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NISIOISIN

conceito original HIROHIKO ARAKI

SHUEISHA
Traduzido por Art Vandelay
Revisado e diagramado por Creissonino
http://www.jojobizarrealliance.wordpress.com

Agradecimentos ao Hi Wa Mata Nobooru e ao Kewl0210


pela versão em inglês usada como consulta.

Tradução realizada sem fins lucrativos


Ao Senhor Jotaro Kujo
Prefácio
Se eu dissesse que não tinha nenhuma dúvida sobre
restaurar e decodificar o caderno que o senhor Jotaro
Kujo incinerou no Egito, eu estaria, sem sombra de dúvidas,
mentindo. Eu acreditava que trazer à tona todo o conteúdo que
somente o senhor Kujo tinha conhecimento seria extremamente
desagradável a esse mundo, além de ser considerado um ato
bárbaro contra a ética profissional ou ainda moral. Contudo,
depois de diversos acontecimentos e reviravoltas, o motivo
de eu ter aceitado esse pedido da fundação Speedwagon não
foi por causa do estado amnésico e comatoso do senhor Kujo. A
teoria da Fundação Speedwagon é que o livro talvez indique
alguma maneira de reverter a sua situação. Quando me disseram
isso, como alguém que deve muito ao senhor Kujo, eu não estava
ligando muito para questões de moral ou ética profissional,
ou ainda para o senso comum do ser humano em si. Mesmo se não
houver qualquer dica para reverter o estado do senhor Kujo
ou algo que indique o que possa ter o levado a ficar naquele
estado, eu superarei todas as dificuldades de se restaurar esse
caderno.
Contudo, se eu disser que essa foi a única razão para
fazê-lo, eu estaria mentindo. Para ser sincero, na primeira
vez quando eu fui contatado pela Fundação Speedwagon – em
outras palavras, quando eu soube da existência desse caderno
– eu tenho que confessar que sucumbi a uma doce tentação. Eu
sabia que era algo que eu não deveria, mas, ao mesmo tempo,
senti que eu queria mesmo fazer isso. O homem que já tentou
envolver o mundo em trevas, Dio Brando. Não, talvez seja mais
apropriado chamá-lo de Dio Joestar... Ou talvez, apenas Dio seja
o melhor. De qualquer forma, a simples citação da existência
de um caderno onde um vampiro que transcendeu a humanidade
teria registrado seus feitos deixaria qualquer pesquisador
empolgado. Eu digo sem medo de estar errado, mas eu não estava
com a cabeça no lugar ao considerá-lo um simples trabalho
acadêmico. O senhor Kujo o queimou e mesmo a Fundação
Speedwagon considerou sua existência como ultrassecreta.
Ou seja, eu não poderia cair de cabeça em algo que até então
havia sido mantido sob tanto sigilo. O vampiro tão carismático
que conseguia converter tantas pessoas para o mal e mantê-
las como seus subordinados. Aquele homem era descrito como a
encarnação do mal e que até hoje, mesmo depois de sua morte,
ainda insiste em exercer tamanha influência. Como eu não iria
querer saber o que ele pensava, o que ele planejava e como
ele vivia? Eu não consigo dar nenhuma justificativa. Falando
sério, desculpas como a de que seria pelo senhor Kujo ou pela
paz mundial não seriam motivos sinceros para mim. Acho que
se eu não desabafasse desse jeito, eu não seria franco com a
pessoa que irá ler esse livro.
E falando em franqueza, eu deveria colocar que decodificar
este caderno foi uma tarefa intensamente complicada. Além
de todas as páginas do caderno terem sido queimadas até às
cinzas (a um ponto que nem mesmo o senhor Josuke Higashikata
conseguiu restaurá-las por completo) o livro foi codificado
de uma maneira pouco clara. Muitos dos substantivos próprios
que foram codificados iam além da minha capacidade de
decodificação e só puderam ser transcritos a partir de
registros históricos anteriores. Eu acho que a leitura ficou
consideravelmente mais clara, mas eu não consigo negar essa
impressão de que nada faz sentido. E todos esses tópicos
importantes, idiossincrasias e o tal “caminho para o paraíso”
que este imperador do mal abordava são tão profundos
e complicados de entender que é difícil, mesmo para um
especialista como eu, admitir não ser capaz de compreendê-
los por completo. Muitas das passagens foram traduzidas de
forma literal. Eu não tive escolha além de deixar a própria
compreensão a cargo dos leitores mais atentos. Alguns podem
dizer que o meu trabalho foi só o começo. E é claro que eu
assumo a responsabilidade por qualquer tradução incorreta
no documento ou contradições causadas por elas, mas receio
afirmar que nenhuma foi encontrada até agora.
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“Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e
viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar
no céu”.
Eu imagino se a minha mãe realmente
acreditava nessa história de ir para o céu, no fim das
contas. Apesar de se encontrar no nível mais baixo da
pirâmide social, ela viveu o resto de seus dias sem abrir
mão de seu orgulho. Mesmo que isso seja verdade -
especialmente porque era assim que ela agia - eu não
acredito que ela realmente conseguiu a sua passagem
para o paraíso.
Eu não acredito.
Ela era tão nobre e orgulhosa quanto era pura,
correta e bela de uma maneira quase divina. Ao mesmo
tempo, não passava de uma incorrigível tola.
Eu odiava essa tolice incorrigível.
Por exemplo, nós éramos uma família realmente
pobre e constantemente precisávamos nos preocupar com
a próxima refeição. Enquanto ela e eu, seu filho, vivíamos
naquele ambiente e passávamos tanta fome, ela ainda
assim gastava metade de seu dinheiro, conquistado
depois de tanto trabalho duro, com as crianças famintas
de nossa vizinhança.
E não só as crianças. Os idosos e, às vezes, até
animais também. Tal caridade com indivíduos tão fracos
era meio que seu fardo. Qual é a palavra mesmo... Ah,
“compaixão”. Ela emanava esse sentimento.

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O que era isso, senão tolice?
Ninguém podia ajudar aquilo. Só odiar.
A maneira como ela colocava a si mesmo (bem como
sua família) em segundo plano era algo nobre e digno de
se orgulhar. Contudo, naquela escória onde nós vivíamos,
ninguém ligava para esse tipo de coisa.
Dependendo do local, como onde vivia a família
Joestar, aquela cidadezinha bucólica, tais atitudes
seriam compreensivelmente reconhecidas. Contudo,
naquela cidade pior do que uma trincheira, sendo bem
sincero, minha mãe era alvo de piadas.
Tanto as crianças (que aceitavam a sua caridade)
quanto os idosos, riam da minha mãe.
Eles gargalhavam como se ela fosse uma grande
piada.
E eu acreditava que eles estavam absolutamente
certos. O suficiente para eu querer me unir a eles e
rir também. A minha raiva contra a minha mãe era
superior àquilo, portanto, eu não me dei ao luxo, mas
fiquei tentado a realizar tal ato.
Minha mãe era tola.
Uma tola incorrigível.
Seja como for, como filho daquele saco de deboches
que era aquela mulher, eu fui por vezes desprezado. Eu
não poderia deixar essas pessoas rirem da minha mãe
assim, mas quando eu fui tirar satisfação, minha mãe
me repreendeu.
Em vez de repreender aqueles que debochavam dela,
ela me repreendeu. E isso me deixou furioso.
“Não faça isso, Dio. Você não pode depender tanto
assim da violência em sua vida. Se continuar fazendo
isso, você não vai para o céu.”
Parando para pensar, acho que era a frase favorita
dela. Palavras com significados concretos. Como se elas
fossem um tipo de mantra.

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Ela dizendo isso dava a impressão de que era só
dizer a palavra “céu” e tudo estaria salvo. Eu tive que
acreditar nisso porque os sentimentos daquela mulher
eram totalmente incompreensíveis para mim.
Não. Mesmo se eu realmente acreditasse, ainda
assim, ela ainda era, compreensivelmente, uma pessoa
enigmática. Parando para pensar agora, acho que foi isso
que trouxe luz suficiente naquela chacota que era vida.
De qualquer maneira, ela, minha mãe, disse
tais palavras a mim em todas as vezes que ela teve
oportunidade.
“Se você fizer isso, você poderá ir para o céu.”
“Se você fizer isso, você não poderá ir para o céu.”
Céu, céu, céu.
E eu me irritava toda vez. Minha mente infantil era
alvo de constantes irritações. Acreditei que tais palavras
eram irracionais.
Eu não conseguia perdoar a minha mãe.
Era por isso que eu pensava “bem-feito” em todas
as vezes que via meu pai bêbado violentar a minha mãe.
Eu ficava aliviado.
Agora pode parecer tolice, mas... Quando criança,
eu gostava mais do meu pai do que da minha mãe.
Acreditava que o meu pai escória, insignificante e sem
esperança era melhor do que a minha nobre e orgulhosa
mãe.
Se a minha mãe era uma “doadora”, ou melhor,
uma “donatária”, eu diria que o meu pai era um
“tomador”.
Pensando bem, a conexão com a família Joestar,
um destino entrelaçado que já dura mais de cem anos,
o hábito de meu pai de roubar as coisas pode ter sido
o estopim de tudo. A verdadeira causa disso tudo foi
justamente o que ele tomou de George Joestar.
Eu nunca o vi trabalhando.

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Eu nunca o vi trabalhando ou ainda conquistando algo
por mérito próprio.
Através de jogatinas, fraudes e extorsão, ele
“tomava” dinheiro e comida das pessoas na cidade. Ele
nunca conquistou. Apenas tomava. Era o que ele fazia.
A maneira como ele viveu até o fim de seus dias o fazia
justamente o oposto da minha mãe.
E lá, naquela pocilga, era o meu pai que estava
certo. O estilo de vida do meu pai era honesto e correto.
Eu acreditava que o estilo de vida tão desinibido e
ardiloso do meu pai era legal. Não que eu o admirasse,
mas eu posso dizer que o respeitava.
Hoje eu vejo que era pura tolice, mas naquela
época eu não estava são. Por isso, eu achava que a
maneira como ele vivia era bastante engenhosa. Ele
sempre tomava dos fracos. E como resposta para tal
necessidade (ou não), ele derrotava as outras pessoas.
Para mim, uma criança inocente, não havia ninguém
mais forte.
Eu o assistia.
Ele era forte, engenhoso e ardiloso.
Naquela favela nojenta, saber que o meu pai era
alguém assim era o maior e único orgulho da minha
vida.
Mas minha mãe o repudiava.
Ela o criticava veementemente por isso.
“Por favor, querido. Pare. Vamos devolver todo o
dinheiro que você roubou. Você não deveria fazer isso. Se
continuar fazendo esse tipo de coisa, jamais irá para o
céu.”
Ela apanhou quando disse isso a ele.
Uma mulher tola que acabava sempre apanhando de
maneira tola.
Quando ela desmaiava, ele a chutava violentamente,
além de jogar garrafas de uísque nela.
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Eu só vim a descobrir isso depois, mas eu quase tive
um irmão ou irmã caçula que teria sido perdido graças
àquela violência.
É uma história cruel. É, de fato, uma história cruel,
não é? Com certeza, é.
Contudo, apesar de toda aquela violência diária, ela
seguiu firme até o seu fim.
No mais baixo patamar da sociedade, naquele
ambiente terrível, ela falava de justiça, ética e moral.
Ela tratava tudo isso com preciosismo, mesmo não tendo
nenhum propósito.
Eu queria que ela tivesse calado a boca.
Pelo menos, eu queria que ela tivesse feito vista
grossa para as ações de meu pai. Se ela tivesse feito
isso, teria escapado de ser violentada por tantas e
tantas vezes.
Não. Eu acho que era impossível de escapar do meu
pai em seu estado mais profundo de frenesi alcoólico,
não importa o que você fazia... Mas quando eu era
pequeno, sabendo disso, eu tentava ao máximo ficar
quieto e o mais longe possível quando ele estava bêbado.
Isso amenizava todo o dano que eu iria receber.
Uma criança foi capaz de perceber isso, mas a minha
mãe não. Ou melhor, ela fazia justamente o oposto.
Quando meu pai chegava em casa virado por causa de
tanta bebedeira, ela o repreendia.
“Você não deveria beber tanto uísque”.
Algo assim.
Ela dizia essas obviedades.
Ela sabia que iria apanhar e ainda assim ficava
dizendo esse tipo de coisa. O que mais você esperaria
por dizer tudo isso? Se parar para pensar, seria fácil
chegar a essa dedução simples. Vê-la tentando se
comunicar com o meu pai e sequer tentando se defender
de seu comportamento violento. Não existe palavra

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melhor do que hilário para descrever a situação.
É estranho.
Eu não posso fazer nada além de questionar tudo
isso.
Mesmo que fosse difícil de escapar dos xingamentos,
ela poderia ter evitado a violência. Então, por que não o
fazia?
Será que era justamente porque ela era uma tola,
assim como eu já a julgava? Será que é porque ela não
era tão inteligente?
Seria minha mãe uma idiota incorrigível?
Não era isso.
Agora que cem anos se passaram, eu sei que não era
nada disso.
Agora que aprendi sobre o mundo de fora que naquela
época era chamado de futuro.
É verdade que a minha mãe era inteligente e recebeu
a devida educação. Mesmo naquela pobreza, onde eu
raramente conseguia ir à escola, foi ela quem me
ensinou mais coisas do que uma professora poderia ter
ensinado.
Foi porque eu tive uma educação básica que
eu posteriormente consegui viver com tamanha
determinação. E eu nunca agradeci à minha mãe
por isso enquanto ela estava viva. Contudo, eu nunca
imaginei que tal educação teria algum propósito, mas se
não fosse por isso, eu duvido que eu tivesse conseguido
viver no tão refinado lar dos Joestar.
Eu nunca dei muita bola para a linhagem da minha
mãe, mas quando fui investigar, descobri que aquela
mulher veio do mais alto escalão da sociedade.
Se quiser saber, aquela elegância, dignidade e
devoção jamais teriam nascido na pobreza. Tais
qualidades são consequências de uma vida luxuosa,
mas por que uma mulher como aquela se casaria com

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um pai como o meu ou por que ela terminaria nessa
cidade miserável? Tais questões nada mais são do que
mistérios.
Falando nisso, meu pai, em meio à bebedeira, me
contou uma coisa. Algo sobre ele ter fugido com
a minha mãe. E me perguntava baboseiras como:
“acredita nisso de amor e paixão?”. Eu ignorava o que
acreditava ser demagogia de um bêbado, mas eu não sei
até que ponto era ou não a verdade. Eu ignorei porque
era, de fato, uma história muito difícil de engolir, mas
mesmo que eu não possa confirmar, talvez não tenha
sido tanta baboseira assim.
Talvez, alguma vez na vida, aquele meu pai tenha
dito alguma verdade, mas eu não tenho como descobrir
isso agora.
“Dio, não culpe o seu pai. Ele é uma pessoa muito
gentil. Ele só não deveria beber tanto. Caso ele
parasse, tenho certeza de que seu pai iria trabalhar
honestamente”.
Agora, isso sim era baboseira, penso eu. Minha
mãe dizendo essas besteiras de maneira tão séria... Eu
me segurei ao máximo para não gargalhar. Queria ter
perguntado como ela conseguia ser tão tola.
Ele? Uma pessoa gentil?
Se ele parasse de beber?
Como alguém em sã consciência era capaz de dizer
asneira como essa? Tudo o que eu pude pensar é que ela
tinha ficado louca depois de apanhar tanto.
Se alguém acreditar nessa história, talvez até
dissessem que são um casal perfeito. Só que não importa
como você os interpreta, os dois formavam o casal mais
improvável do mundo.
Para a minha mãe, viver como a esposa de um
homem tão baixo como o meu pai era o principal motivo
de fazer o bem. Aquele objetivo de ir para o paraíso.

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Tudo aquilo não passava de tortura.
Ou talvez fosse a coisa mais caridosa do mundo que
alguém poderia ter feito.
Talvez ela tivesse pensado que se aproximar de meu
pai, permanecendo casada com ele até o resto de sua
vida fosse uma missão designada a ela por Deus. Ou algo
assim.
É uma hipótese bastante audaciosa. Eu não tenho
nada que a confirme, mas se era isso mesmo, eu jamais
poderia entender.
A vida dela era incompreensível.
Era a piada da cidade, mas ainda assim tentou
ajudá-lo. Era violentada por ele, mas ainda assim,
tentou sustentá-lo.
Todos os dias, ela trabalhava à beira de entrar em
colapso. E eu esperava pelo dia quando isso realmente
aconteceria. Eu realmente não consigo entendê-la.
No fim das contas, ela conseguiu chegar ao paraíso?
Eu acho que não.
Ela não iria a lugar algum.
Ela não tinha para onde ir. E não tinha para onde
voltar.

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2
Deve existir alguma maneira de chegar ao paraíso.
Eu comecei a refletir sobre o assunto em algum
momento da minha vida.
E Eu não era mais uma criança quando isso
aconteceu... Pode ser também que o paraíso ao qual eu
me refiro talvez nem seja o mesmo àquele a minha
mãe se referia. Contudo, eu parei para pensar nisso em
algum momento da minha vida.
Eu sei que eu fui vago ao dizer “algum momento”,
mas não era porque eu não tinha certeza de quando foi.
Nada disso, eu tinha certeza de quando aconteceu.
Foi quando Enya, aquela bruxa, presenteou-me com
o “Arco e Flecha” e eu desenvolvi a minha Stand, “The
World”. Ou melhor, quando ela foi finalmente despertada.
“A habilidade de controlar o tempo”.
Como se as engrenagens de meu cérebro tivessem
entrado em funcionamento no mesmo momento em que
aquela habilidade, que se mostrou incrível até para mim.
Eu fui convencido. Não, talvez “convencido” não seja
a palavra certa, mas digo que facilitou muito a minha
compreensão.
Naquele ponto, era apenas especulação.
Mas eu pensei sobre isso.
Eu pensei.
Que talvez existisse uma maneira de chegar ao
paraíso. Eu passei a pensar nessa maneira.

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Por isso, quando eu disse “algum momento”, era
porque, parando para pensar, eu já buscava há muito
tempo o caminho para o paraíso, mesmo que eu só tenha
começado a pensar conscientemente naquele instante
em específico.
Meu propósito.
Cheguei a pensar, inclusive, que só estava vivo por
causa desse propósito.
Achei que era o meu objetivo de vida.
Acreditei que os quatro anos que passei na superfície
depois de passar quase um século submerso era tudo
porque eu estava predestinado a encontrar o paraíso.
Eu preciso ver o paraíso.
Eu preciso chegar ao paraíso.
Foi isso o que eu pensei, não? Então, eu só comecei
a raciocinar claramente sobre o assunto quando eu
despertei a minha Stand.
Que talvez existisse uma maneira de chegar ao
paraíso.
E eu a procurei.
Talvez seja pela minha mãe. Seria pela minha tola
mãe que eu estou tentando chegar ao paraíso? Talvez eu
queira vê-lo só para esfregar na cara da minha mãe?
Não. Isso é errado. Absolutamente errado.
Isto é, a minha mãe era tola. Uma irrecuperável e
incorrigível tola.
Ela viveu daquela maneira.
Não me espanto que ela tenha morrido.
Seja porque ela possa ter morrido de trabalhar tanto
ou ainda porque ela pode ter sido vítima da violência
rotineira aplicada pelo meu pai. E mesmo que não fosse
por esses motivos ou quaisquer outros, com o estilo de
vida daquela mulher, seria mesmo impossível que pudesse
viver por muito tempo.

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Ela morreu enquanto era ridicularizada.
Ela morreu enquanto era espancada.
Mas mesmo assim, ela nunca culpou ou brigou com
alguém. E foi assim até o fim.
“Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e
viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar
no céu”.
Uma ideia totalmente implausível, no fim das contas.
Mesmo em seu leito de morte, era o que ela me
dizia.
Eu sinceramente acho que fazer uma coisa dessas
era algo realmente pecaminoso.
Isto é, ela dizia isso para mim, mas... Forçar o seu
filho a agir daquela maneira, sabendo que ele seria alvo
de abuso, assim como ela, era meio caminho para o
inferno.
Comparado a isso, acredito que meu pai era mais
honesto.
Ao menos para os parâmetros daquela cidade.
“Pegue o que quiser”.
“Roube”.
“Alimente-se ao custo dos outros”.
Aquilo era o correto.
Verdadeiramente correto. Eu não tinha objeções.
Comparado àquilo, todas as fantasias ditas pela
minha mãe... O que eu queria aprender não eram
ladainhas sobre Deus, mas sim práticas que poderia ter
usado para sobreviver dia após dia.
É claro, eu acabei dizendo a ela.
Que o paraíso não existe.
E que onde estávamos era inferno. E era a única
coisa que realmente existia.
Minha mãe, então, esboçou uma reação de tristeza:
“Você não entende porque é apenas uma criança.

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Quando crescer, estou certa de que entenderá”.
Ela disse:
“O céu existe. E existe uma maneira de chegar lá.
Assim, deveríamos viver com o propósito de um dia,
alcançá-lo”.
Por quê?
Mesmo se existisse um céu, por que eu deveria viver
com o intuito de um dia chegar nele? E ficar falando
que eu era apenas uma criança não seria o suficiente
para me convencer. Com uma criança, justamente por
ser uma criança, o único jeito de encerrar um assunto
é com violência.
Ainda, para uma criança como aquela, uma criança
que não entendia nada, forçá-lo a tal era inútil, penso
eu.
E ainda acho.
A maneira da minha mãe de repreender os outros
era anormal.
Ela nunca demonstrou nenhum sinal, mas eu imagino
se ela se sentia emocionalmente abalada. Viver de forma
tão dolorosa, no escalão mais podre da sociedade...
Talvez viver do jeito que ela vivia fosse a única maneira
de se sustentar emocionalmente. É um pensamento
plausível.
“Céu”. Era essa a palavra chave.
Se esse era o caso, assim como eu pensei, ela
não passava de uma tola. A única dedução é que a
violência diária e o estômago vazio tenham abalado sua
capacidade de raciocínio.
Se ela tivesse vivido mais, comigo um pouco mais
velho, eu teria usado a lógica para convencê-la e livrá-
la daquela maldição, em vez de apelar para a violência,
assim como o meu pai.
Não, tenho certeza de que seria capaz e fazer isso.
Eu teria dito que o estilo de vida dela era um erro.
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Eu teria conseguido convencê-la.
Mas a realidade é que eu não passava de uma
criança. E sua morte aconteceu de forma abrupta.
Nós a enterramos depois de um velório barato. Eu
duvido que ela tenha alcançado o paraíso. E mesmo no
dia do velório, meu pai acabou se embebedando.
“Você não pode se lamentar pelo que já morreu. Você
acha que um funeral apropriado irá trazer os mortos de
volta à vida? Seu idiota...”.
Era a opinião do meu pai. E eu acreditava que aquele
ponto de vista era o correto.
Eu não fiquei triste.
Ainda, senti-me aliviado.
Era o melhor para a minha mãe, pensei.
Sim, o melhor.
Ela finalmente faleceu.
Finalmente pôde descansar, era o que eu achava.
Mesmo assim, não acho que ela tenha chegado
ao paraíso. Contudo, escapar do inferno talvez seja o
suficiente.

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3
E, infelizmente, eu não acho que eu posso chegar ao
paraíso.
A essa altura do campeonato, eu já vi que não tenho
mais chances.
Eu procuro uma maneira de chegar lá. Já tenho
meio caminho andado com a minha Stand, “The World”,
uma passagem só de ida para o paraíso, mas se eu ficar
estagnado como estou agora, não acredito que posso
concluir meu objetivo.
É a minha conclusão sobre o assunto.
Contudo, eu não estou desistindo, embora seja
forçado a admitir que é uma tarefa árdua. Será muito
mais difícil alcançar o paraíso usando somente a minha
própria força.
Eu preciso de um amigo. Alguém em quem posso
confiar.
Ele deve ser um humano capaz de controlar seus
próprios desejos.
Ele deve ser um humano sem um desejo insaciável
por poder, fama ou luxúria. Ele precisa acreditar nas
regras de Deus e colocá-las sempre acima das regras
dos homens. Serei eu, Dio, capaz de encontrar alguém
assim?
Alguns até o chamariam de minha própria antítese.
Não, eu preciso conhecê-lo.
Eu preciso conhecer um amigo assim.

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É o motivo de eu estar escrevendo neste caderno.
Como uma preparação para quando encontrá-lo.
“Como chegar no céu”.
E não importam quais sejam os eventos pelos quais
eu esteja predestinado a passar, estou escrevendo
utilizando todo o meu poder de persuasão para deixar
registrado o meu sucesso ou fracasso nessa empreitada
de descobrir o “caminho para o paraíso”.
Deixar registros como estes para trás é algo
realmente perigoso. Se este caderno cair nas
mãos de, por exemplo, alguém como o meu antigo
inimigo, Jonathan Joestar, eu estaria numa situação
desfavorável.
Eu não quero que tais indivíduos tenham
conhecimento de meu objetivo.
Se “ele” ou “eles” o souberem, tentariam se
certificar de que eu não o alcançaria... É claro, se
eles tentarem interferir, tudo o que tenho que fazer
é encontrá-los e derrotá-los, mas eu não estou em
condições para tal.
Ainda não me acostumei a este corpo que roubei de
Jonathan Joestar há cem anos.
Em uma única palavra, digo que estou “instável”.
Com a minha Stand, “The World”, eu tenho certeza
de que posso derrotá-los facilmente, mas como faço
questão de deixar nítido, eu coloco meu orgulho acima
de tudo e, assim, admito o quão humilhante foi a minha
derrota há cem anos.
Então, deixar registros sobre “como alcançar o
paraíso” é excessivamente perigoso, mas é um risco que
eu estou disposto a correr.
Isso não é algo que se restringe aos meus
pensamentos, que somente eu posso compreender. É
necessário organizá-los e escrevê-los para que o amigo
que eu ainda estou para conhecer consiga compreender o

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meu método.
Assim, mesmo se eu deixar de existir, tal
procedimento ainda poderá ser executado.
Segurar uma caneta para escrever é algo que não
faço há muito tempo. Talvez eu acabe fazendo algo
além de simplesmente organizar meus pensamentos.
Como eu posso colocar... Ah, sim... Isso me lembra de
meus dias como um estudante. Meus dias como um
estudante que fingia ser amigo de Jonathan.
Realmente, ainda existem muitas coisas que eu
preciso colocar em pauta.
Eu provavelmente terei que circundar o mundo atrás
de meu ainda desconhecido amigo. E terei que fazer isso
sozinho. Cem anos podem ter se passado... Mas mesmo
neste admirável mundo novo mundo, encontrar alguém
com um espírito tão puro não é uma tarefa fácil.
E conquistar a afeição de uma pessoa tão pura assim
será ainda mais complicado. Eu não posso transformá-lo
em zumbi ou colocar um parasita nele. Precisa ser “uma
pessoa em quem eu possa depositar a minha fé”. Algo
que vai totalmente contra os meus princípios... Prevejo
obstáculos nauseantes atrapalhando minha empreitada.
É por isso que tais registros se tornam necessários.
Registros objetivos.
Um ponto de vista que não é baseado essencialmente
em minhas opiniões.
Se eu colocar tudo no papel, talvez eu note o que
talvez tenha me passado despercebido.
Ainda assim, por enquanto, eu manterei esse
caderno em segredo para qualquer um de meus
seguidores, principalmente para Enya. Aquela velha não
compreenderia.
Eu consigo ouvir a velha Enya gritando: “Baboseira.
Você jamais deveria fazer uma coisa assim”. Eu disse
àquela velha que o meu objetivo é dominar o mundo... É,

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isso é algo que eu estou predestinado a fazer.
Parando para pensar, acredito que seja mesmo
verdade. Pelo menos, é impossível que outra pessoa que
não seja eu, Dio, fosse capaz de alcançar tal objetivo. A
Stand “The World”, minha Stand, parece ser o tipo de
habilidade que existe somente para tal propósito.
Mas não é verdade.
Um corpo invencível, grandes riquezas ou estar
acima de toda raça humana não são suficientes para se
conquistar a verdadeira felicidade.
Nem a minha vitória absoluta é suficiente.
O verdadeiro vitorioso é aquele que vislumbrou o
paraíso.
Pouco me importa os sacrifícios necessários, eu
chegarei lá.
Mesmo que tenha que abrir mão de meus seguidores
ou ainda de minha própria Stand.
Posso não trilhar o mesmo caminho que ela...
Mas eu alcançarei o paraíso que um dia minha mãe
almejou, mas não o conseguiu.

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4
Minha mãe era tola.
Tenho certeza disso.
Anteriormente, eu escrevi: “agora que cem anos se
passaram, eu sei que isso era errado”. Contudo, eu não
consigo dizer que ela não era uma tola incorrigível.
E ainda assim, meu pai era alguém cuja tolice
conseguia ser maior do que a da minha mãe. Um tempo
depois que a minha mãe morreu... Não, pensando
melhor, nem foi tanto tempo assim... Ele redirecionou
contra mim todos os abusos que ele cometia contra ela.
Ele me batia todos os dias.
Eu era uma criança, então é óbvio que eu era punido
quando cometia erros infantis. Contudo, mesmo quando
eu obtinha sucesso em algo complicado até para uma
criança, por algum motivo, eu apanhava ainda mais do
que quando errava, a ponto de começar a sangrar.
Era como se ele pensasse que abusar de uma criança
fosse um ritual diário.
Eu já até ouvi pérolas do tipo: “Pode bater nos seus
filhos. Mesmo que você não saiba o motivo, a criança irá
saber de alguma coisa”. Quando eu era pequeno, eu não
entendia nada disso.
Não, na verdade, eu entendia sim.
Eu entendia que não havia motivo algum.
Meu pai era o tipo de homem que impunha sua
vontade sobre os fracos para afirmar sua própria
soberania.
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Minha mãe era tola. Uma verdadeira e incorrigível
tola. Mesmo que ela não fosse. Mesmo se ela fosse
alguém cuja personalidade condissesse com aquele fim
de mundo onde morávamos, tenho certeza de que meu
pai acabaria achando algum motivo para impor-se sobre a
minha mãe.
Eu tinha certeza de que a minha mãe apanhava
porque ela estava errada. Porque ela era tola. Mas tudo
isso não tinha nada a ver com o motivo real. E aquilo
o que eu disse sobre ela ficar quieta para amenizar as
surras o resultado... Bem, acho que o resultado não
seria tão eficaz.
Então, ele começou a me bater sem motivo algum.
Ele estava sempre irritado.
Ele estava sempre de mau humor.
Ele era tão violento que era incapaz de descontar
sua raiva em alguma coisa.
Atrás de zumbis poderosos, acabei encontrando
pessoas realmente cruéis, como Jack, o Estripador, mas
mesmo comparado a uma celebridade como aquela, meu
pai não ficava para trás.
Ele era um bandido.
Ele era escória, mas só de pensar no quão poderoso
ele seria caso eu tivesse o transformado em zumbi,
acabo reafirmando a certeza de que eu, Dio, era seu
filho.
E pensar nisso é algo extremamente desconfortante.
De qualquer maneira, aquele homem era um tolo que
se sentia inferior até mesmo perto de sua mulher e seu
filho. Não seria estranho caso ele fosse assassinado,
depois de uma vida tão violenta.
Eu trabalhava, trabalhava, arrecadava uns trocados e
os usava para comprar mais uísque ao meu pai. Era assim
que eu escapava de seus abusos.
Isto é, quando ele bebia, ficava ainda mais

28
violento. Contudo, se você ignorasse esse fato e
não interrompesse o suprimento de bebida, ele
eventualmente acabaria em coma alcoólico.
É claro que ele não poderia me violentar caso
estivesse dormindo.
Ainda assim, eu era uma criança.
Mesmo que eu chamasse de trabalho, é claro que não
era um emprego de verdade. Aquele vilarejo selvagem
se sustentava dentro de seu próprio sistema primitivo.
Mesmo que não fossem empregos de verdade, havia
bastante serviço disponível.
Como sempre me passavam a perna por ser
criança, eu não conseguia juntar muito dinheiro. No
entanto, caso eu percorresse a cidade apostando, eu
acabava conseguindo o suficiente para comprar aquelas
quantidades absurdas de bebida.
Foi aí que eu acabei colocando em prática os
ensinamentos que recebi de minha mãe.
A educação que me foi dada quando eu era muito
pequeno foi usada primeiramente em apostas. Tenho
certeza de que não era isso o que ela queria, mas ainda
assim, era uma situação muito irônica, já que pela
primeira vez, eu me sentia grato por ela.
Acredito que seja graças a ela que eu consegui
sobreviver até hoje.
Foi a primeira vez que apreciei os seus
ensinamentos.
Meu próprio pai não conseguia juntar tanto dinheiro
quanto eu, então quando seu filho lhe trazia bebida, ele
acabava ficando irritado e me surrava. Só que para aquele
bebum, o uísque era prioritário. Assim, ele foi, aos
poucos, parando de me bater.
Foi quando pensei: “Minha mãe estava errada”.
Era o que a minha mente infantil pensava.
Mesmo quando eu me sentia grato por toda a

29
educação que me foi concebida por ela, ainda acreditava
que a minha mãe era tola e que continuava errada.
Não importa o quanto eu a menosprezava, seus
sentimentos humanos a impediam de largar o meu
pai. E eu dividi tais sentimentos com ela. Eu acredito
que, mesmo quando criança, tal atitude não era do
meu feitio. E eu não queria admitir que aquilo fosse
necessário para ir ao céu, mas hoje eu admito.
“Eu estava certo, minha mãe estava errada.”
“Se o pai parar de beber, ele vai ser uma boa
pessoa?”
“É justamente o contrário, quanto mais ele beber,
mais gentil ele fica, não?”
Eu acredito que eu tenha sido um tolo por pensar
nessas coisas. Talvez não igual ao meu pai, mas igual à
minha mãe.
Um erro infantil. Uma besteira que cometi quando eu
era criança.
Descobrir que não ser repreendido pelo seu pai o
tornava uma pessoa boa... Cômico. Para o pequeno Dio,
contudo, era uma descoberta magnífica.
Como consequência, acabei forçando meu débil e
infantil corpo a quantidades inacreditáveis de trabalho
duro só para conseguir comprar a cachaça para o meu
pai. Foi assim até eu ficar um pouco mais velho.
Estou ficando cansado.
Vou parar de escrever por hoje.

30
5
Achei um usuário de Stand interessante.
Um apostador. Seu nome é Daniel J. D’Arby.
É um homem que vive de apostas. Depois de conversar
um pouco com ele, tive certeza de que ele é um usuário
de Stand.
É estranho, mas eu já sabia disso.
De alguma maneira, eu consigo sentir se a pessoa
com quem estou falando é um usuário de Stand ou não.
Mesmo se não for, consigo identificar se o indivíduo em
questão tem talento para tal. É uma intuição inexplicável.
Eu simplesmente sinto, de uma maneira bastante clara.
Em outras palavras, consigo afirmar se tal indivíduo
é apto para ser agraciado com um tiro da “Flecha”. Eu
posso estar delegando o serviço de angariar seguidores
à velha Enya, mas reunir colegas que sejam úteis na
empreitada de alcançar o paraíso é um trabalho que deve
ser feito apenas por mim, Dio, agindo como o meu próprio
supervisor.
Se alguém interessante surgir, eu entro em ação.
Daniel J. D’Arby.
Eu preciso falar com ele mais uma vez.
Talvez seja ele o meu ainda desconhecido amigo. Não,
eu apenas devo estar criando falsas esperanças.
Um apostador como ele não deve portar uma alma pura.
Contudo, talvez ele possa ser um dos alicerces em
meu propósito de chegar no paraíso.

31
6
Decidi que ia matar o meu pai quando ele vendeu o
vestido da minha mãe e usou o dinheiro para comprar
mais uísque.
Até então, é provável que eu até tivesse depositado
algumas esperanças em nele... Talvez, algumas
expectativas.
“Algum dia, este homem irá mudar.
Indiscutivelmente, ele acabará entendendo”. No fundo,
eu não tinha motivos para pensar assim. Talvez eu
estivesse esperando por alguma atitude paternal, ou
ainda, pelo menos alguma atitude humana.
Agora que um século se passou, é complicado tentar
me lembrar dos meus sentimentos naquela época. Só me
recordo de que tive inúmeras oportunidades de matar
aquele homem.
Vivíamos na mesma casa e ele passava o dia
todo dormindo. Se eu tivesse uma faca, até poderia
apunhalá-lo, mesmo sendo apenas um garoto de cinco
anos.
O motivo de eu não ter feito isso... É porque eu ainda
via aquele homem como o meu pai, mesmo que eu não o
amasse, de fato.
Contudo, eu estava errado.
Aquele homem não passava de escória.
Ele não era um pai. Ele era um lixo humano.
Mesmo depois de um século, ainda é extremamente
desagradável chamar aquele homem de meu pai. Eu
32
só o vejo como mais uma vítima... Prefiro, de longe,
considerar George Joestar como meu pai.
Então, aquele homem tentou vender o vestido da
minha mãe.
Não, ele, de fato, o vendeu.
Eu teria me oposto, mas quando eu tirei meus olhos
dele por apenas um minuto, aquele homem inútil o levou
para uma loja de penhores.
Era um vestido velho e não lucrou muito em cima
dele.
Mas aquele homem vendeu as memórias de minha
mãe por uma garrafa de uísque... Não, aquele homem
não devia possuir nenhum tipo de recordação.
Calhou apenas de aquele vestido encostado no fundo
do guarda-roupa ter sido vendido. É isso. Como se ele
tivesse pegado uma moeda que caiu do bolso de alguém.
Sim.
Aquele homem era um inútil.
Ele não era bom.
Eu percebi isso.
Das profundezas de meu ser, eu acabei percebendo
isso.
Foi por isso que eu decidi matar o meu pai... Não.
Para ser honesto, seria difícil mesmo afirmar com
certeza de que eu tomei uma decisão dessas por causa
disso, mesmo para mim. Na verdade, eu me sentia
como se estivesse esmagando um inseto com um livro.
Se bem que assim eu estaria me comparando com um
mero dedetizador... Mas parando para pensar... Se me
perguntarem o motivo de ter demorado tanto para matar
aquele homem, eu não sei responder.
Trabalhar duro, dia após dias, para receber dinheiro
e usá-lo para comprar bebida e remédios resulta num
sentimento frustrante. Acima disso, vergonhoso.

33
Eu havia cometido um erro.
Foi o que pensei.
Meu pai era um “tomador”.
Minha mãe era uma “doadora”. E meu pai, um
“tomador”.
Foi o que eu compreendi.
Eu compreendia ao mesmo tempo em que não
compreendia.
Tudo que ele tomava, vinha de mim.
Eu vivia sob o mesmo teto que meu pai e acreditava
que estava me saindo bem em suportá-lo em minha luta
diária pela sobrevivência. Contudo, eu estava errado.
Eu estava simplesmente sendo explorado por ele.
Eu finalmente percebi que ele estava tirando
vantagem de mim e que eu estava sendo tratado como
se fosse um escravo.
Demorou, mas eu percebi.
Não... Talvez eu não tenha demorado tanto. Acho
que foi bem na hora certa.
Foi por isso que eu decidi fazer isso.
Eu decidi matar o meu pai.
Naquela época, porém, eu não era mais um moleque
de cinco anos de idade. Eu não poderia fazer algo
impulsivo como empalá-lo no estômago com uma faca
enquanto ele dormia.
Mesmo num local anárquico como aquele, sem leis
ou ordem, matar o próprio pai ainda era um crime
imperdoável. Ainda assim, eu não pretendia dedicar o
resto da a minha vida àquele homem.
Não. Eu já havia jogado fora mais de dez anos da
minha vida por ele. Eu não iria perder mais tempo com
ele.
Com este intuito, eu passei a pesquisar métodos de
cometer um assassinato. Já que eu ia fazer uma coisa

34
dessas, teria que ser um crime perfeito.
Eu ainda era uma criança, mas eu já conseguia me
virar sozinho. Eu tinha total consciência do que estava
fazendo. Era por isso que eu não podia abdicar do resto
da minha vida.
Eu não iria matá-lo impulsivamente. Eu precisava
planejar.
É por isso que eu tive de pensar.
Eu tive de pensar em alguma maneira de matar o
meu pai.

35
7
Pode parecer pessimismo de minha parte, mas como
eu previa, D’Arby não é o ainda não encontrado amigo
que procuro.
Não é o amigo em quem eu posso confiar cegamente.
Sua avareza é muito profunda... De meu ponto de
vista, tal avareza é uma qualidade indispensável para
um apostador, mas essa não é uma característica de
alguém que pode chegar ao paraíso.
Eu imagino se ele realmente existe...
Se um amigo futuro assim, com um coração tão puro,
existir nesse mundo... Não.
É possível que eu já tenha o conhecido, mas ainda
não percebi. Parando para pensar, alguns nomes me
vieram à mente, mas não consigo escrevê-los aqui com
a mínima certeza.
Hum.
Mas é melhor eu já começar a tomar alguma
abordagem sobre isso. Se chegarmos a um impasse,
talvez não fique tarde para começar a mudá-la ou, caso
contrário, eu começaria a ficar deprimido.
Contudo, nenhum esforço foi em vão até agora.
Como eu esperava, aproximar-me de D’Arby trouxe
bons resultados. É claro que eu consegui transformá-lo
em um subordinado, mas sua Stand me deu uma dica.
O nome dela é “Osíris”.
Não é uma alusão ao tarô como o meu “The World”

36
ou à “Justice” de Enya, mas seu nome é derivado de
um dos nove gloriosos deuses egípcios, como é o “Geb”
de N’Dour.
A stand “Osíris” não é poderosa.
Sendo mais preciso, ela não tem utilidade em
combate mano a mano. Eu não precisaria nem usar o
“The World” para matar D’Arby. Seria só usar a minha
força bruta. Ou ainda, minha força bruta proveniente de
meus poderes vampirescos.
Mas o que vale é como ele usa sua Stand. Mesmo
eu, Dio, não seria capaz de derrotá-lo. Isso é porque a
“Osíris” de D’Arby não possui força bruta ou velocidade,
mas tem uma técnica especial.
Sua Stand é capaz de manipular almas.
É possível usá-la para extrair a alma de quem perde
alguma aposta para D’Arby. Não preciso dizer que é uma
habilidade realmente incrível.
Como ele é um jogador, depois de extraída, a alma se
torna uma ficha de cassino. Sinceramente, eu vejo isso
como um ato desnecessário, mas eu nunca imaginei que
existisse uma Stand fosse capaz de tocar uma alma.
E existe algo mais que atiçou a minha surpresa.
Parece que ele tem um irmão caçula que também é o
mestre de uma Stand capaz de manipular almas. Parece
que ambas as técnicas não são resultados da flecha.
Eles nasceram usuários de Stand. Talvez a linhagem
tenha alguma influência.
Eu preciso investigar para ter certeza, mas por ora,
vamos dizer que são mesmo “almas”.
Com aquelas Stands, é possível reunir trinta e seis
almas.
“Pelo menos trinta e seis almas que tenham cometido
crimes hediondos” são necessárias para alcançar o
paraíso.
Eu vou entrar em detalhes mais tarde sobre o motivo

37
de ter especificado um número tão exato como “pelo
menos trinta e seis”. Se você quiser saber o motivo de
eu estar atrás de almas criminosas, digo que é porque
esse é o tipo mais poderoso de alma.
Foi o que aprendi há cem anos, porque quanto mais
diabólica fosse a alma, mais poderoso era o zumbi
criado. A alma de um criminoso detém um grande
poder.
Eu sustento a hipótese de que esse é o poder de
querer alcançar o paraíso. “Eu quero alcançar o paraíso”
é o mesmo que querer alcançar a verdadeira felicidade.
E isso aumenta a força da alma.
Outro dia eu conheci um garoto chamado Kakyoin
Noriaki e eu o transformei em meu subordinado. Ele
tem uma teoria interessante de que a maldade está
naquele que perde o conflito. Eu não concordo muito com
isso porque a maldade de alguém está em sua maldita
alma, a mesma que os deixa sedentos pela vitória. A
vontade de chegar ao paraíso e ser feliz. O desejo de
ser o maior vitorioso que existe. De qualquer forma, eu já
trombei com o paraíso.
Eu trombei com o paraíso, mas segui por outro
caminho. É de extrema importância que ninguém
descubra isso.
Falo da Enya e seus seguidores, mas isso também de
aplica aos irmãos D’Arby.

38
8
Eu o envenenei.
É lamentável que o meu instinto assassino tenha
enfraquecido em mim, mas ele não passa de um
inexpressivo sentimento de autossatisfação. Eu não mato
por querer me sentir bem.
“Raiva” ou “ressentimento” não foram os motivos de
eu ter matado o meu pai. E eu certamente não o matei
para me sentir “satisfeito”.
Eu só dei conta dele.
Sim. Dei conta. Definição perfeita.
Como se fosse uma tarefa doméstica.
Eu fiz o que tinha que fazer. Não existia espaço para
emoções supérfluas.
E isso foi crucial para poder me certificar que meu
ato não traria nenhum problema em minha vida. Não
havia nada mais importante para mim do que a vida que
eu pretendia ter a partir de então.
“A vida que eu pretendia ter”. Era irônico alguém
naquela vida miserável como a minha pensar em algo
otimista assim. É irônico. Mas não importa o motivo, o
que importa mesmo foi o fato de eu ter o envenenado.
Graças ao seu alcoolismo, meu pai acabou adoecendo
e teve que ficar de cama. Eu, educadamente, preparava
o seu remédio e atendia a todos os seus caprichos.
Aí eu troquei o remédio por veneno.
Ninguém iria suspeitar de mim desse jeito.

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Um filho dedicado, algo raro em uma pocilga como
aquela – em outras palavras, atitude compreensível se
vinda do filho daquela mulher tola – tomou conta até o
fim de seu pai que acabou sucumbindo à doença.
Seria essa a impressão que eu queria causar.
É claro que eu não poderia cometer nenhum erro em
relação ao veneno usado. Tive de me certificar de que
não seria descoberto ou ainda, não deixaria quaisquer
evidências.
Poderia ser feito de forma gradual, ao longo de
meses.
E tal forja seria fácil de adaptar caso acontecesse
algum imprevisto. Por isso, eu regulava meticulosamente
a quantidade de veneno a ser usado. Às vezes, até o
misturava com farinha comum. Eu tinha que administrar
o tempo e matá-lo aos poucos.
Eu tive sorte.
Numa cidade próxima, havia um local pior do que
aquele em que eu vivia. Um lugar conhecido como
Ogre Street. Eu ouvi dizer que existia um chinês que
negociava alguns entorpecentes orientais de precedência
duvidosa. Se eu usasse alguma droga oriental
desconhecida no ocidente, seria capaz de matar o meu
pai sem deixar quaisquer evidências de meu crime e
evitar qualquer problema no futuro.
Quando cheguei a tal conclusão, aí sim que eu fiquei
“aliviado”.
Eu me senti salvo, por algum motivo. Talvez eu esteja
falando isso só porque estou escrevendo nesse caderno.
Talvez seja resultado de algum sentimentalismo barato,
mas...
Eu senti que poderia alcançar o paraíso.
“Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e
viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar
no céu”.

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Foram os ensinamentos da minha mãe. Ensinamentos
que eu considerava pura burrice acabaram vindo à tona.
Naquela época, eu senti que envenenar o meu pai
até a morte era um ato que resultasse em minha ida ao
paraíso.
Achava que matar o meu pai era o ato mais nobre e
orgulhoso que eu iria realizar.
“Achava”?
Não, eu estava convicto disso.
De que se eu matasse o meu pai, iria chegar ao
paraíso.
Eu estava certo de que eu pegaria de volta tudo que
me foi tirado. Eu hoje olho para trás e vejo o quanto
estava errado.
Aquilo não era nada além do início.
O início da épica epopeia da minha vida. Não era nada
além do começo de uma caminhada que até hoje não
enxergo a linha de chegada.

41
9
A você que está lendo meus registros, meu amigo
ainda não encontrado cuja identidade eu ainda
desconheço, tenho uma pergunta.
Você se lembra de quantos pedaços de pão você comeu
em sua vida?
Eu não.
É incontável o número de vidas que precisei tirar para
sustentar este corpo imortal. Não que eu realmente
tenha algum dia tentado contá-las.
Por sorte, o sangue de jovens donzelas é mais
eficiente em sua tarefa de recuperar as minhas forças.
Por conta disso, talvez seja esse o perfil de grande
parte das vidas que foram sacrificadas, embora eu não
consiga fazer alguma estimativa precisa.
É claro, nenhum indivíduo jamais contou quantos
pedaços de pão consumiu em sua vida. Contudo, eu me
lembro do gosto do primeiro.
Meu primeiro pedaço de pão.
A primeira vida que tirei.
Dario Brando. Meu pai.
E aquele não passava de um pedaço de pão mofado.
Agora que eu tenho noção da modernidade, afirmo
que o material chamado isopor tem o gosto mais próximo
do pedaço de pão que era meu pai.
Matar uma pessoa com total sigilo usando uma
droga oriental não causa uma sensação de realização.

42
Mesmo quando meu pai morreu, eu não senti nenhuma
satisfação.
Apenas um resquício de dúvida.
“Era mesmo necessário matá-lo?”
“Existia mesmo alguma necessidade de que eu, Dio,
suje minhas mãos?”
Foi o que eu pensei.
Alguma coisa nessa linha de pensamento.
Ele bebia tanto não ia mais viver por muito tempo.
Seu corpo já estava podre.
Mesmo se eu não tivesse o envenenado. Mesmo se
eu tivesse apenas deixado de medicá-lo, deixando de
trabalhar e, por consequência, deixando de receber o
dinheiro para comprar o remédio talvez fosse suficiente.
“Esqueça o remédio! Vá comprar minha bebida”, era o
que ele dizia.
Se eu tivesse obedecido meu pai, ele teria morrido em
alguns anos. Por que eu não esperei mais um pouco?
Talvez porque eu estivesse atrás de algum alívio
imediato. Deve ter sido isso. Não importa o quão
seca fosse a sensação de matá-lo, eu queria apenas
assassiná-lo com minhas próprias mãos.
Talvez porque eu pensei que fazendo isso, eu iria
conseguir a minha passagem só de ida até o paraíso.
Se for mesmo esse motivo, então no fim eu acabei
acreditando que era mesmo o meu fardo e assumi a
tarefa de matar o meu pai.
Só que tudo o que eu consegui foi um vazio.
Meu pai morreu.
Ele simplesmente morreu. Como um inseto.
O efeito daquela droga asiática miraculosa foi notável.
Meu pai morreu exatamente no dia em que previ. Nem
um dia a mais, nem um dia a menos.
Ninguém suspeitou de mim.

43
Nem o meu pai suspeitou de mim.
Era o crime perfeito. Estava confiante o suficiente
para chamá-lo assim.
Eu comi aquele pão.
Mas não me senti satisfeito.
Era um pedaço insípido. Eu me sentia forçado a
comê-lo.
Meu pai tomou tudo o que era meu por mais de dez
anos. E ainda assim, eu me sentia faminto. Eu continuei
faminto.
Matar o meu pai só me deixou com mais “fome”.

44
10
Se usar as Stands dos irmãos D’Arby, eu certamente
estarei com todas as trinta e seis almas que preciso
num piscar de olhos. Talvez um número ainda mais
além. Eu ainda não verifiquei, mas tais irmãos são
invencíveis em se tratando de apostas ou qualquer outra
briga de habilidade. Eu, Dio, consigo afirmar isso.
A técnica do irmão mais velho, Daniel J. D’Arby é
particularmente formidável. Ele é um apostador nato.
No que diz respeito ao seu irmão mais novo, apesar de
não ser tão habilidoso, talvez por causa de sua idade,
é capaz de, usando sua Stand chamada Atum, verificar
também a “cor” das almas que foram removidas.
Sua Stand é capaz de medir a temperatura das
almas.
Interessante. Se ele utilizar sua técnica como eu
recomendar, ele se tornará um oponente formidável. É
claro que o irmão mais velho é mais experiente e, por
isso, mais poderoso. Contudo, eu acredito que talvez não
seja perda de tempo manter o irmão caçula por perto e
aconselhá-lo de vez em quando.
Infelizmente, quando eu fui atrás da genealogia dos
irmãos D’Arby, descobri que nenhum deles tinha alguma
qualidade fora do comum. Não passavam de humanos
ordinários.
Pode ser muito cedo para tirar essa conclusão, mas
acredito que seja melhor considerar por enquanto que
as únicas stands capazes de manipular almas são as

45
desses irmãos. E isso é suficiente para tratá-las com
maior zelo.
Não há necessidade de eu colocar um parasita neles.
Ou ainda, não tenho a intenção.
Foi uma ideia da Enya. Parasitas são excelentes para
controlar humanos porque, ao contrário dos zumbis
que são criados a partir de humanos depois de terem
o sangue sugado, conservam a inteligência e a razão,
embora limite a criatividade do usuário de Stand,
enfraquecendo-os.
Jean Pierre Polnareff e Kakyoin Noriaki são dois
excelentes usuários de Stand que consegui como
subordinados dessa maneira, mas, por causa do próprio
parasita, é indiscutível que a força de suas Stands
acabou sendo limitada.
Eles ainda são usuários consideravelmente úteis,
apesar disso. Esse é um erro cujas proporções são
mensuráveis e que são inevitáveis em minha empreitada
de alcançar o paraíso.
Mais de trinta e seis almas. Se usar o poder dos
irmãos D’Arby, eu as consigo imediatamente.
O verdadeiro desafio está em encontrar os pecadores
apropriados. Mais de trinta e seis deles... O mundo
ficou consideravelmente mais pacífico desde o último
século. Restaram poucos pecadores. Mesmo aqueles mais
ardilosos ainda têm algum senso de moral.
Ao mesmo tempo em que busco o meu ainda
desconhecido confidente, preciso encontrar tais
pecadores... Entre os seguidores que angariei, talvez
existam alguns assassinos que se encaixam nas
qualificações que procuro. Homens como Devo, o portador
da Stand “Ebony Devil” e o portador da Stand chamada
“Seth”, Alessi. Pode-se dizer que já é um começo.
Aliás, isso me lembra de que eu preciso anotar as
palavras-chave.

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As quatorze palavras-chave necessárias para chegar
ao paraíso.
São senhas que servem como chaves para abrir o
portão do paraíso.
“Escada em Espiral”.
“Besouro-Hércules”.
“Cidade Fantasma”.
“Figo Azedo”
“Besouro-Hércules”.
“Via Sacra”.
“Besouro-Hércules”.
“Singularidade”.
“Giotto”.
“Anjo”.
“Hortênsia”.
“Besouro-Hércules”
“Singularidade”
“Imperador Secreto”.
Quatorze palavras que são necessárias.
Tais palavras serão cravadas em minha própria Stand.
Embora não exista nenhuma razão para me
preocupar. Eu sinceramente não tenho medo de
esquecê-las. São senhas. As palavras não têm algum
significado específico. São apenas parte de uma canção
de ninar que a minha mãe cantava para eu pegar no
sono quando era uma criança pequena.
Ou talvez sejam palavras resultantes de um delírio
sobre o paraíso.
Ao mesmo tempo em que pode ser uma marcha
fúnebre.

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11
Meu pai não me deixou nada.
O que é de se esperar, levando em conta que ele não
tinha um único centavo sob seu nome.
Ele tinha dívidas, mas isso é algo com que eu
conseguiria lidar eventualmente. Mesmo as dívidas
de meu pai eram miseráveis. Bem, chega a ser
compreensível que ninguém naquele inferno de vilarejo
fosse tolo o suficiente para emprestar dinheiro ao meu
pai.
Contudo, apesar de aquele homem não ter me
deixado absolutamente nada, em seu leito de morte, ele
me indicou um caminho a seguir.
Ele me deu uma informação.
Se você acredita que isso pode ser chamado herança,
então era a minha herança.
É possível dizer que aquela foi a única coisa me dada
a um homem que não fazia absolutamente nada além
de tomar dos outros... No seu último suspiro, aquele
homem, Dario Brando, deixou de ser um “tomador” para
se tornar um “doador”.
Aquilo me deixou infeliz.
Extremamente infeliz.
Porque aparentemente, no último instante antes das
cortinas da vida se fecharem sobre ele, aquele homem,
que não passava de escória, pode ter subido aos céus.
Essa simples ideia causou-me um arrepio por toda a
espinha. Eu sabia que era uma possibilidade mínima, mas
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ainda assim... Insuportável.
A simples idealização de que no fim das contas,
ele possa ter sentido certa compaixão pelo filho que ele
abusava ininterruptamente causou-me convulsões.
Eu não acreditava na possibilidade da minha mãe ter
chegado ao paraíso, mas cheguei a crer que talvez meu
pai tenha.
“Se ele conseguiu”, eu pensei.
“Se ele chegou ao paraíso... Eu quero que ele
ressuscite só para que eu possa matar aquele homem
mais uma vez”.
Foi o que eu pensei.
Contudo foi apenas por um breve instante... Um
impulso. Assim como agora, eu não posso ceder aos
meus impulsos se quiser chegar ao paraíso.
Mas é claro que se eu encontrar o meu pai lá, ao
fim de minha jornada, é claro que eu irei matá-lo. Só
para não perder a oportunidade. Eu não vou fazer disso
meu principal motivo em minha busca.
Eu busco o paraíso em prol de um novo estágio da
evolução humana. Sim, humana.
Eu quero alcançar novos horizontes.
Assim como quando eu renunciei a humanidade e
usei a Máscara de Pedra para me tornar um vampiro.
Assim como quando eu usei o “arco e flecha” para
me tornar um usuário de Stand. Eu quero determinar
novos padrões.
Tornar-me um verdadeiro vencedor.
“Dio! Venha cá um minuto. Eu preciso lhe contar
uma coisa...”
“Não me resta muito tempo. Você entende o que eu
estou dizendo, não é?”
“Estou morrendo...”
“Eu me preocupo com o que será de você, meu filho

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único, após a minha morte...”
“Quando eu me for, vá ao endereço indicado nessa
carta.”
“Essas pessoas têm uma dívida comigo. Ele irá
cuidar de você pelo resto da sua vida...”
“Provavelmente vai até te mandar para uma escola!”
“Esse cara me deve um favor.”
“Dio, quando eu morrer, vá até os Joestar! Você
é um garoto esperto. Tem capacidade de se tornar o
homem mais rico deste mundo!”
Ele era um pai abominável.
Eu o chamo de “pai”, mas eu não penso nele dessa
forma.
Mas essa “herança” que ele me deixou... Eu a
aceitei de bom grado. Eu era mais do que capaz de
sobreviver por conta própria, mas usaria todos os
recursos que estivessem disponíveis.
Eu senti como se minha vida estava começando só
naquela hora.
Sim, foi o que aconteceu.
Minha vida só começou quando eu tomei a vida do
meu pai.
A conexão entre os Brando e os Joestar já havia
surgido doze anos antes, mas, a minha conexão pessoal
com aquela família só tinha começado naquele instante.
Para não levantar suspeitas, eu organizei o funeral
do meu pai. Além do mais, até chorei. Eu fui um filho
dedicado até o fim.

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12
Aconteceu algo deveras incômodo.
Para ser sincero, não é algo que eu chamaria de
incômodo, se pudesse, mas é assim que vou denominar.
Não, eu já pensei na possibilidade há algum tempo
atrás. Eu mandei meus subordinados investigarem e a
hipótese tornou-se fato.
Existem descendentes vivos da família Joestar.
E eles têm conhecimento de minha existência.
Eu tive o pressentimento de estar sendo observado
por algum tempo... No começo, achei que talvez fosse
a minha imaginação, que eu estava me preocupando à
toa e que talvez eu esteja sendo paranoico devido aos
acontecimentos de um século atrás, mas esse não era o
caso.
Eu estou sendo observado.
Não... Sendo mais preciso, eu estou sendo
fotografado.
Por uma habilidade capaz de realizar psicografia.
Quando digo “habilidade”, é óbvio que me refiro a uma
Stand.
Só para constar: além da “The World”, eu tenho
outra Stand. Enya disse que ela se chama “Hermit
Purple”.
É estranho falar que a minha stand é na verdade
de outra pessoa, mas é isso mesmo o que acontece. Ao
que parece, essa é a Stand que pertence ao homem cujo

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corpo foi roubado por mim, Jonathan Joestar.
E o neto de Jonathan Joestar tem uma Stand que é
muito parecida, se não idêntica a essa Stand.
Há cem anos...
Eu estava fraco... Tornei-me apenas uma cabeça...
Se eu não tivesse tomado o corpo de Jonathan... Se eu
não tivesse feito uso da energia deste homem... Mesmo
sendo pouca, eu não teria sobrevivido por cem anos no
fundo do oceano.
Apesar de eu não saber exatamente o motivo, parece
que esse corpo ainda tem ligação com os descendentes
de Jonathan, como se fosse um elo entre pais e filhos.
O neto de Jonathan.
Joseph Joestar.
Holly Kujo.
Jotaro Kujo.
Eles estão... Cientes de minha existência.
Ser atingido pela “Flecha” enquanto utilizo o corpo
de Jonathan me concedeu duas Stands: “Hermit Purple”
e “The World”.
Tais Stands influem diretamente no corpo dos
descendentes de Jonathan Joestar.
Quanto maior o poder, maiores são as consequências.
Um não existe sem o outro.
Talvez eu deva encarar isso como uma benção? Eles
estão vivendo na terra natal de Kakyoin Noriaki, parece
que é um lugar chamado Japão... Farei então o primeiro
movimento.
Apesar de ele estar consideravelmente mais fraco por
causa do meu parasita, a Stand daquele moleque deve
ser suficiente para dar conta do recado.
Eu preciso exterminá-los.
A família Joestar precisa ser eliminada.

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13
Continuando o assunto de ontem... Quando eu percebi
que estava sendo observado, eu nunca imaginei que seria
pelos descendentes de Jonathan.
Eu pensei que ao tomar o corpo de Jonathan, estaria
dando um fim em toda a linhagem Joestar... Eu nunca
imaginei aquela genealogia perduraria por cem anos no
futuro o que, para mim, parece um mundo totalmente
diferente.
Erina Joestar... Originalmente Erina Pendleton.
Embora eu não saiba como, parece que aquela
mulher que havia se casado com Jonathan sobreviveu ao
naufrágio. Em adição, deu a luz ao filho de Jonathan.
Ela era bem determinada.
Parando para pensar, aquela mulher era um empecilho
constante em meus planos desde o início. Se não fosse
por Erina, eu duvido que Jonathan teria crescido com
uma força de vontade tão forte como era a dele. Longe
disso, ele seria meu capacho. Erina Pendleton impediu
que isso acontecesse de maneira brilhante.
Sim... De certo modo, ela lembrava minha mãe.
Era nobre, santa e, acima de tudo, tola.
Porque ela amou um homem como Jonathan Joestar.
Eu não consigo deixar de associar a imagem dela à da
minha mãe que realmente amava o meu pai.
De acordo com as minhas investigações, o filho de
Erina Joestar, um piloto chamado George Joestar II, foi
morto por um zumbi criado por mim, Dio. É irônico... Ou
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talvez seja algo chamado destino.
Não. É exagero chamar de destino. Eu fiz tantos
zumbis que era de se esperar que o filho daquele que
me deixou num estado como aquele fosse morto dessa
forma. Por isso, talvez eu não deva me preocupar com os
outros descendentes.
E é provável que eles não sejam tão impetuosos como
Jonathan foi. Eles podem ter sido mimados por essa era
tão pacífica. Acima disso, podem até ser covardes.
Contudo, todo cuidado ainda é pouco. Pode chamar de
implicância, mas eu quero mesmo resolver de uma vez
por todas essa história com a linhagem Joestar.
Eu ainda não estou totalmente adaptado ao corpo
de Jonathan, por isso eu não posso procurá-los
pessoalmente, mas eu mandei Kakyoin Noriaki matá-los
e trazer o sangue de seus corpos até mim.
Sangue.
Tenho certeza que assim eu poderei me acostumar
com esse corpo.

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14
Falando nisso... Eu planejava dissertar sobre esse
assunto mais para frente, mas parece que agora é a
melhor hora para fazê-lo. Então, vou desviar um pouco
do roteiro que eu planejava. Enfim, obviamente, não eu
não me esqueceria de escrever sobre isto, mas eu, Dio,
estou bastante acostumado com o sabor horrível de uma
oportunidade perdida.
Assim como Jonathan Joestar teve um filho e sua
linhagem continuou, Eu, Dio, acordei de meu sono
secular, subi à superfície e, logo depois de ter ganhado
a minha Stand, concebi um determinado número de
crianças.
Não se espante. Eu, Dio, tenho filhos.
Dentre as muitas mulheres que me foram oferecidas
como alimento, houve algumas que se ofereceram. E eu
as engravidei. Contudo, embora pareça que eu esteja
fugindo de qualquer responsabilidade, eu realmente não
faço ideia do que aconteceu depois com elas.
É um fato que eu concebi tais crianças, porém
existe a possibilidade de que essas mulheres tenham as
abortado. Eu não tenho como me certificar. É possível
que humanos e vampiros não possam cruzar e que elas
tenham perdido, assim como aconteceu como meu irmão
ou irmã caçula.
Isso aconteceu com este corpo, com o qual eu ainda
não estou totalmente adaptado. Os genes de Jonathan...
Em outras palavras, os genes humanos são dominantes,

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portanto, existe uma grande possibilidade de tais
crianças nascerem humanas.
Provavelmente nascerão e serão criadas em algum
lugar do mundo.
Elas se ofereceram. Colocando com mais clareza,
foram promíscuas. Quando mais promíscua é uma mulher,
mais perversa ela é. Consequentemente, melhor mãe se
tornará.
Promíscuas, assanhadas e férteis.
Sem qualquer classe, educação ou boas maneiras.
Quanto mais baixa for a mulher, melhor ela é.
É no que eu acredito.
Em outras palavras, quanto mais ela se opuser à
figura de minha mãe, melhor figura maternal ela será.
É o que eu penso.
Uma mãe que não seja imaculada, mas maldita.
São essas as mulheres que escolhi para carregarem
minhas crianças. Quando elas me foram presenteadas,
eu não as matei. Eu não suguei o sangue delas ou fiz
qualquer tipo de lavagem cerebral. Apenas as deixei
partir.
É claro, toda aquela ladainha de querer filhos, família
e coisa do tipo não me interessam.
Depois de ser criado numa latrina, é óbvio que eu não
iria expressar qualquer tipo de sentimento relacionado.
Eu só fiz isso porque era necessário. Eu simplesmente
criei essas crianças.
Foi uma medida tomada com o propósito de alcançar
o paraíso... Meus filhos.
Talvez elas reapareçam em eventos futuros. Talvez
em algumas décadas, embora para mim este não seja
um período de tempo tão longo. Tenho certeza de
que todas essas crianças que espalhei pelo mundo irão
integrar o meu caminho até o paraíso.
O que tenho ciência e que me preocupa é que eles
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não herdaram apenas o meu sangue, mas também o
de Jonathan. Qual dos dois será dominante é algo que
descobriremos depois.

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Meu pai não gostava da nobreza. Ele a odiava.
Alguns chamariam esse sentimento de desprezo... É,
realmente, seria errado falar que ele não os desprezava.
Ele realmente os detestava.
Sim. Para meu pai, a nobreza era um mal digno de
ódio. A simples ideia de meu pai classificar qualquer
coisa como “má” é cômica, mas essa questão era
realmente séria para ele.
Para aquele pródigo pai meu, a nobreza era a única
coisa a se ter cautela. Mas essa talvez fosse apenas a
consequência de seu ódio pelos nobres.
Ele gritava sobre como eram todos arrogantes com
seus narizes empinados e que eram eles o motivo de
nossas vidas serem tão miseráveis. Sobre como eles
nos exploravam. Sobre como eles tomavam de nós, que
éramos tão pobres. Ele dava esse discurso com alguma
frequência, diga-se de passagem.
Por ter crescido sob sua tutela, acabei sendo
influenciado por esse tipo de pensamento. Então, não é
surpresa que minha primeira impressão sobre a família
Joestar não tenha sido das melhores.
Nobres eram pessoas desprezadas até por aquele meu
pai.
Eles não devem ser dignos de alguma consideração,
pensava eu.
E assim que eu conheci o herdeiro da genealogia
Joestar, Jonathan Joestar, foi quando acabei tendo

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certeza de tais opiniões.
Certeza absoluta.
“Então, você deve ser Dio Brando, não é?”
Quando, ao dizer tais palavras, esboçou um sorriso,
eu soube na hora.
Por pura intuição.
Que eu estava certo.
Aquele garoto... Ele era um “herdeiro”.
Não era um “doador” ou um “tomador”.
Um “herdeiro”. E isso acabou me deixando irritado
imediatamente.
Irritado não. Enfurecido.
Eu estava fumegando em fúria.
É claro que naquela altura do campeonato eu já
estava formulando planos para usurpar a fortuna da
família Joestar. Contudo, também pretendia ficar quieto
e esperar para ver o que aconteceria. Jonathan Joestar
não passava de uma presa. Isso significa que eu não
esperava nada daquele indivíduo. E até então, eu não
tinha a mínima intenção de competir contra ele.
Para o vossa mercê Joestar e seu filho, Jonathan
Joestar, eu pretendia ser um jovem obediente e bem
educado... É inútil discutir os planos de tanto tempo
atrás, de aproximadamente um século, mas se eu os
tivesse colocado em prática, talvez o meu objetivo de
usurpar a fortuna da família Joestar fosse alcançado.
Um crime perfeito poderia ter sido bem sucedido.
Não... Certamente teria sido bem sucedido.
Eu sucumbi às minhas emoções. Eu as deixei tomar
conta de mim e acabei descontando no cachorro de
estimação de Jonathan (acho que seu nome era Danny),
chutando-o com força.
Eu queria tê-lo matado naquele instante – e
posteriormente, acabei matando mesmo – mas tudo o

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que eu fiz foi chutá-lo.
Como consequência de minhas ações, Jonathan ficou
furioso e gritou comigo. Em minha mente, eu também
queria explodir em fúria.
Ele disse que jamais iria me perdoar por aquilo, mas
eu que não iria perdoá-lo nunca.
Sim. Eu não poderia perdoá-lo.
Eu jamais iria perdoá-lo por aquele sorriso.
Eu jamais iria perdoá-lo por se aproximar de mim.
Eu jamais iria perdoá-lo por sua atitude receptiva.
Eu jamais iria perdoá-lo por sua atitude amigável.
Eu jamais iria perdoá-lo por ser aquela criança rica e
mimada que nunca conheceu qualquer sofrimento em sua
vida.
Ele não repassava nada do que recebia.
Ele iria apenas herdar. Sem precisar tomar de
ninguém. E isso era algo realmente imperdoável.
Eu sabia que precisava ensiná-lo uma lição. Eu
precisava fazê-lo sofrer.
Eu assumi um compromisso pessoal de esmagá-lo
com minhas próprias mãos.
Apesar de não demonstrar interesse algum em
compreender os sentimentos de meu pai, naquele
momento, eu realmente compreendi seu ódio pela
nobreza.
O herdeiro da família Joestar, Jonathan Joestar... Eu
decidi destruí-lo emocionalmente.
É claro que em teoria, foi tudo para tomar a fortuna
da família Joestar, mas parando para pensar... Talvez
existissem mais razões por trás disso.
Eu havia tomado uma decisão.
Tomar absolutamente tudo dele, daquele herdeiro.

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Eu acabei mudando de página porque meu texto
acabou ficando um pouco meloso demais, mesmo que o
registro anterior tenha ocorrido neste mesmo dia.
Até hoje, um século depois do ocorrido, surpreendo-
me como consegui conter a minha fúria naquela hora.
Pensando bem, naquele dia, há cem anos, minha
determinação estava ainda se desenvolvendo... E chegou
a ponto de eu finalmente conseguir “tomar” o corpo de
ninguém menos do que aquele indivíduo.
Eu falhei miseravelmente em usurpar a fortuna da
família Joestar, mas eu “tomei” de Jonathan algo ainda
mais importante.
A vida de Jonathan Joestar.
Assim, é possível dizer que tomei absolutamente
tudo.
Meu objetivo foi alcançado.
Eu o cumpri.
Só que naquela situação, eu não tinha me tocado que
havia sido bem sucedido. Assim como quando eu matei o
meu pai. Senti apenas uma inexpressiva, pouco palatável
e insípida sensação de desânimo.
Foi nesse momento em que eu comecei a pensar o
motivo de eu ter feito isso.
Aconteceu em todas as situações.
Houve momentos em que eu me sentia inclinado a
colocar a carroça na frente dos bois... Ou talvez meus

63
objetivos apenas resumem-se em tomar qualquer coisa.
Talvez seja por causa minha - e de meu pai – de
não tolerarmos ninguém que tivesse o que nós não
tínhamos... E por isso que nós começamos a tomar dos
outros.
Deve ser isso.
E não importa, caso não fosse.
Se eu já não queria me tornar um “doador”, assim
como a minha tola mãe, eu queria menos ainda me
tornar um “herdeiro”, como Jonathan.
De forma nobre e orgulhosa, eu continuaria a tomar
o que era dos outros.
No passado, no presente e no futuro.
Há um século e daqui um século.
Não importa quanto tempo passe, eu jamais irei
mudar. É assim que eu me sinto.
Além disso, passei pouquíssimo tempo expondo tais
sentimentos meus ao Jonathan.
E mesmo assim, Jonathan devolveu toda a dor que eu
infringi nele.
Escreverei mais sobre isso amanhã.
Eu recebi um informe de Kakyoin Noriaki.
Parece que ele localizou um descendente da família
Joestar chamado Jotaro Kujo... E agora, ele irá
persegui-lo.
Ele também constatou que o neto de Jonathan,
Joseph Joestar, está viajando ao lado de um cartomante
chamado Muhammad Avdol.
Muhammad Avdol.
Ele é um portador de Stand com quem eu
pessoalmente já fiz contato antes. Um homem com
habilidades ilimitadas, do tipo que eu adoraria ter como
subordinado, mas ele fugiu no instante em que me viu
e, por isso, não consegui implantá-lo com um de meus

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parasitas.
Achei estranho ele ter fugido assim tão rápido, mas
agora eu entendo. Ele deve ter ouvido falar de mim pelo
neto de Jonathan.
Suas chamas poderiam ter sido necessárias para
chegar ao paraíso, por isso eu queria mesmo tê-lo sob
meu comando... Mas agora que ele já escolheu o seu
lado, não tenho escolha senão desistir desse objetivo.
Uma pena.

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Houve uma mudança de planos.
Ou melhor. Eu não tinha escolha a não ser mudá-
los.
Soube que Kakyoin Noriaki fracassou.
E ele não fracassou apenas.
Se fosse “apenas” um fracasso, eu duvido que eu
ficaria tão surpreso como estou. Conflitos entre stands
demonstram certas peculiaridades. Seu “Hierophant
Green” era uma Stand poderosa, mas não é invencível
como meu “The World”. Aliás, seu poder acabou sendo
enfraquecido pelo meu parasita... Sempre existiu a
chance de que ele pudesse perder para qualquer Stand
que existisse.
Contudo, a causa de minha frustração está nas
consequências de sua derrota. Além de Jotaro Kujo não
ter matado Kakyoin Noriaki, ele colocou a sua própria
vida em risco para remover o meu parasita implantado no
cérebro de Kakyoin. É uma história difícil de engolir.
Não.
Não existe nenhum motivo para duvidar disso.
É típico de Jonathan Joestar fazer uma coisa dessas.
Em outras palavras, foi algo herdado.
Mesmo depois de cem anos, aquela forte
determinação, essa impetuosidade, aquela fagulha capaz
de causar uma explosão a qualquer momento ainda
perdura.

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Eles deveriam temer.
Não importa o quão poderosa seja a Stand deles. Se
eles não tivessem herdado a determinação de Jonathan,
eu poderia apenas ignorá-los.
Mas essa não é mais uma opção.
Talvez seja o destino... Então, que seja.
Eu irei usá-los.
Eles serão meu palanque em direção ao paraíso.

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18
Para destruir Jonathan, eu exauri todos os recursos
que eu possuía... Olhando agora, era apenas uma
implicância infantil praticada dentro de um ambiente
ocupado por crianças presas à sua mentalidade ingênua.
Bom, isso era o suficiente.
Jonathan chorava todas as noites.
Tal atitude me deixava ainda mais irritado... E foi
assim que eu ia tomando mais e mais coisas dele.
Desde deixá-lo de castigo sem as refeições, passando
pelas broncas dadas pelo pai até perder todos os seus
amigos. Seu emocional estava completamente destruído.
E sua resistência inexistente ao que acontecia era
imperdoável.
Alguém como ele não duraria um dia no lugar onde
eu cresci. Não. Ele não durava sequer uma hora.
É nítido o quão mimado ele foi durante toda sua vida.
E esse mimo era proporcional ao seu desconforto. E olha
que eu poderia ter forçado ainda mais.
Como eu havia mencionado, o período que passei
implicando com Jonathan não foi muito longo. Com o
intuito de fazê-lo desabar, eu acabei colocando minhas
mãos sobre sua mulher. E essa foi a minha ruína.
Jonathan era o tipo de homem que não se importava
de ser humilhado, mas ele se enfurecia quando via isso
acontecer àqueles que eram importantes para ele.
A fagulha acendeu o pavio da bomba.
E ela explodiu e me jogou contra a parede.
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Numa luta honesta contra Jonathan, acabei
perdendo. Eu engulo agora todo o meu orgulho para
admitir que naquele momento, acabei em prantos.
Não lágrimas de crocodilo, como as do funeral de
meu pai.
Lágrimas sinceras.
E não era pela dor de ter apanhado tanto.
Mas por causa de toda a frustração, humilhação
e miséria pela qual passei. Eu chorei... Até aquele
momento, eu acreditava estar isolado acima de
Jonathan, mas não passava de uma ilusão.
Eu sabia que era algo diferente de quando meu pai
espancava a minha mãe até se dar por satisfeito. Mas...
Eu acabei chorando.
Naquele instante, eu cessei minhas investidas contra
Jonathan. Eu agiria como um bom garoto na frente dele
assim como eu fazia com o Senhor Joestar.
Mas eu jamais esqueci.
A humilhação pela qual passei naquele dia. Passaram-
se sete anos e eu não havia esquecido.
Passou-se mais de um século e eu ainda não esqueci.

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Mudando de assunto, a mulher de Jonathan... A
filha de um médico... A tal da Erina Pendleton era uma
moça realmente bizarra. Não... Talvez bizarro não seja
a melhor forma para descrevê-la. Seria algo meloso
demais, eu estaria apenas descontando a minha raiva
nela de forma injusta.
Mas ela era uma mulher estranha.
Se não fosse por ela, a linhagem Joestar não teria
perdurado até hoje. Longe disso, eu teria sido bem
sucedido em meu plano que visava destruir o emocional
de Jonathan.
Eu também não teria me tornado uma entidade
imortal ou gozaria de juventude eterna, mas como o
próximo herdeiro da fortuna dos Joestar, minha vida
seria divina.
Como se eu estivesse no paraíso.
Eu teria sido feliz.
Eu poderia ter ficado com a vida que me foi tomada.
Logo depois de Jonathan ter me deixado em prantos
e repensar as minhas ações e meu temperamento, eu
quis ver do que ela era capaz.
Eu não ia me desculpar.
Eu jamais faria uma coisa dessas.
Eu simplesmente acabei me interessando por ela. Ao
ter aqueles lábios sendo tomados por mim, Dio, mas
erguendo-se novamente orgulhosa após lavar a sua boca
com água suja atraiu o meu interesse. Eu queria saber
71
como ela reconquistou o que havia sido “tomado” dela.
Como alguém que foi tolo o bastante de se aproximar
de minha mãe, eu não queria fazer o mesmo com ela.
Longe disso. Eu queria observá-la à distância.
Mas nem isso eu acabei conseguindo.
Graças a problemas no trabalho de seus pais ou coisa
parecida, aquela garota sumiu daquela cidade. Problemas
no trabalho dos pais? Quanta conveniência!
Agora que um século se passou, eu não posso
confirmar esse tipo de coisa, mas tenho quase certeza
de que a família Pendleton se mudou porque eu coloquei
as minhas mãos naquela garota. Seria uma medida para
proteger o orgulho dela ou uma tentativa de proteger
Jonathan Joestar?
Não... Ela deve ter se mudado por causa do trabalho
dos pais, não é? Eu duvido que uma mulher nobre como
ela exista. Não é uma mera suspeita, mas sim a minha
singela opinião sobre ela.
Só que, pensando naquela garota e em como ela
conduzia a sua vida honesta, eu acabo delegando tudo o
que aconteceu às mãos do destino.
Mãe.
Erina Pendleton.
Parece que a santidade dessas mulheres sempre
interfere no decorrer de minha vida.
Essas mulheres santas sempre dificultam tudo.
Por causa disso, tenho certeza de que aquela mulher
chamada Holly Kujo - ou coisa parecida - cujo nome
significa “santa” em inglês também irá causar alguma
interferência em minha vida.

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20
Eu tive algumas dúvidas a respeito de manipulação de
almas e acabei questionando os irmãos D’Arby sobre o
assunto. No fim, a minha hipótese estava correta.
Não havia o que questionar.
Como suspeitei. A característica mais importante no
que diz respeito ao assunto.
E isso não é limitado apenas a almas humanas...
Enquadra-se em todas as almas do planeta Terra,
incluindo animais, plantas, peixes e insetos.
É uma boa oportunidade, então, de resumir isso aqui.
Assim como a proporção de mar para terra é de sete
para um, o mesmo vale para a proporção de almas de
criaturas vivas.
Sendo bem simples, se a população humana aumenta,
um número proporcional de criaturas de outras espécies
acaba sumindo da existência. Desta forma, o número
de almas no planeta permanece constante. Não é
exatamente igual ao princípio de conservação de massa,
mas a ideia é a mesma.
Só que essas almas...
Se existir um jeito de um único humano portar
dezenas delas, ou ainda centenas... Ou se ao menos
existisse alguma maneira de controlá-las... Então... Qual
é o objetivo final desse indivíduo?
Assim como um ser só pode possuir uma única
Stand, só pode existir uma alma por indivíduo... Contudo,
eu sou a prova viva, realizador de um fato histórico sem
73
precedentes ao possuir duas stands num corpo só: “The
World” e “Hermit Purple”.
Tudo devido ao fato de eu ter tomado o corpo de
Jonathan para mim... Assim, usando o mesmo método,
é possível tomar não só o corpo de alguém, mas também
a sua alma.
O D’Arby caçula tem a mania de roubar almas
e depositá-las em marionetes... Apesar de eu não
considerar um hábito muito saudável a se fazer,
imagino o que aconteceria se fossem usados outros
humanos em vez de em bonecos. O que aconteceria se
diferentes almas fossem colocadas em corpos humanos
que não as pertencem? Se tudo ocorrer de acordo
com minhas expectativas, minhas preparações estarão
completas.
Contudo, por motivos que não explicarei aqui, é
complicado para o D’Arby caçula realizar esse tipo de
experimento, porque colocar almas em bonecos não passa
de uma mania boba. Ir além é algo bem mais complicado.
Uma habilidade assim desperdiçada em um hábito
desse...
Sendo bem sincero, se for para falar diretamente a
ele, eu o chamaria de imaturo. Assim como o D’Arby
primogênito.
E agora? Existe alguma alternativa?
Eu sei...
Acabei me lembrando dele enquanto escrevia...
Sim... Sua Stand talvez permita um experimento dessa
magnitude.
Enrico Pucci.
Alguém que conheci quando visitei os Estados Unidos
da América. Se eu usar sua Stand...

74
21
Eu planejava viajar até os Estados Unidos para me
encontrar com Pucci, mas não fui, no fim das contas.
Tudo graças a um fatídico acontecimento naquele
longínquo país asiático.
De acordo com o relatório de Nijimura, um
subordinado que enviei para investigar os Joestar, Holly
Kujo contraiu algum tipo de febre e começou a ter
sucessivos desmaios.
Estão culpando a Stand pela febre.
É um conceito complicado de entender, mas parece
que existem casos em que a Stand é prejudicial ao
corpo de seu usuário. Graças ao despertar do corpo de
Jonathan Joestar, seu ancestral, ela despertou sua
própria Stand. Algo que normalmente seria considerado
positivo, mas parece que a Stand está causando-lhe
algum tipo de sofrimento.
Uma Stand é controlada de acordo com vontade de
seu usuário, sua alma. É uma habilidade controlada
pelo instinto agressivo do usuário. Desta forma, um
humano cujo espírito de luta é quase inexistente torna-
se incapaz de conter seu poder. Acredito que é uma
explicação satisfatória.
Desta forma, essa Holly Kujo é justamente como eu
a imaginei. Uma santa. E como eu previa, seus desmaios
acabaram interferindo em meus planos.
Sem dúvida, seu pai, Joseph Joestar, bem como seu
filho, Jotaro Kujo, virão até o Egito para me derrotar e

75
libertá-la de sua maldição.
Acreditei que como meu objetivo ainda se mostrava
tão abstrato, somado à foto psicografada que nada
revela sobre mim; eles não iriam fazer um movimento
tão precipitado. Mas parece que com a vida de um
parente... Ou melhor, com a vida de um ente tão
próximo em perigo, eles acabaram mesmo agindo de
forma tão inconsequente.
Como resultado, aquele que deve agir com extrema
cautela sou eu, Dio... Eu posso gozar de minha
imortalidade, bem como possuir a mais poderosa das
Stands, mas eu ainda lamento o fato de ainda não ter
me adaptado totalmente a este corpo. E acima de tudo,
eu ainda não posso ser exposto à luz do sol.
Se me pegarem de surpresa durante o dia, eu estaria
perdido, com toda a certeza.
Independente disso, eu ainda não tenho a intenção
de desistir de minha ambição de me deparar com os
portões do paraíso... Talvez eu tivesse feito algo do
tipo caso estivéssemos lidando com o próprio Jonathan
Joestar, mas eu não pretendo adiar meus planos por
causa de seus descendentes.
Mas acredito que não tenho escolha.
Eu usarei o telefone e ligarei para Pucci pedindo que
ele venha até o Egito. Ele já veio algumas vezes antes,
então acredito que não precisarei mandar ninguém para
buscá-lo. Talvez seja para os Joestar que eu devesse
enviar alguém para dar as boas vindas.
Talvez o melhor usuário para esse trabalho seja
aquele homem... O portador da “Tower of Gray”,
Desastre e Destruição.
E uma Stand que simboliza a interrupção daquela
jornada.

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22
Os sete anos que passei sob os cuidados da família
Joestar – em outras palavras, os sete anos que se
passaram até que meu plano fosse finalmente descoberto
– não foram exatamente dos mais alegres.
Contudo, não era difícil mascarar-me como um
excelente estudante – enganar vossa mercê Joestar,
Jonathan, os empregados e os colegas de escola
era uma tarefa tranquila para alguém que passou
tanto tempo tentando sobreviver naquela pocilga
onde eu morava. É claro que após nosso primeiro
desentendimento, Jonathan sempre teve uma pulga
atrás da orelha sobre mim, mas era apenas uma
desconfiança. Por sete anos, eu conseguia fazê-lo
confiar em mim. Ainda por cima, eu o fazia se sentir
envergonhado por toda essa desconfiança. Cômico.
Só que a vida com a família Joestar, bem como
os relacionamentos nos tempos de escola eram pouco
divertidos. Era muito fácil.
Eram entediantes.
Uma vida desestimulante.
Talvez eu esteja exagerando, mas houve momentos
em que acreditei que iria ficar louco. É claro que uma
vida fácil era extremamente conveniente, mas com
exceção de Jonathan, aquele que em determinado
momento se deparou com o meu verdadeiro eu, todos
eram tão fáceis de enganar. Eu não me sentia
desafiado.

77
Para alguém que sempre olhou a nobreza com
tanta desconfiança, a falta de desafio deixava tudo
estranhamente tranquilo. Tive a impressão até de que eu
estava cometendo algum erro incorrigível.
A nobreza não deveria ser minha maior nêmese?
Então por que tudo parecia tão... Entediante?
Estaria eu com alguma implicância desnecessária?
“Estaria eu apenas jogando meu tempo no lixo?”. Era
isso o que eu pensava.
Eu ainda não era imortal. A simples ideia de
desperdiçar o meu tempo fez-me sentir como se
estivesse queimando no inferno.
Às vezes eu tinha vontade de simplesmente deixar
acontecer. Deixar minhas emoções se esvaírem e acabar
criando inimizade com todos à minha volta... Sendo mais
específico, eu desejava mais daquela adrenalina que senti
quando eu e Jonathan brigamos na sala da lareira.
Acredito que seja apenas coisa da idade. Eu
interpretava um personagem de bom estudante e, por
sete anos, nunca revelei minhas verdadeiras emoções,
mantendo a minha cabeça baixa.
Mas depois desses sete anos, meus planos acabaram
sendo descobertos por Jonathan e, no final das contas,
de nada adiantou tolerar todo esse tédio.
Não há motivo para detalhar a falha de meus planos,
mas omiti-la por completo acabaria por contradizer a
verdadeira intenção por trás deste registro, então serei
breve ao abordá-lo.
Primeiro, eu fui adotado pela família Joestar. Digo,
legalmente, eu era um membro da linhagem Joestar.
Eu deixei de ser Dio Brando para me tornar Dio
Joestar... Parando para pensar, Joseph Joestar, Jotaro
Kujo e a enferma Holly Joestar que eu agora estou
tentando intimidar são descendentes de Jonathan e,
por consequência, descendentes de mim, Dio, tanto

78
biologicamente quanto legalmente falando. Não que isso
faça alguma diferença.
Contudo, eu nunca realmente me tornei um Joestar.
Apesar de eu ter tomado este corpo para mim, eu não
me tornei Jonathan. Jonathan que se tornou parte de
mim. Desta forma, não tenho nenhuma obrigação de
sentir qualquer compaixão por eles.
Eu não consigo sentir qualquer vínculo de parentesco
com essa laia.
Ser um Brando... Não existe nada pior do que herdar
o sobrenome de meu pai. Contudo, a meu ver, herdar o
sobrenome Joestar era igualmente desagradável, senão
mais, do que ser um Brando.
Mesmo depois de ser legalmente adotado, eu
continuei a ser chamado de “Brando” na escola. Eu não
corrigia ninguém porque eu não tinha nenhum apego ao
sobrenome Joestar... O simples fato de ele constar no
registro já estava bom para mim.
Para que eu pudesse ser um herdeiro legítimo e
usurpar a herança dos Joestar.
Havia uma necessidade de ser adotado perante a lei...
Apesar de me mostrar satisfeito de ser encarado como
“o filho do homem cuja família estava em débito”, eu
jamais conseguiria ter acesso à fortuna desta forma.
Eu tive que chamá-lo de “Pai”.
É claro que eu o chamava assim, mas eu não amava
George Joestar como um pai. Dario Brando era um
homem desprezível com nenhuma qualidade de destaque
por quem eu não sentia nada além de desprezo. George
Joestar era atencioso, doce e um verdadeiro cavalheiro.
Um homem com um número sem igual de qualidades,
mas eu também não o admirava mais do que o meu pai.
Eu posso ter escrito anteriormente que prefiro George
Joestar a Dario Brando como pai, mas a verdade é que
eu não tinha consideração por nenhum dos dois.

79
As boas maneiras e comportamento daquele homem
só me deixavam com mais raiva.
Acredito que era porque, apesar de se mostrar
inicialmente como um “doador”, ele não passava de um
“herdeiro”, como Jonathan.
Eu não tinha nenhuma expectativa para qualquer
mudança... Não, para ser mais correto, eu estava
ansioso.
Seja ansiedade ou expectativa, estar sob os cuidados
de um nobre chamado George Joestar em sua mansão...
Sendo educado por ele... Eu Dio, jamais deixei de pensar
que um dia acabaria perdendo a única coisa que havia
conquistado em minha vida anterior: Minha ambição.
Como isso não aconteceu de fato, tudo não passou
de mera preocupação.
No fim das contas, eu odiei a nobreza até o
fim. Não apenas a genealogia Joestar, mas aquela
atitude egocêntrica de acreditar que era o papel deles
simpatizar com as minhas circunstâncias como se
fosse a coisa mais óbvia a se fazer era algo realmente
imperdoável.
Acreditei que, assim como aconteceu quando matei
meu pai, matar George Joestar faria a minha vida sair
da estagnação mais uma vez.
E então, sem hesitar, acreditei no que era realmente
necessário naquele momento. Eu decidi matar meu
segundo pai.
Eu também estava imerso em ódio e fúria naquele
momento.
Só precisava de um pretexto.
Era um ponto crucial.
Continuarei a escrever mais sobre isso amanhã.

80
23
Continuando o assunto de ontem.
Acredito que ter esperado sete anos para matar
George Joestar foi um ato mais prudente de minha
parte se comparado a quando matei o meu pai. Isto é,
eu precisei de sete anos para ganhar a sua confiança e
ganhar o direito de herdar todos os seus bens antes de
finalmente matá-lo.
Contudo, a falha crucial de meu plano está no fato
de que acabei usando exatamente o mesmo método que
usei quando matei o meu pai. Sim, agora eu vejo que
acabou sendo um motivo bem simples.
Envenenando-o com uma droga secreta do oriente.
É claro, atirar nele ou esfaqueá-lo estava fora de
cogitação. Contudo, ainda acredito que deveria ter usado
um método diferente.
Foi bem quando ele adoeceu, de um simples resfriado,
que eu tomei o lugar do mordomo da família Joestar e
passei a substituir o remédio pelo veneno que eu havia
acabado de preparar.
Meu pai adotivo foi enfraquecendo aos poucos.
E demonstrou exatamente os mesmos sintomas de
meu pai.
Os mesmos sintomas... A principal problemática.
Foi o principal motivo de Jonathan ter descoberto
meu plano.
“Eu me preocupo com o que será de você, meu filho
único, após a minha morte...”
81
“Quando eu me for, vá ao endereço indicado nessa
carta.”
“Essas pessoas têm uma dívida comigo. Ele irá
cuidar de você pelo resto da sua vida...”
E ele parecia ter algum problema em se desfazer
das coisas, já que George Joestar guardou a carta que
meu pau havia escrito por sete anos... Talvez seja como
uma forma de respeito ao homem a quem devia.
Não. Não era isso.
Vossa Mercê Joestar sabia que ele nunca deveu nada
a Dario Brando, para início de conversa. Tudo porque
Dario Brando não passava de um bandido.
Eu não era o filho do homem com quem ele tinha
uma dívida... Mas o filho de um bandido. Ainda assim,
ele me acolheu.
Esses “doadores” agem de maneira estranha.
Eu tenho certeza de que caso minha mãe
pertencesse à nobreza, ela agiria da mesma maneira...
E só de pensar nisso, fico enfurecido.
Mas deixando isso para lá, a razão essencial de
George Joestar ter guardado a carta de Dario Brando
não foi porque ele se sentia em dívida, mas sim
porque ele guardava todo e qualquer documento. Era
simplesmente o hábito dele como um aristocrata.
Mas com uma mansão enorme como aquela, tudo era
possível.
Quando eu recebi a carta, ela já havia sido selada,
portanto, não cheguei a conferir o seu conteúdo.
Contudo, eu jamais imaginaria que meu pai teria escrito
os mínimos detalhes de seus sintomas naquela folha.
O seu conteúdo era algo como:
“Neste exato momento, estou doente.”
“Provavelmente, não me resta muito mais tempo
neste mundo.”
“Eu não sei qual é o mal que recaiu sobre mim, mas
82
sofro constantemente de ‘taquicardia’, ‘transpiração
excessiva nos dedos’ e ‘tosse’.”
“Quando eu morrer, poderia acolher Dio, meu filho?”
“Diferentemente de mim, ele é um excelente garoto.
Tenho certeza de que ele não lhe causará problema
algum.”
O resto da carta não passava de divagações sem
sentido.
Considero este o ponto culminante porque foi
justamente onde ele descrevia seus sintomas –
exatamente os mesmos de Vossa Mercê Joestar. É claro
que era o mesmo veneno e ainda aplicado pela mesma
pessoa, então seria estranho caso o resultado fosse
outro.
E Jonathan encontrou esta carta por mera
coincidência.
Naquela época, eu tinha ouvido falar que ele estudava
a Máscara de Pedra. Desta forma, é válido colocar
que a Máscara teve seu propósito em denunciar o meu
plano... Ou ainda, seja apenas a responsável pela minha
transformação em vampiro, posteriormente.
Não... Eu estou exagerando. Quaisquer sejam as
circunstâncias, a máscara não tem propósito pré-
determinado, destino ou coisa do gênero.
Foi apenas incompetência de minha parte.
Contudo, mesmo que eu admita a minha
incompetência, Jonathan já nutria profunda
desconfiança de mim antes de qualquer coisa.
E daí que meu pai biológico e meu pai adotivo
acabariam sucumbindo para os mesmos sintomas? Não é
algo que poderia acontecer com qualquer um?
Acontece que mais tarde ele acabou me flagrando
bem na hora de trocar o remédio pela droga, mesmo ele
já havendo suspeitado de mim anteriormente.
Isso significa que todas as minhas ações que eu havia

83
feito sete anos antes, assim que cheguei à mansão –
sejam minhas atitudes diante dele, minhas atitudes
para com Erina e ainda o que eu havia feito com o seu
cachorro, Danny – ainda não haviam sido superadas.
Jonathan as remoeu por todos esses anos.
Propositadamente, Jonathan e eu éramos amigos
e família, mas nunca houve nenhum laço profundo e
verdadeiro entre nós.
Ele sempre suspeitou de mim.
Foi um erro terrível ter sucumbido às minhas
emoções e ter agido agressivamente quando éramos
crianças. Se eu tivesse agido de acordo com o meu
personagem na frente dele, com cuidado e simpatia,
talvez eu tivesse escapado.
Jonathan é o tipo de pessoa que fica mais
forte a cada vez que é colocado para baixo. E eu,
descuidadamente, havia o colocado no fundo do poço.
Mesmo levando tudo isso em consideração, mesmo
levando em conta meus erros e o crescimento pessoal
de Jonathan, o meu maior ressentimento é por ninguém
menos do que pelo meu pai.
Aquele meu maldito progenitor.
Ele não me deixou absolutamente nada. E parece que
mesmo depois de sua morte, ele ainda me atormenta.
Um século pode ter se passado, mas eu ainda não
consigo compreender o verdadeiro objetivo do meu pai.
Isto é, havia alguma necessidade de escrever seus
sintomas naquela carta?
Eu conseguia sentir a sua malícia em sua escrita.
“Apesar de tudo, você é meu filho.”
Era isso o que parecia que ele queria dizer. Como um
sussurro em meu ouvido, onde eu conseguia sentir o seu
hálito que apodrecia até meu cérebro. Aquilo me atingiu
de maneira mais forte do que os espinhos da Máscara
de Pedra que posteriormente iriam perfurar meu cérebro

84
de maneira literal.
“Dio! Como um cavalheiro, jure sua inocência pela
honra de seu falecido pai, o Senhor Brando!”
Fui tomado pela fúria ao ouvir tais palavras de
Jonathan. Outro erro.
Eu deveria consentir assim como eu havia feito
durante os últimos sete anos. Se eu tivesse feito isso,
teria escapado e seria o suficiente para satisfazê-
lo. Então, por que eu fiz... Pensando bem, eu não me
arrependo do que eu fiz.
A honra de meu pai?
Como se algo assim existisse.
Como é jurar por algo que não existe? Só porque o pai
dele era um exemplo nesse aspecto, não significa que
todos fossem assim.
Todo o seu cavalheirismo o levou até aí.

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24
Parece que “Tower of Gray” falhou miseravelmente.
A mais rápida Stand da história – com exceção do
meu “The World” quando é ativado – foi derrotada. Essa
é uma situação preocupante.
É algo que vai além de minha compreensão.
Contudo, “Tower of Gray” foi capaz de fazer com
que o avião onde estava a caravana Joestar caísse...
Então é possível dizer que ele foi parcialmente bem-
sucedido em sua empreitada.
Ainda assim, eu não consigo negar a minha surpresa
ao descobrir que eles sobreviveram ao ataque da “Tower
of Gray” e à queda do avião... Agora, sabendo do
desgosto dos Joestar em envolver civis inocentes, eu
duvido que eles queiram usar um avião novamente. Irão
prosseguir por terra ou por mar.
Isso vai me fazer ganhar tempo. Tempo suficiente
para encontrar o caminho para o paraíso.
Pucci vai chegar aqui no Egito em breve. Enquanto
isso, enviarei outro assassino para dar cabo da caravana
Joestar.
Além de despachar Jean Pierre Polnareff – o usuário
do “Silver Chariot” – acabei enviando o usuário da Stand
“Dark Blue Moon” para quando eles decidirem tomar
alguma rota marítima. Isso vai acabar com minhas
preocupações.
Se em alguma hipótese eles forem derrotados,
acredito que eu próprio terei de intervir.

86
Deixando de lado as minhas preocupações, fiquei
abismado com o poder da Stand de Kakyoin Noriaki
depois de ser libertado do controle de meu parasita. Digo
isso porque chegou a mim que ele acabou sendo aquele
que derrotou a “Tower of Gray”. Como meu subordinado,
enquanto estava sob meu controle, ele jamais conseguiria
realizar tal feito.
Um acontecimento excepcional.
Talvez seja diferente com humanos ordinários,
mas quando eu transformo usuários de Stand em meus
subordinados com a ajuda do meu parasita, eles se
tornam mentalmente ingênuos. É a única explicação
que consigo encontrar. Criaturas de vontade fraca
são usuários igualmente fracos. Enquanto o parasita
fortalece o espírito dos fracos, o contrário acontece
com usuários de Stand.
Talvez agora fique mais difícil recrutar novos
subordinados.
Talvez eu deva recorrer ao mal.
Indivíduos como N’Dour... Ou ainda, como Jack, o
Estripador, assim como fiz há um século.
Devo transformar em meus seguidores aqueles que
não estão acorrentados ao conceito de bondade.
De certa forma, acredito que essa crença esteja
conectada com o meu objetivo de reunir trinta e seis
almas corrompidas.

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88
25
Eu me encontrei com Pucci.
Para que a velha Enya ou os irmãos D’Arby não
descubram, nós combinamos de nos ver fora da
mansão. Num esconderijo isolado... Infelizmente, eu
não consegui as respostas que esperava para as minha
dúvidas de forma esclarecedora.
A Stand que o poder da flecha despertou em Pucci
chama-se “Whitesnake”. É, de longe, a Stand mais
singular que conheço.
Um poder milagroso que pode remover tanto as
memórias quanto a Stand de seu alvo. Não tem alguma
utilidade em batalha, mas sua técnica de manipulação
de almas não fica atrás da dos irmãos D’Arby. É uma
Stand estupidamente útil.
Sim. Memórias e Stands.
Eu, Dio, nunca imaginei esses dois conceitos de
forma independente um do outro. Contudo, uma alma
só pode ser chamada assim quando tais ideias estiverem
juntas.
Nesse caso, a Stand de Pucci pode ser mais
adequada como uma chave para o paraíso do que a dos
irmãos D’Arby, que necessitam completar a condição de
vencer um jogo contra o oponente para que a alma possa
ser extraída.
Eu o questionei.
Perguntei mais sobre o assunto.
“O que aconteceria se você colocasse as memórias e a
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Stand que você extraiu de uma pessoa em outra?”
Em outras palavras, perguntei se era possível que
um ser humano consiga portar duas memórias e
duas Stands. Eu, Dio, até possuo duas Stands, mas
tecnicamente falando, isso se deve ao fato de possuir
dois corpos.
E ele me respondeu:
“De fato, é possível, Dio.”
É claro que, como o usuário da Stand, Pucci consegue
ler as memórias que rouba dos outros, mas caso ele
insira o disco em alguém, tal pessoa também teria
acesso a esse conteúdo, aparentemente.
O mesmo vale para o disco de Stand.
É claro que o novo usuário não conseguirá utilizá-
la com tanta eficiência quanto o usuário original,
mas se uma Stand é inserida graças à habilidade do
“Whitesnake”, seja em uma pessoa ordinária ou mesmo
um usuário de Stand, a nova habilidade poderá ser
usufruída.
Boas notícias, já que as respostas que eu havia
recebido até então para as perguntas que formulei com
tanto cuidado eram as melhores possíveis.
Se uma pessoa fosse capaz de portar várias memórias
e Stands, também seria possível conter em seu corpo
várias almas. Meu coração palpitava.
Contudo, Pucci continuou.
“Só que existe um porém, Dio”, ele disse.
“Há um limite para isso. O recomendável é inserir
apenas um disco extra. E mesmo quando você força
mais, o máximo possível é cinco deles... Digo isso, sem
fazer a mínima ideia do que o senhor pretende com
essas perguntas.”
Cinco discos.
O valor de cinco pessoas.
Não é o suficiente.
90
A menos que eu consiga reunir trinta e seis almas
em um único corpo, os portões do paraíso permanecerão
fechados. Quando comecei a pensar que a Stand de Pucci
seria perfeita para cumprir o meu objetivo, como se ela
fosse feita especificamente para tal, acabei logo me
desiludindo.
Contudo, a conversa não foi em vão.
Era essa a razão principal de eu querer conhecer
alguém como o Pucci. Ele talvez esteja apto.
Apto para colocar em prática o método para alcançar
o paraíso.
Os requisitos para chegar lá... Ele os possui.
“Eu gosto de indivíduos que almejam estar sempre
no topo. Você é um rei entre os reis. Para onde quer
que você vá, eu irei contigo. Eu o amo assim como amo
Deus.”
Foram suas palavras.
Só que talvez não seja Pucci que irá me acompanhar,
mas eu que irei acompanhá-lo em sua subida pela
escadaria do paraíso.

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26
Descuidado, eu, Dio, deveria ter me lembrado.
Acabei me tocando depois que Pucci retornou aos
Estados Unidos... Pode ser impossível que um humano
consiga conter tantas almas – memórias e Stands – em
seu corpo, mas eu, Dio, não sou humano.
Eu renunciei à minha humanidade cem anos atrás.
Eu coloquei a Máscara de Pedra e transcendi os
limites humanos.
Os espinhos que afetaram o meu cérebro me
proporcionaram um corpo incomparavelmente mais forte
do que o de um reles humano.
Talvez então eu pudesse burlar a restrição de
quantos discos do “Whitesnake” eu posso armazenar.
Com certeza, eu excederia os limites humanos.
Se eu tivesse pensado nisso antes, poderia até ter
testado... Ou talvez fosse perigoso?
Eu ainda não me adaptei totalmente a este corpo.
Ainda tem muito do Jonathan nele. Muito humano.
Se eu for realizar esse teste, teria que ser num
futuro próximo, depois de beber o sangue de alguma
jovem ou talvez ainda de um descendente próximo da
família Joestar. É possível que esses fatores aumentem a
minha taxa de sincronismo com esse corpo. Só então eu
poderia colocar em prática este experimento.
Se eu ainda tivesse a Máscara de Pedra, criaria
novos vampiros e os usaria como cobaias, mas parece que
não existe mais nenhum ítem similar... Talvez se eu
92
procurasse, é provável que eu ache algum, mas não sei
nem por onde começar.
Zumbis não funcionariam.
Enquanto eles podem ser imortais como os vampiros,
zumbis são como cadáveres sem almas. Isso faria todo o
experimento perder o sentido... Não.
Talvez justamente por serem cascas vazias, tal
teste possa ter algum valor empírico. Aliás, não criei
nenhum zumbi desde que acordei de meu sono secular.
Vou criar um ou dois, só para ter uma ideia...
Ainda assim, acima de tudo, preciso entrar
novamente em contato com Pucci.
Já faz anos que eu o conheço, mas só agora entendo
que ele possa ser o meu ainda desconhecido amigo.

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27
Vim a descobrir que “Silver Chariot” e “Dark Blue
Moon” foram derrotados pelos seus próprios alvos...
E tem mais... O usuário de “Silver Chariot”, Jean
Pierre Polnareff, teve seu parasita retirado pelo “Star
Platinum” de Jotaro. Assim como a ocorrência anterior,
ele se uniu à causa deles.
Depois de Kakyoin Noriaki, perdi outro usuário
valioso da minha equipe para meus inimigos... Sem um
parasita, é compreensível que o indivíduo deixe de lado
sua lealdade a mim, Dio. Mas por que eles também se
uniriam ao grupo Joestar?
Principalmente no caso de Polnareff.
Se tudo o que ele quer é vingar a sua irmã caçula,
certamente teria sido mais fácil como meu subordinado.
Será que ele guarda algum ressentimento por ter
sido manipulado?
Será que ele cedeu às suas emoções por eu ter o
usado como um mero serviçal e passado por cima de
seus direitos como humano?
Se esse é o caso, talvez seja mais um motivo para
deixar de usar os parasitas num futuro próximo.
Não posso fazer nada com aqueles já implantados...
Como era uma técnica com o intuito de objetificar o
ser humano, nunca parei para me preocupar com uma
maneira de cancelar o seu efeito e, por isso, ela não
existe.
Além disso, não posso me dar ao luxo de ter meu

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número de subordinados diminuído. Não posso perder
nenhum desses usuários de Stand que consegui reunir
com o simples intuito de alcançar o paraíso. Eu posso
ainda não estar completamente acostumado a este
corpo, mas a situação tornou-se crítica.
Eu havia tomado a decisão de eliminar o grupo
Joestar pessoalmente.
Havia. Contudo, acabei me arrependendo por acatar a
impertinência da velha Enya e agora essa hipótese está
fora de cogitação.
“Você está querendo enfrentá-los pessoalmente
porque eles são um pouco mais sortudos do que você
previa, Lorde Dio?”
“Ridículo! Você não deveria se rebaixar a ponto de
realizar tal ato!”
Ela sempre diz esse tipo de coisa. Foi quando ela
também disse que enviou sete usuários para dar cabo do
grupo Joestar.
Só que eu não a puni por sua atitude imprudente.
Eu não queria ter que confidenciá-la ao meu
objetivo. Caso eu o fizesse, provavelmente seria
repreendido, dizendo para deixar essa ideia de lado.
Só que há um dilema.
Por sorte, os usuários que a Enya enviou não estão
sob o controle de meu parasita... Então, caso eles sejam
derrotados, não irmão me trair.
E se conseguirem dar cabo do grupo Joestar,
melhor. Ainda, é a melhor hipótese possível. Já perdi a
vontade de fazer algo com as minhas próprias mãos.
Até agora, não enfrentei nenhum contratempo, de
fato.
Exceto a possibilidade de a velha Enya estar
decifrando as minhas motivações. Tirando isso, nenhum
contratempo.

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28
Entrei em contato com Pucci assim que ele chegou
aos Estados Unidos. Não parece que ele irá a algum
outro lugar, então pedi para que ele viesse o mais rápido
que lhe fosse conveniente... O mundo ficou relativamente
menor no último século, mas uma viagem da América
ao Egito ainda não é fácil para um reles humano.
Contudo, sem demonstrar nenhuma feição que
expresse insatisfação (ou seria tom de voz?), ele
aceitou de imediato. Ao ouvir a sua resposta, tive um
pressentimento.
“É ele”.
Essa sensação... Eu nunca passei por isso antes
Talvez porque eu nunca fui muito receptivo com relação
à amizade desde que disse abertamente que considerava
Jonathan meu amigo, há cem anos.
Contudo, é melhor não nos precipitarmos. Todo
cuidado é pouco.
É o que eu acredito, então eu disse a ele... Que não
havia motivo para tanta pressa. Eu não queria interferir
na relação de Pucci com Deus. Eu quero que ele continue
um religioso fervoroso, desde que não se torne um tolo
como minha mãe foi.
Eu vou confidenciá-lo com minha “ossada”.
Quando a necessidade surgir, seu poder será de
grande ajuda.

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29
Qual é a diferença entre humanos e animais?
Os dois têm alma.
Os dois são dotados de inteligência e fazem uso de
tecnologia própria. O que torna os humanos diferentes?
Ainda, o que torna o humano, um ser humano?
Todas as classificações impostas pela biologia
não passam de puro academicismo. Elas não têm lá
muito valor real... Eles simplesmente identificam e
categorizam como os biólogos querem e, se alguma
criatura não se encaixa em seus quesitos, acabam
enlouquecendo.
No fim das contas, não importa a qual categoria o
objeto se encaixa, no fim das contas, essa classificação
não vai ter valor algum. Talvez, não seja apenas uma
questão aplicada apenas aos humanos e animais, mas a
toda criatura viva... É tudo a mesma coisa.
Era sobre o que nós falávamos.
Chegamos a esse assunto ontem enquanto
conversávamos pelo telefone, sem motivo específico.
Quando terminei a minha indagação, Pucci
respondeu:
“Acredito que o que define o ser humano é o desejo
de padecer no paraíso, Dio.”
“É o objetivo final de todo o ser humano.”
“Animais não têm noção desse tipo de conceito. Os
humanos deveriam viver com o simples e único intuito de
garantir seu acesso ao paraíso. E é isso que os torna tão
97
especiais, Dio.”
Quero deixar claro que eu jamais havia tocado no
assunto “paraíso” com ele antes... Ele disse tais palavras
sem qualquer presunção, automaticamente.
Pode soar forçado, mas acredito que é um sinal.
Contudo, acredito que seja uma dica para que eu possa
me aproximar mais dele.
Gravidade.
Se existe uma força que atrai uma pessoa à outra...
Ela estaria agindo e forçando a minha aproximação?
Talvez meu destino tenha ligação com Pucci da
mesma forma que ele é entrelaçado ao destino da
família Joestar.
Certamente, será ele o meu guia em direção ao
paraíso.
Na próxima vez que nos encontrarmos, abrirei mão
de alguns subordinados e os delegarei a ele, só para me
certificar.
Não... É melhor avaliar direito a distribuição de
tarefas.
Joseph Joestar e Jotaro Kujo, bem como Avdol,
Kakyoin e Polnareff, com certeza não são indivíduos
com quem eu deva pegar leve. Eu não os considero uma
ameaça, mas eu encarava o inerme Jonathan Joestar da
mesma forma. E acabei perdendo três embates contra
ele.
No primeiro, eu apenas levei um murro.
No segundo, eu fui incinerado e humilhado.
No terceiro, eu também acabei em chamas e
decapitado.
No quarto, acabei ganhando por desistência.
Tenho que admitir.
No fim das contas, eu não tenho um bom quadro
de vitórias contra a linhagem Joestar... Eu não ganhei

98
uma briga sequer contra Jonathan Joestar para contar
história. Portanto, preciso me preparar sempre para a
pior hipótese.

99
30
Isso pode não ter nenhuma correlação com minha
empreitada de ir ao paraíso, mas acredito que preciso
deixar algum registro sobre a questão da Máscara de
Pedra.
Eu não sei o quanto a pessoa que está lendo isso
– e provavelmente se trata de Enrico Pucci – tem de
conhecimento prévio sobre o assunto, então a história
pode ser um pouco complicada de compreender.
A Máscara de Pedra é o objeto de estudo da
pesquisa de Jonathan Joestar. Ele planejava sustentar
sua tese em cima dela.
Mesmo dando uma fuçada em seus documentos, não
extraí nenhuma informação relevante sobre sua origem,
mas registrarei tudo o que eu sei aqui.
É um artefato antigo provindo do Povo do Sol, os
Astecas.
Um reino que ocupou as planícies do centro do
México do século XII ao XVI... E a Máscara de Pedra foi
uma herança de sua história.
Embora tenha sido uma herança, aparentemente
eles não a criaram tal tesouro... Há indícios de que a
Máscara foi criada por uma civilização extinta antes
mesmo de dominarem todos os seus poderes.
A Máscara foi tudo que sobrou.
De acordo com alguns boatos, parece que a Máscara
de Pedra foi descoberta pela equipe de expedição
arqueológica de William A. Zeppeli, este, mestre de

100
Jonathan Joestar.
Sejam eles seus descobridores ou não, aqueles que
buscam por tesouros acabam inevitavelmente encontrando
artefatos cada vez mais incríveis. Talvez a gravidade se
encaixe nesse contexto.
Talvez em vez de dizer que eles encontram tais
objetos, podemos dizer que são atraídos por eles, ou
coisa do tipo.
Eu ouvi dizer que a equipe expedicionária do Zeppeli
acabou sendo aniquilada devido aos poderes da Máscara
e à própria estupidez. Com exceção, é claro, do próprio
Zeppeli. Foi assim que a Máscara acabou se perdendo.
Como eles estavam em alto mar quando se deu
tal acontecimento fatídico, é normal pensar que a
Máscara de Pedra acabaria afundando e se perdendo
nas profundezas do oceano. Contudo, por alguma ironia
do destino, talvez chegando à costa por algum rio, o
artefato figurou novamente nos anais da história.
Desta vez, sem uma pausa tão grande quanto a
anterior.
Foi pouco tempo depois, quando a mãe de Jonathan
Joestar, em uma viagem a Londres, a comprou de um
negociador de arte.
A mãe de Jonathan Joestar.
Ouvi dizer que ela morreu num acidente quando
voltava para casa... Quando meu pai veio “resgatá-la”... É
claro, nunca conheci aquela mulher, mas ouvi dizer que
ela morreu com Jonathan em seus braços, protegendo-o
do desastre. Acho que assim é possível assumir que tipo
de personalidade ela tinha.
Com certeza, era uma mulher nobre e orgulhosa.
Provavelmente, uma mulher santa.
Provavelmente, uma mãe como a minha.
Bem, ela acabou se interessando de alguma forma
naquela máscara tão esquisita, então não era uma

101
mulher comum.
Se ela não tivesse perdido a vida naquele acidente
e se ela ainda estivesse viva quando fui adotado pela
família Joestar, tornando-se a minha mãe adotiva,
talvez a minha vida tivesse levado um rumo diferente...
É interessante pensar nesse tipo de possibilidade.
E ela certamente era igual à minha mãe. Imagino
como ela teria lidado com uma criança tão má quanto
eu era... Talvez ela acabasse sucumbindo a mim, assim
como aconteceu com George Joestar.
Voltando ao assunto, parece que George Joestar
manteve aquela máscara em sua parede como uma
homenagem à sua mulher, como se fosse uma
fotografia. Quando Jonathan disse que ia usá-la como
objeto de estudo, George não demonstrou qualquer sinal
de reprovação sobre a ideia.
Então ele não devia ser tão apegado a ela assim.
Talvez ele não tenha tanto apego às memórias
de sua amada porque é como se tal sentimento fosse
passado para Jonathan, como se tivesse o herdado.
Um herdeiro.
Jonathan Joestar.
E eu, Dio, apenas tornei o mundo num lugar melhor
depois de “tomar” a máscara dele. Foi uma discrepância
que chega a ser absurda.
Como se estivéssemos sob o efeito de uma força
gravitacional, a máscara saiu do México e percorreu
todo seu caminho até mim.
De certo ponto de vista, é possível afirmar que o
acidente de carruagem que matou a esposa do Joestar
também foi causado pela Máscara de Pedra. Bizarro.
Acho que está na hora de parar.
Escreverei mais sobre isso amanhã.

102
31
Ontem, estava escrevendo sobre as origens da
Máscara. Acho que hoje irei falar mais sobre sua
estrutura.
Não é uma tecnologia complexa a ponto de merecer
uma explicação aprofundada. Longe disso, é uma
estrutura completamente simples.
Quando sangue humano entra em contato com a
superfície da Máscara de Pedra, espinhos brotam de
dentro dela. Jonathan, em suas anotações, cunhou-
os como “agulhas ósseas“. Achei que foi uma boa
colocação, até... Enfim, eles brotam e logo fincam a
cabeça do usuário.
Contudo, não é apenas uma empalada. Esses
espinhos penetram fundo no sistema nervoso do
indivíduo.
De forma resumida, é assim que funciona a Máscara
de Pedra. As anotações de Jonathan também foram até
este ponto.
Jonathan não sabia de mais nada além disso. É
claro, seus efeitos só podem ser identificados com
experimentação humana. Só que Jonathan não é do tipo
que utilizaria seres humanos como cobaias... E foi por
isso que a pesquisa estagnou.
Havia alguma coisa escrita na máscara, no idioma
asteca. Parece que ele tentou decifrar o alfabeto, mas
não teve bons resultados.
Contudo, por acidente, eu, Dio, acabei realizando o

103
experimento num ser humano, algo que Jonathan não
tinha coragem de fazer e assim, desvendei o verdadeiro
valor da Máscara de Pedra.
Estou com um pouco de pressa.
Escreverei mais sobre isso amanhã.

104
32
Consegui um pouco mais de tempo para trabalhar
neste registro.
Como era de se esperar, a sanidade da velha Enya
acabou se deteriorando... E os sete usuários que foram
enviados acabaram sendo derrotados pelo grupo Joestar.
Um por um.
“Strength”.
“Ebony Devil”.
“Yellow Temperance”.
Todos eles foram reduzidos a um estado
irrecuperável.
As coisas estão ficando preocupantes. Homens sem
consciência moral como é o caso do “Ebony Devil” ou
“Yellow Temperance” são valiosos nesses novos tempos.
E eles são necessários para que eu consiga percorrer
o meu caminho em direção ao paraíso. Os usuários de
Stand que não são humanos – em outras palavras, o
usuário da “Strength”, o orangotango, são a prova de
que animais também têm alma... “Strength”, contudo,
foi derrotado e isso vai atrasar em muito os meus
planos.
No entanto, para manter o sigilo do meu objetivo,
eu não poderia chamar o orangotango. Isso atiçaria a
suspeitas de Enya...
É claro, não é algo realmente alarmante.
Ainda posso correr atrás.
Enquanto eu estiver com a Flecha em mãos, posso
105
fabricar incontáveis usuários a partir de animais, não é?
De acordo com os boatos, a Stand da areia, aquela
que representa a carta d’O Tolo, “The Fool”, tem um
cachorro como usuário. Contudo, é impossível recrutá-
lo como meu subordinado. Se os rumores forem
verdadeiros, Avdol, do grupo Joestar, já o colocou sob
sua tutela. É esse o motivo.
É por isso que eu estou com tempo livre agora, como
coloquei no início do registro de hoje... Por enquanto, vou
deixar esse assunto de lado em detrimento de continuar
o assunto do registro anterior.
A Máscara de Pedra.
Apesar de simples, a estrutura da Máscara de
Pedra... Relendo o que já escrevi, vejo que já citei sobre
como eu a descobri acidentalmente após testá-la em
um ser humano. Ou seja, descobrir a existência dos
espinhos sobre os quais Jonathan escreveu não passou de
mera coincidência.
Foi quando Jonathan, em fúria, esmurrou-me
ressentido pelo que eu tinha feito à Erina... Ele me
arremessou contra a parede e eu acabei cuspindo um
pouco de sangue.
Esse mesmo sangue, coincidentemente, espirrou
na Máscara de Pedra que, naquela época, ainda estava
pendurada na parede e fez com que os espinhos
brotassem, provocando a queda do artefato.
Eles logo recuaram. Talvez porque pouco sangue
entrou em contato... Por isso, Jonathan pensou que
ele foi o único que testemunhou o fenômeno. Só que
eu, Dio, mesmo em meu miserável estado de agonia,
também presenciou o ocorrido.
Eu vi as mesmas coisas que Jonathan.
A diferença é que ele decidiu cursar arqueologia
com o intuito de descobrir mais sobre o fenômeno e
divulgá-lo ao mundo, enquanto eu, pensando que aquele

106
mecanismo talvez me fosse útil, mantive minhas
intenções em segredo.
É um pouco vergonhoso escrever sobre estar
planejando algo que nem sequer havia sido concebido
ainda, mas continuarei para que o registro fique o mais
preciso possível.
Se esse caderno for lido por Enrico Pucci ou alguém
parecido com ele, acredito que minha atitude não será
julgada.
E se acontecer, significa que preciso rever meu
círculo de confiança.
Enfim, o meu plano era o seguinte:
Com o intuito de usurpar a fortuna da família
Joestar, o que eu tive que fazer... O que eu tive que
fazer - porque era necessário - foi matar o meu
pai adotivo, quem me criou e se autointitulava um
cavalheiro, George Joestar.
Como a minha última cartada, acabei resolvendo
assassiná-lo por envenenamento. Contudo, nos estágios
iniciais de concepção do meu plano, eu pretendia matá-
lo usando a Máscara de Pedra.
Eu iria colocá-la nele depois que ele fosse dormir,
espirraria um pouco de sangue e então, ela seria
ativada. Um humano, ao ter seu cérebro perfurado com
esses espinhos, certamente morreria.
Ao menos, era o que a lógica simples pregava.
Se eu tivesse feito isso...
Se George Joestar tivesse realmente morrido desta
maneira, o primeiro a ser acusado seria justamente
aquele que estudava a Máscara de Pedra. O único
que poderia ter quaisquer conhecimentos sobre seu
funcionamento. O próprio filho, Jonathan Joestar.
Se Jonathan fosse acusado, ele seria processado
e acabaria perdendo o direito à herança da família,
restando a mim, o único filho restante, receber toda a

107
fortuna. Eu iria herdar tudo... Não... Como meu plano
havia sido bem sucedido, eu iria ter tomado tudo.
Apesar da eficácia do plano parecer clara a ponto de
eu estar quase o colocando em prática, acabei notando
uma falácia grave.
Se o herdeiro, Jonathan Joestar, fosse acusado de
assassinar o patriarca da família, George Joestar, a
imagem da linhagem Joestar acabaria sendo manchada.
Todos os negócios acabariam entrando em falência.
Eu não queria apenas a fortuna da família Joestar,
mas também a honra e o renome. No fim das contas,
eu não queria herdar um sobrenome com uma reputação
tão suja.
Ou seja, abandonei o plano e decidi envenenar George
Joestar. Naquela época, eu me sentia mais seguro se
seguisse um método que eu tinha certeza que daria
certo, que eu já tive experiência para me assegurar. Na
hora, até pensei que Jonathan poderia descobrir, mas
acabei deixando para lá.
Talvez eu devesse ter seguido o plano original.
Mesmo se a carta não tivesse existido. Matar o
meu pai adotivo da mesma forma que matei meu pai
biológico parece muito simples e pouco inspirado.
Não... Não era certo.
Meu maior erro... Bem, foram vários. Contudo, o
maior deles foi não ter percebido que aquele quem eu
deveria ter matado primeiro era Jonathan Joestar, não
George.
Minha decisão de matar Jonathan acabou surgindo
só depois de o plano inteiro ter ido por água abaixo. Eu
não tinha feito o meu melhor até então. E eu nem
nutria qualquer sentimento por ele.
De qualquer modo...
Decidi ressuscitar uma parte de meu plano original.
Usar a Máscara de Pedra.
108
Decidi matar Jonathan Joestar.
Escreverei mais sobre isto amanhã. Caso eu esteja
ocupado, só no dia seguinte, então.
Por causa desses Joestar, meu plano não segue
como eu previa.

109
33
Dos usuários de Stand enviados para dar cabo da
caravana Joestar, restaram somente quatro:
“Empress”.
“Wheel of Fortune”.
“Hanged Man”.
E “Emperor”.
Deixando “Wheel of Fortune” e “Empress” de
lado, quero colocar que o “Hanged Man” é filho da
Enya. E digo mais, sua natureza repulsiva é um dom
extremamente raro. Hol Horse, portador da “Emperor” é
dotado de uma personalidade que não pende nem para o
bem, nem para o mal. Não acredito que ele seja útil em
minha empreitada de alcançar o paraíso, mas eu tenho
um apego pessoal a ele que me impede de dispensá-lo.
Sendo franco, eu não quero perdê-lo.
Na verdade, acredito que as chances de Hol Horse e
J. Geil derrotarem os Joestar são boas.
Eu, Dio, prevejo isso.
Venho refletindo sobre o motivo de os assassinos
que eu e Enya enviamos contra os Joestar terem sido
derrotados e eu acredito que a resposta é bem simples:
Está tudo nos números.
Eles são uma equipe.
Essa diferença é com certeza uma vantagem, se
considerarmos a questão Stand contra Stand. Por que
não seria? Bem, posso estar sendo bastante presunçoso,

110
mas em batalhas comuns entre seres humanos, a
diferença numérica é fundamental para a vitória.
O problema em batalhas entre Stands é que é
complicado que usuários formem equipes... Os mais cruéis
portadores de Stand preferem esconder suas habilidades.
E eu falo dos outros, mas a verdade é que existem
pouquíssimas pessoas que têm conhecimento sobre a
habilidade do “The World”.
A velha Enya, os irmãos D’arby e alguns outros...
Eu contei ao Pucci?
O motivo de alguém querer esconder suas habilidades
a qualquer custo é porque seus pontos fortes estão
diretamente relacionados às suas fraquezas... Então,
se você decide formar uma equipe, é preciso que os
outros tenham noção da extensão de suas habilidades e,
consequentemente, seus pontos fracos.
E, obviamente, ninguém quer que seus pontos fracos
venham à tona.
É por isso que a maioria dos usuários de Stand
trabalha sozinha. Até mesmo eu não tenho noção de
todas as habilidades de meus subordinados.
Posso ter formado essa seita comigo como centro,
mas todos têm suas próprias cartas na manga... E como
dita a regra fundamental do ser humano, aqueles que
têm mais poder, tendem a olhar os outros com altivez,
logo, usuários de Stand acabam por se tornar arrogantes
uns com os outros.
Indivíduos como os da caravana Joestar, ou seja,
que são usuários de Stand e atuam em grupo, são
extremamente raros.
Até onde eu sei, os únicos usuários que eu tenho
como subordinados e atuam em equipe são os irmãos
de sangue Oingo e Boingo e aquele homem com uma
personalidade rara entre os usuários de Stand: ele não
encara os outros com desdém. O homem que prefere ser

111
o ajudante em vez do protagonista, Hol Horse.
É por isso que eles são fortes.
Uma equipe formada por Hol Horse e o filho de Enya,
J. Geil é forte.
É provável que eles consigam, inclusive, eliminar por
completo a caravana Joestar. Além disso, aquele traidor,
Polnareff, quer se vingar de J. Geil por causa de sua
irmã.
Em outras palavras, existe uma grande possibilidade
que Polnareff acabe agindo por conta própria... E se
isso desencadear o desentendimento entre os membros
daquela equipe, um mundo de possibilidades se abre.
Aguardo ansioso por boas notícias.
Aguardo ansioso pelo sangue Joestar.

112
34
A velha Enya me propôs uma estratégia.
Uma estratégia que vale a pena ser ouvida:
“Lorde Dio, meu filho e o amigo dele estão indo
atrás do Joestar e dos outros, mas existe um plano
que eu gostaria de colocar em prática por trás das
cortinas”.
“Podemos ter sofrido uma sequência de perdas, mas
eu tenho certeza de que os assassinos que enviamos
já causaram algum dano no grupo, o que os faz nunca
abaixarem a guarda”.
“Neste exato momento, a única coisa que eles
realmente conseguem é garantir a própria segurança,
isso significa que o que eles já conquistaram
anteriormente deve estar vulnerável”.
“Eu me refiro à base deles, o Japão”.
“Holly Kujo está sob os cuidados da Fundação
Speedwagon, mas não existem usuários de Stand entre
eles... A única usuária naquele local é a própria Holly,
incapaz de controlar a própria Stand”.
“Em outras palavras, eliminar aquela mulher...
Eliminar a moça pertencente à família Joestar é
possível, acredito”.
“Assim que dermos conta do recado, traremos o
corpo até o Cairo. Se beber o sangue Joestar de seu
cadáver, Lorde Dio, você não conseguirá se adaptar ao
corpo de Jonathan com mais facilidade?”
“E se a filha e a mãe que eles estão dando tão duro
113
para salvar acabar sendo morta, Joseph Joestar e Jotaro
Kujo ficarão arrasados, tornando-se cascas vazias,
incapazes de lutar... O que você acha?”
“Já perdemos diversos usuários de Stand aqui”.
“Eu só preciso de sua permissão e nós iremos
providenciar a morte de Holly Kujo quando desejar. Por
favor, pense sobre o assunto”.
É um bom plano, Enya.
Um plano tão malicioso e sagaz que mesmo eu,
Dio, não teria sido capaz de bolar... É vergonhoso, mas
acredito que foi fruto daquilo que chamam de sabedoria
anciã.
Ao me dar tal ideia, a velha acabou se mostrando
um passo ou dois à minha frente.
Posso ter vivido por um século, mas aquela velha é
tão ardilosa que eu começo a acreditar que ela viveu
ainda mais do que isso.
Meu pai desnaturado iria adorá-la.
Eu gosto mais desse tipo de mulher do que as
chamadas santas, como minha mãe ou Erina... Se ela
fosse um pouco mais jovem... Ou melhor, muito mais
jovem, eu adoraria procriar com ela com o objetivo de
alcançar o paraíso.
Eu estou procrastinando para respondê-la, mas para
falar a verdade, eu pretendo rejeitar a sugestão.
Se tudo corresse bem – e provavelmente correria
– seria um plano magnífico. Contudo, se alguma
coisa desse errado por alguma ironia do destino, as
circunstâncias não se mostrariam nada favoráveis.
Foi porque eu descuidadamente acabei pondo minhas
mãos em Erina. Aquilo serviu como um estopim para que
Jonathan finalmente crescesse. Aquele riquinho mimado
cresceu o suficiente para me dar uma surra... Então,
se eu for descuidado a ponto de colocar minhas mãos
naquela mulher cujo nome é literalmente “santo”, Holly

114
Joestar, é possível que o mesmo ocorra com Joseph
Joestar e Jotaro Kujo.
É melhor deixar as mulheres imaculadas dessa
forma, imaculadas.
É claro que se eu, Dio, fosse mesmo degustar de
seu sangue, eu não posso me apressar.
Não posso cometer o mesmo erro.
Assim como eu deveria ter matado Jonathan Joestar
antes de George Joestar, eu preciso eliminar Joseph
Joestar e Jotaro Kujo antes de me livrar de Holly Kujo.
Enya ficará decepcionada, mas eu irei compensá-
la de alguma forma. Agora, eu estou no aguardo do
relatório de seu filho.

115
35
Estou com um pouco de tempo livre agora, então
continuarei o registro de alguns dias atrás.
O que eu me recordo da história de cem anos atrás.
Eu decidi matar Jonathan Joestar. O homem com
quem passei minha juventude e foi criado junto comigo
como se fosse meu irmão, ou melhor, que por lei, era
realmente meu irmão. Eu planejava matá-lo usando a
Máscara de Pedra.
O motivo principal era porque ele conseguiu descobrir
o meu plano de matar George Joestar. Contudo, mesmo
que isso não tivesse acontecido, eu acabaria o matando,
eventualmente.
Ou seja, eu só fiz o que se mostrava necessário.
Simples assim.
O que era necessário.
Não sentia absolutamente nada... Não passei por
conflitos internos, conflitos humanos. Isso aconteceu
uns dias antes de eu renunciar a minha humanidade.
Pensando bem, naquela altura do campeonato, eu já
havia renunciado a minha humanidade.
Ou ainda, eu alguma vez já fui humano?
Porque viver naquela pocilga que chamam de cidade,
com aquela mãe tola e aquele pai desnaturado contribuía
no cultivo da minha humanidade?
Naquele mundo cão, não havia um único ser humano
sequer. Eu não posso nem dizer que as atitudes de
minha mãe eram terrenas.
116
Não.
Como Pucci já disse, “o desejo de chegar ao
paraíso”.
Se for isso que torna o ser um humano, acredito que
minha mãe era, então, humana... E talvez mesmo como
um vampiro depois de abdicar até a minha última gota
de humanidade, eu, Dio, talvez ainda seja... Humano?
Na medida em que nos aprofundamos no assunto,
encontramos brechas para interessantes discussões
filosóficas. Aqui, contudo, ficarei ateado aos fatos.
Escreverei somente sobre o fato de ter fracassado
em meu objetivo de matar Jonathan Joestar com a
Máscara de Pedra... Agora, pensando melhor, esses
registros não passam de um compêndio sobre os meus
fracassos. Se bem que, não importa quantas falhas eu
acabe cometendo, desde que eu vença no final, será
suficiente.
A Máscara de Pedra não era um instrumento de
execução, para início de conversa... É claro que aqueles
espinhos que sa em dela e acabam fincando no cérebro do
indivíduo colaboram com essa concepção, de ser algum
instrumento de tortura primitivo, como uma donzela de
ferro. Por sorte, no último minuto do último instante,
percebi que não era.
Fico aliviado de não ter usado a Máscara de Pedra
como arma contra George Joestar.
Enquanto Jonathan se aventurava na Ogre Street e
procurava a origem daquele entorpecente oriental que eu
usei para matar o meu pai biológico e usava para tentar
matar o meu pai adotivo, eu vagava à noite pela cidade.
Com uma garrafa de uísque em mãos.
Com meu plano descoberto e Jonathan a caminho de
prová-lo, eu não podia fazer nada senão encher a cara.
Só que quanto mais eu bebia, mais nervoso eu
acabava ficando... Eu ficava nervoso quando ficava bêbado,

117
assim como aquele meu pai nojento.
Eu me sentia no fundo do poço.
É claro que seja meu plano desmascarado ou não,
eu não tinha a intenção de desistir de assassinar
Jonathan... Eu sabia que seu retorno da Ogre Street
seria improvável, mas caso isso ocorresse, eu abraçava
esse objetivo como um prêmio de consolação.
Meu plano estava desmoronando.
Minha vida estava desmoronando.
Depois de sete anos – quando o futuro deste com
quem vos fala estava por um fio – eu sabia que matar
Jonathan Joestar com a Máscara de Pedra, mesmo
que eu conseguisse fazer parecer um acidente, não
significaria muita coisa.
Enquanto estava em minha profunda depressão,
dois homens acabaram cruzando o meu caminho. Eu
normalmente ignoraria esse tipo de gente, mas acabei
me lembrando da minha infância, quando eu estava
acostumado a brigar contra esse tipo de ralé. Então,
eu acabei ignorando-os no começo, mas as palavras que
eles disseram a mim, Dio, me enfureceram:
“Ei, escuta, pirralho!”
“Fica aí vagabundeando em lugares como esse”.
“Devia ficar voltar para o colo da mamãe em vez de
sair de casa assim”.
Mamãe.
Mãe... A minha mãe.
No momento em que tais palavras se tornaram
claras, eu acertei a garrafa de uísque na cabeça de um
deles.
Minha grafia começou a ficar um pouco trêmula.
Escreverei mais sobre isso amanhã.
Quando abordarei sobre o experimento que realizei em
cobaias humanas.

118
36
Neste exato momento, a caravana Joestar está
sendo atacado pela equipe formada por J. Geil e Hol
Horse. Eu ainda estou no aguardo de um relatório do
progresso de suas atividades, então continuarei de bom
grado o assunto de onde eu o larguei ontem.
Eles vêm atrapalhando meus planos com bastante
frequência, recentemente.
Contudo, graças a isso, as memórias de cem anos
atrás parecem aflorar com mais facilidade. Realmente já
faz um século que eu não me sentia tão ansioso.
Como alguém que estava tão instável, acabei partindo
contra aqueles dois indivíduos impiedosamente. Eu não
brigava daquele jeito desde a briga contra Jonathan,
sete anos antes. Por sorte, as técnicas que seu corpo
assimila ainda criança nunca são esquecidas, não
importa quanto tempo tenha passado.
Ainda assim, admito que eu estava em desvantagem,
já que eram dois contra um. Dessa forma, eu planejava
derrubá-los um por um.
Seja uma batalha envolvendo Stands ou não, a
questão numérica é o que a define. Portanto, o ideal é
transformar uma briga dois contra um em duas brigas
mano a mano.
É um conceito fundamental da briga de rua.
Foi no segundo homem que eu usei aquela “arma”.
Aquela que estava guardando para matar Jonathan. Eu
estava carregando a Máscara de Pedra comigo.

119
Eu havia o acertado uma facada no primeiro indivíduo
e usei o seu sangue para ativar a Máscara no segundo...
Acho que posso afirmar que aquele foi o meu segundo
pedaço de pão, não é?
O segundo e o terceiro pedaço de pão.
Como eu esperava, não tinha gosto algum. Por mais
que eu tenha usado métodos diretos, no caso, uma faca
e a Máscara de Pedra, em vez de veneno oriental, como
eu fiz com meu pai, afirmo que não senti absolutamente
nada.
E não acredito que alguma circunstância pudesse
ter mudado isso.
Naquele aspecto, eu havia me tornado igual ao
meu pai. Por mais que aqueles assassinatos, ou melhor,
experimentos, tivessem sido influenciados pela bebida,
eles não deixam de ser assassinatos. Honestamente, se
eu estivesse em minha sobriedade naquele momento, eu
duvido que eu tivesse cometido tais homicídios.
Se bem que o fato de eu estar embriagado naquele
momento possa ter sido algo bom... Se eu não tivesse
tentado matar ninguém lá, eu provavelmente teria
colocado a Máscara de Pedra em Jonathan, como eu
havia planejado originalmente.
E só de pensar no que teria acontecido caso
isso ocorresse, eu sinto calafrios... Ou melhor... Eu
estremeço.
Só de pensar que eu, Dio, e Jonathan poderíamos ter
nossos destinos invertidos... É interessante.
Seria Jonathan quem se tornaria o vampiro imortal...
E o guerreiro mestre do Hamon determinado a
exterminá-lo seria eu, Dio.
Destinos interessantes.
Destinos reversos.
É claro que apesar de ser fascinante pensar nessas
hipóteses, nada disso realmente aconteceu. É algo que

120
realmente não iria acontecer, ou, como dizem hoje em
dia, não passa de palhaçada.
Perdi o foco... Voltemos aos experimentos em
humanos.
Assim que eu derramei o sangue na Máscara, os
espinhos brotaram dela e eles penetraram o cérebro
daquele homem. Foi quando a Máscara brilhou.
Foi um brilho intenso e cegante. Não... Talvez fosse
apenas impressão minha... Ao menos, era o que eu havia
pensado naquele momento.
Assim como uma pintura ou escultura que nos
impressiona parecem emitir algum tipo de aura, imaginei
estar acontecendo o mesmo com a Máscara. Só que eu
estava errado.
Depois de achar que aquele homem tinha morrido
com aqueles espinhos fincados no cérebro, eu me virei
para pegar o meu chapéu que havia caído durante a
briga. Foi quando ele me atacou.
Com um poder formidável.
Com um corpo rejuvenescido.
Que não sentia dor alguma.
Com uma força inacreditável capaz de quebrar a
minha clavícula no menor toque.
Ele me atacou, com a intenção de matar.
Não, eu não estou sendo preciso.
Ele não tentou me matar.
Ele tentou me devorar.
Se o sol não tivesse nascido poucos segundos depois,
eu teria me tornado a primeira fatia de pão daquele
vampiro que eu havia acabado de criar por mero acidente.
É claro que ser um reles humano sem ma estria
nenhuma em Hamon significava não ter forma alguma
de resistência contra um vampiro, uma entidade que
havia transcendido a humanidade.

121
O sol nascente transformou o corpo daquele homem
em cinzas, pó; então, desapareceu. Naquele momento,
aprendi que a fraqueza daquela poderosa forma de vida
era o sol.
Tudo aconteceu por mera coincidência.
Não havia nenhum planejamento ou intuição.
Eu aprendi sobre o segredo da Máscara de Pedra
e sobre a fraqueza dos vampiros por nada mais, nada
menos, do que pura coincidência. Ou ainda, alguns
diriam que não passou de uma sequência de fracassos.
Contudo, quando muitas coincidências acabam se
enfileirando, elas se tornam um padrão.
Foi quando meus fracassos se enfileiraram que eles
finalmente puderam ser chamados de sucesso.
Ao menos, é como eu interpreto.

122
37
É claro que naquela época eu não pretendia usar a
Máscara de Pedra pessoalmente. Sim, toda aquela força
e imortalidade eram incríveis, mas os sacrifícios que eu
precisaria fazer eram muito grandes.
Eu devo ter lido alguma coisa a respeito nos
registros de pesquisa do Jonathan... A Máscara de
Pedra trazia à tona o potencial latente do cérebro
humano.
Potencial cerebral... O cérebro humano é um órgão
que até hoje guarda muitos mistérios... A simples ideia
de que meros espinhos pudessem despertar habilidades
latentes que nós humanos jamais desenvolveríamos era
então bem antiga...
Despertar o cérebro. Forçá-lo.
É essa a finalidade da Máscara de Pedra. Só que
mesmo tendo conhecimento disso, ainda restavam
muitas perguntas a serem respondidas. Eu só realizei
um experimento simples numa cobaia humana. Jamais
havia pensado em pessoalmente acabar vestindo a
Máscara, só que...
Eu fui guiado para uma situação onde não havia
escolha senão usá-la.
Depois de meu experimento... Depois de minhas
andanças boêmias terem terminado, quem eu descobri
que já me esperava na residência Joestar era o próprio
Jonathan, que retornou em segurança da Ogre Street.
Não... “Em segurança”, não...

123
Ele trouxe consigo o chinês que havia me vendido o
veneno, bem como um novo amigo que ele havia feito na
Ogre Street.
Eles me encurralaram. Xeque-Mate.
Mas eu deveria ter previsto aquilo, sabendo o tipo de
homem que era Jonathan Joestar. Eu havia previsto que
aquilo ia acontecer muito antes de eu ter sido realmente
encurralado.
E mesmo assim, eu não pretendia recorrer a planos
tão covardes como fugir da mansão e nunca mais
voltar... Eu nunca fugiria de um homem como ele.
Eu voltei para encarar Jonathan na mansão Joestar,
local onde as garras da morte me aguardavam.
“Eu encontrei um antídoto!”
“Eu tenho provas de seu plano demoníaco!”
“Dio... Sinto muito que as coisas tenham acabado
desse jeito. Nós fomos criados como irmãos, mas eu
tive que chamar a polícia.”
Jonathan disse alguma coisa assim.
A meu ver, ele realmente parecia relutante em me
acusar.
“Eu não sei se você acredita em mim, Dio.”
“Mas é assim que eu me sinto.”
Como... Como eu devo agir? Tais palavras tão
“ternas” foram ditas a mim, o homem que pretendia
erradicá-lo... Imagino se Jonathan tinha ideia do quanto
elas me machucariam... Do quanto elas me ofenderiam.
Aquele olhar... Aquele olhar cheio de compaixão...
A maneira como ele me encarou... Eu duvido que ele
tenha sabido...
Mas eu não expressei minha raiva. Eu tolerei o
insulto de Jonathan.
E a ele, eu disse...

124
38
Recebi algumas notícias inesperadas, por isso deixei
meu último registro incompleto. Se esse caderno
é algum tipo de diário ou memorando, sua linha de
raciocínio é irrelevante, mas é um pouco incômodo
perdê-la desta forma. Ainda assim, eu não tenho
escolha. Tem algo que eu preciso confidenciar agora.
Algo desagradável.
Recebi informações que dizem respeito da derrota da
equipe formada por J. Geil e Hol Horse – uma formação
composta por usuários de Stand é algo raro neste mundo
– nas mãos da caravana Joestar... E parece que isso já
aconteceu há dias.
Existe um motivo para a informação demorar tanto
para chegar até mim. Um motivo previsível e inevitável...
Um motivo que eu, Dio, normalmente diria que não daria
tanta relevância. Sim, a pessoa responsável por me
trazer esse tipo de informação é a velha Enya. E ela
enlouqueceu no momento em que ela descobriu.
Derrota.
E parece que Hol Horse conseguiu realizar uma
brilhante fuga enquanto ao filho de Enya, J. Geil,
restaram apenas as empaladas vingativas do “Silver
Chariot” de Jean Pierre Polnareff.
Seu filho havia sido morto.
Até mesmo uma bruxa como ela seria capaz de se
entristecer dessa forma?
Mesmo não sendo uma mulher santa, ela ainda

125
nutre sentimentos maternos?
Enfim, eu acabei sabendo porque outro subordinado
interceptou a informação e veio até mim para contá-la,
mesmo que tardia.
Ainda assim, a derrota daqueles dois não foi em
vão. Soube que um dos pilares da caravana Joestar, o
cartomante Avdol, foi eliminado. Se considerarmos que
apenas J. Geil morreu e Hol Horse acabou sobrevivendo,
podemos encarar que houve baixas de ambos os lados.
Ainda assim, há aqueles que dirão que mais vidas foram
perdidas do nosso. Vidas. Almas podem ser subtraídas,
somadas mas certamente não podem ser divididas.
Ainda assim, levando em consideração nossos números,
acredito que esse resultado pode, sim, ser encarado
como uma vitória.
Ou algo parecido.
É, algo parecido com uma vitória.
Eu chamaria de vitória, mas a velha Enya, quem
podemos considerar o coração de nossa seita e sua
organizadora principal, enlouqueceu. Assim, não consigo
afirmar se o resultado foi igual para ambos os lados.
Fomos severamente danificados.
Não, foram danos catastróficos.
Sinceramente, já antecipo que talvez não possamos
nos recuperar.
Neste exato momento, a “Empress” está usando
sua Stand para perseguir a caravana Joestar, mas eu
gostaria de prever o resultado... Como uma organização
pode funcionar sem sua principal cadeia de comando?
Parece que a hora chegou. Parece que eu vou ter que
agir. Afinal, eu sou o indivíduo cujo destino é interligado
com o da família Joestar. E parece que tal interligação
precisa ser interrompida imediatamente.
Eu preciso planejar.
Desenvolver uma estratégia.

126
Assim como eu fiz há um século. Assim como eu
tive a necessidade de fazer.
Um plano para tirar tudo das mãos do herdeiro
Joestar.
Mas deixando isso para lá, é melhor eu achar um
jeito de resolver a situação da Enya.
Daquela mãe que enlouqueceu.

127
128
39
Existem muitas coisas sobre as quais eu poderia
escrever. São tantas que eu nem sei por onde começar.
Este diário é, acima de tudo, um registro sobre “como
chegar ao paraíso”... Desta forma, é diferente da
pesquisa de Jonathan sobre a Máscara de Pedra.
É por isso que não existe a necessidade de escrever
sobre a Máscara de Pedra em seus mínimos detalhes. E
continuar a escrever sobre minhas alterações de humor
de um século atrás só servirá para me deixar de mau
humor
Que, nas atuais circunstâncias, só piora. Talvez eu
deva interromper momentaneamente minha busca pelo
paraíso?
Será que eu deveria concentrar a minha atenção em
minha rixa com a família Joestar?
Talvez eu deva.
Não... Se formos pensar com objetividade, o método
para se chegar ao paraíso não será descoberto nos
próximos dias de maneira alguma.
O contrato que assinei é de longo prazo, sem data
definida para seu término.
Portanto, a coisa mais correta a se fazer é deixar
isso de lado por enquanto... É, essa ideia acaba se
mostrando um pouco desconfortante para mim.
Eu fico enjoado só de pensar ou escrever uma coisa
dessas.
Esse conceito do que o correto ou o incorreto a se
fazer é deveras irritante.
Por causa dessas pessoas... Do neto de Jonathan e
129
os outros... Eu preciso me afastar de meu plano original.
Agir de forma tão prudente a ponto de ter de adiar
meus objetivos é algo que não deveria estar acontecendo.
Esse tipo de atitude faz Dio ser menos Dio... Por
isso, continuarei atrás de meu objetivo original.
Assim, sem mais delongas, continuarei de onde eu
parei.
Jonathan havia me encurralado... Jonathan sentia
pena de mim, mas eu tolerei aquela humilhação e decidi
explorá-la. Eu fingi agir graciosamente e, na primeira
brecha, eu o apunhalaria com uma faca. Naquela
altura, eu não poderia me dar ao luxo de pensar nas
consequências.
Eu iria matar Jonathan.
Naquele momento, aquela era a única coisa que
passava pela minha mente... Jonathan, contudo, estava
preparado para algo do tipo.
Ele já havia trazido até uma tropa de policiais à
mansão... Não, eu duvido que essa tenha sido uma ideia
de Jonathan.
Com certeza, deve ter sido coisa daquele amigo
que ele fez na Ogre Street... Acho que seu nome era
Speedwagon ou coisa parecida.
Ele... Aquela pessoa me acusou...
Enquanto eu, Dio, continuava a minha encenação
para ver se conseguia fazer a cabeça de Jonathan, ele
chutou um candelabro contra mim e gritou:
“Esse sujeito fede! Fede mais do que vômito! Eu
nunca conheci alguém tão cruel!”
“Sua infância definiu quem você é hoje? Não
diga asneiras! Você é cruel desde o seu nascimento!
Apresse-se e o entregue para a polícia agora!”
Tais palavras me soaram tão verídicas.
Não foi no mesmo lugar, mas nós dois fomos criados
no mais baixo patamar que a escala social permite...
130
Eu, Dio, fui perfeitamente analisado por ele. Contudo,
obviamente, nós não nos daríamos tão bem assim.
Sequer consigo me imaginar próximo a ele.
E é possível que eu realmente tenha nascido mau...
Tenho certeza disso. Eu não me recordo de ter sido
puro ou bom algum dia de minha vida, ou sequer algum
momento em que eu possa ser considerado inocente.
Eu sempre zombei da santa que era a minha mãe
e não me recordo de já ter feito uma boa ação sequer
alguma vez na vida.
Se eu realmente fiz alguma coisa boa durante os
sete anos sob os cuidados dos Joestar enquanto eu
me fazia de bom filho e estudante, foi tudo porque eu
visava usurpar a fortuna da família, então não pode ser
considerada, de fato, uma boa ação. Foi uma atitude
falsa, insincera, que me torna pior do que alguém que
realiza más ações de forma direta.
Speedwagon tinha razão.
Eu nasci mau. Suas palavras eram verdadeiras...
Contudo, aquele foi seu único acerto.
Ele não tinha noção.
Mesmo que eu já tivesse nascido cruel. Mesmo que
a minha alma já seja maldita, o lugar de onde vim era
realmente horrível.
Eu sou cruel.
E minha infância foi ruim.
Não há contradições, somente constatações.
Depois daquilo, eu coloquei a Máscara de Pedra. Eu
renunciei à minha humanidade. Surpreendentemente,
quem acabou me incentivando a realizar tal ato foi
aquele homem, Speedwagon.
É estranho pensar dessa forma.
O destino pode parecer algo imutável, mas na
verdade, é só cometer alguns erros que ele pode ser
mudado com certa facilidade.
131
40
Eu implantei um parasita na Enya.
Foi a única maneira que encontrei para fazê-la
recuperar sua sanidade. Ao menos, era isso o que eu
pretendia quando fiz tal gesto. No fim das contas, ela
não voltou ao normal, só melhorou um pouco. Recebi
a notícia de que tanto “Empress” quanto “Wheel of
Fortune” tinham sido derrotados por Joseph Joestar.
Agora, ela mesma partiu para eliminá-los, sem me
questionar antes.
Imagino qual será o resultado.
A Stand da velha Enya, “Justice”, a permite
controlar simultaneamente um número imenso de
cadáveres de um modo que rivaliza até mesmo o poder
da Máscara de Pedra... Numa luta mano a mano, não
consigo pensar em alguma Stand que seja párea contra
a dela. Mesmo contra um grupo, não acredito que o
resultado seja diferente.
A habilidade daquela velha consegue superar a
desvantagem numérica... Minha única preocupação é
o efeito de meu parasita, embora eu não tivesse outra
escolha senão implantá-lo.
Como consequência, a força de sua Stand vai
diminuir e isso é algo a se preocupar, de fato.
Eu não estou com muita vontade de escrever hoje.
Amanhã eu continuo.

132
41
“Dio...”
“Eu ouvi tudo.”
“É uma vergonha... Não, é uma tragédia.”
“Eu tinha uma dívida com o seu pai... Eu tentei
amá-lo como se fosse meu próprio filho.”
“Eu vou me retirar aos meus aposentos. Eu não
quero ver meu filho sendo preso.”
Essas foram as palavras de meu pai adotivo. Ao
menos, as que me lembro.
As palavras de George Joestar.
Seu olhar era de pena, assim como o de seu filho,
Jonathan... Suas palavras eram sinceras.
Ele estava verdadeiramente triste.
E eu realmente acredito que ele não queria me ver
sendo preso, assim como ele deve ter me amado da
mesma forma que amava Jonathan.
Acabei de perceber uma coisa enquanto eu escrevo.
Será que George já não sabia sobre o meu plano?
Sobre as tramoias malignas de seu filho adotivo?
Sem falar daquilo que ele tinha acabado de dizer,
sobre o homem com quem tinha uma dívida, Dario
Brando. Ele sabia que não estava em dívida coisa
nenhuma. E que ele havia sido roubado... Mesmo sabendo
daquilo, ele continuava afirmando veementemente que
estava em débito com o meu pai, que tomaria conta de
seu filho e, por fim, o amaria.

133
Ele, de fato, era um homem capaz desse tipo de
coisa.
Talvez... Mesmo sabendo que seu filho adotivo estava
tentando matá-lo com o intuito de herdar a fortuna
da família e tomar o controle de sua linhagem, ele
continuaria me amando como seu filho adotivo tanto
quanto ama seu filho legítimo.
A droga que eu dava para ele.
Talvez ele a consumisse mesmo sabendo que era
veneno, não remédio... É esse tipo de coisa que me
incomoda. Se ele estivesse tomando mesmo aquele
veneno por livre e espontânea vontade com a ideia de
que eu fosse uma hora desistir de meu plano, eu talvez
realmente cedesse... Essa sua lógica seria muito mais
do que simples loucura ou qualquer coisa parecida que eu
já tenha sentido nesse mundo.
É diferente de ternura ou cavalheirismo.
É amor incondicional.
O quanto aquele “doador” estava disposto a doar para
mim?
Não... Eu estou divagando demais.
Eu duvido que alguém realmente fosse capaz de
fazer alguma coisa dessas. Isso vai muito além de
qualquer beatificação.
O amor desse pai superou o da mãe...
Ainda assim, eu acredito...
Eu acredito que o fato desse pai ter se sacrificado
para proteger seu próprio filho de ser morto por seu filho
adotivo é uma passagem direta para o céu.
Para um paraíso onde nem minha mãe seria capaz
de pisar.
Talvez num lugar onde ele possa ter reencontrado
Dario Brando.
Se os dois pais tivessem se reunido... Sobre o que
eles falariam?
134
Não é como se eu estivesse começando a me sentir
mal...
Mas eu continuarei amanhã.

135
42
Eu fui encurralado... Tinha sido encurralado e
lastimado tanto por George Joestar quanto Jonathan
Joestar. Eu, então, decidi colocar a Máscara.
Eu decidi renunciar à minha humanidade.
Se naquela mansão estivesse apenas os Joestar pai
e filho, ou ainda, eles mais o Speedwagon, eu teria
escolhido brigar como um ser humano comum em vez de
colocar a Máscara de Pedra.
Contudo, naquela situação, em que havia uma tropa
inteira de policiais carregando armas de fogo, não havia
outra opção viável... Eu não previ aquilo.
Foram eles que me forçaram a colocar a Máscara
de Pedra. Por um lado, foram eles que me forçaram a
renunciar à minha humanidade. Por outro, eu só fui
capaz de finalmente tomar essa decisão graças ao
empurrão deles.
Eu finalmente fui capaz de rejeitar a minha
humanidade.
Eu acredito ter dito alguma coisa do tipo ao
Jonathan... “Que ao menos seja você quem vai me
algemar”... Quando ele se aproximou... Sim, eu disse:
“JoJo...”
“As habilidades de um ser humano são limitadas.”
“Se eu aprendi alguma coisa em minha curta vida,
é que quanto mais planos você faz, com mais frequência
eles acabam falhando de maneira inesperada.”
“Exceto se você se tornar algo além de um ser
136
humano...”
Até hoje, eu não mudei de ideia quanto a isso.
Quanto mais planos são traçados... Com mais
frequência eles vão acabar falhando por circunstâncias
inesperadas.
Contudo, eu tenho um adendo a tal sentença:
Mesmo depois de se tornar algo além de um ser
humano... No fim faz contas, na mesma frequência
com que você traça os planos, eles acabam falhando por
circunstâncias inesperadas.
É isso mesmo. Até hoje, eles continuam falhando.
“O caminho para o paraíso...”
Por causa da família Joestar, meu plano que a esta
altura, já deveria ter sido bem sucedido, continua
falhando, sempre alvo de circunstâncias inesperadas e
imprevistas. Como se elas fossem inevitáveis.
De qualquer modo, com Jonathan bem à minha
frente, eu decidi colocar a Máscara. E diante de seus
olhos, eu renunciei à minha humanidade... Eu já tinha a
intenção de deixar de ser humano ao me banhar com o
seu sangue, mas no fim das contas, a culpa foi daquele
que o protegeu. O Sangue de George Joestar.
O pai protegeu o seu filho.
E os espinhos da máscara desbloquearam o meu
cérebro.

137
43
Soube através do Steely Dan que a “Justice” da
velha Enya havia sido derrotada pelo “Star Platinum” de
Jotaro Kujo.
Parece que o parasita, de fato, tem um efeito
colateral... Enfim, ordenei que Steely Dan executasse a
velha Enya.
Eu só faço o que deve ser feito.
Eu só fiz o que deveria ter sido feito.
Não sou abalado por emoções mundanas.
Mas, parando para pensar no que vem a seguir, eu
começo a ficar preocupado... Só de pensar em todas as
atividades que eu havia confiado à Enya e agora foram
interrompidas já me deixa exausto. Vou descansar um
pouco.

138
44
Qualquer um que esteja usando a Máscara enquanto
ela entra em contato com sangue acaba por se tornar
um vampiro, sem exceção. Contudo, o quanto de
consciência humana mantida pelo usuário depende de
pessoa por pessoa.
Por exemplo, o homem que serviu como cobaia de meu
experimento acidental, a primeira vítima da Máscara que
cheguei a presenciar. Mesmo que ele tenha se tornado
um vampiro, suas ações não iam além das de um simples
zumbi. A sede por sangue personificada... Eu também
estava um pouco confuso na hora, então, não serei
preciso em meu relato, mas acredito ser possível afirmar
que ele perdeu sua sanidade e sua razão.
Ele não tinha nenhum resquício de sua personalidade
original.
Então, creio que, dependendo da força mental de
cada indivíduo, os efeitos da Máscara podem variam.
Enquanto existem aqueles cujo ego se perde com o
enganchar daqueles espinhos, tornando-se um monstro
de corpo e alma, existem aqueles que se tornam
vampiros, com sua sanidade intacta.
Bem... Parando para pensar, talvez eu já tenha
perdido a minha sanidade, razão e consciência tempos
atrás.
Alguns podem dizer que eu já havia ficado louco.
Mas eu estou bem, desde que eu continuasse sendo
quem sou.

139
Mesmo que eu tenha renunciado à minha
humanidade.
Se eu tenho noção de mim mesmo, é suficiente.
Enquanto eu, Dio, mantiver o meu orgulho.
Não me refiro a Dio Brando.
Não me refiro a Dio Joestar.
D-I-O.
Enquanto eu continuar sendo essencialmente DIO...
Eu não me preocuparei com mais nada. É o que importa.
Eu até admito que colocar a Máscara de Pedra só
porque fui encurralado há cem anos possa ser um ato de
desespero. Contudo, fico satisfeito que minha razão...
Que o meu eu, permaneceu intacto.
A minha sorte, contudo, acabou aí. Bem aí. Isso
porque no final, depois de poucos minutos, acabei sendo
derrotado pelo poder explosivo de Jonathan.
Mesmo que eu tenha conseguido erradicar a tropa
policial com o meu poder vampiresco, Jonathan acabou
me carbonizando até a morte junto com mansão.
Eu havia sido carbonizado junto daquela mansão,
de onde eu guardava tantas memórias dos últimos sete
anos.
Não... Para ser preciso, não foram as chamas
que me mataram. Eu poderia escapar daquele incêndio
tranquilamente com a minha recuperação de vampiro.
Mas eu não pude.
Eu fui carbonizado pela Vênus, a deusa do amor e
padroeira da casa Joestar.

140
45
Reler o registro de ontem me deixa envergonhado.
Ser incinerado pela deusa do amor? Mesmo tendo
colocado como uma metáfora, eu acredito ter ido longe
demais. O que afinal eu estou escrevendo? Poemas ou
coisa do tipo?
Não foi nada disso.
Eu fui derrotado pela sorte de Jonathan. Pela sua
sorte e por sua inconsciência.
A Estátua da Vênus que decorava o saguão da
mansão Joestar, um simples objeto de decoração, foi
usada por Jonathan de forma inconsciente. E eu perdi.
Isso é tudo.
Eu vou me relegar aos fatos de como ele, com
seu frágil corpo à base de carne e sangue foi capaz
de subjugar-me, o Vampiro Imortal... Sem me ater a
qualquer liberdade poética, escreverei, a partir daqui,
apenas fatos.
Depois de ver meu corpo resistir a uma saraivada de
tiros da tropa policial como se eles não fossem nada...
Depois de ver meu poder de recuperação, parece que
Jonathan tentou me queimar até a morte.
E simples chamas não seriam suficientes.
Ele tentou me matar com um incêndio, que viria a
pôr abaixo toda a mansão Joestar... Para ser honesto,
parecia até que ele não se importava de ir para o outro
plano. Um suicídio duplo, digamos assim... Parece que
sacrificando a si mesmo... Ele se certificaria de que eu

141
teria sido completamente carbonizado e não poderia
escapar.
O pior é que, ainda por cima, Jonathan conseguiu
sobreviver. A única desculpa que consigo encontrar para
o fato de somente eu ter sido queimado daquele jeito é o
destino. Aquela história de luz e trevas... Sorte e azar.
Eu estava a falar sobre o inconsciente... Sobre como
ele, inconscientemente utilizou a arquitetura da Mansão
Joestar, onde ele viveu toda a sua vida, a seu favor,
bem como fez uso daquela estátua que esteve naquele
saguão por todo esse tempo... Só que com relação ao
conhecimento da estrutura da mansão Joestar, eu não
ficava muito atrás do Jonathan.
E, ainda assim, ele sobreviveu.
E eu “morri”.
Qual é a diferença?
Como eu já citei, é apenas uma questão de sorte.
Mas é isso o que decide tudo?
Será que a ida ao paraíso também é decidida dessa
forma? Quem tem sorte, pode chegar até o Reino dos
Céus, enquanto o azarado, não? É só isso?
Não é uma questão de nobreza ou orgulho.
Não é uma questão de praticar boas ações ou ser
filantropo.
Eu me pergunto, o que a minha mãe queria dizer
ao falar do paraíso, para início de conversa? Eu sei que
já é tarde demais para tratarmos desse assunto, mas
minha compreensão sobre o mesmo ainda é muito vaga.
Eu realmente não consigo enxergar o conceito
de paraíso relacionado a alguma religião. Será que se
refere apenas a “um lugar melhor”? Sendo bem sincero,
qualquer lugar era melhor do que aquela favela onde nós
morávamos. Então, podemos levar em consideração que
todos os lugares do mundo, com exceção daquele, eram
o paraíso? Dessa forma, simplesmente sair da casa dos

142
Brandos em direção à cidade já a deixava feliz?
Ela era capaz de ir ao paraíso.
Minha mãe se parecia com um monge asceta que
estava cumprindo sua penitência atrás de sua epifania,
a julgar pelo jeito que ela vivia – até morrer – naquela
favela.
É isso o que chamam de compaixão?
Compaixão pelo meu pai. Compaixão por mim.
E compaixão por todos os habitantes daquele local.
Como uma santa.
Será que era isso mesmo?
Se tudo for mesmo uma questão de sorte, tanto
este registro quanto minha empreitada em descobrir
o caminho em direção ao paraíso perde o significado.
Porque não importa o quanto eu pense sobre o assunto,
o quanto eu rache a minha cabeça para descobrir... Não
importa o quanto eu planeje, graças a circunstâncias
inesperadas, graças a consequências imprevistas, tudo
será em vão.
Sorte.
Talvez o meu azar já tenha começado ao nascer de
Dario Brando e daquela minha mãe tola... E a sorte de
Jonathan já começou quando ele nasceu como o herdeiro
da família Joestar.
Então, o próprio nascimento é a causa de tudo?
A própria concepção é a causa de tudo?
Dessa forma, é válido afirmar que a opinião do
Speedwagon estava incorreta. As circunstâncias de seu
nascimento são, de fato, um fator relevante. Então,
talvez, nascer mal e nascer sob más circunstâncias,
não são a mesma coisa?
Assim, ser capaz ou não de alcançar o paraíso
depende das circunstâncias de seu nascimento?
Eu já tinha chegado à conclusão de que minha mãe
não foi para o paraíso. Mas... E se ela conseguiu chegar
143
lá graças às suas boas ações ao longo de sua vida
terrena ou por algum outro motivo que eu sinceramente
não dei a mínima até agora?
Se esse for o caso, o que eu estou fazendo agora é
completamente inútil. Inútil e sem significado.
Devo descartar esse diário imediatamente?
Talvez seja a melhor coisa a se fazer. Talvez
eu consiga conquistar o paraíso sem precisar fazer
absolutamente nada. E se eu não puder, não importa o
que eu faça, não serei capaz de subir aos céus.
Esforços são inúteis e qualquer forma de resistência
é fútil.
E se for apenas isso o que me resta?

144
46
Mesmo se for simples assim, eu pretendo, por
enquanto, continuar com esse registro até o seu fim.
Mesmo se não houver qualquer motivo para tal. Ao
menos, eu poderei terminá-lo só para ter o prazer de
poder relê-lo mais tarde... Já que depois de derrotar a
caravana Joestar e ter conseguido o controle total desse
corpo, eu vou perder a minha motivação para viver.
Então, como uma espécie de preparação para
quando chegar o derradeiro momento, eu continuarei
esse registro como uma forma de obter prazer e,
consequentemente, uma vida melhor.
Agora, estou um pouco abalado.
Meus fracassos, além de frustrantes, não são
muito agradáveis de lembrar ou sequer de registrá-los.
Com o intuito de me acalmar, hoje eu escreverei
apenas sobre acontecimentos recentes.
Dissertarei apenas sobre o que aconteceu nos
últimos dias.
A Stand “Lovers”, do Steely Dan, foi derrotada.
Bem como a “The Sun” e “Death 13”.
Parece que o usuário do “Judgement” e a usuária
da “High Priestess” já estão a caminho, mas eu não
consigo acreditar que eles serão capazes de interceptar
a caravana Joestar.
Tais usuários eram subordinados diretos da velha
Enya. Agora eles estão agindo por conta própria... Não
estão esperando que eu, Dio, instrua-os de alguma
145
forma. Eles não dependem de ninguém para agir. Irei
ainda mais longe e afirmarei que as coisas já estão
fugindo do meu controle.
Por estarem fora de minha jurisdição, eu não tenho
como pará-los... Talvez eu devesse ter implantado
parasitas neles antes que as coisas atingissem esse
ponto, mas é óbvio que a eficácia desse método já foi
refutada.
Parece que Iggy, o cão usuário da “The Fool”,
também já está sob a jurisdição da Fundação
Speedwagon.
Speedwagon.
Aquele homem.
Mesmo morto, ele me causa problemas. Só de olhar
para essa corporação que ele ergueu, não importando
o quão ruim ele tenha sido em seu passado, me faz
questionar se aquele homem era um “herdeiro” ou um
“doador”.
Espera. Isso está ficando ridículo e eu estou fugindo
do que eu prometi agora há pouco.
Enfim, é provável que o tal de Iggy se una à
caravana Joestar num futuro próximo.
Pelo que eu escrevi, deu a entender que só
aconteceram coisas ruins até agora, mas também tenho
boas notícias.
Assim como o cão da “The Fool” e o orangotango da
“Strength”, encontrei outro animal usuário de Stand.
O usuário da Stand “Hórus”.
É um Falcão.
O nome que dei a ele (?) é Petshop e o coloquei para
fazer a guarda da mansão.
Com Petshop, consegui reunir todos os “Nove Deuses
Egípcios da Prosperidade” sob meu comando. Eles são
de uma categoria totalmente diferente dos usuários
relacionados às cartas do tarô, subordinados da velha
146
Enya.
Pretendo, em breve, reunir todos eles na mansão.
Antes que todos os usuários que Enya enviou sejam
eliminados... Enquanto eles arriscam suas vidas em troca
de mais “tempo”.
Ah, sim. Preciso ter uma conversa a sós com o Hol
Horse...

147
47
Combinei com o Pucci um dia em que ele pode
voltar à mansão.
Até lá, tentarei formular uma definição exata e
particular sobre o “paraíso”.
O que é o paraíso?

148
48
Agora que eu já me acalmei, continuarei a escrever
sobre os eventos de um século atrás.
Eu perdi.
Para o Jonathan. Não... Perdi tanto para o Joestar
pai quanto para o Joestar filho. Eu perdi... Eu morri. Eu
fui assassinado.
Mas eu não morri.
Eu não fui assassinado. Eu sobrevivi.
No último instante, uma pilastra que cedeu graças
ao incêndio acabou por destruir a estátua da deusa que
me empalava. Assim, eu sobrevivi.
Se isso era o que o tal chinês chamava de sorte, eu
tive sorte. Deve ter sido isso mesmo. Levaria tempo para
eu me recuperar do estado em que fiquei – um estado
que parecia além de qualquer recuperação - mas eu
consegui me manter vivo. Eu sobrevivi.
Minha vida continuou.
Não era uma vida humana, mas ela continuou.
E continua até hoje.
Eu não escapei da morte, simplesmente. Eu consegui
sobreviver.
Foi isso o que aconteceu.
Eu tive que me esconder por um tempo. Eu podia
ter me tornado um vampiro imortal com uma habilidade
de recuperação poderosa, mas ficar à beira da morte e
escapar por um triz levaria tempo para eu me recuperar,

149
assim como uma força vital considerável.
E, enquanto esperava o meu corpo voltar ao normal,
eu reunia seguidores como Jack, O Estripador, e me
deliciava com o sangue de jovens donzelas.
Eu me recuperei.
E esperei ansiosamente pelo dia em que me vingaria
de Jonathan.
Contudo, enquanto eu concentrava os meus esforços
na recuperação do meu corpo, Jonathan aprendeu o tal
de Hamon.
A energia do sol utilizada como uma forma
de celebrar a força da humanidade. Ou ainda, uma
celebração da vida. Ou da alma.
Essas técnicas... Ele aprendeu essas técnicas que
tinham como a principal finalidade o extermínio de
vampiros.
Ele as aprendeu.
Talvez eu já tenha o citado anteriormente, mas
quem ensinou tais técnicas ao Jonathan foi um homem
chamado William A. Zeppeli. Ele era o mestre de
Jonathan.
Pelo o que ouvi, Jonathan reencontrou Erina pela
primeira vez em muitos anos e, enquanto ambos davam
um passeio, se deparam com Zeppeli, que os esperava.
Após curar o braço quebrado de Jonathan e gentilmente
informá-lo de que eu, Dio, estava vivo, decidiu ensiná-lo
a arte do Hamon.
Que piada.
Não, eu não deveria rir de uma coisa dessas.
Sendo bem sincero, eu fiquei furioso.
Não importa o quão longe ele vá, Jonathan ainda é
um “herdeiro”. Ele nunca teve que ir em busca de um
meio de me derrotar.
Ele nunca precisou viajar até os confins do Tibete e
implorar para ser treinado.
150
Sem falar que a informação de que eu, seu arqui-
inimigo, estava vivo, praticamente caiu em seu colo.
Aliás, eu tinha certeza de que ele tinha pensado
algo como “É hora de esquecer tudo isso”, referindo-se
a mim e à Máscara de Pedra.
Ele era o tipo de homem que não queria que a sua
imagem se assimilasse a um assassinato.
O tipo de homem que queria se esquecer do gosto do
pão que ele havia saboreado.
O tipo de homem que iria descuidadamente retornar
à sua vida cotidiana, como se nada tivesse acontecido,
algo que teria deixado com que eu, Dio, ficasse
extremamente satisfeito, é claro... Contudo, Zeppeli
“doou” tudo o que tinha e Jonathan “herdou” de bom
grado.
A arte do Hamon.
E a maldição da Máscara de Pedra.
Ele herdou tudo isso.
O próprio Jonathan nunca mexeu um dedo sequer. Ele
simplesmente “herda” tudo que lhe “doam”. A vida de
Jonathan Joestar foi extremamente preguiçosa.
Vendo por este ponto, parece que o bêbado do meu
pai e Jonathan Joestar têm alguma coisa em comum. E
é possível afirmar que eu era considerado o arqui-inimigo
de ambos.
Contudo, meu pai era um “tomador”.
Um “tomador”, assim como eu.
Então, se analisarmos a fundo o conflito entre
mim e Jonathan, encontraríamos um embate entre
“tomadores” e “herdeiros”... E, se aprofundarmos mais
tal análise e considerarmos que eu perdi, concluiríamos
que, no fim, não importa o quanto tentemos, nós,
“tomadores”, jamais venceremos contra os herdeiros,
assim como os pobres jamais vencerão dos ricos.
Não, isso não faz sentido.
151
É verdade que eu perdi a batalha.
Mas a guerra contra a linhagem Joestar ainda não
acabou.
De fato, ela continua até hoje.

152
153
49
“Geb”, N’Dour.
“Khnum”, Oingo.
“Thoth”, Boingo.
“Anúbis”, que não tem um usuário próprio.
“Bast”, Mariah.
“Seth”, Alessi.
“Osíris”, Daniel J. D’Arby.
“Atum” Terence T. D’Arby.
“Hórus”, Petshop.
Os nove deuses do panteão egípcio.
Eu reuni todos eles, mais o Hol Horse, em minha
mansão... De fato, o conjunto completo merece ser
chamado de obra-prima. Se todas essas dez Stands
formassem uma equipe e atacassem em conjunto,
acredito que nem eu seria capaz de derrotá-las.
Mas eu tenho certeza de que isso jamais irá
acontecer.
Eles não formarão uma equipe.
Eles não formarão uma dissidência.
Usuários de Stand são extremamente apreensivos
quando se diz respeito a outros usuários de Stand,
principalmente quando o assunto em pauta é a habilidade
de cada um, como eu já disse anteriormente. Contudo,
sempre existem exceções à regra. Refiro-me a Hol Horse
e aos irmãos Oingo e Boingo.
Já deleguei as funções de cada um sobre como será

154
o procedimento a partir daqui. Como é muito provável que
a caravana Joestar consiga passar pelo “Judgement” e
pela “High Priestess” e chegue ao Egito, instruí a cada
um que os embosquem numa cilada e os eliminem.
Eu ainda não consigo medir o real potencial daquela
equipe, que se provou muito mais forte do que eu previa.
De acordo com as informações que chegaram até
mim, parece que a Fundação Speedwagon descobriu sobre
esta reunião. Em outras palavras, a caravana Joestar
já tem consentimento sobre esta mansão onde eu, Dio,
estou me escondendo.
Tenho repulsa em relação à simples ideia de
fugir, mas é uma hipótese que agora me parece bem
tentadora.
Chamarei Vanilla Ice e Kenny G.
Vanilla Ice, aliás, é o meu ás na manga. Contudo, é
impossível prever o resultado.

155
50
Escreverei agora o que eu consegui extrair da
reunião de ontem.
Eu devia ter feito isso no último registro, mas eu
precisava de tempo para tirar as devidas conclusões...
Porque a ideia que eu tive ainda é absurda até para mim.
Não, acho que irei guardá-la para outro dia.
Eu tenho o péssimo hábito de me precipitar.
Fazer esse tipo de coisa, até agora, só denunciou
as várias brechas em meus planos, não é? Sejam eles
relacionados ou não à minha busca ao Paraíso.
Hoje, irei me ater somente a fatos.
Receio que a melhor forma de descrever o que direi
a seguir é “previsível”. “Judgement” e “High Priestess”
foram derrotados pela caravana Joestar.
E as notícias ruins não acabam por aí. Parece que
Muhammad Avdol, o mestre da Stand “Magician’s Red”,
quem acreditávamos ter sido eliminado por J. Geil e Hol
Horse, sobreviveu.
E o fato de ele ter sobrevivido não foi uma simples
coincidência ou coisa do tipo. Era tudo parte do plano
de Joseph Joestar, o astuto neto de Jonathan, que
consistia em se “fingir de morto”.
Infelizmente, sou obrigado a admitir que eu caí
em seu plano. E, por causa disso, eles finalmente
conseguiram chegar ao Egito. É inacreditável que, em
segredo, Avdol se fingiu de morto e ainda conseguiu
preparar um submarino.
156
Ouvi relatos de que tal submarino foi completamente
destruído pela High Priestess, além de quase conseguir
deixar Jotaro em um estado irrecuperável.
Até ser derrotada.
Por outro lado, consegui perceber uma característica
minha que, até então, eu vinha ignorando. A
característica de aceitar, com calma, quaisquer notícias
ruins.
Uma característica que, de algum jeito, passei a
encarar como uma boa notícia.
Dizer que o plano de Joseph Joestar foi astuto pode
parecer condolência de minha parte, mas aquilo não
passou de uma trapaça nojenta capaz de humilhar o
inimigo de forma decepcionante.
Sem falar de Jotaro Kujo, que mesmo sendo um
inimigo usuário de Stand, demonstrou pouquíssima
misericórdia ao bater em uma mulher a ponto de deixá-
la em estado irrecuperável.
Falando nisso, Joseph também derrotou a usuária
da “Empress” sem qualquer hesitação... Ações
completamente inaceitáveis para alguém como Jonathan
Joestar ou George Joestar.
Atitudes sem qualquer tipo de cavalheirismo que
seriam inaceitáveis, cem anos atrás.
Até consigo relaxar um pouco, pensando assim.
Tais “herdeiros”, no final das contas, não herdaram
todo o ímpeto de Jonathan. De algum jeito, um pouco
desse ímpeto – ou talvez todo – tenha se esvaído.
Então eles não são motivo para eu me preocupar.
Tenho certeza de que eles serão derrotados por
algum dos nove Deuses Egípcios. Dependendo de quem
for, pode até ser fácil, como o caso do N’Dour.
Aguardarei ansiosamente pelo amanhã.
Amanhã, quando eu conseguirei organizar melhor os
meus pensamentos.
157
51
As Stands dos nove Deuses Egípcios, assim como as
já citadas habilidades dos irmãos D’Arby, são únicas.
Acredito que as cartas de tarô podem ser consideradas
algum tipo de protótipo... Ontem eu disse alguma coisa
sobre eu ser derrotado se todas juntas decidirem me
atacar - ou coisa parecida – mas dependendo de como
for utilizada, é capaz de que alguma delas sozinha seja
capaz de fazer frente a mim, Dio.
Entre elas, a que mais chama a minha atenção é a
“Thoth” do Boingo.
Ele é um pouco tímido. Ou melhor, ele tem o hábito
de não confiar nos outros. Como ele só se abre para
o seu irmão mais velho, Oingo, tenho dificuldades em
conversar com ele... Contudo, se for para descrever
a habilidade da “Thoth”, afirmo que é algum tipo de
“vidência”.
Sua Stand se manifesta através de um gibi.
E naquele gibi, o futuro é ilustrado através de uma
história em quadrinhos... Contudo, tem a desvantagem
de prever apenas o futuro próximo, além de não deter
nenhum tipo de poder de combate. Ainda assim,
tal Stand é extremamente perigosa graças às suas
previsões.
Disseram-me que é impossível que o futuro previsto
divirja do futuro factual.
“Minhas previsões têm 100% de eficácia”.
Foi o que ele disse.

158
Para um garoto como ele - sem o mínimo de
autoconfiança – dizer alguma coisa com tanta
convicção, deve ser verdade. E, até agora, se provou
assim.
Foi isso o que eu pensei quando soube da habilidade
da “Thoth”.
“Ela pode ser utilizada com algum propósito?”
“Por que você iria querer saber um futuro inalterável,
para início de conversa?”
“Se o destino é imutável, saber sobre ele não vai
fazer nenhuma diferença, vai?”
Foi isso o que eu pensei.
Certamente, seria muito confortante saber de um
futuro agradável... Ou melhor, a respeito de um futuro
desejável. Isso, com certeza, concentraria todos os
meus esforços em ter noção do meu futuro o mais
rápido possível.
Mas e se a previsão do livro-Stand em questão for
um futuro completamente indesejável, o que eu deveria
fazer? Colocando uma hipótese extrema, e se ele previr
a sua própria derrota?
Se existisse alguma maneira de driblar tal futuro,
seria fantástico, mas é algo impossível.
“100% de eficácia”.
Inevitável... Se uma tragédia for, de fato, inevitável,
é melhor não ter ideia da mesma, não é?
Saber uma coisa dessas dá no mesmo que saber
toda a trajetória de alguém logo no instante de seu
nascimento. Não importa quanto esforço você aplique
com a intenção de mudar o seu destino, seria um gasto
desnecessário.
O nascimento é a origem de tudo.
Por exemplo, se a “Thoth” do Boingo prever sua
morte, o que você vai fazer? É o que permeia a minha
mente agora.
159
Olha, pode parecer uma dúvida em cima da qual eu
passei muito tempo pensando a respeito, mas ela só
brotou há dois dias, quando eu a esclareci.
Eu perguntei ao Boingo.
Se ele previsse sua morte, ou ainda, um futuro
extremamente desagradável, triste – como a morte de
seu irmão, talvez – o que ele faria a respeito?
Seria esta uma pergunta cruel a se fazer a uma
criança?
Mas eu não podia fazer nada senão perguntar.
Porque a resposta, por algum acaso, poderia servir
como uma pista em minha empreitada até o Paraíso.
E isso antes da caravana Joestar chegar. Eu tive que
perguntar.
Boingo estava se escondendo. Não estava me
encarando nos olhos, ele tremeu e gaguejou... Mas com
uma vontade não característica, me respondeu:
“Mas...”
“Mas ainda assim, Lorde Dio...”
“Se você encarar uma tragédia inevitável... Saber
sobre ela lhe dá a vantagem de se preparar.”
Palavras tão verdadeiramente sábias que nem
parecem ter vindo de uma criança.
Por causa dos meus pais, eu amadureci bem rápido,
mas eu duvido que fosse capaz de dizer alguma coisa
tão audaz quanto quando tinha a mesma idade do
Boingo.
Se você conhece o seu futuro, você pode se preparar
para ele.
Você pode se preparar. E isso levaria ao conforto.
Em outras palavras... Não seria o próprio “futuro”, o
“Paraíso”?
Saber sobre seu futuro ruim não é motivo de
“desespero”, mas um motivo para “esperança”, não
é? Mesmo sabendo que você vai morrer amanhã, você
160
pode se preparar para o acontecimento e, assim, ficar
confortável, mais feliz, a respeito, não?
O “preparo” afasta o “desespero”.
E, assim, chego à conclusão de que o próprio futuro
é o paraíso.
Contudo, tal conclusão ainda não passa de uma
hipótese... A Stand do Boingo não é o suficiente.
“Thoth” não é o suficiente. Aparentemente, a única
preparação possível para uma previsão tão simples e
imediata é o seu consentimento.
Não é possível extrair muitas soluções a partir do
conhecimento de um futuro tão próximo.
E não são essas soluções que eu busco... Existe uma
grande diferença entre se preparar para um tropeção e
ao fato de alguém com quem você se preocupa muito se
envolver em grande perigo. Depende muito da situação.
E sem grandes soluções a longo prazo, eu duvido que
alguém consiga conquistar o paraíso.
Ainda não é o suficiente. Não, por enquanto. Eu
ainda não acredito que isso é o suficiente para dizer
que existe um meio de chegar ao paraíso... Seria possível
que eu tenha ficado tão fascinado com tal ideia que até
agora eu só olhei para frente, sem espiar o que ficou
para trás?
Afinal, o que é este caderno? Um registro da
estagnação dos meus planos? Ridículo. Acabei me
apegando a pensamentos impróprios. Não é algo que eu,
Dio, assim como um imperador, deva deixar acontecer.
Vamos colocar tudo em ordem.
O que é necessário para conquistar o paraíso.
“As almas de trinta e seis pecadores”.
“As quatorze palavras”.
“Um amigo em quem eu possa depositar minha
confiança incondicional”.
E a minha Stand. A Stand do “Tempo”.
161
“The World”.
É. Está certo. Eu realmente estou fazendo algum
progresso. Estou avançando.
Assim como o tempo passa, eu estou avançando
firmemente no meu próprio passo. Isso é certeza. Não
importa o que me falta ou o que eu já perdi. Tal noção é
algo que não me resta dúvidas.
Eu posso ter perdido a oportunidade, mas agora é a
melhor hora...
Porque aqui, eu vou escrever o motivo das almas de
trinta e seis pecadores serem necessárias... Até aqui,
eu as citei como a matéria-prima principal para chegar
aos céus, mas graças aos esforços de Boingo, eu tive a
certeza.
Minha própria determinação. Acredito que já fiz um
progresso considerável nela.
É claro que apenas a determinação não é o que vai
me levar a completar o meu objetivo... Eu já escrevi
sobre como é que a soma das almas foi incluída na
equação, mas e sobre o número exato? Quanto vale
exatamente a alma de uma única criatura?
Vamos partir do pressuposto do número dez.
Partindo do número dez, consideramos que é o
número mais simples para um ser humano - ou melhor,
um vampiro – dividir. De todas as bases numéricas,
a que se sustenta nos múltiplos de dez é a mais
difundida. Acredito que é justamente porque humanos
têm dez dedos nas suas duas mãos.
Então será a minha base a partir daqui, também.
Vamos atribuir a essas almas uma proporção de
“maldade” e “bondade”. Parece que a alma da maioria
dos humanos está na proporção de meio a meio, cinco
para cinco... Daniel J. D’Arby é capaz de dividir as
almas que ele transformou em fichas, mas o número
máximo que ele consegue é dez.

162
Foi quando eu soube disso que eu passei a acreditar
que a hipótese do número dez estava correta.
O problema é como classificar essas dez fichas.
E então, dividi-las entre pretas e brancas, na
proporção certa.
Para um homem justo e honrado como Jonathan
Joestar, todas as dez fichas seriam brancas. Uma
proporção de dez para nenhuma, sendo uma boa pessoa.
O mesmo ocorreria com a minha mãe.
Uma mulher imaculada também estaria na proporção
dez para nenhum. Uma santa.
E para mim, ou alguém como Jack, o Estripador,
ou ainda o filho da Velha Enya, J. Geil, tenho certeza
de que todas as dez fichas seriam totalmente negras.
Proporção dez para nenhum.
O que eu busco são trinta e seis pessoas com
dez fichas negras.
É uma conta fácil até para uma criança. Trinta e
seis vezes dez, trezentos e sessenta.
Trezentos e sessenta é o número que representa
um círculo. Ao mesmo tempo, um relógio.
Com trinta e seis almas, mais a minha, o relógio vai
dar uma volta completa.
Sim, mais de trinta e seis almas indica um número
maior do que uma revolução completa.
O Tempo torna-se uma revolução.
É assim que se conquista o paraíso. Este é o guia.
Do jeito que eu escrevo, dá até a impressão de que
eu conheço o assunto com profundidade, mas neste
exato momento, meu raciocínio não está completo. Se
essa lógica estiver correta, para colocá-la em prática,
eu preciso ter coragem para abrir mão da minha Stand,
temporariamente.
O que eu preciso é coragem.

163
A coragem para abrir mão da minha Stand... Os
resquícios da minha Stand irão conduzir e absorver as
almas dos trinta e seis pecadores.
E algo novo irá nascer daí.
Fazendo isso, tal ser recém-nascido irá finalmente
despertar... E as quatorze palavras preferidas pelo meu
amigo de confiança representarão sua inteligência. O
amigo confia em mim.
E eu serei o seu amigo.

164
52
Parece que o Jonathan aprendeu o Hamon com
bastante facilidade... É claro que seu treinamento foi
rigoroso. Com uma semana ou duas de... Chamaremos
isso de “dedicação”, ele foi capaz de dominar a arte
do Hamon... Ah, francamente, como eu posso dizer...
Sendo direto, isso me incomoda de verdade.
Algo que eu e a grande maioria dos seres humanos
é incapaz, ele conseguiu com muita facilidade. Como
se ele tivesse recebido de bandeja, como se ele tivesse
“herdado”, ou ainda como se já estivesse com ele
por durante todo esse tempo... Enfim, ele conseguiu
dominar, de uma maneira ou outra.
Talvez seja o que chamam de talento.
Uma dessas qualidades que só aparecem uma vez a
cada dez mil.
Com uma baboseira dessas, ele rapidamente me
alcançou, alguém que fez grandes sacrifícios e cuja
humanidade foi transcendida.
“Tomadores” e “herdeiros”.
A diferença entre ambos é tão grande assim?
Imagino se eu soubesse isso desde o princípio, de
que tal discrepância fosse tão gritante e que isso se
complicaria no futuro... Teria eu decidido acabar com
tudo isso logo no começo?
Se eu conhecesse o meu futuro, teria eu me
tornado feliz?
Pelo menos, mais do que o Jonathan... É claro
165
que eu não sei qual era a solução ou a precaução que
Jonathan teria na manga, não que eu quisesse saber.
Com o intuito de exterminar o monstro que eu
havia me tornado, ele conseguiu seguir o meu rastro
até à cidade oculta entre os vales onde eu estava
me escondendo e me recuperando dos ferimentos,
Windknights.
Era um vilarejo construído na idade média como
um lugar onde os cavaleiros a serviço do rei pudessem
treinar. E naquela época, era comum o aproveitamento
da formação geográfica para se erguer uma prisão que
fosse cercada por montanhas em pelo menos três de
seus lados.
É claro que o motivo de eu ter escolhido justamente
o Distrito Windknights como meu local de recuperação
era por causa daquela prisão. Como eu já escrevi
dezenas de vezes, seres malignos geralmente resultam
em zumbis melhores.
O que eu pretendia era criar um exército de
zumbis... Talvez aleguem que o fato de eu ter
conseguido ressuscitar os poderosos e lendários
Tarkus e Bruford, guerreiros cuja existência havia
sido documentada pelos livros de história, como meus
guarda-costas particulares era apenas um subproduto
dessa empreitada.
A questão é que colocando tal plano em prática, eu
pretendia aumentar o meu número de subordinados,
ganhar o controle do vilarejo e, posteriormente,
Londres, para então conseguir deixar o mundo todo sob
o meu domínio. Era o meu objetivo final, naquela época.
Eu acreditava que só assim eu conseguiria alcançar a
verdadeira felicidade.
Ou, talvez, acreditava que era assim que eu
conseguiria minha admissão no paraíso.
Hoje, penso diferente.

166
Eu reconheço os meus erros do passado.
Manter-se no topo – seja em seu ecossistema ou
cadeia alimentar, é a mesma coisa, no fim das contas
– não é o mesmo que cantar vitória.
A verdadeira vitória é contemplar os portões dos
céus.

167
53
Eu estava conversando, acho que era com a velha
Enya.
Perguntei a ela alguma coisa do tipo:
“O que significa ‘viver’?”
“Qual é o motivo da vida humana?”
Sua resposta para tais questionamentos era simples
e direta:
“Para conquistar o que se almeja.”
“É assim que eu resumo a questão da vida humana”.
“Queremos dinheiro. Queremos fama. Queremos
comida. Queremos amor. Queremos amantes.”
Uma resposta tão realista quanto grandiosa.
Contudo, onde houver alguém tentando conquistar o
que almeja, haverá conflito... Se você perde tal conflito
e não obtém o que quer, você sente o gosto da derrota
e do fracasso. Acaba com um ferimento que dura até a
próximo embate...
Você sente “medo”.
Então, eu a respondi:
“Acredito que viver significa conquistar o medo...
Aquele que conquista o mundo é quem sobrepujou seus
temores e não guarda nenhum resquício de receio!”
E, diante daquela resposta, a velha Enya me
perguntou algo que me soou estranho aos meus ouvidos.
“Lorde Dio... Como alguém grande como o senhor
pode temer alguma coisa?”

168
Foi quando eu respondi: “A linhagem Joestar... Eu
não consigo fazer frente à linhagem Joestar“.
Enya debochou de minha sinceridade... Ainda, ela
debochou tão alto que eu tive que repreendê-la. Até
agora, minha máxima vem se concretizando.
Os usuários de Stand que enviei como assassinos
foram derrotados um por um, sendo que dois deles
acabaram se unindo ao inimigo. E todo o deboche da
velha Enya voltou-se contra ela, que também acabou
derrotada. No fim das contas, tive que dar o aval
para a sua execução sumária. Agora, eles finalmente
conseguiram chegar ao Egito.
Chegamos além do limite de qualquer frente que eu
conseguisse fazer.
Foi o suficiente para que eu me arrependesse da
minha decisão anterior.
Eu deveria ter lidado com eles com maior
seriedade... O que importa é que minha busca pelo
caminho do paraíso terá de ser adiada, não importa se
ela atualmente avança ou está estagnada.
E agora, apesar da minha relutância em usar a
palavra “medo”, eu não estaria fugindo da verdade caso
eu a utilizasse agora.
Não faz sentido blefar.
Eu preciso reconhecer. Eu preciso me convencer.
O que eu sinto agora é uma ansiedade que se insiste
como obstáculo na minha vida.
Uma espécie de antítese da motivação da vida
humana.
Estou despreparado.
Humanos – e até mesmo eu, Dio, que renunciou a
própria humanidade, não sou exceção – não importam
quem sejam, vivem para conquistar seus medos e
ansiedades em detrimento de uma consciência limpa.
Ficar famoso, angariar subordinados, lucrar...
169
Sempre com o objetivo de dignificação da alma.
Casar-se e fazer amigos não é uma exceção à
regra.
Ter um propósito.
Pregar a paz e o amor.
Todas são ações com o intuito de conquistar uma
consciência limpa. A alma lavada é o verdadeiro objetivo
da humanidade.
É no que eu acredito.
Neste caso, se você tem plena noção de seus medos
e ansiedades, tal convicção pode ser convertida em uma
espécie de consciência limpa, não é?
Há alguns meses, eu tinha conhecimento da
linhagem Joestar, mas não era capaz de tomar
consciência da mesma.
Eu acredito que eu achava que não precisaria me
preocupar com isso... Ou talvez eu acreditasse que
existisse uma boa chance de que as previsões da Enya se
mostrassem certeiras e que eles seriam eliminados pelo
usuário da “Strength” ou qualquer outro... Não.
Eu pensei, de fato, que tal possibilidade era alta.
É por isso que hoje estou com tanto receio... Ou
melhor, instabilidade emocional.
Porque eu não havia me preparado.
Eu me tornei apreensivo com situações que não
estavam previstas.
Assim, mesmo que o futuro torne-se obscuro, se eu
compreendê-lo como tal, serei capaz de me estabilizar
com sentimentos mais calmos.
O Paraíso é decorrente da preparação.
Quanto mais eu me apego a esse pensamento, mais
eu acredito que ele está correto. Justamente porque ele
concorda com o que a minha mãe sempre costumava
dizer a respeito.

170
“Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e
viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar
no céu”.
Nobreza e orgulho.
É assim que ela encontrava sua vontade naquele
lugar onde estavam as minhas raízes. Desde que ela se
preparasse em vida – e isso envolvia sobreviver àquele
lugar infernal – seria possível sentir-se no paraíso
posteriormente, não?
O Paraíso não está recheado de felicidade. O paraíso
é a felicidade em si.
Saber disso será suficiente para se preparar e
adquirir a vontade necessária.
O Paraíso é o futuro.
É o amanhã.
Então... Quando é o amanhã?
É para isso que os ponteiros do relógio andam.

171
54
A stand “Geb”, do N’Dour, foi derrotada.
A principal causa de sua derrota foi a stand “The
Fool”, do Iggy... Bem, acredito que num deserto, mesmo
o melhor dos estrategistas teria dificuldade de se opor
a uma Stand feita inteiramente de areia.
Seria uma coincidência? Ter o deserto como campo
de batalha justamente quando um usuário cuja Stand é
composta por areia acabou de se unir à equipe é mera
coincidência?
A sincronia dos acontecimentos foi perfeita demais
para ser verdade.
Não importa a desculpa, é coincidência demais...
Talvez fosse o tal destino?
E se for apenas boa sorte? Certamente, se o
oponente fosse Jonathan, eu teria certeza disso.
Acredito que o fato de eu ter sobrevivido cem anos no
fundo do oceano é graças à sorte do Jonathan, também.
E foi a mesma sorte que acabou me trazendo
novamente à superfície. A minha própria sorte é
suficiente apenas para eu acabar apodrecendo no fundo
do oceano.
Em minha luta contra Jonathan, há uma centena
de anos, se ela tivesse progredido sem interferências,
eu certamente teria vencido Jonathan mil vezes em mil
ocasiões. Mesmo se adicionarmos à equação a minha
chance de derrota, seria um número tão ínfimo que
beira o ridículo.

172
Ainda assim, eu fui derrotado.
Até nos dias de hoje, a única pessoa que eu pensava
ter derrotado, Muhammad Avdol, sobreviveu. Deve ser o
destino.
Em outras palavras, o futuro ainda está do lado dos
Joestar.
Contudo, nem todas as notícias são ruins.
Ao que me parece, Apesar de não matá-lo, N’Dour
conseguiu ferir Kakyoin. Pelo menos, por enquanto, o
poder de fogo do grupo está reduzido.
Suponho que deveria creditar N’Dour pela conquista.
Claro, se isso fosse possível. Eu o congratularia
pessoalmente, mas ele morreu.
Acredito que ele era alguém “preparado”.
Isto é, ele era um usuário que nasceu com sua
Stand. Não a obteve do Arco e Flecha. Ele sabia que
não adaptava ao mundo à sua volta.
E ainda assim, ele continuou vivendo.
Sem temer absolutamente nada e praticando todo o
tipo de perversidades, ele continuou vivendo.
Eu respeitava o seu estilo de vida.
Eu tenho certeza de que caso Speedwagon estivesse
vivo, ele diria que um homem como o N’Dour, que nasceu
um usuário de Stand, não conseguiu se adaptar ao
mundo onde vivia a ponto de se afastar cada vez mais
do caminho da moralidade também era naturalmente
mau desde seu nascimento.
N’Dour era um homem cuja mente não suportava
qualquer tipo de simpatia e era cruel de uma maneira
aversiva... Ele matava, destruía, discriminava e
tiranizava sem qualquer hesitação.
Eu não me considero uma espécie de messias
maligno, mas N’Dour me considerava dessa forma. Eu só
gosto de angariar os mais perversos como seguidores.

173
Simplesmente porque quanto mais cruéis eles forem,
mais capazes serão.
Esses caras que descartam os outros simplesmente
porque eles “nasceram perversos”, esses tipos com
mente reduzida, despertam em mim uma espécie de
ódio.
Em uma palavra, eu os considero desprezíveis.
É por causa de indivíduos como o N’Dour –
colocando-me, é claro, como prioridade – que eu preciso
descobri-lo.
O caminho para o paraíso.
Qualquer que ele seja.
Eu preciso descobrir o caminho para o paraíso.
Como uma entidade que ultrapassou os limites da
humanidade... Como alguém que tem o mundo sobre os
ombros, é este o meu dever.
É o meu objetivo.

174
175
55
Pucci veio ao Egito mais cedo do que planejávamos.
Parece que ele sentia que eu surgiria em
seu caminho alguma hora... É por causa desse
pressentimento que ele pode ser meu tão aguardado
amigo... Talvez... Não é da minha natureza pensar
dessa forma, mas é o que eu acredito.
Contudo, ele é o candidato mais viável, dada a atual
situação. Não existe nenhum homem tão altruísta...
E tão profundamente devotado como ele. Contudo, eu
não tenho certeza se ele será capaz de diferenciar o
“paraíso” pregado pelos seus livros sagrados do “paraíso”
ao qual eu me refiro.
Mas eu tenho fé.
Eu nunca tive muita fé em outras pessoas, então eu
não tenho certeza de como se faz uma coisa dessas,
mas pela minha empreitada rumo ao paraíso, eu farei
qualquer coisa.
Meu amigo.
Alguém em quem eu posso confiar.
Como esperado, ele me olhou perplexo após ouvir o
que eu acabara de lhe contar. Só que eu não tenho mais
tempo sobrando. Eu lhe informei sobre a existência do
meu caderno.
Eu contei a ele sobre o registro que eu estou
escrevendo a respeito de minha devoção ao paraíso.
Para ser preciso, como você mesmo que está lendo
pode perceber, ainda está incompleto. Entretanto,
176
esta é a primeira vez que eu conto a alguém sobre a
existência de tal objeto.
Enrico Pucci.
É você quem está lendo estas palavras?
Eu não sei quais são as circunstâncias sob as quais
você está lendo este caderno. Nem se ainda estarei vivo
quando isto acontecer, mas se não existe alguma força
chamada destino que dita o nosso caminho, certamente
deve existir alguma força gravitacional que une os
indivíduos.
Algo que pode ser chamado de amizade por mim e
por você, não importa como ela seja encarada por você
que esteja lendo este caderno.
Você deve saber o que é o paraíso.
Se você aprova minhas definições, eu lhe peço.
Eu, Dio, fico de joelhos e lhe imploro.
O caminho para o paraíso.
Não importa o que aconteça, não importa como, não
importa quantos sacrifícios sejam necessários, por favor,
encontre-o.
Eu irei encontrá-lo.
Pedirei que você faça o mesmo.

177
56
Eu fiquei um pouco... Não digo emocional, mas
um pouco exaltado, apenas. Por isso eu decidi partir
para a próxima página. Ridículo. Parecia que eu estava
escrevendo um testamento.
Eu já fui morto por Jonathan.
Duas vezes.
Não fui? E, de alguma forma, eu posso estar com
algum pressentimento bizarro de que a minha vida está
em perigo... Mas isso não passa de apreensão. Eu não
estou enfrentando Jonathan. Estou enfrentando apenas
os seus descendentes.
Eu estou enfrentando apenas os herdeiros de
Jonathan, não o próprio. Não é nada do que eu deva
sentir medo ou ansiedade.
Mas digamos... Digamos que num futuro próximo eu
seja derrotado por eles. Não será por causa de minha
leve apreensão, mas sim porque eu teria certeza disso.
Nesse caso, eu deveria me preparar para tal.
Eu posso lutar com toda a minha vontade.
Com tanta certeza de que as onze horas virão
depois das dez. E depois das onze, vem o meio-dia.
Se o futuro fosse previsível como os ponteiros de um
relógio, seria muito mais fácil para a humanidade reunir
a vontade necessária.
Pucci já voltou aos Estados Unidos.
Agora que a velha Enya já se foi, não existem mais

178
motivos para eu me encontrar com ele em segredo. Mas
agora, no lugar dos olhos atentos da velha, tenho a
caravana Joestar cada vez mais próxima.
E seria desagradável eles terem conhecimento da
existência do Pucci.
Eu não quero que eles saibam que o Pucci tem
alguma coisa comigo... Eu deixei de fazer dessa vez,
mas na próxima, eu o enviarei de volta para casa com
um guarda-costas.
O nome dele é Jongalli A..
Ele é usuário da Stand chamada “Manhattan
Transfer”... Como Kenny G. e Vanilla Ice, sua Stand
não é denominada a partir de uma carta de tarô ou um
dos nove deuses do panteão egípcio. Eu o chamaria de
“usuário de Stand avulso”. Conhecendo-o do jeito que
é, ele será capaz de levar Pucci de volta aos Estados
Unidos sem ser detectado pela caravana Joestar.
Fiz tudo o que eu podia.
Falta só mais um pouco.
Só mais um pouco.

179
57
Os irmãos Oingo e Boingo foram derrotados.
Infelizmente, parece que eles perderam a briga
de uma forma bastante tola... Prefiro me abster dos
detalhes, mas, em resumo, o irmão mais velho, Oingo,
interpretou errado o futuro previsto pelo caderno
“Thoth”.
Com relação a previsões de futuro, bem como
clareza do mesmo, a habilidade do Boingo é a coisa
mais próxima que eu procuro. Entretanto, como ela só
me permite ver o futuro próximo, abrindo brechas para
múltiplas interpretações, tal capacidade é ineficaz se
aplicada ao método de alcançar o paraíso que eu imagino.
Quem puder prever o seu futuro, também poderá se
preparar para o mesmo.
Tais palavras ditas pelo Boingo não eram uma
mentira ou mesmo errôneas, mas se o futuro mostrar
diversas interpretações, infelizmente, eu chego à
conclusão de que não há forma de adquirir a vontade
para encará-lo. Mesmo que um futuro sem esperança
apareça, interpretá-lo como algo positivo será a reação
humana típica.
Isso não é ruim.
O que eu pretendo descobrir é o futuro absoluto.
Seja ele de trevas ou de luz. Um futuro absoluto.
Por isso, a Stand “Thoth” não é suficiente.
Conforme tudo fosse se endireitando, eu pensava em
pegar a sua habilidade emprestada em prol de meu

180
plano para chegar ao paraíso, mas as coisas são mais
complicadas do que eu previa.
Parece que o irmão mais velho, Oingo – o usuário
da Stand cuja habilidade consiste em transformação,
“Khnum” – está mais ou menos incapacitado. Boingo,
contudo, preparou-se melhor do que o seu irmão e será
capaz de lutar novamente em breve.
Só que sua Stand não age sozinha.
A habilidade de transformação do Oingo também não
tinha nenhuma utilidade prática em combate. Eu só o
deixei formar uma equipe com o irmão que só confiava
nele. E se alguém com uma Stand poderosa se unisse a
ele?
Será que se alguém se unir a Boingo, a Stand capaz
de prever o futuro, existirá uma chance factual da
erradicação da caravana Joestar?
O problema é quem vai ter que se unir a ele.
Porque não existe ninguém capaz de formar uma
dupla com outro usuário de Stand além de Hol Horse.

181
58
Um relógio.
Eu me lembrei. Assim, de repente.
É o tipo de coisa da qual eu vou me esquecer bem
rápido, então prefiro ser bem direto ao colocá-la aqui no
papel. É uma espécie de memorando.
Há cem anos, ou mais precisamente, há cento e oito
anos, eu peguei emprestado um relógio do Jonathan. E
ainda não o devolvi.
Provavelmente acabou sendo destruído pelo fogo que
se alastrou pela mansão.
Quando eu não estava usando a minha máscara
na frente do Jonathan – não a Máscara de Pedra, a
máscara de bom estudante – eu peguei emprestado um
relógio. Sendo mais direto, eu o roubei.
Talvez tenha sido nesse instante que a minha Stand
acabou sendo decidida.
“Não irei devolvê-lo até que esteja quebrado”.
Desde aquele dia, quando eu roubei o relógio de
Jonathan, eu sabia que não iria devolvê-lo até que ele
parasse. Mas pará-lo não era suficiente. Só parar o
tempo...
Eu preciso continuar até que consiga controlar todo
o “mundo”.
Não até que eu domine todo o presente.
E se eu quiser controlar o futuro – e o paraíso, por
consequência – meu “The World” precisa superar seus

182
limites em um novo estágio.
Controlar o tempo não é suficiente.
Uma Stand capaz de fazer o tempo andar.
Uma Stand capaz de acelerar o seu fluxo.
No fim das contas. Eu preciso ter coragem.
A coragem para descartar temporariamente o “The
World”.
Serei capaz disso?
Doadores.
Tomadores.
Herdeiros.
Preciso me tornar algo novo. Um descartador.

183
59
Seth, Anúbis e Bast foram derrotados.
Sequencialmente. A essa altura, não espero mais
nenhum relatório de vitória ou missão cumprida. Eu
pessoalmente reuni os Nove Deuses do Panteão Egípcio,
e certamente eles eram usuários de Stand excepcionais,
mas parece que a curva de crescimento da caravana
Joestar consegue ser mais íngreme.
Talvez seja porque simplesmente eu não saiba dar
ordens tão bem quanto a velha Enya. Pode ser porque
por mais que eu tenha vivido mais de um século, a maior
parte deles eu passei nas profundezas do oceano.
Certamente não posso ser condecorado um general
estrategista.
Falando em estrategista condecorado, parece que foi
o plano de Joseph Joestar que derrotou Mariah. Como
eu imaginava, ele não tem misericórdia nem contra uma
dama.
E aquele homem é capaz de contar com truques
covardes, lábia astuta e armadilhas impiedosas para
vencer. Totalmente diferente do Jonathan.
Tendo certeza disso, sou capaz de aceitar a derrota
de Mariah e, assim, fazê-la ter algum significado. O
problema é o Alessi.
Sua Stand possibilita o rejuvenescimento de seus
alvos. E pensando nisso, só percebi hoje, agora mesmo,
que essa é justamente uma reflexão de meus ideais.
A habilidade do rejuvenescimento.

184
Será que é uma resposta? Muitos humanos
acabariam crescendo do mesmo jeito, errando do mesmo
jeito, repetindo os mesmos erros e provavelmente, teriam
a mesma vida que tiveram anteriormente.
Então, o rejuvenescimento é inútil?
Eu não sei.
Se alguém pudesse rejuvenescer – o que eu acho
que deveria, caso houvesse a oportunidade – eles
refariam exatamente a mesma vida, a mesma trajetória,
repetindo o mesmo ciclo várias e várias vezes, não
concorda?
Eu estava interessado na Stand do Alessi
porque com ela talvez fosse possível responder esse
questionamento. Seth podia transformar seus oponentes
em crianças, mas parece que a personalidade do Alessi
enfureceu Polnareff e ele foi derrotado.
Agora, seu estado é irrecuperável.
Suponho que isso seja ruim.
Por mais que a caravana Joestar não saiba do meu
objetivo – de conquistar o paraíso – eles certamente
estão se saindo muito bem em sua busca por mim.
Por mais que isso seja apenas uma coincidência,
eu ainda fico ligeiramente incomodado. Estou tentado a
eliminá-los pessoalmente em breve.
No entanto, eu ainda não me adaptei totalmente
ao meu corpo. Ao Jonathan. A regeneração do meu
hemisfério esquerdo ainda está um pouco fraca.
Eu estou despreparado, ao contrário deles, que se
depararam com vários e vários conflitos em seu caminho.
Depois de deixar as coisas chegarem ao ponto em que
estão agora, eu vejo que era melhor ter ido eliminá-los
pessoalmente desde o princípio.
Só que não adianta nada ficar falando isso agora.
Mudarei meu esconderijo em breve. Na pior das
hipóteses, acabarei esperando por eles sozinho em meu

185
trono, como um imperador.
Falando em imperadores...
Quem me trouxe as notícias do fracasso de Mariah
e do Alessi foi o Hol Horse.
Ele é um sujeito muito interessante, de fato.
Quando eu o provoquei, ele tentou me matar com a
sua Stand, “Emperor”. Ele apontou seu revólver contra a
minha nuca.
Interessante.
Ele não derramou uma gota de suor ou sequer
alterou sua frequência respiratória no instante em que
ele tentou me matar. Que vontade incrível.
A beleza de uma força de vontade poderosa é
incrível. O Hol Horse é realmente impressionante.
Sem pestanejar, eu usei a minha Stand.
Eu parei o tempo com a “The World”. Eu dei
a ele uma pequena amostra de minha habilidade.
Inesperadamente, para um homem como esse, ele me
encarou sozinho, em pé, ao seu lado. Talvez ele se
encontre no paraíso em breve.
Sem falar que ninguém além dele voltou vivo depois
de lutar contra a caravana Joestar.
Parando para pensar, a sorte dele é incomparável.
Enquanto usuários de Stand formidáveis como J.
Geil e a velha Enya foram derrotados, ele conseguiu
sobreviver só com uma Stand em forma de revólver.
Suponho que o mundo seja assim mesmo.
Acho que eu já disse isso ao Pucci, mas acredito que
não existem Stands mais fracas ou mais fortes.
Eu sugeri que Hol Horse se una a Boingo, que terá
alta do hospital em breve. Conhecendo-os...
Conhecendo o preparo dos dois...
Mesmo que eles não consigam vencer, eles irão
longe.

186
Sim, mesmo que eles não vençam.
Mesmo que eles sejam derrotados.

187
188
60
Eu me curei e me recuperei das feridas, fiquei mais
poderoso e criei dezenas de zumbis com os prisioneiros
e cadáveres da prisão do Distrito Windknights. Eu
pretendia criar um exército, mas fiz várias outras coisas
além disso.
O que eu fiz – ou melhor, o que eu tive que fazer –,
eu fiz do jeito que deve ser feito. Em outras palavras,
experimentações humanas.
Eu estava testando todas as possibilidades da
Máscara de Pedra.
Todas as possibilidades da imortalidade.
Contudo, eu nunca mais utilizei a Máscara de
Pedra em outras pessoas para ver o que acontecia. Eu
nunca mais fiz um teste com a Máscara de Pedra
propriamente dita de novo. Havia decidido que a obtenção
de seus poderes era um privilégio que apenas eu teria
direito.
Não foi nenhuma espécie de precaução a algo, mas
apenas uma conclusão que me veio naturalmente.
Isto é, se todos se tornarem um vampiro imortal
como eu, o valor da minha conquista acaba se perdendo.
A vista do topo é linda e não quero compartilhá-la com
ninguém. Foi isso o que eu pensei.
As minhas experiências consistiam em, por exemplo,
fundir o corpo de um cão com a cabeça de um humano,
ou ainda, eu tentei fundir um zumbi e um humano vivo.
Também recheei um cadáver com serpentes.

189
À primeira vista, tais experimentos não passam de
uma espécie de brincadeira grotesca, mas eu não estava
brincando. Tais experimentos deram frutos.
Minha cabeça, a de um vampiro, e o corpo de
Jonathan, um humano.
Minha fusão só deu certo porque eu havia
experimentado antes.
Minhas experiências deram resultado.
Foi por isso que eu decepei a minha cabeça quando
o Hamon do Jonathan percorria o meu corpo, porque eu
sabia que poderia enxertá-la em algum outro.
Eu fui capaz de descartar o meu corpo que estava se
deteriorando por causa do Hamon.
E sendo sincero, o corpo de qualquer outra pessoa
me serviria bem. Não havia necessidade de ir tão longe
atrás do corpo do Jonathan.
Se eu tivesse pegado qualquer outro corpo, eu não
teria sido selado nas profundezas do oceano por um
século. Mesmo sabendo disso, eu não fui tão simples.
Eu o queria.
O corpo de Jonathan Joestar.
Eu o queria muito. Meu desejo era reflexo do quanto
eu respeitava meu arqui-inimigo até então, Jonathan
Joestar.
Especialmente o seu corpo.
Eu conseguia visualizar aquele corpo sendo meu.
É por isso que eu tentei tomá-lo.
Como um tomador, eu tentei roubá-lo.
E meu pensamento não estava tão errado assim.
Se eu me adaptar só mais um pouco a esse corpo, ele
certamente se tornará meu. Não será de ninguém mais
além de mim.

190
61
Daniel J. D’Arby foi derrotado.
Aquele apostador natural conseguiu realizar a
façanha de tomar as almas de Jean Pierre Polnareff e
Joseph Joestar, mas logo no que podemos chamar de
“última etapa”, foi derrotado por Jotaro Kujo.
De acordo com os relatórios que recebi, parece que o
conhecimento acerca do segredo que envolve os poderes
da minha Stand, “The World”, foi a causa de sua
derrota.
Um dos raros usuários cuja Stand permite a
manipulação de almas acabou se perdendo graças aos
Joestar.
Só me resta uma sensação de vazio.
Um pouco de desespero, também... Parece que não
importa o que eu faça, algum integrante da família
Joestar vai encontrar um meio de se defender, embora
isso possa ser apenas alguma espécie de paranoia
tomando conta de mim.
Contudo, por outro lado... Eu acredito que pelo
fato dos Joestar estarem, intencionalmente ou não,
tentando impedir minhas ações, significa que o caminho
pelo qual percorro não é o errado.
Eu tenho um pressentimento de que Jonathan
Joestar é o que persiste em bloquear o meu caminho –
além dele se encontra o paraíso que tanto busco.
Usuários cuja Stand é capaz de manipular almas.
O principal candidato, Pucci, já voltou aos Estados
191
Unidos, então não acredito que ocorrerão mais
empecilhos que impeçam o decorrer do meu plano
verdadeiro. Ainda assim, eu não consigo superar o fato
de que agora perdi um dos indivíduos que eu considerava
como uma espécie de rota alternativa... Além disso, eu
não quero perder o irmão d’Arby mais novo.
Talvez, só por segurança, eu deva mandá-lo para
outro país também?
Não, eu não posso fazer isso.
Não importa o que eu diga para aquele jovem
orgulhoso, eu duvido que ele vá se prontificar para deixar
a mansão... Mesmo que eu diga para ele a verdade sobre
o “caminho para o paraíso”, ele vai retrucar com algo
como: “Então é mais um motivo para eu permanecer na
mansão. Eu quero ficar ao seu lado”. Eu consigo prever
tudo o que ele diria só de olhar para suas expressões.
Apesar disso, sendo mais otimista, se comparado
com seu irmão mais velho, que tinha uma personalidade
muito mais flexível, o caçula é bem obstinado... E desde
que eu não implante um parasita em seu cérebro, ele
não obedecerá ao que eu digo.
É claro que eu não vou fazer isso por causa de sua
Stand de extrema utilidade.
Não tenho escolha senão deixá-lo fazer o que ele
quiser.
Apenas continuarei com a minha política de não
interferência.
Eu rezo para que Hol Horse e Boingo eliminem a
caravana Joestar... Eu fico envergonhado de pensar uma
coisa dessas como alguém que declama ter transcendido
a humanidade, mas na minha atual situação, é tudo o
que me resta.
Há verdadeiramente pouco o que posso fazer. E tem
sido assim há uma centena de anos.

192
193
62
Devido às minhas constantes divagações, eu já desisti
de apresentar os fatos numa sequência lógica. Eu não
vou começar dos pontos que eu quero escrever, mas dos
pontos que eu devo.
O principal desses pontos, acima de tudo, é o “Arco
e Flecha”. Sendo bem direto, é possível descrevê-
los como objetos mágicos que podem acordar talentos
ocultos de um ser humano, ou melhor, do espírito do
ser humano. O “Arco e Flecha” é isso.
Contudo, eu admito que o hábito de me referir ao
mesmo desta forma é por causa de uma discussão que
eu tive com a velha Enya. É que o “Arco” do “Arco de
Flecha” não é importante.
A “Flecha” é que é.
Especificamente, a “ponta” da flecha.
Se for o Pucci quem estiver lendo esse caderno, ele
já presenciou o fenômeno pessoalmente, então eu não
acho que uma explicação seja necessária, mas como
ainda existe uma possibilidade mínima de não ser o caso,
eu descreverei as propriedades da flecha em detalhes.
Talvez seja uma boa revisão para o Pucci.
Eu não tenho muito tempo, então serei breve.
Quando alguém é atingido pela flecha – somente
um arranhão é necessário em certas ocasiões, caso
a predisposição do alvo seja grande – uma Stand se
manifesta de seu espírito.
Se alguém sem a predisposição para tal é atingido,

194
mesmo caso não tenha sido um ferimento fatal, essa
pessoa acabará morrendo.
Enya disse que “quanto mais cruel o criminoso for,
maior a possibilidade de sobrevivência”.
A lógica aplicada aqui é a mesma que envolve a
criação dos zumbir, ao que me parece... Quando maior
a crueldade, maior é sua vontade, o que significa um
espírito mais poderoso. Tal poder toma a forma corpórea
de uma “Stand”, nessa linha de raciocínio.
Eu me tornei um usuário de Stand por causa da
flecha. Com ela, adquiri simultaneamente “The World” e
“Hermit Purple”.
Quem me arranjou essa flecha foi a velha Enya...
Teve um dia em que ela decidiu percorrer um caminho
alternativo e acabou me aparecendo com o objeto em
questão.
Ela fez alguns experimentos, primeiro.
Experimentos humanos.
Ela atirou a flecha em vários seres humanos,
criando certo número de usuários de Stand, sacrificando
outros e também eliminando usuários que não condiziam
com suas expectativas.
Ela mesma se sujeitou a cobaia, mesmo em idade
avançada, adquirindo “Justice”.
“Lorde Dio”, ela disse.
“O que você acha? Ainda há algum risco para a sua
vida, mas acredito que sua predisposição é certa”.
Não tive motivos para hesitar.
Ou ainda, acreditei que ao ter conhecimento de uma
habilidade que há cem anos eu desconhecia, precisava
obtê-la.
Assim como eu certamente iria querer aprender o
Hamon, caso eu não fosse um vampiro... Se possível, eu
iria “tomar” o Hamon que Jonathan “herdou” do Zeppeli.
É por isso que eu aceitei o que não era o Hamon,
195
mas uma espécie de Hamon Corpóreo.
Não importa os sacrifícios que eu precisava fazer,
eu tinha que obter tal habilidade.
Olhando para trás, agora que alguns anos já se
passaram, eu vejo que essa foi uma decisão muito
arriscada... Uma aposta que talvez nem mesmo os
irmãos D’Arby se meteriam. Só que tal aposta tornou-se
uma vitória.
A velha Enya tina razão.
Então, naturalmente, eu adquiri uma Stand. Uma
Stand... E a passagem para o paraíso.
Não, eu ainda não tenho certeza disso.
Eu venci mesmo aquela aposta?
Eu certamente sobrevivi ao teste do “Arco e
Flecha”, eu consegui o que eu queria.
Contudo, ainda não estou tão certo disso.
Eu adquiri minha Stand porque eu provavelmente
superei qualquer expectativa de morte por causa de meu
corpo imortal. Como consequência de tal feito, Joseph
Joestar e Jotaro Kujo também desenvolveram a mesma
habilidade sem risco algum. Seriam eles os verdadeiros
vencedores?
Holly Kujo colapsou de tanta febre e agora está
moribunda... Somente ela, a mulher santa.
Então, no fim das contas, Joseph Joestar e Jotaro
Kujo também são herdeiros... Eles herdaram a Stand do
corpo de Jonathan.
Olhando para trás, se eu tivesse recusado a oferta
de Enya e recusado minha Stand, então Joseph Joestar,
Jotaro Kujo e, obviamente, Holly Kujo, certamente jamais
tomariam conhecimento de minha existência.
Pelo menos, eles não sabiam de mim enquanto eu
estava hibernando no fundo do oceano... Mas se eu
não tivesse adquirido a Stand, eu nunca seria capaz de
encontrar o caminho para o Paraíso.
196
Vantagens e desvantagens. Dois lados de uma
mesma moeda.
Eu preciso seguir todos os passos corretamente.
Porque talvez o caminho para o paraíso não deve ser
muito diferente da rota para o inferno. E se todo esse
tempo em que estive tentando chegar ao paraíso, eu
estivesse rumando diretamente para o inferno?
Se esse for o caso, não me importo.
Porque eu já sei que o inferno é melhor do que o
lugar onde passei minha infância.

197
63
Parece que a pessoa de quem a Enya comprou a
flecha ainda era uma criança. Aquele garoto escavou
a flecha aqui no Egito, aparentemente... E eu achava
que ela teria sido feita pelo mesmo indivíduo que criou
a Máscara de Pedra, mas devido à atual distância
geográfica entre o México e o Egito, creio que não seja
o caso.
Contudo, aquele garoto despertou a minha atenção.
Ou melhor, ele não sai da minha cabeça.
Se eu tivesse a oportunidade, gostaria de investigá-
lo mais a fundo.
Agora que a Enya morreu, descobrir qual foi o
caminho que ela fez ficou bem mais difícil, mas pelo
menos eu sei que o nome do moleque era “Diavolo”.
Assim, creio que investigá-lo não é impossível.
Uma vez que existe a gravidade.
Se existe alguma força gravitacional entre aquele
garoto e eu, certamente nós nos conheceremos um dia,
de algum jeito.
De qualquer forma, se aquele garoto está vivo, ele
provavelmente também se tornou um usuário de Stand
graças à flecha... E usuários de Stand sempre acabarão
se atraindo.
Enquanto eu estiver vivo, pelo menos...

198
64
Divaguei mais uma vez. Eu posso sentir que Joseph
Joestar e Jotaro Kujo estão mais próximos do que nunca.
Acredito que é um efeito colateral por ter
tomado para mim o corpo de Jonathan. É uma espécie
de “Genealogia Joestar”, acredito. Nossos corpos
conversam entre si.
Então, creio que não sou apenas eu que sinto a
aproximação deles, mas eles também devem conseguir
sentir a minha presença.
Parece que a dupla formada pelo Hol Horse e pelo
Boingo ainda não fez contato com a caravana Joestar.
Provavelmente estão sendo cuidadosos. Acredito que
é uma característica própria do Hol Horse... É uma
característica importante nos mais desafortunados.
Não como se fugir não fosse uma opção... Eu
poderia me juntar ao Pucci nos Estados Unidos. Contudo,
sendo bem realista, eu não posso fugir.
Sim, é claro que assim como o D’Arby caçula é
obstinado em seu desejo de jamais recuar, eu também
tenho a minha própria relutância, mas no fundo, o que
acontece é que eu não posso de jeito nenhum sair daqui.
Como um indivíduo chefe de uma organização, fugir
daqueles que pretendem me destruir em prol da própria
segurança é algo que não posso fazer na frente de
meus subordinados... Mesmo que isso seja necessário em
minha empreitada até o paraíso, fazê-los compreender
minha majestosa fuga seria uma tarefa hercúlea.

199
Eu duvido que eu talvez consiga explicar mais uma
vez tudo o que já escrevi neste caderno, começando pela
minha infância, em detalhes a algum deles.
Por que eu quero alcançar o paraíso?
Eu preciso mesmo ir? O que exatamente é o paraíso?
Por mais que eu já tenha explicado tais questões, eu
não acredito que eles sejam capazes de entendê-las.
Fazer com que mais pessoas além de Pucci tenham
tal conhecimento seria inquietante.
Eu poderia dar uma desculpa de que seria mais
fácil emboscar a caravana Joestar caso eu mudasse a
localização da nossa base, mas deixar o Cairo a essa
altura do campeonato - ainda mais o Egito – talvez
possa ser o suficiente para levar essa organização que
eu e a velha Enya construímos à ruína.
Atualmente, ainda há alguns usuários de Stand –
além do Hol Horse e do Boingo – aqui no Cairo comigo.
Aqueles que são capazes de travar uma luta contra a
caravana é o Petshop e seu Hórus e o já mencionado
D’Arby caçula.
Eu já convoquei o Kenny G. e o Vanilla Ice, então
também os tenho aqui comigo.
Em outras palavras, tenho todos os que estão aqui
na mansão.
É possível que ela se torne o campo da batalha num
futuro próximo.
Se isso se concretizar, terei de encontrar um
esconderijo seguro para este caderno... Dependendo de
como tudo se desenrolar, é possível que Joseph Joestar
ou Jotaro Kujo – ou ainda Jean Pierre Polnareff ou
Muhammad Avdol (Iggy não, obviamente) – consigam
acesso a este registro.
Preciso evitar isso a todo custo.

200
65
“Preciso evitar isso a todo custo” foi como eu
terminei o registro de ontem, mas será mesmo o certo
a se fazer?
Vamos pensar a respeito.
Em vez de simplesmente rejeitar a ideia, vamos abrir
as possibilidades... Essa pode ser apenas uma ideia que
veio à mente porque eu acabei me fechando demais no
assunto, mas eu acho que considerar essa possibilidade
possa esfriar um pouco a minha cabeça.
Especificamente, a minha ideia é “cooperar com a
família Joestar”.
Creio que isso ainda é óbvio, mas eles não devem ter
a mínima ideia do que eu estou planejando ou sequer de
meus objetivos. Eles só estão preocupados em salvar a
mulher que é tanto “filha” quanto “mãe”... Eu duvido que
eles estejam se colocando na minha posição.
Portanto, é muito provável que eles estão pensando
que eu estou tentando dominar o mundo, como 100 anos
atrás... Talvez tentando me tornar o pináculo de toda a
humanidade ou algo parecido.
Eles devem presumir isso de mim.
Que eu sou a encarnação do mal e devo ser
derrotado em qualquer instância... Eles afirmam que eu
sou um assassino violento... Bom, eu sou mesmo.
Certamente não posso dizer que é mentira.
Eu sou o mal. Os assassinos que eu enviei para
assassiná-los também são maus. As únicas exceções
201
foram o Kakyoin e o Polnareff, controlados pelos
parasitas.
Só que eles são diferentes de Jonathan.
Eles não estão movidos por um senso natural de
justiça. Eles estão em um relacionamento sério com ela,
mas parece que o desejo deles de salvar Holly Kujo é
muito mais forte.
Nesse caso, se eu assegurar a sobrevivência dela,
Joseph Joestar e Jotaro Kujo perderão a justificativa
para me enfrentar, não?
Então, por que um acordo não pode ser possível?
Com os poderes das Stands de Joseph Joestar,
Jotaro Kujo, Jean Pierre Polnareff, Muhammad Avdol,
Kakyoin Noriaki e Iggy, os portões do paraíso não se
abririam mais facilmente?
Como eles são indivíduos puramente bons, suas almas
são os alicerces de uma escadaria para o paraíso, além
de serem almas inegavelmente poderosas. Se o neto de
Jonathan me desse uma mão, talvez a minha pesquisa
progredisse muito mais rápido, não?
A Paz entre Dio e os Joestar.
Seria um momento histórico.
Eu salvo a família deles.
E eles me ajudam a encontrar meu paraíso.
É um bom negócio... Bom demais, até. Eu não
conseguiria pensar em qualquer problema consequente.
Por mais que eu esteja apenas analisando todas
as possibilidades, essa é uma ideia impossível.
Primeiramente, a premissa por si só já está errada... Eu
não consigo pensar em como poderia libertar Holly Kujo
de sua maldição. Talvez se eu usasse a Máscara de
Pedra nela... Não, a Máscara não existe mais... Bem,
talvez exista em algum lugar, mas eu não tenho uma
agora.
E mesmo se eu estivesse tal opção, eu acredito que
202
não seria do agrado nem da família, nem do resto da
caravana.
Mesmo se eu tentar chegar a um compromisso,
nossas naturezas são diferentes demais... Não há como
“tomadores” e “herdeiros” evitarem um conflito.
E acima de tudo, eu duvido que Joseph Joestar e
Jotaro Kujo tenham qualquer interesse no caminho para
o paraíso.
Longe disso. Herdeiros como eles, vivendo suas vidas
orgulhosas, não têm interesse algum em se preocupar
em presenciar o paraíso com os próprios olhos.
Eu sei que comecei a fazer considerações inúteis
e meu tempo é escasso, mas eu não consigo deixar de
pensar nisso. Especialmente agora, com este corpo, é
algo a se levar em conta.
Talvez se eu tivesse continuado com a Máscara
de bom estudante e filho para sempre, em vez de ter
colocado a Máscara de Pedra... Eu não precisaria mudar
minha maneira de pensar, de fato, mas se em vez
de sete anos, eu continuasse por dez, vinte, ou ainda
cinquenta anos, a ser o bom garoto da família Joestar...
Talvez existisse uma possibilidade futura de uma
aliança com a Família Joestar de Jonathan.
Foi o que eu pensei.
Pense só no “paraíso” que seria... Certamente George
Joestar ia acabar morrendo um dia, mesmo se não fosse
por causa do veneno. Eu queria fama, então utilizar a
força de Jonathan para tal seria um excelente plano.
Por que eu não dei continuidade?
O bom estudante acabou se desmascarando para
mascarar-se novamente em pedra, não foi? Eu
provavelmente deveria ter achado isso tudo muito
improvável naquela época.
Com toda aquela riqueza, com todos aqueles bens...
Eu jamais perdoaria a família Joestar.

203
Assim como eu não perdoarei esses indivíduos.
E assim como Joseph Joestar e Jotaro Kujo jamais
perdoariam a mim, Dio.
Para eles, o que eu, Dio, “fiz” ou “planejo” é
totalmente irrelevante. Eles dizem que a minha própria
existência por si só é “maligna”... E eu, Dio, digo que
o que eles fizeram ou estão fazendo pouco me importa,
bem como eu acredito que a existência deles também é
maligna e precisa, da mesma forma, ser eliminada.
Eu também disse isso ao Jonathan há um século.
Parece que temos um relacionamento bem
complicado.

204
66
“Emperor” do Hol Horse.
“Thoth” do Boingo.
Ambos foram derrotados. Agora parece que todos os
usuários de Stand que eu, Dio, tinha disponível e enviei
para darem cabo da caravana Joestar foram derrotados.
Na verdade, é um sentimento de alívio.
Já não estou nem aí para mais nada.
Sim, melhor do que falar do meu desinteresse,
falaremos de algo melhor.
Hol Horse foi atingido na testa por seu próprio tiro
e agora está em um estado irrecuperável. Boingo perdeu
sua motivação quando foi mordido pelo Iggy. Mesmo
assim, eu, Dio, devo parabenizá-los por terem chegado
extremamente perto... Eu os valorizo muito por isso.
Falando com sinceridade, foi por muito pouco que
eles não venceram a caravana Joestar. Mas isso não
muda o fato de que eles perderam.
Como se fosse obra do destino.
Como se fosse obra de um futuro pré-determinado,
eles perderam.
Como era para eles serem derrotados, eles foram.
Tenho certeza de que houve um erro de
interpretação do futuro previsto por “Thoth”, mas acima
disso, eu acredito que a determinação da caravana
Joestar era maior do que a da dupla formada pelo Hol
Horse e pelo Boingo.

205
Eu tenho certeza de que eles almejam o futuro.
Inconscientemente, eles utilizam toda aquela
vontade em prol de um futuro.
Por esse motivo, eles estão muito próximos do
paraíso. Ao menos, muito mais próximos do que o Hol
Horse ou o Boingo. Talvez mais próximos do que eu.
Aqueles que objetivam o paraíso obtêm a vitória.
Em tudo, contra todos.
Primariamente, os verdadeiros vencedores são
aqueles que padecem no paraíso... Contudo, deixarei
a verificação dessa máxima para outro dia. Outro dia,
quando tiver tempo... Enfim, só de ser mordido por
um cachorro... Ele ficou devastado emocionalmente
devastado por uma mordida de cachorro... O ferimento
não tinha sido suficiente nem para deixá-lo fisicamente
irrecuperável...
Ele só vai passar algum tempo no hospital. Quando
esse problema com os Joestar tiver sido resolvido, eu,
Dio, talvez faça uso de sua Stand pessoalmente.
Talvez seja um pouco complicado, considerando a
personalidade do Boingo, mas eu estou disposto a fazer
o que for necessário. Farei o necessário para conseguir
o que necessito.
Já perdi um número considerável de subordinados
próximos, mas, por outro lado, estou mais perto do que
nunca do paraíso.
Estou confiante disso.
Com uma grande determinação... Estou cada vez
mais próximo.

206
67
Quando eles chegaram ao Distrito Windknights. – isto
é, Jonathan Joestar, Will. A Zeppeli e aquele homem,
Speedwagon – as queimaduras que o Jonathan me
causou já haviam se curado em sua maioria.
Por conta disso, eles chegaram relativamente
atrasados, mas como eu ainda não tinha tomado
toda a cidade, é possível dizer que eles chegaram no
momento certo. Ou foram extremamente pontuais, ou
extremamente sortudos.
Quando nos confrontamos, Jonathan me disse o
seguinte:
“Dio... Eu irei revelar meus sentimentos a você...”
“É vergonhoso admitir, na posição de cavalheiro...”
“Mas eu, Jonathan Joestar, irei matá-lo apenas
para saciar a minha própria sede de vingança!”
Quando eu presenciei tal gesto de desafio, a maior
parte do meu coração gritou: “Ridículo!”; mas eu
confesso nesse caderno que a minoria restante sentiu
um leve prazer.
O fato de ter feito Jonathan, aquele homem que
sempre viveu sob um regime de cavalheirismo em seu
coração, dizer uma coisa dessas, causou-me um
sentimento de satisfação.
De fato, foi um momento em que eu me senti
satisfeito.
Contudo, comparado ao Jonathan, eu era fraco...
Minha determinação não era tão forte quanto a dele.
207
Já que é uma boa hora para falar verdades, já que
é para ser sincero, eu não queria ter que lidar com
Jonathan usando minhas próprias mãos.
Eu tinha a necessidade de matá-lo... Os bens da
família Joestar que eu vinha tentando usurpar já haviam
sido perdidos no incêndio e mesmo que eu matasse
o Jonathan naquele momento, eu já não seria mais
um herdeiro da família Joestar. Só que ele acabou
aprendendo sobre o Hamon e se tornou uma pedra no
meu sapato. Eu sabia que teria que matá-lo de qualquer
forma.
Mas eu pretendia delegar tal tarefa aos meus
subordinados.
Nós fomos amigos de infância e crescemos na
mesma casa como irmãos. A ideia de matar o Jonathan
ou torná-lo um morto-vivo não era tão interessante
para mim, é por isso que ordenei aos meus subordinados
que o fizessem.
Comparado a mim, com minha mentalidade na
época, Jonathan tinha uma vontade muito mais sólida...
Ele constatou que não guardava nenhum ressentimento
por mim, Dio.
Foi algo realmente impressionante de se ouvir.
Mas sua confissão parecia ser genuína.
A partir daquele momento, o embate já não era um
simples confronto entre a justiça e a crueldade... Com
o poder da Máscara de Pedra, eu, Dio, tornei-me um
predador e o futuro da humanidade como espécie seria
definido naquela batalha.
Sob o ponto de vista deles, eu era um ser maldito.
Sob o meu ponto de vista, eles não passavam de
alimento... Desta forma, não havia nenhum conceito de
bem ou mal naquele ponto.
Eu não me incomodo de dizer que aquela era uma
simples disputa entre espécies.

208
Então, se Jonathan começasse a falar de justiça
e moralidade, nem ridículo eu ia considerar. Eu o via
como alguém cuja oposição não valia a pena e eu quase
teria ido embora. Contudo, por causa de seu discurso
emocional, acabei aceitando o seu desafio.
Infelizmente, eu fui derrotado.
No entanto, não é tão ruim assim porque a minha
cabeça conseguiu sobreviver.

209
68
Petshop desapareceu.
Já ouvi muitas histórias de animais deixando
seus donos quando sabem que estão perto da morte,
mas acredito que não seja o caso aqui. Aquele falcão
provavelmente atacou intrusos que tentaram invadir
a mansão - de acordo com as ordens que lhe foram
atribuídas – e foi morto no processo.
Até onde eu soube, acredito que foi Iggy, o usuário
da “The Fool”, quem derrotou Petshop... Uma batalha
entre dois animais usuários de Stand.
Animais também têm alma.
Eu bem que gostaria de ter presenciado a imagem
dessas almas lutando uma contra a outra no mesmo
nível... Imagino se isso seria possível com o uso do
“Arco e Flecha”. Talvez se alguém for atirando a flecha
em todos os animais que encontrar, uma hora vai dar
certo...
Contudo, ainda é muito arriscado despertar
Stands em animais de baixa inteligência. Dependendo
da habilidade que obtiverem, quem sabe o que poderia
acontecer? É possível colocar a existência humana em
risco.
Vou deixar essa ideia de lado por enquanto.
Provavelmente a caravana Joestar já descobriu a
minha localização. Bem, Joseph Joestar tem o “Hermit
Purple”, assim como eu. É de se esperar que ele
eventualmente conseguisse psicografar este local. Era

210
apenas uma questão de tempo... Mais uma vez, reitero
aqui que eu, Dio, não fugirei ou me esconderei.
Eu enfrentarei meus inimigos nesta mansão.
Assim como fiz há cem anos.

211
69
Assim que vi a Stand de gelo do Petshop, não
consegui deixar de me lembrar de uma técnica
que costumava utilizar antigamente, a “Técnica da
Vaporização Congelante”.
Creio que seja uma técnica que desenvolvi com o
objetivo de nulificar o Hamon e consiste na manipulação
do meu corpo vampírico. Basicamente, eu vaporizo a
água de meu corpo ao roubar o calor do oponente,
congelando-o.
Eu tenho certeza de que eu ainda sei usá-la, mas
como o meu corpo na verdade é do Jonathan, talvez eu
tenha dificuldades em controlá-la com perfeição. E o
que importa: a Técnica da Vaporização Congelante não é
útil contra uma Stand.
Diferentemente dos “Mísseis de Gelo” do Petshop,
eu não consigo congelar uma Stand.
Desta forma, assim como as técnicas de Hamon, é
certo cunhá-la como uma “habilidade do passado”.
Assim como o Hamon não me afeta desde que eu
adquiri “The World”, usuários de Stand que lutam com
seus espíritos, suas almas, não são afetados pela minha
Técnica da Vaporização Congelante, bem como o Space
Ripper Stingy Eyes.
Passado.
Eu não ligo. Passado é passado.
O que importa é o futuro... Paraíso.
Com o tempo, minha Stand, “The World”, também
212
será uma coisa do passado.
Em breve, esse destino de sangue que me conecta
com o Joestar também estará no passado, como me
assegurarei em breve.
Os olhos de Kakyoin Noriaki já estão totalmente
recuperados e ele se juntou novamente à caravana
Joestar. Que pontualidade incrível.
Será obra da gravidade?
A força gravitacional entre os indivíduos.
Acredito que chamar o destino de “conexão” é
melhor... Pensando bem, a minha conexão com o Kakyoin
Noriaki e a conexão que eu tenho com a família Joestar
são parecidas...
Ambas são incrivelmente “bizarras”.
Se eu estiver num local onde seja possível escrever
alguma coisa neste caderno, será justamente esse o
assunto que irei abordar.
Gravidade.
E com isso, este registro estará parcialmente
completo.
O lado deles é composto por Joseph Joestar, Jotaro
Kujo, Jean Pierre Polnareff, Muhammad Avdol, Noriaki
Kakyoin e Iggy, o cão.
O meu lado é composto por mim, Dio, Vanilla Ice,
Kenny G., Terence T. D’Arby e, acredito que seja válido
mencionar, o zumbi Nukesaku.
Já estou perdendo em quantidade.
Não é a primeira vez que digo, mas, numa guerra,
a quantidade é o principal elemento. No entanto,
pensando melhor, eu, Dio, tenho o corpo de Jonathan
Joestar e o cérebro de Dio. Duas almas valiosas.
E eu porto duas Stands, um feito extraordinário.
Neste caso, afirmo que estamos em seis contra
seis.

213
E como consolação, encerrarei meu registro por
hoje. Embora eu devesse considerar o corpo de Jonathan
como um aliado deles.

214
70
Acho que o nome dele era Dire.
O usuário de Hamon que me acertou no olho,
naquela época... Eu tive que usar a minha Técnica
de Vaporização Congelante para congelá-lo e então,
destroçá-lo em pedaços, deixando-o somente uma
cabeça. Ainda assim, ele conduziu o Hamon através de
uma rosa e a atirou contra o meu olho direito usando
sua boca.
Se não fosse pela investida daquele homem, eu não
acredito que teria sido derrotado por Jonathan depois
daquilo... Se eu estivesse em perfeitas condições, se eu
não tivesse um ponto cego em minha visão – posso não
estar dizendo com certeza absoluta – eu certamente
teria subjugado Jonathan.
Essa era a distância entre nossos poderes.
Não é que eu esteja culpando como “se não fosse
por aquele tal de Dire”...
Não, eu estou colocando como um fato
inquestionável que Jonathan estava com um colega
chamado Dire.
Quando eles chegaram no Distrito Windknights, eram
apenas três. Quando chegaram até mim, deparo-me com
vários outros usuários de Hamon.
Assim como o Kakyoin foi extremamente pontual...
Tais Monges do Hamon também chegaram na hora.
Eu acredito que isso tenha acontecido graças à
força gravitacional que atrai os indivíduos.
215
Acho que ouvi isso pela primeira vez quando eu
conheci o Pucci.
“Você acredita em gravidade?”
“De que existe um motivo para termos nos
conhecido?”
“Esses desencontros não podem ser por obra da
gravidade?”
“Eu não sei o que você pensa de mim... Mas eu viajo
em busca desses desencontros”.
Por que as pessoas se conhecem?
É essa a pauta.
A pauta da vida. A pauta do paraíso.
Depois disso, parece que o Pucci teve algumas
dificuldades após o nosso encontro... Ele perdeu seu
irmão e sua irmã da pior maneira que ele pudesse
imaginar.
Foi quando ele desenvolveu a sua Stand,
“Whitesnake”... Então, é válido afirmar que se não
fosse por causa dessa tragédia, ele jamais teria
despertado sua Stand.
Eu compreendo os seus sentimentos.
Se eu nunca tivesse conhecido o Jonathan... Se
eu nunca tivesse sido adotado pela família Joestar, eu
jamais teria uma vida como a que tenho agora.
Porque eu jamais teria encontrado a Máscara de
Pedra.
Ou o “Arco e Flecha”.
Não, não é isso... Eu acredito que meu encontro
com ele foi o que me permitiu ser alguém que é algo
além de um ser humano.
E se não fosse por mim, a família Joestar teria
entrado em colapso de qualquer maneira... Se não
tivéssemos nos conhecido, Jonathan não teria crescido
e virado o homem que se tornou.

216
Ele teria passado o resto de sua vida como um
pirralho mimado.
Ele provavelmente teria “herdado” a fortuna de
George Joestar, teria se tornado um arqueólogo ou coisa
do tipo e provavelmente teria gasto todo o dinheiro. É o
que eu acredito.
Para mim, uma pessoa que não consegue de deixar
de olhar para o futuro, o ato de olhar para o passado
não significa muita coisa. Mas quando eu o faço, vejo
que tudo o que aconteceu foi solenemente inevitável,
como as peças de um complexo quebra-cabeça sendo
ordenadas. Eu não consigo encarar como outra coisa se
não o resultado das pessoas sendo atraídas entre si.
Usuários de Stand são atraídos por outros usuários
de Stand.
Assim como humanos são atraídos por outros
humanos... Como resultado dessa força, Jonathan e eu
nos tornamos um só.
Sim.
É por isso que essa força gravitacional é importante.
A peça-chave da empreitada para o paraíso...
Acredito que a última peça deste quebra-cabeça será
capaz de controlar a gravidade.
“Tempo” e “Gravidade” estão intimamente
conectados.
Então, se eu quiser ir além de controlar o “tempo”,
preciso me focar em dominar a “gravidade”.
Mas como?
Eu tenho um pressentimento que a dificuldade está
em controlar os desencontros. Será possível controlá-
los? Será possível controlar as “conexões do destino”?
Se não for...
Estarei preparado para quando chegar a hora?
Arrasto comigo essa conexão há cem anos. E agora
ela está mais forte do que nunca.
217
71
Eles chegaram.
A caravana Joestar finalmente apareceu em minha
mansão sem apresentar uma baixa sequer. A pata do
Iggy está severamente contundida, mas dada a sua
atitude selvagem, isso pouco importaria em uma batalha.
Meus inimigos me alcançaram sem perder um
integrante que seja.
Em contrapartida, eu perdi vinte e cinco excelentes
usuários de Stand até aqui, contando Jean Pierre
Polnareff e Kakyoin Noriaki. Esses dados não podem
ser comparados com uma equação simples de adição
e subtração. Não importa o quanto eu tente me
conformar, é inegável que meus esforços foram
desproporcionalmente infrutíferos.
O quão longe esses indivíduos vão com o intuito de
salvar uma mulher? Ou talvez, quantas almas vilanescas
valem o preço da alma de uma mulher santa?
Eu pretendia reunir trinta e seis almas como
alicerces de meu plano em direção ao paraíso, mas o
que eles estão tentando fazer ao atropelar as almas de
vinte e cinco – ou talvez mais – indivíduos?
Salvar uma filha. Salvar uma mãe.
O que eles pretendem fazer depois disso?
Bem, provavelmente não poderei fazer essa pergunta
a eles.
De acordo com um relatório do Nukesaku, o D’Arby
caçula os separou em dois grupos... Ele está enfrentando
218
Jotaro Kujo, Joseph Joestar e Kakyoin Noriaki sozinho.
E está mais confiante do que nunca.
Com sorte, toda essa confiança não sairá pela
culatra. Aquele homem é espiritualmente mais frágil do
que o seu irmão mais velho.
No que ele é capaz de ler mentes, lhe falta
tenacidade.
A fraqueza do espírito de um indivíduo é
diretamente proporcional à força de sua Stand, que por
sua vez, é diretamente proporcional ao seu preparo.
Isso aconteceu à tarde. Estou cansado.
Vou tirar um cochilo.
Com sorte, tudo estará resolvido quando eu acordar.
Contudo, não posso ser tão otimista. Também preciso
estar preparado.
Preparado para o futuro.

219
72
Vanilla Ice me acordou.
Eu fui acordado de meu sono.
E me acordaram com a notícia de que o D’Arby
caçula havia sido derrotado pelos Joestar. Como ele
tinha sido contratado apenas como meu mordomo, é
válido ressaltar que uma derrota é esperada, mas parece
que ele esteve bem próximo da vitória. Ele teve sucesso
em capturar a alma do Kakyoin Noriaki, mas falhou no
final. Parece que sua vontade não era forte o suficiente.
Terence T. D’Arby.
Um homem capaz de ler e tomar almas.
O D’Arby caçula era um gênio.
Indubitavelmente, um gênio.
Afirmo de forma imparcial que ele tinha, de fato, a
habilidade para vencê-los.
Teoricamente, ele podia vencer.
E ainda assim... Ele perdeu.
Isso aconteceu, sem dúvida, porque a sua
determinação era fraca. O problema – bem como a causa
de sua derrota – estava em sua vontade.
Sem ele, a única Stand que conheço que é capaz
de manipular almas é a “Whitesnake” de Pucci. Sua
significância e sua Importância já estão bem claras para
mim.
Eu não sei até que ponto ele se sente meu amigo,
ou sequer se eu mesmo posso considerá-lo como um

220
“amigo de confiança”, mas qualquer que seja o caso, ele
se tornou uma peça indispensável em meu objetivo de
alcançar o paraíso.
Falando nisso, e que tal o Vanilla Ice?
Vanilla Ice, do “Cream”.
Aquele homem, mesmo sem implantar um parasita
nele ou sem sugar seu sangue e transformá-lo num
zumbi, nutre por mim uma lealdade deveras anormal,
demonstrada por ações como cortar a própria cabeça.
Imagino se sua lealdade pode ser substituída por sua
vontade.
Eu não sei.
Eu não sei o que é vontade e o que não é.
Será que uma lealdade anormal é equiparável à
determinação e preparo?
Ou são coisas completamente diferentes? Será que
tamanha lealdade é um sentimento que não merece o
paraíso?
Acredito que os resultados me darão a resposta.
Afinal, eu tive que transformá-lo em um zumbi e
revivê-lo só porque ele decapitou-se. Eu não posso negar
que, com esse seu novo corpo muito mais poderoso,
existe a possibilidade de sua Stand passar por uma perda
de poder extrema... Espero que seja algo que ele possa
superar.

221
222
73
Enquanto eu escrevia, recebi outro relatório do
Nukesaku. Parece que a equipe formada por Jean Pierre
Polnareff, Muhammad Avdol e Iggy quando o grupo se
dividiu acabou derrotando Kenny G..
Agora, todas as ilusões que protegiam a mansão
foram cessadas.
Agora a única Stand capaz de criar ilusões que
eu saiba é a do Enrico Pucci... No entanto, parece que
logo depois do Kenny G. ser derrotado, o Vanilla Ice
conseguiu algo.
Muhammad Avdol, o usuário da Stand das chamas,
foi consumido pelo vácuo, ao que parece. Desta vez, não
teremos surpresas não desejadas como “ele ainda está
vivo”.
Depois de vinte e seis... Não, vinte e sete derrotas
e sacrifícios consecutivos, nós finalmente arrancamos
uma vitória preciosa contra eles. E mais em cima da
hora do que isso é impossível.
Agora, Vanilla Ice está enfrentando Polnareff e
Iggy. Com sua Stand, ele provavelmente será capaz de
eliminá-los também.
Depois de me repassar o relatório da situação,
Nukesaku partiu para tentar eliminar a equipe formada
por Joseph Joestar, Jotaro Kujo e Kakyoin Noriaki.
Ele é um zumbi. Não um usuário de Stand. Por isso
eu acredito que ele não conseguirá dar conta do recado,
mas dadas as atuais circunstâncias, eu não poderia

223
impedi-lo.
Nukesaku.
Ele é um Zumbi que criei com a minha técnica de
quimerismo. Assim como minha existência é resultado
de uma hibridização entre o corpo de Jonathan e minha
cabeça, ele é um zumbi com o rosto de uma mulher
atrelado à parte de trás da sua cabeça.
Foi um experimento com a intenção de checar se
um zumbi era capaz de armazenar várias almas em um
único corpo. Obviamente, resultou num fracasso. Não há
mais motivo para continuar com a experimentação em
vampiros e outros tipos de criaturas imortais... Por isso,
acredito que Nukesaku foi o produto de minha última
tentativa.
Ele é um homem sem qualquer habilidade em
batalhas e, sendo bem sincero, ele é um inútil.
Contudo, nutro por ele um sentimento estranho de
afinidade. Talvez porque eu simplesmente não consigo
odiá-lo. Diferentemente do D’Arby caçula ou Vanilla Ice,
ele não é tão leal, então, se for derrotado, certamente
irá me trair.
Até lá, irei respeitá-lo como um de meus preciosos
mascotes.
Um homem que vai à luta por vontade própria.
Um homem cuja conexão comigo surgiu após minha
hibernação secular.
Eu não posso pará-lo.
Pensando bem, tem uma coisa que escreverei por
mero capricho... Há cem anos, eu criei um zumbi de
duas caras igual ao Nukesaku.
Eu frequentemente realizava testes em que
combinava duas vidas distintas num único corpo. Sendo
bem sincero, eu nem imaginava que eventualmente eu
acabaria perdendo o meu corpo.
Entre as cobaias, naquele montante resultado de

224
tentativa e erro, acredito ter realizado um experimento
que envolvia a substituição das mãos de um zumbi por
mãos humanas. Já faz cem anos, então eu não me
lembro direito, mas, naquele processo de tentativa e
erro, acredito que cometi um erro e criei um humano
com duas mãos direitas.
O resultado foi alguma coisa parecida com a velha
Enya. Se não for a própria, talvez seja algum parente
distante ou coisa parecida.
Neste caso, eu já tinha uma conexão indireta com
a bruxa que viria a me ensinar sobre Stands há muito
tempo... Isto é, estou apenas fazendo suposições em
cima de suposições. Não é possível verificar a veracidade
da ideia.
Mas já que estamos trabalhando com hipóteses,
acredito que o meu encontro com Enya, a velha que me
despertou depois de um século selado nas profundezas
do oceano, tenha sido premeditado.
Os pescadores que me encontraram e confundiram,
estupidamente, o meu caixão com um baú de tesouro
ou coisa do tipo se tornaram meus primeiros pedaços de
pão em um século, dentre os centenas ou milhares já
consumidos antes. Ainda assim, eram poucas pessoas.
Apenas uns três ou quatro. Não é o suficiente para
saciar minha fome de cem anos de abstinência... Sem
falar que eu estava no meio do Oceano Atlântico.
Eu não conseguia escapar do sol do meio-dia.
Mesmo me escondendo na cabine do capitão, eu não
estava completamente protegido... Se a velha Enya
tivesse demorado apenas mais alguns dias para me
encontrar, eu certamente teria sido destruído.
Seja por causa do sol, seja por causa da fome.
A velha Enya me encontrou em mar aberto, sim...
“O tarô me contou sobre sua chegada”.
Foi o que ela me disse, embora eu não acredite

225
nisso.
Certamente algumas pessoas tinham conhecimento
de que um monstro – que sou eu – havia afundado
naquela região há aproximadamente um século. Eu
acredito que ela soube disso por aí. Acredito até que
aqueles pescadores tinham sido enviados por ela.
Não foi nenhum resultado de cartomancia.
Ela simplesmente era ambiciosa e procurava pela
oportunidade perfeita... Mas talvez seja apenas eu
procurando uma explicação lógica e exata onde não é
necessário.
Ela me contou...
Como parecia que eu fui repentinamente transportado
cem anos para o futuro, ela me ensinou tudo o que
podia sobre o presente e, o mais importante, me ensinou
sobre Stands. Quando eu perguntei a ela sobre suas
pretensões, ela respondeu.
“Meu desejo é estar ao seu lado”.
“Stands são espíritos guardiões... E seu espírito
guardião detém um poder incrível! É o resultado de uma
vida consequente da má sorte”.
“Eu quero ver sua vida”.
“É o suficiente, apenas”.
Talvez seja só isso.
Talvez ela não seja um sacrifício resultante de um
experimento que eu realizei, mas uma cobaia.
Se não fosse por ela, eu certamente não seria
capaz de me ajustar ao século seguinte. É uma reflexão
de quanto o mundo mudou em cem anos.
Em cem anos, o tempo “acelerou”.
Ela descreveu as Stands como espíritos protetores,
mas para mim, não passam de almas. Para mim, talvez
a velha Enya que tenha sido o meu anjo da guarda.
Pensei algumas vezes nisso.

226
De qualquer modo, todos aqueles testes não foram
em vão. Eu tomei o controle do corpo do Jonathan.
E provavelmente ainda terão algum propósito no
futuro.
Para que meu “amigo” e eu nos tornemos um só.
Os diversos sacrifícios resultados de minhas tentativas
e erros serão o alicerce. Incluindo aquele homem em
especial, Nukesaku. Ele não é completamente inútil.
Útil.

227
74
Com meus subordinados tentando dar conta de
meus inimigos que já invadiram a minha mansão, não
consigo deixar de questionar se continuar a escrever
neste caderno é a melhor coisa a se estar fazendo
neste momento. Só que eu continuarei fazendo isso para
mostrar o quão irrelevante me é a caravana Joestar.
A lealdade de Vanilla ice que me acordou. É
estranho que seja isso o que me mantém acordado.
Pelo menos, estou acordado e fazendo mais
progresso do que o costume. As ideias estão ficando
cada vez mais claras. Talvez seja o efeito da linhagem
Joestar. Com a aproximação do neto, o corpo do
Jonathan está mais ativo do que nunca e bombeando
mais oxigênio para o meu cérebro.
Desta forma, Joseph Joestar e Jotaro Kujo estão
me ajudando indiretamente em minha empreitada para o
paraíso.
Neste caso, eu não posso deixar essa chance
escapar.
Antes que meus subordinados – ou talvez eu
pessoalmente – eliminem Joseph Joestar e Jotaro Kujo,
eu preciso reunir todas as ideias que eu conseguir.
Minhas ideias sobre como conquistar o paraíso.
Enquanto minha mente segue clara, eu continuarei
registrando as minhas memórias na página seguinte.
Minhas últimas memórias. Minhas memórias de depois
de eu ter sido derrotado pelo Hamon de Jonathan
Joestar e ter meu corpo destruído.

228
75
“Enquanto a humanidade tiver fé, nada será
impossível!”
“Eu lhe mostrarei o quanto um ser humano pode
evoluir!”
E com tais palavras, Jonathan conseguiu nulificar
minha Técnica da Vaporização Congelante ao encobrir
seus punhos em chamas e conseguiu propagar o Hamon
por todo o meu corpo.
Quando eu fui arremessado pelo golpe, tive que cortar
a minha própria cabeça – igual ao que o Vanilla Ice fez
agora a pouco – para proteger meu cérebro.•.
A teoria de que eu poderia sobreviver apenas como
uma cabeça já havia sido testada em zumbis... Também
sabia que se eu roubasse o corpo de alguém, eu estaria
completo novamente.
Como eu já havia comentado anteriormente, o
único corpo que cheguei a considerar para tal foi o de
Jonathan Joestar.
Por isso, eu esperei pela oportunidade de ouro.
Uma oportunidade em que os outros usuários de
Hamon e o Speedwagon não poderiam interferir. Um
momento em que eu poderia lutar contra Jonathan no
mano a mano.
É claro que, sendo apenas uma cabeça, eu não
queria ser visto por ninguém... No entanto, eu também
queria acertar as contas cara a cara com Jonathan
Joestar. Eu gostaria de ter uma conversa sincera com

229
ele que transpassasse qualquer circunstância ou conexão.
Algo inimaginável.
Eu havia me tornado uma cabeça. Dessa forma,
eu não seria capaz de me locomover por conta própria.
Sem falar que Jonathan era sempre abençoado em seus
“desencontros”, então sempre havia alguém ao seu lado.
Naquela vez, era aquela mulher santa... Erina
Pendleton.
Embora eu tenha quase certeza de que seu nome já
havia se tornado Erina Joestar.
Eu soube que eles iam sair de lua de mel na
América por um jornal.
Pensei que seria impossível nós sermos interrompidos
num navio.
Minha tentativa de tomar o corpo do Jonathan não
seria interrompida... Era a minha previsão, que, por sua
vez, tornou-se realidade.
Caso ela tivesse sido errônea... Caso eu tivesse
cometido um erro... Bem, um navio é um local que um
vampiro deveria evitar, acredito.
O imaginário popular coloca que os vampiros não
conseguem atravessar água corrente... Também faz
parte do mesmo imaginário que nós somos fracos contra
crucifixos e não suportamos alho, entre outras coisas
que, no meu caso, não passavam de lendas. Contudo,
naquele caso em específico, talvez tivesse sido melhor
acreditar em tais superstições.
Depois de atrair Jonathan para uma cabine sob o
convés do navio, eu o acertei com dois feixes de “Space
Ripper Stingy Eyes”, num ataque surpresa.
Eu não era mais capaz de usar a minha Técnica de
Vaporização Congelante porque eu não passava de uma
cabeça. Por isso, se Jonathan tivesse atacado primeiro,
eu não teria a mínima chance de vitória... Nessas
circunstâncias, eu acabei tomando a iniciativa. No

230
entanto, eu não tinha a intenção de fazê-lo agonizar
ou torturá-lo.
Eu havia mirado um tiro na testa, com a intenção
de encerrar a sua vida instantaneamente, sem o intuito
de fazê-lo sofrer... Mas ele conseguiu se esquivar e
acabei acertando sua garganta.
Ao atingir tal local, Jonathan ficou impedido de
respirar e, consequentemente, seu Hamon não era mais
ameaça. Naquele instante, minha vitória era certa.
Era uma batalha praticamente ganha.
O motivo de eu ter considerado resultado final como
um empate é porque no último momento, Erina entrou
na cabine.
Havia sido um mau pressentimento?
Ou talvez seja o que podemos chamar de ligação
entre marido e mulher?
Ainda, e se for a força gravitacional exercida entre
os dois? De qualquer maneira, ela surgiu no instante em
que atingi o Jonathan.
Foi quando a fagulha de Jonathan reacendeu o seu
fogo.
Pela primeira vez, Jonathan demonstrou seu poder
explosivo que eu temi por tanto tempo.
Quanta ironia.
Erina, a pessoa que fez Jonathan deixar de ser
um menino para se tornar um homem, enfureceu-me
por ter interrompido o duelo final entre mim, Dio, e
Jonathan Joestar.
E foi a pessoa que transformou minha vitória em
uma derrota. Não existe ironia maior do que essa.
Meu erro foi ter atacado Jonathan em um barco,
uma conhecida fraqueza dos vampiros. Está bem, foi só
uma piada.
Sendo bem honesto, meu verdadeiro erro foi ter
subestimado Erina Pendleton. Ou melhor, Erina Joestar.
231
Aquela notícia que havia denunciado o destino da
lua de mel nos dois a chamava de “senhora Joestar” na
legenda da foto.
Quando eu li o artigo, acabei percebendo que eu já
conhecia aquela garota, a Erina. E ainda assim, eu
concentrei meus esforços para me certificar de que
outros usuários de Hamon e o Speedwagon não iriam
entrar em meu caminho. Eu fui descuidado ao esquecer
o quão importante essa mulher foi para Jonathan
Joestar e para mim, Dio.
Nobre... Orgulhosa...
Ela era uma santa. Era como a minha mãe... Eu
deveria ter considerado sua influência em Jonathan...
Em mim... Em nós...
Especificamente como Erina Joestar.
Naquele instante, ela já era membro da família
Joestar. Ela se tornou uma deles.
Jonathan acabou reunindo energia para um último
Hamon.
Não era um Hamon derivado de sua respiração.
Mas um Hamon derivado de sua força vital... Um
Hamon feito com sua alma.
Provavelmente feito a partir da força espiritual que
sobrou da herança do Hamon de Will A. Zeppeli. Ele usou
o Hamon para controlar um zumbi que estava sob o meu
comando para interromper os pistões do Navio e travar o
timão.
Esse foi o fim de Wang Chung, o zumbi que um dia
foi o asiático que me vendeu a droga oriental com a qual
eu envenenei o meu pai biológico e o adotivo... Eu não
conseguia fazer nada para evitar aquilo... Eu me sentia
impedido por uma conexão estranha... Ou melhor, uma
força gravitacional.
Jonathan usou a força sobre-humana do zumbi
Wang Chung para travar o eixo do timão e impedir que

232
o vapor seja liberado pelos pistões. Quando a pressão
ficasse maior que a força de retenção da caldeira, o
navio explodiria. Era esse o seu plano.
Nem eu conseguiria bolar algo assim naquelas
circunstâncias... Ele pretendia explodir o navio com ele
dentro.
Bem no final, ele acabou cometendo a sua atitude
menos heroica de todas, mas acredito que também
tenha sido sua decisão mais amarga até então. Isto
é, além de mim, Wang Chung e os zumbis criados lá,
ainda havia muitos sobreviventes abordo daquele navio e
que acabaram sucumbindo.
Acredito que ele tenha julgado que era melhor isso
do que deixar que eu, Dio, continuasse vagando pelo
mundo... Embora eu tenha certeza de que ele acabou
entrando em conflito com tal escolha.
A escolha de ter que sacrificar pessoas inocentes.
Deve ter sido uma decisão muito dura ara alguém
como ele.
E a Erina ficou ao seu lado, como uma verdadeira
santa:
“Eu não consigo entender nada!”
“Isto está além da minha compreensão. Eu não sei
como não consigo chorar, gritar ou ainda não perdi a
consciência.”
Esse foi apenas um prefácio do que viria a seguir.
Erina continuou:
“Mas de uma coisa eu ainda tenho certeza.”
“Eu, Erina Joestar... Morrerei ao seu lado.”
Eu não me surpreendi com tais palavras.
Tenho certeza de que minha mãe diria a mesma
coisa.

233
76
Ao que parece, Vanilla Ice foi aniquilado enquanto eu
escrevia.
Sim, aniquilado.
Não foi simplesmente derrotado ou morto. Como
Vanilla Ice havia se tornado um zumbi graças ao meu
sangue, o sol literalmente o aniquilou sem deixar
vestígios.
Não sei se é por causa de nossa conexão sanguínea,
se é por causa de sua lealdade ou se é por causa de
nossa relação de mestre-serviçal, mas eu posso afirmar
que ele foi aniquilado sem precisar receber a informação
de ninguém.
E agora, com o Nukeasaku do lado de Joseph
Joestar, eu não tenho mais nenhum subordinado para
comentar a “Aniquilação de Vanilla Ice”.
Perder um subordinado do calibre do Vanilla Ice é
um soco no estômago. Levando em consideração o seu
destino, acredito que tenha se revelado uma má ideia
transformá-lo em um zumbi.
Uma consequência negativa de minhas ações.
Contudo, eu não considero um erro... Digo isso
porque o destino está do lado deles, simplesmente. Até
mesmo eu sou praticamente um aliado da linhagem
Joestar... Por não estar totalmente sincronizado
com este corpo, o corpo de Jonathan, talvez eu
provavelmente esteja, inconscientemente, fazendo as
escolhas que os beneficiem.

234
Eu certamente estou com um leve nervosismo.
Eu posso ainda não estar em pânico, mas com
meus subordinados mortos, meus aliados de confiança
eliminados, minha mansão exposta e eu mesmo me
encontrando e totalmente vulnerável, afirmo ter ficado
desgostoso.
Mas mesmo numa situação dessas, essa situação
desesperante, eu tenho certeza de que posso resolvê-la,
basta encará-la com “vontade”.
Se esse fosse um futuro que eu tivesse previsto e
compreendido, eu certamente o enfrentaria sem qualquer
alteração emocional.
Seria então o paraíso.
Eu preciso ver o paraíso... Alcançar o paraíso e me
tornar um verdadeiro vencedor. Eu preciso clamar a
minha vitória.
Agora, por mais que Vanilla Ice tenha sido
aniquilado, alguém com uma habilidade como aquela
certamente deve ter sido capaz de executar ou o
Polnareff, ou o Iggy. Se não for o caso, que pelo menos
tenha causado ferimentos sérios em ambos.
E por mais que os dois tenham sobrevivido, Iggy é
um cachorro, não importando o quão inteligente ele seja.
No fim das contas, Polnareff está sozinho.
Eu sei que deve ser inútil, mas...
Acho que eu devia me encontrar com ele.
Polnareff está separado de Jotaro Kujo e Joseph
Joestar. Agora que ele está sozinho, essa é uma
oportunidade que não vai aparecer novamente.
Porque existe uma força gravitacional que decide os
encontros e desencontros.
E acredito que tal força exista entre mim e o
Polnareff... Como eu não consigo forjar uma aliança com
os Joestar e como a maioria dos meus subordinados se
foi, eu fico extremamente satisfeito em ter o Polnareff

235
do meu lado mais uma vez.
Kakyoin está com os Joestar, então negociar com
ele é impossível, agora o Jean Pierre Polnareff...
Se eu não tivesse usado um parasita para controlá-
lo, ele não teria nenhum ressentimento contra mim...
Afinal, ele já se resolveu com J. Geil, com quem tinha
contas a acertar e, diferentemente de Kakyoin Noriaki,
ele não conheceu Holly Kujo pessoalmente.
Então, dependendo de como eu negociar, é possível
conquistá-lo de volta. Eu só preciso fazer isso antes
dele se unir novamente com os Joestar.
Acho que é o que farei.
Espero escrever boas notícias na próxima página,
quando eu voltar.

236
77
Não funcionou.
Eu fui sumariamente rejeitado. E sendo bem sincero,
eu, Dio, não consigo entender o motivo de ele estar tão
insatisfeito comigo.
Será porque o senso de justiça subiu à sua cabeça?
Ou talvez porque ele está direcionando para mim a culpa
de sua irmã ter sido assassinada?
Acredito que é uma possibilidade.
Mesmo tendo saciado sua sede de vingança, a
morte de J. Geil não trará sua irmã caçula de volta.
Ou seja, sua amargura não será absolvida por completo.
Desta forma, acredito que agora ele está direcionando
a sua raiva contra mim porque J. Geil era meu serviçal.
Como ele não conhece Holly Kujo, eu não consigo pensar
em outro motivo para rejeitar a minha oferta.
Em outras palavras, para Jean Pierre Polnareff, é
possível que sua irmã Sherry, assim como Holly Kujo e
minha mãe, seja uma santa imaculada.
Sherry.
Acredito que tal nome se assemelhe com o francês
para “querida”, como você chama alguém que ama.
No fim das contas, parece que eu, Dio, sempre sou
derrotado pela ideologia do “amor”.
Amor pelos pais.
Amor pela família.
Amor pela humanidade.

237
Não...
Eu, Dio, ainda não fui derrotado.
Independentemente do que aconteceu há cem anos,
o que ocorreu agora é que Polnareff, um excelente
usuário de Stand, recusou o meu convite.
Isso não é uma derrota.
Contudo, isso significa que a força gravitacional não
atua a meu favor. Talvez, se tivéssemos nos encontrado
em outra hora, ele teria se tornado um bom colega.
Sim, foi apenas o momento que não era o certo.
Momento?
Não, espera... Isso não faz sentido. A palavra
“momento” basicamente se refere a um período de
“tempo”. Será que é só isso mesmo? Porque se era
“tempo”, eu deveria ser capaz de controlá-lo.
Isso porque é correto afirmar que a minha Stand
“The World” controla o tempo. E eu estou de acordo
com tal máxima.
Estritamente falando, o tempo não é a única coisa
que é importante. Existe algo que é tão importante
quanto, senão mais.
Refiro-me ao “onde”.
Igual ao saguão, onde meu sangue que jorrou do meu
rosto graças ao soco de Jonathan ativou pela primeira
vez a Máscara de Pedra... Igual à estátua da Vênus,
que calhou de estar bem onde eu ia cair do telhado.
E assim como o oceano era onde eu havia decidido
tomar o corpo de Jonathan para mim. O “onde” tem um
significado extremamente importante.
É justamente o que me faltava. O “local”.

238
78
Bom, tanto faz, eu já não tenho mais tempo.
Achei melhor eu tentar me acalmar e começar de
novo em outra página.
Não se empolgue... Sim, essa não é uma situação
boa para se empolgar. Eu fico sempre inquieto em
momentos como este, não é? Ah, o Pucci me disse
que em situações como essa, é uma boa ideia começar
a contar somente os números primos. Números primos
são números solitários incapazes de serem divididos por
qualquer outro número além de um e eles mesmo.
A solidão concentra a nossa força
Eu irei contar os números primos.
2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43,
47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83, 89, 97…
Não funciona tão bem quanto ele disse que
funcionaria.
De qualquer modo, eu preciso me acalmar.
Primeiro, acho melhor concluir a minha história de
um século atrás.
Quando eu fui fazer a minha oferta ao Polnareff, eu
pude conversar um pouco com ele. Se eu tivesse ficado
mais um pouco por lá... Se eu tivesse mostrado mais um
pouco da força da minha Stand, “The World”, ele talvez
tivesse cedido.
A força gravitacional o puxou de volta para os seus
colegas.

239
Joseph Joestar, Jotaro Kujo e Kakyoin Noriaki
derrubaram uma parede. Com a benção dos raios de sol
sobre seus ombros, ele se reuniu à equipe.
Com o sol não deixando de ser minha fraqueza
inexorável, eu tive que me afastar daquele local
temporariamente.
Mesmo sem as ilusões do Kenny G., a mansão ainda
é uma construção consideravelmente complexa. Eles não
vão me alcançar tão cedo.
Contudo, parece que o Kakyoin colocou o Nukesaku
numa sacola para poderem levá-lo (deve ser para
protegê-lo do sol, mas é algo um pouco cruel para seus
padrões), então uma hora ou outra eles me encontrarão.
Então, antes disso, acho melhor escrever mais
sobre minha descoberta. Meu receio não é com Joseph
Joestar ou Jotaro Kujo individualmente, mas com
linhagem Joestar como um todo... Como eu devia ter
sido há um século.
Aquela santa. Erina Joestar.
Aquela mulher imaculada foi a primeira e última
pessoa a interferir nos meus planos. Naquela época,
ela estava disposta a morrer junto daquele com quem
contraiu matrimônio, Jonathan.
É normal que ela tenha jurado estar sempre ao seu
lado na alegria e na tristeza, bem como na saúde e
na doença, mas eu acreditava que isso seria até que a
morte os separasse.
Essa mulher estava disposta, em prol daquele que a
salvou quando ela era uma criança, a abrir mão de sua
vida.
Impressionantemente tola.
Era um sentimento puro, honesto e lindo.
Mas de uma tolice incorrigível.
Mais uma vez eu enxerguei nela, de verdade,
características da minha mãe... E aquilo me deixou

240
furioso.
Por isso, eu não poderia perdoá-la.
Eu não permitiria que ela padecesse nos braços do
meu corpo, o corpo do Jonathan.
Nunca fariam isso comigo.
Por que ela faria isso por ele?
Mãe.
Mãe.
Mamãe.
“Minha mãe também...”
Jonathan começou.
Ele então apontou para o cadáver de uma mulher
próxima a ele. Parecia que ela estava fugindo dos zumbis
quando caiu da escada enquanto abraçava sua cria.
Então, continuou:
“Aquela mãe... Morreu por sua criança...”
“Minha mãe... Morreu da mesma forma...”
“Salve aquela criança... E fuja...”
“Você pode chorar, mas você precisa viver...”
Aquela mulher morreu, mas a criança ainda estava
viva.
Jonathan disse à sua mulher para salvá-la. Ele
pediu uma coisa dessas à mulher que estava conformada
em morrer ao seu lado. Quanta falta de noção.
Mas foi essa falta de noção que o fez ser Jonathan
Joestar.
Meu arqui-inimigo.
O único homem que eu respeitei um dia.
Ao mesmo tempo em que eu o odeio – bem como
seus descendentes – eu o respeito. Foi esse o motivo
absoluto de eu ter decidido tomar o seu corpo.
Porque em seu leito, ele deixou de ser um “herdeiro”
para se tornar um “doador”... Erina acatou seu último
pedido com lágrimas nos olhos.
241
O último desejo de um moribundo. O último desejo de
um amante.
Ela não poderia recusar. Foi quando, no último
instante, gastei minhas últimas forças para tentar
agarrar o Jonathan com meus tentáculos. Foi no
momento em que ela se afastou dele.
Eu não me lembro muito bem do que aconteceu
depois.•.
Minha memória vem até aqui.
Não me recordo nem mesmo do som da explosão do
navio.

242
79
Foi só naquele momento que Jonathan e eu, depois
de transcendermos a vida e a morte, estabelecemos uma
espécie de laços de amizade. Acabei ficando um pouco
emocionado, então passei para a próxima página para me
recompor.
Parece que o Nukesaku está, de forma ardilosa,
ganhando tempo e guiando a caravana Joestar para lugar
nenhum... No entanto, eu duvido que Nukesaku tenha
ideia de que eu estou escrevendo este registro numa
hora como essa.
Ele também não tem conhecimento de todas as
passagens secretas dessa mansão. Eu poderia escrever
sobre os meandros desta mansão para sempre, mas só
resumirei que ele provavelmente está os guiando para a
torre mais alta, onde estarei esperando por eles.
Aliás, ter sua curta vida encerrada pelo Hamon do
Joseph é um destino pouco digno para alguém como ele.
Eu, Dio, irei pessoalmente dar conta do recado. Como
ele é portador de um corpo imortal, talvez até consiga
sobreviver.
Agora, eu mencionei anteriormente que não me
recordava do que aconteceu depois no navio. Contudo,
para ser preciso, não é que eu não lembro, mas eu não
faço ideia do que, de fato, aconteceu. Mesmo criando
infinitas hipóteses, haverá contradições.
Da minha perspectiva, um fato inquestionável é que
eu consegui, com sucesso, tomar o corpo de Jonathan,

243
seja lá como for.
E não somente, consegui permanecer vivo. Levando
em consideração as condições em que acabei tendo
que hibernar por cem anos numa espécie de esquife no
fundo do oceano, é deduzível que, após ter conseguido
meu novo corpo, eu consegui me abrigar no caixão e
sobreviver à explosão que Jonathan havia armado.
Até agora estou apenas constatando as conclusões
lógicas e óbvias.
O que eu não entendo, porém, é como Erina
conseguiu salvar aquela criança e sobreviver. Como diabos
ela escapou da explosão?
Os zumbis de Wang Chung destruíram todos os botes
salva-vidas, porque foi assim que eu ordenei para evitar
uma improvável situação em que o Jonathan tentasse
fugir por conta própria.
Então, mesmo se Erina tivesse fugido como
Jonathan pediu, mesmo se ela tivesse tentado achar
alguma maneira de sobreviver, um sucesso seria
impossível.
O destino dela era naufragar no oceano junto
daquela criança. Então como a linhagem Joestar
continuou ao ponto em que hoje eu consigo ser
psicografado pelo “Hermit Purple” do Joseph Joestar?
Eu achei que ela tinha sido destruída.
Eu achei que ela se foi... Ainda assim...
Mesmo se começarmos a levantar suposições onde
Erina Joestar conseguiu, de alguma maneira, escapar,
eu só consigo me concentrar no caixão que eu havia
trazido. O caixão que eu tinha levado ao navio era a
única coisa que podia ser usada como um abrigo.
Mas como isso seria possível?
Aquele caixão era um compartimento destinado a
apenas um indivíduo. Dependendo da situação, é possível
encaixar duas pessoas lá dentro. No entanto, ele não

244
havia sido feito para alguém com o meu porte físico
depois de ter tomado o corpo do Jonathan. É impossível
que a Erina e eu coubéssemos nós dois juntos dentro
daquele caixão.
Tecnicamente, não eram duas pessoas. Eram três.
Ou, sendo ainda mais exato, quatro.
Jonathan, a criança, Erina e eu... Se todos nós
coubéssemos no caixão, o enigma certamente estaria
resolvido.
Jonathan, contudo, alcançava aproximadamente um
metro e noventa centímetros de altura, levando em
consideração que o espaço de sua cabeça era preenchido
por mim, Dio. Erina conseguiria se encaixar num espaço
menor e a criança era apenas um bebê.
Pode até ter sido apertado, mas talvez não seja tão
fisicamente impossível assim que nós quatro tenhamos
ocupado aquele caixão construído para apenas uma
pessoa.
Fisicamente.
Emocionalmente, isso seria impossível... Jonathan
teve sua garganta perfurada, conseguiu concentrar
todas as suas forças num último Hamon e acabou
morrendo.
E eu presenciei sua morte pessoalmente, acredito.
Então, se eu estivesse consciente e acabei tomando
para mim o corpo de Jonathan, eu certamente não teria
aceitado me proteger no mesmo compartimento com
Erina Joestar.
Atesto isso com toda a certeza, mesmo sem me
recordar do ocorrido.
Se naquele momento eu estivesse mesmo consciente,
essa situação certamente não teria acontecido.
Acredito que concentrei minhas últimas forças
para tomar o corpo de Jonathan. Tanto que depois eu
desmaiei.

245
Eu fiquei inconsciente.
É, soa bem melhor dizendo dessa forma... Ou
melhor, eu exauri todas as minhas forças.
Então, quem me colocou, exausto, no caixão?
Talvez eu consiga me convencer que inconscientemente
eu tenha me arrastado para o caixão visando a minha
sobrevivência.
Levando em consideração o fato de que eu estou
vivo, não consigo encontrar nenhuma outra explicação...
Contudo, se levarmos também em consideração o fato
de que a Erina também sobreviveu, a história agora é
outra.
Mesmo se eu tivesse conseguido me arrastar
inconscientemente até o caixão, a Erina certamente
me tiraria dele para que ela própria pudesse entrar,
não é? Eu, Dio, um indivíduo que ela odiava. Aquele que
assassinou seu amado marido. Ela certamente teria me
jogado para fora do esquife, não? Não...
Acho melhor não me preocupar tanto com isso.
Eu já tirei minha conclusão... Eu só não quero
admitir. Eu só não quero admitir isso. É só levar em
consideração o fato de que ela se tornou uma Joestar.
Ela herdou a vontade daquela linhagem. Eu sei. Eu
tenho certeza. Só não consigo aceitar.
Graças à Erina Joestar...
Minha vida foi salva.
Eu só não quero admitir.
Contudo, considerando as circunstâncias, não
existe outra resposta. Depois de ter tomado o corpo de
Jonathan e ter exaurido minhas forças, Erina me levou
até o caixão e me colocou lá dentro junto dela.
Não existe outra maneira de nós, incluindo aquela
criança, termos nos salvado.
Pensando de forma simples, talvez ela tenha feito
isso porque aquele ainda era o corpo de seu falecido

246
marido. Ela não poderia simplesmente deixá-lo afundar
naquela embarcação.
Mas eu sei que não é o motivo certo.
Como alguém que tomou o corpo de Jonathan, eu sei
que eu preciso admitir.
Que aquela mulher nobre, orgulhosa e portadora de
uma tolice sem limites... Ficou com pena de mim, Dio.
“Dio”.
“Você consegue me escutar?”
“Se eu tivesse nascido na pobreza, eu provavelmente
teria feito as mesmas coisas...”
“Eu provavelmente teria o mesmo coração ambicioso
e teria me afastado do caminho da humanidade assim
como você”.
“O corpo de Jonathan lhe pertence agora”.
“Você é verdadeiramente um membro da família
Joestar agora”.
“Agora, descanse junto de meu marido nas
profundezas do oceano”.
“Durma em paz”.
“Eu não sei se isso acontecerá daqui a cinquenta ou
cem anos.”.
“Mas, algum dia, por favor, desista de tanta
maldade e se torne uma boa pessoa...”
“Por favor, aja nobremente e viva com orgulho. Se
fizer isso, você conseguirá chegar no céu”.
Tive a impressão de que alguém sussurrou isso em
meu ouvido.
Tive a impressão de que ouvi tais palavras no último
instante.
Foi o que Erina Joestar me disse.
Foi o que a minha mãe me disse.

247
80
O último requisito é o “onde”.
“Onde” e “quando”.
Eu fiz os cálculos.
28.24º de longitude norte, 80.36º de latitude
oeste... E espere pela lua nova.
Essa deve ser a “Hora do Paraíso”. Agora...
Chegou o momento... A caravana Joestar finalmente
me alcançou.
O caminho em direção ao paraíso já é claro para
mim, porém, infelizmente, eu serei obrigado a largar a
caneta pelo resto do dia. É melhor seguir em direção à
torre. Chegou a hora de encerrar de uma vez por todas
essa minha conexão com a linhagem Joestar.
Não há necessidade de pânico. Meu corpo goza de
vida eterna.
Eu disponho de todo o tempo que precisar.
Continuarei a escrever mais sobre isso amanhã.

248
249
Posfácio
Pelo que me lembro, o meu primeiro contato com JoJo’s
Bizarre Adventure foi quando vi a marionete do “Ebony Devil”
decepar o rosto de um funcionário do hotel como se fosse
uma simples máscara. É claro que, naquela época, a minha
principal dúvida era “como aquela marionete funciona?”. De
repente, apareceu do nada um negócio que se assemelhava a um
guerreiro numa armadura. Eu continuei lendo aquilo sem fazer
a mínima ideia do que era uma Stand. Mas ainda assim, talvez
por causa desse meu estranhamento, eu ainda consigo lembrar
a sensação intensa de ser engolido por essas páginas como
se fosse hoje. Bem, eu acho que eu já tinha lido uma Weekly
Shounen Jump antes e, pensando bem, era bem no capítulo em
que o Jotaro tinha descoberto a identidade do usuário da
Stand “Dark Blue Moon”. Então, eu certamente errei a respeito
da minha primeira memória envolvendo JoJo, assim, por que
diabos eu disse que me recordava como se fosse ontem? Bem,
articulando melhor, eu acredito que a primeira cena teve mais
impacto na criança que eu era naquela época. De qualquer
modo, você não consegue colocar uma cena de um rosto sendo
decepado como uma máscara na Shounen Jump de hoje. Dessa
forma, eu olho para trás de vejo como as coisas mudaram desde
aquela época. Contudo, uma coisa que permanece é a tendência
que JoJo’s Bizarre Adventure desencadeou na revista e nela
influi até hoje. Sem falar de pessoas como eu, que acabaram se
influenciando de alguma forma também.
É por isso que esse livro é o romance resultado da obra-
prima de nossos tempos. Não, de todos os tempos. JoJo’s Bizarre
Adventure, uma obra-prima que ainda será lida daqui a cem
anos. Essa é a história de Dio. Acredito que é possível chamá-
la de “Dio’s Bizarre Adventure”, em vez de “JoJo’s Bizarre
Adventure”. Olha, a simples oportunidade de escrever a história

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de Dio me mostrou o quão sou sortudo de ser tanto um escritor
quanto um fã. Se bem que agora fica difícil escrever qualquer
coisa depois de uma declaração como a que eu acabei de fazer.
Enfim, esse é Over Heaven, um romance baseado em JoJo’s Bizarre
Adventure.
Aliás, por mais que eu tenha dito que eu me sinto sortudo
de ser tanto um autor quanto um fã da série, admito que esse
romance foi um desafio como eu nunca antes enfrentei. Passei
por uns bons bocados até que eu finalmente conseguisse
terminá-lo. Por isso, meus sinceros agradecimentos ao
departamento Jump J Books da Shueisha, por toda a paciência
que tiveram comigo enquanto eu mantinha a minha perseverança
em terminar este livro, bem como ao mestre Hirohiko Araki, por
arranjar um tempo no meio da serialização da parte 8, Jojolion
e desenhar as ilustrações e essa belíssima capa. É, parece que
eu me empolguei. Acho que JoJo faz isso com as pessoas.

Nisio Oisin.

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