outro caso que nos mostra como a disfunção entra numa família de especial
valor no plano da redenção da humanidade é o de Jacó. Depois de Jacó (o
trapaceiro) ter sido trapaceado por Labão, e acabado por possuir a Leia (ao invés da
sua amada Raquel), teve de trabalhar mais sete anos para realizar o seu sonho de
casar com a Raquel, as coisas complicaram-se um pouco com Labão e Jacó pega nas
suas esposas, filhos, servos, gado e foge, mas antes de fugirem, a sua amada furtou
os ídolos de seu pai. Três dias depois o sogro se apercebe e vai atrás deles, num
caminho de sete dias e os apanha na montanha de Gileade , mas pela intervenção
de Deus Labão não pode fazer mal a Jacó, já pela trapaça de Raquel, infelizmente
Labão não consegue recuperar seus deuses (Génesis 29 e 31). Lemos que:
E agora se querias ir embora, porquanto tinhas saudades de voltar à casa de
teu pai, por que furtaste os meus deuses? Então respondeu Jacó, e disse a
Labão: Porque temia; pois que dizia comigo, se porventura não me
arrebatarias as tuas filhas. Com quem achares os teus deuses, esse não viva;
reconhece diante de nossos irmãos o que é teu do que está comigo, e toma-o
para ti. Pois Jacó não sabia que Raquel os tinha furtado. Então entrou Labão
na tenda de Jacó, e na tenda de Lia, e na tenda de ambas as servas, e não os
achou; e saindo da tenda de Lia, entrou na tenda de Raquel. Mas tinha tomado
Raquel os ídolos e os tinha posto na albarda de um camelo, e assentara-se
sobre eles; e apalpou Labão toda a tenda, e não os achou. (Gen 31:30-34)
Raquel trás a idolatria na casa de Jacó. Ao longo do relato bíblico a casa de Jacó
não se vê livre da idolatria (Jeremias 3:9|Ezequie 16:17), seus filhos seguiram o
caminho da mãe, amaram os deuses dos caldeus, seguiram o caminho da idolatria,
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Este processo em que o pecador não guarda o pecado para si, mas busca
contaminar os mais frágeis é algo que transcende o controlo do pecador, é uma das
características do próprio pecado: contaminar o máximo de pessoas possíveis.
Assim como as células auto-replicam-se, o pecado também segue semelhante
princípio, é como um cancro que se alastra rapidamente para no final matar o
organismo em que habita. A Serpente não guardou seus propósitos malignos,
exteriorizou o mal de seu coração, este seu pecado levou a Eva a pecar e esta
convidou Adão a juntar-se a família dos bastardos. Por este pormenor Paulo nos
diz:
O CAMINHO DO BASTARDO
Muitos são os homens “de Deus” que movimentam massas, suas igrejas
congregam milhões, estes são pregadores famosos, eloquentes, cheios de
manifestações de poderes extraordinários, contam-se coisas incríveis sobre os
mesmos, e aos olhos de muitos parecem genuinamente revestidos do “Poder
Divino” ou do “Poder de Deus”, mas no fundo não passam de praticantes de
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
feitiçaria que iludem com mágica durante muito tempo países inteiros. São
insaciáveis, querem contaminar consigo o próprio globo.
No Velho Testamento podemos ver a influencia que a rainha Jezabel tinha sob
Israel, através de seu esposo o rei Acabe. Nós lemos inicialmente que de todos os
maus caminhos de Acabe um dos seus piores foi o facto de casar com esta mulher:
E sucedeu que (como se fora pouco andar nos pecados de Jeroboão, filho de
Nebate) ainda tomou por mulher a Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios; e
foi e serviu a Baal, e o adorou. E levantou um altar a Baal, na casa de Baal que
edificara em Samaria. (I Reis 16:31-32)
Estes versos são muito interessantes para mim, é fácil notar como o escriba que
escreveu I Reis busca transmitr uma mensagem através da repetição do termo
“baal”. Ele aponta que a Jezabel é filha de “Etbaal” que levou Acabe a servir “Baal”,
a levantar um altar a “Baal” na casa de “Baal”. Ou seja, a idolatria à Baal era a marca
da depravação associada a Jezabel. Casar com uma pessoa que não serve o Deus de
Abraão, Isaque e Jacó é uma porta a desgraça. É um comportamento bastardo.
Jesabel obviamente que foi um investimento da própria Serpente, alguém
trabalhada desde pequena para atingir a casa de Israel. Depois de dominar o seu
esposo com suas feitiçarias e encanto, ela não poupou esforços para materializar
sua missão, perseguiu e matou os profetas de Deus (II Reis 9:7), e levou Israel a
tamanha apostasia que foi preciso o profeta Elias levantar-se da parte de Deus para
desafiar o status quo (I Reis 18:19) e eliminar os falsos profetas da idolatria (I Reis
19:1). Nós lemos que:
Então Acabe convocou todos os filhos de Israel; e reuniu os profetas no monte
Carmelo. Então Elias se chegou a todo o povo, e disse: Até quando coxeareis
entre dois pensamentos? Se o SENHOR é Deus, segui-o, e se Baal, segui-o.
Porém o povo nada lhe respondeu. (I Reis 18:20-21)
A situação de Israel havia chegado a um ponto tal que o povo estava confundido
em relação a quem era o verdadeiro Deus. Eles haviam poluído as suas consciências
e corações pelo labor de uma só bruxa influente. A casa de Acabe estava possuída
O CAMINHO DO BASTARDO
por Baal através de sua esposa Jesabel, e isto permitiu confundir e corromper todo
Israel. A poluição espiritual não tinha como meta a corrupção de Acabe, mas sim de
todo o Israel, mas para tal tinha de começar no lar de Acabe. O lar é o foco especial
do labor da Serpente, afinal de contas os bastardos são produtos do lar.
Tal como aconteceu com a Eva e depois Adão, o Espírito expressamente diz que
nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos
enganadores, e a doutrinas de demónios . Milhares de milhares de almas (grandes e
pequenos) continuam sendo seduzidas, pelos seus pastores e líderes de suas
denominações, são organizações que para todo o efeito se apresentam como
representantes de Deus, por vezes possuem um legado histórico, têm uma grande
contribuição social, têm influência política, mas em sua direcção não está Cristo.
Não são nem quentes, nem frias, para são o vomito de Jesus Cristo (Apoc 3:15-16).
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
O que devemos captar destas palavras apostólicas não devem ser somente os
conselhos, mas também as advertências. A oração de um esposo que desonra a sua
esposa e a mal trata simplesmente não chega ao coração de Deus, é igual a tentar
obter respostas da estátua do pensador. Imaginemos a situação dos presbíteros
com lares manchados pela desonra de suas esposas e desentendimentos constantes,
qual deus ouvirá as suas orações, para além do deus dos mortos? Imagina uma igreja
liderada por pessoas que não recebem resposta nenhuma da parte de Deus? Pior,
quando estes oram inclusive irritam a Deus (Prov 15:8).
Quando Deus não responde o clamor dos líderes estes geralmente buscam
alternativas, buscam métodos carnais e carnalizam suas igrejas. Entretanto, muitos
recorrem a feitiçaria, como fez Saul (I Sam 28:6-8), ou como o Simão o Mago (Act
8:9-11) fazem da igreja a sua Samaria, e enganam desde os pequenos até os grandes
dentre os seus membros. Assim se levantam falsos profetas, oráculos dos espíritos
enganadores que introduzem heresias de perdição.
No outro polo, encontramos as esposas evangélicas, que na maioria dos casos
não levam as palavras do Ap. Pedro a peito, não são sujeitas aos seus esposos, e por
vezes apresentam comportamentos iguais as mundanas. A espectativa de Deus é
que as suas filhas sejam tão castas, tão piedosas que sem sequer abrirem a boca,
convençam os seus maridos do caminho de Deus. Como a Igreja deve sujeição a
Cristo, a esposa deve sujeição ao seu esposo (Ef 5:22-24). Basta a cada esposa cristã
perguntar a si mesma se a forma como fala ou responde ao seu esposo serviria como
um bom exemplo para igreja imitar ao se dirigir a Jesus Cristo.
Tanto os filhos, como as filhas que crescem na mão de um casal que não se
submete a palavra de Deus, tarde ou cedo seguirão o caminho de Caim, o caminho
dos bastardos. É isso que o Diabo quer com as famílias e as igrejas, quando o lar é
manchado com o pecado, a igreja segue no efeito, produz falsos profetas, falsos
discípulos, falsas doutrinas e falsos irmãos, por isso o lar deve ser preservado o mais
santo dentre todas as instituições (Heb 13:4), preservada no padrão da palavra de
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Deus, sendo que a igreja deve começar no próprio lar, tal como o foi no Jardim do
Éden.
Como apontado antes, não foi em qualquer parte do jardim, foi no centro do
jardim, no centro do lar e Templo onde o aguilhão da morte foi injectado. Lá onde
estava a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal (ACBM) e a Árvore da Vida (AV)
se fez o palco do pecado. Naquele lugar estava o conhecimento, de um lado, e a vida
do outro, sendo o apoderar-se do conhecimento em transgressão teve como
resultado a expulsão do jardim, que por sua vez significou deixar de ter acesso a
vida, ou seja estar a mercê da morte (Gen 3:22-23). O bastardo é filho da morte.
A serpente não atacou a Árvore da Vida no coração do jardim, a serpente atacou
os principais beneficiários dos frutos da Árvore da Vida, isto porque Adão e Eva na
terra representam o coração de Deus, a humanidade que Ele amou ao ponto de
entregar seu próprio filho a fim de os salvar (João 3:16). Aqui podemos tirar muitas
lições, sobre Deus, sobre os homens e as mulheres e sobre o inimigo.
O coração de Deus não está, primeiramente, sobre o fruto da Árvore da Vida,
mas sim naqueles a quem a vida é destinada. Podemos aplicar esta conclusão
afirmando que o coração de Deus não está nas Escrituras, mas sim naqueles por
quem elas foram escritas (João 5:39). Ora, tanto a Árvore da Vida como as Escrituras
são meros instrumentos para nos revelar o amor do Criador que nos quer o maior
bem, que é o conhecimento do Criador (João 17:3).
A humanidade perde a possibilidade de conhecer o propósito de sua existência,
enquanto alienada da revelação de Deus e de Jesus Cristo (João 17:3), e toda
existência privada de tal conhecimento naturalmente que necessita morrer, não
primeiramente por juízo, mas por necessidade da própria misericórdia e
compaixão divina. Por esta razão a vida eterna é conhecer a Deus, pois o significado
e o valor de viver nunca podem ser dissociados da fonte da própria vida.
A morte é tudo que pode produzir aquele que por orgulho não se submeteu ao
conhecimento de Deus, ao contrário, preferindo a mentira se corrompeu ao ponto
O CAMINHO DO BASTARDO
Má comunicação
Não causar ao próximo aquilo que não gostaríamos de sofrer (Lev 19:9-18) é o
princípio do bom senso, e não devia ser algo que precisássemos ler para acatar; a
nossa consciência em seu normal funcionamento devia nos convencer deste
princípio, “Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as
coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a
obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os
seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os ” (Rm 2:14-15). Mas é
óbvio que a consciência de um bastardo não é disciplinado na justiça e na verdade,
pois a verdade é a legitimidade do Pai.
Quando as Escrituras nos dizem que a humanidade é criada a imagem e
semelhança de Deus esta verdade traduz responsabilidade à todo ser humano de
tratar o semelhante com dignidade, afim de evitar desonrar o Criador, visto que
sempre que injuriamos a um homem a honra daquele por quem os homens foram
feitos imagem é manchada. Tiago explica isto quando nos diz que:
...mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode
refrear; está cheia de peçonha mortal. Com ela bendizemos a Deus e Pai, e
com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus: de uma
mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que isto se
faça assim. (Tiag 3:8-10)
Tiago capta bem o coração de diz quando diz “não convém que isto se faça
assim”, mas é assim o procedimento do bastardo. O bastardo é legalista, ele busca
suprimir as verdades implantadas em sua consciência, e busca legitimidade naquilo
que está escrito em pedras (II Cor 3:7) ou papel e não no seu próprio interior (Jer
31:33).
Jesus Cristo responde a questão de Caim com sua vida sacrificial. Ele mostra o
carácter de um filho legítimo, se esvaziando de sua glória e assumindo a posição de
servo compassivo de seus irmãos, oferecendo a sua própria vida para proteger do
mal o próximo (Fil 2:7-9/Isa 53:4-7), no caso, não somente Israel, mas a
humanidade, da qual se fez semelhante (Col 2:13-15). O bom samaritano é digno de
louvor por não rejeitar a sensibilidade divina que diferencia o filho do bastardo. Ele
não precisa ser judeu para ser filho, do mesmo modo que o judeu não precisa ser
samaritano para ser bastardo (Luc 10:30-37).
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Caim não havia reflectido sobre o testemunho que recebeu dos seus pais,
relativamente a forma como a humanidade havia sido criada. Ele não atingiu o
cerne do que significa ser criado a imagem e semelhança de Deus, se por ventura
pensou nestas coisas, simplesmente não guardou isto em seu coração. Contrário a
Caim, Jesus Cristo reflectia no testemunho do VT, e isto valeu-lhe muito, quando
foi tentado pelo inimigo a transformar pedras em pão, sua resposta foi: Nem só de
pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (Mat 4:1-4),
mas vejamos donde Jesus tirou esta resposta:
E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o SENHOR teu Deus te guiou no
deserto estes quarenta anos, para te humilhar, e te provar, para saber o que
estava no teu coração, se guardarias os seus mandamentos, ou não. E te
humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não
conheceste, nem teus pais o conheceram; para te dar a entender que o homem
não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o
homem. (Deut 8:2-3)
Quem diria que Jesus tiraria o seu “está escrito” desta parte do VT, onde Moisés
está a exortar ao povo de Israel a guardar os mandamentos que de Deus haviam
recebido? Jesus não podia se limitar aos dez mandamentos como muitos buscam,
na tentativa de tornar os dez mandamentos os mais especiais e prioritários. Jesus
havia se comprometido desde menino a aprender todas as lições que se podiam
perceber do VT e aplica-los em sua vida. Para Jesus “... o homem não viverá só de
pão, mas de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o homem ” é um princípio
fundamental para poder vencer o príncipe que gere os poderes malignos deste
mundo.
O bastardo não vê interesse em aplicar o seu coração na meditação e estudo
daquilo que Deus comunicou a humanidade, seja como revelada pelo universo,
como aquela revelada no VT e no NT. Entretanto, para que os homens não
seguissem o exemplo de Caim Deus exprimiu de modo explícito o princípio da
valorização da vida humana:
O CAMINHO DO BASTARDO
Brutalidade
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será
réu de juízo. Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar
contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca,
será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do
inferno. Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que
teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai
reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta.
(Mt 5:21-24)
Lameque
Os irmãos de José
nossa mão sobre ele, porque ele é nosso irmão, nossa carne. E seus irmãos
obedeceram. Passando, pois, os mercadores midianitas, tiraram, e alçaram a
José da cova, e venderam José por vinte moedas de prata aos ismaelitas, os
quais levaram José ao Egito. (Gn 37:18-21, 27-28)
A historia de José é muito interessante, ele era não somente agraciado de seu pai
Israel mas também de Deus, daí ter recebido sonhos que mostravam que Deus o
havia escolhido para um propósito especial (9-11). Isto nos trás a lembrança de Abel
por quem Deus havia se alegrado em seu procedimento (I Jo 3:12/Gn 4:4). De
modo semelhante ao que Caim fez a Abel, algures no campo foi que os seus irmãos
se viraram contra ele.
Ao venderem José, e acabarem por trapacear à Jacó (que por sua vez havia
trapaceado a Isaque), para esta família José estava (para todos efeitos) morto. Os
irmãos de José sacrificaram um bode para convencer a Jacó da morte de seu filho
preferido, e venderam José ao preço de 20 moedas de prata. Quem mais foi
vendido por um irmão e sua morte reflecte o sacrifício de um cordeiro? Jesus o
escolhido de Deus. A morte de Jesus foi sem sombras de dúvidas o acto mais cruel e
brutal que os judeus fizeram ao irmão deles.
Amnom e Absalão
tanto emagreces, sendo filho do rei? Não mo farás saber a mim? Então, lhe
disse Amnom: Amo a Tamar, irmã de Absalão, meu irmão. E Jonadabe lhe
disse: Deita-te na tua cama, e finge-te doente; e, quando teu pai te vier visitar,
dize-lhe: Peço-te que minha irmã Tamar venha, e me dê de comer pão, e
prepare a comida diante dos meus olhos, para que eu a veja e coma da sua
mão. Deitou-se, pois, Amnom e fingiu-se doente; e, vindo o rei visitá-lo, disse
Amnom ao rei: Peço-te que minha irmã Tamar venha e prepare dois bolos
diante dos meus olhos, para que eu coma de sua mão. Mandou, então, Davi a
casa, a Tamar, dizendo: Vai a casa de Amnom, teu irmão, e faze-lhe alguma
comida. E foi Tamar a casa de Amnom, seu irmão (ele, porém, estava deitado),
e tomou massa, e a amassou, e fez bolos diante dos seus olhos, e cozeu os
bolos. E tomou a assadeira e os tirou diante dele; porém ele recusou comer. E
disse Amnom: Fazei retirar a todos da minha presença. E todos se retiraram
dele. Então, disse Amnom a Tamar: Traze a comida à câmara e comerei da tua
mão. E tomou Tamar os bolos que fizera e os trouxe a Amnom, seu irmão, à
câmara. E, chegando-lhos, para que comesse, pegou dela e disse-lhe: Vem,
deita-te comigo, irmã minha. Porém ela lhe disse: Não, irmão meu, não me
forces, porque não se faz assim em Israel; não faças tal loucura. Porque, aonde
iria eu com a minha vergonha? E tu serias como um dos loucos de Israel.
Agora, pois, peço-te que fales ao rei, porque não me negará a ti. Porém ele não
quis dar ouvidos à sua voz; antes, sendo mais forte do que ela, a forçou e se
deitou com ela. Depois, Amnom a aborreceu com grandíssimo aborrecimento,
porque maior era o aborrecimento com que a aborrecia do que o amor com
que a amara. E disse-lhe Amnom: Levanta-te e vai-te. Então, ela lhe disse: Não
há razão de me despedires assim; maior seria este mal do que o outro que já
me tens feito. Porém não lhe quis dar ouvidos. E chamou a seu moço que o
servia e disse: Deita a esta fora e fecha a porta após ela. E trazia ela uma roupa
de muitas cores (porque assim se vestiam as filhas virgens dos reis, com capas),
e seu criado a deitou fora e fechou a porta após ela. (II Sam 13:1-18)
A desonra que sofreu Tamar produziu a vingança de seu irmão Absalão. O plano
levou dois anos para ser executado, Absalão esperou o tempo passar, Davi não havia
tomado nenhuma medida contra o seu primogénito, segundo a Lei Amnom devia
ser morto (Lev 18:11-29), mas quem teria coragem para pousar as mãos no filho do
rei? Então Absalão decidiu preparar um convívio, para se comer e beber, e buscou
insistentemente a presença de seu irmão mais velho, que do mesmo jeito que havia
enganado a Tamar, foi enganado e assassinado por vingança. Violência leva a
violência.
Um aspectos igualmente relevante nesta história é o mimo aparente que Davi
deu ao seu primogénito, e provavelmente aos seus outros filhos. Os filhos mimados
tendem a ser estes que seguem o caminho largo, não têm freios, querem tudo do
jeito dos seus corações, e não respeitam nenhuma autoridade. Se alguém tem um
pai condescendente, que não disciplina, a tendência é achar que Deus é
condescendente, que a sociedade deve realizar os seus caprichos, e são estes que
tendem a trazer vergonha e desgraça para os seus pais (os mimadores).
Os estudos mostram por exemplo que a ausência de pais nos lares dos pretos
americanos é um dos principais factores pelo alto índice de crime na comunidade.
A comunidade de negros em 2020 é de aproximadamente 13,4% da população
americana, entretanto a percentagem de crimes violentos cometidos por negros é
superior as restantes franjas da sociedade americana. Os mesmos crimes são
principalmente cometidos contra negros.
O CAMINHO DO BASTARDO
Davi não sabia disciplinar os seus filhos, e seus filhos se tornaram a sua maior
vergonha. É possível que a postura de Davi tenha sido influenciada pela própria
forma com que ele cresceu no seio da sua família. De todos os irmãos ele era o
menos querido de seu pai, desconfiava-se que tivesse sido fruto de um
relacionamento ilícito. No entanto, vemos que Davi vivia de certa forma separado
do núcleo de sua família, confinado ao campo com as ovelhas (I Sam 16:11). Ele
próprio não teve um pai presente, que lhe amasse e disciplinasse como convém.
Depois de um tempo o mesmo Absalão começou a conspirar contra seu Davi
pelo trono (II Sam 15:3-6) ao ponto de Davi acabar por fugir intimidado pela força
e apoio que Absalão havia angariado (15:14). Até mesmo o conselheiro de Davi
juntou-se a Absalão seu filho (15:31). Como se não bastasse essa brutalidade toda
nós lemos que:
Então disse Absalão a Aitofel: Dai conselho entre vós sobre o que devemos
fazer. E disse Aitofel a Absalão: Possue as concubinas de teu pai, que deixou
para guardarem a casa; e assim todo o Israel ouvirá que te fizeste aborrecível
para com teu pai; e se fortalecerão as mãos de todos os que estão contigo.
Estenderam, pois, para Absalão uma tenda no terraço; e Absalão possuiu as
concubinas de seu pai, perante os olhos de todo o Israel. (II Sam 16:20-22)
de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de
fora. E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera.
E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos. (Ge 9:20-22,
25)
Agora, existe ainda um debate em torno deste incidente, alguns teólogos acham
que Noé se embriagou e ficou nu, e seu filho Cão ao vê-lo não o cobriu e nem
encobriu o negócio, outros acreditam que o hebraísmo “descobrir a nudez” se
refere a incesto, e portanto, o relato em questão implica um acto sexual incestuoso,
seja de filho para com pai, ou de filho para com a esposa do pai. A minha posição é
esta última, considerando inclusive o facto de que a maldição foi feita a semente de
Cão, o seu filho Canaã, filho de incesto, ou seja, um bastardo. A bíblia vai relatar as
práticas idolatras do povo de Canaã, vemos como desde o início começou muito
mal.
Aproveitar-se de alguém em sua bebedeira é não somente covardia, mas também
uma brutalidade animalesca, até porque os predadores de modo minucioso
procuram identificar as prezas partindo dos mais vulneráveis. Quando os
predadores atacam, geralmente buscam prender o pescoço da vítima, o lugar mais
frágil e letal.
A violência e o mimo são como se gémeos siameses, inicialmente talvez não seja
detectável, mas eventualmente os mimosos são os monstros detestáveis. Deus é um
pai que disciplina os seus filhos, e não suporta mimos. As Escrituras nos mostram
que o caso dos filhos mimados de Eli:
Eram, porém, os filhos de Eli filhos de Belial; não conheciam ao SENHOR.
Porquanto o costume daqueles sacerdotes com o povo era que, oferecendo
alguém algum sacrifício, estando-se cozendo a carne, vinha o moço do
sacerdote, com um garfo de três dentes em sua mão; e enfiava-o na caldeira,
ou na panela, ou no caldeirão, ou na marmita; e tudo quanto o garfo tirava, o
sacerdote tomava para si; assim faziam a todo o Israel que ia ali a Siló.
O CAMINHO DO BASTARDO
Este comportamento era já costume dos filhos de Eli o Sumo Sacerdote, sua
resposta a essa conduta não foi severa, e a altura da transgressão que aos olhos de
Deus era “…, pois, muito grande o pecado destes moços perante o SENHOR,
porquanto os homens desprezavam a oferta do SENHOR ” (17). Se olharmos para o
verso 16 vemos que os filhos de Eli com brutalidade tomavam a carne dos
sacrifícios, essa violência na verdade não era só cometida contra aqueles que
sacrificavam, mas em primeiro lugar, contra o Deus para quem se sacrificava. Deus
culpa Eli de pisar os seus sacrifícios (29):
Por que pisastes o meu sacrifício e a minha oferta de alimentos, que ordenei
na minha morada, e honras a teus filhos mais do que a mim, para vos
engordardes do principal de todas as ofertas do meu povo de Israel? Portanto,
diz o SENHOR Deus de Israel: Na verdade tinha falado eu que a tua casa e a
casa de teu pai andariam diante de mim perpetuamente; porém agora diz o
SENHOR: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram honrarei,
porém os que me desprezam serão desprezados. Eis que vêm dias em que
cortarei o teu braço e o braço da casa de teu pai, para que não haja mais ancião
algum em tua casa. E verás o aperto da morada de Deus, em lugar de todo o
bem que houvera de fazer a Israel; nem haverá por todos os dias ancião algum
em tua casa. O homem, porém, a quem eu não desarraigar do meu altar será
para te consumir os olhos e para te entristecer a alma; e toda a multidão da tua
casa morrerá quando chegar à idade varonil. E isto te será por sinal, a saber: o
que acontecerá a teus dois filhos, a Hofni e a Finéias; ambos morrerão no
mesmo dia. (I Sa 2:29-34)
Não há nada que destrói a honra de um pai e de uma mãe como o fim de um
filho mimado e mau educado. Como profetizado, os filhos de Eli acabaram mortos
nas mãos dos filisteus num mesmo dia (4:11) e o próprio Eli teve uma morte
desonrosa (18). Por causa da complacência de Eli e falta de zelo a honra de Deus a
desgraça chegou a sua casa e eliminou a sua descendência do sacerdócio.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Ló e as suas filhas
Apóstolo Paulo nos exorta a termos uma postura consciente e não embriagada
na dedicação de nossa vida integral ao louvor de Deus. O nosso entendimento deve
ser iluminado pela vontade de Deus, e isso é de forma racional (do grego logikos).
Ora, tanto Noé como Ló embriagados não tinham consciência do que se passava
com eles, estavam ausentes da realidade, sem consciência nenhuma. Deus nos deu
a consciência para nos guardar do erro. Vejamos as seguintes passagens que
enfatizam a necessidade da sobriedade:
Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios. (I ITe
5:6)
Mas nós, que somos do dia, sejamos sóbrios, vestindo-nos da couraça da fé e
do amor, e tendo por capacete a esperança da salvação. (I Pe 5:8)
Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai
inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo. (I Pe
1:13)
Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor,
bramando como leão, buscando a quem possa tragar. (I Pe 5:8)
Eu conheci o pai de minha mãe já adulto, ele foi um daqueles que na década dos
60 havia fugido da guerra com a família para a então República do Zaire, actual
RDC. Daquilo que eu sabia dele antes mesmo de o conhecer, destacam três coisas,
a primeira é que ele era um excelente bate-chapa, a segunda é que era um mestre de
jogo de damas e a terceira é que era um alcóolatra.
Depois de nos conhecermos, não chegamos de conversar como eu gostaria,
infelizmente o avó se manifestava muito reservado e a única lembrança que eu
tenho em que ele buscou conversar comigo foi num destes dias que ele veio para
casa, totalmente embriagado, e chamou-me e começou a me “abençoar” cuspindo
em suas mãos e me esfregando, enquanto proferia bênçãos ao modo tradicional
que ele conhecia. Eu não levava aquele acto a sério, e só me mantinha calmo para
ver se ele acalmava. Sem esquecer que na altura eu não era convertido.
Estas são as lembranças que eu tenho do meu avó. A minha mãe e meus tios e
tias deverão ter lembranças mais nobres do que as minhas, mas obviamente que
suas memórias carregam consigo as manchas de uma infância desprovida da
presença de um verdadeiro pai, e das lutas e situações adversas associadas a esta
ausência. Ninguém como filho ou filha enaltece ou eleva a alta estima um pai que
várias vezes teve de ser carregado â cama, com as calças todas borradas de urina, por
embriagues.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Quando olho para esta minha família, noto o efeito deixado no carácter de seus
membros, sendo a disfunção familiar um emblema visível. A maioria é muito
nervosa, o rancor, a ira, as palavras de brutalidade, a desconfiança e o
distanciamento emocional de certa forma são marcas históricas que comecei a
perceber provavelmente desde que eu fui ganhando consciência de mim mesmo. É
verdade que muitos factores podem ser apontados para isso, mas acredito que não
precisamos ser psicólogos para perceber que boa parte disto é reflexo de problemas
no lar e da forma como crescemos.
Facções
Para nós africanos, com uma visão de família alargada uma situação como a
descrita no ponto anterior, sobre a disfunção familiar em minha família, vão quase
que inevitavelmente despoletar em divisões entre os familiares. O ofendido vai se
afastar. O ofensor que nunca se arrependeu vai continuar com o nariz empenado, e
ombros exaltados se achando justificado pela brutalidade. E depois de um tempo,
as filhas da tia fulana não terão comunhão com as filhas da tia sicrana, e qualquer
socialização tenderá a ser manchada de desconfiança, sendo que no mínimo
descuido surgirá a brutalidade, que por sua vez será respondida com brutalidade
(até porque o rancor e a ira nos corações nunca foram lavados dos corações).
Divisão de Israel
De todas as manchas ao nome de Davi, talvez o mais triste foi o final de Salomão,
que tendo começado com um coração fiel diante de Deus, se deixou perverter pelo
prazer das mulheres que amou, nós lemos a seguinte descrição:
E o rei Salomão amou muitas mulheres estrangeiras, além da filha de Faraó:
moabitas, amonitas, edomitas, sidônias e hetéias, das nações de que o
SENHOR tinha falado aos filhos de Israel: Não chegareis a elas, e elas não
chegarão a vós; de outra maneira perverterão o vosso coração para seguirdes
os seus deuses. A estas se uniu Salomão com amor. E tinha setecentas
O CAMINHO DO BASTARDO
Por tamanha transgressão por parte de Salomão Deus indignado lhe diz “…
certamente rasgarei de ti este reino, e o darei a teu servo ” (I Reis 11:11). O que vai
acontecer na Casa de Davi vai mudar para sempre a história da casa de Israel. Deus
vai permitir que outros homens se levantem contra o reino de Salomão, desde
estrangeiros como Hadade (25), como seus próprios servos como Jeroboão (26).
Este último se tornará o rei de 10 das 11 tribos de Israel:
Sucedeu, pois, naquele tempo que, saindo Jeroboão de Jerusalém, o profeta
Aías, o silonita, o encontrou no caminho, e ele estava vestido com uma roupa
nova, e os dois estavam sós no campo. E Aías pegou na roupa nova que tinha
sobre si, e a rasgou em doze pedaços. E disse a Jeroboão: Toma para ti os dez
pedaços, porque assim diz o SENHOR Deus de Israel: Eis que rasgarei o reino
da mão de Salomão, e a ti darei as dez tribos. Porém não tomarei nada deste
reino da sua mão; mas por príncipe o ponho por todos os dias da sua vida, por
amor de Davi, meu servo, a quem escolhi, o qual guardou os meus
mandamentos e os meus estatutos. Mas da mão de seu filho tomarei o reino, e
darei a ti, as dez tribos dele. (I Reis 11:29-31, 34-35)
Salomão não somente desprezou a Deus abraçando toda sorte de idolatria, mas
igualmente seu coração se corrompeu contra o povo, tendo se tornado um jugo
pesado aos seus corações (I Reis 12:4). Significa que o coração de Salomão havia
perdido a compaixão pelo povo que Deus lhe havia levantado e capacitado para
reinar, com sabedoria. Os ídolos não sentem, Salomão havia se tornado igualzinho
aos ídolos que abraçara (Salmos 115:4-8). Na verdade, ao abraçar a idolatria
Salomão havia rejeitado a sabedoria e abraçado a tolice (Isaías 44:9-20).
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
O sucessor de Salomão, seu filho Roboão era tolo, ao invés de consultar com os
sábios que consultaram com o seu pai, preferiu ouvir o conselho de seus amigos (I
Reis 12:8), tal como foi o caso de Amnom. Os filhos mimados são quase sempre
tolos. Assim se levantou a divisão no seio de Israel (19), quando o povo rejeitou o
maltrato de Roboão, que para todos os efeitos, queria impor um jugo ainda mais
pesado que aquele imposto pelo seu pai (14). Um rei ou presidente arrogante é
como um certificado de desgraça para o seu povo, por isso com a excepção da tribo
de Judá, as outras 10 tribos fizeram de Jeroboão o seu rei.
Esta é a forma que Israel acaba dividida entre o Reino do Sul e o Reino do Norte,
daí resultam pelejas e facções, que não passam de obras da carne (Gal 5:20). A
carnalidade é sempre a fonte de divisões. É interessante, os homens se negam a
seguir o caminho da humildade que Cristo ensina, mas não suportam a arrogância
e o orgulho dos outros. Rejeitamos o orgulho, mas protegemos o nosso orgulho,
rejeitamos a violência contra nós, mas buscamos racionalizar a nossa brutalidade
contra os outros. E enquanto não alinharmos a nossa vida e a do nosso lar as
palavras de Deus, facções e pelejas surgirão.
Os irmãos de José acabaram por odiá-lo em parte devido a forma aberta com que
Israel lhe favorecia. Este favorecimento era injusto aos olhos dos outros irmãos, foi
nesta brecha que a Serpente envenenou o coração dos outros filhos de Jacó. Ao
favorecer José automaticamente surgiram duas facções, a do “favorito do pai” e a
dos “menos favoritos do pai”. Israel não imaginava que abertamente amando mais a
José, dando tratamento especial a um e não aos outros, estava a contribuir para um
sentimento tão maligno quanto o homicídio no coração dos outros irmãos.
Se de um lado divisões surgem em famílias quando os pais tratam com
parcialidade os seus filhos, ou aqueles que vivem em suas casas, doutro lado, a
inveja também surge irrespectível da presença ou não de “favoritos”. A própria
disciplina, inteligência ou sucesso de um irmão pode acabar suscitando inveja nos
menos afortunados, e este sentimento se transformar em toda sorte de mal,
inclusive o homicídio. O caso de Caim é um bom exemplo disto, a justiça de Abel
O CAMINHO DO BASTARDO
A Espada de Jesus
Há ainda uma outra causa pelo surgimento de facções, esta é nada mais e nada
menos do que a própria fé em Jesus. Quando juramos lealdade à Cristo somos
compelidos pelo Espírito Santo a modelar a nossa vida segundo os princípios
divinos. A direcção dos nossos passos passa a ser segundo o caminho estreito (Mat
7:14), que é contrário aos modos do mundo (I Cor 6:9:11). A mentalidade mundana
por vezes caracteriza ou domina o nosso lar, e a diferença de princípios pode acabar
propiciando clivagens. Nos lemos que:
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
"Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois
vim para fazer que ‘o homem fique contra seu pai, a filha contra sua mãe, a
nora contra sua sogra; os inimigos do homem serão os da sua própria família’.
"Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem
ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não
toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Quem acha a sua vida a
perderá, e quem perde a sua vida por minha causa a encontrará. (Mat 10:34-
39)
Por causa de Cristo “irmão entregará o seu irmão â morte, e o pai o seu filho; os
filhos hão-de erguer-se contra os pais e hão de causar-lhes a morte” (21-22). O
discípulo deve assumir de que faz parte do lado de Cristo e do Reino de Deus,
contando que Cristo negará aqueles que lhe negarem publicamente diante dos
homens (32-33). Estas palavras podem parecer muito distantes no nosso contexto
angolano, mas os nossos irmãos em vários países islâmicos e comunistas sabem
afundo o seu sentido.
Um entre milhares de casos que nos mostram a forma como a fé separa as
pessoas é o de Meriam Ibrahim, uma cristã sudanesa, mãe de 27 anos de duas
crianças (uma das quais nascidas na prisão) que em 2014 foi condenada à forca por
se recusar a renunciar à sua fé. A história de Meriam chocou o mundo todo, e várias
organizações internacionais pressionaram o governo do Sudão que depois de um
tempo acabou por absolver a mesma.
Em Maio de 2014, seu próprio irmão contactou as autoridades sudanesas e
acusou a sua irmão de apostasia e adultério devido ao facto da mesma ter casada um
cristão. Ela foi considerada culpada do crime de apostasia de acordo com a lei
Sharia do Sudão, bem como deveria ser açoitada por ser casada com um homem
não muçulmano, tudo isso numa altura que ela estava concebida e dias de dar a luz
a sua filha Maya. Uma das exigências antes da condenação à morte de Meriam foi
que no prazo de três dias ela deveria renunciar a sua fé em Cristo, pelo que sem
tosquenejar ela respondeu “não”.
O CAMINHO DO BASTARDO
Enquanto estava na prisão, Meriam foi acorrentada com correntes pesadas nos
tornozelos (como habitual para todos os prisioneiros no corredor da morte). As
mesmas correntes permaneceram nela mesmo durante o trabalho de parto, no dia
27 de Maio, tendo dado à luz sua filha, Maya. Finalmente no dia 23 de junho, o
tribunal de apelação considerou Meriam de inocente de todas as acusações contra
Meriam. Ela, os filhos e seu esposo Daniel Wani acabaram emigrando para a
Europa.
Casos deste tipo acontecem desde Caim e Abel, sendo a religião de Caim falsa e
rejeitada e a de Abel justa e aceitável. Os que levaram Cristo a Pilatos foram os seus
irmãos hebreus, e os que apedrejaram Estêvão (Atos 7) foram igualmente seus
próprios irmãos, filhos de Abraão. Por causa da fé muitos são apedrejados, seja com
pedras, seja com palavras ofensivas, calúnia e outros actos de violência que
caracterizam o relacionamento entre as diferentes facções. Abraçar os caminhos de
Deus podem gerar conflitos:
Para que, no tempo que vos resta na carne, não vivais mais segundo as
concupiscências dos homens, mas segundo a vontade de Deus. Porque é
bastante que no tempo passado da vida fizéssemos a vontade dos gentios,
andando em dissoluções, concupiscências, borrachices, glutonarias, bebedices
e abomináveis idolatrias; e acham estranho não correrdes com eles no mesmo
desenfreamento de dissolução, blasfemando de vós. (I Ped 4:2-4)
diáconos (I Tim 5:17), mas nunca esquecer que temos apenas um mediador e
Senhor, em quem encontramos vida e justificação (I Tim 2:5/Heb 12:24). Somos
todos partes do corpo, membros um do outro (I Cor 12:19-21), tendo uma só
cabeça que é Cristo (Col 1:18/Ef 4:15), irmãos e irmãs, do mesmo Pai.
Outro ponto relevante, é que apesar de existirem várias denominações, se o
Espírito é o mesmo, haverá unidade entre os discípulos, visto que a facção é
determinada no coração, pois é do coração que procede o mal e não das placas
denominacionais (Mat 15:19-20). A nossa intimidade deve advir do amor que
caracteriza a verdadeira fé.
Agora, aquele que é capaz de estender a mão ao seu inimigos naturalmente que
amará muito mais os que lhe são mais próximos, por isso Jesus nos diz que
“ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos ”
(João 15:13). A Parábola do Bom Samaritano nos ensina que a humanidade é uma
família, não somente por descendermos de Adão e Eva (Actos 17) mas por sermos
da mesma espécie, com as mesmas limitações e necessidades. Nós lemos que:
“E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria
habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao juízo daquele grande
dia.” (Jud 1:6)
O autor da citação se refere a segunda queda da humanidade, ou seja ao texto de
Gen 6 e ao livro de apócrifo de Enoque para dizer que os anjos fazem parte de um
principado, que representa uma habitação própria que ao se misturarem com as
mulheres humanas acabaram saindo do principado e habitação a eles designado.
Sendo consequente pensarmos que a espécie humana de igual modo possui um
principado e uma mesma habitação, somos partes de uma mesma família e espécie.
Este facto deve representar um factor de unidade, uma comunidade de empatia e
compaixão. Lemos que:
Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que
penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não
temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas;
porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos,
pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar
misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno.
(Heb 4:14-16)
Er e Onã
Existem algumas instâncias de relatos bíblicos que nos deixam perplexos, textos
que não apresentam pistas para nos conferir bases suficientes para entendermos as
circunstâncias de certas ocorrências. O que foi que Er fez para que o próprio Deus
decidisse lhe matar? Será que não fez nada, mas Deus ao sondar o seu coração viu
uma depravação tal que preferiu elimina-lo para o bem de Israel? Responder estas
questões é tarefa controversa porque o autor de Génesis simplesmente omitiu os
dados que nos iluminariam.
O caso de Er é de certa forma o reverso do relato de Enoque, que “andou com
Deus” (hebraísmo para caracterizar um justo) e foi tomado por Deus. Se Enoque
agradou o coração de Deus e Deus o tomou para si, Er, ao contrário, não andou
com Deus, desagradou o coração de Deus ao ponto de Deus o matar, em outras
palavras Er foi tomado por Deus, não para vida, mas para morte. Igualmente sobre
Enoque só sabemos que “andou com Deus”, como andou com Deus continua um
mistério para nós.
Sabemos porém que Judá depois de ter se afastado (facção) de seus irmãos
casou-se com uma mulher cananeia (Gen 38:1-2), algo que seus pai havia proibido
(Gen 28:1). O interessante é que Genesis 38 explica como dos três filhos que Judá
teve com a cananeia, nenhum deles acabou por dar descendência a Tamar, sendo
que o próprio Judá acabou se envolvendo com Tamar (quando esta se disfarçou de
prostituta), e ela concebeu a Peres, donde a linhagem de Jesus Cristo é chamada
(Mat 1:3/Luc 3:33).
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Já no caso do irmão de Er, Onan podemos mais livremente comentar sobre o seu
carácter, segundo o relato de sua transgressão nos versos 9 à 10 de Génesis 38:
Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e
aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sémen na
terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos
do SENHOR, pelo que também o matou.
Segundo a cultura semítica da era cabia ao irmão mais novo remir a viúva de seu
irmão (Deut 25:5-6), e o primogénito que com esta teria seria descendência para o
seu falecido irmão. Onan, porém, não viu lucro algum para o seu lado, dar
descendência ao seu irmão no mínimo significava que a herança de primogénito
seria canalizado ao filho do falecido e não aos seus filhos (Deut 21:17). Seu coração
ambicioso e orgulhoso não deixam espaço para qualquer compaixão para com o seu
irmão.
Quem sabe a maldade de Er tivesse deixado em Onan uma mágoa e este por
vingança não mediu esforços, ao ponto de trair as expectativas de seu pai Judá, e
ainda pior as de Tamar, visto que esta ao envolver-se com Onan, estava claro não
somente a intenção dela ser remida e deixar a sua viúves, mas também a expectativa
de dar descendência à Er. Uma mulher viúva era uma mulher desgraçada,
sobretudo se não tivesse filhos no contexto da época. A importância de ter filhos
para os semitas não é muito diferente do modo africano, quando Onan derrama o
sémen na terra nem podemos imaginar a ofensa, o abuso, a falta de consideração
que o acto carregava. Sem filhos continuaria uma mulher desgraçada.
O que vemos em Onan é o contrário de Jesus. Onan não é um exemplo de
humildade e generosidade mas de orgulho e individualismo, ele não é sensível, mas
sim bruto e arrogante, e também não é um exemplo de uma pessoa misericordiosa,
mas sim de um ser vingativo e ganancioso. Este não era íntimo nem com o seu pai
Judá, nem ainda com o seu falecido irmão Er. Para Onan Tamar representava
somente um instrumento para gozo sexual, ele não sabia que de Tamar devia nascer
O CAMINHO DO BASTARDO
Perfecionismo
sua experiência, os zambianos têm como cultura dar prioridade um ao outro por
ordem de chegada, quando por alguma situação os semáforos não estiverem a
funcionar. Com este comportamento a ausência de agentes de trânsito e a não
funcionalidade do semáforo não chega a constituir um grande problema, como
aquele que em Angola é comum acontecer.
Aqui vemos que tanto a necessidade do semáforo como a de um agente
regulador de trânsito é de certa forma proporcional a maturidade dos motoristas.
O Ap. Paulo nos diz que:
Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente; sabendo
isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para
os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e
matricidas, para os homicidas, para os devassos, para os sodomitas, para os
roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for
contrário à sã doutrina. (I Tim 8:10)
Assim como o propósito dos semáforos e dos polícias é garantir a segurança dos
automobilistas e a fluidez do trânsito, o fundamento da Lei é o amor. Entretanto,
assim como a maturidade dos zambianos exclui a necessidade dos agentes
reguladores de transito e dos semáforos de igual modo o que Deus buscava nos
hebreus era a maturidade ou seja a perfeição. A palavra grega τέλειος (strong
O CAMINHO DO BASTARDO
5046) transliterada teleios tem como principal sentido “trazer ao fim” ou seja
quando algo atinge o seu fim estamos diante da perfeição ou maturidade. Por isso,
sendo o amor o fim da Lei Jesus Cristo nos ensina que:
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu,
porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei
bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para
que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se
levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se
amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos
também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de
mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como
é perfeito o vosso Pai que está nos céus. (Mat 5:43-47)
O Senhor ao dizer que “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem
por causa do sábado” está apontar para o fim da Lei que é o amor. Toda a tentativa
dos hebreus em se considerar pessoas justas por cumprir escrupulosamente com os
ditames da Lei, quando ignoravam o fim da Lei só constituía um acto de
ignorância, visto que falhavam no alvo de Deus que continua sendo o amor.
É o egoísmo que faz com que um pai exija tanto de seu filho ao ponto de tal
exigência transcender o prisma do amor. Por vezes os filhos ao perceberem que
tudo que fazem nunca chega para satisfazer os seus parentes acabam por
desenvolver um complexo de inferioridade e alguns vão ao extremo de suicidar-se.
É que quando o amor não é a base do relacionamento familiar, o foco em alta
performance (de alguma sorte) acaba sendo um substituto à intimidade. Os filhos
percebem que existem para alegrar os seus pais, e os pais pensam que os filhos
existem para cumprir com os seus caprichos, quando a família foi instituída para o
exercício do amor, que é a verdadeira perfeição.
O perfecionismo busca a aceitação dos homens e não de Deus. Deus não precisa
ser impressionado com as coisas que fazemos, ele conhece o coração que nos faz
fazer as coisas. Deus conhece as limitações que circundam a nossa vida, e o
perfecionista não suporta a ideia de ter limitações, faz de tudo para manter
escondido os seus medos, os seus erros, as suas falhas, e acaba se constituindo o
maior hipócrita:
O CAMINHO DO BASTARDO
pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele;
porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si
mesmo se humilha será exaltado. (Luc 18:9-14)
1
Ver David deSilva no seu livro A Esperança da Glória, publicada pelas Paulinas.
O CAMINHO DO BASTARDO
A Mãe Perfecionista
Em uma página2 online uma mulher cristã confessou que foi perfecionista
durante uma parte de sua vida enquanto mãe. A primeira coisa que ela apontou é
que “queria ser uma mãe perfeita e alcançar a família perfeita que os outros
invejavam”. Como abordamos nos pontos anteriores, o próprio Cristo nos diz
ordena “sedes perfeitos” (Mat 5:48), mas esta perfeição não é o que esta mãe
buscava, ela queria a perfeição segundo o padrão dos homens. Sua definição de
perfeição era aquela que o mundo tem, e não aquela que Jesus nos aponta que é
“amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”.
Ela estava presa no caminho dos escribas e Fariseus de Mateus 23, a sua visão de
perfeição era para “causar inveja nos outros” e não para honrar â Deus. Desta feita,
ela acabou por “coar um mosquito e engolir um camelo” trocando as prioridades,
quando secundarizou o juízo (ser justo), a misericórdia (ser compassivo) e a fé (ser
fiel). Estas coisas contrastavam com o foco e as prioridades dela:
Perfeccionismo era minha desculpa para padrões excessivamente elevados
para mim mesmo, para nunca estar satisfeita com (minhas) realizações e para
meu desejo insaciável de aprovação. Eu me convenci de que tudo o que eu
fiz ... tinha que ser melhor do que ninguém.
Quem deu o padrão de justiça no Jardim do Éden foi Deus, e quando alguém
cria seus próprios padrões, fora de Deus, o resultado só pode ser desastroso. Deus é
o juiz que todos nós teremos de lidar no final da nossa caminhada nesta vida
(Hebreus 9:27), e com este facto em mente, todos nossos alvos devem ser
conformados com o padrão divino. Não é de nos assustar que a mãe perfecionista
não conseguiu se satisfazer, e acabou se tornando preza ao desejo insaciável de
receber a aprovação dos outros. Se a sua visão de perfeição é antropocêntrica, e só
Deus é a fonte da perfeição, qualquer tentativa de se ser perfeito, fora de Deus terá
um resultado imperfeito.
2
https://gracefullylivinglifeloved.com/confession-of-a-perfectionist-mom/
O CAMINHO DO BASTARDO
Ela quis ser “melhor do que ninguém”. Esta afirmação é uma perfeita antítese à
humildade. As coisas pioram quando o Juiz tanto dos vivos como dos mortos (II
Tim 4:1) não pode de jeito nenhum considerar “perfeita” uma pessoa orgulhosa, na
verdade Deus resiste e abomina os orgulhosos (Tiago 4:6/Isaías 2:12/Prov 6:16-17).
E aqui entra outro espectro, como pode uma pessoa perfecionista ser feliz? É
Simplesmente impossível, visto que para atingir a satisfação ela tem de satisfazer o
que em seus próprios termos é superior a sua natureza. Ela explicou que:
A aprovação de outras pessoas era desesperadamente necessária para que eu
me sentisse merecedora. Esse desejo me levou à obsessão para alcançar níveis
extremos de realização. Embora por fora eu parecesse ter tudo sob controle,
por dentro eu estava a desmoronar e aflita de ansiedade.
Como mãe ela fazia de tudo para controlar minuciosamente tudo em torno dos
filhos e do lar, afim de garantir que o seu lar fosse “invejado” por todos. Matriculou
os filhos em tudo que era curso, na ânsia de formar neles indivíduos integralmente
impecáveis. No final ela admitiu que “Embora eu nunca tenha sentido que fosse o
suficiente. Ser uma mãe perfeccionista e criar uma família "perfeita" era totalmente
exaustiva”. Aqui me lembra as palavras “…não por força nem por violência, mas sim
pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos” (Zac 4:6). Verdadeiramente o que
se faz na carne fere a carne, daí a exaustão interior:
Havia noites em que eu ficava acordada até tarde limpando e organizando a
casa. (Deus me livre que alguém aparecesse e encontrasse a minha casa em um
estado de desastre ... o que eles pensariam?) Eu acordava todas as manhãs me
sentindo exausta, mas com vontade de fazer mais ... ser mais.
Graças à Deus o final da história desta irmã foi feliz, na medida que ela chegou a
entender que “O perfeccionismo não a torna mais amável ... apenas exausta e
esgotada. Não é a sua capacidade de "desempenhar" ou acompanhar o que
determina o seu valor. Você tem valor porque é filha do Rei Jesus… o que a torna
uma princesa!”
Este testemunho não explora os efeitos negativos dos outros membros da
família da mãe perfecionista, mas vale a pena dizer que vários estudos mostram que
os efeitos podem envolver a (1) supressão das verdadeiras emoções por parte dos
filhos, por medo de magoar os parentes perfecionistas. Isto é claro que promove a
hipocrisia. Sempre que os filhos não conseguirem atingir o padrão, que é o mais
natural a acontecer, acabarão por produzir (2) o sentimento de vergonha e
inferioridade.
Pessoas que sofrem do complexo de inferioridade facilmente acabam por buscar
subterfúgios em coisas menos positivas, como drogas e outros vícios. Os próprios
filhos acabam sendo perfecionistas, não desenvolvem mecanismos psicológicos
para lidar com críticas e fracassos, que por sua vez pode representar maior
propensão ao suicídio. Como perfecionistas o labor infinito de querer buscar a
aprovação de outras pessoas levará ao stress e a exaustão, como vimos no caso da
mãe perfecionista, e esta forma de encarar a vida definitivamente que vai dificultar
no desenvolvimento de relacionamento interpessoal saudável, sobretudo na
dimensão conjugal.
Não há nenhum problema em buscar pela perfeição desde que isso seja de
acordo ao padrão divino, pautado em glorificar à Deus, focado no “camelo” e não
na “mosca”, isto é, buscando de coração o juízo (ser justo), a misericórdia (ser
compassivo) e a fé (ser fiel). Para tal devemos começar pela humildade e
reconhecimento de nossa total dependência à graça de Deus:
O CAMINHO DO BASTARDO
Quando Caim em sua arrogância responde à Deus que “sou guardador do meu
irmão” ele deixa escapar uma mente legalista. Para Caim era necessário que Deus
tivesse oficializado primeiro o seu papel de guardador de Abel, em outras palavras
“onde está escrito que eu devo guardar o meu irmão?”. Infelizmente, não poucos
ditos cristãos, têm como base de suas acções o argumento “onde está escrito na
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
AS CINCO HERANÇAS
De maneira que, irmãos, somos devedores, não à carne para viver segundo a
carne. Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito
mortificardes as obras do corpo, vivereis. (Rom 8:12-13)
“Mas, quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos
homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os
mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a
segunda morte.” (Apoc 21:8)
Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e
sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. (Gen 3:1-5)
O projetar-se numa posição de néscio, ao mesmo tempo que lança uma ofensiva
sorrateira contra Deus, é uma estratégia que o Diabo continua a utilizar até aos dias
de hoje. Geralmente as coisas diabólicas surgem em forma de “civilização”,
“intelectualismo”, ou ainda para o “bem” e representam “desenvolvimento”.
Quanto a isto Paulo nos diz “e não é maravilha, porque o próprio Satanás se
transfigura em anjo de luz.” (II Cor 11:14)
Só depois de cairmos na isca do inimigo, não lhe reconhecendo como ofensivo e
maldoso, é que ele mais abertamente manifesta as suas cores, dizendo “c ertamente
não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os
vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. ”Nesta etapa da conversa
as guardas estão no seu ponto mais baixo, visto que não se identificou o perigo, e ai
a sugestão de que Deus é um manipulador e, portanto, injusto se torna uma
AS CINCO HERANÇAS
seu dispor; televisão, livros, internet, universidades, escolas, falsos profetas, autores
renomados etc. Não poucas vezes as ideologias mais diabólicas chegam até nós e,
aos nossos filhos, através de desenhos animados, programas de entretenimento ou
arte. Por isso lemos que:
Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai
inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo; como
filhos obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes
havia em vossa ignorância. (I Ped 1:13-14)
contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o
homem. (Mat 15:19-20)
A Tentação de Jesus
Uma das coisas mais interessantes das Escrituras é forma que a maioria dos temas e
eventos tratados encontram uma harmonia incomum. Se no início do livro de
Génesis temos o relato do fracasso do primeiro homem, no inicio do evangelho
temos o relato da vitória do segundo homem (I Cor 15:45). Nós lemos que:
Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo
diabo. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome; e,
chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus, manda que estas
pedras se tornem em pães. Ele, porém, respondendo, disse: Está escrito: Nem
só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
AS CINCO HERANÇAS
João distingue tudo aquilo que neste mundo não é de Deus em três principais
categorias; a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da
vida. Esta distinção é bem consistente com o que vimos na tentação de Eva e o que
veremos nesta secção na tentação de Jesus.
Tendo Jesus ficado quarenta dias sem comer nada, o seu corpo gemendo de
fome, que é natural, a mesma Serpente de Génesis 3 apareceu, desta vez,
igualmente ciente do desejo (concupiscência) da carne de saciar a sua necessidade,
o inimigo começa a sua conversa astuta, desta vez com o “ se tu és o Filho de Deus,
manda que estas pedras se tornem em pães ”. Vejamos como o inimigo desta vez
não se fez de néscio, isto provavelmente porque estava ciente que Jesus sabia com
quem estava a lidar ( v.10).
O uso subtil da condicionante “se” faz uma grande diferença no discurso do
inimigo, é o substituto para “é assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore
do jardim?” (Gen 3:1). Há aqui uma dúvida lançada quanto a veracidade das
palavras “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”(Mat 3:17), que Deus
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
havia afirmado quando Jesus foi baptizado, isso é a mesma duvida lançada quanto a
palavra de Deus “de toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do
conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela
comeres, certamente morrerás.” (Gen 2:16-17)
Se Jesus fosse um perfeccionista e vivesse preocupado com a opinião dos
homens, poderia ter caído no pecado do orgulho, e buscado convencer o Diabo.
Visto de uma outra forma, o inimigo misturou o atiçar o orgulho com o desejo
natural de saciar a fome de 40 dias de jejum. E aqui vemos Jesus a fazer recurso das
Escrituras, quando responde “está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de
toda a palavra que sai da boca de Deus”:
E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o SENHOR teu Deus te guiou no
deserto estes quarenta anos, para te humilhar, e te provar, para saber o que
estava no teu coração, se guardarias os seus mandamentos, ou não. E te
humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não
conheceste, nem teus pais o conheceram; para te dar a entender que o homem
não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o
homem. Nunca se envelheceu a tua roupa sobre ti, nem se inchou o teu pé
nestes quarenta anos. (Deut 8:2-4)
Jesus fez um paralelo das limitações do seu corpo, com as limitações de Israel
durante os 40 anos no deserto. Do mesmo modo que Deus foi fiel para suprir todas
as necessidades do povo no deserto, Deus seria fiel para suprir a necessidade de
Jesus. Ao contrário do povo no deserto que não contava que Deus fosse capaz de
fazer chover mantimento dos céus, Jesus tinha certeza que sua vida não dependia
de seus próprios esforços ou do alimento natural. Ele, decidiu confiar em Deus, ao
contrário de murmurar (Num 14:2).
O Diabo se vendo contrariado, prosseguiu para uma outra tentação, desta vez ele
leva o Senhor ao pináculo do Templo e lhe diz “Se tu és o Filho de Deus, lança-te de
aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, E
tomar-te-ão nas mãos, Para que nunca tropeces em alguma pedra ” (cit. Salmos
91:11-12). Aqui o inimigo percebe que o Senhor era muito centrado na palavra de
AS CINCO HERANÇAS
Deus, então decidi mostrar que ele também é um “teólogo”. Mas, notemos, que
não largou o “se”. O orgulho para o Diabo é o ponto mais fraco da raça humana, é,
na verdade, o que faz do próprio Diabo o Diabo. Todo ser orgulhoso é manipulável
pelo inimigo, por isso Jesus em outro lugar disse “ já não falarei muito convosco,
porque se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em mim ” (João 14:30).
Jesus não baixou a guarda, e responde ao desafio como o verdadeiro Filho de
Deus dizendo “também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus”, citando de
novo as Escrituras, desta vez Deuteronómio 6:16. Aqui a tentação se enquadra no
campo da “soberba da vida”. E de novo, devemos notar que Jesus recorre as
Escrituras para responder a tentação do inimigo das nossas vidas.
Finalmente, o inimigo mesmo contrariado, faz a sua terceira tentativa para ver se
consegue manchar o testemunho de Jesus Cristo, e “ o transportou o diabo a um
monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles. E
disse-lhe: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. ”Aqui o inimigo faz o seu
ataque no campo da “concupiscência dos olhos”. E o Senhor que sabia que todos os
reinos lhe seriam dados pelo seu Pai, assim como profetizado em Salmos 2 e
concretizado após sua ressurreição e ascensão (Mt 28:18) respondeu “v ai-te,
Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás ”.
Cada um de nós é tentado nestas três vertentes principais (a concupiscência da
carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida), e o dinheiro (Mamom), e o
poder ou seja a concupiscência dos olhos tem carregado muita gente ao caminho
do Bastardo. O mesmo Senhor que venceu todas as tentações (Heb 4:15) nos disse:
A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons,
todo o teu corpo terá luz; se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo
será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão
tais trevas! Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e
amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a
Deus e a Mamom. (Mat 6:22-24)
Por causa do dinheiro e os bens materiais, que dão prestigio e poder no mundo,
muitos entre os cristãos têm se tornado improdutivos para o reino. Todo o seu
tempo e esforço é virado a aquisição de bens materiais e de poder. Poucos buscam
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
primeiro o reino de Deus e sua justiça, mas fizeram do reino de Deus o resto que
será acrescentado (Mat 6:33). Sobre isso Paulo nos diz que “...o amor ao dinheiro é
a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas dores”, e ainda exorta:
Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima,
onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de
cima, e não nas que são da terra; porque já estais mortos, e a vossa vida está
escondida com Cristo em Deus. (Col 3:1-3)
Um pormenor que Lucas captou no seu relato, que não encontramos no relato
feito em Mateus, é quando ele termina dizendo:
E, acabando o diabo toda a tentação, ausentou-se dele por algum tempo.
(Lucas 4:13)
Aqui a mensagem que Lucas busca nos transmitir é que o Diabo depois de tentar
ao Senhor retirou-se somente por algum tempo, querendo dizer que ele nunca
deixou Jesus de modo permanente. Se o Diabo tentou a Jesus durante toda a sua
vida, porque não nos tentaria do mesmo jeito? Nós também somos chamados a
seguir os trilhos do segundo Adão, por isso lemos que “ …quanto ao trato passado,
vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano;
e vos renoveis no espírito da vossa mente; e vos revistais do novo homem, que
segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade.” (Efésios 4:23-24)
AS CINCO HERANÇAS
filho fala como o seu Pai. Por isso vemos que a “voz” do filho do homem (Dan
10:6/Apoc 1:10-17) é semelhante a voz de Deus (Ezeq 43:1-3). Jesus nos mostra
quando confrontava os judeus que não criam nele:
Bem sei que sois descendência de Abraão; contudo, procurais matar-me,
porque a minha palavra não entra em vós. Eu falo do que vi junto de meu Pai, e
vós fazeis o que também vistes junto de vosso pai.Por que não entendeis a
minha linguagem? Por não poderdes ouvir a minha palavra. Vós tendes por pai
ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o
princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando
ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da
mentira. Mas, porque vos digo a verdade, não me credes. Quem dentre vós me
convence de pecado? E se vos digo a verdade, por que não credes? Quem é de
Deus escuta as palavras de Deus; por isso vós não as escutais, porque não sois
de Deus. (João 8:37-38, 43-47)
Jesus falava as palavras do seu Pai e não era percebido pelos bastardos, porque
estas falam a língua do pai deles que é o Diabo. O bastardo herda a forma de ouvir
que não lhe permite seguir o caminho de Deus, sua mente é rebelde e corrupta, dai
ele rejeitar as palavras verdadeiras e puras. O bastardo tem prazer em falar, ouvir,
aceitar e praticar a mentira, isto porque o seu pai é o pai da mentira. As suas
palavras não edificam, mas matam, e quando os bastardos ouvem a verdade a
reacção deles é rejeitar, ignorar (Lucas 6:22) ou fazer mal a quem fala a verdade
(Mat 7:6). Jesus nos mostra que cada um é semelhante ao seu verdadeiro pai. O que
falamos revela a nossa verdadeira paternidade:
Mas, quando vos entregarem, não vos dê cuidado como, ou o que haveis de
falar, porque naquela mesma hora vos será ministrado o que haveis de dizer.
Porque não sois vós quem falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós.
(Mat 10:19-20)
Uma das coisas mais fascinantes da vida humana acontece exatamente quando
uma criança nasce, a mãe que durante nove meses cuidou do bebé em seu ventre
finalmente tem a oportunidade de matar a curiosidade de olhar e tocar o ser que
mexia dentro do seu próprio corpo. Ao receber a criancinha nas mãos, ainda com os
AS CINCO HERANÇAS
O falar dos bastardos é pautado pela falta de humildade. Eles não se humilham,
eles resistem a palavra de Deus, inventam argumentos e se justificam ao invés de
admitir o pecado e clamar por divina clemência. Mas a verdade de Deus revela a
ignorância humana, todos os argumentos dos bastardos são como as fortalezas de
AS CINCO HERANÇAS
Níneve “serão como figueiras com figos temporãos; se os sacodem, caem na boca
do que os há de comer ” (Nau 3:12). Por isso Paulo nos diz:
Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus
para destruição das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a altivez que se
levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o
entendimento à obediência de Cristo. (II Cor 10:4-5)
Falar nos é tão natural que na maioria das vezes não levamos a sério o que
falamos, de tal modo que poucas vezes paramos para meditar primeiro no que
devemos ou não falar. Entretanto Tiago nos avisa que “... porque todos tropeçamos
em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal é perfeito, e poderoso
para também refrear todo o corpo” (Tiago 3:2). E o Senhor nos alerta que:
Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má, e o seu fruto
mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. Raça de víboras, como podeis vós
dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração,
disso fala a boca. O homem bom tira boas coisas do bom tesouro do seu
coração, e o homem mau do mau tesouro tira coisas más. Mas eu vos digo que
de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do
juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás
condenado. (Mat 12:33-37)
A forma como falamos é um dos temas mais repetidos nas escrituras, seja no VT
como no NT. Paulo citando Salmos 140:3, 10:10, 5:9 nos fala sobre: “A sua garganta
é um sepulcro aberto; com a língua tratam enganosamente; peçonha de áspides
está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e amargura” (Rom
3:13-14). O povo de Israel é visto como murmuradores (Exo 15:24/Num
14:2/Salmos 106:25), são eles que proferiam palavras que ofendiam o coração de
Deus (Eze 18:2-3). O pai da mentira é o pai dos mentirosos (João 8:44), não é de
estranhar que quando o Dragão dá o seu poder a Besta, a primeira coisa que
acontece é capacitação para blasfemar:
AS CINCO HERANÇAS
À besta foi dada uma boca para falar palavras arrogantes e blasfemas, e lhe foi
autoridade para agir durante quarenta e dois meses. Ela abriu a boca para
blasfemar contra Deus e amaldiçoar o seu nome e o seu tabernáculo, os que
habitam no céu. (Apoc 13:5-6/NVI)
A serpente é temida não pela força de suas mãos, ou pela força de suas pernas,
pois não as tem, mas pelo veneno de sua boca. Quando a Serpente enganou a Eva
foi com a sua língua. Da boca do lobo não sai o som de cordeiros, cada espécie
produz aquilo que é próprio da sua família, os bastardos falam o que é próprio dos
filhos ilegítimos: “Acaso pode sair água doce e água amarga da mesma fonte? Meus
irmãos, pode uma figueira produzir azeitonas ou uma videira, figos? Da mesma
forma, uma fonte de água salgada não pode produzir água doce ” (Tiago
3:11-12/NVI).
Uma vez enquanto eu estava a fazer alguma coisa em casa, ouvi a filha mais velha da
minha vizinha a proferir palavras muito perversas para uma criança de menos de 7
anos. Na verdade, palavras grosseiras nunca são justificáveis na boca de quem quer
que seja, é, de todo, muito chocante quando na boca de um ser tão petiz ouvirmos
tamanha brutalidade. A nossa visão de uma criança é inseparável da inocência e da
pureza. Entretanto, desde muito cedo e facilmente se pode corromper uma virgem
alma.
Pensei comigo mesmo “onde está a mãe delas para repreender a sua filha”.
Passados uns poucos dias, ouvimos as crianças a chorar, sendo repreendidas por
alguma coisa que terão cometido, mas o que chamou a nossa atenção foram as
palavras usadas na repreensão. Ficou mais do que evidente que os palavrões que a
menina usara tivessem sido aprendidas com a própria mãe. Tal mãe, tal filha.
Os nossos apartamentos eram juntinhos, e mesmo não querendo, qualquer
gritaria de um lado chega a ser ouvido no outro. Foi assim que era fácil notar a
vizinha voltando embriagada em casa, e com hematomas nos olhos. A brutalidade
de seu namorado também se tornou evidente assim.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Sem Deus este comportamento é justificável. Infelizmente devia ser regra que os
que se identificam como sendo cristãos fossem na maioria diferentes, entretanto,
não poucos casos sugerem que a realidade é bem diferente. Só podemos descansar
na certeza de que há uma grande diferença entre se considerar um cristão, e Jesus
te considerar um cristão. É de se esperar que a comunicação de um cristão se
conforme a comunicação de Jesus Cristo e dos santos. Por isso lemos que:
“Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para
promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem.” (Efe 4:29)
Mas agora, despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da
maledicência, das palavras torpes da vossa boca. Não mintais uns aos outros,
pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do
novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o
criou. (Col 3:8-10)
Do mesmo jeito que se espera que uma criança bem educada não se desviará do
caminho certo até a sua velhice, se espera que uma criança mal educada cresça
perversa até a velhice. Na verdade quanto mais velha o perverso se torna, mais
perverso fica. Esta realidade nos circunda, e deve nos estremecer o coração e nos
levar a proclamar o evangelho com muita oração aos nossos vizinhos. É isso que
significa ser sal e luz do mundo (Mat 5:13).
Infelizmente controlar a língua é mesmo muito difícil, porque ela reflecte o
estado do nosso coração. Não poucas vezes na minha vida me vi indignado comigo
AS CINCO HERANÇAS
mesmo, não me lembro de ter proferido uma palavra torpe contra a minha esposa,
mas eu seria mentiroso se dissesse que poucas vezes me arrependi pelo tom ou a
escolha de palavras com que respondi a minha esposa. Tenho a certeza que Deus
tem ouvido o meu clamor e é notório uma crescente mudança no modo de falar. A
obra do Espírito Santo em nós é tal que até coisas que aos olhos de todos não
representa agressão chegamos a ter a convicção no espírito que erramos e que
devemos fazer diferente para a glória do Pai que amamos e servimos. Tiago nos diz
que:
A língua também é um fogo; como mundo de iniquidade, a língua está posta
entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da
natureza, e é inflamada pelo inferno. Porque toda a natureza, tanto de bestas
feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi
domada pela natureza humana; mas nenhum homem pode domar a língua. É
um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal. (Tiago 3:6-8)
Uma da convicções que faz muito tempo eu tenho em meu coração é que a boca
de um pregador da palavra deve ser espiritualmente limpa. É para mim
inconcebível que Deus encherá os lábios de uma pessoa profana com verdadeiras
palavras de edificação, sabedoria e exortação inspiradas do seu Espírito. Isso seria
algo parecido a dar o que é santo aos cães, e a lançar pérolas aos porcos (Mat 7:6).
Quando Tiago diz “ é um mal que não se pode refrear” não devemos pensar que
está a nos ensinar que não há vitória sobre o mau uso da língua, na verdade ele nos
exorta no sentido inverso, quando prossegue e diz:
De uma mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não convém
que isto se faça assim. Porventura deita alguma fonte de um mesmo manancial
água doce e água amargosa? Meus irmãos, pode também a figueira produzir
azeitonas, ou a videira figos? Assim tampouco pode uma fonte dar água
salgada e doce. (Tiago 3:10-12)
perverso para disferir o maior golpe de todos. Este golpe embora o mais letal de
todos, é o que dispensa qualquer noção de arte marcial. A sabedoria judaica nos diz
o seguinte:
A língua intrometida inquieta muitos, fazendo os fugir de nação em nação; ela
destrói cidades fortes e devasta as casas dos poderosos. A língua intrometida
faz com que mulheres excelentes sejam repudiadas, privando as do fruto de
seus trabalhos. Quem dá atenção a ela não encontra mais descanso nem
tranquilidade em casa. A chicotada deixa marca, mas o golpe da língua quebra
os ossos. Muitos já caíram pelo fio da espada, mas não foram tantos como as
vítimas da língua. Feliz de quem se protege dela e não se expõe ao seu furor.
Feliz quem não arrastou o jugo dela, nem foi enredado em suas cadeias. De
fato, o jugo dela é de ferro, e suas cadeias são de bronze. A morte que ela
provoca é terrível, e é preferível estar no túmulo. Ela, porém, não tem poder
sobre os homens fiéis, que não se queimarão em sua chama. Os que
abandonam o Senhor, nela cairão, e ela os consumirá sem se apagar; ela se
lançará contra eles como leão, e como pantera os despedaçará.Atenção!
Proteja a sua propriedade com uma cerca de espinhos e guarde bem o seu
ouro e prata.Pese na balança as palavras que você diz, e feche a boca com porta
de ferrolho.Cuidado para não tropeçar com a língua, para não cair diante de
quem espreita você. (Sir 28:14-26)
O mal no coração é fonte do mal nos lábios. Aqui vemos do jeito mais claro as
palavras do Senhor que nos diz que devemos limpar o interior e o resto ficará limpo
(Mat 7:21, 23:26). Das coisas que Deus odeia Provérbios lista 6, sendo duas ligadas
a língua e a sétima (que sua alma abomina) também é ligada a língua:
Estas seis coisas o SENHOR odeia, e a sétima a sua alma abomina: olhos
altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, o coração que
maquina pensamentos perversos, pés que se apressam a correr para o mal, a
testemunha falsa que profere mentiras, e o que semeia contendas entre
irmãos. (Pro 6:16-19)
Mostrando que 50 % das coisas que ofendem o coração de Deus estão ligados a a
nossa forma de falar. Se queremos levar a nossa vida no caminho de Deus devemos
purificar a nossa língua. Não podemos nos esquecer que a nossa ira não manifesta a
AS CINCO HERANÇAS
justiça de Deus (Tiago 1:20). Como as nossas orações serão ouvidas se nos falarmos
mal um ao outro, e não termos o nosso coração purificado de misericórdia e perdão
(I Tim 2:8)? Somos chamados a nos livrar de toda forma de comunicação torpe e a
nos revestir de bondade, mansidão, misericórdia e perdão:
Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfémia e toda a
malícia sejam tiradas dentre vós, antes sede uns para com os outros
benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como
também Deus vos perdoou em Cristo. (Efe 4:31-32)
mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente
morrerás. (Gen 2:15-17)
Antes de ser coroado como sacerdote, Adão foi coroado como rei. Isso podemos
entender quando lemos as seguintes palavras de Deus:
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre
o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E
criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e
mulher os criou. (Gen 1:26-27)
semelhança. E aqui vemos também um dos sentidos de se ser filho de Deus (Gen
5:3). Juntando o reinar da humanidade com o seu ministério sacerdotal, nós temos
as palavras seguintes:
E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens,
mas para com Deus eleita e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois
edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios
espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por isso também na Escritura se
contém: eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa;
e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que credes, é
preciosa, mas, para os rebeldes, a pedra que os edificadores reprovaram, Essa
foi a principal da esquina, e uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, mas
vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido,
para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz; vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo
de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes
misericórdia. (I Ped 2:4-10)
por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade. (Efes
1:3-5)
Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim
como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono. (Apoc 3:21)
Palavra fiel é esta: que, se morrermos com ele, também com ele viveremos; se
sofrermos, também com ele reinaremos; se o negarmos, também ele nos
negará; se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo. (II
Tess 2:11-13)
Jesus Cristo Salmos 2/Apoc 5:12/Mat Heb 3:1, 5:10, 8:6/João 14:6
28:18-20/Fil 2:4-10/Daniel
7:13-14
Igreja (filhos de Deus) I Cor 6:3/II Tim 2:12/Act Apoc 1:6, 20:6/Rom
1:8/Luc 10:19/João 17:22 12:1/Heb 13:15
Estes versículos são um bom exemplo dos principais pontos que estamos a
tentar explicar, primeiro, vemos que Jesus foi chamado por Deus (ungido), e o
termo filho de Deus é também um título para rei. Logo temos o domínio e o
sacerdócio juntos. E no verso 6, lemos “ segungo a ordem de Melquisedeque”, e que
ordem vemos em Melquisedeque, se não o facto de o mesmo ter sido rei e
sacerdote simultaneamente (Gen 14:18/Heb 7:1)? Seque que todos os verdadeiros
filhos de Deus são da ordem de Cristo, tendo domínio e sendo sacerdotes. Este é o
homem perfeito aos olhos de Deus:
E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento
dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até
que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a
homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não
sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de
doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam
fraudulosamente. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo
naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado
pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o
aumento do corpo, para sua edificação em amor. (Efésios 4:11-16)
Depois de algumas gerações temos Deus fazendo uma aliança com Abraão,
dizendo as seguintes palavras:
Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás o pai de muitas nações; e não
se chamará mais o teu nome Abrão, mas Abraão será o teu nome; porque por
pai de muitas nações te tenho posto; e te farei frutificar grandissimamente, e
AS CINCO HERANÇAS
de ti farei nações, e reis sairão de ti; e estabelecerei a minha aliança entre mim
e ti e a tua descendência depois de ti em suas gerações, por aliança perpétua,
para te ser a ti por Deus, e à tua descendência depois de ti. E te darei a ti e à
tua descendência depois de ti, a terra de tuas peregrinações, toda a terra de
Canaã em perpétua possessão e ser-lhes-ei o seu Deus. Disse mais Deus a
Abraão: Tu, porém, guardarás a minha aliança, tu, e a tua descendência depois
de ti, nas suas gerações. Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e
vós, e a tua descendência depois de ti: Que todo o homem entre vós será
circuncidado. E o homem incircunciso, cuja carne do prepúcio não estiver
circuncidada, aquela alma será extirpada do seu povo; quebrou a minha
aliança. (Gen 17:4-10, 14)
Primeiro vemos que foi Deus quem pós o homem ali (jardim do Eden) tal como
foi Deus quem separou Noé (Gen 6:8, 13-18) e Abraão (Gen 12:1-3). E em segundo
lugar vemos a prosperidade (Gen 9:1, 12:3). Depois vemos um rio que saia do Eden,
que nos trás a mesma imagem do verso seguinte:
E mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do
trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça, e de um e de outro lado
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês
em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das nações. E ali nunca mais
haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e
os seus servos o servirão. (Apoc 22:8-1-3)
Sugerindo de modo bem simbólico que o meio do jardim era uma representação
do trono de Deus, tal como no Templo de Jerusalém encontramos o propiciatório,
que simboliza o trono de Deus (Exod 25:17/II Samuel 6:2/Isaías 37:13). Esta
imagem é uma ilustração do que vemos em Isaías 6:1-2/Ezequiel 11:22/Apoc 19:4. A
seguir vemos além do ouro, as pedras preciosas bdélio, sardônica, que nos remetem
ao tema da vestimenta do sumo-sacerdote (ver também Ezequiel 28:1-10), que
continha ouro e 12 pedras preciosas:
E porás as duas pedras nas ombreiras do éfode, por pedras de memória para os
filhos de Israel; e Arão levará os seus nomes sobre ambos os seus ombros, para
memória diante do SENHOR. Farás também engastes de ouro, e duas
cadeiazinhas de ouro puro; de igual medida, de obra de fieira as farás; e as
cadeiazinhas de fieira porás nos engastes. Farás também o peitoral do juízo de
obra esmerada, conforme à obra do éfode o farás; de ouro, de azul, e de
púrpura, e de carmesim, e de linho fino torcido o farás. Quadrado e duplo,
será de um palmo o seu comprimento, e de um palmo a sua largura. E o
encherás de pedras de engaste, com quatro ordens de pedras; a ordem de um
sárdio, de um topázio, e de um carbúnculo; esta será a primeira ordem; e a
segunda ordem será de uma esmeralda, de uma safira, e de um diamante; e a
terceira ordem será de um jacinto, de uma ágata, e de uma ametista; e a quarta
ordem será de um berilo, e de um ónix, e de um jaspe; engastadas em ouro
serão nos seus engastes. E serão aquelas pedras segundo os nomes dos filhos
de Israel, doze segundo os seus nomes; serão esculpidas como selos, cada uma
com o seu nome, para as doze tribos. (Exo 28:12-20)
Não podemos saltar a conexão do número 12 com as 12 tribos de Israel. Isto deve
nos remeter a olharmos para Israel como um povo ou reino sacerdotal, tal como as
palavras de Deus no Monte Sinai atestam ao lhes dizer “agora, pois, se
diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes o meu concerto, então, sereis a
minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha. E
AS CINCO HERANÇAS
vós me sereis reino sacerdotal e povo santo” (Exo 19:5-6). Não é de espantar que
Israel é chamado de “primeiro filho” por Deus (Exo 4:22). Então podemos ver que
estas pedras representam a glória completa de Israel (domínio e sacerdócio). É por
isso que a linguagem simbólica da nova Jerusalém (Apoc 21:2), capital de Israel,
também nos apresenta as 12 pedras preciosas e o ouro puro:
E a cidade estava situada em quadrado; e o seu comprimento era tanto como a
sua largura. E mediu a cidade com a cana até doze mil estádios; e o seu
comprimento, largura e altura eram iguais. E mediu o seu muro, de cento e
quarenta e quatro côvados, conforme a medida de homem, que é a de um
anjo. E a construção do seu muro era de jaspe, e a cidade de ouro puro,
semelhante a vidro puro. E os fundamentos do muro da cidade estavam
adornados de toda a pedra preciosa. O primeiro fundamento era jaspe; o
segundo, safira; o terceiro, calcedônia; o quarto, esmeralda; o quinto,
sardônica; o sexto, sárdio; o sétimo, crisólito; o oitavo, berilo; o nono, topázio;
o décimo, crisópraso; o undécimo, jacinto; o duodécimo, ametista. E as doze
portas eram doze pérolas; cada uma das portas era uma pérola; e a praça da
cidade de ouro puro, como vidro transparente. E nela não vi templo, porque o
seu templo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro. E a cidade não
necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de
Deus a tem iluminado, e o Cordeiro é a sua lâmpada. E as nações dos salvos
andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra. (Apoc
21:16-24)
como seu reino sacerdotal. Diante dos pontos abordados nesta secção, creio que os
seguintes versos também trarão a nossa mente a imagem do domínio e do
sacerdócio:
Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus
discípulos. Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos
nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que
tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda. (João 15:8-16)
Os filhos de Ceva não faziam parte dos filhos de Deus. Eles eram bastardos que
tentaram exercer um domínio sacerdotal que é exclusivo aos filhos. Os filhos de
Deus têm uma “unção”, uma autoridade divinamente conferida por Deus, tal que
os espíritos malignos reconhecem, daí responderem: “ Conheço a Jesus, e bem sei
quem é Paulo; mas vós quem sois?” Assim como um polícia tem uma farda própria e
é assim revestido de autoridade para exercer sua função, de modo semelhante o
filho de Deus é revestido de autoridade ou domínio sacerdotal reconhecido pelos
seres espirituais.
A forma de agir dos homens deve ser aquele que exprime a identidade de filho
de Deus, isto é, um viver revestido de domínio sacerdotal divino. Entretanto, isto só
é possível “em Cristo”. Paulo nos explica quando entramos em Cristo ao dizer: “Em
quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da
vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da
promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão
adquirida, para louvor da sua glória ” (Ef 1:13-14). É como se Jesus representasse a
volta ao jardim do Éden, conferindo o domínio sacerdotal à Adão. João resume com
as seguintes palavras:
Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o
receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no
seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da
vontade do homem, mas de Deus. (João 1:11-13)
domina na forma deles de agir e de viver. Os homens, tal como Israel, na maioria
não recebe a Cristo, e assim seguem rejeitando o sacerdócio do qual são
convidados a abraçar. Mas alguns preferem seguir o caminho de Abel, o caminho
estreito, o caminho da cruz, se negam a seguir o mau exemplo de Israel.
Assim como depois de Deus meter Adão no espaço divino (jardim) lhe
apresentou a condição de guardar o mesmo espaço (aliança), isto é, não comer da
Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, ou ainda, depois de Deus ter firmado a
aliança com Abraão lhe apresentou a condição da circuncisão, do mesmo modo
Deus diz a Israel “se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha
aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos ”. O povo
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
tinha dado. Pelo que a ira do SENHOR se acendeu contra esta terra, para
trazer sobre ela toda maldição que está escrita neste livro. E o SENHOR os
tirou da sua terra com ira, e com indignação, e com grande furor e os lançou
em outra terra, como neste dia se vê. (Deu 29:24-28)
Depois do cativeiro da Assíria de 734 A.C (II Reis 15:29), de 722 A.C (II Reis
17:5-6) e do cativeiro da Babilónia de 586 A.C (Jer 52:28-30) para além da idolatria,
Israel continuou a seguir o caminho da infidelidade, quebrando assim a aliança.
Nós lemos as seguintes palavras de aviso:
Não temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que
seremos desleais uns para com os outros, profanando o concerto de nossos
pais? Judá foi desleal, e abominação se cometeu em Israel e em Jerusalém;
porque Judá profanou a santidade do SENHOR, a qual ele ama, e se casou
com a filha de deus estranho. (Malaquias 2:10-11)
No capítulo quarto vemos Deus citando a natureza imoral do povo, lhes falta a
pureza ou justiça sacerdotal, dai lermos que “...porque não há verdade, nem
benignidade, nem conhecimento de Deus na terra. Só prevalecem o perjurar, e o
mentir, e o matar, e o furtar, e o adulterar, e há homicídios sobre homicídios”
(Oséias 4:1-2). Pecados que ferem os mandamentos que Deus havia mandado Israel
guardar (Exo 20:1-17/Lev 19:9-18).
Já Amós, profeta este que vivia em Judá, durante o reinado de Jeroboão II e
Uzias, entre 760-750 A.C, diferente de Oséias foca principalmente na deslealdade
moral de Israel, começando por anunciar o juízo de Deus contra várias nações
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
(Amos 1, 2:1-3), e contra Judá (2:4-5) e Israel que é apresentado como o maior
transgressor (3:1-2), e hipócrita:
Ouvi esta palavra, vós, vacas de Basã, que estais no monte de Samaria, que
oprimis os pobres, que quebrantais os necessitados, que dizeis a seus
senhores: Dai cá, e bebamos. (Amos 4:1)
Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Israel e por quatro, não
retirarei o castigo, porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por
um par de sapatos. Suspirando pelo pó da terra sobre a cabeça dos pobres, eles
pervertem o caminho dos mansos; e um homem e seu pai entram à mesma
moça, para profanarem o meu santo nome. E se deitam junto a qualquer altar
sobre roupas empenhadas e na casa de seus deuses bebem o vinho dos que
tinham multado. (Amos 2:6-8)
injuriava e, quando padecia, não ameaçava, mas entregava-se àquele que julga
justamente, levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o
madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e
pelas suas feridas fostes sarados. Porque éreis como ovelhas desgarradas; mas,
agora, tendes voltado ao Pastor e Bispo da vossa alma. (I Pedro 2:21-25)
Jesus sabia que este era o povo do qual Isaías profetizou, que tendo olhos não
veriam e tendo ouvidos não escutariam (Marcos 8:18/João 12:38-41):
Engorda o coração deste povo, e endurece-lhe os ouvidos, e fecha-lhe os
olhos; não venha ele a ver com os seus olhos, e a ouvir com os seus ouvidos, e a
entender com o seu coração, e a converter-se, e a ser sarado. Então, disse eu:
até quando, Senhor? E respondeu: Até que se assolem as cidades, e fiquem
sem habitantes, e nas casas não fique morador, e a terra seja assolada de todo.
E o SENHOR afaste dela os homens, e, no meio da terra, seja grande o
desamparo. Mas, se ainda a décima parte dela ficar, tornará a ser pastada;
como o carvalho e como a azinheira, que, depois de se desfolharem, ainda
ficam firmes, assim a santa semente será a firmeza dela. (Isaías 6:10-13)
abertamente o seguinte: “Portanto, eu vos digo que o Reino de Deus vos será tirado
e será dado a uma nação que dê os seus frutos ” (Mat 21:43). Esta nação que não
produziu os frutos que Deus esperava é Israel, e sua desolação e expulsão é
simbolizado na maldição da figueira (18-20):
Agora, cantarei ao meu amado o cântico do meu querido a respeito da sua
vinha. O meu amado tem uma vinha em um outeiro fértil. E a cercou, e a
limpou das pedras, e a plantou de excelentes vides; e edificou no meio dela
uma torre e também construiu nela um lagar; e esperava que desse uvas boas,
mas deu uvas bravas.Agora, pois, ó moradores de Jerusalém e homens de Judá,
julgai, vos peço, entre mim e a minha vinha. Que mais se podia fazer à minha
vinha, que eu lhe não tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas,
veio a produzir uvas bravas? Agora, pois, vos farei saber o que eu hei de fazer à
minha vinha: tirarei a sua sebe, para que sirva de pasto; derribarei a sua
parede, para que seja pisada; e a tornarei em deserto; não será podada, nem
cavada; mas crescerão nela sarças e espinheiros; e às nuvens darei ordem que
não derramem chuva sobre ela. Porque a vinha do SENHOR dos Exércitos é a
casa de Israel, e os homens de Judá são a planta das suas delícias; e esperou
que exercessem juízo, e eis aqui opressão; justiça, e eis aqui clamor. (Isaías 5:1-
7)
Jerusalém. Este evento foi depois sucedido por uma rebelião dos judeus em 132-
136 D.C que os romanos brutalmente desmantelaram e proibiram a presença de
judeus na Palestina. Exilados, sem o Templo de Jerusalém, os israelitas foram
expulsos do jardim do Éden. Tudo isso aconteceu porque Israel não guardou a
aliança, o seu papel de reino sacerdotal.
Entretanto, se Israel rejeitou o sacerdócio real, todos os povos hoje são
chamados a se juntar a este sacerdócio santo (Romanos 11:25-32). Este sacerdócio
real é abraçado pelos filhos e rejeitado pelos bastardos. Qual é a tua condição, será
que tens exercido o teu papel sacerdotal (Rom 12:1-2)? Lembremos desta promessa
e corramos a garantir um lugar na mesa do Reino de Deus:
Ali, haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e
todos os profetas no Reino de Deus e vós, lançados fora. E virão do Oriente, e
do Ocidente, e do Norte, e do Sul e assentar-se-ão à mesa no Reino de Deus. E
eis que derradeiros há que serão os primeiros; e primeiros há que serão os
derradeiros. (Lucas 13:28-30)
O filho de Deus deve refletir o carácter de Deus, o servo de Cristo deve exprimir
as virtudes de Cristo, por isso é que o verdadeiro cristão é somente aquele que tem
dentro de si o Espírito de Cristo (Romanos 8:9). Quer isso dizer que a nossa forma
de agir reflete de casa pertencemos, se a casa de Deus ou a casa do Diabo, se somos
servos de Jesus ou raça de víboras:“ Porque não há boa árvore que dê mau fruto,
nem má árvore que dê bom fruto. Porque cada árvore se conhece pelo seu próprio
fruto; pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se vindimam uvas dos
abrolhos ” (Lucas 6: 43-44). O Mestre resume isso muito bem quando diz:
E por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo? Qualquer
que vem a mim, e ouve as minhas palavras, e as observa, eu vos mostrarei a
quem é semelhante. É semelhante ao homem que edificou uma casa, e cavou,
e abriu bem fundo, e pôs os alicerces sobre rocha; e, vindo a enchente, bateu
com ímpeto a corrente naquela casa e não a pôde abalar, porque estava
fundada sobre rocha. Mas o que ouve e não pratica é semelhante ao homem
que edificou uma casa sobre terra, sem alicerces, na qual bateu com ímpeto a
corrente, e logo caiu; e foi grande a ruína daquela casa. (46-49)
Quando a Eva e Adão não praticaram aquilo que receberam da parte de Deus é a
prova que eles haviam edificado sobre terra, sem alicerces, e no dia da tentação, ao
contrário de Jesus, caíram e foi grande a ruína deles, ao ponto de nos afastar da
árvore da vida e assim nos condenar a morte e a toda espécie de fragilidades. Deste
mesmo jeito, quando os nossos lares, e vidas particulares não estão centradas em
Jesus estamos suscetíveis a toda sorte de quedas e escândalos. Nosso modo de agir
deve ser aquele fundamentado em Jesus Cristo, nossos lares devem ser verdadeiras
AS CINCO HERANÇAS
piedosos uns com os outros. Até os pagãos repudiam a ideia de serem traídos pelos
seus próprios irmãos. Se considerarmos o facto de que os semitas se inseriam numa
cultura onde o parentesco era a principal instituição social e marco identitário de
cada pessoa, poderemos ter uma ideia do significado de um irmão maior assassinar
seu próprio irmão menor, de Silva3 cita Plutarco que diz:
Não é de pouca importância resistir ao espírito de contencioso e ciúme entre
os irmãos quando ele se insinua sobre questões triviais, praticando a arte de
fazer concessões mútuas, de aprender a ser derrotado e de ter prazer em
ceder. irmãos, em vez de ganhar vitórias sobre eles. Pois os homens da
antiguidade deram o nome de 'vitória Cadmiana' a nada menos que a dos
irmãos em Tebas, como sendo a mais vergonhosa e a pior das vitórias.
O que Cain fez robou-lhe de qualquer mérito de honra aos olhos dos semitas, na
verdade aos olhos da humanidade. Ele cometeu um acto horrendo e digno de
repúdio universal, o nome Cain tornou-se sinónimo de vergonha e maldade, assim
como o nome de Judas se tornou sinónimo de traidor. Na verdade o caminho de
Judas e o caminho de Cain são semelhantes; o caminho da falsa adoração, da
hipocrisia e da rebelião, é sobre este mal que nos alertam: “ Porque esta é a
mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. Não
como Caim, que era do maligno e matou a seu irmão. E por que causa o matou?
Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas ” (I João 3:11-12).
Como vimos no capítulo anterior, a queda de Adão foi na verdade uma
transgressão sacerdotal. Vimos também que o acto de levar ofertas ao Senhor é uma
actividade sacerdotal, querendo com isso dizer que tanto Cain como Abel tinham
um ministério sacerdotal, embora não dentro do jardim do Eden. É de notar que
Cain ouvia e falava com Deus, enquanto estava na região frontal do jardim, sendo
que o texto sugere que esta realidade acaba mudando depois da sua expulsão (Gen
4:14-16).
3
David A. deSilva, D. A. 2000. Honor, Patronage, Kinship & Purity: Unlocking New Testament Culture. Illinois:
InterVarsity Press, p. 143.
AS CINCO HERANÇAS
É digno de reflexão a imagem do Templo, onde o lugar santo dos santos era
restrito ao sumo sacerdote, e isto uma vez por ano ( ), e o lugar santo aos sacerdotes
(1 Kings 8:8-10/2 Cron 3:5 ), sendo que os sacrifícios eram imolados no altar
situado na corte dos sacerdotes (II Cron 15:8) diante do portico do Senhor (I Reis
6:3/ II Cron. 3:4; 9:7). Sendo que é como se deste último lugar donde Cain terá
sido expulso.
Entendemos então que a raiz do problema entre Cain e seu irmão menor Abel
terá sido o ciume sacerdotal. O ministério de Abel terá sido agradável aos olhos de
Deus, mas o ministério de Cain terá sido defeituoso, rejeitável aos olhos de Deus.
Porque será que Deus não atentou na oferta de Caim? A resposta se encontra na
frase: “Se bem fizeres, não é certo que serás aceito?”. Com isto percebemos que
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Caim não fez bem. Seu procedimento foi mau aos olhos de Deus. Havia um mal na
sua religião, o seu modo de adoração foi e ainda é reprovado aos olhos de Deus.
Nota que, no parágrafo anterior, para além de localizarmos a adoração rejeitada
de Cain no passado, também consideramos que se trata de um problema presente.
A adoração de Cain é aquela que não alegra o coração de Deus, e representa um
sacerdócio rejeitado, impuro, de mau cheiro ao invés de cheiro agradável, como se
espera de sacerdotes santos: “...que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rom 12:1).
Existem diferentes teorias relativamente a causa da rejeição da oferta de Cain.
Uma das mais famosas explica que o sacrifício de Abel é uma imagem do Cordeiro
de Deus (João 1:29) e que o sacrifício de Cain não tinha sangue (Heb 9:22), e que
sendo produtos da terra que havia sido amaldiçoada (Gen 3:17) não era um
sacrifício aceitável para o perdão dos pecados. Esta visão, que uma vez entreti, tem
alguns problemas, assume algumas coisas não presentes no texto, como por
exemplo a ideia de que se tratava de sacrifício pelos pecados ou ainda que Deus não
aceitava ofertas de produtos da terra.
O texto nos diz que se tratava de uma “oferta” e o termo original hebraico (
מנחה/Strong 4503) é mais usado para se referir a ofertas voluntárias, tributos ou
oferta de manjares. Em Levítico, no capítulo segundo, nós vemos cereais sendo
inclusos na oferta de manjares, e também vimos em Êxodo 29:41 que cordeiros
podiam ser apresentados com oferta de manjares. Estes dois exemplos já mostram
que (baseando-se na Torá) não havia problema no tipo de oferta oferecidos pelos
irmãos Cain e Abel. Para todos os efeitos a oferta poderá ter sido primícias (Deu
26:2).
O problema da oferta de Cain não parece estar associado ao tipo da oferta, mas
sim a forma ou espírito em que se ofereceu. O autor de Hebreus por exemplo nos
diz que: “Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo
qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas
AS CINCO HERANÇAS
ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala ” (Heb 11:4).
Aqui vemos que a oferta de Abel tinha fé.
Uma outra forma de vermos a oferta de fé de Abel é voltarmos a prestar uma
atenção especial nas palavras: “ E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do
fruto da terra uma oferta ao SENHOR. E Abel também trouxe dos primogénitos das
suas ovelhas, e da sua gordura... ”. A oferta de Caim carece de descritivo, já o de Abel
contem “primogénitos” e ainda “da sua gordura”. É como se Cain tivesse tirado
uma oferta da sua colheita, sem no entanto escolher nem as primeiras frutas, e nem
as melhores das primeiras frutas. O texto sugere que faltou zelo, capricho, doação
ou auto-sacrifício. Nós lemos posteriormente que: “Todo o melhor do azeite, do
mosto e dos cereais, as suas primícias que derem ao SENHOR, dei-as a ti. Os
primeiros frutos de tudo que houver na terra, que trouxerem ao SENHOR, serão
teus; todo o que estiver limpo na tua casa os comerá ” (Num 18:12-13).
As ofertas de manjares que a casa de Israel, tinha de apresentar aos sacerdotes
(segundo a Lei) era os primeiros frutos e dos melhores. Na verdade quando o
sistema de ofertas é instituído, muito depois de Cain e Abel, fica, como se
codificado, a verdade que estas ofertas não podiam ser sem critérios. No capítulo
segundo de Levítico, vemos Deus enfatizando que estas ofertas tinham de ter “sal
da aliança” , “azeite” e “sem fermento”. No Novo Testamento estes ingredientes
ganham uma interpretação simbólica, o sal por exemplo pode ser entendido como
total devoção à Deus ou santidade (Lucas 13:25-35/Mat 5:13/Col 4:6), o azeite
como zelo, diligência ou pureza e justiça (Mat 25:24/Heb 1:9), e o fermento pode
simbolizar o engano, a desonestidade, a jactância ou a hipocrisia (Mat 16:12/Lucas
12:1/I Cor 5:6-8).
Se olharmos para a oferta de Cain a partir destes símbolos, diríamos que a falta
de zelo ou devoção honesta é equiparada a uma oferta de manjares sem o azeite,
sem o sal da aliança e com fermento. A falta de diligência nos remete também a não
priorização de Deus, isso é uma não observação do princípio das primícias; Deus
deve receber a primazia e o melhor da nossa vida. A adoração ou a religião que
Deus aceita é aquela que tem Deus como a prioridade: “...buscai, pois, em primeiro
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” (Mat
6:33). Paulo nos recomendo a mesma ideia ao dizer:
Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do
alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto,
não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida está oculta
juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se
manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória. (Col
3:1-4)
Ao nos dizer “porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com
Cristo” (guardada), Paulo nos está a levar a contemplar a crucificação de Cristo
como o exemplo da oferta perfeita. Na verdade este pensamento será ecoado em
várias partes do NT, o autor de Hebreus nos diz por exemplo que:
...porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire pecados. Pelo
que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me
preparaste; holocaustos e oblações pelo pecado não te agradaram. Então,
disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó
Deus, a tua vontade. Como acima diz: Sacrifício, e oferta, e holocaustos, e
oblações pelo pecado não quiseste, nem te agradaram (os quais se oferecem
segundo a lei). Então, disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade.
Tira o primeiro, para estabelecer o segundo. Na qual vontade temos sido
santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez. (Heb 10:4-
10)
Nós somos a maior e a melhor oferta que podemos apresentar à Deus. É neste
entendimento que Paulo exorta aos irmãos em Roma que “ ... que apresenteis os
vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto
racional ” (Rom 12:1). Doar a nossa vida a favor dos irmãos é o bem maior e o exato
contrário do crime de Cain, este é o amor que Jesus provou por nós (I João 3:16). A
igreja de Macedónia foi digna de louvor dentre as igrejas por manifestar este amor,
quando preparam uma oferta de apoio a igreja de Jerusalém:
Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus dada às igrejas da
Macedônia; como, em muita prova de tribulação, houve abundância do seu
AS CINCO HERANÇAS
Notemos a frase: “E não somente fizeram como nós esperávamos, mas também a
si mesmos se deram primeiramente ao Senhor e depois a nós, pela vontade de
Deus”. Aqui temos o princípio das primícias, o amor dos irmãos de Macedónia é
suportado pelo seu amor a Jesus, e é por esta razão que este amor é igual ao amor
de Jesus (v 9). Amar a Deus é evidenciado na priorização de Deus, e a negligência
no oficio sacerdotal é sinal de desonra a Deus. É o orgulho de Cain que estava
assentado no trono de seu coração ao invés de Deus, por isso mesmo depois de ser
exortado a reconsiderar os seus caminhos ele não atentou as palavras de Deus:
E o SENHOR disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu
semblante? Se bem fizeres, não haverá aceitação para ti? E, se não fizeres bem,
o pecado jaz à porta, e para ti será o seu desejo, e sobre ele dominarás. (Gen
4:6-7)
Estas palavras deviam servir para nos lembrar que podemos fazer diferente, que
hoje podemos rejeitar o caminho do Bastardo, que a nossa adoração será aceite
quando nos humilharmos, e nos doarmos a Deus com todo o coração, com toda
alma e com todas nossas forças (Marcos 12:30-31). É esta a diferença entre a oferta
de Abel e a oferta de Cain. E tal como vimos no ponto anterior (a forma de agir), a
rejeição do sacerdócio santo gera a injustiça, e toda sorte de obras más.
Poucas coisas existem na vida humana que tão facilmente nos afastam de Deus
como o orgulho. O ciume de Cain é somente o reflexo do orgulho no seu coração, e
devia ser um fator de terror e preocupação quando aquele que se diz cristão nota o
mais pequeno vestígio sequer de ciume ou orgulho, até porque os orgulhosos não
herdarão o reino dos céus (Gal 5:19-21). Deus tem todo o dever de abominar e
resistir os orgulhosos (Prov 6:16-17/16:5/I Ped 5:5), pois esta é característica mais
notável do próprio Diabo e de todos assassinos, como Cain.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
da nossa era que ofendem o carácter de Cristo e os seus mandamentos (João 15:10/I
João 3:22/5:2-3). Como a ignorância destas verdades têm descaracterizado as
igrejas modernas, quantos escândalos, quantos relatos vergonhosos, qual apostasia
e liberalismo? Tudo porque os homens, por orgulho, delegam a palavra de Deus ao
segundo ou terceiro plano:
Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o
amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência
da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do
mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a
vontade de Deus permanece para sempre. (I João 2:15-17)
mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus
o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para
que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na
terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai. (Fil 2:5-11)
A bíblia na verdade se enche de relatos que buscam captar este contraste entre a
aceitação de Deus e a aceitação dos homens. Nós vemos o caso da aceitação de
Isaac e rejeição de Ismael, de Jacó e a rejeição de Esaú (Gen 21:10-14), de Efraim e
da rejeição de Manassés (Gen 48:14), de José no meio de seus irmãos (Gen 37:5-10)
ou ainda de Davi em relação aos seus manos (I Sam 16:10-13). A mensagem é clara,
o critério de aceitação não é segundo a carne, mas sim pelo Espírito.
Nossa visão deve ser seguir o caminho do Espírito de Cristo, que é o do
esvaziamento, e da mortificação. Aquele que é esvaziado ou pobre de espírito,
morto para o louvor ou glória dos homens não buscará senão a aceitação ou o
louvor de Deus (Gál 1:10). Não seguirá o caminho dos perfeccionistas, julgará a si
mesmo primeiro (Mat 7:3-4), e somente este será exaltado por Deus, e será aceito e
estabelecido como sacerdote santo, fora disso será rejeitado como o sumo-
sacerdote Eli.
algum em tua casa. O homem, porém, que eu te não desarraigar do meu altar
será para te consumir os olhos e para te entristecer a alma; e toda a multidão
da tua casa morrerá quando chegar à idade varonil. E isto te será por sinal, a
saber, o que sobrevirá a teus dois filhos, a Hofni e a Finéias: que ambos
morrerão no mesmo dia.
Não é de admirar que Eli e sua casa toda não foram poupados, tudo quanto Deus
havia alertado sucedeu (I Sam 4:10-18). Se no arrependimento de Cain Deus teve
misericórdia, quem sabe ter sido isto o que faltou em Eli. Ao sacerdócio deste
sumo-sacerdote e sua casa faltou o temor e o tremor do Senhor, faltou sal, azeite e
havia muito fermento. Eli honrava a seus filhos mais do que a Deus, e seus filhos
honravam os seus desejos carnais mais do que a Deus, quando Deus devia ser a
prioridade de suas vidas.
Quando Deus falava com Samuel Eli não ouvia (I Sam 3), porque Eli havia
negligenciado o sacerdócio santo, quando a mãe de Samuel pranteava diante de
Deus Eli ouviu mal, e achou que Ana estivesse embriagada (I Sam 1:10-14), o que
sugere que havia um problema na forma de ouvir de Eli. A forma indiferente que
Eli tratou as palavras dos profetas que o alertaram da parte do Senhor também
solidificam a ideia de que seu problema de visão não era somente físico mas
AS CINCO HERANÇAS
quanto a guarda do sacerdócio mostra que Israel tinha um problema na sua visão
sacerdotal, problema este que nos vai remeter a Adão:
E ouviram a voz do SENHOR Deus, que passeava no jardim pela viração do
dia; e escondeu-se Adão e sua mulher da presença do SENHOR Deus, entre as
árvores do jardim. E chamou o SENHOR Deus a Adão e disse-lhe: Onde estás?
E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-
me. E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de
que te ordenei que não comesses? Então, disse Adão: A mulher que me deste
por companheira, ela me deu da árvore, e comi. (Gen 3:8-12)
Adão era uma unidade; macho e fêmea (Gn 1:17, 2:24, 5:2), como unidade:
“...ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam” (2:25).
Só foi pecar para que a forma de ver de ambos mudasse: “ Então, foram abertos os
olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e
fizeram para si aventais” (3:7). Adão ganhou a consciência da sua culpa, pois havia
transgredido contra o mandamento de Deus; ao invés de guardar o jardim,
sucumbiu ao egoísmo, decidiu fazer as coisas segundo o caminho dos bastardos.
Se há algo bem claro na queda de Adão é o resultado imediato da transgressão, a
forma de ver as coisas mudaram. Como diz o sábio: “Há caminho que ao homem
parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte. Até no riso terá dor o
coração, e o fim da alegria é tristeza. Dos seus caminhos se fartará o infiel de
coração, mas o homem bom se fartará de si mesmo ” (Pro 14:12-14). Tão logo Adão
foi expulso a alegria do jardim se perdeu, o medo da morte e as dificuldades
naturais para sobrevivência se tornaram os ossos da sua existência (Gen 3:17-19).
Rapidamente vemos a forma egotista em acção, para além da vergonha, Adão
não teve vergonha de responder a Deus: “A mulher que me deste por companheira,
ela me deu da árvore, e comi”. Ao ver de Adão antes mesmo de se olhar para ele
como culpado, pelo menos duas outras pessoas tinham de assumir suas culpas;
Deus e a Eva. Notemos que Adão nem disse “a serpente enganou a mulher, e a
mulher me deu da árvore, e comi”. Essa resposta espelha o ver egotista, onde a
culpa própria é relegada ao outro.
Vemos a mesma forma de ver em Cain quando ele responde: “ ...sou eu
guardador do meu irmão?”, aqui temos o legalismo de Caim, tanto Adão como o
seu primogénito se haviam inflamado de si próprios, ao ponto de se achar mais
justos do que o próprio Deus (perfecionismo). A auto-justificação dos dois fedia a
egotismo. A auto-justificação humana é ainda uma podridão egotista. A humildade
e a rendição diante de Deus é o caminho mais difícil para quem se encheu de si
próprio.
O olhar egotista é aquele que não tem a consideração o próximo, mas está virado
a si mesmo. Talvez um bom retrato deste olhar pode ser captado nas palavras de
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Nietzsche4: “Deus está morto”. Para o egotista a vida está em si próprio, a justiça
também, a razão e o sentido das coisas reside em seu olhar, e um ser divino e
superior chamado “Deus” se não for uma mera emanação do próprio homem não
faz sequer sentido existencial. Por isso um Deus fora do próprio homem tem de ser
morto; seus princípios sobre o bem e o mal devem ser ultrapassados, assim teremos
o super-homem.
Acredito que não seria difícil entender que o primeiro “próximo” de Adão foi
Deus, pois este é o seu criador, aquele que Adão primeiro conheceu, seu legitimo
pai (Luc 3:38). Este facto é ainda provado quando a vergonha que Adão sentiu foi
não somente entre o macho e a fêmea, mas fundamentalmente de Deus, o que
levou Adão e a sua mulher a esconder-se entre as árvores do jardim (Gen 3:8). O
humanismo é a tradução do lema “Deus está morto”, onde o critério do bem e do
mal é determinado por Adão e não por Deus. Este olhar, entretanto, não deixa de
ter consequências, porque os homens agem segundo aquilo que acreditam:
Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para
apagar o horizonte? Que fizemos nós ao desatar a terra do seu sol? Para onde
se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis?
Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as
direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’ ? Não vagamos como que
através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se
tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender
lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus?
Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem!
Deus está morto! Deus continua morto! E nós os matamos! Como nos
consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e sagrado que o
mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos
limpará esse sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos
expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não
é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses,
para ao menos parecer dignos dele?
4
Nietzsche, F. W. A.2008. Gaia Ciência (2.ed). São Paulo: Escala, p. 149-151.
AS CINCO HERANÇAS
Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos
de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da
lei, mas debaixo da graça” (Rom 6:12-14).
Adão não viu o seu mal, não percebeu que havia sucumbido ao domínio do
pecado, quando seguiu o atalho da auto-justiça e considerou que a opinião de Deus
estava morta; “Deus está morto”. O Salmista em duas ocasiões associa o coração
daqueles que dizem “não há Deus” a tolice, a confusão, a imundície e a iniquidade
(Salmos 14, e 53), o que é consequente, considerando que o temor do Senhor é o
princípio da sabedoria (Prov 1:7/Salmos 111:10). Como temeremos alguém que
para todos os efeitos rejeitamos a sua autoridade; alguém que “nós matamos”?
A nossa forma de ver ou é aquela que busca harmonia com Deus, ou aquela que
rejeita o domínio de Deus. Nós criamos os nossos espaços sagrados, nós decidimos
o que lavrar e o que guardar. Assim o mundo demonstradamente se tornou o palco
das nossas taras, da comédia que apresenta a tolice humana girando atrás de sua
própria cauda que nunca parece alcançar. Esta corrida egotista tem sido a força por
trás do sangue nas mãos de Stalin, de Mao, de Lenin, dos bichos que devoram os
mais fracos e indefesos da sociedade; desta quota parte os africanos conheceram os
seus piores desde suas independências.
Entretanto, podemos ser seduzidos a olhar para os outros, os de lá fora, mas o
cancro visual está cá dentro, em nossos corações, e se evidencia em nossas casas, em
nossas igrejas, em nossos bairros e sociedades. Os nossos lares “mataram Deus”
quando os princípios que norteiam o nosso viver familiar são contrários aos
divinos. As nossas igrejas “mataram Deus” quando o que se prega é uma adaptação
do mercantilismo com versículos bíblicos descontextualizados, quando o sentido
da vida que professamos não se restringe no conhecimento e amor de Deus. Nós
“matamos Deus” quando os que se dizem cristãos com os lábios: “ Confessam que
conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e
desobedientes, e reprovados para toda boa obra.” (Titus 1:16)
Adão consegue perceber que está nu mas sua inteligência só lhe permitem coser
para si aventais de folhas de figueira (Gen 3:7), isso é o revestir de auto-justiça,
vestes que não cobrem a vergonha de uma consciência contaminada. É aqui onde
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
ouvimos: “quem nos limpará esse sangue? Com que água poderíamos nos lavar?
Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? ”. Permita-me
lembrar de uma historia que eu li muitos anos atrás, sobre a esposa de alguém que
foi violada em sua casa, que o seu marido voltando para casa, com aquele mau
pressentimento de que algo não estivesse bem, corre para o quarto e ouvindo o som
da água escorrendo no banheiro corre para lá e encontra a sua amada esposa
chorando, levando a si mesma com uma pedra ao ponto de não notar que rasgava a
pele de tanto esfregar e a água escorria com sangue vivo.
É verdade que o esposo depois entendeu que sua esposa estava a tentar limpar
da sua alma a mancha do estupro que havia entrado nela. Não é fácil suportar uma
situação em que o seu próprio corpo, espaço primário da sua identidade, é
dominado e abusado por um estranho, do jeito mais íntimo possível, quão
profunda ferida é esta que cicatriza o nosso próprio espírito. Adão, ao contrário
desta mulher, havia aberto a porta para o estranho, ciente de um aviso prévio que
aquela porta devia ser guardada do impostor.
Entretanto, o que Adão não sabia é que mais do que o sabor gostoso do fruto do
conhecimento do bem e do mal havia o senso de violação; a vergonha. Hoje, a
vergonha é um termómetro para medir a nossa sanidade moral em sociedade.
Graças a Deus pela bênção da vergonha. Os únicos seres sem vergonha seriam Deus
e o Diabo, Deus por ser totalmente puro e sem experiência com o sentimento de
culpa ou falha, já o Diabo por se ter corrompido tanto, ao ponto de fazer do mal a
sua virtude. Os psicopatas ou malucos é que nos mostram o que acontece quando
perdemos a vergonha.
A vergonha nos ajuda a podar as partes mais agudas da nossa perversão. Não
obstante, vivendo em pureza e obediência não teremos de que nos envergonhar (II
Tim 2:15/I João 4:18). Os homens assim conhecem a sua “nudez” e continuam a
fugir de Deus, criando seus argumentos e filosofias humanas, como se os aventais
cozidos de folhas de figueiras. Em quase todos os países encontramos uma
Legislação e um Ministério da Justiça, mas os nossos governos são seculares, ou
AS CINCO HERANÇAS
Lentilhas ou primogenitura?
que se assenta a direita de seu pai (Salm 110:1/Gen 43:33/Marc 12:36, 14:62), a sua
porção da herança é redobrada, pesa sobre o seu ombro o dever de ser o exemplo
moral e de sabedoria para os seus irmãos, visto ser ele reflexo da autoridade de seu
pai (Deut 21:17).
Na verdade a pessoa podia perder o direito a primogenitura através de um acto
de profunda desonra ao seu pai. Cain ao assassinar o seu irmão perdeu o estatuto
de primogénito, e não é contado na genealogia de Adão (Gen 5/Lucas 3:23-38),
Rúben ao dormir com a concubina de seu pai Jacó (conhecer a nudez de seu pai)
perde o direito de primogenitura para os filhos de José (Génesis 35:22/I Crónicas
5:1). Trocar a primogenitura por um prato de comida é deveras uma atitude de
desleixo extremo, e só cabe na mente de uma pessoa dominado pelo seu estômago
(Rom 16:18). Quem assim procede não tem ambições que transcendem a dimensão
da sua carne.
Desta feita, vemos que o olhar de Esaú era dominado pelo seu estômago, como
Paulo diz: “O fim deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles é para
confusão deles mesmos, que só pensam nas coisas terrenas” (Filipenses 3:19). O
olhar espiritual é aquele que busca primeiro o reino de Deus e então responde:
“...Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”
(Mat 4:4). Se Adão preferiu sucumbir ao aroma e a doçura do fruto da árvore, se
Esaú preferiu vender a sua primogenitura por causa de uma feijoada, Jesus Cristo
preferiu fazer da vontade de Deus o seu prato preferencial:
E, entretanto, os seus discípulos lhe rogaram, dizendo: Rabi, come. Porém ele
lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis. Então, os
discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém de comer?
Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou e
realizar a sua obra. (João 4:31-34)
No primeiro exemplo basta nos lembrarmos de Jacó que lutou com Deus até a
madrugada, num lugar que passou a chamar de Peniel (Gen 32:24-30), Abadias
quando repreende os Israelitas dizendo “não lutem” evoca para nós uma
característica do próprio Jacó, e isso é antes de o mesmo ter o seu nome mudado
para Israel. Podemos imaginar a vida de trapaceiro que tinha Jacó e como foi
preciso passar por várias situações até ele se render completamente. Deus teve de
deslocar a coxa de Jacó para dominar-lhe. Esta insubmissão e resistência a Deus é
AS CINCO HERANÇAS
vista em toda história de Israel, sendo que Deus lhes caracteriza como sendo “de
dura cerviz” (Exo 32:9) e Estêvão acrescenta que sempre foram um povo que
“resiste o Espírito Santo” como os seus pais (Actos 7:21).
Já no segundo caso, vemos Jesus discutindo com os fariseus que se lhe opuseram,
sendo que o Senhor explica que devido a unidade de princípios e carácter,
conhecer a Deus implica conhecer a Jesus. Isto na verdade é ampliado quando Jesus
chama os mesmos fariseus de “filhos do Diabo” visto os mesmos exibirem as
características do Diabo, no caso serem assassinos e mentirosos (João 8:44). A
paternidade para os hebreus representava o selo da honra de alguém, era, de um
modo geral, acreditado que os filhos seguiam o exemplo dos seus pais:
Considerem o exemplo de Abraão: "Ele creu em Deus, e isso lhe foi creditado
como justiça". Estejam certos, portanto, de que os que são da fé, estes é que
são filhos de Abraão. Prevendo a Escritura que Deus justificaria pela fé os
gentios, anunciou primeiro as boas novas a Abraão: "Por meio de você todas as
nações serão abençoadas". Assim, os que são da fé são abençoados juntamente
com Abraão, homem de fé. (Gal 3:6-9)
Isaque, no entanto, era o pai de Esaú, e talvez o seu filho tivesse alguns traços
parecidos com o seu pai. O escritor de Génesis de modo muito próprio vai
deixando algumas pistas sobre os personagens que descreve, cabendo a nós analisar
os dados que nos podem ajudar a ver melhor algumas facetas destes relatos afim de
tirarmos boas lições. É aqui talvez o melhor ponto para lembrar aquilo que os
professores de teologia bíblica enfatizam: “ a bíblia foi escrita para nós, mas não a
nós”, daí a necessidade de prestarmos atenção a particularidades culturais, e de
géneros textuais na nossa meditação das escrituras. Isaac é apresentado como um
homem de oração, pelo menos antes da sua velhice:
Ora, Isaque vinha do caminho do poço de Laai-Roi, porque habitava na terra
do Sul. E Isaque saíra a orar no campo, sobre a tarde; e levantou os olhos, e
olhou e eis que os camelos vinham. Rebeca também levantou os olhos, e viu a
Isaque, e lançou-se do camelo. (Gen 24:62-64)
Isaque orou ao Senhor em favor de sua mulher, porque era estéril. O SENHOR
respondeu à sua oração, e Rebeca, sua mulher, engravidou. (v 25:21)
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Provavelmente Isaque estava a interceder para que o servo de seu pai Abraão
tivesse sucesso em identificar uma mulher piedosa para si (Gen 24:1-61), e “olhou e
eis que” Rebecca estava a sua frente, a resposta das suas preces diante de Deus.
Porém, passado um tempo Isaac percebeu que a sua esposa não engravidava, e de
novo dobrando os seus joelhos clamou a Deus e “olho e eis que” sua esposa estava
grávida de gémeos (Gen 25:21-22). É interessante notarmos que na media que
Isaque busca a Deus em oração, Deus lhe faz “ver” a solução e o sucesso.
Já no verso a seguir, quando Rebeca notou a guerra no interior do seu ventre,
buscou igualmente o Senhor que lhe fez “ver” que: “ Duas nações estão em seu
ventre, já desde as suas entranhas dois povos se separarão; um deles será mais forte
que o outro, mas o mais velho servirá ao mais novo ”. Esta revelação Deus deu a
mulher de Isaque, e tudo indica que Isaque não teve esta compreensão. Lemos que:
Os meninos cresceram. Esaú tornou-se caçador habilidoso e vivia percorrendo
os campos, ao passo que Jacó cuidava do rebanho e vivia nas tendas. Isaque
preferia Esaú, porque gostava de comer de suas caças; Rebeca preferia Jacó. (v
25-27/NVI)
Não sei se o leitor me entenderá se eu disser (com base a citação anterior) que
Isaque via os filhos com os óculos do seu estômago, mas a sua esposa Rebeca
concordava com a revelação divina. Havia um fraco por comida que Esaú herdou de
seu próprio pai, é como o caso da transgressão voluntária de Adão que acaba
refletida na transgressão voluntária de Cain, quando este vai mais longe e mata o
seu próprio irmão. É como se Cain tivesse trocado a sua primogenitura por causa
do seu orgulho (deve ser tão gostoso quanto o guisado de lentilhas).
O texto deixa claro que Isaque tinha uma fraqueza por comida, quando lemos
ainda as palavras que ele fala ao seu filho: “ Tendo Isaque envelhecido, seus olhos
ficaram tão fracos que ele já não podia enxergar. Certo dia chamou Esaú, seu filho
mais velho, e lhe disse: "Meu filho! " Ele respondeu: "Estou aqui". Disse-lhe Isaque:
"Já estou velho e não sei o dia da minha morte. Pegue agora suas armas, o arco e a
aljava, e vá ao campo caçar alguma coisa para mim. Prepare-me aquela comida
AS CINCO HERANÇAS
saborosa que tanto aprecio e traga-me, para que eu a coma e o abençoe antes de
morrer"” (Gen 27:1-4). A mesma ênfase na comida pode ser vista nas palavras de
Rebeca ao seu filho Jacó, quando concertam em trapacear Isaque: “ Vá ao rebanho e
traga-me dois cabritos escolhidos, para que eu prepare uma comida saborosa para
seu pai, como ele aprecia. Leve-a então a seu pai, para que ele a coma e o abençoe
antes de morrer".”(v 9-10/NVI)
Quando Jacó se aproxima de seu pai e se faz passar de Isaque a sua voz foi
claramente notada como não sendo a voz de seu mano, mais provavelmente o
cheiro saboroso da comida, terá sido suficientemente tentadora para Isaque ao
ponto dele baixar todas as suas guardas, nós lemos que: “ Jacó aproximou-se do seu
pai Isaque, que o apalpou e disse: "A voz é de Jacó, mas os braços são de Esaú". Não
o reconheceu, pois seus braços estavam peludos como os de Esaú, seu irmão; e o
abençoou. Isaque perguntou-lhe outra vez: "Você é mesmo meu filho Esaú? " E ele
respondeu: "Sou". Então lhe disse: "Meu filho, traga-me da sua caça para que eu
coma e o abençoe". Jacó a trouxe, e o pai comeu; também trouxe vinho, e ele bebeu.
Então seu pai Isaque lhe disse: "Venha cá, meu filho, dê-me um beijo". Ele se
aproximou e o beijou. Quando sentiu o cheiro de suas roupas, Isaque o abençoou,
dizendo: "Ah, o cheiro de meu filho é como o cheiro de um campo que o Senhor
abençoou” (Gen 27:22-27/NVI).
A comida e o vinho são símbolos dos desejos da carne, sempre que somos
dominados por estes desejos de certa forma falhamos o alvo aos olhos de Deus. É a
comida a tentação de Génesis 3, é por causa do vinho que Cão viu a nudez de Noé
(Gen 9:20-21), e as duas filhas de Ló igualmente viram a nudez de seu pai (Gen
19:30-38). A comida e o vinho facilmente nos emocionam e reduzem a nossa
capacidade de “guarda”.
Isaac e seu filho Esaú tinham em comum um fraco por comida, embora,
argumentavelmente, poderá se dizer que o caso de seu filho foi mais grave. Talvez
Isaac tivesse evitado toda essa trama se tivesse considerado o negócio da bênção e
da primogenitura como digno de oração. Assim como ia orar no campo, quando
mais jovem, e do mesmo jeito que buscou a fertilidade de sua mulher aos pés de
Deus, quem sabe consultando ao Senhor tivesse uma orientação divina. Deus ao
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
menos teria lhe revelado que seu querido Esaú havia desprezado e vendido a
primogenitura, por um prato de feijoada.
É preciso vermos nesta história a exortação a buscarmos sempre depender de
Deus, não adianta confiarmos o nosso nariz ou as palmas das nossas mãos. Deus vai
para além dos nossos sentidos, e a vida de oração não deve sofrer a velhice do nosso
corpo. Devemos “guardar” o quarto de intimidade (Mateus 6:6), e orar sem cessar (I
Tess 5:17), sem cansar (Lucas 18:7). Verdadeiramente, ao olharmos para Jesus
veremos aquele servo dependente que: “ Durante os seus dias de vida na terra, Jesus
ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar
da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão ” (Hebreus 5:7). Nós
podemos encontrar o seguinte testemunho:
Num daqueles dias, Jesus saiu para o monte a fim de orar, e passou a noite
orando a Deus. Ao amanhecer, chamou seus discípulos e escolheu doze deles,
a quem também designou como apóstolos: Simão, a quem deu o nome de
Pedro; seu irmão André; Tiago; João; Filipe; Bartolomeu; Mateus; Tomé;
Tiago, filho de Alfeu; Simão, chamado zelote; Judas, filho de Tiago; e Judas
Iscariotes, que veio a ser o traidor. (Luc 6:12-16/NVI)
Quando José viu seu pai colocar a mão direita sobre a cabeça de Efraim, não
gostou; por isso pegou a mão do pai, a fim de mudá-la da cabeça de Efraim
para a de Manassés, e lhe disse: "Não, meu pai, este aqui é o mais velho; ponha
a mão direita sobre a cabeça dele". Mas seu pai recusou-se e respondeu: "Eu
sei, meu filho, eu sei. Ele também se tornará um povo, também será grande.
Apesar disso, seu irmão mais novo será maior do que ele, e seus descendentes
se tornarão muitos povos". Assim, Jacó os abençoou naquele dia, dizendo: "O
povo de Israel usará os seus nomes para abençoar uns aos outros: Que Deus
faça a você como fez a Efraim e a Manassés! " E colocou Efraim à frente de
Manassés. (Gen 48:17-20/NVI)
José viu de outra forma, mas Jacó não foi guiado por nenhum critério carnal,
mesmo tendo os seus olhos naturais enfraquecidos (v 10), a sua visão espiritual
continuava robusta. Em suma, as escrituras nos oferecem outros exemplos de
pessoas cuja a forma de ver era diferente da forma de ver de Deus, Jonas em relação
ao povo de Níneve, os filhos de Jacó em relação ao menor José (Gen 37:5), o servo
de Eliseu (II Reis 6:16-17).
O julgamento de um filho de Deus deve ser segundo o Espírito de Deus, por isso
é que de Jesus Cristo se profetizou: “ Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas
raízes, um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito de
sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de
conhecimento e de temor do SENHOR. Deleitar-se-á no temor do SENHOR; não
julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus
ouvidos” (Isaías 11:1-3).
Talvez seja agora o momento de refletirmos sobre a nossa paternidade, se os filhos
do Diabo são aqueles que vivem segundo os princípios do Diabo, quem serão os
filhos de Deus? Será que a nossa vida concorda com a visão divina?
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
3.
possível). Nelson é um filho ilegítimo, para todos os efeitos naturais e, por tanto,
um bastardo. Sua mãe, embora de modo frio, tornou esta verdade explícita e o
chamou a um choque de realidade. Naturalmente, Nelson tinha consciência de que
não era fruto de um matrimónio, e sim de um affair, mas este tipo de verdade não é
daquele que a pessoa fala abertamente, tudo se faz para que fique no mundo das
verdades silenciosas, do implícito.
Nossa origem natural joga um papel incontornável na formação e caracterização
da nossa identidade, seja ela individual como social. Não é por acaso que temos os
nomes dos nossos pais em nossos bilhetes de identidade. Na verdade, mesmo que
os nomes dos nossos pais não constassem dos nossos bilhetes a nossa percepção de
nós mesmo e do mundo continuaria, até certo ponto, influenciada pelos factos
concernentes a nossa origem. Nelson foi desafiado a olhar profundamente para sua
própria identidade. Encarar o seu estado de bastardo de forma aberta abriu a porta
para ele encontrar a sua legítima filiação em Deus.
Ser filho de Deus é um assunto de identidade, suas implicações são profundas,
na medida que embora muitos a nível natural não sejam bastardos, o mesmo não se
possa afirmar ao nível espiritual. Doutro lado, os bastardos naturais podem ser
filhos legítimos de Deus. Em poucas palavras, em Deus a diferença natural entre os
filhos legítimos e os ilegítimos desaparece, e a única legitimidade que passa a
contar é em relação a filiação divina, que é pela fé:
Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé
em Jesus Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé viesse, estávamos
guardados debaixo da lei e encerrados para aquela fé que se havia de
manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo,
para que, pela fé, fôssemos justificados. Mas, depois que a fé veio, já não
estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo
Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de
Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho
nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo,
então, sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa.(Gal
3:22-29)
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Em Jesus somos feitos filhos legítimos de Deus, chamados para sermos pobres
de espírito (Mat 5:3) e não miseráveis (I Cor 5:19). Só rejeitando a fé, tirando os
nossos olhos da esperança da ressurreição (Rom 5:1-5) é que escolhemos a miséria.
O rancor é a miséria. O que o discípulo deve guardar em seu interior é a paz que
transcende todo entendimento (Efésios 4:7), a paz que o mundo não produz (João
14:27). O perdão é a forma como nos reconciliamos com Deus e a mesma que deve
nos reconciliar com o próximo, como vimos em Estêvão que mesmo sendo
apedrejado orou a favor dos que tiraram a sua vida dizendo: “ Senhor, não lhes
imputes este pecado” (Actos 7:60), seguindo o exemplo de nosso Senhor que na
cruz orou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem ” (Luc 23:34). Só um
bastardo segue o caminho de Cain, guardando rancor e acaba sujando as suas mãos
com o sangue do próximo.
Foi na ministração do Espírito Santo e através da meditação das escrituras que
Nelson percebeu que precisa render-se mais ao Senhor e, que precisava se
submeter ao processo de disciplina divina que todo o filho de Deus é submetido,
para ser aperfeiçoado (Heb 5:8, 12:5-8). É diante de insultos e ofensas profundas
que nós descobrimos até onde vai o nosso orgulho e a nossa auto-justiça. Se até
Jesus Cristo foi despido e torturado até a morte e mesmo assim não amaldiçoou,
quem somos nós para acharmos que não devemos passar por um caminho
semelhante?
Foi quando Nelson percebeu esta verdade e se arrependeu de pensar diferente
que a cura e a graça de Deus inundou o seu coração, qual diluvio de luzes ao por do
sol, depois de uma noite longa, onde a escuridão era tão espessa quanto a tristeza e
a decepção. Ser decepcionado pelos familiares é parte da disciplina divina, Jesus foi
rejeitado pelos seus próprio irmãos (João 1:11/João 7:3-5), e Nelson também
precisava aprender as palavras que nos exortam dizendo: “ Se alguém vem a mim e
ama o seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até sua
própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo. E aquele que não
carrega sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo.” (Luc 14:26-27/NVI)
Nos dois capítulos anteriores buscamos apresentar, sobretudo, a natureza ou as
características da vida do bastardo. É nosso objectivo neste capítulo propormos a
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
visão divina como a única solução para o problema do bastardo. Aqui nos
debruçaremos em apresentar a forma como Jesus faz de bastardos filhos de Deus.
Entretanto, antes de mordermos o osso desta secção do livro se faz relevante
abordar sobre um detalhe que não pode passar despercebido se quisermos ter uma
compreensão mais robusta deste capítulo e, na verdade, do livro em sua íntegra.
Tem momentos que ela chora e só cala depois de ser posta a mamar, e tão logo
termina começam as cólicas que infelizmente são tão dolorosas que a menina por
vezes grita. Entretanto, tem outros momentos em que a bebé não quer ficar no colo
e começa a chorar, a pessoa depois de levantar com ela e começar a passear pela
casa ela imediatamente para de chorar e começa a manifestar um semblante de
satisfação. Mas, depois de um tempo a pessoa se cansa de andar para frente e para
trás com a menina, e dá a necessidade de voltar a sentar, e não tarda que os choros
voltam. Além dos choros por não querer estar parada no colo, ela também chora,
por vezes, porque quer estar posicionada de um jeito diferente, de barriga para
baixo nas mãos, nos ombros, sentada ao peito virada para frente etc. Assim os
caprichos da nossa filha aumenta e nos surpreende a cada semana que surge.
Estes choros e gritos são totalmente normais para uma criatura tão inocente
quanto uma filha recém nascida, mas convenhamos que por vezes como pais temos
outras preocupações a atender, ou simplesmente a necessidade de descansar e
torna-se um dilema buscar formas de acalmar a menina. Ela é linda, mas nos
momentos em que precisamos dela calma parece que fica mais linda ainda quando
ela pega um bom sono. A inocência ou a infantilidade de uma criança transpira a
ideia de que ela imagina que o mundo gira em torno dela. Para a bebé o centro do
A GRAÇA PARA O BASTARDO
universo é ela; os pais não têm nada mais a atender do que os desejos dela. De
modo semelhante podemos interpretar o evangelho e, assim temos interpretado na
maioria das vezes; pensamos que tudo gira em torno de nós, que Deus tem como
prioridade a salvação dos homens, e no caso extremo a salvação de uns poucos que
ele escolheu a dedo.
Quando falamos de Jesus geralmente nos restringimos a falar que: “Jesus se
entregou na cruz para nos salvar”, que: “somos salvos pela graça” ou ainda “creia
em Jesus para ser salvo”. Estas são verdades que não temos como negar, mas não
representam toda a verdade. Há um foco antropocêntrico, “nos salvar” “somos
salvos” “creia para ser salvo” como se o centro do universo fossemos o homem,
quando na verdade é Deus. NT Wright resume esta verdade quando nos diz: “Deus
está a nos salvar do naufrágio do mundo, não para que possamos relaxar em sua
companhia, mas para que possamos ser parte do seu plano para refazer o mundo.
Nós estamos em orbita a volta de Deus e seus propósitos, não o contrário” 5.
Com as palavras do paragrafo precedente queremos dizer que a visão mais
acertada da solução que Deus trás para a condição do bastardo transcende o
bastardo. Ao invés de olharmos para cada proposta divina como tendo o objectivo
único de nos dar felicidade e garantir a nossa salvação, devemos, ao contrário,
perceber que Deus nos quer restaurar e nos enquadrar em seu projeto de criar um
universo segundo a sua boa e perfeita vontade (Rom 12:2). Isso significa que a
restauração de Deus tem um fim superior ao homem, não obstante envolvendo o
homem. Assim devemos olhar para tudo que Deus está disposto a fazer através de
Jesus em cada um de nós; somos salvos não somente para conhecer a Deus, mas
também para ministrar para Deus, na medida que refletirmos a imagem de Deus no
mundo; o filho é o reflexo de seu pai (João 8:44, 12:45).
Desta feita, os filhos de Deus têm uma essência missionária, saíram do pó e
ganharam forma e vida para dominar, lavrar e guardar (ministrar) o mundo. É nesta
senda que Jesus diz: “Vós sois o sal da terra; e, se o sal for insípido, com que se há de
salgar? Para nada mais presta, senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens.
Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um
5
Wright, N.T.2009.Justification: God´s Plan and Paul’s Vision.Illinois:IVP Academic, p.24.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Esta visão divina é também descrita, ainda no mesmo livro, quando Paula
converge tudo em Jesus Cristo e nos diz que: “Em quem temos a redenção pelo seu
sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça, que Ele tornou
abundante para connosco em toda a sabedoria e prudência, descobrindo-nos o
mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo,
de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos
tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” (1:7-10), no verso
12 ele acrescenta: “com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que
primeiro esperamos em Cristo”. Assim como a honra dos filhos procede do pai
(Sira 3:10-12), a glória de Deus se reflete em seus filhos. Esta visão gloriosa é aquilo
que Pedro vai nos resumir como participar da natureza divina: “Visto como o seu
divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento
daquele que nos chamou por sua glória e virtude, pelas quais ele nos tem dado
grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da
natureza divina, havendo escapado da corrupção, que, pela concupiscência, há no
mundo” (II Ped 1:3-4).
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Não é coincidência que a restauração divina envolve não somente as coisas que
estão na terra, mas mas também as que estão nos céus. É assim que nos lemos que:
“...a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus.
Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que
a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão
da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que
toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela,
mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós
mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo” (Rom 8:20-23).
Deus quer recriar o mundo em Cristo, e isto passará pela dissipação da sujeição da
vaidade, a eliminação da morte e a liberdade da glória dos filhos de Deus; “...para
que, agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos
principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo
Jesus, nosso Senhor” (Efe 3:10-11).
Quando vemos Adão no Jardim não podemos deixar de perceber o seu papel
ministerial, ele foi criado e posto lá pela graça de Deus, e para refletir a imagem do
seu criador. O foco de Génesis 2 é mostrar Deus como Senhor e Pai de Adão, e
consequentemente Adão como filho e servo de Deus. A felicidade de Adão é
apresentada como contingencial a sua dependência a Deus, de tal forma que se
torna óbvio que Deus é o centro de todo relato de Génesis (e da bíblia) e é ele o
ofendido no drama da existência humana, manchada pela transgressão e rebelião
de Adão. Assim, qualquer imagem acertada do homem restaurado tem de ter como
princípio Deus como centro, e seu plano original e seus propósitos acima da visão e
aspiração humana. Paulo vê isso condensado em Jesus Cristo:
O qual é imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criação; porque
nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e
invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam
potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e
todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo da igreja; é o
princípio e o primogénito dentre os mortos, para que em tudo tenha a
preeminência, porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele
habitasse e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra
como as que estão nos céus. (Col 1:15-20)
Querendo nos dizer que a restauração do bastardo não é para o bastardo mas
para Cristo e Cristo para Deus (I Cor 3:21-23). Um dos ateus mais famosos foi o
Inglês Christopher Hitchens, em muitas das suas comunicações ele começava por
perguntar: “Nomeie para mim qualquer coisa que um cristão pode fazer e um ateu
não pode fazer?” E recentemente um pastor americano 6 decidiu responder,
dizendo que nenhum ateu pode amar a Deus, e isto é a maior realização de um ser
humano; poder amar ao seu criador. Isto é sem dúvidas um assunto digno de muita
reflexão, por quanto Jesus citando o VT nos diz que “…O primeiro de todos os
mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás,
pois, ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o
teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o
segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há
outro mandamento maior do que estes ” (Mar 12:19-31). Deus deve ter a
proeminência em tudo, pois ele é o criador de tudo.
Como um bebé não conhece inicialmente as responsabilidades dos seus pais, e
se comporta como se fosse o sol, no qual os planetas se movem em suas órbitas,
assim também é a visão inicial de muitos de nós. Precisamos prosseguir e crescer no
conhecimento de Deus (Heb 6:1/Hos 6:3), assim como ao passar do tempo
deixamos de ser crianças e entendemos que, afinal de contas além de nós os nossos
pais tinham outros filhos e negócios para atender. Na verdade tão logo
amadurecemos nós mesmo abraçamos responsabilidades, e aqueles que entre nós
se negaram a abraçar as responsabilidades de adultos acabam sendo os marginais
da sociedade, ou simplesmente os egoístas que aborrecem e assumem o encargo de
serem os carrascos dos outros. A vida é muito maior do que o homem, é a graça de
Deus que ao abraçarmos trás consigo uma responsabilidade cósmica; é o reino do
sacerdócio santo.
6
Mike Winger, pastor da Igreja Hosanna Christian Fellowship em Bellflower, California-EUA.
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Como os rios, que por maiores que sejam, acabam desembocando no mar, é com
esta bagagem de pensamentos que os apóstolos vão concluir e dizer: “ Quando eu
era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino,
mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque,
agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora,
conheço em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido. ” (I Cor
13.11-12) e ainda: “Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que
fôssemos chamados filhos de Deus. Por isso, o mundo não nos conhece, porque
não conhece a ele. Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifesto o
que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos
semelhantes a ele; porque assim como é o veremos.” (I João 3:1-2)
Sair da condição de bastardo para filho de Deus trás consigo responsabilidades
sacerdotais, não somente futuras, mas presentes. Se de um lado reinaremos com
Jesus (II Timóteo 2:12) doutro lado o reino em Cristo é presente (Efésios 1:3), se de
um lado brilharemos no reino do nosso Pai (Mateus 13:43), noutro somos
chamados a brilhar no presente século (Fil 2:15/Mat 5:16). A imagem do jardim do
Eden como o espaço divino, de comunhão com Deus e com os membros da sua
corte celestial (Daniel 4:17/Salmos 89:5-7) é restaurada e ultrapassada por uma
nova realidade; se o jardim do Eden era irrigada por quatro rios, agora do novo
homem fluem rios de água viva (Efésios 2:15, 4:24/II Cor 5:17/Colossenses 3:10)
(que é uma imagem do Espírito Santo (João 7:37-39).
As palavras de Jesus acima citadas são uma interpretação que Jesus faz de
Ezequiel 47:1-12, que é uma visão de Ezequiel relativa a águas saindo do templo, e
isto em uma primeira instância pode parecer muito estranha, mas o NT nos trás
uma reinterpretação do espaço divino ou templo. O espaço divino agora são os
filhos de Deus, tanto coletivamente (Efésios 2:19-22/I Pedro 2:5/II Coríntios 6:16)
como individualmente (I Cor 3:16, 6:19). Mas, ao considerarmos todas estas
promessas voltamos a realidade que nos preocupa, isto é, o sacerdócio santo é
restrito aos filhos de Deus e não aos bastardos. Se os bastardos são aqueles que
vivem segundo a disciplina ou exemplo contrário ao divino, os filhos são aqueles
que vivem segundo os desígnios divinos:
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
É neste ponto onde a bondade de Deus se revela para nós constrangedor, visto
que no seu amor (I João 4:19/II Cor 5:14) e eterno propósito decidiu nos
reconciliar consigo mesmo através do seu filho, de quem se diz: “Porque, na
verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Pelo que
convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel
sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque,
naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são
tentados.” (Heb 2:17-18) A boa-nova é que os bastardos podem agora não somente
voltar voltar para o Eden, mas serem feitos o próprio espaço divino, ou seja, podem
ser feitos filhos de Deus (João 1:12). Isso não é por causa dos planetas (Efe 2:8), mas
por causa do verdadeiro sol; o Pai das luzes (Tiago 1:17). Há possibilidade de
reconciliação:
Mas Deus prova o seu amor para connosco em que Cristo morreu por nós,
sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo
seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque, se nós, sendo inimigos,
fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já
reconciliados, seremos salvos pela sua vida. E não somente isto, mas também
nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual agora
alcançamos a reconciliação. (Rom 5:8-11)
teocêntrica, os seus critérios não podem ser antropocêntricos. É nesta senda que
buscaremos elaborar, na medida que Deus nos permitir, sobre a forma como em
Cristo Deus definiu os trames de reconciliação e a resultante filiação divina.
Ao falarmos de reconciliação é também fundamental, para além do facto de ser
teocêntrica, dizer que o lar é o seu foco. Porque seria o lar o foco da reconciliação
divina? Porque Deus considera os lares humanos a sua maior prioridade? Não,
porque Deus é o Pai dos espíritos (Heb 12:9) e todo pai deseja ter um lar
harmonioso; um lar divino é a imagem que deve surgir na medida que entendemos
a narrativa bíblica de Génesis até Apocalipse. A vontade do Pai é ter uma família
que junta tanto os homens da terra, como os seres celestiais dos céus, em perfeita
harmonia e paz; é assim que a vontade de Deus é feita tanto na terra como no céu
(Mat 6:10). É a partir deste cabouco bem fundo (Luc 6:48) onde se solidifica a
fundamentação da harmonia e da paz do lar humano. O homem em Cristo é aquele
através de quem Deus opera a edificação de uma família voltada para glória de
Deus.
Ora, quando se diz “uma família voltada para glória de Deus” é porque o
problema da humanidade pode ser resumida na imagem de um filho que decidiu
dar as costas ao seu pai em nome de suas taras e aspirações egoístas. As palavras de
Jeremias, sobre a rebelião de Israel captam bem essa imagem quando ecoam: “E
viraram para mim as costas e não o rosto; ainda que eu os ensinava, madrugando e
ensinando-os, eles não deram ouvidos para receberem o ensino” (Jer 32:33). Essa
condição de estar voltado as taras e aspirações egoístas vai explicar a situação
disfuncional familiar, não somente na família humana, mas primeiro e
essencialmente na família cósmica. Os céus e a terra estão em desacordo, a
rebelião, com um cancro enferma a criação; um universo perfeito não pode ser um
habitat natural para o pecado.
A verdade é que a humanidade não pode ser uma família coesa e harmoniosa
sem a inclusão do seu próprio Pai. É exatamente na desconsideração desta verdade
onde nascem os bastardos, é aqui onde o Dragão introduziu o desequilíbrio
cósmico quando induziu a humanidade ao pecado. Assim, vemos a queda em
Génesis 3, o pecado introduzido no lar, resultando na expulsão da humanidade do
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
O FILHO PERDIDO
Em uma ocasião uma multidão se aproximou de Jesus para o ouvir, na multidão se
encontravam publicanos e pecadores, e os fariseus e os escribas começaram a
murmurar, tal como os seus pais no deserto murmuraram contra Moisés (Num
14:2), desta vez dizendo: “ Este recebe pecadores, e come com eles ” (ver Luc 6:27-
32) pelo que o Mestre em resposta, em um estilo bem judaico lhes propôs uma
série de parábolas, a primeira deste capítulo é sobre a ovelha perdida (ver 4-7), a
segunda é sobre a moeda perdida (ver 8-10) e a outra é a famosa parábola do filho
pródigo, que ao meu ver seria mais corretamente denominado por parábola do
filho perdido, a semelhança das duas anteriores, que seguem o mesmo tema
relativo ao resgate de algo perdido. O foco desta parábola não é o esbanjar da
herança de um filho, mas a perdição ou alienação de um filho, que terá como um
dos seus efeitos o esbanjar da sua herança.
Nas parábolas da ovelha perdida Jesus nos diz que “ haverá alegria no céu por um
pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não
necessitam de arrependimento” (ver 7), e na parábola da moeda perdida ele diz que
“há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende ” (ver 10).
Duas importantes ilações podemos tirar aqui, a primeira é que o arrependimento
para Deus ou mudança de consciência dos pecadores é o que Jesus veio produzir (II
Cor 7:9-10). A segunda ilação é que este arrependimento afecta o céu e os anjos de
Deus, trazendo alegria a estes. Querendo nos dizer que enquanto os homens
caminham alienados de Deus os céus (os seres celestiais) não experimentam a
plenitude da felicidade que os mesmos foram criados para desfrutar. É assim tão
fina a linha que separa a terra do céu, e só em Jesus encontramos a reconciliação
cósmica.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
ninguém lhe dava nada” (ver 15-16). Aqui vemos que o pecado desumaniza o
homem, destrói a sua identidade e lhe faz baixar em todos os sentidos até o
animalizar. Como a vida dos animais domésticos a nossa volta chega a ser mais feliz
que a nossa, como chegamos a se comportar com uma brutalidade selvática contra
o semelhante. A satisfação não se encontra naquilo que não dá vida, é Deus quem
sacia a nossa sede existencial, sua voz sussurra no coração dos homens:
O vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro,
vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho
e leite. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? E o produto do vosso
trabalho naquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me atentamente, e comei o
que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura. Inclinai os vossos ouvidos,
e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança
perpétua, dando-vos as firmes beneficências de Davi. (Isa 55:1-3)
beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno
de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor
roupa; e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés; e trazei o
bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos; porque este meu filho
estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se ”
(ver 20-24).
A prova da misericórdia e do impecável carácter de Deus é notável ao vermos
como este Pai (o céu) se alegra com o arrependimento de seu filho, e o recebe com
festa e grande alegria (os anjos). A verdade é que quem veste verdadeiramente o
filho é o Pai (Gen 3:21), longe de Deus todas as nossas tentativas humanas de
conceptualizar a nossa vida desembocam em morte, e sem nos revestirmos de
Cristo continuamos nus (Gal 3:27/Col 3:10). Verdadeiramente não merecemos ser
vestidos (Apoc 7:14, 16:15) e recebidos como filhos, mas o amor de Deus é a sua
resposta para connosco, ao ponto de pôr um anel em nossas mãos, sinal de
pertença a sua família e consequentemente de autoridade (Efe 2:8).
Fora da casa de seu pai o filho perdido estava igual a um morto (Efe 2:1-5);
alienados de Deus somos servos do pecado, e justamente condenados a morte, visto
que Deus é a fonte da vida (João 17:3). Entretanto, enquanto alguns filhos se
perdem indo atrás do pecado, existem aqueles bastardos perto do Pai, que ouvem
as palavras do Pai mas não as interiorizam, convivem com o carácter benevolente e
gracioso do Pai mas não reproduzem em si mesmos o mesmo carácter. Estes são os
que criticavam a Jesus dizendo: “Este recebe pecadores, e come com eles”.
Jesus descreve aqueles críticos que eram justos segundo os seus próprios olhos
(Luc 16:15), como o “filho mais velho”. Estes por vezes são os que se passam de
santos e perfeitos, mas bem no interior de seus corações não promovem a salvação
dos outros. Sobre estes Jesus diz: “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois
que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos
que estão entrando” (Mat 23:13). A parábola continua e explica o mau carácter do
primogénito:
A GRAÇA PARA O BASTARDO
E o seu filho mais velho estava no campo; e quando veio, e chegou perto de
casa, ouviu a música e as danças. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe
que era aquilo. E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro
cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou, e não queria entrar.
E saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te
sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me
deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos; vindo, porém, este teu
filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro
cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas
são tuas; mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão
estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se. (Luc 15:25-32)
coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a
Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. Porquanto não há
diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para
com todos os que o invocam. Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo”. (Rom 10:8-12)
A reconciliação é centrada em Jesus: “Porque Cristo, estando nós ainda fracos,
morreu a seu tempo pelos ímpios. Porque apenas alguém morrerá por um justo;
pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor
para connosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo
muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos
da ira. Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de
seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. E
não somente isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus
Cristo, pelo qual agora alcançamos a reconciliação” (Rom 5:6-11). Jesus Cristo é o
don que Deus deu para tirar os bastardos da desgraça, reconciliar os pecadores com
Deus e assim restituir os alienados a verdadeira humanidade, isto é, a filhos de
Deus.
Só se reconciliando com Deus é que somos redimidos da velha mentalidade,
pois é o sangue de Jesus Cristo que purifica as nossas consciências (Heb 9:14). A
velha mentalidade é o corpo do pecado, o velho homem, o perdido, o bastardo.
Assim como o filho perdido estava morto para com o seu pai, quando ele se
arrepende e volta para casa ele morre para a rebelião. Isso significa que o
verdadeiro arrependimento para Deus é aquele que produz em nós uma nova vida.
A “melhor roupa” que o Pai veste o seu filho é uma consciência pura, mas, de novo,
só o arrependimento genuíno para o Pai representará uma verdadeira ressurreição:
Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos
batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo
na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória
do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos
plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o
A GRAÇA PARA O BASTARDO
seremos na da sua ressurreição; Sabendo isto, que o nosso homem velho foi
com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não
sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do
pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele
viveremos; sabendo que, tendo sido Cristo ressuscitado dentre os mortos, já
não morre; a morte não mais tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter
morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para
Deus. Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor. Não reine, portanto, o pecado
em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências; nem
tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de
iniqüidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos
membros a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá
domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça. (Rom
6:3-14)
Aqui de novo vemos Deus falando para os “céus” (o mesmo que alegra com o
arrependimento de um pecador), e Deus fala como Pai. Voltando a sugerir que
estamos diante de uma situação de relevância cósmica, e que não é um negócio
restrito aos homens, mas de participação celestial. O Pai Celestial tem uma família
celestial para sarar, e o último tratamento que Deus encontrou chama-se Jesus
Cristo, o seu primogénito (Isa 53). Vale a pena notar que, a solução de Deus parte
do seu lar, para restaurar a sua família e toda a criação (Rom 8:20-22).
Do mesmo modo que a queda da humanidade começa no lar, no templo jardim
(Gen 3), a restauração da humanidade é engendrada por Deus a partir do lar. Por
isso, vemos o próprio Deus declarando a Serpente que: “..porei inimizade entre ti e
a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe
ferirás o calcanhar” (ver 15). Isso nos diz que tão logo o pai dos bastardos seduziu a
humanidade a dar as costas ao Pai Celestial, Deus declarou que terminaria
totalmente com esta rebelião, destruindo a cabeça (mentalidade) do Diabo. Mas é
ainda mais notável como Deus decide concretizar isso, através da semente da
mulher, ou seja, através do mesmo lar que a Serpente acabava de alienar de Deus.
Se os três princípios que nortearam o pai dos bastardos foram: atacar o mais
frágil, contaminar o máximo e, começar pelo lar (ver cap I), o Pai Celestial decide
desfazer o pecado exatamente nos três pontos focais onde os golpes do inimigo
foram desferidos contra a humanidade. Assim vemos que é a semente da mulher
que tem o poder para ferir a cabeça da Serpente. O lar da mulher é o instrumento
do plano da reconciliação e redenção. Esta semente é quem vai espalhar ao máximo
a luz ou a vida ao mundo:
Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora;
mas para isto vim a esta hora. Pai, glorifica o teu nome. Então veio uma voz do
céu que dizia: Já o tenho glorificado, e outra vez o glorificarei. Ora, a multidão
que ali estava, e que a ouvira, dizia que havia sido um trovão. Outros diziam:
Um anjo lhe falou. Respondeu Jesus, e disse: Não veio esta voz por amor de
mim, mas por amor de vós. Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
príncipe deste mundo. E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a
mim. E dizia isto, significando de que morte havia de morrer. (João 12:27-33)
O LAR MISSIONÁRIO
Depois do anúncio da destruição da cabeça da Serpente (Gen 3), vemos Deus
desenvolvendo o seu plano de reconciliação e redenção da humanidade. Com a
queda de Cain (Gen 4) veio a perca da sua primogenitura ou deserdação, Deus
então escolhe a linhagem de Sete (Gen 5), donde descende Noé, este é separado
dentre todos que haviam se corrompido na terra (Gen 6), de tal forma que após o
dilúvio Deus faz uma aliança com o lar de Noé, e lhes abençoa (Gen 8:16-22, 9:9-
13), tal como abençoou os animais e a humanidade (Adão) em Génesis 1:20-30. Isto
tudo é a imagem de uma nova criação.
Esta família separada por Deus tinha assim um dever sacerdotal para com o
mundo; ser a salvação de Deus e a luz para todas as nações, mas para tal deviam ser
fiéis a Deus guardando o concerto. Mas, como mostramos no capítulo anterior
Israel quebrou o concerto, assim como Adão. O concerto quebrado, dentre outras
coisas, serviu para condenar a humanidade toda debaixo do pecado, para assim
levar a humanidade toda a graça de Deus em Jesus Cristo, que pela fé justifica todos
(Gal / Rom ). Se o povo que tinha a responsabilidade de ser santa e sacerdote, luz
para os gentios transgrediu contra Deus, a humanidade não tinha nenhuma saída
se não o favor divino. Graças a Deus a sua promessa para com Abraão não foi feita a
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
mercê do concerto (aliança) que Ele havia feito com Israel, mas foi uma promessa
unilateral a Abraão, como explica o Ap. Paulo nas seguintes linhas:
Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade. Não diz: E às
posteridades, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua
posteridade, que é Cristo. Mas digo isto: que tendo sido o testamento
anteriormente confirmado por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos
depois, não o invalida, de forma a abolir a promessa. Porque, se a herança
provém da lei, já não provém da promessa; mas Deus, pela promessa, a deu
gratuitamente a Abraão. (Gal 3:16-18)
Jesus o Cristo vem a ser o primogénito fiel que Israel não foi, e nele encontramos
o cumprimento da promessa de Deus a Abraão. É Jesus que inaugura uma
posteridade da fé, sendo que pela fé em Jesus nos tornamos membros de uma nova
família chamada Igreja de Cristo, constituída pelos filhos de Abraão pela fé (). Esta
é a família dos justificados, daqueles que em Jesus (Efe ) são declarados justos
diante de Deus, povo peculiar, nação santa, sacerdotes do Deus vivo, que devem ser
o sal e a luz do mundo (Mat 5:13-16). É nesta nova família em Jesus que Deus
cumpre com a sua promessa a Abraão, neste pensamento Paulo nos diz:
Portanto, lembrai-vos de que vós, noutro tempo, éreis gentios na carne e
chamados incircuncisão pelos que, na carne, se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens; que, naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel e estranhos aos concertos da promessa, não tendo
esperança e sem Deus no mundo. Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto. Porque ele é a nossa
paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação
que estava no meio, na sua carne, desfez a inimizade, isto é, a lei dos
mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois
um novo homem, fazendo a paz, e, pela cruz, reconciliar ambos com Deus em
um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz a
vós que estáveis longe e aos que estavam perto; porque, por ele, ambos temos
acesso ao Pai em um mesmo Espírito. Assim que já não sois estrangeiros, nem
forasteiros, mas concidadãos dos Santos e da família de Deus. (Efe 2:11-19)
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Só em Jesus, pelo meio da fé, é que somos declarados justos por Deus, essa
justificação significa ser admitido dentre os filhos de Abraão, os filhos de Abraão
são os filhos de Deus (Gal 3:7, 26). Mas é aqui onde poderemos indagar, qual o
significado de ser filho de Abraão e filhos de Deus? Ora, trata-se da recuperação do
nosso papel sacerdotal, como imagens e semelhança de Deus. A Igreja é a Casa de
Deus, e os filhos de Deus têm de refletir o seu Pai. Por isso os justificados têm
participação da natureza divina de Deus (II Ped 1:4), a semente de Deus permanece
neles (I João 3:9), têm a mente de Cristo (I Cor 2:16) ou seja se revestiram de Cristo
(Gal 3:27). Tudo isto é realizado através do Espírito Santo que nos capacita a não
andar segundo a carne; segundo o velho homem, segundo Adão (Rom 8:1-17).
A heranças dos desgraçados morre em Cristo, na medida que nossa identidade é
consumada pela fé em Deus. De tal modo que a nossa forma de ouvir, de falar, de
agir, de adorar e ver são conformados a de Jesus Cristo, pelo Espírito Santo que
opera dentro de nós tanto o querer como o efetuar (Fil 2:13). A família da fé tem
como Pai Deus, e são as obras de Deus que identificam os filhos de Deus, tal como
os carnais são parte da família do Diabo e manifestam as obras do pai da mentira:
Vós fazeis as obras de vosso pai. Disseram-lhe, pois: Nós não somos nascidos
de prostituição; temos um Pai, que é Deus. Disse-lhes, pois, Jesus: Se Deus
fosse o vosso Pai, certamente, me amaríeis, pois que eu saí e vim de Deus; não
vim de mim mesmo, mas ele me enviou. Por que não entendeis a minha
linguagem? Por não poderdes ouvir a minha palavra. Vós tendes por pai ao
diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o
princípio e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele; quando ele
profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da
mentira. Mas porque vos digo a verdade, não me credes. (Jon8:41-45)
Quando Adão deu ouvidos a Serpente ele se submeteu ao falso deus, rejeitou o
verdadeiro Deus. Quando lemos o VT conseguimos ver o povo de Israel sendo
chamado de “povo de dura cerviz” (Exo 31:27), “obstinado” (Exo 32:9), “desviados
do caminho” (Exo 32:8) ou ainda “vaca rebelde” (Hos 4:16), todos estes termos
mostram que Israel havia se tornado como o ídolo que eles haviam levantado no
deserto (Exo 32:1-4). O salmista provavelmente tinha isso em mente quando nos
avisa que os homens se tornam parecidos àquilo que eles adoram (Salmos 115:8).
O Ap.Paulo capta esta verdade de forma muito interessante em sua carta aos
Romanos, na medida que apresenta a idolatria como sendo a fonte de toda a
depravação da humanidade, começando exatamente pelo caso de Israel, podemos
ler que:
...porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe
deram graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração
insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a
glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem
corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Pelo que também Deus
os entregou às concupiscências do seu coração, à imundícia, para desonrarem
o seu corpo entre si. (Rom 1:21-24)
Glorificar e dar graças a Deus são próprios do papel de um sacerdote, sobre isso
está escrito: “Aquele que oferece sacrifício de louvor me glorificará; e àquele que
bem ordena o seu caminho eu mostrarei a salvação de Deus” (Sal 50:23). Era este o
papel de Adão, e posteriormente o papel de Israel, mas estes como Adão
transgrediram, o mesmo Paulo que foi hebreu de hebreu e perfeito segundo o
judaísmo (Fil 3:4-7), depois de mostrar como a idolatria corrompeu até o povo
escolhido, segue e resume a acusação que sobre cai ao seu povo dizendo:
Eis que tu, que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em
Deus; e sabes a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído
por lei; e confias que és guia dos cegos, luz dos que estão em trevas, instruidor
dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na
lei; tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas
que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar,
adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Porque, como está escrito, o
nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós. (Rom 2:17-24)
Isto é pela simples razão de que somente em Jesus somos transformados, pelo
ministério do Espírito Santo, de glória em glória a imagem do Senhor (II Coríntios
3:18), o varão perfeito (Efésios 4:13). Porque “...sabemos que todas as coisas
contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados por seu decreto. Porque os que dantes conheceu, também os
predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o
primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:28-29).
É este o caminho da perfeição, o caminho estreito (Mat 7:13-14). Quando pela fé
em Cristo nos submetemos ao Espírito Santo (Ef 1:13/ Rom 8:6-11) passamos a
A GRAÇA PARA O BASTARDO
viver em obediência a Deus (Rom 6:1-14,16:26). Os que vivem fora de Cristo são de
um modo geral idólatras, na medida que são guiados pelo príncipe das potestades
do ar, o espírito que opera nos filhos da desobediência (Ef 2:2). A idolatria aqui
apresentada como uma vida não submissa a Deus.
Jesus Cristo é a pessoa por quem Deus decidiu destruir todos os poderes que
usurparam o lugar do Deus verdadeiro no coração dos homens. Por isso nos foi
revelado nas escrituras que: “... estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo
principado e potestade; no qual também estais circuncidados com a circuncisão
não feita por mão no despojo do corpo da carne: a circuncisão de Cristo.
Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de
Deus, que o ressuscitou dos mortos. E, quando vós estáveis mortos nos pecados e
na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos
todas as ofensas, havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças,
a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na
cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles
triunfou em si mesmo.” (Col 2:10-15) Estes principados, potestades e dominadores
são as forças que compõem a idolatria; a mentalidade da desobediência a Deus.
Como somos alertados:
No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder.
Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra
as astutas ciladas do diabo; porque não temos que lutar contra carne e sangue,
mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das
trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares
celestiais. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir
no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes. Estai, pois, firmes, tendo
cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça, e
calçados os pés na preparação do evangelho da paz; tomando sobretudo o
escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do
maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a
palavra de Deus, orando em todo tempo com toda oração e súplica no Espírito
e vigiando nisso com toda perseverança e súplica por todos os santos. (Efe
6:10-18)
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Por isso é que nos evangelhos e nas epístolas vimos Jesus Cristo apresentado
como a autoridade de Deus sobre: a Serpente (Mat 4:1-11/Luc 10:18), os espíritos
(Mar 5:7/II Tes 1:7-9), sobre os homens (Mat 3:11, 26:64), sobre os anjos (Mat
13:49, 26:53/Fil 2:5-11/Heb 1:6) e sobre a natureza (Mar 4:39). A força do poder de
Cristo é o que desfaz todo o poder do mal, e nos leva a uma adoração centrada no
Deus verdadeiro. Daí os dois maiores mandamentos da Torá serem relativos a
adoração ao único Deus e assim contrários a idolatria:
Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o
SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o
teu poder. (Deu 6:4-5)
Aqui vemos o zelo ou ciume de Deus (Tiago 4:5) na medida que a idolatria faz
dos homens desgraçados. Os deuses (potestades, principados ou dominadores) não
podem nos salvar (Juízes 10:11-14), prova disso é que Adão morreu. A idolatria é o
poder que opera a desobediência ao Deus verdadeiro. Os ídolos mais fáceis de se
identificar são aqueles nos quais os homens se prostram em cerimonias religiosas,
entretanto, a idolatria vai muito além de imagens de escultura. E alguns dos
maiores ídolos continuam intactos nos altares do coração dos homens, trata-se da
cobiça, da avareza, do orgulho, e toda coisa que contamina o coração (Mat 15:17-
20).
Em suma, os pecados e as cinco heranças não representam a raiz do mal na
humanidade, mas somente o efeito, a raiz é a idolatria. Por isso o centro da
redenção tem primeiramente a ver com com a fidelidade (fé) a Deus do que com o
fugir os pecados. Isso porque é somente adorando a Deus em Jesus Cristo (Sua
imagem) que somos conformados a sua imagem e ao seu carácter. O problema da
humanidade é sacerdotal, sua solução é sacerdotal. Toda a herança dos desgraçados
é somente o efeito de um sacerdócio familiar caído; uma falsa adoração no lar.
Somos pois chamados a reverter o quadro da falsa adoração, nossa missão como
membros da família sacerdotal real (I Ped 2:9) é imitar (refletir a imagem) a Deus e
a andar em amor como o nosso Sumo Sacerdote; Jesus Cristo (Heb 3:1):
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como
também Cristo vos amou e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e
sacrifício a Deus, em cheiro suave. Mas a prostituição e toda impureza ou
avareza nem ainda se nomeiem entre vós, como convém a santos; nem
torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não convêm; mas, antes, ações
de graças. Porque bem sabeis isto: que nenhum fornicador, ou impuro, ou
avarento, o qual é idólatra, tem herança no Reino de Cristo e de Deus.
Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de
Deus sobre os filhos da desobediência. (Efésios 5:1-6)
Abraçando a Missão
Como vimos no ponto anterior, o plano de Deus para redimir a criação e justificar o
homem é centrado em Jesus Cristo, a posteridade de Abraão. A família dos
justificados é a Igreja de Cristo, a comunidade de todos aqueles que crêem em
Jesus como o Senhor e o Salvador, o Messias que os profetas do VT esperavam, o
filho de Deus e a posteridade de Abraão (Gal 3:16), a semente da mulher que ferirá
a cabeça da serpente (Gen 3:15). A fé verdadeira envolve o compromisso que Jesus
Cristo resumiu com as seguintes palavras:
Ora, ia com ele uma grande multidão; e, voltando-se, disse-lhe: Se alguém vier
a mim e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e
ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que
não levar a sua cruz e não vier após mim não pode ser meu discípulo. Pois qual
de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas
dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que,
depois de haver posto os alicerces e não a podendo acabar, todos os que a
virem comecem a escarnecer dele, dizendo: Este homem começou a edificar e
não pôde acabar. Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei,
não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao
encontro do que vem contra ele com vinte mil? De outra maneira, estando o
outro ainda longe, manda embaixadores e pede condições de paz. Assim, pois,
qualquer de vós que não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu
discípulo. (Luc 14:25-33)
Passagens como essa ao invés de nos inibir de abraçar a nossa missão sacerdotal
deviam nos impulsionar e nos motivar a servir a Deus. Muitos “eu não sou apóstolo,
profeta, evangelista, pastor ou doutor”, mas o texto não diz que sem ser uma destas
coisas podemos nos escusar de exercer o nosso papel sacerdotal. Na verdade quem
nos dá como ministros de Deus é Jesus Cristo e não os homens, e também existem
várias outras formas de contribuir para a unidade da fé e ao conhecimento do Filho
de Deus fora das paredes das nossas instituições religiosas, e bem além de sermos
“consagrados”. As seguintes palavras se aplicam a todos os discípulos de Cristo:
Eu sou a videira, vós, as varas; quem está em mim, e eu nele, este dá muito
fruto, porque sem mim nada podereis fazer. Se alguém não estiver em mim,
será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e
ardem. Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós,
pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai: que
deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos. Como o Pai me amou,
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Os frutos dos ramos não podem, de jeito nenhum, ser diferentes da árvore do
qual os ramos pertencem. Se Jesus é a videira e os seus discípulos os ramos, o muito
fruto a ser gerado será sempre a expressão da natureza de Jesus. Todos os discípulos
de Jesus, sejam os apóstolos, profetas, evangelistas, pastores ou doutores,
manifestarão a natureza de Jesus Cristo. Ora, alguém aqui poderá dizer, mas eu sou
um simples membro da Igreja e por n razões não me identifico com nenhum destes
ministérios. Mas é exatamente aqui onde reside a fricção, o que Jesus esclarece é
que todos aqueles que guardam os seus mandamentos e permanecem em seu amor
darão muito fruto, ele não disse que todo o profeta, apóstolo, evangelista, pastor ou
doutor dará muito fruto. O ponto aqui é que não se produz para ser, mas se é para
produzir. E isso nos leva a questão da identidade.
devem ser postos ao serviço de Deus para edificação da Igreja. Jesus Cristo
prometeu aos seus discípulos que: “ ...recebereis a virtude do Espírito Santo, que há
de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a
Judeia e Samaria e até aos confins da terra ” (Actos 1:18). Esta virtude é não somente
o poder (dons ministeriais) mas também o carácter do Espírito Santo (Romanos
8:1-17). O corpo de Cristo, que é a Igreja, é identificada pela presença do Espírito
Santo (v 9/Efésios 1:13). Estar em Cristo é ser membro do seu corpo, sendo ele a
cabeça, os seus membros são aqueles que se submetem aos seus mandamentos.
Muito facilmente podemos nos enganar e achar que os dons do Espírito Santo
por si só definem a nossa identidade; se somos ou não discípulos de Cristo.
Esquecemos as palavras dele em Lucas 14:25-33, e também esquecemos que o
mesmo Senhor avisou que: “Muitos me dirão naquele Dia: Senhor, Senhor, não
profetizamos nós em teu nome? E, em teu nome, não expulsamos demónios? E, em
teu nome, não fizemos muitas maravilhas? E, então, lhes direi abertamente: Nunca
vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade ” (Mateus 7:22-23).
Como diz o Ap. Paulo: “Todavia, o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo:
O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo
aparte-se da iniquidade”. (II Tim 2:19).
E aqui surge a questão fundamental que devemos responder para nós mesmos,
“será que sou de Deus?”. A resposta deve ter em conta os pontos que fomos
levantando até este ponto desta secção; se nossa confissão de fé em Jesus não é
meramente de lábios, mas de coração, e se o Espírito Santo em nós testifica que
somos filhos de Deus (Rom 8:16). Será que por Jesus aborrecemos até a nossa
própria vida? Se a nossa resposta é sim, então vamos assumir a nossa identidade
como filhos de Deus e largar as coisas que têm o DNA da Serpente. Se,
infelizmente, a nossa resposta for não, então vamos nos arrepender agora e voltar
para Deus como o filho perdido voltou para o seu pai.
Em uma pregação o Ir. Zac Poonen disse algo que ficou em minha mente até
hoje, ele disse algo como: “quando Jesus recebeu a aprovação de Deus ele ainda não
tinha começado com o seu ministério”. Ou seja, quando Deus disse “Tu és meu
Filho amado; em ti me tenho comprazido” (Luc 3:22), ainda Jesus não tivera
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
manifestado algum dom especial, milagre ou sinal. Mas Deus conhecendo o seu
coração já lhe confessa publicamente a sua aprovação. Isto deve merecer a nossa
ponderação profunda.
Sacrificadores
Sim, não somos profetas, apóstolos, pastores, doutores, diáconos, bispos etc, mas o
que isso nos impede de sermos filhos de Deus, em quem Deus tem prazer?
Precisamos assumir a nossa identidade em Cristo, e deixar de viver uma vida
bipolar ou confusa. Ser filho de Deus é ser sacerdote de Deus, e uma vida sacerdotal
é uma vida devocional. Jesus Cristo viveu com um propósito somente; fazer a
vontade do Pai Celestial (João 4:34). Tudo que Jesus fez, tudo que ele suportou está
intrinsecamente ligada ao seu amor para com Deus. Por isso ofereceu o maior
sacrifício que se pode oferecer; ofereceu a sua própria vida na cruz (João 10:17-18).
E assim somos chamados a seguir o seu exemplo:
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo
Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus.
Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se
semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si
mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus
o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para
que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra,
e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para
glória de Deus Pai. (Fil 2:5-11)
Ao contrário de Adão que se deixou levar pelo inimigo no Éden, Jesus foi
obediente até a morte. Nós somos chamados a ter o mesmo sentimento, isto é, de
nos esvaziarmos de nós mesmo, e assumirmos o papel de servos (sacerdotes), nos
humilharmos, e nos rendermos a obediência a Deus até a nossa morte. É por isso
que o mesmo escritor de Filipenses nos vai dizer em outra epístola que: “ Que
diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante?
De modo nenhum! Nós que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda
nele? Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos
A GRAÇA PARA O BASTARDO
batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na
morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim
andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados
juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua
ressurreição; sabendo isto: que o nosso velho homem foi com ele crucificado, para
que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado.
Porque aquele que está morto está justificado do pecado”. (Rom 6:1-7)
Estes textos todos estão a trazer a imagem sacerdotal do sacrifício, se no Velho
Testamento vemos os sacerdotes sacrificando animais, no NT o princípio é que a
nossa vida é que deve ser oferecida a Deus, pois que: “ Todas as coisas me são
lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas eu não
me deixarei dominar por nenhuma. Os manjares são para o ventre, e o ventre, para
os manjares; Deus, porém, aniquilará tanto um como os outros. Mas o corpo não é
para a prostituição, senão para o Senhor, e o Senhor para o corpo. Ora, Deus, que
também ressuscitou o Senhor, nos ressuscitará a nós pelo seu poder. Não sabeis vós
que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei, pois, os membros de Cristo
e fá-los-ei membros de uma meretriz? Não, por certo. Ou não sabeis que o que se
ajunta com a meretriz faz-se um corpo com ela? Porque serão, disse, dois numa só
carne. Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito. Fugi da
prostituição. Todo pecado que o homem comete é fora do corpo; mas o que se
prostitui peca contra o seu próprio corpo. Ou não sabeis que o nosso corpo é o
templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois
de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no
vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deu s.” (I Cor 6:12-20)
Aqui voltamos a imagem do corpo, com outra cor talvez, isto é, a imagem do
casamento. O corpo de Cristo é o corpo da Aliança, é como se ele fosse o marido e a
Igreja a esposa (Efe 5:23/I Cor 11:3). Daí que o nosso corpo e o nosso espírito
(nossa vida) pertencem a Deus. Por isso é que somos chamados: “ ...pela compaixão
de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus,
que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis
qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus ” (Rom 12:1-2). É este sacrifício
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
vivo que os sacerdotes de Deus são chamados a apresentar com suas vidas. Uma
vida devocional total e exclusivamente rendida ao Pai Celestial.
Assim como Adão tinha sido posto no jardim do Eden com uma missão; cultivar
e guardar (Gen 2:15), a Igreja hoje é o espaço santo, o jardim espiritual que deve ser
aperfeiçoado e guardado, isto é através da operação dos dons do Espírito em cada
um dos filhos de Deus (Ef 4:11-16). Todos os discípulos de Cristo devem assumir o
papel missionário que o corpo de Cristo lhes confere. Devemos assumir uma
postura activa e não passiva, deixar de ser meros observadores e passar a ser
participantes. Deixar de ter uma vida cuja maior expressão espiritual se
circunscreve a participar dos cultos; sentar, cantar, aplaudir e responder amém.
Nós somos chamados a sacrificar nossas vidas, dedicar o nosso corpo vivo para
glória de Deus. Nenhum holocausto é passivo; é preciso degolar o corpo do
sacrifício e levar ao altar incendiado com o fogo da devoção. Somos chamados a
oferecer em sacrifício a nossa vida, na medida que nos separamos de todo negócio
que não tem como pano de fundo glorificar a Deus, por isso a voz da exortação nos
diz:
Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para
Deus, em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo
mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada
um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de
iniquidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurrectos dentre os
mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça.
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da
lei, e sim da graça. (Romanos 6:11-14)
Esta foi a visão da Igreja primitiva; que é uma honra concedida a poucos viver
uma vida sacrificial por Jesus Cristo, e carregar em seus corpos as marcas deste
sacrifício. Assumir a vida missionária e sacerdotal trás consigo perseguições,
críticas, privações, desonra e em muitos casos a própria morte. Foi em meio a
perseguição que a Igreja orou: “ Agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede
A GRAÇA PARA O BASTARDO
aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto
estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu
santo Servo Jesus. Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos
ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus. ”
(Actos 4:29-31)
Porque razão a maioria de nós se omite quanto a vida missionária? Porque: “Ora,
todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (II
Timóteo 3:12). E não é confortável viver uma vida marcada pela perseguição,
críticas e calunias, especialmente provenientes da nossa família, tal como falamos
no primeiro capítulo, sobre a espada de Jesus. Outra razão é porque simplesmente
somos mais das nossas denominações do que de Jesus Cristo, e expressamos isso
quando somos aqueles cristãos passivos, que buscam mais a glória dos homens do
que a glória de Deus (João 12:42-43). Cremos em Jesus mas nos omitimos,
delegamos a nossa fé ao domínio individual, pois não queremos ser tachados de
“controversos”, queremos ser vistos como “bonzinhos”. Se ensinam heresias nós
calamos, se devoram as ovelhas de Cristo e nós ao contrário de David que vai a luta
(I Samuel 17:34-35), deixamos acontecer sem nenhuma resistência radical.
Precisamos entender que ser discípulo de Jesus não é de acordo ao nosso
critério, não podemos continuar com a mentalidade de Nicodemus, em que, para
evitar a crítica e a perseguição a sua vida devocional foi delegada a escuridão da
noite (João 3:1-2). Nós também devemos viver a expressão da oração: “ Agora,
Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com
toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e
prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus”. Falta nos essa
dimensão devocional, e consequentemente que nos faltará a mão do Senhor que
faz sinais, prodígios e curas.
A vida sacerdotal é aquela que busca primeiro o reino de Deus (João 3:33), não
aquela que busca primeiro as coisas passageiras deste mundo. Somos muito
dedicados ao dinheiro (que é idolatria), e pouco dedicados ao reino. Nosso tempo e
nossa vida mental é mais engajada em assuntos profissionais do que em assuntos
espirituais. Nossas ambições são mais nossas do que de Cristo. Mas os verdadeiros
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
discípulos aborrecem os seus pais, esposas, filhos e filhas, família e suas próprias
vidas para glória de Cristo.
Foi quando Adão ignorou o seu papel sacerdotal que o pecado entrou no
mundo. Foi quando Cain ofereceu uma oferta indigna a Deus que encontramos o
primeiro homicídio. É aqui onde está a raiz de todas as maldições; um sacerdócio
caído, uma falsa adoração. E consequentemente a restauração deste sacerdócio é o
coração da obra de Deus através de Jesus Cristo. É hora de assumirmos a nossa
identidade sacerdotal como discípulos de Jesus e filhos de Deus, é o momento de
olharmos não para o fruto da árvore do conhecimento, nem mesmo para árvore da
vida, mas para o Criador de ambas árvores, pois nossa identidade está
fundamentada em Jesus Cristo.
Deus quando tirou o povo de Israel do Egipto rapidamente foi lhes incutindo a
consciência de uma nova identidade. Lhes dá um novo calendário, marcado pela
constituição da Páscoa (Êxodo 12), lhes separa como sua porção exclusiva dentre os
povos (Êxodo 19), lhes proíbe de se envolverem com idolatria, lhes manda guardar
o sábado (Êxodo 20), lhes dá a circuncisão (Levítico 12:3/Exo 4:26) e ainda lhes
proíbe de comer certos alimentos (Levítico 11) e determina que não deviam
misturar estofos, animais de espécie diferentes, ou cultivar sementes diferentes no
mesmo campo (Levítico 19:19/Deu 22:11). Todos estes mandamentos podem ser
resumidos como marcadores de identidade.
Era fundamental o povo entender que a sua orientação temporal, espiritual e
moral passava a ter como princípio o único Deus verdadeiro. Se os outros povos ao
seu redor tinham outros deuses, Israel tinha o Deus verdadeiro; o Criador do
mundo visível e invisível (Jeremias 10:16/Hebreus 12:9). Quando Israel estava no
Egipto era escrava e trabalhava todos os dias, de acordo a ordem dos seus senhores,
mas agora YHWH os tinha liberto, e aos sábados deviam descansar, pois se
tornaram livres. Os outros povos tinham uma aliança com o Deus verdadeiro, Israel
tinha a marca da promessa que havia feito a Abraão. Como este povo liberto pelo
Deus verdadeiro, eles deviam entender o princípio da pureza e da santidade. Esta é
A GRAÇA PARA O BASTARDO
a imagem que Paulo apresenta no NT quando fala de jugo desigual e das más
companhias:
Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque que sociedade tem
a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que
concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel? E que
consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do
Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei e entre eles andarei; e eu serei
o seu Deus, e eles serão o meu povo. Pelo que saí do meio deles, e apartai-vos,
diz o Senhor; e não toqueis nada imundo, e eu vos receberei; e eu serei para
vós Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-poderoso. (II
Coríntios 6:14-18)
Eis que tu, que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em
Deus; e sabes a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído
por lei; e confias que és guia dos cegos, luz dos que estão em trevas, instruidor
dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na
lei; tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas
que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar,
adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias
na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Porque, como está escrito, o
nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós. (Rom 2:17-24)
Paulo cita Isaías 52 onde Deus anuncia a redenção de Israel do terceiro cativeiro,
e aqui devemos nos lembrar que Israel só acabava em cativeiro fruto de sua própria
infidelidade e transgressão. Atestando isso temos a afirmação de Deus: “...Eis que
por vossas maldades fostes vendidos, e por vossas prevaricações vossa mãe foi
repudiada” (Isaías 50:1). Deus esperava frutos dignos do seu nome, vestes de linho
no interior, mas na maioria dos casos colheu lobos, hipócritas e infidelidade. É por
essa desilusão divina que o profeta diz:
Quero cantar ao meu amado uma canção de amor a respeito da sua
vinha. O meu amado possuía uma vinha numa colina fértil. 2 Ele
preparou a terra, tirou as pedras, plantou excelentes vinhas e construiu
uma torre no meio dela. Também construiu um lagar, esperando que
desse uvas boas, mas deu uvas bravas. Agora, ó moradores de Jerusalém
e homens de Judá, peço-vos que julgueis entre mim e a minha vinha.
Que mais poderia se fazer à minha vinha, que eu não tenha feito? Por
que veio a produzir uvas bravas, quando eu esperava que desse uvas
boas? E eu vos contarei o que hei de fazer à minha vinha: Tirarei a sua
cerca para que sirva de pastagem; derrubarei a sua parede para que seja
pisada; Ps 80:12; 6 e farei dela um deserto. Não será podada nem
cavada; nela crescerão sarças e espinheiros; e darei ordem às nuvens
para que não derramem chuva sobre ela. Pois a vinha do SENHOR dos
Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são sua plantação
predileta. Ele esperou justiça, mas houve sangue derramado; retidão,
mas houve clamor por socorro. Isaías 5:1-7/ALM21)
Obviamente que o tema da vinha e dos frutos aqui relatados nos vão trazer o eco
das palavras do Mestre em João 15, e os avisos de julgamento não dormitaram, antes
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Jesus resume os frutos que se esperava de Israel em três palavras, justiça (Levítico
19:15/Deuteronómio 10:18, 16:20), misericórdia (Mateus 9:13, 12:7) e fidelidade (I
Samuel 15:22/Oséias 6:6/Miquéias 6:8). Estas são as vestes que o povo de Israel
devia ter em seu coração, ao invés vestir linho exteriormente, cuidar da higiene e da
aparência do corpo quando no interior guardam as manchas da injustiça,
infidelidade e falta de amor. Isto é a pior hipocrisia; é como coar um mosquito,
mas engolir um camelo. Deus não quer que nos tornemos peritos em coisas
insignificantes.
As uvas amargas que Israel produziu foram a infidelidade, a injustiça e a falta de
misericórdia. Foram infiéis a Deus na medida que quebraram a aliança, indo atrás
de outros deuses, abraçaram práticas pagãs, maltrataram as viúvas, os órfãos e os
necessitados. O mau fruto de Israel, assim como é captada em Romanos 1:18-32, é o
que vai dar substância profética ao acto de Jesus em Mateus 21:18-19:
“E, de manhã, voltando para a cidade, teve fome; e, avistando uma figueira perto do
A GRAÇA PARA O BASTARDO
caminho, dirigiu-se a ela, e não achou nela senão folhas. E disse-lhe: Nunca mais
nasça fruto de ti! E a figueira secou imediatamente.”
Deus quer um reino sacerdotal, e isto significa que Deus quer filhos e não
bastardos. Os ramos que não produzem bons frutos devem ser cortados e lançados
ao fogo (João 15:6), e para produzir é preciso estar em Jesus; ele deve ser o centro da
nossa identidade; o autor e consumador da nossa fé (Hebreus 12:1-2). É por causa
das uvas amargas produzidas por Israel que Jesus disse:
Diz-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra, que os edificadores
rejeitaram, Essa foi posta por cabeça do ângulo; Pelo Senhor foi feito isto, E é
maravilhoso aos nossos olhos? Portanto, eu vos digo que o reino de Deus vos
será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos. E, quem cair sobre
esta pedra, despedaçar-se-á; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó.
E os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, ouvindo estas palavras,
entenderam que falava deles. (Mat 21:42-45)
Tudo isto vai então nos levar as palavras do Ap. Paulo: “ ...pois que já vos
despistes do velho homem com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renova
para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; onde não há grego
nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo
é tudo em todos. Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de
entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade,
suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos uns aos outros, se algum tiver
queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também .” (Col
3:9-13)
Em Cristo o sacerdócio que a nação de Israel não conseguiu cumprir foi
executado. Nele todas as nações são agora chamados a filiação divina, pela fé em
Jesus que ofereceu a si mesmo na cruz como o maior acto de fidelidade e amor
(João 10:18, 15:13-14/Filipenses 2:5-11). É este caminho-Jesus (João 14:6) que nos
convida: “…apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus,
que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis
qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:1-2).
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Quando nos unimos com Cristo somos feitos novas criaturas, ganhamos nova
identidade, somos feitos embaixadores de Cristo, nosso corpo e nossa vida passam
a ser instrumentos pelo qual Deus reconcilia o mundo consigo mesmo. O
embaixador é o representante do rei ou presidente em terra alheia, o embaixador
não é da terra onde ele representa o seu rei ou presidente. O embaixador de Angola
nos EUA não é um americano, na verdade tanto o embaixador angolano, como a
embaixada angolana nos EUA são uma extensão do Estado Angolano. Se um
americano se refugiar na embaixada de Angola e pedir asilo, por alguma razão, o
mesmo estaria sob jurisdição angolana.
Deste jeito devíamos também olhar para nós, somos embaixadores de Cristo,
representamos o seu reino, e não o mundo no qual estamos a representar o nosso
Rei. O corpo de Cristo é a extensão de sua jurisdição, somos agora novas criaturas,
seus sacerdotes, incumbidos com a missão ou ministério da reconciliação, pela
palavra que Deus pós em nós, a palavra da reconciliação. Nosso corpo e nossa vida
deve exprimir a palavra de Deus e não da carne. A nossa língua é a língua do reino
de Deus, e essa língua não é português, não é lingala, não é francês, nem é kikongo,
A GRAÇA PARA O BASTARDO
chinês, umbundo ou algo idêntico, nossa língua é a reconciliação. É isto que Jesus
exprime ao dizer:
E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e
na terra.Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as
coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias,
até a consumação dos séculos. Amém. (Mat 28:18-20)
Paulo abraçando o privilégio de ser uma nova criatura diz de modo incisivo:
Tomai cuidado com esses cães; cuidado com os maus obreiros; cuidado com a
falsa circuncisão! Porque nós é que somos a circuncisão, nós, os que servimos
a Deus em espírito, e nos orgulhamos em Cristo Jesus, e não confiamos na
carne. Se bem que eu poderia até mesmo confiar na carne. Se alguém pensa
que pode confiar na carne, muito mais eu; circuncidado no oitavo dia, da
descendência de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à
lei, fui fariseu; quanto ao zelo, persegui a igreja; quanto à justiça que há na lei,
eu era irrepreensível. Mas o que para mim era lucro, passei a considerar perda,
por amor de Cristo. Sim, de fato também considero todas as coisas como
perda, comparadas com a superioridade do conhecimento de Cristo Jesus,
meu Senhor, pelo qual perdi todas essas coisas. Eu as considero como esterco,
para que possa ganhar Cristo, e ser achado nele, não tendo por minha a justiça
que procede da lei, mas sim a que procede da fé em Cristo, a saber, a justiça
que vem de Deus pela fé, para conhecer Cristo, e o poder da sua ressurreição,
e a participação nos seus sofrimentos, identificando-me com ele na sua morte,
para ver se de algum modo consigo chegar à ressurreição dos mortos. (Fil 3:2-
11/ALM21)
nossa pele ou etnia como cocó, nossa capacidade financeira, eloquência, beleza
etc., tudo reduzido a cocó. Quem sabe fugíssemos totalmente em Cristo Jesus.
O sacrifício aceitável começa no esvaziamento próprio, por isso Cristo nos
manda “negar a si próprio”, isto é despir-se do velho homem, do apego as coisas
fora de Cristo. De novo o Ap. Paulo capta inspiradamente este pormenor ao dizer
nos: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que, existindo
em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se
apegar, mas, pelo contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo e
fazendo-se semelhante aos homens. Assim, na forma de homem, humilhou a si
mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus também o
exaltou com soberania e lhe deu o nome que está acima de qualquer outro nome;
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, na terra e
debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de
Deus Pai.” (Filipenses 2:5-11)
A reconciliação é centrada em Cristo, como abordamos no primeiro ponto deste
capítulo, e é Cristo através de seu corpo humilhado e obediente que opera a
reconciliação em nós; é através da sua cruz que nós somos capacitados a carregar a
nossa cruz, pois é pela sua ressurreição que somos nele feitos mais do que
vencedores (Romanos 8:37). Portanto, não seria diferente aqui, é pela humildade e
obediência de Cristo que nós somos chamados a sermos humildes e obedientes,
mortificando a carne e todas suas taras e cocós, e assim Deus Pai nos exaltará junto
com Cristo no dia da sua glória (I Coríntios 6:14). Esta mortificação é o sacrifício
que devemos apresentar a Deus.
Devemos entender que tudo fora de Cristo é passageiro, é sem valor, é cocó,
porque: “...Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e
Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. E Deus
escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para
aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele. Mas vós sois
dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
A GRAÇA PARA O BASTARDO
santificação, e redenção; para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se
no Senhor” (I Coríntios 1:27-31). A verdadeira sabedoria e ciência não está nas
universidades, nos diplomas, nas tradições humanas e nem na Google, mas em
Cristo (Colossenses 2:3), o verdadeiro redentor da humanidade.
Essa nova identidade deverá afetar toda nossa vida, como estudantes, como
trabalhadores, como casados, como solteiros etc. Pois quem somos em Cristo
deverá ditar o que fazemos. Porquê que a fé cristã tem sido muitas vezes banalizada
no mundo? Uma razão é porque o mundo não discerne as coisas espirituais (I Cor
5:15), mas outra e grave razão é porque a maioria daqueles que se dizem cristãos
pensam e agem como o mundo. Quando as nossas vestes são iguais as vestes do
mundo, Cristo não pode ser discernido em nós, e somos identificados como sendo
do mundo, ao invés de embaixadores de Cristo, sacerdotes do ministério da
reconciliação.
Quantos casados que se identificam como cristãos nunca chegaram a sacrificar
as tradições bantu? Ao contrário o evangelho é tipicamente delegado ao segundo
plano, sacrificado em nome das tradições africanas que nós temos em Angola. Aqui
estamos diante de um sacerdócio caído. Nos domingos os mesmos vão a igreja, mas
quando se trata do relacionamento em casa, a forma de entender e tratar as coisas é
segundo a tradição das famílias, é segundo as palavras dos tios e não segundo a
palavra de Deus.
Lembra-me de presenciar uma conversa onde alguém reclamava da falta de
respeito de seus sobrinhos, e o pastor que fazia parte do diálogo respondeu algo
como: “eu não entendo vocês do Zaire, isso é inaceitável, nós do Uíge estes
sobrinhos provavelmente nem estariam mais vivos agora”. Ou ainda um outro caso,
onde havia um óbito na casa de uma família amiga, e como ameaçava chover, a
esposa de um dos familiares presentes chamou o sobrinho e pediu que o mesmo
fizesse tal e tal coisa que segundo a tradição iria adiar ou afugentar a chuva, sendo
que o sobrinho era um cristão com consciência sacerdotal o mesmo se negou. Mas
sua tia furiosa respondeu algo como: “não há nada de mal em praticar essas coisas
dos nossos avós, vocês agora são os únicos cristãos na família?”. De acrescentar que
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
esta mesma tia era a esposa de um diácono batista, e este estava presente e bem
caladinho.
Não gostaria de lançar dúvidas sobre a fé do pastor, até porque o mesmo tem um
bom testemunho, mas aqui vemos como a mentalidade carnal interfere na nossa
identidade sacerdotal. A resposta do pastor acusa uma dupla identidade ou pelo
menos os restículos de uma mentalidade tradicionalista, onde o “poder” para
disciplinar os sobrinhos mau comportados fica nos lábios dos tios e chefe fa
família. Provavelmente ao responder o pastor não terá percebido que saiu da
identidade cristã e se refugiou numa identidade carnal e até demoníaca.
A esposa do diácono é um bom exemplo de sincretismo religioso, sua resposta e
atitude mostra como no seu entender do evangelho não existe a necessidade de
sacrificar nada. Ela e seu marido abraçaram uma versão de evangelho onde
podemos ter orgulho na carne e orgulho em Jesus simultaneamente. Este
evangelho da tia não vê cocó onde devia aos olhos de Cristo há cocó. Imaginemos
se no nosso olhar natural identificássemos extratos de cocó num bolo de
casamento, ou num prato de calulu ou nfumbua, certamente que cuspiríamos o que
houvéssemos comido e informaríamos aos outros para parar de comer
imediatamente. Pena que nas nossas congregações nem sempre o cocó é
identificado e tratado como tal.
Para sacrificarmos a nossa visão carnal das coisas precisamos ver a glória de Deus
em Jesus, pois assim saberemos notar a escuridão de tudo que está fora de Deus. É
que: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes,
em quem não há mudança, nem sombra de variação” (Tiago 1:17). A luz vem de
Deus, as trevas vem do mundo, visto que: “...tudo o que há no mundo, a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do
Pai, mas do mundo” (I João 2:16). Ap. Paulo só passou a enxergar bem depois de
perder as escamas dos seus olhos, após ser chocado pela glória de Jesus, a caminho
para Damascus (Actos 9:1-18).
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Moisés deu a Arão quando os seus filhos Nadabe e Abiú foram consumidos pelo
fogo do Senhor: “E disse Moisés a Arão: Isto é o que o SENHOR falou, dizendo:
Serei santificado naqueles que se cheguem a mim e serei glorificado diante de todo
o povo. Porém Arão calou-se ” (Lev 10:3). É preciso não nos contaminarmos com o
mundo, o mandamento é: “ E não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis
qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus ” (Rom 12:2). Em outras
palavras saibam afastar-se de todo e qualquer tipo de cocó.
Assim como uma mulher fiel devota o seu corpo e seu coração somente ao seu
esposo, assim também devemos apresentar a nossa vida a Jesus. O sacrifício
agradável a Deus é o nosso corpo vivo, com suas faculdades e todo seu vigor
dedicado a glória de Deus, limpo, sem contaminações de esterco algum, devoto a
Jesus Cristo, pois assim diz: “Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta
não quiseste, mas corpo me preparaste” (Heb 10:5). É o nosso corpo, a nossa vida
que devemos entregar em sacrifício santo, puro e agradável a Deus, como diz David:
Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca entoará o teu louvor. Porque te
não comprazes em sacrifícios, senão eu os daria; tu não te deleitas em
holocaustos. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um
coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus. (Salmos 51:15-17)
Adoradores
O papel do sacerdote não é somente oferecer sacrifícios, tal coisa seria espúria sem
que a divindade fosse adorado. No caso específico se trata de uma adoração
centrada ao Deus verdadeiro. O Pai Celestial nunca foi de aceitar sacrifícios de
sincretistas, ou seja, o sacrifício daqueles que se envolviam com outros deuses era
rejeitável aos olhos do Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Um bom exemplo disto
encontramos em II Reis, quando os Sírios levaram Israel ao cativeiro (16:5-6, 17:5-
6), e trouxeram o seu povo para habitar no Reino do Norte, que também é
conhecido por Samaria:
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Então foi informado ao rei da Assíria: O povo que levaste para morar nas
cidades de Samaria não conhece a lei do deus da terra; por isso ele enviou
leões que o matam, porque não conhece a lei do deus da terra. Então o rei da
Assíria mandou dizer: Levai um dos sacerdotes que trouxestes de lá para que
vá morar ali e lhes ensine a lei do deus da terra. Veio um dos sacerdotes que
eles haviam levado de Samaria; ele morou em Betel e lhes ensinou como
deviam temer o SENHOR. Mas cada nação fazia o seu próprio deus e o punha
nos templos dos montes que os samaritanos haviam feito, cada nação nas
cidades que habitava. Os babilônios fizeram Sucote-Benote; os de Cuta
fizeram Nergal; os de Hamate fizeram Asima; os aveus fizeram Nibaz e
Tartaque; e os sefarvitas queimavam seus filhos em sacrifício a Adrameleque e
a Anameleque, deuses de Sefarvaim. Eles temiam o SENHOR e constituíram
sacerdotes dentre o povo para exercerem o sacerdócio nos templos dos altares
das colinas. Assim, temiam o SENHOR mas também cultuavam seus próprios
deuses, conforme o costume das nações de entre as quais haviam sido levados.
Eles fazem até hoje conforme os costumes antigos: não temem o SENHOR;
nem obedecem aos seus estatutos, às suas normas, tampouco à lei e ao
mandamento que o SENHOR ordenou aos filhos de Jacó, a quem deu o nome
de Israel, com os quais o SENHOR havia feito uma aliança e a quem havia
ordenado, dizendo: Não temereis outros deuses, nem os adorareis, nem lhes
prestareis culto, nem lhes oferecereis sacrifícios; mas temereis somente o
SENHOR, que vos tirou da terra do Egito com grande poder e com braço
forte, a ele adorareis e a ele oferecereis sacrifícios. (II Reis 17:24-36/ALM21)
Aqui vemos a natura excepcional dos atenienses que por zelo religioso tinham
erguido um altar ao “Deus desconhecido”. Este é o temor das nações estrangeiras
que passaram a habitar em Samaria, mas aos olhos do Deus Verdadeiro: “... não
temem o SENHOR; nem obedecem aos seus estatutos, às suas normas, tampouco à
lei e ao mandamento que o SENHOR ordenou aos filhos de Jacó ”. O temor que
Deus aceita é o temor reverencial exclusivo, de um coração devoto e obediente (I
Sam 15:22). A adoração é somente aceitável para aqueles que conhecem a Deus, e
conhecer a Deus não é um acto nominal, mas sim relacional, como podemos ver
nos seguintes trechos:
E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu, e teve a Caim, e disse:
Alcancei do SENHOR um varão. (Gen 4:1)
E conheceu Caim a sua mulher, e ela concebeu e teve a Enoque; e ele edificou
uma cidade e chamou o nome da cidade pelo nome de seu filho Enoque. (Gen
4:17)
Por isso Jesus diz que: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no
Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos
me dirão naquele Dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E, em
teu nome, não expulsamos demónios? E, em teu nome, não fizemos muitas
A GRAÇA PARA O BASTARDO
O que talvez poderia passar por despercebido é que desde o cativeiro assírio (II
Reis 16 & 17) até a conversa entre Jesus e a mulher samaritana, no posso de Jacó há
um lapso de tempo de aproximadamente oito séculos. Em suma, os samaritanos
continuaram a adorar o “Deus desconhecido” até ao momento em que Jesus pisou
em sua terra. Que não reste dúvidas que o “Deus desconhecido” não é um
fenómeno restrito aos samaritanos ou atenienses, actualmente muitos daqueles
que se dizem cristãos invocam um “Cristo desconhecido”. Isto acontece porque:
“...não temem o SENHOR; nem obedecem aos seus estatutos, às suas normas,
tampouco ao mandamento que o SENHOR ordenou aos verdadeiros filhos de
Abraão”.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
O Espírito estará “em vós” disse o Mestre, porque é dentro de nós, onde reside o
nosso espírito, o local onde conhecemos o Espírito de Deus. É no interior da nossa
alma onde a adoração ocorre, seja ela a verdadeira ou a falsa. A maior paixão ou
ambição da nossa alma revela a nossa verdadeira adoração. A adoração é a maior
devoção de amor que rendemos a alguém, daí Jesus dizer que: “Se alguém vier a
mim, e amar pai e mãe, mulher e filhos, irmãos e irmãs, e até a própria vida mais do
que a mim, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14:26/ALM21). Aqui vemos que o
amor para com Deus determina a natureza da nossa adoração a Ele.
Um caso digno de alusão é o descrito em I Samuel 15 (ALM21), em que Deus
ordena Saul que eliminasse totalmente os amalequitas, e que não poupasse
ninguém e nada. Mas Saul seguiu o caminho dos bastardos, daí lermos:
“Entretanto, Saul e o povo pouparam Agague, como também o melhor das ovelhas,
dos bois e dos animais gordos, os cordeiros e tudo o que era bom; eles não os
quiseram destruir totalmente, mas destruíram por completo tudo o que era inútil e
desprezível” (v 9). Diante disto Deus diz: “ Arrependo-me de ter posto Saul como
rei, pois deixou de me seguir e não executou as minhas palavras. Então Samuel
ficou indignado e clamou ao SENHOR a noite toda” (v 10).
O que se segue no relato de Saul é um excelente exemplo do que significa não
adorar a Deus. Saul depois acusa o povo quando confessa:“ ...Pequei, pois transgredi
a ordem do SENHOR e as tuas palavras; porque temi o povo e dei ouvidos à sua
voz” (v 24). Daí a adoração verdadeira requerer um amor superior ao amor que
temos pelos nossos familiares e até por nossa própria vida, é isso que vemos em
Jesus ao se entregar à cruz. Se Jesus seguisse a opinião doa outros rejeitaria a cruz,
visto que ser pendurado no madeiro era a morte mais vergonhosa que havia. Saul
não teve coragem de responder: “ aparta-te de mim satanás” (Mat 16:23), baixou a
guarda.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
No verso 15 Saul revela a cobiça do povo e do seu próprio coração, pois juntos
guardaram o “melhor” das ovelhas e dos bois. A avareza no coração não permite
que o homem adore a Deus de verdade; a cobiça é idolatria (Col 3:5). Saul ainda
afirmou que este “melhor” seria para oferecer ao Senhor. Imaginemos oferecer a
nossa própria desobediência como sacrifício morto, impuro e desagradável a Deus.
Esta era a forma de ver e de agir de Saul. Tão cego era Saul que mesmo sendo
confrontado pelo profeta Samuel ele ainda se defendeu dizendo: “ Pelo contrário,
eu obedeci ao SENHOR e cumpri a tarefa para a qual ele me enviou...” (v 20).
Samuel porém disse algo que faríamos o melhor se guardássemos no coração:
“Mas Samuel disse: Por acaso o SENHOR tem tanto prazer em holocaustos e
sacrifícios quanto em que se obedeça à sua voz? Obedecer é melhor que oferecer
sacrifícios, e o atender, melhor que a gordura de carneiros. Pois a rebelião é como o
pecado de adivinhação, e a obstinação, como a maldade da idolatria. Visto que
rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou como rei ” (v 22-23). Mas
Saul não estava a entender (a forma de ouvir) que Deus o havia rejeitado (v 26-29) e
sua preocupação por sua própria honra, lhe cegará ao ponto de não perceber que
havia desonrado a Deus, e assim ele pede a Samuel: “ ...volta comigo, para que eu
adore o SENHOR, teu Deus. Então Samuel voltou, foi com Saul, e este adorou o
SENHOR” (v 30-31).
A adoração de Saul não vinha de um coração totalmente devoto a Deus. Vinha de
um coração avarento, desobediente e mais preocupado com o seu próprio nome do
que com o nome de Deus. Esta adoração nunca será aceitável aos olhos de Deus. A
adoração aceitável é a rendição de um coração honesto e submisso, como foi a
reacção de Jó depois de receber a notícia da morte de seus filhos: “ Então, Jó se
levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e
adorou, e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o
deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR” (Jó 1:20-21).
Na adoração só encontramos devoção pura, sem interesses extras, Deus é o
maior encanto de nosso coração, o que Deus é, conforme a sua revelação pelo seu
A GRAÇA PARA O BASTARDO
Espírito junto do nosso espírito nos leva o rosto ao chão, de tamanha reverência e
admiração por sua santidade, seu amor, e sua justiça nosso coração se prostra e o
adora. A adoração não é louvor, é acima do louvor, pelo simples facto de que a
sublimidade eterna do Criador não caber no vocabulário ou nas melodias melodia
de criaturas mortais como nós. É a revelação de Deus pelo seu Espírito que nos
conduz a adoração verdadeira.
Por isso o salmista nos diz: “Adorai o SENHOR na beleza da sua santidade;
tremei diante dele todos os habitantes da terra ” (Salmos 96/ALM21). Há a
contemplação do encanto de Deus, e isto é impossível sem a revelação de Deus; se
os nossos olhos estiverem focados na árvore do conhecimento do bem e do mal,
não anciaremos por lhe ver na viração do dia (Génesis 3:8). Sua majestade divina
nos mata de espanto (Apocalipse 1:17), é por isso que tratando se adoração
geralmente encontramos os termos: “inclinar o rosto” ou “prostrar se”:
E Arão falou todas as palavras que o SENHOR falara a Moisés e fez os sinais
perante os olhos do povo. E o povo creu; e ouviram que o SENHOR visitava
aos filhos de Israel e que via a sua aflição; e inclinaram-se e adoraram. (Êxodo
4:30-31)
E todos os filhos de Israel, vendo descer o fogo e a glória do SENHOR sobre a
casa, encurvaram-se com o rosto em terra sobre o pavimento, e adoraram, e
louvaram o SENHOR, porque é bom, porque a sua benignidade dura para
sempre. (II Crónicas 7:3)
E, quando os animais davam glória, e honra, e ações de graças ao que estava
assentado sobre o trono, ao que vive para todo o sempre, os vinte e quatro
anciãos prostravam-se diante do que estava assentado sobre o trono,
adoravam o que vive para todo o sempre e lançavam as suas coroas diante do
trono, dizendo: Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque
tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas.(Apocalipse
4:9-11)
A adoração de Esau é centrada nele próprio, é para ser honrado pelos homens,
não é de um espírito reverente e internamente consternado diante da grandeza e o
espanto da santidade de Deus. Esta falsa adoração é parecida a pretensa adoração
de Herodes, que depois de ouvir dos magos do Oriente que foram à Jerusalém para
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS
Os misteriosos magos não vieram do Oriente para cantar para Jesus ou para
pedir bênçãos a Jesus, eles disseram que: “viemos adorá-lo”. Mateus explicou o que
fizeram os magos com a seguinte descrição: “ Quando entraram na casa, viram o
menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Depois, abrindo seus
tesouros, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra ” (v 11). Adoração é auto-
esvaziamento diante de um que reconhecemos superior glória e autoridade, é
render a nossa alma e dar o nosso melhor, como os vinte quatro anciãos que
prostrando adoravam ao Senhor, e lançavam suas coroas diante do trono do
Senhor. Suas coroas representavam toda a honra e glória que possuíam, na
adoração estas coroas se reduziam a nada diante de Deus.
A adoração de Herodes era apenas de falar, em seu coração havia ciume, e
homicídio, que são coisas que caminham juntas com falsa adoração, tal como vimos
em Cain. Depois dos magos terem adorado a Jesus e partido lemos que: “ ...um anjo
do Senhor apareceu a José em sonho e lhe disse: Levanta-te, toma o menino e a mãe
e foge para o Egito; permanece lá até que eu fale contigo; porque Herodes
A GRAÇA PARA O BASTARDO
havendo-as ouvido e visto, prostrei-me aos pés do anjo que mas mostrava para o
adorar. E disse-me: Olha, não faças tal, porque eu sou conservo teu e de teus
irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus ”
(Apocalipse 22:8-9). O anjo como Pedro reconheceu ser uma criatura e não o
Criador e, portanto, indigno de receber adoração.
A mulher pecadora, entretanto, pondo-se atrás de Jesus e chorando aos seus pés,
começou a molhar-lhe os pés com as lágrimas e a enxugá-los com os cabelos; e
beijava-lhe os pés e derramava o perfume sobre eles. E Jesus aceitou a sua adoração
dizendo: “...os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas
aquele a quem pouco é perdoado pouco ama. E disse a ela: Os teus pecados te são
perdoados” (Lucas 7:47-48). Ah mais porque foi que Jesus aceitou a adoração da
pecadora mas a adoração de Saul não foi aceite? Porque a adoração de Saul tinha
cocó. Quando o filho pródigo voltou arrependido o seu pai correu e abraçando-o
beijou o seu pescoço. Ora, que cheiro teria alguém que cuidava dos porcos e comia
pior que os porcos? O pai não se importou, preocupou-se restaurar o filho
arrependido, mudando as suas vestes e pondo um anel em seus dedos (Lucas 15:11-
32).
A adoração é possível para os reconciliados em Jesus. A boa-nova é exatamente
isto, que se de todo o coração nos achegarmos a ele, ele é misericordioso para nos
aceitar. Em Jesus, como foi Israel (Exo 5:1), somos aceites e chamados fora do
Egipto (carnalidade) para adorar a Deus no deserto (este mundo). Adorar a Deus é
festejar o que ele é, em sua santidade, justiça, graça e glória. Esta adoração só é
aceitável em espírito e em verdade. Se tiver as manchas da carne, o fermento, o mel,
não será aceitável. Deus não quer a adoração de Saúl.
Louvar a Deus é exaltar os seus feitos (Deuteronómio 10:21/Ezra 3:11/Lucas
17:18/Efésios 1:6), uma manifestação de gratidão, mas adorar passa daquilo que ele
fez para aquilo que ele é. Tem muitos que louvam a Deus mas nunca adoraram a
Deus. Louvar é uma forma de sacrifício (Hebreus 13:15), é possível louvar a Deus
mas ainda assim adorar um outro deus. Pensar que entoar hinos gospel é igual a
A GRAÇA PARA O BASTARDO
adorar a Deus seria então um grande equívoco. Muitos dos nossos cantores gospel
são provavelmente os maiores adoradores de si próprios. Somos sacerdotes
separados para adorar a Deus, oferecer sacrifícios de louvor e interceder junto do
Pai Celestial, em nome de Jesus Cristo. É sobre a intercessão que damos a nossa
atenção a seguir.
Intercessores (Mediadores)
A graça de Deus é isso; seu amor que estende as mãos para resgatar aquele que
foi atacado pelo maior criminoso que existe. Infelizmente, na maioria das vezes
continuamos a olhar para o nosso Redentor como muitos judeus olhavam para os
samaritanos. E é assim que na maioria das vezes seremos tratados pelo mundo,
sempre que assumirmos a nossa identidade missionária, como mediadores e
intercessores. Afinal de contas, nossa esperança de redenção e comunhão eterna é
asfaltada de aflições e tribulações momentâneas (II Cor 4:17-18). Em meio a tudo
isso, somos tão pobres quanto somos privados de sofrer para a glória de Deus, em
Jesus nosso Senhor. Se é excelso a sua glória e ressurreição, também o deve ser a sua
cruz, a sua coroa de espinhos e os pregos que perfuraram o seu corpo, a sua
vergonha:
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça,
porque deles é o Reino dos céus; bem-aventurados sois vós quando
vos injuriarem, e perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal
contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o
vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que
foram antes de vós. (Mateus 5:10-12)
Somos encorajados a seguir o exemplo dos mártires de Cristo, de trilhar às
veredas do calvário. De orar pela salvação dos perdidos, qual categoria fizemos
parte no passado, como disse o Ap. Paulo: “... todos nós também, antes, andávamos
nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e
éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. Mas Deus, que é
riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós
A GRAÇA PARA O BASTARDO
ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça
sois salvos)” (Efésios 2:3-5) A evangelização e o discipulado de forma harmoniosa se
encaixam neste oficio divino.
Moisés foi o mediador do VT (Gálatas 3:19), e Deus havia manifestado seu
desejo de fazer de Israel um mediador para com os gentios (Isaías 19:24, 42:6).
Jesus Cristo veio a ser o mediador do NT, e nele todas as promessas e planos
divinos encontram substância. É Cristo em nós que nos outorga o ofício de
mediadores e intercessores, pois somos o seu próprio corpo. Quando Paulo era um
fariseu e perseguidor da Igreja, foi surpreendido no caminho à Damasco, de
maneira indelével, quando Jesus lhe derrubou de seu cavalo, e lhe cegou com a sua
glória, Lucas relatou que:
E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor,
dirigiu-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas para Damasco, para as
sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns daquela seita, quer homens,
quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém. E, indo no caminho,
aconteceu que, chegando perto de Damasco, subitamente o cercou um
resplendor de luz do céu. E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia:
Saulo, Saulo, por que me persegues? E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o
Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os
aguilhões. (Actos 9:1-5)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que vimos até aqui, importa resumir algumas implicações práticas.
No primeiro capítulo vimos que o pecado começou no lar de Adão, isto é, dentro
do jardim do Éden, e em seguida vimos como se propagou afetando os filhos, no
caso inicial, Caim. Acreditamos que isso deve nos fazer olhar para as nossas casas
como o principal local onde devemos cultivar uma postura sacerdotal e missionária.
É no lar onde devemos rejeitar as sugestões da serpente, e guardar os mandamentos
de Deus.
Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra. (II Tim 3:14-
17)
Oremos:
Deus e nosso Criador, reconheço que até aqui tenho vivido distante da tua
palavra e distante da minha identidade sacerdotal. Reconheço também que a
minha forma de ouvir, falar, agir, adorar e ver está longe do exemplo de Jesus
Cristo, o teu filho unigênito, que foi crucificado para nos salvar de toda desgraça
fruto do pecado, mas ressuscitou ao terceiro dia, e esta assentado a tua destra nos
céus.
A HERANÇA DOS DESGRAÇADOS