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Amélia Diana Palmer

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A M É L I A
(AMÉLIA)
DIANA PALMER

Revisado por Rai Lira

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 1

Texas, 1900.

Amélia adorava o oeste do Texas e seus desertos. A vegetação não era tão
exuberante como no leste do estado e os perigos espreitavam: violentas tormentas de
areia, coiotes, lobos e serpentes. Apesar disso, Amélia acreditava que a região possuía
um encanto especial. De vez em quando seus habitantes se viam surpreendidos pelas
incursões dos bandidos mexicanos procedentes de El Passo, que cruzavam a fronteira
pelo rio Grande ou rio Bravo do Norte, como eles o chamavam. Os índios, em troca, não
tinham dado sinais de vida durante vinte anos. Entretanto, a fronteira sempre tinha sido
um território perigoso, e Amélia vivia com temor na alma por seu irmão Quinn, ranger do
exército do Texas.
Não podia evitar estremecer quando lembrava os acontecimentos que os tinham levado
ao Texas. Amélia tinha nascido e se criado em Atlanta. Fazia dois anos que seu pai, em
um ato desesperado para salvar a vida de seus dois filhos menores, doentes de febre
tifóide, tinha sofrido um grave acidente enquanto conduzia sua charrete
precipitadamente, e antes de chegar a casa do médico, um coche tombou a charrete e
Howard sofreu graves ferimentos na cabeça. Nunca voltou a ser o mesmo e se
transformou em um homem muito violento.
Quinn tinha se alistado no exército e combatia na guerra contra a Espanha. Quando a
guerra terminou, instalou-se em El Passo, e Amélia ficou em Atlanta na companhia de
sua mãe doente e seu mal-encarado pai. No entanto compreendeu que não queria ser
vítima dos acessos de violência que assaltavam seu pai, e para evitar isso teria que se
transformar em um modelo de obediência e docilidade. Por causa das freqüentes dores
de cabeça que sofria, Hartwell Howard entregou-se à bebida, o que piorou ainda mais a
situação.
Há um ano sua mãe tinha morrido de pneumonia. Amélia, ficou arrasada com sua
morte, mas seu pai, que até então tinha desfrutado de períodos de relativa normalidade,
mudou completamente; de repente, se transformou em um homem impulsivo e inquieto.
Uma semana depois do funeral de sua esposa, solicitou a transferência do banco para o
qual trabalhava para El Passo para ficar mais perto de Quinn, que tinha se unido ao
exército do Texas e estava acampado em Alpine. A idéia de fundar uma dinastia e
passar a tomar parte da família de um próspero rancheiro da região começou a ser uma
obsessão. O primeiro passo que deu nessa direção foi abrir uma conta no banco onde o
rancheiro guardava sua fortuna com a finalidade de ganhar sua amizade. Esperou
impaciente até que isso se tornou possível e durante alguns meses pareceu que as
notícias relacionadas com sua transferência eram o que determinava suas mudanças de
humor. O segundo passo consistia em forçar Amélia a se casar com algum membro dessa
família, algo para o que ela não se sentia inclinada absolutamente.

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Amélia Diana Palmer

Seu pai se transformou em um tirano sedento de dinheiro e não parecia disposto a


permitir que a pena e a compaixão se intrometesse em seu caminho. Apesar de tudo,
Amélia tinha decidido permanecer junto dele. Era inteligente o suficiente para se dar
conta de que tinha que haver relação entre as feridas do acidente e a repentina
mudança de caráter que seu pai tinha sofrido. Tinha amado muito o antigo Hartwell
Howard e não podia suportar a idéia de abandoná-lo agora que necessitava de sua ajuda
mais que nunca. Sempre tinha sido a menina de seus olhos e nem sequer seus violentos
ataques foram capazes de fazê-la esquecer a lealdade que lhe devia.
Mesmo se tivesse sido capaz de reunir a coragem necessária para abandonar seu pai,
Amélia não saberia o que fazer nem para onde ir. Não tinha nenhuma renda e nem
possibilidade de trabalhar.
Freqüentemente lembrava como tinha sido bom e carinhoso com ela quando menina.
Nunca chegava em casa sem um pequeno presente para sua mulher e seus filhos pequenos
porque com seu modesto salário de contador não podia permitir-se a luxos excessivos,
mas o presente mais valioso para eles sempre tinha sido o amor e consideração que lhes
dedicava. O homem com quem morava agora não era seu pai, mas em nome do carinho
que os tinha unido anos atrás, Amélia teimava em permanecer a seu lado.
O certo era que cada vez era mais difícil. Os ataques ficavam mais freqüentes,
provocados freqüentemente por detalhes insignificantes como um pouco de cinza na
jaqueta ou um papel fora de lugar.
Amélia tinha vinte anos e nunca a tinham visto em companhia de um homem. Era
bonita o suficiente para se permitir ao luxo de escolher quem quisesse como marido, mas
seu pai decidiu que tinha que casá-la com Alan Culhane, o filho mais novo dos Culhane, a
família mais poderosa e influente da região. Os Culhane não podiam suspeitar do
verdadeiro caráter de Hartwell, e Amélia temia que descobrissem da maneira mais
trágica possível.
Em uma ocasião, quando ainda viviam em Atlanta e estavam a ponto de mudar-se para
El Passo, Amélia fugiu de casa. Uma noite, depois de receber uma brutal surra das mãos
de seu pai, fugiu aterrorizada. Foi a primeira e única vez que reconsiderou sua decisão
de permanecer junto dele. Entretanto, na manhã seguinte seu pai pediu perdão com os
olhos cheios de lágrimas e ela aceitou acompanhá-lo ao Texas. Em El Passo se sentia
mais segura, porque sabia que Quinn estava por perto.
Amélia sempre tinha idolatrado Quinn. Se não fosse os quatro anos que os
separavam, poderiam passar perfeitamente por gêmeos. Os dois eram loiros e tinham os
olhos da mesma cor castanha profunda, embora os dele, quando se zangavam,
escurecessem até parecer quase negros. Seu nariz reto lhe dava um ar aristocrático
mas, sobretudo, era incrivelmente alto. Amélia era de estatura mediana mas sua figura
era invejável.

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Amélia Diana Palmer

Quinn tinha se graduado na universidade junto com seu amigo King Culhane, cinco anos
mais velho. Para Amélia, no entanto, não lhe foi permitido continuar sua educação quando
terminou a escola. Seu pai acreditava que não era conveniente que as mulheres
recebessem uma formação completa. O que não sabia é que Quinn tinha dado aulas a
Amélia e que esta não só estava familiarizada com os clássicos como sabia latim e grego,
assim como também falava espanhol e francês com fluência.
Na realidade, Hartwell Howard desconhecia muitas coisas de Amélia porque havia um
lado de sua complexa personalidade que ela ocultava para seu próprio bem. Tinha
decidido conter seu caráter forte e sua vitalidade para seu pai não se alterar, o que
seria muito ruim. Uma vez falou com seu médico do acidente e este lhe disse que, como
conseqüência da pancada na cabeça, seu cérebro poderia ter ficado seriamente
prejudicado, e que se as lesões tivessem sido graves poderiam lhe causar a morte. O
médico se ofereceu para os visitar mas, quando Amélia propôs a seu pai, este reagiu de
maneira tão violenta que ela se apressou a desaparecer de sua vista e nunca mais se
atreveu a sugerir uma coisa assim. Sofria de hipertensão e as dores de cabeça lhe
atormentavam de tal maneira que Amélia temia lhe irritar muito e lhe provocar sua
morte. Tampouco se atreveu a comunicar seus temores a Quinn: ele já tinha seus
problemas e ela não queria ser mais uma carga para ele.
Amélia sabia atirar; Quinn tinha lhe ensinado. Também era uma perita amazona,
tanto montava em sela inglesa como em sela do oeste. Tinha um curioso senso de humor
que freqüentemente vinha à tona quando se encontrava em boa companhia. Também sabia
pintar. Entretanto, a Amélia que Alan e o resto dos Culhane conheciam era uma garota
insípida e aborrecida. Todo mundo a tomava por uma jovem pouco digna de atenção;
bonita, mas de sorriso ausente, muito introvertida e não muito inteligente; e, sobretudo,
muito reservada.
Há tempo Hartwell tinha esquecido a maliciosa e vivaz Amélia, mas parecia que Alan
preferia a dócil criatura em que se transformou, e isso era a única coisa que importava
para seu pai.
De alguma maneira, ficava mais fácil cuidar de seu pai, no império construído pelo
rancheiro Culhane e sua família. Os Culhane gostavam de caçar e, felizmente, parecia
que Hartwell Howard se interessava mais por este esporte que por controlar
estritamente a vida de sua filha. Ultimamente estava se medicando para combater as
dores de cabeça e quase não bebia. Não lhe convinha ficar em evidência diante do
homem de quem queria se tornar sócio e do jovem que tinha escolhido para marido de sua
filha. Assim, Amélia começou a respirar mais tranqüila embora ainda tivesse um espinho
cravado no coração.
A amizade entre os Culhane e os Howard se iniciara há vários anos através de Quinn
e o primogênito e herdeiro dos Culhane, embora fosse o irmão mais novo que Hartwell
preferia como marido de sua filha. Alan não tinha se dado conta ainda e Amélia esperava
que não soubesse nunca porque, embora apreciasse sua companhia, não tinha a menor
intenção de se tornar sua mulher, simplesmente porque isso significaria estar perto dele.
A serpente em seu paraíso particular. O espinho em seu coração. Odiava-o e ao mesmo
tempo estava louca por ele.

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Amélia Diana Palmer

Amélia ia passeando pelo atalho que levava ao rancho dos Culhane, absorta em seus
pensamentos, quando notou que alguém se movia junto a ela e disfarçadamente olhou com
a extremidade do olho. Ali estava, como se tivesse adivinhado seu pensamento, cada vez
mais perto. Amélia fez uma careta de desgosto porque, ultimamente, cada encontro era
pior que o anterior.
Seu nome completo era Jeremiah Pearson Culhane, mas ninguém o chamava assim.
Para todo mundo era King Culhane e a única coisa que faltava para acabar de completar
tal honra era o manto e a coroa. Não precisava recorrer à impecável origem de seus
antepassados, e, embora todo mundo soubesse que sua família era aparentada com
metade das casas reais da Europa, a autoridade, o porte, e o olhar desafiante, como a
de um verdadeiro rei, falavam por si só. Era simplesmente King.
Sua roupa não correspondia com a de um homem de sua posição econômica e poderia
ser confundido com qualquer empregado do rancho. Usava jeans velhos e desbotados com
uma capa para se proteger dos cactos, uma camisa de cor indefinida com botões de
madrepérola nos punhos e na gola, um lenço azul atado ao pescoço e um chapéu Stetson
negro de abas largas com uma cinta de couro como único adorno. Suas botas,
deformadas pelo uso, estavam cobertas por uma grosa camada de barro.
Como a maioria dos homens, do lado da cela da montaria carregava um rifle
Winchester. Sempre corria o risco de se encontrar com algum animal perigoso e nem
todos andavam sobre quatro patas.
King passou diante de Amélia sem sequer olhá-la. Os Culhane os tinham convidado
para passar umas semanas em seu rancho e King não tinha lhe dirigido a palavra nenhuma
vez desde que tinham chegado, algumas semanas atrás. Inclusive na hora do jantar,
quando se reunia toda a família, a tinha ignorado completamente. Ninguém tinha
reparado nisso, mas Amélia se sentia terrivelmente magoada.
Amélia adorava King desde o dia em que o conheceu. Quando ainda viviam em Atlanta,
Quinn o convidou para passar alguns dias de férias com eles. Amélia tinha então
quatorze anos, mas, durante aqueles dias, seus enormes olhos castanhos seguiram-no a
toda as partes admirando e aprovando tudo o que ele fazia ou dizia. Aquela foi a
primeira e única visita de King à casa dos Howard. Nem sequer acompanhou Alan quando
assistiu ao funeral dos gêmeos em representação de sua família.
O caráter de Amélia tinha mudado substancialmente durante esses seis anos devido
às repentinas mudanças de humor de seu pai e, logo que se instalaram em Látego para
preparar a partida para a caça, King se apressou em manifestar seu desagrado por
Amélia. Precisamente no dia anterior o tinha ouvido falar dela em um tom francamente
insultante e aquilo doera muito. Ele era um homem sofisticado, tinha recebido uma
educação excelente e em numerosas ocasiões o tinha visto rodeado de mulheres lindas.
Quinn contava coisas incríveis sobre sua vida depois de ter saído da universidade, mas
para Amélia tudo continuava igual. Um simples olhar depois de seis anos tinha mudado
sua vida.
Obviamente, King não sentia o mesmo. Não a olhava nem lhe dirigia a palavra.
Simplesmente se comportava como se ela não existisse.

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Amélia Diana Palmer

Amélia não era uma mulher agressiva, mas às vezes tinha que fazer um esforço para
não lhe jogar uma pedra na cabeça. Acreditava que, o que King detestava era sua
fingida personalidade. Limitava-se a julgá-la pelas aparências e a tratava de acordo com
o que via: uma mulher sem inteligência, personalidade nem encanto. Nada nem ninguém
tinha causado nunca tanta dor. Seu triste olhar o seguiu enquanto cavalgava em seu
cavalo com ar majestoso. Se soubesse como era a Amélia que havia debaixo da máscara
que se via obrigada a usar, tudo poderia mudar. Mas no momento não havia nenhuma
esperança de que isso acontecesse. Suspirou resignada e retomou lentamente seu
caminho para o rancho.
— Está muito calada, querida — disse Enid Culhane aquela noite depois do jantar.
Estavam sozinhas na sala tomando café e bordando. Os homens estavam no pavilhão
de Brant Culhane limpando as armas e se preparando para a caçada do dia seguinte.
Enid entreabriu os olhos enquanto estudava o efeito que suas palavras produziam em
Amélia. Freqüentemente pensava que havia alguma coisa misteriosa nela, e uma vez tinha
acreditado ver em seus olhos um brilho que não correspondia com seu caráter dócil e
aprazível. Apesar de fazer pouco tempo que a conhecia, Enid também formou uma opinião
sobre o pai de Amélia e não foi muito favorável.
— Meu marido me disse que logo começará a temporada de concertos. Você gostaria
de nos acompanhar algum dia?
— Eu adoro música — respondeu Amélia. — Os acompanharei encantada.
— Trouxe algum vestido apropriado?
— Oh, sim. Tenho dois.
Enid levantou a vista da delicada flor que estava bordando e disse:
— King tem um caráter um pouco difícil. E também muito êxito entre as mulheres.
Temo que dentro de pouco tempo se transformará em um homem terrível.
— Isso não é verdade!
Depois de pronunciar essas palavras Amélia ruborizou intensamente e, furiosa consigo
mesma por haver ficado em evidência, fingiu se concentrar de novo em seu trabalho.
Entretanto, sua inteligente anfitriã tinha visto e entendido perfeitamente aquela curiosa
reação.
— O tem em alta estima, não é verdade?
— Acho que ele é um homem… surpreendente.
— Surpreendente, sim, e também enlouquecedor — disse enquanto começava a bordar
outra flor. — Marie está colocando as meninas para dormir, por que não vai ver se
precisam de alguma coisa antes que eu diga a Rosa que já pode ir dormir?
— Certamente.
Amélia percorreu o longo corredor até chegar ao quarto de Marie Bonet e bateu na
porta lentamente. As pequenas, de seis e oito anos, tinham o mesmo cabelo e os mesmos
olhos escuros de Marie. Pareciam anjos em suas camisolas.

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Amélia Diana Palmer

— Que meninas tão lindas! — exclamou Amélia. — Trés belles! — acrescentou em


francês.
— Trés bien. Su parles plus bon, chérie — elogiou-a Marie.
— Se tiver melhorado, foi graças a suas lições — respondeu Amélia com modéstia. —
A senhora Culhane deseja saber se as meninas necessitam de alguma coisa da cozinha.
— Não, obrigada. Ia ler uma história mas, já que está aqui, por que você não lê?
Não se importa, não é verdade?
— Absolutamente! — respondeu Amélia. — Vá tranqüila. Eu as colocarei na cama.
A doce e miúda Marie se despediu dela com um sorriso carinhoso e saiu do quarto.
Seu marido tinha morrido há poucos meses e agora tinha que educar suas filhas sozinha.
Felizmente sua família tinha dinheiro. Marie e Enid Culhane eram primas e esta última a
tinha convidado para passar uma temporada no rancho.
Uma vez a sós com as meninas, Amélia se acomodou junto a elas na grande cama que
compartilhavam e começou a ler uma história em francês. Embora tivesse problemas com
algumas palavras, as meninas a ajudaram e não o fez de todo mal.
Esperou até que estiveram profundamente adormecidas, agasalhou-as bem e lhes deu
um beijo de boa noite. Ficou um momento as contemplando e se perguntando se algum dia
teria umas meninas tão bonitas. Detestava admiti-lo, mas lhe repugnava a idéia de se
casar com Alan e ter filhos com ele.
Nas pontas dos pés, se dirigiu para a porta e a abriu com cuidado. Quando se dirigia
para a sala pelo escuro corredor, tropeçou em uma figura alta e forte e sufocou um
grito enquanto duas mãos a seguravam por seus ombros.
Nesse instante soube contra quem tinha se chocado sem necessidade de levantar os
olhos. Era capaz de sentir a presença de King a um quilômetro de distância.
Levantou os olhos temerosa e encontrou o olhar de King, frio e ornado por grosas
sobrancelhas. King podia dizer mais com apenas um olhar que seu irmão com um
dicionário. Seu temperamento ruim, assim como sua valentia e arrojo, eram conhecidos
em todo Texas.
Vestia uma calça escura e uma camisa branca que realçavam o tom oliva de sua pele.
Não era tão bonito quanto Alan nem tão elegante quanto seu pai, mas seu rosto tinha
alguma coisa que atraía poderosamente todas as mulheres. Amélia estava farta de as
contemplar pavoneando-se ao redor dele, esforçando-se para agradá-lo enquanto ele
correspondia desdenhosamente. Comportava-se com a postura e a segurança de quem
sabe que pode conseguir o que quiser de uma mulher com apenas um olhar. Amélia não se
orgulhava em admitir, mas o que mais doía era saber que King não a considerava digna de
nenhum interesse.
— Da próxima vez olhe por onde anda — grunhiu.
— Sinto muito — murmurou Amélia afastando-se para o deixar passar.
Entretanto, ele a segurou ainda mais forte.

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Amélia Diana Palmer

— Pode-se saber que demônio fazia aí dentro? — perguntou, receoso.


Amélia arqueou as sobrancelhas e respondeu maliciosamente:
— Ora… roubando jóias?
King franziu o cenho ameaçadoramente.
— Estava lendo uma história para as meninas antes de as colocar na cama — se
apressou a explicar Amélia, arrependida de ter cedido ao seu senso de humor.
— Sabe perfeitamente que as meninas não falam nenhuma palavra de inglês.
— Mais, je parle français, monsieur — respondeu Amélia com um amplo sorriso.
Olhou-o com um estranho brilho nos olhos e acrescentou —: Je ne vous aime pas. Je
pense que vous étes um animal.1
King inclinou a cabeça e a observou com curiosidade. Seu olhar lhe pareceu mais azul
e mais frio que nunca.
— C'est vrai?2 — murmurou ele junto a seu ouvido.
Amélia desejou que a terra se abrisse sob seus pés. Separou-se dele e correu como
a alma corre do diabo para trancar-se em seu quarto. O rosto ardia e se sentia
envergonhada. King tinha recebido uma excelente educação que, evidentemente, incluía
as línguas. Como podia ter se esquecido? Pelo menos sabia francês o suficiente para
entender que ela o tinha chamado de animal. O que ia fazer agora?
Certamente, não podia ficar em seu quarto. Todos a estavam esperando na sala.
Bem, agora King já sabia que falava um pouco de francês, mas tinha feito um papel
ridículo sobretudo com o que já tinha falado até agora. Arrumou a blusa, alisou a larga
saia negra e fez uma careta à preocupada imagem que o espelho refletia, arrependida de
ter tentado bancar a esperta.
Quando chegou na sala, Enid, Marie e seu pai estavam saboreando as delicadas
massas que Rosa tinha servido com o café.
Assim que a viu, seu pai lhe dirigiu um olhar de recriminação. Tinha um copo de
uísque na mão e o rosto ruborizado. «Mau sinal», pensou Amélia, dando graças a Deus
por não se encontrar a sós com ele em casa.
— Onde se meteu, senhorita? — perguntou seu pai. — É assim que a ensinei a se
comportar?
— Sinto muito. Atrasei-me — respondeu uma trêmula Amélia com os olhos baixos
enquanto se sentava junto a Enid e Marie.
— Cuide de suas maneiras — grunhiu ele.
— Sim, papai.

1
Eu não gosto de você. Acho que você é um animal.
2
É mesmo?

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Nesse momento, entraram na sala o senhor Culhane e seus filhos. Os três vestiam
trajes escuros mas, enquanto em King ficava muito elegante, no pobre Alan não ficava
muito bem. O senhor Culhane, apesar do traje, conservava seu aspecto de fazendeiro do
Texas.
— Seu pai me disse que toca piano — disse Brant Culhane dirigindo um amplo sorriso
a Amélia.
Seu cabelo e seus olhos eram escuros como os de Alan e ambos eram altos mas,
certamente, King era o mais alto dos três. Sua mandíbula quadrada, maçãs do rosto alto
e nariz reto lhe davam um aspecto duro e agressivo, e seu andar rápido e ágil acelerava
o coração de Amélia.
— Naturalmente que toca piano. Toque um pouco de Beethoven — ordenou seu pai.
Amélia se levantou obediente e se dirigiu para o piano. Quando passou diante de King
não se atreveu a levantar o olhar mas sentiu seus olhos cravados em sua nuca. Suas
mãos tremiam sobre o teclado e não acertou nenhuma nota.
De repente, Hartwell Howard descarregou um murro sobre a mesa.
— Pelo amor de Deus, criatura! Será que não pode tocar como é devido? — rugiu ante
os estupefatos Culhane.
Amélia respirou fundo. Evidentemente, o temperamento ruim de seu pai exercia um
curioso efeito nela. Mas o que ninguém sabia era que seu temepramento ruim não era o
pior. Dirigiu-lhe um rápido olhar. Sim, seus olhos brilhavam e segurava a cabeça com as
mãos. «Esta noite não, por favor. Aqui não», suplicou Amélia.
— O que está esperando? — exclamou seu pai.
— Certamente que você se cale para poder se concentrar — interveio King. Sua voz
soou serena mas o olhar que a acompanhou fez com que Hartwell Howard ficasse rígido
em seu assento.
Levou de novo as mãos à cabeça e franziu o cenho como se refletisse.
— Por favor, minha filha, continue — disse, e por um momento a lembrou do adorável
pai que tinha sido.
Amélia sorriu e começou a tocar. As notas da Sonata de Claro de Lua brotavam de
seus dedos como se expressassem as torturas de seu coração e alegraram a casa.
Quando terminou de tocar até seu pai temia mover-se para não romper o encanto.
— Senhorita Howard, você possui um dom — disse um surpreso King. — Foi um prazer
escutá-la.
— King tem razão — acrescentou Enid. — Não tinha idéia de que tocasse tão bem,
querida.
Amélia não ouviu nada mais depois de escutar os louvores de King. Entretanto, não
pôde saborear durante muito tempo porque seu pai continuava bebendo e tinha um brilho
perigoso nos olhos.
— Desculpem-me um momento, por favor? — disse a Enid.

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— Nem pensar — replicou seu pai. — Fique aqui e se comporte como uma moça
sociável.
— Papai, por favor.
— Cale-se — ordenou. — Lembre-se que prometeu me obedecer — acrescentou
ameaçadoramente.
Impossível esquecer aquela promessa e o acesso de fúria que a tinha originado, mas
Amélia se consolava pensando que, agora que Quinn estava perto, tudo iria ficar bem. O
mais importante era ser amável e obediente para não provocar a ira de seu pai. Não
podia esquecer.
Dirigiu-se a Alan com um tímido sorriso:
— Alan, lembra que me prometeu me mostrar as rosas? — De onde estava sentada
ninguém podia ler o desespero em seus olhos.
— Certamente. Acompanha-me, querida? — respondeu, oferecendo o braço.
Amélia o seguiu temendo a reação de seu pai. Felizmente, este lhe dirigiu um olhar
agradável e começou a falar com Brant Culhane sobre o tempo.
Não pensou em protestar porque o que procurava era a fusão de ambas as famílias.
— Se não se importarem, os acompanharei — disse King, despedindo-se e se unindo
a eles.
Tirou um cigarro do bolso e o acendeu. Seu rosto, iluminado pela luz do fósforo,
pareceu a Amélia mais duro que nunca. Era evidente que não aprovava a amizade entre
Alan e Amélia. Certamente tinha adivinhado os planos de seu pai e pretendia dar um fim
neles.
— Onde aprendeu a tocar assim, Amélia? — perguntou Alan cortesmente.
— Tive um professor particular — respondeu. — Papai diz que as mulheres devem
dominar todas as artes.
— E, obviamente, também diz que devem ser dóceis como cordeirinhos — interveio
King.
— King! — exclamou Alan. — Agradeceria se reservasse suas opiniões para si.
— Acho que são poucos os pretendentes que ousam se aproximar de uma jovem tão
obediente. Estou errado, senhorita Howard?
Apesar da escuridão reinar no pátio rodeado de roseiras, Amélia acreditou distinguir
um frio brilho em seu olhar prateado e voltou a sentir o desprezo que as duas
intervenções em seu favor tinham conseguido suavizar. Era evidente que sua opinião
sobre ela não tinha mudado absolutamente.
— Pense o que quiser, senhor Culhane — respondeu Amélia dignamente.
— King, por favor, não acha que já teve o suficiente por esta noite? — suplicou Alan.
— Ela, não sei, mas certamente eu sim — replicou King despedindo-se enquanto fazia
uma cortês reverencia. — Boa noite, senhorita Howard.

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Amélia mordeu o lábio e o seguiu com o olhar até que desapareceu de sua vista.
— King pode ser insuportável quando se propõe — comentou Alan tentando animá-la.
— Não ligue, Amélia. Gosta de se meter com a gente. Tem um curioso senso de humor.
Amélia detectou um certo ressentimento nesse comentário. Alan era o mais novo dos
três irmãos e freqüentemente se queixava de que todo mundo o tratava como um menino.
King era o mais velho, e o irmão do meio, Callaway, tinha seu próprio negócio ao leste
do Texas. Alan sempre havia se sentido dominado pela figura de seu irmão e Amélia não
pôde evitar simpatizar imediatamente com ele. Ela também estava dominada por seu pai,
condenada a não aproveitar de um momento de tranqüilidade enquanto respirasse. Amélia
não lhe desejava a morte; só pedia que tudo voltasse a ser como antes da morte de seus
irmãos. Se seu pai não se encontrasse, ou melhor não estivesse com ela no rancho, de
boa vontade teria dado uma pedrada na cabeça de King.
Tentou prestar atenção a Alan, que estava lhe relatando numerosas anedotas sobre a
vida no rancho. Entretanto, a atemorizava a idéia de retornar para casa com seu pai.
Sentia-se amparada e protegida junto aos Culhane mas seu pai estava empenhado em
comprar uma casa na cidade e mudar-se para lá com ela. Quinn vivia no quartel. O que
ia ser dela? Tinha que haver alguma coisa que ela pudesse fazer para tirar essa idéia
absurda da cabeça de seu pai! O mais importante era manter a calma.
A única solução era se casar com Alan. Seu casamento acabaria com todos os direitos
de seu pai sobre ela e estava segura de que Alan seria um bom marido. Mas então seu
pai teria que viver sozinho, com o perigo de machucar alguém. Como poderia viver com
esse peso sobre sua consciência se isso ocorresse? Durante muito tempo tinha sido um
pai exemplar. Estava segura de que, se a situação tivesse sido inversa, ele não a teria
abandonado nunca.
Levantou o olhar e sorriu tristemente. Não. Não podia fugir de suas
responsabilidades. E tampouco seria justo utilizar um homem tão encantador como Alan
dessa maneira.
O sorriso de Amélia fez com que Alan perdesse o fio do que estava dizendo.
Devolveu-lhe o sorriso e pensou no quanto tinha sido cego ao não se dar conta antes do
quando Amélia era linda, e parecia ainda mais bela sob a luz do luar.

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CAPÍTULO 2

Amélia se arrumou para ir para cama sem ter que enfrentar seu pai. Na manhã
seguinte, quando desceu para tomar o café da manhã, ele ainda não tinha dado sinais de
vida.
King estava ali, vestido com roupa de trabalho, e também seus pais, Brant e Enid.
Alan, Marie e as meninas não tinham descido ainda.
— Onde está todo mundo? — perguntou detendo-se na porta.
Usava o cabelo preso em um coque e um avental de traços azuis sobre um singelo
vestido cinza que deixava ver seus pequenos sapatos. Apoiada contra a porta, era a viva
imagem da inocência.
King lhe dirigiu um olhar desdenhoso. Estava acostumado com as mulheres que o
enchiam de cuidados. Sua fortuna e o bom nome de sua família faziam dele um partido
mais que atraente para todas as mulheres da região. Além disso, tinha bons contatos e
se considerava um homem culto. Mas esta mulher o tirava do sério, provavelmente
porque sabia que o detestava. Ou talvez porque aos seus olhos era simplesmente uma
covarde. Entretanto, tinha que admitir que era uma preciosidade. Uma lástima que esta
fosse sua única qualidade, certamente, tocava piano bastante bem e assassinava alguma
coisa em francês, mas sem dúvida não tinha caráter nem inteligência.
King não era conhecido por se comportar como um cavalheiro. Pelo contrário, era rude
e desagradável e o que esta menina precisava, pensava, era de um autêntico cavalheiro
que a tratasse como merecia. Não, não era mulher para ele. Além disso, ela o
considerava um animal. A lembrança do acontecido na noite anterior lhe provocou um
sorriso. Há muito tempo que não desejava tanto uma mulher como agora desejava
Amélia. Que curioso que se esforçasse em esconder esse desejo por trás de sua
arrogante atitude.
— Entre, querida — sorriu Enid. — Acho que os outros ainda estão dormindo.
— Incluindo seu pai — acrescentou Brant. — Ontem à noite nos deitamos muito
tarde. ordenei que não o incomodasse para que possa descansar antes de sairmos esta
noite. Alan nos acompanhará e pode ser que fiquemos fora algumas semanas. Parece que
um animal selvagem está matando meu gado e quero acabar com ele.
Amélia se sentou junto a Enid sem se atrever a olhar King. Entretanto, seus olhos
zombadores se cravaram nela e a olharam como se sua presença o desgostasse e o
divertisse tudo de uma vez só.
— O que gostaria de comer, querida? — perguntou Enid enquanto aproximava um
prato de bolachas caseiras recém tiradas do forno.
— Comerei ovos e bacon, obrigada — respondeu. — Tenho muito apetite.

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— Passe os ovos para Amélia, querido, por favor — pediu Enid a seu marido. — Café?
— Posso tomar um pouco? — perguntou Amélia dirigindo um rápido olhar à porta
fechada. — Papai não permite…
— Papai está dormindo — interveio King em tom sarcástico.
— Acho que havia dito que tinha coisas para fazer. — Interrompeu Brant secamente.
King encolheu os ombros.
— E quando não tenho? Que façam uma boa viagem. Mamãe e eu tomaremos conta
para que a senhorita Howard não se aborreça — respondeu, enigmático.
Seus pais se olharam já sentindo saudades, quando King saiu da sala com seu passo
majestoso. Não compreendiam essa hostilidade para com Amélia. Eles e Alan se
compadeciam pelo modo como seu pai a tratava, mas King parecia agir como se
acreditasse que merecesse.
— King sempre fica de mau humor quando deixamos todo o trabalho do rancho para
ele fazer sozinho — disse Brant lentamente, sorrindo para Amélia. — Não ligue. Logo
passará.
— Claro que sim –concordou Enid.
Amélia limitou se a sorrir tristemente. Sabia que ele a desprezava e que sua atitude
não tinha nada que ver com as pesadas tarefas que o senhor Culhane tinha lhe deixado.
Nos últimos dias a idéia de passar uma temporada longe de seu pai tinha parecido mais
do que atraente, mas agora lhe aterrorizava pensar que durante as duas semanas
seguintes o inquietante olhar de King ia segui-la onde quer que fosse.
«Pelo menos Marie, as meninas e Enid me farão companhia — pensou. — Acredito que
suportarei.»
Ao anoitecer os caçadores se achavam preparados para partir.
— Esta noite acamparemos nas colinas e ao amanhecer sairemos para as montanhas
Guadalupe. Receberão notícias nossas assim que encontramos um posto de telégrafo —
disse Brant, e se inclinou para beijar sua mulher. — King fica, para cuidar de vocês mas
não deixem de avisar o exército se houver problemas na fronteira.
Enid prometeu fazê-lo. Nos últimos anos houve incidentes isolados na zona, tinha
morrido pelo menos um homem. A fronteira era um território perigoso. A pequena cidade
de El Passo era um oásis de civilização, mas em um local isolado como Látego era
necessária extrema precaução.
— Levam munição suficiente? — perguntou.
— De sobra — respondeu seu marido com um sorriso.
Levantou o olhar ao ouvir o ruído de cascos de cavalo e seus olhos brilharam
orgulhosos ao distinguir a silhueta de King montado em seu melhor cavalo árabe. O animal
era temperamental e um dos melhores exemplares de sua raça, muito bom para
empregá-lo nas tarefas do campo. King o montava duas vezes ao dia para lhe
proporcionar um pouco de exercício. Freqüentemente utilizava o cavalo como desculpa

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para ir à fazenda dos Valverde e fazer uma visita à senhorita Darcy.


Amélia tinha conhecido a senhorita Darcy fazia poucos dias em um jantar organizado
pelos Culhane e não tinha lhe causado muito boa impressão. Tinha-lhe parecido fria, mal
educada e um pouco descarada. Como se tivesse intuído a atração que Amélia sentia por
King, ela conseguiu com que a pobre Amélia se sentisse mais insignificante ainda. Aos
olhos dos outros era uma moça encantadora, mas seu pai tinha metido na cabeça a
absurda idéia de que suas habilidades como dona-de-casa eram as únicas coisas que ela
poderia oferecer a um homem. E pelo que lhe constava, King não estava interessado
absolutamente nas suas prendas domésticas.
— Já vão? — disse King.
— Sim — respondeu seu pai. — Nos deseje sorte.
— Espero que apanhem esse assassino e que de passagem façam uma boa caça. O que
acha de alguns cervos?
— Provavelmente apanharemos alguns bons exemplares nas montanhas — interveio
Alan. — O tempo ainda está muito frio lá. Ficará bem, não é Amélia?
— Claro que sim. Pensarei em você enquanto estiver fora — respondeu ela, comovida
por sua preocupação.
— Fique o dia todo em casa — grunhiu Hartwell Howard. — Nada de brincar de
correr por aí como uma cabra sem juízo!
— Sim, papai.
— E aproveite o tempo livre para praticar piano — acrescentou — ultimamente tem
praticado pouco, filha.
— Sim, papai — repetiu ela, aproximando-se para arrumar sua camisa. — Prometa-
me que terá cuidado.
— Me deixe em paz! Sabe que sempre tomo cuidado! — exclamou ele impaciente,
separando-se bruscamente.
Pegando rudemente as luvas das mãos de Amélia, montou o cavalo e apertou as
rédeas com tanta força que feriu o pobre animal na boca, o que fez com que se
revoltasse; então lhe fustigou sem piedade.
King saltou de seu cavalo antes que seu pai ou seu irmão pudessem impedi-lo.
Arrebatou o chicote da mão do Hartwell e o fez estalar contra o chão.
Seus olhos desafiadores expressavam um profundo desagrado.
— Não estamos acostumados a tratar nossos cavalos assim — disse
ameaçadoramente. — Se não lhe parecer bom o bastante, pode ir andando.
Hartwell olhou King entreabrindo os olhos e acariciou a têmpora.
— Entendo, rapaz — respondeu com um sorriso forçado — Mas tem que concordar que
este cavalo é um pouco rebelde.

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— Só quando algum bruto não o trata como está acostumado — replicou King
bruscamente.
Hartwell baixou o olhar enquanto meditava sua próxima jogada. King economizou seu
esforço: retirou o pé do estribo e acendeu um cigarro. Aquele simples gesto foi
suficiente para apaziguar Hartwell. Pegou o cavalo pelas rédeas, desta vez
carinhosamente, e iniciou a marcha queixando-se da consideração que os Culhane tinham
com insetos tão estúpidos como os cavalos.
Amélia retorcia as mãos com desespero. Seu pai podia perder a cabeça, agarrar a
escopeta e começar a disparar indiscriminadamente. Era tão imprevisível! King não tinha
nem idéia do que era capaz e ela não podia lhe dizer, de que teria adiantado? Não teria
acreditado em nenhuma palavra.
Brant viu o desespero refletido no rosto de Amélia e se apressou a ordenar:
— King, já basta.
King o olhou com raiva contida.
— Acredito que deveríamos ir, pai — interveio Alan, temendo que os dois homens se
desentendessem.
— Tem razão. Vamos — suspirou Brant. — Cuide das suas costas — acrescentou
dirigindo-se a King.
— Digo o mesmo — replicou.
Brant sorriu para sua esposa, inclinou a cabeça ao passar junto à Amélia e
empreendeu a marcha. Alan seguiu com a vista voltada para a Amélia até quase
escorregar do cavalo.
— Não seja idiota — grunhiu King. — Vai quebrar o pescoço. Senhorita Howard,
observei que se interessa muito por meu irmão. É coisa sua ou obedece a ordens de seu
querido pai?
Amélia não acreditava em seus ouvidos.
— Já chega, King — repreendeu-lhe sua mãe. — Não ia à casa dos Valverde? Não
queremos detê-lo mais.
— Neste momento a mulher mais encantadora e elegante da região me espera com
impaciência — replicou dirigindo um olhar desdenhoso ao singelo vestido de Amélia.
Esse comentário doeu como um chicote de fogo. Os Howard tinham sido sempre uma
das famílias mais respeitáveis de Atlanta, embora nunca tivessem possuído uma grande
fortuna. Amélia não tinha tido uma vida fácil nem tinha desfrutado de luxos excessivos e
tampouco era ambiciosa, mas isso não parecia importar muito a King.
— Senhora Culhane, posso ajudar Marie a dar banho nas meninas? — perguntou,
querendo desaparecer dali.
— Certamente, querida — respondeu Enid. — É melhor também que as ajude a fazer
as malas. Já disse que irão embora amanhã?
— Vão? — perguntou.

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King levantou uma sobrancelha.


— Parece que todo mundo a abandona a sua própria sorte, senhorita Howard —
comentou zombador.
— Asseguro-o que não me sinto abandonada, senhor Culhane — respondeu tão
dignamente quanto foi possível. — Desculpem-me — murmurou recolhendo a saia e
correndo para a casa.
King a seguiu com o olhar.
— Posso saber o que aconteceu? — perguntou sua mãe. — Por que a trata assim?
King encolheu os ombros e montou de novo em seu cavalo.
— Não demorarei — disse despreocupadamente.
— Não entendo o que vê nessa senhorita Valverde. É a mulher mais fria e calculista
que conheci.
— Acho que se esqueceu de mencionar que também é muito sincera — replicou King.
— Nunca negou que a única coisa que a interessa é meu dinheiro e o bom nome de minha
família. É exatamente igual a todas as demais mas não esconde. Eu gosto de seu
sangue-frio. Faz bem ao meu senso de humor.
— Era ainda muito jovem quando aquilo aconteceu — disse Enid lentamente — E já
passou muito tempo. O que o magoou não foi sua morte, mas sim tê-lo abandonado por
outro homem. King, asseguro a você que há muitas mulheres que procuram outras
qualidades em um homem além de seu dinheiro.
Ele a olhou. Parecia a ponto de explodir.
— Ah, sim? Diga-me só uma. Não está pensando em nossa convidada, não é verdade?
— perguntou voltando a vista para Amélia, que continuava correndo para a casa. — É
uma menina. Um homem de verdade, que a tratasse com mão dura, acabaria com ela. Ela
prefere as refinadas maneiras de Alan. E seu pai iria adorar, porque esse casamento
permitiria-lhe tomar parte no negócio. Não me diga que não se deu conta.
— Já é hora de Alan se casar — replicou ela secamente. — Eu acredito que Amélia é
uma moça encantadora.
— Uma medrosa sem um pingo de caráter, isso é o que ela é. Nem sequer se atreve
a olhar no rosto de seu pai, apesar do modo como a trata. É essa covardia que acha tão
admirável? É muito bonita, mas reconheça que é uma autêntica medrosa. Obrigado, mas
prefiro os cavalos selvagens às frágeis potrancas jovens.
— Estamos falando de mulheres, não de cavalos — protestou Enid.
— É o mesmo — respondeu King despreocupadamente, dirigindo um último olhar a
Amélia. — Um torrão de açúcar e uma palavra amável no momento oportuno é o bastante
para que façam tudo o que quiser.
— Não são os gritos de seu pai o que a aterrorizam. Estou certa de que há algo
mais.
— E como você sabe? — perguntou King agarrando de novo as rédeas.

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— Muito simples: sou uma mulher — replicou enigmaticamente sua mãe. — As


mulheres podem se compreender sem necessidade de palavras.
— E, pelo que pude observar, também compartilham uma perigosa tendência a
dramatizar sobre qualquer tolice — acrescentou ele. — Até mais tarde, mãe. Não
demorarei.
Enid o viu se afastar, furiosa por sua arrogante atitude. Era exatamente igual a seu
pai e um dia os dois a iriam deixar louca. Sabia perfeitamente como o homem podia ser
brutal e prepotente quando se embebedava. Estava certa de que havia alguma coisa
estranha no medo que Amélia sentia por seu pai. Suas suspeitas se confirmaram ao
observar o alivio e inquietação no rosto de Amélia enquanto se despedia dele.
Provavelmente poderia aproveitar sua ausência para averiguar se havia alguma coisa que
ela pudesse fazer para ajudar a essa pobre menina, estava disposta a fazê-lo,
dissessem o que dissessem os homens da casa.
Aquela noite, Amélia, Marie e Enid se encontravam na sala costurando e conversando.
— Sua mãe não a ensinou a costurar, Amélia? — perguntou Enid.
— Entre a casa e os meninos nunca teve tempo — respondeu Amélia. — E eu
tampouco.
— Lembro-me daquela vez que King foi visitá-los. Voltou dizendo que trabalhava sem
descanso.
— Fico surpresa que seu filho se desse conta — replicou. — Enquanto permaneceu lá
não me dirigiu a palavra, nem me olhou uma única vez.
Surpreendida, Enid arqueou uma sobrancelha mas não disse nada. Alan e King tinham
visitado os Howard em uma ocasião antes da morte das crianças, quando ainda viviam em
Atlanta. Na volta, King ficou mal-humorado durante uma temporada e sua mãe não
lembrava que tivesse feito comentários sobre Amélia. Alan, em contrapartida, não podia
parar de falar dela. Não se cansava de contar que Amélia adorava brincar de índios com
seus irmãos pequenos. Cada vez que falava sobre isso, King replicava friamente que
Amélia parecia muito afetada para atirar-se ao chão e brincar com seus irmãos.
Enid lembrou que os gêmeos tinham morrido de febre tifóide em poucos meses e que
a família tinha sofrido muito. Alan tinha ido sozinho ao funeral representando os
Culhane, porque King se negou categoricamente a compartilhar teto e comida com Amélia.
Alan havia retornado dizendo que o senhor Hartwell Howard, destroçado pela dor, havia
se viciado na bebida e se transformou em um homem extremamente violento. Sua
mulher, a mãe de Amélia, achava-se em uma profunda depressão.
— Como vai seu irmão? — voltou a perguntar.
— Bem, obrigada. Nos escreve com freqüência — respondeu Amélia, muito atarefada
em seu trabalho para levantar a vista. — Não lhe parece estranho que um homem goste
de escrever cartas a sua família? A verdade é que são cartas preciosas e muito bem
escritas. Neste momento está no Novo México na pista de um bandido que matou um
banqueiro em El Passo. Ainda não consigo acreditar que se uniu ao exército do Texas.

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— Ouvi dizer que é muito bom soldado — elogiou Enid.


— Seu irmão é oficial do exército do Texas? — perguntou Marie. — Que emocionante!
Sinto não ter podido conhecê-lo. Meu pai foi policial em Paris. Tenho certeza que se
entenderiam perfeitamente.
— Estou de acordo — sorriu Amélia. — Provavelmente na próxima vez que Quinn vier
esteja por aqui.
— Certamente. Mas amanhã devo retornar para casa, não é verdade, Enid?
— Exato, querida — replicou Enid com olhos brilhantes.
Marie deu boa noite a todas e se retirou para descansar.
— Vou verificar se todas as portas estão bem fechadas — disse Enid. — Você deve ir
dormir, Amélia. Boa noite, querida.
— Por favor, me acorde amanhã antes que Marie se vá — suplicou Amélia. — Não me
importa que seja muito cedo. Queria me despedir dela.
— Não se preocupe. Durma bem.
— E você também, senhora.
Amélia se dirigiu a seu quarto e fechou a porta lentamente. Vestiu sua melhor
camisola, sentou-se em frente a penteadeira e começou a escovar seu lindo cabelo loiro.
Enquanto desembaraçava as longas mechas do cabelo pensava, tinha vinte anos e se
perguntava se algum dia se casaria e teria meninas tão lindas como as de Marie.
Provavelmente era o momento de começar a pensar em casamento. Mas o que poderia
acontecer se escolhesse à pessoa errada? Seu pai, por exemplo. Durante anos tinha sido
um marido exemplar e de repente se tornou um selvagem. E se casasse sem saber com
um beberrão ou um jogador inveterado e este a maltratasse? E se escolhesse um bruto
daqueles que tratam sua mulher como um simples objeto de sua propriedade? O
casamento parecia algo como uma porta aberta à felicidade. Até o momento tinha
procurado manter-se afastada dos homens. Agora estava mais segura que nunca, de que
não queria se casar. Nem sequer seu desejo de ter filhos a faria mudar de opinião. Além
disso, havia seu pai. Podia viver durante muitos anos ainda. Ninguém mais podia cuidar
dele porque Quinn tinha que trabalhar. E sabia que ele não descansaria em paz até vê-la
casada com Alan Culhane.
Deixou a escova sobre a penteadeira e um calafrio percorreu suas costas. Assim que
Quinn retornasse do Novo México falaria seriamente com ele. Com um pouco de sorte,
isso seria antes que seu pai retornasse.
Deu-se conta de que as mãos tremiam e tentou tranqüilizar-se. Amélia era
profundamente paciente e se consolava pensando em uma vida melhor em que seus
sofrimentos seriam recompensados com acréscimo. Ela não era covarde, embora por culpa
de seu pai se visse obrigada a se comportar como tal.

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Voltou a agarrar a escova e continuou escovando o cabelo com o olhar fixo em sua
imagem refletida no espelho. «Sou valente — disse. Um dia papai se verá livre da dor
que o atormenta e nesse dia você também será livre. Se pelo menos aceitasse ir ao
médico… mas não há quem o convença.»
Seu problema era outro agora. Marie e as meninas partiam. Só ficava Enid para
defendê-la dos cruéis ataques de King. O que ia fazer agora? «Enid me protegerá —
disse. — Tudo irá ficar bem.»
Deixou a escova e deitou-se na cama. Embora fossem os últimos dias de março, as
noites eram ainda frescas no deserto. Amélia agradeceu que Enid tivesse posto um
grosso edredom em sua cama. Deslizou entre os lençóis e dormiu logo que apoiou a
cabeça sobre o travesseiro.

Quando na manhã seguinte acompanhou Marie à estação ferroviária de El Passo, King


já tinha saído para trabalhar. Amélia pensou tristemente que nos dois últimos dias tinha
visto partir mais gente que em toda sua vida.
Menos mal que Enid tinha pedido ao velho senhor Singleton que as levasse a estação e
as trouxesse de volta ao rancho, porque o dia estava muito quente. King nem sequer se
incomodou em desculpar sua ausência e Amélia começou a suspeitar que em sua atitude
havia alguma coisa misteriosa que Enid preferia não comentar.
O senhor Singleton lhes ofereceu o braço cortesmente enquanto grunhia:
— Estes trens deixam rastros de carvão por toda parte. Nesta estação há o
suficiente para passar um inverno inteiro.
— É o preço do progresso, senhor Singleton — assegurou-lhe Enid carinhosamente.
— Quando o progresso ainda não tinha chegado a estas terras todos nós vivíamos
mais tranqüilos, senhora.
— O senhor Singleton presenciou o tiroteio entre John Wesley Hardin e John Selman
— sussurrou Enid.
— Há tiroteios aqui em El Passo? — exclamou Amélia.
— Certamente. E freqüentemente — replicou Enid.
— Vi muitos desde que cheguei aqui com meus irmãos quando tinha mais ou menos sua
idade, Amélia — começou a lembrar o senhor. — Vi manadas de búfalos percorrerem
estas mesmas pradarias e gloriosas vitórias dos índios. Vi os primeiros colonos chegarem
e os primeiros cabos de telégrafo do Texas. Aqueles sim eram tempos difíceis. Muito,
muito duros. Os comanches estavam em guerra e uma vez vi como queimaram vivo um
homem.
— Senhor Singleton, por favor! — falou Enid.
O senhor Singleton voltou para a realidade quando viu o rosto horrorizado de Amélia.
Limpando a garganta murmurou:

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— Rogo-lhe que me perdoe, senhorita Amélia. Às vezes me esqueço que estou na


presença de damas.
— Não se preocupe. Estou bem — falou Amélia.
— Me ocorre que o senhor Singleton talvez goste de nos convidar para tomar um
sorvete. Não é, senhor Singleton? — disse Enid.
— Certamente, senhora — respondeu ele, obediente.
Quando se dirigiam à sorveteria passaram pelo famoso criadouro de jacarés da
cidade. Amélia nunca tinha estado ali e se deteve para contemplar como devoravam
avidamente a comida que as pessoas que passavam por ali jogavam.
— São bichos muito perigosos — murmurou o senhor Singleton. — Quase arrancaram o
pé de Dom Harris.
— Também acho — interveio Enid. — Alguém quis tirar o sapato e colocar o pé ali
dentro?
— Continuo dizendo que não tinham porque tê-lo mordido.
— Talvez, nesse dia não houvessem comido — disse Amélia com os olhos fixos em um
deles.
— Naquela manhã mesma consumiram dois frangos. Queria que os levassem daqui.
— Tome cuidado, Amélia. Não se aproxime muito — disse Enid. — Onde está esse
sorvete, senhor Singleton? Que calor faz hoje, não é verdade?
Naquela noite chegaram tarde ao rancho porque na volta Enid se empenhou em ir
comprar tecido. Os Valverde iriam oferecer uma festa no sábado à noite e dispunham do
tempo necessário para fazerem os vestidos para esse dia.
Enid ajudou Amélia a escolher o tecido para seu vestido novo. Amélia tinha preferido
uma peça de cor cinza pérola mas Enid insistiu em que ficasse com um precioso corte de
cor lavanda.
— É muito bonito, senhora, mas acho que não posso me permitir isso — protestou
Amélia.
Enid insistiu que era um presente.
— Ficará linda, Amélia. Considere uma pequena recompensa por tudo o que me ajudou
durante estes dias e pelo bem que fez a Marie.
— Obrigada. Fico feliz de ter feito alguma coisa por ela. Não parecia se encontrar
muito bem.
— Não está bem desde que seu marido morreu — replicou Enid. — Pensamos que uma
mudança de ares lhe cairia bem. Sua companhia lhe fez muito bem. Marie é como uma
filha para mim.
— É uma mulher encantadora.
— E você também, querida — disse Enid lhe dirigindo um carinhoso sorriso. — Eu
gosto de sua companhia.

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— E eu da sua, senhora. — mordeu o lábio inferior e perguntou: — Estou convidada


para a festa de sábado?
— Certamente — respondeu Enid. — Trata-se de uma festa informal. Todo mundo
irá.
Amélia hesitou. Não gostava da filha dos Valverde e, evidentemente, o sentimento
era mútuo.
— Não se preocupe. Irá se divertir. Agora suba vá se trocar para o jantar. Rosa
preparou sua especialidade: frango frito. Não está cheirando deliciosamente?
Amélia não se atreveu a insistir e se retirou para seu quarto. Estava preocupada com
essa festa; ao que parecia teria que ir. Ia ser uma tortura ver King nos braços de outra
mulher e ambos manifestando abertamente o desprezo que sentiam por ela.

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CAPÍTULO 3

Durante o jantar King presidiu a mesa mas não separou os lábios apesar dos esforços
de sua mãe para manter uma conversa agradável. Depois do jantar se retirou para fumar
sem pedir permissão a ninguém.
— Alguma coisa aconteceu, eu sei — murmurou Enid, preocupada. — Sempre fica
assim quando se zanga. Não grita, como seu pai. Simplesmente se enterra em si mesmo
e não diz nada.
Amélia ajudou a recolher a mesa e a lavar os pratos sem deixar de se perguntar o
que tinha aborrecido King.
— Deixa isso, Amélia, eu lavarei — disse Enid, tirando-a de suas reflexões. — Rosa
tirou o resto da noite livre. — Me faça um favor, querida. Leve o café a King. Gosta
dele sem leite e sem açúcar.
— Mas… — protestou.
— Não se preocupe. Ele não morde.
Amélia nada disse. Sabia que Enid a enviava diretamente ao matadouro mas não se
atreveu a negar-se.
Chamou lentamente na porta do escritório, esforçando-se para não derramar em cima
de si o café quase fervendo.
— Entre!
Apesar de sua voz não soar muito amável, Amélia abriu a porta e entrou. Seu
coração disparava enquanto se aproximava do escritório com os olhos fixos na xícara
para não ter que olhar seu rosto.
Estava sentado confortavelmente em uma enorme poltrona de cor bordô e tinha os
pés sobre a toalha da mesa que cobria a sólida mesa de carvalho. A fumaça do cigarro
subia para o teto formando voltas azuis.
Sentiu seu olhar cravado nela quando deixou a xícara sobre a mesa com mãos
tremulas.
— Sua mãe me pediu que lhe trouxesse o café. Boa noite — disse rapidamente, dando
a volta para sair.
— Feche a porta e sente-se, por favor, senhorita Howard — replicou ele friamente.
— Já é tarde…
— Acabou de dar seis horas.
Amélia não se atrevia a olhá-lo. Desconcertava-se com a proximidade de seu pior
inimigo mas, sobretudo, lhe horrorizava que descobrisse o poder que exercia sobre ela.
— Disse — repetiu lentamente — Que fechasse a porta e se sentasse aí.

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Amélia tentou pela última vez.


— Não me parece correto que…..
— Na ausência de meu pai eu digo o que é correto e o que é errado nesta casa —
interrompeu King. — Quer fazer o que lhe digo, por favor?
Amélia se sentia muito cansada para discutir. Assim se dirigiu para a porta, fechou-a
e se sentou em frente a ele.
King brincou com o cigarro que sustentava entre os dedos. Desde seu encontro em
frente ao quarto de Marie não tinha deixado de provocá-la com a intenção de fazê-la
reagir, mas todos seus esforços tinham sido em vão. «Acho melhor, pensou, isso faz com
que eu tenha razão e ela não passa de uma covarde.»
Amélia continuava sentada na sua frente com as mãos no colo.
— Hoje me ocorreu um fato muito curioso, sabe? Fui à cidade e ali me encontrei com
um conhecido de seu pai que me perguntou quando vamos formalizar seu compromisso com
o Alan.
— Como é? — exclamou Amélia.
— Ao que parece, seu pai tem muito interesse em que esse casamento se celebre o
quanto antes — prosseguiu — já que por aí espalhado o rumor entre os da cidade.
— Não conheço as intenções de meu pai mas, no que diz a meu respeito, Alan é
apenas um bom amigo — protestou. Como seu pai podia ter cometido uma indiscrição tão
grave?
Os olhos de King brilhavam quando se inclinou para Amélia para lhe advertir:
— Seja sua amiga se isso a agradar, senhorita Howard, mas esqueça-se desse
casamento. Aconselho-a que rejeite qualquer proposta que meu irmão faça nesse sentido.
— Posso perguntar por quê?
— Meu irmão precisa de uma mulher forte — respondeu. — Reconheço que você tem
uma carta escondida na manga, mas não corresponde absolutamente ao que eu chamaria
de uma mulher moderna. Seu pai a ordena quando e como deve respirar, e você lhe
obedece cegamente. Uma mulher que se deixa influenciar assim por seu pai dificilmente
poderá manter na linha um cavalheiro como meu irmão, e muito menos dirigir um rancho
tão grande como este.
Amélia não acreditava no que seus ouvidos estavam escutando.
— Senhor Culhane, repito que seu irmão e eu somos apenas bons amigos e lhe
asseguro que nenhum de nos dois deseja casar. Quanto ao que foi dito de meu pai, nego-
me a acreditar.
King a olhou tão fixamente que Amélia se sentiu incomodada.
— E se seu pai lhe ordenasse que casasse com meu irmão, o que você lhe
responderia, senhorita Howard?
Amélia afastou o olhar.

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— Por que tem tanto medo de seu pai? — perguntou ele de repente.
A pergunta era tão direta que a pegou despreparada.
— Está enganado — respondeu.
— Ah, sim?
Aproximou o cigarro da boca lentamente sem deixar de olhá-la.
— Minha mãe me disse que nos acompanhará à festa dos Valverde.
— Tem alguma coisa contra, senhor Culhane?
— Não me parece uma boa idéia deixá-la aqui sozinha enquanto nós passamos a noite
fora. É claro que deve ir. — Entreabriu os olhos e acrescentou: — Provavelmente
encontremos ali algum cavalheiro que lhe convenha.
Amélia ficou em pé e disse:
— Obrigado por seu interesse, senhor Culhane, mas não preciso de nenhum homem.
King se acomodou de novo na poltrona e disse de repente:
— Se bem me lembro, Quinn dizia que nunca a tinha visto na companhia de um
homem.
— Nunca tive tempo para me dedicar a essas frivolidades — replicou Amélia
dirigindo-se para a porta. – Estava ocupada cuidando da casa e de meus irmãos pequenos
até que morressem.
— Parece que sua mãe vivia muito bem.
— Minha mãe não pode responder por si mesma — replicou ela com aspereza.
King não soube o que responder. Brincou com o cigarro enquanto pensava que a Amélia
que nesse momento o desafiava não se parecia em nada com a moça que todos
conheciam.
— Tem vinte anos. Já é hora de se casar.
— Desde que não seja com Alan. Não é isso o que quer dizer?
King tentou achar em seu lindo rosto indícios do tom sarcástico que acabava de
empregar, mas Amélia parecia impassível.
— Tenho outros planos para ele.
— Isso você já havia dito — replicou. — Você e meu pai são da mesma espécie.
— É um insulto ou uma pergunta, senhorita Howard? — perguntou, divertido.
Amélia abriu a porta.
— Tome como quiser, senhor Culhane. Boa noite.
Saiu do escritório sem esperar que lhe desse permissão. Quando se reuniu com a
senhora Culhane na cozinha, o coração batia tão forte que temia que fosse sair pela
boca. Aquela breve conversa a tinha deixado intranqüila e inquieta. Nunca conhecera um
homem que produzisse esse efeito nela.

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Os dias transcorriam lentamente para Amélia. Ela e a senhora Culhane costuravam,


cozinhavam, trabalhavam no jardim e se ocupavam do rancho. Lavar roupas era uma das
tarefas mais pesadas. Precisavam de um dia inteiro e a ajuda de dois dos melhores
homens de King para mexer as enormes pilhas de roupa. Tinham que encher duas
enormes terrinas, uma para lavar e outra para enxaguar, e ainda manter a água
fervendo constantemente.
Duas vezes na semana matavam frangos e depois tinham que depená-los, limpá-los e
cozinhá-los. Também tinham que preparar as conservas de carne de vitela, salsichas e
presunto para o inverno. Durante o verão comiam, sobretudo, verduras em conserva da
colheita do verão anterior.
Amélia verificou aliviada que King passava muitas horas fora do rancho. Sentia-se
feliz e relaxada quando se via livre de sua língua afiada e seus irritantes comentários.
A ausência de seu pai tinha feito de Amélia outra mulher. Enid tinha reparado nesse
detalhe, mas era muito discreta para mencioná-lo.
Uma tarde, Amélia decidiu sair para dar um passeio. O sol brilhava e a temperatura
era muito agradável. Sentou para contemplar os picos das montanhas que se desenhavam
no horizonte e, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se livre. Se pudesse pegar um
cavalo e fugir para longe de tudo, sobretudo de seu pai. Consolou-se pensando que agora
ele estava longe e ela era livre. Livre!
Pôs-se a rir as gargalhadas, estendeu os braços e começou a cantar e a girar sobre
si mesma, dançando uma valsa imaginária.
Deteve-se bruscamente ao ouvir os cascos de um cavalo junto a ela e ficou em uma
posição tão forçada que estava a ponto de perder o equilíbrio. Ali estava King, montado
em seu cavalo e observando-a atônito.
— Você tomou muito sol, senhorita Howard? — perguntou.
— É possível — respondeu ela. Podia sentir a frieza de seu olhar atravessando-a
apesar do calor.
— Só vim para lhe dizer que dois bandidos mexicanos dispararam contra o
proprietário de um rancho próximo. Ainda não os pegamos.
— Meu Deus!
— Não se assuste, tenho meus homens rastreando a zona. De qualquer maneira, não
se afaste muito do rancho.
— Não me afastarei. Obrigada por me avisar.
Amélia notou que usava um revólver que nunca tinha visto: um Colt 45 prateado.
— Gosta? Meu pai me deu de presente quando fiz dezoito anos. Utilizei-o pela
primeira vez quando me uni ao coronel Wood e ao coronel Roosevelt e tomamos Kettle
Hill.
— Quinn também lutou na guerra contra Espanha. — Amélia lembrou o quanto tinha
ficado preocupada pelos dois. Alan, por outro lado, tinha preferido continuar com seus

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estudos em vez de participar da guerra.


— Quinn era um bom soldado. Suponho que por isso decidiu se unir ao exército do
Texas. Na unidade ao lado havia dois texanos e Quinn ficou muito amigo deles.
Amélia pensou que era a primeira vez que ele lhe falava em bons termos e que a
tratava como a uma pessoa, e não pôde deixar de sorrir.
— Tínhamos um tio que foi oficial da paz no Missouri. Morreu tentando impedir o
assalto a um banco.
King assentiu. Quinn tinha lhe falado dele em alguma ocasião quando estudavam juntos
na universidade. inclinou-se sobre a sela e viu que Amélia levava um buquê de flores na
mão.
— Para que é isso? — perguntou.
— Sua mãe me pediu que as colhesse. Quer pôr na mesa esta noite.
— A minha mãe adora as flores. E você, senhorita Howard?
— Oh, sim. Em Atlanta tínhamos muitas rosas, mas suponho que aqui faz muito calor
para plantá-las .
— Uma vez tivemos, mas você tem razão, este clima não as favorece. Entretanto,
aqui também temos flores. Se sobreviver ao verão do Texas, um dia a levarei para vê-
las.
— Sério? — perguntou levantando seus grandes olhos cheios de agradecimento.
Foi esse olhar que desconcertou King. De repente se sentiu vulnerável. Durante anos
tinha evitado Amélia e agora, com apenas um olhar, o tinha despojado de toda sua
arrogância e o tinha a sua mercê. Quando estava com Darcy sempre se sentia superior.
Era uma moça atraente, quase desejável, mas o que lhe interessava era sua fortaleza
mental, não seus sentimentos. Amélia o fazia sentir cócegas no coração e começava a
perder o controle de seus atos.
— Tenho que voltar para o trabalho — disse bruscamente. – Lembre-se do que eu
disse.
Amélia o viu afastar-se, cativada por sua elegante figura sobre o cavalo. Como se
sentisse seu olhar cravado nas suas costas, King se deteve para olhá-la pela última vez.
Rodeada das cores do entardecer oferecia uma imagem realmente linda. O sol fazia
brilhar seu cabelo dourado e parecia frágil e abandonada. Fazendo um grande esforço,
seguiu seu caminho e desapareceu depois de uma colina.
Amélia se deu conta de que ele tinha sido cuidadoso e começou a se sentir intranqüila
e preocupada. Esperava que não lhe ocorresse tentar nada, porque a última coisa que
queria era uma aventura com um homem tão déspota e dominante como seu próprio pai.
E chegou sábado à noite. Enid e Amélia estiveram costurando sem descanso durante
dois dias para ter os vestidos terminados. O de Amélia, era a imitação de um dos
desenhos mais elegantes de Charles Worth, era de tafetá e gaze lavanda e tinha mangas
cavadas. O corpo de encaixava em sua cintura e lhe dava um aspecto muito feminino. Um

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diadema de rosas brancas artificiais completava o conjunto.


— Está linda, querida — disse Enid quando a viu.
— Você também está muito elegante, senhora. A cor verde lhe cai maravilhosamente
— respondeu Amélia lhe devolvendo o elogio.
As duas mulheres usavam luvas brancas e bolsas com desenhos em pedra
semipreciosas. A de Amélia tinha pertencido a sua mãe e ela estava muito contente por
tê-la colocado na mala no último minuto.
King se reuniu a elas no vestíbulo. Usava um traje escuro muito elegante, botas
negras recém lustradas e um chapéu Stetson.
— Meu Deus, como está bonito! — Exclamou sua mãe carinhosamente.
King arqueou uma sobrancelha e dirigiu um olhar desdenhoso para Amélia. Embora não
tivesse muita vida social, Amélia tinha se dado conta de que sua beleza não passava
despercebida por onde ia. Entretanto, esse olhar a fez se sentir mais insignificante que
nunca. Fugiu de seus olhos escrutinadores e se refugiou na escuridão do armário onde
guardavam os casacos. Ainda fazia frio à noite.
— Vou buscar o coche — disse King.
— Acredito que será melhor que você vá na frente — respondeu sua mãe. — Amélia e
eu nos sentaremos atrás e tentaremos fazer com que os vestidos amassem o menos
possível.
Amélia sentiu alívio. Não gostaria absolutamente de sentar-se junto a King e ter que
manter uma conversa sem significados.
— Vamos, Amélia. É hora de partir.
Nesse momento escutou um trovão e Enid fez uma careta.
— Oh, não! Espero que não comece a chover agora. Não quero chegar à casa dos
Valverde com o vestido cheio de barro.
Felizmente não choveu durante o longo trajeto até a fazenda dos Valverde. O atalho
era arenoso e bastante firme mas Amélia sabia no que se transformam estes caminhos
quando chove. Lembrou uma ocasião em que ela e Quinn viajaram de Atlanta para
Geórgia na época das chuvas e acabaram atolados no barro. Tinham tido que deixar o
coche e voltar para casa a cavalo. Suas pernas e sua dignidade tinham sofrido muito
naquela ocasião mas era de noite e ninguém se deu conta.
Quando chegaram, King deteve o coche em frente ao alpendre e as ajudou a descer
antes de levar os cavalos ao estábulo. A casa já estava cheia de convidados que
conversavam animadamente e bebiam ponche enquanto no interior uma orquestra
interpretava uma música que chamava todos para dançar.
— Irá se divertir muito — assegurou Enid. –Venha, vou apresentá-la a nossos
anfitriões.
Amélia sabia que os Valverde descendiam de uma família de colonos espanhóis que
tomaram posse de vastas terras antes que estourasse a guerra com o México, quando os

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espanhóis foram expulsos do território e os americanos foram convidados a colonizar o


Texas. Em pouco tempo, os colonos americanos tinham exigido que lhes fosse permitido a
independência do México e tinha estourado a guerra. Os Valverde tinham lutado a favor
da independência e, segundo Enid, só mantiveram sua propriedade porque seus homens
lutaram com os intrusos muito eficazmente.
Doura e Horace Valverde eram morenos e não muito altos, e bastante reservados.
Entretanto, Doura lhes dispensou uma calorosa boas-vindas.
— Conhece nossa filha Darcy, senhorita Howard? — perguntou.
— Sim, — respondeu Amélia esboçando um tímido sorriso. — Como você está,
senhorita Valverde?
— Fico feliz em voltar a vê-la — respondeu Darcy sem mesmo olhá-la. — Desviou a
atenção para Enid e exclamou admirada: — Como você está elegante! Onde comprou esse
vestido?
— Já sabe que eu mesma faço minhas roupas — respondeu ela, sorrindo. — Amélia
também fez seu vestido. Não está linda?
— Certamente. Lembra um desenho de Charles Worth que vi em Nova Iorque —
assegurou Doura.
— Sim, é verdade — disse Amélia, ruborizando ao ver King se aproximando.
— King, está muito bonito! — exclamou Darcy tomando-o pelo braço, sem se
preocupar com as formalidades e a etiqueta. — Ninguém olhou o meu Jacques Doucet, e
eu o mandei trazer diretamente de Paris — acrescentou queixosa.
— Já sabe que eu sempre a acho linda, vista o que vestir — disse King.
Amélia não podia acreditar no que ouvia. Uma mulher de estatura mais alta teria
brilhado muito mais naquele desenho original mas a pobre Darcy parecia um cartucho de
baunilha. Não é que não fosse atraente mas tampouco era o que se diz uma beleza, e
nem os vestidos caros disfarçavam. Talvez King a amasse de verdade e não a olhava com
os olhos e sim com o coração. Quando tentou imaginar King se comportando como um
ardente apaixonado teve que se esforçar para conter a risada.
— E bem, quem é esta aparição? — perguntou um cavalheiro alto e loiro que se
aproximou desapercebido do grupo.
Era Amélia e não Darcy a quem contemplava com admiração.
— Amélia Howard, apresento Ted Simpson, um amigo de Boston — disse Doura.
— É um prazer, senhorita Howard — disse inclinando-se cerimoniosamente.
— Digo o mesmo — respondeu ela sorrindo.
Gostou do cavaleiro pela semelhança com seu irmão e em seguida soube que se dariam
muito bem. Pelo menos não parecia um homem temperamental nem violento, e tinha
conseguido que ela, pela primeira vez em muito tempo, se sentisse atraente.
— Me concederia a honra da próxima dança, senhorita Howard?

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— Será um prazer — respondeu ela tomando o braço que ele lhe oferecia. —
Desculpem-me?
— Certamente, querida — respondeu Enid.
King os observou com expressão carrancuda enquanto se dirigiam à pista conversando
animadamente.
— Fazem um bonito casal, não é verdade? — comentou Doura. — Sua convidada é
uma moça encantadora, senhora Culhane.
— Suponho que deve ser presunçosa, como a maioria das mulheres bonitas — assinalou
Darcy. — E também uma inútil para as tarefas de casa. Sabe montar?
— Não sei… Não acredito — respondeu Enid, desconcertada ante as críticas dirigidas
a Amélia.
— A imagina em cima de um cavalo? — interveio King em um tom sarcástico que
surpreendeu ainda mais sua mãe. — É uma preciosa garotinha de papai sem um pingo de
caráter e imaginação.
— É uma comparação muito engenhosa — replicou Darcy. — Deduzo que a conhece
muito bem.
— Seu irmão e eu fomos bons amigos durante muitos anos — respondeu King
encolhendo os ombros. — Conheci a senhorita Howard em uma de minhas escassas visitas
a sua família.
— Sei — respondeu Darcy se aproximando um pouco mais dele. — Você não gosta
dela?
— Por favor, Darcy, que pergunta! — exclamou Doura.
— Não, eu não gosto dela — respondeu King com uma expressão de profundo
desgosto. — Suspeito que não ficará muito tempo aqui no Texas.
Enid abriu a boca para protestar, mas King não queria discutir com sua mãe diante de
seus anfitriões, assim, antes que ela pudesse dizer alguma coisa, perguntou a Darcy:
— Dançamos?

Ted era tão amável e cortês como Amélia tinha imaginado. Enquanto dançavam
falaram do Leste, para onde ele viajava freqüentemente a negócios.
— Conheço Atlanta muito bem. Logo será uma cidade próspera. Oferece muitas
possibilidades de investimento.
— É uma loucura viver em uma grande cidade. Prefiro a amplitude dos territórios do
Texas, embora El Passo não seja uma cidade pequena. É muito fácil perder-se entre
suas ruas!
— Não duvido. Senhorita Howard, se importaria se um dia eu fosse visitá-la?
— Neste momento estou vivendo com os Culhane — respondeu. — Além disso, meu pai
está fora da cidade por algumas semanas. Não me parece correto receber visitas em

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uma casa que não é a minha. Preferiria que esperasse que meu pai retornasse. Vivemos
em El Passo.
— Compreendo. Não se preocupe.
Nesse momento seu olhar se cruzou com o de King, que o observava abertamente.
— O senhor Culhane me detesta — disse Amélia. — Meu pai pretende que eu me case
com seu irmão Alan, mas King não aprova porque acredita que não sou a mulher mais
adequada.
— Sério?
Ted conhecia King desde muito tempo e nunca o tinha visto expressar o mínimo
desagrado por uma mulher, e muito menos por uma tão bonita como Amélia. Curioso.
— Perdoe-me — disse-lhe Amélia, sobressaltada. — Acredito que falei muito… estive
muito nervosa esta semana.
— Não se preocupe. Você dança maravilhosamente.
— Obrigada. Fazia muito tempo que não dançava e antes só me permitiam fazê-lo
com meu irmão. Bonita música, não é verdade?
— Certamente. O menino do violino é meu irmão e o da flauta meu cunhado.
— Mesmo? E você, senhor Simpson, não toca nenhum instrumento?
— Temo que não. E você?
— Eu toco um pouco de piano — respondeu Amélia. — Na realidade, é minha única
habilidade.
Preferiu não dar mais detalhes. Esse homem era amigo de King e não lhe interessava
que ele soubesse que ela não era tão desprezível e insignificante como acreditava. O que
menos queria era virar um objeto interessante para King. Darcy podia ficar com ele para
ela, se era isso que queria… mas por que não deixava de olhá-la?
— Nego-me a acreditar que uma mulher tão encantadora só tenha uma habilidade —
replicou Ted. — Eu adoraria averiguar quais são as outras.
— Se meu pai não achar inconveniente, ficarei encantada de desfrutar de sua
companhia — disse Amélia com rara convicção.
— Será um prazer — respondeu ele atraindo-a para si.
Sorriu para ela, enquanto do outro lado da sala, um homem alto de olhos prateados
fazia um grande esforço para conter seus impulsos assassinos.

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CAPÍTULO 4

King não dançou aquela noite com Amélia. Quando a festa estava a ponto de terminar
sua mãe se aproximou e lhe perguntou o que se passava.
Estava apoiado contra a parede bebendo ponche e vendo-a dançar mais uma vez com
o Ted Simpson.
— Não quero dançar com a senhorita Howard. Será que não percebe?
— Nota-se tanto que todos os convidados começam a se perguntar o porquê —
replicou Enid entreabrindo os olhos. — Poderia ser um pouco mais educado e seguir a
tradição.
— Desde quando me importo com a tradição e a opinião de outros? — replicou ele
bruscamente. — Não sinto nenhum afeto ou interesse por sua convidada. Vim para
passar alguns bons momentos com a Darcy, minha futura esposa — acrescentou
friamente.
— Certamente, não posso negar que é seu tipo.
— Estou de acordo. Tem caráter e não teme nada nem a ninguém.
— E tampouco tem sentimentos. É uma bruxa e você está mais cego que uma toupeira!
— acrescentou Enid, que começava a perder a paciência.
Não puderam continuar a conversa porque uma de suas muitas amizades chamou Enid.
King a seguiu com o olhar enquanto se afastava. Não estava disposto a se deixar
influenciar pelas opiniões de sua mãe. Se ela gostava da total docilidade de Amélia, lhe
desgostava profundamente.
A verdade é que o tirava do sério, vê-la dançar nos braços de Ted Simpson, radiante
e alegre.
A imagem de uma jovem Amélia de olhos sorridentes e cabelo esvoaçando ao vento,
vestida de verde e dançando alegremente com seu irmão, como agora, veio a sua
memória.
Apertou os punhos e sentiu crescer seu aborrecimento ao reparar em como Ted
segurava sua cintura. «Esta garota não sabe o que faz — pensou contrariado. — Não
deveria permitir tantas familiaridades a um homem que acaba de conhecer. É como
todas. Assim que lhe sussurram duas palavras amáveis, perde a cabeça.»
Estava a ponto de se aproximar deles e arrebatá-la de Ted Simpson, mas sabia que
não era o mais prudente a fazer e foi em busca de Darcy.
Ela notou seu desassossego e o seguiu ao alpendre iluminado pela lua.
— O que aconteceu, King? — perguntou solícita.
— Tenho muito trabalho no rancho — murmurou distraidamente.

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Acendeu um cigarro sem lhe pedir permissão, apoiou os pés no corrimão do alpendre e
começou a fumar.
— Odeio o aroma de cigarro — protestou Darcy.
— Isso quer dizer que não poderei beijá-la o resto da noite? — perguntou ele
sorrindo com implicância.
— Se quiser… — respondeu ela aproximando-se um pouco mais.
King jogou o cigarro no chão de madeira e abraçou Darcy. Ela fechou os olhos e
forçou um sorriso.
Era evidente que não sentia nenhum desejo de ser beijada e abraçada por ele. Sua
família tivera muito dinheiro e agora estava virtualmente arruinada, mas Darcy, que
sempre tinha vivido muito bem, não estava disposta a renunciar a isso. Odiava pensar
que seu carinho era o preço a pagar por manter um bom nível de vida!
Ele a beijou apaixonadamente, mas em seguida sentiu suas mãos contra seu peito,
tentando se afastar.
— Por Deus, King, é muito impetuoso! — protestou. — Nem sequer estamos
comprometidos — acrescentou astutamente.
Ele a soltou e acendeu outro cigarro. Não era a primeira mulher que tentava apanhá-
lo. Em sua vida só tinha havido uma mulher disposta a receber com ardor suas carícias,
mas no fundo também estava interessada em sua fortuna: ao se inteirar de que sua
família atravessava uma difícil situação econômica tinha fugido com um duque inglês. Em
sua fuga ambos tinham sido assassinados por um bandido mexicano. Mesmo depois de
tanto tempo, o exército ainda continuava na pista, mas o bandido era muito
escorregadio.
King tinha prometido a si mesmo não descansar em paz até ver Rodríguez pendurado
em uma árvore ou diante de um pelotão de fuzilamento. Acreditava que Alice estava
realmente apaixonada por ele e que só se assustou um pouco ao saber que ia ter que
viver modestamente. Ela teria retornado com ele e teriam se casado. Mas Rodríguez
havia se posto em seu caminho antes que ela pudesse dar-se conta de seu erro.
Alice o tinha recebido assiduamente em sua cama, e King freqüentemente despertava
suando, sonhando com a entrega e a paixão que sempre lhe devotara. Havia sentido
muito sua morte, mas o tempo tinha começado a cicatrizar a ferida. De qualquer forma,
não perdoaria Rodríguez. Isso nunca.
Continuou fumando, absorto em seus pensamentos, e decidiu que não se importava
com a indiferença de Darcy. Se a amasse tanto quanto tinha amado Alice, ai, sim, teria
se importado.

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Quinn Howard decidiu pernoitar nas montanhas Guadalupe, Novo México. Fez um fogo
e assou um coelho. O pobre animal tinha pouco mais que pele e ossos, mas servia para
enganar o estômago. Estava farto de comer bolacha e carne-seca.
Apoiou-se contra a cela de sua montaria e aproximou o rifle, nunca se separava dele
para nada. Seu cabelo loiro estava pegajoso pelo suor e o pó acumulado pela longa
jornada a cavalo, estava na pista de um foragido chamado Rodríguez. Enquanto fugia de
Quinn, o bastardo ainda tinha tido tempo de assaltar um banco. O diretor tinha morrido
no assalto e um dos empregados estava gravemente ferido. Quinn tinha tido que
abandonar uma pista falsa, retornar a El Passo e empreender uma nova marcha para o
Novo México. Tinha a impressão de estar andando em círculos.
Enquanto tentava tragar a carne dura e cor de rosa do coelho, sentiu falta de um
bom rastreador. Ele era muito bom com o revólver e o rifle, mas não em encontrar boas
pistas. Enfim, teria que se conformar.
Começou a pensar em Amélia. Sabia que seu pai bebia muito ultimamente e que isso
podia induzir à violência. Quinn não deixava de pensar em como tirá-la dali, mas sabia
que, no momento, não era possível. As poucas vezes que estava na cidade dormia no
quartel e, além disso, o tinham destinado a Alpine, não a El Passo. Ainda tinha que
passar muito tempo antes que ele pudesse lhe oferecer uma alternativa melhor.
Pobre Amélia, não tinha tido uma vida fácil. Quinn sentia muito por ela. Só ele sabia
o quanto sofria e o perigo que corria. Tinha que fazer alguma coisa e logo. Seu pai bebia
cada vez mais e seus ataques se tornavam muito freqüentes e violentos. Um dia ia
acontecer uma desgraça e ele não ia suportar viver com esse peso sobre sua consciência.
E se um ataque lhe provocasse a morte? Ou pior ainda, e se Amélia fosse a sacrificada?
Desejava saber o que tinha feito mudar tanto seu pai, embora suspeitasse que a morte
dos gêmeos e a de sua esposa tinha muito a ver.
«Se pelo menos Amélia aceitasse se casar com Alan Culhane, esse casamento a poria
sob o amparo de King e seria sua salvação», pensou. King a odiava, mas nunca permitiria
que lhe acontecesse nada. Além disso, sabia controlar seus impulsos e não se atreveria a
pôr a mão em cima dela. Não era uma má solução. Inclusive se Amélia tivesse continuado
a ser a mesma de sempre, teria sido a mulher perfeita para King. Uma lástima que
tivesse mudado tanto.
Sorriu ante suas reflexões de casamenteiro. Amélia e King se odiavam até a morte e
era melhor deixar assim. Provavelmente Amélia se sentiria empurrada para Alan. Nunca
seria um marido muito apaixonado, mas a trataria bem. Terminou de comer e se
preparou para dormir pensando que com a luz do dia lhe ocorreria uma solução.

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Amélia viu King e Darcy saírem e o coração se encolheu. Tentou disfarçar diante de
Ted e seguiu conversando animadamente.

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Amélia Diana Palmer

Quando a música chegou ao fim, Ted prometeu ir visitá-la quando seu pai retornasse,
sem perceber o terror que escurecia o rosto de Amélia cada vez que tocava no nome de
seu pai. Sabia que seu pai estava economizando para comprar uma casa em El Passo e
temia viver sozinha com ele. Apoiada contra a porta da sala enquanto esperava que Ted
voltasse com uma taça de ponche, Amélia era a viva imagem da desolação.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou King.
Sua inesperada proximidade a tirou de suas reflexões e fez com que se ruborizasse
intensamente. Levantou os olhos cheios de terror e sustentou o olhar até que sentiu uma
vertigem.
— Amélia! — exclamou Darcy sem soltar o braço de King. — Está muito pálida,
querida, encontra-se doente?
Estava inquieta e assustada. Procurou o Ted desesperadamente e sentiu alívio quando
o viu levantar o braço do outro extremo da sala.
— Oh, é isso, verdade? — disse Darcy. — Vamos, King. A senhorita Howard só está
com sede. Venha, quero que conheça o senhor Farmer. Perdoa-nos não é verdade,
Amélia?
— Vá andando, irei em seguida, Darcy — replicou King.
Apesar da inesperado resposta, Darcy forçou um sorriso e foi se ocupar de seus
convidados.
Seus olhares se cruzaram, o dela temeroso e o dele desafiante, e Amélia se sentiu
quase desfalecer.
King continuou observando-a com renovado interesse, perguntando-se a que se devia
a eletricidade que pairava entre eles. O pânico que refletiam seus olhos e seu rosto
ruborizado lhe dizia que ela sentia exatamente o mesmo. Perturbado, comprovou mais
uma vez que sua presença bastava para acender a mais oculta das paixões de Amélia.
Estava certo de que não fingia e há muito tempo que sua fortuna impedia que uma mulher
se sentisse atraída fisicamente apenas por ele.
Aproximou-se um pouco mais, o suficiente para transmitir o calor que desprendia de
seu corpo misturado com o aroma de sua colônia. A respiração de Amélia acelerou por
alguns momentos.
— Por que não me diz o que aconteceu, Amélia? — perguntou em um tom rouco e
profundo.
Ela esperou recuperar o fôlego para lhe responder.
— Como disse… a senhorita Valverde, só estou um pouco acalorada.
A mão de King roçou levemente seu braço nu e o contato a fez estremecer enquanto
suas pupilas fixavam-se nas dele, dilatando-se.
— Está doente? Tem febre? — perguntou ele carinhosamente.
— Não, quero dizer, não. Só estou um pouco aturdida. Há muita gente e muito ruído
— acrescentou, esforçando-se por recuperar a compostura.

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Amélia Diana Palmer

King estudou a boca de Amélia, suave e perfeita. Quando viu que seus lábios
tremiam, uma onda de desejo lhe percorreu o corpo.
Amélia apoiou uma mão sobre o peito dele, embora não soubesse dizer se se tratava
de uma forma de defender-se ou se, simplesmente, estava a ponto de desmaiar.
— King… — suspirou suplicante.
O leve movimento daqueles lábios o fez desejar ardentemente os ter sob os seus,
sentir seu frágil corpo e seus braços o rodeando. Desejava sentir a suavidade de sua
pele sobre seu peito nu.
Amélia levantou o olhar e o coração deu um salto. Nunca tinha experimentado uma
sensação tão forte e repentina, e nunca acreditou ser capaz de sentir um desejo tão
intenso por outra pessoa. A atitude de King a deixava desconcertada. Como tinha podido
esquecer que estava na casa da eleita que todos consideravam sua noiva?
— Você gostaria que eu a beijasse, Amélia? — sussurrou.
— Senhor Culhane! — exclamou ela, escandalizada.
Tentou separar-se mas ele a segurou com força para evitar que retirasse a mão de
seu peito.
— Fique quieta, maldita seja — resmungou. — Tem muita gente nos olhando.
— Posso saber o que quer? — perguntou ela aterrorizada, enquanto pensava em como
sair do apuro em que se achava. Desgraçadamente, ninguém foi em sua ajuda.
— Curioso não é verdade? — sussurro ele. — O mundo gira sob nossos pés mas nós
não notamos. Sim, senhorita Howard, eu sinto o mesmo que você e tenho que admitir que
estou um pouco surpreso. Não esqueça que a considero pouco mais que uma criatura
desisteressante!
Estava perdida. Tinha sido presa em sua armadilha. Atormentá-la tinha se
transformado em outra de suas distrações. Agora ele sabia que a tinha em suas mãos, e
ela estava segura de que ia se aproveitar disso.
— Sua opinião sobre mim não irá me tirar o sono, senhor — replicou tão dignamente
quanto pôde.
— Mas sim o desejo que sente por mim. Já te beijaram de verdade alguma vez,
Amélia? — perguntou zombador.
— Você é um… impertinente!
Aproximou-se até quase lhe roçar a ponta dos seios.
— Conheço as mulheres de uma maneira que nem sequer imagina — sussurrou junto ao
seu ouvido. — Estou certo de que me daria alguma coisa por um de meus beijos!
Amélia estava assombrada. Nunca tinha padecido de semelhante crueldade. Devia ter
imaginado que, como seu pai, nada o divertia mais do que ver sofrer seus semelhantes.

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Amélia Diana Palmer

Tentou gritar e se afastou bruscamente dele. Seus dedos tenazes se cravavam em


seu braço e a dor fez com que seus olhos se enchessem de lágrimas. Encontrou Ted com
um olhar e se dirigiu para ele cambaleando.
— Oh, sinto que a tenha feito esperar! — exclamou ele. — Sinto ter demorado tanto.
Ofereceu-lhe uma taça de ponche que ela aceitou com mãos trêmulas. Derramou um
pouco sobre suas imaculadas luvas e soube que as manchas permaneceriam indissolúveis,
assim como as humilhantes palavras de King. Desejou com todas suas forças que Enid
fosse em seu socorro.
Enid sentiu o desespero em seu rosto e se apressou a se aproximar.
— Está ficando tarde — disse. — Está cansada, Amélia? Quer que vamos embora?
— Sim, por favor — balbuciou ela. — Sinto muito, Ted. Gostei muito de conhecê-lo,
mas estou esgotada.
— Amélia não está acostumada a noitadas — assinalou Enid observando-a
atentamente. — Vou procurar King. Ted, por que não fica com Amélia até que eu volte?
— Será um prazer — respondeu ele, lhe fazendo uma cortês reverência.
De relance, Amélia viu King falar com sua mãe. Dedicou-lhe um frio olhar e depois se
dirigiu em busca do coche.
— Suponho que King não vai gostar de deixar à senhorita Valverde tão cedo —
comentou Ted. — Deveria ter me deixados as levar para casa…
— Não tem importância — assegurou Amélia. — Além disso, pode voltar se o desejar,
não é verdade?
— Certamente. Quer um pouco mais de ponche?
— Não, obrigada. Já estou melhor.
Mas não era verdade. Estava paralisada de medo. Não queria voltar para casa com
King. Não queria que seu pai retornasse. Queria ir para muito longe, sozinha!
— Se encontra mesmo bem? — perguntou Enid tirando-a de suas reflexões. — Venha,
esperaremos King na varanda. O ar fresco fará bem a você. Nos acompanha, Ted?
— Será um prazer, senhora Culhane. Estava dizendo à senhorita Howard que eu
adoraria visitá-la.
Enid o olhou com receio. Ted Simpson não era do agrado de seu marido e seu filho,
mas quem era ela para impedir que Amélia visse quem quisesse?
— Disse ao senhor Simpson que prefiro esperar até que papai retorne — apressou-se
a dizer Amélia ao ver a expressão de Enid. — É muito seletivo com meus pretendentes.
— Então, senhor Simpson, será melhor que respeitemos os desejos do senhor Howard
— disse Enid esboçando um sorriso.
— Estou de acordo — respondeu Ted.

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Amélia Diana Palmer

Acompanhou-as até o alpendre e permaneceu com elas até que um mal-humorado King
apareceu com o coche. Ted as ajudou a se acomodarem e se despediu cortesmente.
Durante o trajeto King não participou da conversa que Amélia e sua mãe mantinham.
Quando chegaram ao rancho só separou os lábios para chamar seus homens. Amélia
se apressou a descer do coche antes que ele se oferecesse para ajudá-la e correu para
a entrada.
— Espere um momento, Amélia — deteve-a Enid. — A porta está fechada.
— Eu a abrirei — se ofereceu King aproximando-se.
Amélia retrocedeu e abaixou os olhos para evitar seu olhar, inclusive quando ele abriu
a porta e se afastou para as deixar passar. Ignorando as normas de educação mais
elementares, murmurou um boa noite quase inaudível e escapou escada acima.
— King — começou Enid o olhando inquisitivamente. — Tornou a se mostrar
desagradável com Amélia?
— Boa noite, mãe — replicou ele, pálido.
Saiu da casa dando uma desnecessária pancada na porta e se dirigiu ao estábulo para
dar instruções a um de seus homens sobre como acomodar os cavalos. Sentia-se incapaz
de enfrentar o olhar acusador de sua mãe e de responder a mais perguntas. Não queria
lembrar as cruéis palavras que tinha dirigido a Amélia nem da dor refletida em seu
rosto. Não compreendia o que tinha acontecido, mas não tinha perdão. Só sabia que não
reconhecia a si mesmo e que nunca havia se sentido tão desprezível.
Na manhã seguinte, Amélia se atrasou o quanto pôde para evitar coincidir com o
horário de King do café da manhã. Não foi tão fácil escapar de Enid, que iniciou uma
agradável conversa sobre o tempo enquanto observava cada um de seus movimentos.
— O que disse a você King ontem à noite, Amélia? — perguntou por fim.
Amélia ruborizou e começou a tremer; um biscoito escorregou entre seus dedos.
— Só me lembrou que não gosta de mim — mentiu. — Lamento que seja assim mas, já
sabe, há pessoas que… simplesmente não se dão bem.
Enid não acreditou. Era evidente que Amélia não tinha conseguido conciliar o sono
durante a noite e ela estava disposta a averiguar o acontecido. Seus olhos inquietos se
detiveram no braço de Amélia. Sabia!
— O que lhe aconteceu? — exclamou ao descobrir uma mancha em seu antebraço.
Um grito sufocado e a imediata intenção de Amélia em escondê-la foram suficientes
para responder a sua pergunta.
— Vi que discutia com meu filho e como se separou bruscamente dele. King fez isso
com você, não é verdade? — perguntou, indignada.
— O que fiz? — perguntou ele da porta.
Ali estava ele, vestido com roupa de trabalho e aproximando-se da mesa.
— Dê uma olhada no braço de Amélia.

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Amélia Diana Palmer

Amélia tentou resistir, mas King se ajoelhou junto a sua cadeira e segurou seu braço,
firme mas carinhosamente, para examinar o local.
— Não tem importância. Tenho a pele muito delicada — murmurou Amélia retirando o
braço. Desta vez ele não opôs resistência.
— King, como foi capaz de fazer uma coisa assim? — perguntou Enid.
Levantou os olhos e disse humildemente:
— Peço-lhe que me perdoe, senhorita Howard. Não devia ter perdido as estribeiras.
Amélia se levantou da cadeira. Era igualzinho a seu pai e ela não queria estar perto
dele e nem ter que olhá-lo ou falar com ele.
Seu silêncio irritou King. Levantou-se lentamente e a olhou desdenhosamente.
— Precisa de alguma coisa? — perguntou a sua mãe friamente. — Vim perguntar à
senhorita Howard se quer ir ver as flores — replicou ele com segurança — Mas vejo que
minha presença a perturba.
Amélia tinha fechado os olhos. «Vá embora, por favor. Lembra-me meu pai»,
suplicava.
Enid pegou King pelo braço e o acompanhou para fora de casa.
— Que demônios aconteceu com você? — perguntou ela fora de si.
— Será que não vê? Ela me trata como se tivesse lepra.
— Merece. Eu queria que Alan estivesse aqui. Ele a trata corretamente e devido a
isso se dão bem.
— E, é claro, eu não sei tratar uma mulher.
— Isso mesmo. Nunca voltou a ser o mesmo depois da morte de Alice. O tipo de
mulher que o atrai agora não se importa com sentimentos. Por que não vai mostrar as
flores a sua preciosa senhorita Valverde?
— Darcy não se interessa por essas coisas.
— A única coisa que lhe interessa é o valor da terra onde crescem — replicou ela. —
Saia daqui, King. Já viu que Amélia não quer saber de você, e não a culpo. Já tem
problemas o bastante com seu pai. Não precisa mais de nenhum pretendente. Certamente
viverá e morrerá solteira sem conhecer o verdadeiro amor.
Fechou a porta e o deixou lá fora. King estava tão desconcertado que não se moveu
durante um momento. A mancha no braço de Amélia o tinha feito se sentir o ser mais
desprezível do mundo. Só um covarde se atreveria a exercer a força bruta contra uma
mulher indefesa. Ele não queria ter feito tal coisa, mas tinha perdido o controle de suas
emoções. A onda de desejo que o tinha invadido foi tão inesperada e intensa que tinha
tido que usar sua mais refinada crueldade para se proteger. Sentia-se culpado, mas não
sabia o que fazer para consertar o que fizera.
— Malditas mulheres — resmungou. — Malditas sejam!

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Amélia Diana Palmer

Cruzou o vestíbulo com grande rapidez e saiu de casa batendo a porta. Disfarçou sua
dor sob um aparente mau humor e foi fiscalizar a marcação dos bezerros recém-
nascidos. Estava tão irascível que parecia que era nele que aplicavam o ferro
incandescente.

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 5

Amélia pôs água para esquentar e logo a jogou na pia. A seguir acrescentou água fria
para temperá-la e começou a esfregar os pratos enquanto Enid varria a casa. O pó do
deserto entrava pelas frestas apesar das precauções de Enid. «Aqui, no oeste do Texas
— estava acostumada a dizer a Amélia, é melhor se acostumar ao que você não gosta
que tentar mudá-lo.» Amélia pensou que o conselho talvez pudesse servir muito bem a
King, mas a verdade era que ultimamente as coisas estavam de mal a pior.
King trabalhava e fazia seus homens trabalharem de sol a sol no rancho. Quando
chegou no sábado seguinte de noite, a primeira coisa que fizeram foram se embebedar e
começar a disparar seus rifles. O ruído dos disparos assustou Amélia. Quando saía de
seu quarto se encontrou com Enid no corredor.
— Terei que sair e falar com eles — disse Enid, resignada.
A porta se abriu e King apareceu. Seu cabelo escuro estava revolto e era evidente
que se vestira com pressa porque a camisa estava desabotoada. Quando se aproximou
delas, Amélia pôde contemplar seu peito moreno e a sombra do pêlo espesso.
— Suponho que não pegará a pistola para ir lá fora, não é verdade? — perguntou
Enid.
— Para que quero uma pistola? — replicou King. — Só estão um pouco bêbados.
— Mas eles estão armados — observou Amélia, preocupada.
King se deteve, surpreso pelo interesse de Amélia. Não podia afastar os olhos de
suas ruborizadas bochechas, seus angustiados olhos e seu longo cabelo loiro. Parecia uma
rosa em flor. Fazendo um esforço, voltou a si e lembrou o que tinha interrompido seu
sono.
— Não demorarei. Não se movam daqui — ordenou.
Amélia o seguiu com o olhar enquanto avançava a grandes passadas para a porta
principal. Seu corpo forte e musculoso a fez se sentir protegida e a salvo. Não
obstante, seguia lhe lembrando seu pai.
King desapareceu na escuridão da noite. Amélia e Enid se aproximaram da janela da
sala e o viram se dirigir para os barracões. Havia pouca luz e se ouvia um alvoroço nada
tranqüilizador. Um minuto depois, King saiu dos barracões arrastando um homem, que
jogou no chão com brutalidade. Retornou para dentro e começou a gritar com seus
homens. Amélia reparou em que era a primeira vez que o ouvia levantar a voz.
Os resultados não demoraram a aparecer e o alvoroço cessou imediatamente. Ao
término de um momento ouviram disparos e ruído de vidros quebrando. Amélia dirigiu um
olhar de preocupação a Enid.

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Amélia Diana Palmer

— Deve saber, querida, que isto é mais freqüente do que imagina — disse Enid
brandamente. — Os homens são assim. Pelo menos King sabe como os tratar e todos o
respeitam.
— Só porque sabe brigar — assinalou Amélia.
— Saber brigar é muito útil aqui. E também saber atirar, no caso dele. A fronteira é
um território muito instável e não temos tantos representantes da lei como queríamos,
assim tivemos que aprender a nos defender nós mesmos.
— Odeio a violência — protestou Amélia.
— A vida não é fácil, inclusive na cidade mais civilizada — replicou Enid.
— Tem razão, senhora — admitiu Amélia observando a escuridão em busca de King. —
Acredita que ele está bem?
— Meu filho é perfeitamente capaz de controlar seus homens. Está preocupada com
ele, não é verdade? — perguntou.
— Naturalmente… ! Quero dizer, estaria igualmente preocupada com qualquer um que
estivesse em uma situação tão perigosa.
— Sei.
Amélia esperava que não fosse assim. Seus sentimentos eram muito confusos ainda, e
a última coisa que desejava era fazê-los evidente. Brincou nervosamente com uma mecha
de seu cabelo até que o viu sair dos barracões e se deter para trocar umas palavras com
o homem que jazia junto ao alpendre. Este assentiu e fez um gesto conciliador com a
mão. Logo King entrou em casa.
— Vou buscar um conhaque. Precisará — disse Enid.
Pegou uma lâmpada e se encaminhou a procura dos licores, deixando Amélia ali
sozinha.
King entrou na casa com rosto sério e taciturno. Tinha um corte no queixo.
— Meu Deus , está ferido! — exclamou Amélia.
Ele a olhou e viu compaixão e ternura em seus olhos. Sentiu uma agradável calidez em
seu interior e uma profunda emoção.
— Não se alvoroce, sim? — grunhiu. — É só um arranhão.
Amélia se aproximou para observar a ferida de perto. Sem querer lhe roçou o queixo
com a ponta dos dedos.
— Dói muito? — perguntou.
— Não — respondeu King, surpreso pela inesperada ternura mostrada por Amélia.
Só podia olhá-la e pensar que estava linda em sua camisola e com o cabelo solto. O
suave perfume que desprendia de seu corpo lhe subiu à cabeça como uísque, e King
começou a embriagar-se. Tomou a mão de Amélia entre as suas e a acariciou enquanto
seus olhos prateados percorriam seu doce rosto. Procurou com os lábios a mancha em seu
braço.

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Amélia Diana Palmer

Aqueles lábios sobre sua pele fizeram com que os joelhos de Amélia tremessem
enquanto seu cérebro trabalhava em excesso para recuperar a respiração e a
compostura.
King notou que a respiração dela se agitava e que o coração palpitava. Parecia-lhe
incrível que uma mulher tão delicada se mostrasse tão inquieta e vulnerável. De uma
coisa estava certo: Amélia não estava fingindo; um simples e inocente roçar de lábios
tinha bastado para que ela começasse a tremer dos pés a cabeça. Seus olhos posaram
nos lábios dela e teve que se conter para não estreitá-la e beijar aquela boca tão
deliciosa.
Amélia, nervosa, afastou os olhos e estes foram pousar no peito de King. Foi ainda
pior. Nunca tinha estado diante de um homem com a camisa desabotoada, nem tinha
visto um corpo musculoso coberto de pêlos escuros. Surpreendeu-se a si mesma tentando
imaginar como seria tocá-lo. Ruborizou intensamente.
Enquanto isso, King, com o pulso cada vez mais acelerado, não podia deixar de pensar
em quão agradável seria sentir seus seios nus contra seu torso.
— Amélia… — sussurrou enquanto lhe beijava carinhosamente a mão.
Fechou os olhos para saborear aquela pele fresca e suave e nesse momento soube que
ambos se pertenciam para sempre. Sentiu-se fraco e vulnerável e começou a reagir.
Soltou sua mão e abriu os olhos para observá-la.
As sensações produzidas pela suave carícia dos lábios de King contra sua pele a
aturdiram. Sabia que ele podia ler em seus olhos como em um livro aberto.
O som de uma garrafa e copos devolveu ambos à realidade. King respirava com
dificuldade e Amélia agradeceu a Deus que Enid tivesse retornado.
Consciente da tensão que reinava na casa, Enid serviu um conhaque e o estendeu a
King. Perguntou pela briga com os homens no barracão e Amélia tentou se acalmar.
Olhando para King, viu que a mão que segurava o copo tremia ligeiramente.
King, se sentindo descoberto, perguntou friamente:
— Não deveria estar na cama, senhorita Howard?
O tom com que pronunciou essas palavras a fez estremecer.
— Tem razão. Boa noite — murmurou.
Dirigiu-se apressada para seu quarto e não se surpreendeu ao encontrar-se
tremendo.
— É tão desagradável com ela, King… — protestou Enid.
Ele terminou seu conhaque e deixou o copo sobre a mesa.
— Precisa de valores morais.
— Talvez exista uma boa razão para isso.
— Mesmo assim não é assunto meu. Não quero ter nada a ver com uma covarde —
replicou, levantando-se para retornar a seu quarto.

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Amélia Diana Palmer

Infelizmente, Amélia ouviu as palavras de King. Enquanto se metia na cama lutou para
conter as lágrimas. O bruto… o que ele sabia? Simplesmente a julgava pelas aparências.
Ela não era uma covarde!
Perguntou-se o que diria se soubesse a verdadeira razão pela qual ela obedecia a
seu pai cegamente. Lembrou a noite em que decidiu fugir de sua casa. Seu pai tinha
bebido até quase perder a consciência. Amélia tinha sugerido que não bebesse mais e
tinha feito um gesto de levar a garrafa embora. Ele tinha tirado o cinturão e, sem dizer
uma palavra, a tinha perseguido sem piedade. Amélia tinha fugido, decidida a não
retornar nunca mais, mas o primeiro policial que tinha encontrado pôs-se a rir ao escutar
seu relato e assegurou que, de vez em quando, uma surra podia fazer muito bem a uma
mulher. Depois a tinha levado de volta para casa. Tinha sido a pior noite de sua vida.
Seu pai, furioso por sua ousadia, havia-lhe proporcionado outra surra.
Passaram-se vários dias até que pôde se levantar da cama e durante esse tempo uma
vizinha teve que se ocupar da casa. Quinn estava lutando em Cuba e não pôde vir em seu
socorro.
Amélia nunca contou a ninguém o acontecido e não se atreveu a voltar a fugir de
casa. Depois de tanto tempo, nada tinha mudado. Ainda não se atrevia a contar a
Quinn. O que ela podia ganhar com isso? Quando estava em El Passo, Quinn residia no
quartel e este não era lugar para uma mulher. Graças ao pudor de Amélia e a sua
sincera preocupação por sua saúde e bem-estar de seu pai, estava a salvo no momento.
Em uma ocasião seu pai havia se metido em uma briga política e tinha voltado para
casa em um estado lastimável. Sua mãe se queixou de quão brutos são os homens, mas
disse com um sorriso nos lábios. Tinham sido tão felizes juntos…!
Olhou seu braço para contemplar a mancha e lembrou a brutalidade de King. Mas
agora só sentia seus lábios sobre sua pele. Tinha sido um gesto tão estranho, beijar a
ferida que ele mesmo tinha lhe infligido! A lembrança de sua inesperada ternura lhe
provocou um formigamento por todo o corpo. Ele tinha se zangado muito antes de seu
pequeno deslize e talvez por isso tivesse lhe dirigido aquelas palavras cruéis.
Afinal, seu pai sempre tinha sido carinhoso com sua família até a morte de seus
irmãos.
Como ia confiar em um homem conhecendo como conhecia suas mais baixas paixões?
Estava certa de que em um casamento havia mais que uma mão ameaçadora.
Sua mãe tinha convidado em uma ocasião sua prima e seu marido para passar um
natal em Atlanta. Uma noite Amélia despertou para ouvir um pranto sufocado e uns
gritos seguidos de um som agudo provenientes do quarto que sua prima ocupava. Aquele
grito lhe pareceu quase desumano. Foi seguido de mais soluços. Amélia escondera o
rosto sobre o travesseiro para não ouvir mais nada. Estava convencida de que a
brutalidade de um homem não acabava apenas em uma mão levantada e temia averiguar o
que se escondia depois da porta fechada do quarto de um casamento.

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Amélia Diana Palmer

A ausência de pretendentes se devia tanto à restrita vigilância de seu pai como à


repugnância que ela mesma sentia pelos homens. Voltou a sentir os lábios de King sobre
sua mão e seu braço acompanhados das inquietantes sensações experimentadas por seu
corpo virginal.
Estava certa de que King havia sentido exatamente o mesmo, pois a mão que segurava
o copo tremia. Pareceu incrível que duas pessoas pudessem se desprezar tanto e
sentirem-se poderosamente atraídas uma pela outra, por mais que King se esforçasse em
negar a si mesmo. Apoiou a cabeça no braço que King tinha beijado aquela mesma noite e
adormeceu profundamente.

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Mais uma vez, Quinn havia tornado a perder a pista que seguia há dias. A
contragosto, empreendia o caminho de volta, quando ao longe distinguiu três cavaleiros
que se aproximavam.
Devia ser precavido. Desmontou, pegou o revólver e ocultou seu cavalo em uns
arbustos sem perder de vista os três cavaleiros. Escondido, esperou até que os três
homens chegaram onde ele estava e desmontaram. Pegou seu revólver e se deteve
surpreso. O mais velho dos três lembrava alguém. E em seguida, começou a dar
gargalhadas. O inesperado som alertou os homens, que se lançaram em sua busca.
— Pelo amor de Deus! Que demônios você faz aqui? — exclamou Brant Culhane,
embainhando seu revólver.
— Procuro Rodríguez — respondeu Quinn. — Olá, pai. Senhor Culhane. Tudo bem,
Alan? — saudou.
— Dizem por aí que Rodríguez morreu — disse Brant Culhane. — Eu acredito que se
tornou invisível.
— Asseguro-lhe que nenhuma das duas coisas são certas — grunhiu Quinn. — Estou
farto de o seguir de uma ponta do estado à outra. — Como está Amélia?
— Bem — replicou Hartwell. — Está com a Enid.
— E com King também, não? — perguntou Quinn.
— Sim, claro, com o King também — murmurou Howard. Era evidente que não gostava
de King. — Faz muito tempo que não sabemos nada de você. Por acaso esqueceu que tem
família?
Quinn estava a ponto de replicar que não gostava de presenciar como maltratava a
sua irmã mas preferiu abster-se, e se limitou a dirigir-lhe um olhar áspero.
— Sabe que tenho que viajar com muita freqüência — respondeu. — Como está King?

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Amélia Diana Palmer

— Asquerosamente bem, como sempre — respondeu Brant com um amplo sorriso. —


Deixei-lhe bastante trabalho no rancho. Me matará quando voltarmos. Nós estamos
procurando um predador do deserto que acabou com muitas cabeças de gado. Suspeito
que anda por aqui.
— Desejo-lhes sorte. Eu devo ir agora.
— Por que não passa a noite conosco? — protestou seu pai.
— Não posso — replicou Quinn. — Devo chegar a Juarez antes do anoitecer. Tenho
que entregar um relatório às autoridades. Até logo, pai.
— Certo, filho. Adeus.
Quinn se despediu dos Culhane.
Durante sua solitária cavalgada de volta ao Texas não pôde deixar de pensar que seu
pai parecia ir de mal a pior. O homem amável e tolerante que ele tinha conhecido se
tornou orgulhoso e mal-encarado.
Preocupava-se com a situação de Amélia. A última vez que a tinha visto ele a
encontrou muito diferente. Não restou nada daquela menina alegre e curiosa; agora
sempre parecia triste e assustada. Gostaria muito que ela se atrevesse a contar seus
problemas. Em todo caso, no momento estava a salvo em Látego aos cuidados de King.
Cruzou Rio Grande e rodeou as montanhas em direção a Juarez. A noite tinha
chegado e decidiu acampar. De repente, um ruído a suas costas o sobressaltou.
Instintivamente levou a mão ao revólver e logo fez uma breve verificação pelo lugar.
Quando descia por um suave declive descobriu um homem de cabelo escuro vestido de
jeans desbotados, um puído poncho cinza e sandálias. Jazia no chão em uma posição que
para Quinn parecia estranha e resmungava muito.
— Se encontra bem? — perguntou em inglês.
— Não falo muito inglês — gemeu o homem em espanhol.
— Você é mexicano? — perguntou Quinn, desta vez em seu pobre espanhol.
— Sim. De onde você é?
— Dos Estados Unidos — respondeu Quinn. — El Passo.
— Ah, ao Norte. Pode me ajudar? Minha perna… acho que quebrou.
Quinn o examinou e não encontrou nenhuma fratura. Certamente se tratava de uma
torção. Assim comunicou ao homem e lhe perguntou se estava sozinho. Ele o olhou com
receio.
— Meus companheiros se foram — indicou assinalando para Juarez. — Não sei há
quanto tempo atrás.
Quinn tentou em vão lhe tirar mais informação. Cada uma de suas perguntas
aumentava mais a desconfiança do homem.
— Como queira — suspirou. — Mas pelo menos se aproxime do fogo.

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Amélia Diana Palmer

Ajudou o homem a ficar de pé e ao lhe oferecer seu braço para que se apoiasse não
pôde evitar fazer uma careta de desgosto.
— Por Deus. O que precisa é de um bom banho.
Apesar de falar em inglês, o homem pareceu entender.
— Eu vou encontrar uma… como se diz…
— Uma nascente? — exclamou Quinn.
— Sim. Mau aroma não ir embora, não é verdade?
— Não vai, não — respondeu Quinn, divertido.
Moveu a cabeça resignado. Parecia que ia ter que se ocupar dele. Esperava que seu
olfato resistisse.
— Como se chama? — perguntou quando o deixou junto ao fogo. — Como se chama? —
repetiu em espanhol.
— Meu nome é Juliano Madison. Sou de Chihuahua.
— Muito prazer — disse Quinn.
— O prazer é meu. Tem café?
— Não é um pouco jovem para beber café? — perguntou Quinn.
— Tenho dezesseis anos, senhor — respondeu muito digno. — Ainda não sou um
homem, é verdade, mas já não sou menino. Meu Deus, se eu fosse homem de verdade,
meu pai ia me matar quando me visse.
— Já fugiu de casa, não é verdade? Sabe, os pais não são tão maus como parecem.
Estou certo de que deve estar muito preocupado com você — disse Quinn, ajoelhando-se
junto ao fogo. — Está bem, pode tomar um pouco de café e também um gole de brandy
para camuflar a dor desse pé.
— Senhor, você me salvou a vida. Achei que eu iria morrer quando o cavalo me atirou
para fora e fiquei sozinho no meio da montanha. Manolito pagará caro por esta noite —
acrescentou contraindo as feições. — Meu pai cortará seu pescoço!
— Tem família no México?
— Só meu pai e três tios.
— Pois acredito que deveriam se preocupar mais com você.
— Eu desobedeci meu pai – prosseguiu o rapaz com seu atrapalhado inglês enquanto
acariciava a perna ferida. — Manolito embebedou-se em Del Rio e não queria partir. E
Deus, o que fez a ela… ! Se meu pai não o matar eu o farei com minhas próprias mãos!
Separou-se de mim e eu queria voltar para casa para poder contar aos outros. E o farei!
— Onde fica sua casa? — perguntou Quinn.
— Em Chihuahua — respondeu com receio.
Quinn achou curiosa a desconfiança com que o rapaz respondia a suas perguntas.
Talvez ocultasse alguma coisa.

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Amélia Diana Palmer

— Tome — disse lhe entregando um copo de café — vê se isto alivia a dor.


O rapaz segurou o copo que Quinn lhe oferecia e sorveu um gole.
— Este café é muito bom — disse grato.
— Com o tempo aprende-se a fazê-lo.
— O que você faz por aqui, senhor? — perguntou, depois de uma pausa.
Quinn não soube o que responder. Não lhe pareceu boa idéia dizer que era oficial do
exército e que andava atrás do Rodríguez. Era um bandido, sim, mas muito querido por
seu povo.
— Cuido de um assunto financeiro com as autoridades mexicanas.
O rapaz o olhou fixamente.
— Isso quer dizer negócios?
— Sim — respondeu Quinn fechando a jaqueta dissimuladamente para ocultar a
estrela de cinco pontas que levava no colete. — Sou banqueiro.
O copo tremeu entre as mãos do rapaz.
— O que foi agora?
— Minha perna dói muito — respondeu esfregando a perna.
— Acho que é hora de tomar um gole — disse Quinn sorrindo.
Ofereceu-lhe um pouco de brandy em uma caneca que o rapaz aceitou cheio de
gratidão. Quinn decidiu procurar um bom lugar para dormir. No dia seguinte deixaria o
rapaz no primeiro povoado que encontrassem e seguiria seu caminho. Até então não o
perderia de vista nem um momento. Se fosse o ocaso, dormiria com o revólver. O rapaz
parecia nervoso e constantemente olhava ao redor, como se temesse alguma coisa. Quinn
não queria correr o risco de que lhe cortasse o pescoço durante a noite.

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No domingo pela manhã King se levantou com um humor de cão. Acompanhou as


mulheres à igreja, sentou-se junto delas e se resignou a suportar o sermão.
Amélia não pôde evitar acompanhar cada um de seus movimentos. Estava sentado tão
perto dela que podia sentir sua perna contra sua coxa. King tinha estendido o braço pelo
respaldo do banco de forma que, quando o homem sentado ao lado de Amélia cruzou as
pernas, esta se viu virtualmente empurrada contra ele.
Baixou seus olhos prateados e sustentou o olhar de Amélia durante alguns segundos.
A igreja e toda a congregação desapareceram e a vista ficou difusa enquanto seus olhos
percorriam aquele rosto magro e anguloso. Fazendo um esforço, King conseguiu desviar
sua atenção para o púlpito, mas moveu lentamente o braço até quase rodear os ombros
de Amélia e cruzou as pernas para sentir mais de perto o contato de sua perna contra a
dela.

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Amélia Diana Palmer

A pobre Amélia não sabia o que fazer. Seus pensamentos estavam muito longe do
sermão dominical e a inquietante proximidade de King contribuía para perturbá-la ainda
mais.
Bruscamente, King retirou o braço do respaldo do banco. Sua enorme mão procurou a
de Amélia e a segurou com força. Seus olhos estavam cravados no pastor, mas apertava
os lábios e parecia ansioso. Amélia não podia afastar o olhar de sua mão na dele e, mais
uma vez, uma poderosa onda de desejo a invadiu. Fascinada, acariciou lentamente o
dorso daquela mão para sentir o calor e a força que desprendia.
Felizmente para Amélia, o sermão foi muito curto nesse domingo. Quando ficaram em
pé para cantar o hino de despedida, King teve que soltar sua mão, mas não demorou
muito para encontrar outra desculpa para tentar uma nova aproximação. Desta vez se
aproveitou do fato de que só tinham apenas um livro de cânticos.
Enid tinha observado a cena dissimuladamente, surpreendida pela crescente atração
de seu filho mais velho por sua convidada e ficou divertida diante do desconcerto
refletido no rosto de King. Sorriu secretamente, olhando para o banco que os Valverde
ocupavam. Sim, Darcy também tinha visto e, a julgar por sua expressão, não tinha
achado muita graça.
Assim que saíram da igreja Darcy se aproximou e, tomando King pelo braço, o levou
para falar com seus pais.
— A perseverança desta moça é admirável — comentou Enid, — mas suspeito que o
interesse de King por ela é puramente físico. Atreveria-me a dizer que, no aspecto
romântico, Darcy lhe deixa completamente indiferente. Neste momento o único interesse
dos Valverde é unir ambas as famílias através do casamento de King e Darcy.
— Darcy é muito bonita e parece uma mulher inteligente — replicou Amélia
humildemente. — Estou certa de que King a acha muito atraente.
— É possível — disse Enid dando o tema por encerrado.
Estiveram falando com alguns amigos dos Culhane até que King conseguiu se
desvencilhar dos Valverde e se aproximou para lhes comunicar que o coche os esperava.
Desta vez levavam uma passageira a mais. A senhorita Valverde tinha tentado até
arrancar de King um convite para almoçar que, naturalmente, tinha aceitado encantada.
Acomodou-se junto dele e não parou de falar animadamente até que chegaram a Látego.
Amélia se apressou a descer do coche sem esperar que King se oferecesse para
ajudá-la. Logo se uniu ao grupo que caminhava para o alpendre enquanto o vento do
deserto levantava redemoinhos de poeira.
— Se não se importar, ficarei aqui fora com King um pouco mais enquanto vocês
preparam a comida, senhora Culhane — disse Darcy com ar de superioridade, vestida no
seu resplandecente e elegante traje de tafetá azul e chapéu combinando. — Mamãe diz
que na cozinha não sirvo para nada.
«Aposto que não mesmo», pensou Amélia enquanto um sorriso teimava em aparecer
em seus lábios. Conteve-se e seguiu Enid ao interior da casa enquanto tirava o chapéu.

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Amélia Diana Palmer

— Não é necessário que mude de roupa, Amélia — disse Enid ao ver que se dirigia
para seu quarto. — Tudo já está preparado. Rosa faz a comida todos os domingos. Se
quiser, pode ir se refrescar e quando voltar comeremos.
— Não me importo em ajudar.
— Eu sei, querida — disse Enid lhe dirigindo um carinhoso sorriso. — Me faz muita
companhia e além disso me ajuda na casa em tudo que pode. Que mais posso pedir? É
uma moça educada! — acrescentou, e dirigiu um olhar ao alpendre onde se ouvia o suave
som do balanço.
— Está bem. Volto em seguida — apressou-se a dizer Amélia, querendo apenas
desaparecer dali. Era evidente que Darcy não era do agrado da senhora Culhane.
Enquanto isso, Darcy, sentada no balanço do alpendre, olhava pensativamente o
horizonte e King fumava.
— Preferiria que não fumasse — disse com impaciência. — Odeio o cheiro desses
cigarros!
— Pois se sente mais longe — replicou ele sem se alterar e sorrindo.
— Suponho que se quiser desfrutar do prazer de sua companhia não terei outro
remédio a não ser me acostumar — respondeu ela com cara de mártir.
«Se isto for prazer, não quero pensar como será a dor», disse King. Ela estava
rígida como uma tábua e era evidente que estava irritada com o cigarro que ele tanto
gostava de fumar e, ainda assim, se esforçava em aparentar sentir prazer em estar com
ele. Havia-se sentido ameaçada ao vê-lo com Amélia na igreja aquela manhã. Estava com
ciúme e tinha vindo disposta a mostrar que ela era um melhor partido.
King já sabia de tudo aquilo e não tinha intenção de se casar com Amélia Howard.
Entretanto, tinha que reconhecer que fora muito agradável segurar a mão de Amélia
entre as suas. Lembrou a suavidade de sua pele sob seus lábios na noite anterior e seu
olhar compassivo ao descobrir que estava ferido.
Viu que Amélia se aproximava da porta para os chamar para almoçar. Por acaso
pensava que ele era tão fraco a ponto de cair em sua rede? Fazia planos de casamento?
Não podia permitir, sobretudo agora que sabia que o fazia perder a cabeça.
Jogou o cigarro no chão, inclinou-se e trouxe para si uma surpreendida Darcy. Com a
certeza de que Amélia estava olhando e pelo seu bem, beijou Darcy com toda a paixão
de que foi capaz. Não sentiu absolutamente nada, mas nem Amélia, que os observava
abertamente da porta, nem Darcy podiam saber.
— King! Que fogoso está hoje! Vai me despentear — exclamou Darcy, surpresa.
King tinha levantado a cabeça a tempo de ver Amélia entrando na casa. «Missão
cumprida», pensou. Ajudou Darcy a levantar-se e disse:
— Vamos, a comida já deve estar na mesa. Estou certo de ter visto a senhorita
Howard na porta.

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Amélia Diana Palmer

— Sim? — limitou-se a dizer Darcy com um frio sorriso. — Espero que não tenha
ficado embaraçada — mentiu.
King não respondeu. Pegou-a pelo braço e entraram na casa. Seu rosto inescrutável
não revelava nenhuma emoção.

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 6

Aquele foi o pior domingo de que Amélia se lembrava. Quando King acompanhou Darcy
de volta a seu rancho já tinha escurecido. Por precaução, Amélia não se separou de Enid
durante toda a noite e se retirou para seu quarto cedo, sendo cuidadosa, não olhando e
nem dirigido a palavra a King. O beijo que tinha presenciado da porta tinha destruído
seus sonhos mais secretos. Se ele tinha pretendido acabar com suas esperanças, tinha
conseguido. Amélia estava cada vez mais surpreendida por sua atitude e decidiu que o
melhor, pelo menos até que ela esclarecesse seus sentimentos, era afastar-se de seu
caminho.
No lugar de ficar aliviado, o desprezo de Amélia produziu o efeito contrário em King.
Não podia suportar vê-la passar ao seu lado com os olhos fixos no chão para evitar
olhá-lo. Sabia que Amélia estava fazendo exatamente o que ele esperava e procurara,
mas começava a duvidar. O coração dava um salto a cada vez que a olhava. Ansiava que
seu pai retornasse o quanto antes e a levasse para longe de sua vida, para não se sentir
tentado nunca mais! Ele não queria saber nada de uma jovem aborrecida e covarde como
Amélia Howard!
Uma noite, terminou seu trabalho mais cedo que o habitual e chegou a tempo para
jantar com sua mãe e Amélia. O jantar transcorreu tranqüilamente e quando terminaram
se reuniu com elas na sala. Ficou folheando um jornal enquanto elas costuravam, mas não
conseguia se concentrar. A guerra dos Bóers ocupava as páginas centrais junto com o
caso de um homem condenado a morrer enforcado no Novo México por ter disparado
contra outro. Entretanto, não era capaz de manter os olhos fixos no jornal durante
muito momento. O corpo de Amélia, tão esbelto e delicado que parecia convidar que seus
braços o estreitassem, era uma visão muito tentadora.
— Seu pai deve estar perto de retornar, não é? — disse Enid a seu filho. — Disse
que ficariam fora só duas semanas, que já passaram.
Amélia empalideceu. Tinha estado tão ligada em suas próprias emoções que o tempo
tinha passado voando. Ficou tão nervosa que as mãos começaram a tremer e se picou
com a agulha. Gemeu e levou o dedo à boca para parar o sangue.
— Sente vontade de voltar para casa, Amélia? — perguntou a senhora Culhane.
— Na realidade, não é uma casa, é uma pensão — admitiu. — Papai quer comprar uma
casa, mas no momento moramos na casa que a senhora Spindle nos alugou. É muito
acolhedora e, além disso, cozinha para nós e o preço é muito razoável.
— Eu vivi nesta casa desde o dia que me casei — lembrou Enid. — O pai de Brant
tinha acabado de construí-la e estava muito orgulhoso dela. Durante algum tempo
ocupamos o quarto que agora é de King. A maioria dos rancheiros da área e suas famílias
assistiram a nossas bodas na mesma igreja que estivemos no domingo. Suponho que você
também pensa se casar ali, não é? — acrescentou olhando King.
— Se me casar — replicou ele secamente.

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Amélia Diana Palmer

— Aposto que Darcy quer uma grande festa — insistiu Enid.


— Não temos feito planos — grunhiu por trás do jornal.
— Ah, não? Achei que tinham tudo decidido. Darcy fala como se fosse assim.
Inclusive já decidiu as mudanças que vai realizar em minha própria casa — acrescentou
sem o olhar.
King suspirou. Há dias suspeitava que Darcy tinha incomodado sua mãe com algum de
seus irrefletidos comentários. Olhou para Amélia de relance, mas seu rosto não deixava
transparecer nenhuma emoção. Era incrível; nada parecia impressioná-la. Nada exceto
suas carícias, naturalmente.
— Importa-se de falarmos disso mais tarde? — perguntou King, deixando o jornal de
lado e ficando em pé. — Vamos dar um passeio, senhorita Howard. Pode terminar seu
trabalho em outro momento. Quero lhe ensinar uma coisa.
Amélia estava paralisada. Depois de haver-se traído no sábado de noite e no domingo
na igreja, a última coisa que desejava era ficar a sós com ele.
— Vá com ele, Amélia — interveio Enid sem levantar a vista de seu trabalho. — O
exercício lhe fará bem. As primeiras rosas começaram a florescer e de noite sua
fragrância é mais penetrante.
— Certo — concedeu ela a contra gosto. Guardou o trabalho e seguiu King um pouco
aturdida.
Realmente, as roseiras estavam florescendo. As rosas brancas eram as que mais se
destacavam na escuridão da noite, iluminada tão somente pela luz da lua.
— Por que foge, Amélia? — perguntou ele sem mais.
— Senhor Culhane, eu…
King a segurou por um braço e a trouxe lentamente para si. Seus olhos prateados a
olharam fixamente
— Diga meu nome — ordenou.
— King — sussurrou ela.
— Meu nome, Amélia, meu nome. Sei que sabe — insistiu.
— Jeremiah — disse docemente, levantando os olhos.
King sorriu satisfeito. Toda sua vida tinha odiado seu nome, mas na boca de Amélia
soava diferente.
— Amélia é seu único nome? — perguntou.
— Meu nome é Amélia Bernardette — respondeu ela.
— Amélia Bernardette — repetiu King, fascinado.
O nome sugeria a imagem de uma garotinha loira com tranças. Tentou afastar esses
pensamentos. Ele só tinha trinta anos. Por que tinha começado a pensar em formar uma
família agora?

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Amélia Diana Palmer

— Por que não voltamos para dentro? — sugeriu Amélia.


— Não até que me diga por que tem medo de mim.
— Você é como meu pai — soltou Amélia. — Tudo tem que ser feito a sua maneira e
não sente respeito por nada.
— E por que permite que seu pai lhe trate assim? É a imagem viva de um cordeirinho
assustado — falou, zombador.
— Você não entende.
— Acredito que odeia seu pai. Admito que é prepotente e que não trata os animais
com o carinho que merecem mas, enfim, é seu pai e lhe deve respeito. O que eu não
gosto de ver é como se acovarda quando ele fala com você. Não tem coragem?
— Atreveria-me a assegurar que sua senhorita Valverde tem coragem por nós duas —
replicou Amélia com dignidade.
— Certamente — falou ele levantando uma sobrancelha e sorrindo. — Eu gosto dos
animais e de mulheres de caráter.
— Para que? Para esmagá-los debaixo de sua bota?
— Acha que todos os homens são uns brutos?
— Alguns parecem — respondeu Amélia.
— Certas mulheres merecem — replicou.
Amélia tentou afastar-se, mas King a mantinha segura pelos ombros.
— Fique quieta — ordenou.
De repente lembrou que seu pai estava a ponto de retornar e esse pensamento a
deprimiu tanto que lhe as forças a abandonaram e ficou ali imóvel em frente a ele.
— Porque não melhora suas reações? — exclamou ele, exasperado. — O que faria se
a levasse para trás dos matagais e lhe fizesse uma proposta indecente, senhorita
Howard?
— Gritaria.
— E se não pudesse? E se minha boca sobre a sua a impedisse?
Amélia sentiu seu fôlego junto a seus lábios. Queria fugir e queria ficar. As
lembranças do roçar de seus lábios sobre seu braço, seu cabelo em desordem e a camisa
aberta na noite do tiroteio ocupavam sua mente e a impediam de mover-se. Sem forças
para protestar, contemplou como sua boca se aproximava perigosamente.
Suas mãos, fortes embora ásperas, acariciaram seu formoso rosto oval e a obrigaram
a levantar a vista.
— Sua boca me lembra a flecha do Cupido — sussurrou. Seus dedos a acariciaram
lentamente —. E treme quando a tomo sobre a minha. Pergunto-me se treme de medo ou
se por algo mais.

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Amélia Diana Palmer

Pela última vez, Amélia tentou recuperar o bom censo. Pensou em Darcy, sua noiva.
Certamente se tratava de outro de seus truques sujos para rir dela e humilhá-la. Não
podia permitir. Apoiou suas mãos sobre seu peito e tentou lhe empurrar mas ele parecia
um carvalho de profundas raízes e nem sequer se mexeu.
— Shhh — sussurrou.
Voltou a lhe acariciar o rosto enquanto seus olhos fixavam-se insistentemente em sua
boca.
— No sábado de noite e no domingo na igreja havia fogo ao redor de nós. Quero ver
se queima, Amélia. Quero ter minha boca sobre a sua e prová-la como a uma maçã
amadurecida.
Enquanto falava, inclinou-se e apoiou seus lábios sobre os dela. Vacilou um momento
ante o fraco protesto dela, mas em seguida percebeu que deixava de resistir. Sentiu
como suas mãos seguravam sua camisa e a soltavam devagar quando voltou a beijá-la
carinhosamente.
— Não lhe farei mal — sussurrou.
Tomou os braços de Amélia e os colocou ao redor de seu pescoço. Suas mãos
ardentes percorreram suas costas e se detiveram em sua cintura enquanto a estreitava
contra si. Amélia se perdeu entre seus fortes braços e o calor de seu peito.
Nunca tinha estado tão perto de um homem e isso lhe provocava sensações novas e
inquietantes. Parecia que toda sua vida dependia daqueles lábios que, pouco a pouco,
apropriavam-se dos seus. Os lábios dele tentavam vencer sua resistência e penetrar em
sua boca. Tanta intimidade fez com que as pernas começassem a tremer e tentou voltar
a si. King afrouxou um pouco a pressão de seus braços e a olhou, mas desta vez não
havia sinal de brincadeira ou má intenção em seus olhos.
— Sua boca é suave como uma pétala de rosa — murmurou. — E tem sabor de
inocência, Amélia. Inocência e terror virginal.
— Por favor, já é suficiente…
— Por que não quer que prossiga?
— Por… por causa da senhorita Valverde — murmurou com um fio de voz.
— Um simples beijo não deve ser confundido com uma proposta de casamento —
replicou King. — Deixe que te dê pelo menos uma pequena amostra, se isto a faz sentir
mais cômoda. Vamos, venha aqui, Amélia.
Voltou a beijá-la, desta vez carinhosamente, esperando sua resposta. Amélia se
rendeu à carícia daqueles peritos lábios e deixou de resistir. Surpreso diante de sua
inesperada entrega, King a fez levantar a cabeça para explorar melhor aquela boca tão
dócil. Rodeou-a com seus braços e Amélia, esquecendo suas reservas iniciais, acariciou-
lhe a nuca e o cabelo.

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Amélia Diana Palmer

Sentiu a mão de King em sua garganta e apoiou a cabeça sobre seu ombro enquanto
aquele beijo que parecia não ter fim seguia lhe provocando as sensações mais intensas
que tinha experiente até então. Quando finalmente King se separou, Amélia estava a
ponto de chorar. As lágrimas a impediam de ver e o coração batia tão forte que quase
doía.
Em troca, o rosto de King refletia uma indiferença que não agradou Amélia.
— Quer que eu a solte? — perguntou ele, divertido.
Amélia não conseguia articular uma palavra. Estava fascinada e aturdida, embora, a
julgar pela expressão de King, aquele beijo não tinha significado nada para ele. Só tinha
sido um no meio de tantos, nada especial. Afastou-se e desta vez ele a soltou. Acendeu
um cigarro e começou a fumar tranqüilamente com os olhos fixos no horizonte enquanto
Amélia tentava recuperar o fôlego.
Uma vez mais se comportou como uma tola. Quando ia se dar conta de que King
gostava de vê-la sofrer? Esperava ter aprendido a lição. Suspirou e lentamente se
encaminhou para a casa. King a alcançou com duas rápidas passadas e a deteve. O aroma
do tabaco chegou-lhe ao nariz misturado com a fragrância das rosas.
— Sua boca a delata, senhorita Howard — disse. — Se não quer que minha mãe
comece a fazer conjecturas é preferível que fique aqui fora um pouco mais.
Aquele comentário foi tudo o que precisava ouvir para se convencer de que ele havia
tornado a brincar com ela. Sentou-se no balanço do alpendre desejando que a deixasse
em paz, mas ele se posicionou atrás e impulsionou o balanço lentamente. Sua postura
rígida e a palidez de seu rosto falavam por si só. King se inclinou para trás para
observá-la até que conseguiu deixá-la ruborizada e retorcendo as mãos pela raiva
contida.
— Darcy gosta que lhe dê presentes e está realmente interessada em meu dinheiro e
no bom nome de minha família, mas não suporta que a toque — disse King.
Amélia sentia um nó na garganta que lhe impedia de falar.
— Sei que com o tempo aprenderá a me amar — continuou. — Provém de uma família
muito antiga que chegou aqui quando os primeiros espanhóis começaram a povoar o
território. Como a minha, sua vida gira ao redor desta terra. Permita que lhe diga que
você não durará muito por aqui, senhorita Howard. Você é muito dócil e delicada para
enfrentar os rigores do Texas.
— Provavelmente tem razão — replicou Amélia apertando os dentes.
— Saiba que entre um homem e uma mulher há coisas mais importantes que os beijos
e o carinho — acrescentou King forçadamente. — Terá que ter em conta as origens e os
interesses comuns. Darcy monta a cavalo melhor que um vaqueiro e dispara como um
soldado. Tem a língua afiada, mas sabe se comportar como uma perfeita anfitriã quando
é necessário.
— Sem dúvida é a mulher perfeita para você, senhor Culhane — replicou Amélia com
secura. — Todos nós sabemos.

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Amélia Diana Palmer

— Simplesmente gosto de beijá-la e me atreveria a dizer que você também sentia


certa curiosidade. Foi mais agradável que com qualquer outra, porque não tenho nenhuma
obrigação para com você. Tem uma boca fascinante, mas repito que atuei movido por
simples curiosidade da minha parte, não há nada mais.
— Também estava ciente disso — disse Amélia sem sequer lhe olhar.
King ficou olhando, tentando adivinhar seu pensamento. Tanta dureza o teria
confundido se não se lembrasse perfeitamente da apaixonada resposta a seus beijos
minutos antes.
Tinha sido uma loucura se deixar levar daquela maneira. Agora teria que tentar
fazê-la entender que não tinha nenhum interesse nela.
Não deveria tê-la beijado. Afinal, era uma menina, mas o desejo ia crescendo dia a
dia, semana após semana até que não pudera conter-se por mais tempo. Ia ser difícil
esquecer a paixão e a entrega de Amélia. Estava certo de que cada vez que tocasse
Darcy se lembraria de Amélia.
— Espero que entenda a situação — disse.
— Certamente — replicou Amélia levantando-se. — Boa noite, senhor Culhane.
Entrou na casa sem olhar para trás. Tinha certeza que Enid saberia dos beijos de
King pelo seu rosto assim que a visse, assim que se despediu dela da porta da sala e
correu para se encerrar em seu quarto, tremendo dos pés a cabeça. Sentia paixão
frustrada e raiva contida. Quando ia deixá-la em paz? Não queria lhe ver nunca mais!



Quinn acompanhou o rapaz mexicano a Juarez e o deixou aos cuidados de duas


mulheres que asseguraram conhecê-lo. Prometeu-lhe que sua família viria logo para lhe
buscar e partiu para Del Rio, a cidade onde tinha sido abandonado. Quando chegou, se
deteve em frente ao quartel do exército mexicano em busca de novas pistas sobre
Rodríguez.
Infelizmente, o oficial que o atendeu não dispunha de nenhuma informação. Corria o
rumor de que viram alguns de seus homens por Del Rio fazia pouco tempo. Aconselhou-
lhe que ficasse alguns dias em Del Rio enquanto tentavam obter nova informação.
Pareceu-lhe uma idéia excelente. Estava esgotado e precisava descansar alguns dias.
Dirigiu-se ao correio de telégrafos para comunicar a seu destacamento em El Passo que
ia realizar uma investigação em Del Rio.
Instalou-se em uma pequena pensão em que já se alojara em outras ocasiões. Sua
principal atração era que oferecia os serviços das melhores garotas da fronteira. Há
meses que não tocava uma mulher e, para variar, gostava de trocar seu rígido rifle pela
companhia de uma mulher entre seus braços. Custava admitir, mas ele também era de
carne e osso e tinha suas necessidades.

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Amélia Diana Palmer

Comprou uma garrafa de uísque e, discretamente, perguntou à mulher do proprietário


se havia alguma garota disponível. A mulher sorriu de orelha a orelha. Certamente que
tinha uma garota, uma que certamente ia gostar do americano. Era uma beleza mas
custava muito dinheiro: cinco dólares.
Quinn pagou sem pestanejar. Nunca tinha visto uma garota bonita naquele antro.
Certamente seria mexicana, como todas as demais, mas se a mulher houvesse dito a
verdade estava disposto a ter esse dinheiro bem empregado.
— Ali — disse mostrando a última porta do sujo e escuro corredor. — Boa noite,
senhor — acrescentou com um sorriso cruel.
Quinn franziu o cenho. Teria jurado que a mulher odiava a moça. Começou a suspeitar
de alguma coisa estranho.
Abriu a porta, entrou no quarto e a fechou com chave. O mobiliário se reduzia a uma
cadeira, a cama e uma estreita janela através da qual chegavam os ecos amortecidos das
risadas e das conversas na pensão.
Quinn tirou o chapéu e o deixou sobre a cadeira. Passou as mãos sob seu espesso
cabelo loiro e se aproximou da cama. Sobre uma colcha de cores vivas que cobria a
cama, estava dormindo uma bonita jovem de cabelo comprido e escuro. Tinha longas
pestanas, negras e espessas, e bochechas rosadas. Sua pele quase transparente
contrastava com os lábios de vermelho intenso. Vestia uma fina blusa como as que as
camponesas usam deixando visualizar os pequenos seios duros e firmes. De sua cintura
estreita saíam quadris arredondados e umas pernas longas e finas. Estava descalça.
«Bonitos pés», pensou Quinn.
Ajoelhou-se junto à cama e lhe acariciou os seios. Eram tão firmes quanto pareciam.
Não usava nada sob a blusa e o contato fez com que seus mamilos endurecessem. Gemeu,
moveu-se um pouco e seu rosto se contraiu em uma careta de dor.
— Acorda, lindeza — disse Quinn sacudindo-a lentamente. — Certamente, é uma
beleza.
Um minuto depois abriu os enormes olhos azuis. Quinn a olhou surpreso. Nunca tinha
visto uma mexicana de pele tão clara e olhos azuis.
A moça o olhou sem compreender. Separou seus lábios ressecados e tentou engolir
saliva, mas tinha a garganta seca.
— Água — pediu.
Quinn olhou ao redor mas não havia nada para beber. Tirou a garrafa de uísque e a
ofereceu.
— Minha cabeça dói — queixou-se ela, enquanto Quinn a ajudava a sentar-se.
Havia dito que a cabeça doía. Falava espanhol perfeitamente. Então tinha que ser
mexicana. O tom de sua pele devia ter alguma explicação. Na realidade, não importava
muito.
— Beba e não fale — disse.

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Amélia Diana Palmer

Ela o fez e começou a tossir, mas depois continuou bebendo. Tombou de novo sobre a
cama e perguntou:
— Onde estou?
— Você está em uma pensão em Del Rio — respondeu Quinn.
— Por que?
Quinn sorriu. Porque essa pergunta agora? Deixou a garrafa no chão e tomou seu
rosto entre suas mãos.
— Não me diga que não sabe — disse ironicamente.
Inclinou-se e a beijou. Ela tentou afastá-lo, mas ele não estava disposto a deixar
escapar uma boca tão apetitosa. Além disso, ela trabalhava ali. Do contrário, que
demônios fazia naquela casa?
Decidiu não fazer caso de seus protestos. Sabia que muitas prostitutas gostavam de
brincar, resistir no início, mas a brincadeira não costumava durar muito e no final os
resultados sempre eram melhores. Insistiu e finalmente seus lábios colaram nos dela.
A garota voltou a protestar quando acariciou seus seios, mas ele a tranqüilizou com
outro beijo suave. Tentou lhe arranhar, mas se acalmou quando Quinn deslizou sua mão
sob a blusa.
— Parecem maçãs — sussurrou Quinn. — Tem seios perfeitos. Quero tê-los em
minha boca e acariciá-los com minha língua.
Ela gemeu ao ouvir suas palavras, por isso deduziu que falava inglês. Desabotoou o
laço que fechava sua blusa e a abriu. A visão dos seios tenros e brancos coroados por
dois pequenos mamilos de cor parda o fez conter a respiração.
— Meu Deus — murmurou roçando-os com a ponta dos dedos — em minha vida nunca
tinha visto alguma coisa assim!
A moça estava tão aturdida que não podia articular uma palavra. Durante um
momento, Quinn se limitou a contemplá-la fascinado. Quando começou a percorrer
lentamente aquelas curvas perfeitas, soube que ela se entregaria sem mais reserva.
— Sente-se, pequena — sussurrou, ajudando-a e tirando sua blusa.
— Agora vamos passar um bom momento você e eu — acrescentou, inclinando-se de
novo sobre seus seios. — Vou fazer com que dure a noite toda.
Segurou-a pela nuca e a obrigou a arquear o corpo enquanto contnuava beijando-a.
As sensações a fizeram sentir como se flutuasse. Suas pernas pesavam e sentia cócegas
no estômago. Enquanto aquelas ásperas mãos percorriam seu corpo sedoso começou a
pensar que não deveria permitir que um estranho a acariciasse daquela maneira. Naquele
momento, Quinn deslizou uma mão sob sua saia e a tocou onde ninguém havia tocado
antes.
Emitiu um gritinho e tentou reunir forças para obrigar aquela mão a retirar-se, mas
estava paralisada. Abriu os olhos e tentou dizer alguma coisa, mas Quinn foi mais
rápido.

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Amélia Diana Palmer

— Aqui? — perguntou, tocando-a outra vez.


Tocou, acariciou e provou o quanto quis daquele corpo que se entregava e não se
deteve até ouvi-la soluçar lhe pedindo mais. Cada vez que a paixão parecia apagar-se,
Quinn a acendia de novo. Tinha perdido completamente o domínio de si mesmo quando
Quinn a tombou lentamente sobre a cama e lhe separou as pernas.
Estava tão excitada que a primeira estocada, embora um pouco brusca, transportou-a
para além de seus sentidos. Quinn guiou seus movimentos lhe sussurrando doces palavras
ao ouvido enquanto a sensação de vertigem aumentava mais e mais. Ela estremeceu sob o
insistente movimento de seus quadris e se agarrou a ele como uma náufraga a um salva
vidas quando o prazer invadiu todo seu corpo. Quinn abafou seus gemidos com um beijo
enquanto lutava por satisfazer seu desejo. Quando conseguiu, arqueou o corpo e ofegou
de uma maneira que a moça achou excitante.
Finalmente, Quinn se deixou cair a seu lado tentando recuperar o fôlego. Em todos
aqueles anos tinha estado com muitas mulheres mas nenhuma como esta. Seu corpo era
tão perfeito que parecia irreal. Havia-lhe custado muito se separar dela, e inclusive a
manteve a seu lado; não se atrevia a soltá-la. Passou uma perna sobre seus quadris para
retê-la junto a ele e a moça retomou seus protestos.
— Senhor…
— Durma, pequena — interrompeu Quinn. — Não me peça que a deixe partir agora
porque não poderia fazê-lo mesmo que minha vida dependesse disso. É deliciosa —
murmurou lhe roçando a boca com a sua. — É minha garota.
Muito cansada para discutir, ela fechou os olhos e se apertou contra ele.
Na manhã seguinte, Quinn despertou com uma terrível enxaqueca. Tentou mover um
braço mas um peso inerte sobre ele o impediu.
Sentido-se confuso, se voltou e se deparou com um espetáculo radiante sob a luz que
entrava pela janela; uma jovem com um corpo simplesmente perfeito jazia nua a seu
lado. E imediatamente compreendeu porque tinha tido que pagar tanto por ela.
Desgraçadamente, já era muito tarde.

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 7

Alan e Brant Culhane e Hartwell Howard retornaram ao rancho após duas semanas de
sua partida. Uma tarde, Amélia e Enid estavam sentadas no alpendre conversando quando
viram se aproximar uma nuvem de poeira e três homens a cavalo. Foi então que Amélia
soube que sua breve pausa tinha terminado. Isso significava que teria de se afastar de
King e voltar para o lado de seu pai.
«Dá na mesma», pensou resignada. Não tinha sido capaz de olhar King nos olhos
depois daquela noite. Ele parecia não se importar e a tratava friamente, lhe devolvendo
desprezo em troca de seu ardor e entrega. Pelo menos Enid a tratava como sua própria
filha. Agora teria que fazer as malas e retornar à pensão. Temia as bebedeiras de seu
pai, mas sabia que estava a salvo enquanto existisse o perigo de que os vizinhos
ouvissem. O que ia ser dela quando se mudassem para a nova casa que Hartwell Howard
se empenhou em comprar?
Enid leu o terror refletido no rosto de Amélia e perguntou carinhosamente:
— As coisas em casa estão muito mal?
Amélia teve que se esforçar para não soltar o pranto. Forçou um sorriso e respondeu:
— Passei dias maravilhosos com vocês. Sinto ter que partir. Mas, claro, também
senti falta do meu pai — mentiu.
— Sei — assentiu Enid.
O olhar aterrorizado de Amélia lhe dizia que alguma coisa ia mal. Se tivesse decidido
confiar nela! Estava certa de que seu conselho poderia ter sido de grande ajuda. A
atitude adotada pelo King não tinha facilitado as coisas e já era muito tarde. Era
estranho, mas quando tinha começado a acreditar que seu filho mais velho começava a se
interessar por sua convidada, havia tornado a se mostrar descortês e mal educado.
Os três cavaleiros desmontaram ao chegar junto do alpendre. Dois empregados do
rancho foram se ocupar dos cavalos enquanto um radiante Brant Culhane se encarregava
de levar a caça à cozinha.
— Tivemos sorte — disse Brant depois de beijar carinhosamente a sua mulher na
face. — Trouxe a pele para King — acrescentou, sinalizando para a pele de cor amarela
que descansava sobre sua sela.
Amélia adivinhou que estavam falando do animal selvagem que tinha dizimado seu
gado.
— Tem uma aparência boa, querido — brincou Enid. — Aposto que comeu até
explodir.
Hartwell Howard parecia muito cansado. Levou a mão à cabeça e grunhiu:

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Amélia Diana Palmer

— Acho que estou perdendo a habilidade. Não acertei nenhum de meus disparos.
Tudo o que lembrarei desta expedição serão longas jornadas a cavalo e minhas dores de
cabeça.
Brant e Alan se entreolharam. As dores de cabeça do Hartwell Howard e o remédio
que tomava para aliviá-las tinham dado mais preocupação durante a viagem, para não
falar de seus repentinos acessos de mau humor.
— Vimos seu irmão nas montanhas Guadalupe — disse Brant a Amélia. — Persegue um
foragido mexicano por todo o estado. Tinha muito bom aspecto. Penso que a vida de
soldado lhe faz bem.
— Concordo — falou Amélia. — Olá, pai.
— Espero que tenha se comportado enquanto esteve aqui. Não quero que Enid pense
que minha filha é uma preguiçosa — disse, enquanto descarregava seu cavalo.
— Engana-se, senhor Howard — replicou Enid. — Amélia me ajudou muitíssimo.
Deveria estar orgulhoso de ter uma filha tão boa.
Hartwell lhe dirigiu um sombrio olhar, mas mordeu a língua.
— Esta noite voltaremos para casa — anunciou. — Amanhã tenho que trabalhar.
— Por que não ficam para passar o fim de semana conosco? — sugeriu Enid.
— De maneira nenhuma. Tenho uma montanha de correspondência atrasada —
respondeu Hartwell. — Já sabem que ocupo um posto de grande responsabilidade no
banco, sorte da minha filha. Se não a vigiasse severamente gastaria todo o dinheiro em
caprichos desnecessários.
Amélia apertou os punhos. O que seu pai acabava de dizer era uma grande mentira,
como quase tudo o que dizia ultimamente. Estava muito pálido e tinha os olhos frágeis.
Amélia sabia o quão perigoso podia ficar se lhe contradissesse quando ficava assim.
Suportou em silêncio a dor que aquele infame insulto tinha produzido e decidiu não dizer
nada.
Enid se compadeceu de Amélia. A pobre garota não tinha tido remédio a não ser se
adaptar ao que seu pai esperava dela: uma filha dócil, obediente e totalmente
dependente. O que havia no Hartwell Howard que aterrorizava tanto a sua própria filha?
Por mais que tivesse tentado, Amélia tinha se negado a falar do assunto.
Hartwell monopolizou a conversa durante o resto da tarde, se queixando
constantemente dos inconvenientes da viagem e relatando histórias que o tinham deixado
de mau humor, como quando um índio se aproximou do acampamento uma noite para lhes
pedir um pouco de café. Os Culhane não o interromperam por educação, mas pensaram
que era um homem muito mal educado. Amélia desejava dizer a seu pai que fechasse a
boca, que estava fazendo um papel ridículo. Quisera poder se desculpar em seu nome,
mas sabia que ambas as coisas o zangariam ainda mais.
— Ted gostou muito de Amélia — comentou Enid enquanto estavam sentados no
alpendre tomando café e bolos.
— Ted? Que Ted? — perguntou Hartwell.

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Amélia Diana Palmer

Enid lhe falou da festa na casa dos Valverde e Amélia tremeu de medo.
— Eu não gosto de Ted Simpson — admitiu Hartwell abertamente. — Sua família está
situada na parte mais baixa da escala social e me atreveria a assegurar que ocupam mais
ou menos a mesma posição na escala evolucionária. — pôs-se a rir a gargalhadas,
achando sua piada muito engraçada. Nem sequer se deu conta de que ninguém o seguia.
— Ted não tem a reputação muito boa — interveio Alan. — Preferia que evitasse
contato com essa gente, Amélia. Uma flor tão delicada não deveria cair nas mãos desse
bruto. — acrescentou, galante.
Amélia lhe agradeceu com um sorriso afetuoso. Alan era um encanto e felizmente não
se parecia em nada com seu irmão.
— Obrigada — murmurou timidamente.
— É claro que sim — interveio seu pai —, e espero que o agradeça como é devido.
Alan lhe convém. Na realidade, acredito que é o marido perfeito para você.
Alan sorriu de a orelha a orelha, Amélia não pôde evitar ficar ruborizada ante a
inoportunidade do comentário.
— Bem dito, senhor — disse Alan. — Estou certo, que se me permitir isso, eu
gostaria de levar Amélia a um concerto no sábado à noite. Prometo tratá-la com o
máximo respeito e retornar à uma hora prudente.
— Certamente, rapaz. Tem minha permissão.
Amélia pensou que teria sido uma boa idéia que, como parte diretamente afetada,
alguém tivesse pedido sua opinião. Entretanto, um simples olhar de seu pai foi suficiente
para persuadi-la a não perguntar nada.
— E agora devemos ir — disse Hartwell, levantando-se. — Obrigado por tudo.
Amélia, agradeça a estes senhores — ordenou.
— Sim, papai — respondeu, apressando-se a fazê-lo.
— Venha nos visitar quando quiser, querida — disse Enid com ar de preocupação.
— Será um prazer — murmurou Amélia.
— Quer se apressar, Amélia? Não temos o dia todo!
Amélia deu um suspiro e os Culhane lamentaram em silêncio que uma moça tão
encantadora tivesse que suportar esse tratamento. Era compreensível que se mostrasse
tão reservada e assustada em sua presença. Se Hartwell Howard era tão desagradável
diante de estranhos, como devia ser quando se encontrava a sós com a Amélia?
Enid forçou um sorriso ao vê-los partir, esperando que Amélia decidisse ir a ela se
tivesse algum problema.
Amélia não pôde se despedir de King porque este ainda não tinha retornado. Amarrou
o laço do chapéu sob o queixo para evitar que voasse e agitou a mão em sinal de
despedida enquanto seu pai fustigava o cavalo sem piedade. O animal se revoltou e
Amélia apertou os lábios. Os Culhane tinham tido a gentileza de alugar esse cavalo e o
coche para que pudessem chegar em casa confortavelmente.

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Amélia Diana Palmer

Quando chegaram a El Passo, o humor de seu pai tinha melhorado sensivelmente.


— Parece que o jovem Alan começa a gostar de você. Quero que se comporte bem
com ele, jovem. Fiz alguns planos em longo prazo e pode ser que necessite da ajuda dos
Culhane. Seria perfeito se meu genro pertencesse precisamente a essa família. Além
disso, já tem idade para se casar e acredito que Alan é um excelente partido.
Amélia mordeu o lábio inferior até quase sangrar e apertou os punhos.
— Sim, papai.
De repente ele levou uma mão à cabeça e fez uma careta de desgosto.
— E quem te deu permissão para ir a uma festa?
Era a velha mudança de humor repentino de sempre. Assustada, engoliu saliva e
respondeu:
— Todo mundo foi, papai. Não podia lhes fazer essa desfeita.
Hartwell Howard não parecia muito convencido.
— Como foi parar perto desse tal Ted? — perguntou.
— Só dançamos — murmurou Amélia. — É um homem muito agradável, embora não
tanto como Alan. Alan é encantador.
Sua resposta pareceu satisfazer seu pai, que voltou o olhar ao empoeirado caminho.
— King foi com vocês? — perguntou ao término de um momento.
— Sim — respondeu. E se apressou a acrescentar: — Acredito que ele e a senhorita
Valverde estão comprometidos.
— Isso me deixa despreocupado. Esse rapaz é um arrogante, não é para você. Além
disso, moças insípidas como você não o atraem.
— Sim, papai.
— Brant comentou que sabe de uma casa a venda e o preço me parece razoável —
prosseguiu. — Amanhã irei jogar e darei uma olhada e se eu gostar ficarei. Quero que
faça as malas esta noite mesmo, entendeu?
Amélia deu um suspiro e tentou protestar.
— Mas na pensão estamos muito bem…
— A senhorita se tornou preguiçosa e não quer cozinhar nem se ocupar da casa, né?
É isso o que os Culhane lhe ensinaram?
— Isso é mentira! Ouviu Enid! trabalhei muito estes dias, sabe…? Oh!
Com os olhos cheios de lágrimas, Amélia levou a mão à bochecha procurando as
marcas da mão de seu pai.
— Não me responda — ameaçou. — Isso eu não permito a nenhum de meus filhos.
Amélia o olhou entre lágrimas, sentindo medo e ódio tudo de uma vez. «Meu Deus,
não. Outra vez não, por favor», suplicou. Ia ser sempre assim?

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Amélia Diana Palmer

A raiva se apropriou de seu pensamento.


— Se voltar a me bater de novo — advertiu-o — Direi a Alan que não quero vê-lo
nunca mais. — A voz tremeu um pouco, mas tinha reunido coragem para falar.
Surpreso, seu pai franziu o cenho enquanto procurava uma resposta adequada.
— Bom… mas não volte a me falar assim!
Amélia esfregou a face dolorida e fixou a vista no caminho.
— É minha cabeça, Amélia — disse seu pai. — Dói tanto que acredito que ficarei
louco e não posso… Oh! — exclamou soltando as rédeas e levando as mãos à cabeça. —
Deus, como dói!
— Deixe-me levar — disse Amélia, tomando as rédeas enquanto decidia que a
primeira coisa que ia fazer assim que tivesse um momento livre era consultar um médico.
Quando King retornou ao rancho aquela noite os Howard já não estavam mais ali.
Entrou na sala em busca de Amélia e não pôde evitar franzir o cenho ao encontrar ali a
seu pai e seu irmão mais novo.
— E então? Não nos dá as boas-vindas, rapaz? — disse seu pai, levantando-se para
apertar sua mão. — Olhe, trouxe um presente — acrescentou, mostrando a pele.
— Vejo que o apanharam — replicou com um sorriso. — Sabia que conseguiriam.
— Foi papai — reconheceu Alan. — Eu disparei duas vezes mas não deu.
— Se, para variar, tirasse a poeira dos óculos e colocasse sobre o nariz, talvez
desse mais sorte — brincou King. — Me alegro que estejam de volta.
— Não vai perguntar pela Amélia? — interveio Enid.
— Não sou cego. Já vi que não está aqui. Suponho que voltou para sua casa —
replicou com indiferença. — O que tem para jantar? Estou morrendo de fome!
— Me acompanhe à cozinha e prepararei alguma coisa.
— Alan e eu ficaremos aqui tomando uma taça de licor enquanto você janta — disse
Brant, adivinhando o pensamento de sua esposa.
— Acho que será melhor — respondeu ela.
Acendeu um lampião e se dirigiu para a cozinha seguida por King.
— Quisera tivéssemos gás, como em El Passo — queixou-se enquanto avivava o fogo
para esquentar o guisado. — Preparei café. Gostaria de uma xícara?
King se serviu de café.
— Hartwell mantém a pobre Amélia aterrorizada — comentou sua mãe.
— Não é problema nosso — replicou ele secamente.
— Pode ser que sim. Alan se ofereceu para levá-la ao concerto no sábado à noite.

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— Com a aprovação de seu pai, suponho — resmungou King muito sério. — Pois não me
parece bem. Não desejo uma mulher como essa nem a meu pior inimigo, e muito menos a
meu próprio irmão.
— É injusto o que você disse — falou Enid com firmeza. — Você só vê a atitude que
seu pai a obriga adotar diante dos outros! Mas é uma moça inteligente e tem caráter.
— Acredito que assassina alguma coisa em francês — admitiu King —, mas aposto que
o pouco que sabe foi Marie quem ensinou.
— Você devia ter sido mais amável com ela — suspirou Enid. — Tem um rosto tão
triste, a pobrezinha.
— Algumas mulheres fazem de tudo para apanhar em suas redes os pobres diabos que
cometem o engano de acreditar nelas.
— Refere-se a mulheres como a senhorita Valverde?
— Ela é assunto meu — replicou King.
— Advirto-o sobre isso, King. Caso se case com ela, irei embora desta casa —
ameaçou.
King a olhou divertido e sorriu.
— Meu pai alguma vez lhe deu umas boas palmadas?
— Uma vez tentou mas peguei a vara e fui eu que acabei batendo nele.
King meneou a cabeça e disse:
— A mulher com quem eu me casar terá que ser como você. Uma mulher dócil e
tranqüila me deixaria louco.
— Sei — falou sua mãe — Mas se assegure muito bem antes de dar esse passo, meu
filho.
King não respondeu. Serviu-se de uma segunda xícara de café e começou a comer o
apetitoso guisado.

Aquela noite, Amélia não pôde descer para jantar com o resto dos hóspedes da
pensão. A marca da bofetada que seu pai havia lhe dado ainda era muito visível e
desejava manter isso em segredo.
Sua mãe tinha ensinado que uma pessoa decente nunca lava as roupas sujas da família
diante de estranhos, que qualquer homem ou mulher que trai seu próprio sangue é capaz
do pior.
Permaneceu em seu quarto e duas horas mais tarde ouviu seu pai subir para deitar-
se. Felizmente estava muito bêbado para causar problemas. Ouviu quando se deixou cair
sobre o sofá da pequena sala e fechou os olhos dando graças a Deus de que, pelo menos
essa noite, ia poder dormir em paz.

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Amélia Diana Palmer

Na manhã seguinte ele levantou com uma terrível enxaqueca e não lhe dirigiu a
palavra durante o café da manhã. Entretanto, antes de ir trabalhar a lembrou que
fizesse as malas.
— Se tudo correr bem nesta mesma tarde a casa será nossa — disse, evitando olhar
para sua bochecha ferida. Embora as marcas fossem sumir, sentia-se culpado de ter
batido em sua filha.
— Certo — respondeu Amélia lentamente.
Quando finalmente a deixou sozinha, Amélia subiu para seu quarto para fazer a
bagagem com a secreta esperança de que a repentina idéia de se mudarem fosse só um
capricho passageiro. Talvez a casa fosse muito cara. Esse pensamento foi suficiente
para que seu humor melhorasse. Sem querer começou a pensar em King. Embora fosse
certo que, a sua maneira, tratava-a pior que seu pai, a cena do jardim voltava volta e
meia a sua mente. Por mais que ele se empenhasse em negar, tinha sentido paixão em
seus beijos. O ruim era que seu pai o odiava e, é claro, King a odiava também. Tinha
deixado bem claro que só a tinha beijado por curiosidade. Amélia sabia que era inútil
sonhar acordada, mas não podia pensar em nada mais.
Aquela tarde, Hartwell Howard retornou para casa com um humor muito estranho.
— Encontrei a casa perfeita — ele disse a Amélia assim que chegou. — Está
completamente mobiliada e, graças a nossa amizade com os Culhane, consegui a um preço
muito bom. Na segunda-feira fecharemos o contrato e na terça-feira já poderemos nos
mudar.
Amélia fez todo o possível por dissimular seu medo.
— Será que tem espaço suficiente para que Quinn possa vir morar conosco? —
perguntou.
— Por que Quinn ia querer viver conosco? — respondeu seu pai. — Ele prefere o
quartel. Já disse que é uma casa pequena, Amélia, não uma mansão. Com muita
dificuldade caberemos você e eu, mas no futuro quero receber visitas das pessoas mais
influentes da região, assim espero que você seja uma boa anfitriã. Nada de se
comportar como fez ontem. Sabe que eu não gosto de bater em você, mas uma filha
deve respeitar seu pai.
Amélia o olhou sem pestanejar.
— Outro dia li no jornal que as autoridades vão endurecer as penas contra os homens
que maltratam suas mulheres.
Como impulsionado por uma mola, Hartwell Howard se levantou de seu assento.
— Sabe perfeitamente que eu estava bêbado na noite que lhe bati com o cinturão! —
exclamou. — Além disso, me prometeu não voltar a mencionar o episódio.
— Ontem à noite não estava bêbado — replicou Amélia retorcendo as mãos.
— Ontem à noite se comportou como uma moça malcriada e teve o que merecia!

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Amélia Diana Palmer

Ao ver que seu rosto empalidecia e que levantava a voz ameaçadoramente, sua força
de vontade a abandonou. Ele tinha os olhos injetados de sangue, como um animal
selvagem disposto a se lançar sobre sua presa, e Amélia temeu ter ido muito longe.
— Quer que pergunte à senhora Spindle a que hora servirá o jantar? — perguntou.
Seu pai parecia absorto. Pestanejou e levou as mãos à cabeça fazendo uma careta de
dor.
— Como diz? O jantar? Sim, sim, vê…
Amélia se apressou a sair da casa, decidida a não aparecer por ali durante um bom
tempo. Quando se encontrou a salvo no corredor, apoiou-se contra a parede tremendo.
Cada vez mais ficava mais difícil suportar os desentendimentos e as humilhações, mas
sabia que seus protestos só induziam a mais violência. Há semanas que não era dono de
seus atos e, embora a bebida não fosse a causa direta, contribuía para piorar a
situação. Não estava bêbado na noite que tinha dado aquela grande surra, mas seu olhar
se tornou vidrado e parecia desfocado.
Nunca voltaria a ser o homem amável e bondoso de antigamente. As dores de cabeça
tinham aumentado em freqüência e intensidade e isso parecia ter afetado sua
personalidade e seu modo de se comportar. Tinha desafiado abertamente King e tinha
posto à prova a paciência do resto dos Culhane. Tinha humilhado a sua própria filha
diante de estranhos na noite que a tinha obrigado a tocar o piano. Antes da morte dos
gêmeos, seu pai tinha maneiras excelentes. No princípio, Amélia tinha atribuído a
mudança à bebida, mas com o tempo se deu conta de que bebia para aliviar as dores de
cabeça. Um médico tinha receitado um sedativo muito forte, de maneira que, ao
misturá-lo com o álcool, os resultados eram imprevisíveis.
Sentindo-se muito triste, dirigiu-se à cozinha para falar com sua senhoria.
Resignada, pensou que dar voltas nos problemas não seria de muita utilidade. Seu pai ia
de mal a pior e ela não podia fazer nada para evitar. Tampouco tinha para onde fugir, e
Quinn nem sequer imaginava a situação.
Alan era sua única salvação. Gostava dela e era um cavalheiro. Entretanto, não podia
se casar com ele. Não queria utilizá-lo para fugir de seus problemas e
responsabilidades. Consolou-se pensando que no sábado à noite iriam assistir juntos o
concerto e, se Alan consentisse, poderiam verificar se era mais que uma simples amizade
para que seu pai sossegasse.
King tinha assegurado que não ia permitir que se casasse com Alan, mas estava
segura de que Brant e Enid a apoiariam, o que deixava King em minoria. Se conseguisse
convencer seu pai de que seus planos a respeito do Alan e seus futuros negócios com os
Culhane iam de vento em popa, evitaria muitos problemas. No momento, sua maior
preocupação era ter que morar com seu pai naquela casa. Decidiu não pensar nisso.
Provavelmente ocorreria alguma coisa antes.
A esperança é a última que morre.

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Amélia Diana Palmer

O sol da manhã entrava através da estreita ventilação da casa. Os soluços sacudiam


o esbelto corpo da moça que Quinn havia possuído ardorosamente na noite anterior.
Jogou-lhe uma manta sobre os ombros e começou a vestir-se. Pensou que era muito
estranho que uma mulher que tinha aceitado voluntariamente aquela vida ficasse histérica
por ter dormido a noite nos braços de um homem. Durante um momento o tinha feito
acreditar que era virgem, mas estava certo de que qualquer mulher sabe o que se espera
dela quando decide trabalhar em um bordel, embora fosse a primeira vez que via uma
estrangeira em um bordel mexicano.
— Meu pai… o matará ! — exclamou ela ferozmente.
— Se gosta tanto de você, por que permite que trabalhe em um bordel? — falou
Quinn, já sentindo saudade dos doces momentos.
— Um bordel? — perguntou ela compreendendo por fim. — Isto é um bordel? Uma
casa de putas?
— Isso me parece — respondeu Quinn. — Não me diga que não sabia.
A moça mordeu o lábio e retornou seu pranto.
— Desonrada! — soluçou. — Meu paizinho e meus tios me amam tanto… e a mãe do
Manolito estava com ciúme. Meu irmão teve um acidente e nós fomos a Juarez para lhe
buscar. Manolito abandonou meu irmão no meio da montanha e pôs alguma coisa em minha
comida e já não lembro nada mais. Suponho que foi ele quem me trouxe aqui. Você me
comprou, senhor? — perguntou, enxugando as lágrimas e afastando do rosto uma longa
mecha negra de seu cabelo.
— Sim — respondeu Quinn.
A moça levantou a cabeça e disse, o olhando com orgulho:
— Então espero que ache que seu dinheiro foi muito bem empregado, senhor. Você
pagou por minha vida. Nego-me a continuar vivendo. Você fez de mim uma… puta.
Quinn se sentou na borda da cama junto a ela, mas a moça se separou dele
tremendo.
— Não seja tonta — disse Quinn. — Só você e eu sabemos o que aconteceu e eu juro
que por mim ninguém saberá. E não vê que eu também estou envergonhado do
acontecido? Se tivesse sabido não teria te tocado!
— Não?
Quinn a olhou e sentiu pena e remorso. Era muito jovem e muito bonita. Falava
espanhol como uma nativa e, entretanto, não era mexicana.
— Sinto muito — desculpou-se.
— E o que vou dizer ao meu pai? — gemeu ela secando as lágrimas com o dorso da
mão. — Estou certa que essa mulher aí fora contará tudo!
— Não dirá nada a ninguém. Eu me encarrego dela — ofereceu-se Quinn.

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Amélia Diana Palmer

— Não poderá comprar seu silêncio, senhor. Não é o tipo de mulher que se assusta
com um gringo, a não ser que se trate de um oficial do exército do Texas. Mas você não
é um deles, nota-se. Por outro lado, todo mundo teme meu pai. Direi quem é e não se
atreverá a dizer nada!
— E quem é seu pai? — perguntou Quinn.
— Emiliano Rodríguez, naturalmente — respondeu ela com orgulho.
Quinn nem sequer se atreveu a se mover com temor de se trair. Que sorte a sua!
Depois de meses seguindo pistas falsas tinha encontrado por acaso a filha do foragido
que procurava. Se mantivesse oculta sua verdadeira identidade talvez pudesse convencer
a moça a conduzi-lo ao acampamento. Nunca haviam dito que Rodríguez tinha família.
— Acho que o melhor será que eu mesmo a acompanhe a sua casa — sugeriu Quinn. —
Onde é?
— Em um pequeno povoado no norte.
— Como se chama? — perguntou.
— Malasuerte — respondeu a moça, sorrindo ante seu gesto cavalheiresco. — Não
importa, eu te guiarei.
— Por que vive no México se é estrangeira? — perguntou. — E como é possível que
seja a filha do Rodríguez?
— Sou mexicana — replicou ela. — Quero dizer que cresci aqui. Isso foi depois que
meu pai me salvou de meu padrasto. Estou vivendo aqui há seis anos, desde que tinha
dez anos, senhor.
— Então é filha adotiva do Rodríguez – murmurou Quinn pensativo. — E tem dezesseis
anos. Quem adivinharia? — acrescentou, lhe acariciando o cabelo. — É linda.
A moça baixou os olhos, envergonhada.
— Vista-se — ordenou-a Quinn. — Vou tirá-la daqui.

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 8

No sábado a noite Amélia tirou do armário o vestido de cor lavanda que tinha feito
para a festa dos Valverde. Estava completamente novo e era quase certo que nenhum
dos convidados da festa ia assistir ao concerto. O salário da família era muito modesto
para gastá-lo em vestidos de festa. Amélia tinha uma máquina de costurar, mas era
muito velha e não funcionava muito bem. De qualquer forma, nem sequer podia se
permitir comprar o tecido. Seu pai não lhe dava dinheiro para seus gastos e além disso
dizia que era uma vergonha que uma mulher trabalhasse, por isso Amélia nem sequer
podia lavar ou costurar para outras mulheres. Por isso tinha magoado muito que seu pai a
tivesse acusado diante dos Culhane de ser uma esbanjadora.
Teria que se conformar com o vestido lavanda. Afinal, Alan era só um bom amigo e,
felizmente, não lhe importava o que usasse. Os amigos nunca se preocupam com estas
coisas.
Alan chegou pontualmente e encontrou Hartwell Howard sóbrio e de excelente humor.
— Estaremos de volta em uma hora razoável — prometeu. — Como vai a compra de
sua nova casa?
— Já é nossa. Nos mudaremos na terça-feira.
— Se quiser, posso deixar algum de meus homens para que lhes dê uma mão com a
mudança — ofereceu Alan enquanto pensava que Amélia não parecia muito feliz.
— É muito amável de sua parte, rapaz — respondeu Hartwell. – Eu aceito.
— Bem, vamos? — disse Alan oferecendo o braço a Amélia.
O passeio até o teatro foi muito agradável e Alan não pôde evitar de elogiá-la.
— Está linda.
— Obrigada — respondeu Amélia. — Sua mãe me deu de presente o tecido. Foi muito
amável de sua parte.
— Já sei. King as acompanhou à festa dos Valverde, não é?
— Sim — disse Amélia, ficando tensa ao lembrar a cena do baile.
— Não faça essa cara. King tem um caráter difícil às vezes. É o melhor que eu posso
explicar por não querer nem vê-la.
— Não é necessário — replicou Amélia. — Ele mesmo já se encarregou de fazê-lo.
— Verdade? — exclamou Alan, surpreso. — Achei que nunca falava de Alice. Eu só
sei porque mamãe me contou.

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Amélia Diana Palmer

— Alice? — perguntou Amélia, segura de que se tratava de um mal-entendido. —


Esteve acompanhado toda a noite pela senhorita Valverde. Acredito que estão
comprometidos.
— Darcy — suspirou Alan. – Caso se case com essa mulher lamentará o resto de sua
vida. É evidente que não quer se arriscar a entregar seu coração a outra mulher.
Conduziu o coche ao longo da avenida que levava a casa de concertos, muitas pessoas
andavam para lá vestidas com suas melhores roupas.
— Como assim teve uma experiência desagradável? — perguntou Amélia, desejando
que diminuísse a velocidade para não ter que interromper a conversa em um ponto tão
interessante.
— Foi uma tragédia. King se apaixonou loucamente por uma moça chamada Alice Hart.
Ela só estava interessada em seu dinheiro, mas King estava tão cego que não se deu
conta até que era muito tarde. Alice tinha prometido se casar com ele e suspeito que
sua relação era mais íntima do que as famílias acreditavam. Em pouco tempo uma
epidemia dizimou nosso gado e o negócio começou a declinar. Alice, temendo que King
perdesse toda sua fortuna, fugiu com um duque inglês que acabava de se instalar em El
Passo. Ao término de uma semana, tiveram um acidente e morreram. Os meses que se
seguiram à fuga de Alice foram muito duros para King. Estava convencido de que ela
teria voltado para seu lado assim que se desse conta do engano cometido, e ele estava
disposto a perdoá-la. Mas também teve sua parte positiva. Foi a sua determinação de
não ser pobre outra vez que fez de Látego o que é hoje em dia. Meu pai estava disposto
a deixar que o negócio afundasse, mas King não permitiu.
— E essa tal Alice… era bonita? — perguntou Amélia.
— Parecia um anjo. Era a mulher mais bonita que vi em minha vida — respondeu Alan.
— Veja, Amélia, que King tem suas razões para desconfiar das mulheres bonitas e você
é uma delas. Está decidido a se casar com a Darcy por pura conveniência, mas não se
amam. Além disso, mamãe a detesta.
— Nunca se sabe — replicou Amélia. — Eu acredito que é a mulher perfeita para ele.
Alan não respondeu e a ajudou a descer do coche. Entre a multidão havia mulheres
vestidas com roupas luxuosas e Amélia se alegrou de ter posto seu vestido novo.
— Já já verá como você gostará. Ouvi dizer que a orquestra é muito boa e o
programa inclui minha sinfonia favorita: a novena do Beethoven.
— Oh, sim! — exclamou Amélia. — A que inclui o Hino à Alegria do Schiller.
— Mas, Amélia — disse Alan, arqueando as sobrancelhas gratamente surpreso —, não
sabia que estava familiarizada com os clássicos.
-Quinn gosta muito de música clássica e me ensinou alguma coisa — respondeu. —
Papai nem sequer queria que eu terminasse a escola. Pensa que as mulheres não têm
direito a receber uma boa educação.
— Vejo que você não é da mesma opinião.

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Amélia Diana Palmer

— Eu acredito que o cérebro de um homem e de uma mulher são exatamente iguais —


replicou o olhando nos olhos —, e que não se devem pôr limites às ânsias de saber de
ninguém, seja homem ou mulher.
— Tem razão — falou Alan. — Se bem me lembro, King comentou que fala francês. —
É verdade?
-Posso ler com bastante facilidade, mas demoro a entendê-lo se não falarem devagar
— respondeu Amélia, visivelmente incomodada pela pergunta. — Marie me ajudou a
aperfeiçoar meu acento, mas ainda devo melhorar muito.
— É uma mulher surpreendente, sabe? Quantos agora tem escondidas na manga?
— Não sou um poço de ciência precisamente.
— Que mais seu irmão lhe ensinou? — insistiu Alan.
— Um pouco de latim e grego — confessou. — E também entendo alguma coisa de
espanhol.
— É isso que chama ser uma ignorante? Por Deus! — exclamou Alan contendo a
respiração.
— Tenho facilidade para os idiomas, isso é tudo — disse. — E, por favor, Alan,
agradeceria que não mencionasse a ninguém esta conversa. Meu pai ficará furioso se
souber que Quinn e eu estivemos confabulando a suas costas. — retorceu as mãos
nervosamente.
«Não apenas bonita mas também inteligente», pensou Alan. Provavelmente não fosse
uma má idéia cortejar Amélia. Exceto por Ted Simpson, não havia nenhum competidor
sério à vista. E precisamente nesse momento viu Ted acompanhado de uma bonita jovem
morena, e isso não foi tudo o que viu: King e Darcy, muito elegantes, acabavam de fazer
sua entrada.
— Vamos? — perguntou antes que Amélia os visse.
Pegou-a pela mão, sentindo a suave força que transmitia e lhe sorriu enquanto
entravam na sala. Amélia não sentiu absolutamente nada enquanto Alan lhe segurava a
mão. Era uma lástima, porque teria sido um marido perfeito, mas as carícias e beijos de
King não se pareciam em nada com aquela cortês pressão sobre sua mão. King! Porque
tinha que pensar nele agora? Devolveu o sorriso a Alan e permitiu que retivesse sua mão
entre as suas enquanto o resto do público se apressava a ocupar suas poltronas.
— Olhe quem está aqui! — exclamou uma voz aguda a suas costas.
Amélia se voltou e viu Darcy e, a seu lado, King com cara de poucos amigos.
— Fico feliz de voltar a vê-la, senhorita Howard! Você está muito bonita. No dia da
festa todo mundo assegurou que este vestido lhe assentava maravilhosamente. O que
você me diz, King? Não é verdade que é uma preciosidade? Sua mãe foi muito amável ao
lhe dar de presente o tecido.

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Amélia Diana Palmer

Amélia desejou que a terra se abrisse sob seus pés mas agüentou com dignidade.
Cravou um fulminante olhar em Darcy até que esta, intimidada por aqueles enormes olhos
escuros que pareciam jogar faíscas, começou a ficar nervosa.
— Vamos nos sentar, King? — disse, querendo se afastar de Amélia o quanto antes.
– Fico contente de tê-los vistos.
Pegou lentamente o braço, mas King parecia absorto em seus pensamentos e nem
sequer a ouviu. Os comentários de Darcy tinham deixado Amélia ruborizada, mas não
havia sinais de covardia em sua silenciosa resposta, e sim uma dignidade e um orgulho
desconhecidos para ele. Não pôde evitar admirá-la pela forma como tinha suportado o
humilhante insulto.
— Acho que você está linda com esse vestido, senhorita Howard — murmurou
sinceramente enquanto seus olhos reparavam nas mãos enlaçadas de Alan e Amélia. —
Espero que se divirtam. Boa noite.
— Sinto muito — desculpou-se Alan apertando sua mão. — Darcy é uma autêntica
víbora. Como meu irmão pode estar tão cego?
— Quando está com ele não se comporta assim — replicou Amélia. — Não se
preocupe. Já me vi em situações mais incômodas que esta.
E era verdade. Em Atlanta seu pai tinha-a humilhado nos lugares mais inapropriados
e nos momentos mais inoportunos. Sua capacidade para suportar humilhações tinha feito
dela quase uma lenda por ali. Concentrou toda sua atenção na orquestra, que começava a
iniciar o concerto, e prometeu a si mesma não olhar para King durante toda a noite.
Durante o intervalo, Alan se ofereceu para ir buscar refrescos e a deixou sozinha
alguns minutos. Aproveitando que Darcy tinha iniciado uma animada conversa com duas
amigas, King saiu de seu lado e foi em busca de Amélia.
— Parece que esta noite vai chover — comentou quando chegou a seu lado.
— É o que parece — murmurou Amélia, sem se atrever a levantar a vista.
O céu estava coberto de nuvens escuras e dava para ouvir os sons das trovoadas ao
longe. Esfregou os braços nus com suas mãos enluvadas. Provavelmente seu pai já estaria
bêbado e a esperaria acordado…
— Oh! — exclamou se afastado bruscamente de King, que não tinha se contido e
acariciara-lhe o ombro.
Retirou a mão e a olhou com cenho franzido.
— Tudo lhe dá medo, inclusive uma simples tempestade?
Amélia baixou os olhos e se afastou um pouco mais dele.
— Senhorita Howard! — murmurou ele.
Amélia voltou a cabeça, lhe dirigindo um olhar acusador.
— Sua futura noiva está olhando, senhor Culhane — disse friamente —, e não tenho a
intenção de me tornar alvo de suas brincadeiras pela segunda vez esta noite. Se não se
importar, desejaria que me deixasse em paz.

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Amélia Diana Palmer

King afundou as mãos nos bolsos e a olhou nos olhos. A eletricidade que a tormenta
descarregava lá fora era insignificante comparada com o magnetismo que pareciam
experimentar um pelo outro. Amélia sentiu aumentar sua intensidade e se alarmou.
— Às vezes o destino joga pesado, não é verdade, senhorita Howard?
— Com certeza.
— Se meu irmão voltar a solicitar o prazer de sua companhia, diga que não — disse
de repente. — Não quero que se aproxime dele. Está claro?
Disse isso e retornou para junto de Darcy. Amélia teve que se esforçar para não lhe
jogar um cinzeiro na cabeça. Desesperadamente, procurou Alan com o olhar e comprovou
aliviada que se dirigia para ela.
— Aqui estão. As duas últimas garrafas — disse triunfante.
O refresco não estava muito gelado mas Amélia se sentia tão sufocada que esvaziou a
garrafa rapidamente. Quando terminou o concerto, Amélia tomou o cuidado de manter
uma distância prudente entre ela e King. Até que se viu instalada confortavelmente no
coche e a caminho de sua casa não respirou tranqüila. Não havia tornado a ver King
depois da breve conversa que tinham mantido durante o intervalo, mas não sentia nenhum
desejo de averiguar o que tinha sido dele. Era um alívio ver-se livre de seu escrutinador
olhar.
— Gostaria de ir a um piquenique no próximo fim de semana? — perguntou Alan. —
Conheço uma colina que tem uma linda vista e eu gostaria que me acompanhasse.
— Seu irmão me proibiu de voltar a vê-lo — respondeu Amélia sorrindo diante de seu
gesto de surpresa. — Sabe que não gosta de nos ver juntos. Acho que o melhor que
podemos fazer é não o irritar ainda mais — acrescentou resignada. — Além disso, Alan,
não tem sentido. É um bom amigo, mas entre você e eu nunca haverá nada mais. Neste
momento não procuro nenhum tipo de… relacionamento com nenhum homem.
— Meu irmão não é ninguém para me dizer como devo viver minha vida e com quem
devo sair — replicou Alan. — Eu gosto de sua companhia, Amélia, e espero que aconteça
o mesmo com você. Eu tampouco pensei em casamento ainda. Acredito que somos muito
jovens, mas não há nada de mal em passar um pouco de tempo juntos. E que King se
ocupe de seus problemas!
— Sabe que não se manterá indiferente. É igual a meu pai…
— King não se parece em nada com seu pai, Amélia — corrigiu Alan, suave mas
firmemente. — Acontece que você não conhece meu irmão. Só vê a imagem que oferece
aos outros, não o homem de carne e osso que há embaixo. Não é o que parece, e muito
menos um briguento.
— Comigo se comporta como um autêntico monstro.
— Certo, mas acredite, todos nós sentimos muito pela sua atitude. Mamãe acredita
que tenta dissimular a atração que sente por você — Alan sorriu.— E eu não estranharia
se fosse assim. É uma mulher encantadora, Amélia.

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— Uma covarde — replicou Amélia —. Isso é o que acredita que sou. Uma mulher
insignificante, aborrecida e desprezível. Com certeza, também acredita que sou uma
idiota.
— Disse isso a você?
— Estava falando com outra pessoa e eu ouvi. Sei perfeitamente o que pensa de mim!
E sua opinião pouco me importa!
Alan nunca tinha ouvido Amélia levantar a voz e começou a duvidar de que King fosse
o único que tentava pôr um freio a uma crescente atração.
— Vamos ao piquenique de qualquer maneira — insistiu. — Ou está com medo que King
se zangue?
— Está bem — suspirou Amélia, que era incapaz de não aceitar uma provocação —.
Se você não tiver medo, eu tampouco terei; mas tenho que pedir permissão a meu pai.
— Seu pai não se oporá — disse Alan, segurando as rédeas. — Com certeza. —
Amélia, sabe que seu pai tem umas mudanças de humor muito estranhas? — perguntou.
— Sim, já sabia.
— Também sofre com acessos de violência — acrescentou. — Uma noite começou a
açoitar uma mula e meu pai teve que lhe arrancar o chicote das mãos e lhe jogar no chão
até que voltou a si. Está ciente destes incidentes?
— É muito pior quando mistura álcool com os remédios que toma para aliviar as dores
de cabeça. Um dia me matará…
— Amélia!
— Não queria dizer isso — apressou-se a retificar levando a mão à boca. — Meu pai
nunca me faria mal. O que acontece é que me assusta quando grita. Por favor, esqueça o
que disse.
— Se o desejar… — concedeu, não muito convencido.
— Não conte a ninguém e muito menos a sua família! — suplicou. — Se meu pai
chegasse a inteirar-se de que eu…
— Não se preocupe, ninguém saberá — prometeu. — Já chegamos.
Alan a acompanhou até a porta. Tinha sido uma noite desastrosa. Só faltava que seu
pai estivesse bêbado. Entretanto, por milagre, não só estava sóbrio como de excelente
humor. Convidou Alan para entrar, ofereceu-lhe um brandy e lhe falou tão
carinhosamente que o jovem ficou convencido de que Hartwell Howard estava em seu
juízo perfeito.
— Faça o possível para que esta relação chegue a um pedido de casamento — ordenou
a Amélia quando Alan partiu. — Quero que se case com este rapaz.
Amélia tentou lhe explicar que não era possível, que nem podia nem queria amar Alan
Culhane, mas o olhar ameaçador de seu pai a fez desistir.

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— A verdade é que Alan é muito agradável — disse para contentá-lo. — Convidou-me


para um piquenique no próximo fim de semana. Dá-me permissão para ir?
— Um piquenique? Certamente. E agora vá para cama. – Amélia assim o fez,
agradecida de se ver livre da presença de seu pai. Uma vez em seu quarto, comprovou
que tinha as mãos frias como o gelo.
Na terça-feira, Alan e os rapazes trabalharam duro durante todo o dia ajudando os
Howard com a mudança. Hartwell Howard estava com um humor estranho e não deixou
de rir e brincar com todo mundo e, pela primeira vez desde sua chegada a El Passo,
Amélia teve a sensação de ter seu pai de volta. Esperançosa, pensou que estava
começando uma nova vida.
O resto da semana transcorreu tranqüilamente. Seu pai voltou a se comportar como
uma pessoa normal e as dores de cabeça tinham desaparecido. Entretanto, uma estranha
doença o prostrou na cama poucos dias depois de se mudarem para a nova casa.
Amélia não saiu do seu lado e esteve presente até que ele se encontrou melhor e
pôde se levantar, mas se sentia tão fraco que quando Amélia propôs chamar um médico
nem sequer reuniu forças para discutir com ela. Depois de o visitar, o doutor Vasquez
insistiu em falar com Amélia em particular.
— Nunca tratei um caso tão estranho — disse-lhe. — O brilho de suas pupilas indica
que sofreu um ataque, mas não há indícios de paralisia. Senhorita, aconselho-a que não o
perca de vista nem por um momento. Temo que o pior ainda está por vir.
— Não se preocupe, cuidarei dele.
— Manifesta um comportamento violento? — perguntou o médico.
— Bom… às vezes — titubeou Amélia.
— Descreva-o, por favor — pediu o médico, depositando sua maleta no chão de novo.
Amélia o fez, omitindo alguns detalhes porque se envergonhava de descrever ante um
homem inteligente e instruído que seu pai lhe dava surras com uma correia de couro, era
muita humilhação. Limitou-se a lhe falar da violência que exercia sobre os animais. O
médico escutou seu relato sem interrompê-la, mas quando concluiu parecia realmente
preocupado.
— Me escute — disse muito sério. — Se alguma vez precisar, embora seja a altas
horas da madrugada, não duvide em me chamar. Enquanto isso, lhe dê isto a cada noite
antes de deitar-se. É só um sedativo — acrescentou, lhe estendendo um frasco. — Não
lhe fará nenhum dano. Ao contrário, experimentará uma ligeira melhora, embora a
advirto que será só temporário.
— Você acredita que há algo mais que arrebatamentos de temperamento ruim, não é?
— adivinhou Amélia —. Tem alguma coisa a ver com as dores de cabeça?
— Exatamente — respondeu o médico. — Tudo vem do acidente que sofreu faz alguns
anos. Você é forte, senhorita? Acredita que poderá suportar más notícias?
— Sim — respondeu Amélia, o olhando.

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— Suspeito que se trata de um tumor cerebral — disse, e dirigiu um olhar à porta


fechada do quarto do Hartwell Howard.
— Como diz? — gemeu Amélia, procurando apoio na parede.
— Apresenta todos os sintomas. Se, como eu temo, é um tumor de desenvolvimento
lento, a pressão que exerce sobre o cérebro será cada vez mais intensa. Agora já sabe
a causa de suas mudanças de humor, os episódios de violência e as fortes dores de
cabeça que sofre. Sinto lhe dizer que, caso se tratar de um tumor, terá uma morte
prematura. E, a julgar pelos sintomas, não demorará muito em ocorrer. Deve estar
sofrendo terrivelmente.
Amélia fechou os olhos e estremeceu. Agora entendia por que tinha mudado tanto!
— Não há nada que possamos fazer? — gemeu, desesperada.
— Infelizmente, a medicina não avança tão depressa como queremos — respondeu o
doutor Vasquez tocando-lhe o ombro carinhosamente. — Se necessitar de ajuda posso
lhe enviar uma enfermeira. Não tem porque você suportar tudo isto sozinha. Tem
família, senhorita?
— Tenho um irmão mas…
— Deve lhe informar imediatamente da situação. Imagino que não ficará entre nós
muito tempo. Acaba de sofrer um forte ataque e seu cérebro pode ficar seriamente
prejudicado. Sobretudo, procure não ficar a sós com ele. Os pacientes em seu estado
costumam se comportar com extrema violência. Inclusive me atreveria a dizer que sua
vida corre perigo.
— Sim, sei — murmurou Amélia enquanto um calafrio lhe percorria as costas.
— Quer dizer que já aconteceu? — perguntou o doutor.
— Sim — respondeu ela após vacilar um momento. — Há um ano, quando vivíamos em
Atlanta, fugi de casa. Meu pai era um homem tão educado e amável que ninguém teria
acreditado se eu houvesse dito que ele tinha tentado me causar qualquer dano. Quando
me levaram de volta para casa me deu uma surra brutal. Às vezes diz que se arrepende
de tê-lo feito e outras vezes ruge que eu mereci isso. Foi assim desde que sofreu o
acidente — contou, aliviada por poder desabafar com alguém, enquanto grossas lágrimas
escorriam por suas faces. — Nunca tinha me atrevido a contar a ninguém. Envergonhava-
me dele e de mim mesma por lhe permitir que me tratasse dessa maneira, mas tinha
tanto medo…
— E com razão — replicou o médico. — Cada vez que o contradiz põe em perigo sua
vida. Senhorita, devo informá-la que existem instituições que tomam conta de doentes
como seu pai.
— Para que que todo mundo fique sabendo? Morreria de vergonha! — exclamou
Amélia.

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— Este mundo é como uma prisão, não é ? — lamentou-se o doutor, se compadecendo


da pobre Amélia. — O medo do que dirão dirige nossas ações e a qualquer momento
podemos passar da glória ao inferno por culpa das más línguas. Quisera que isto mudasse
algum dia!
— Isso espero — suspirou Amélia.
— E diz que não tem nenhum familiar ou amigo que lhe possa dar uma mão? —
insistiu.
— Meu irmão é oficial do exército do Texas e quase nunca está aqui. Não queria
jogar essa carga sobre suas costas.
— Pois terá que fazê-lo — replicou o médico com firmeza. – Ainda não se deu conta
de que se encontra em uma situação muito delicada? Dentro de poucos dias seu pai
estará tão gravemente doente que nem sequer poderá trabalhar, senhorita. O que fará
quando isso ocorrer?
Seu pai não ia poder trabalhar! O que ia ser dela? Onde ia encontrar um trabalho?
Do que ia viver? A situação era mais grave do que imaginava e sentiu que a vista nublava
e as pernas lhe falhavam. O doutor a ajudou a sentar-se e aproximou um frasco de sais
de seu nariz para reanimá-la.
— Sinto muito — desculpou-se. — Sinto muito, foram muitas más notícias de uma
vez.
— Compreendo. Agora devo ir. A senhora Sims está em trabalho de parto. Mas não
se preocupe, Deus velará por nós.
— Isso mesmo — respondeu Amélia, sorrindo entre lágrimas.

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CAPÍTULO 9

Naquela noite, Amélia foi incapaz de conciliar o sonho. Na manhã seguinte, seu pai
parecia se encontrar melhor, mas seguia com um humor estranho.
— Não me parece uma boa idéia deixá-lo sozinho o dia todo — disse Amélia antes de
Alan chegar.
— Tolice — grunhiu ele. — Você vai com Alan. Estou melhor e a cabeça quase não
dói.
— Fico feliz. Quer que eu vá procurar alguém para que fique com você? — sugeriu
carinhosamente.
— Desde quando preciso de um maldito intruso para que fareje em minhas coisas? —
gritou furioso enquanto começava a levantar-se da cadeira em que descansava. – Saia!
Fora daqui, menina estúpida!
Aterrorizada, Amélia correu escada abaixo se detendo apenas para agarrar sua bolsa
e sua sombrinha e saiu de casa como se uma matilha de cães raivosos estivessem em
seus calcanhares. Tremia dos pés a cabeça, mas procurou tranqüilizar-se antes que um
sorridente e jovial Alan detivesse o coche em frente a porta principal.
— Olá, querida —, saudou alegremente. Mas quando viu sua expressão perguntou,
alarmado —: Amélia! Aconteceu alguma coisa?
Amélia não imaginava que aspecto oferecia. Tremia como uma folha, estava pálida e
seus olhos escuros brilhavam como duas brasas ardentes.
— O que aconteceu? — insistiu ele.
— É meu pai… Não está bem.
— Sinto muito. Quer que entre para cumprimentá-lo?
— Não! — exclamou Amélia subitamente. — Não me parece uma boa idéia — ainda
tentando se acalmar. — Agora está dormindo mas eu gostaria de passar pelo consultório
do doutor Vasquez, se não se importar. Quero que mande alguém que cuide dele
enquanto eu estou fora. Eu não gosto de deixá-lo sozinho.
— Está bem, como queira, esteve doente?
— Sim, doente — respondeu Amélia, absorta.
Amélia contou ao doutor o que tinha acontecido momentos antes.
— Assim que puder irei visitá-lo — prometeu. — No momento, enviarei um enfermeiro
para que fique com ele durante algumas horas.
— O agradeço muito, doutor.
— Estará de volta antes que anoiteça?

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— Certamente.
— Devemos fazer alguma coisa e logo — disse o médico. — Você não pode continuar
assim. Sua vida está em perigo.
— Já sei — suspirou Amélia. — Mas é que não sei o que fazer! É um assunto
particular, compreende? Ninguém fora da família deve saber.
— É muito valente de sua parte aceitar o risco de cuidar dele.
— Não esqueça que se trata de meu pai, doutor — replicou Amélia. — Antes de
sofrer seu desgraçado acidente era um pai exemplar. É meu pai e o amo.
— Você é uma mulher admirável — disse Vasquez.
— Está enganado — respondeu ela ruborizando-se. — Sou bastante aborrecida.
Obrigado por sua ajuda, doutor.
— Farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudá-la. Bom dia.
Amélia voltou para o coche, onde Alan esperava, e se dirigiram aos subúrbios da
cidade.
— Algo vai mal, não é? — perguntou Alan.
— Sim — respondeu Amélia —, mas não posso lhe dizer do que se trata. Sinto, mas é
meu problema e devo solucioná-lo sozinha.
— Eu acreditava que os amigos são para ajudar quando necessitam deles — replicou
ele.
— Alan, só Deus pode me ajudar — suspirou Amélia. — E agora, esqueça e me fale
desse lugar tão bonito que vamos ver — respondeu forçando um sorriso.
Durante o fim de semana anterior tinha chovido abundantemente e as nuvens tinham
dado espaço a um esplêndido dia de primavera. O vale do rio Grande sofria uma forte
seca, por isso as chuvas da semana anterior tinham sido bem-vindas por mais de um
granjeiro da zona. Alan estava de bom humor e conseguiu que Amélia relaxasse e
esquecesse seus problemas durante algumas horas.
Tinha vestido para a ocasião uma saia de algodão azul, uma blusa branca e um chapéu
florido de abas largas para se proteger do sol. Alan vestia um traje cinza que realçava
seu porte atraente. Amélia pensou que era uma lástima que não estivesse apaixonada por
ele.
— A filha de Rosa preparou tudo isto para nós. Rosa está… indisposta — disse, sem
se atrever a mencionar diante de uma senhorita como Amélia que na realidade estava de
resguardo.
— Tudo tem uma aparência deliciosa — exclamou Amélia enquanto o ajudava a tirar o
conteúdo da cesta, que incluía, entre outras coisas, uma fina toalha de linho, taças de
cristal e uma garrafa de vinho.
— Não se preocupe. É um vinho muito suave, não ficará bêbada — disse Alan,
divertido ante sua expressão de surpresa. — Vamos, sente-se.

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Amélia sentou-se sobre a relva e tirou o chapéu para que a suave brisa do campo
acariciasse seu cabelo e seu rosto.
— Parece muito cansada — disse Alan. — Por que não me conta o que está
acontecendo?
— Já disse. Meu pai esteve doente.
— Vamos, Amélia…
— Basta de perguntas, por favor — suplicou ela apoiando uma mão sobre a dele. —
Não insista.
-Está bem — concedeu. — Prova um pouco de frango.
Tinham começado a comer quando ouviram o ruído de cascos de cavalo se aproximando
a grande velocidade, o que os sobressaltou. A silhueta de um esbelto cavaleiro com um
lenço branco e vermelho ao redor do pescoço e um chapéu negro se recortou no topo da
colina. Amélia sentiu que seu pulso acelerava. Inclusive, mesmo à distância, sua
arrogante postura era inconfundível.
— É King — murmurou.
— Eu sei. Acho que me disse que hoje tinha trabalho por aqui — disse Alan, tentando
parecer convincente.
— Lembra um personagem mitológico sobre um centauro — murmurou Amélia com a
vista fixa nele. — Monta maravilhosamente! — acrescentou sem querer.
— Quinn dizia que você também sabia montar, mas King nunca acreditou.
— O pai de minha melhor amiga tinha um picadeiro — respondeu Amélia, sorrindo ao
lembrar os bons momentos passados com sua amiga. — Eu adorava montar e todo mundo
dizia que o fazia muito bem. Até então papai era diferente. Ele mesmo me acompanhava
ao picadeiro e estava orgulhoso do que a mãe de Mary chamava meu «talento natural
para montar». Quando mamãe morreu e tive que cuidar da casa deixei de ir lá.
— Quando começou seu pai a mudar?
— Há alguns anos — respondeu Amélia com tristeza. — Antes não era assim, Alan.
A chegada de King interrompeu a conversa, para desgosto de Alan. King apeou
agilmente do cavalo e soltou as rédeas. Não havia perigo de que o animal fugisse já que
tinha sido treinado para que não se movesse do seu lado quando as rédeas tocassem o
chão.
— Sente-se conosco — convidou Alan. — Temos frango e bolachas.
— Tem café?
— Parece que sim — respondeu seu irmão mostrando a cafeteira.
King se acomodou sobre a relva e jogou seu chapéu para longe. Estava suado e
parecia muito cansado.
— Ainda não terminaram de marcar os bezerros? — perguntou Alan.

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— É uma tarefa muito pesada — respondeu King. — Isso é champanha? — perguntou


zombador olhando as taças vazias.
— É vinho — replicou seu irmão. — Não gosto de fazer limonada — acrescentou com
um sorriso.
— Me sirva alguma coisa para comer, Amélia — pediu King, apoiando-se em um grosso
tronco para observá-la.
Com mãos tremulas, Amélia fez seu prato enquanto ele a olhava com olhos brilhantes
e um malicioso sorriso desenhado no rosto.
Estendeu-lhe o prato que ele tomou roçando sua mão de propósito. Amélia se
apressou a se afastar com a desculpa de ir procurar um garfo, mas quando o estendeu,
King voltou a repetir o mesmo gesto. Amélia sentiu seu olhar cravado nela e começou a
tremer.
King entreabriu os olhos e seu sorriso desapareceu como por encanto. Sentou-se
muito reto, sustentando o prato e sem deixar de olhá-la enquanto Alan lhe servia uma
xícara de café.
— Café fumegante! — exclamou Alan aproximando-se.
Amélia aproveitou que King se voltava para seu irmão para afastar-se o mais longe
possível dele. Tentou comer um pouco, mas a emoção experimentada pelo cerco de King
tinha tirado o apetite.
Enquanto comiam, King e Alan discutiram sobre os problemas do rancho e os efeitos
da seca.
— Se não chover logo teremos que comprar feno para alimentar os animais — disse
King, depositando seu prato vazio sobre a toalha. — Esta maldita seca nos trará
problemas. Ordenei a meus homens que comecem a cavar outro poço na parte baixa dos
pastos.
— Parece uma idéia excelente — exclamou Alan. — É muito importante que o gado
tenha água suficiente — falou dirigindo-se a Amélia e sentindo-se culpado por havê-la
deixado de fora da conversa.
— Compreendo — disse ela.
King se apoiou de novo no tronco e acendeu um cigarro.
— Gosta de sua nova casa, senhorita Howard? — perguntou.
— É muito bonita — respondeu Amélia.
— Bonita e nada mais?
— Também está muito bem localizada.
Alan observou divertido como aquele curioso intercâmbio tinha incrementado a tensão
existente entre King e Amélia.

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— Alan — disse King, pegue meu cavalo e vá aos estábulos. – E diga a Hank que já
pode começar a marcar o grupo seguinte. Não lhe disse que vinha até aqui e deve estar
me esperando.
— É que… — vacilou Alan — eu não gosto de montar seu cavalo diante de seus
homens. Sabe que não me obedece como a você.
— Kit não lhe fará mal. É um pouco cabeça dura, nada mais.
— Eu acrescentaria perigoso — replicou Alan. — Está bem, irei. Espero não acabar
com o pescoço quebrado.
— Já tentou derrubá-lo uma vez e não conseguiu, lembra? Ânimo, irmãozinho, pode
fazê-lo — disse sorrindo.
— De acordo. Não demorarei muito, Amélia. Não beba todo o café! — gritou a King
antes de desaparecer colina abaixo.
Para Amélia não tinha graça ficar a sós com King. Podia avistar os estábulos ao longe
mas sabia que a sombra das árvores impedia que alguém os visse ali. Estava segura de
que King não ia desperdiçar uma nova oportunidade de humilhá-la. Voltou-se para ele
disposta a se defender de suas brincadeiras com unhas e dentes, mas ao olhar para ele
ficou paralisada. O que viu em seus olhos não foi brincadeira, sarcasmo ou maldade e sim
simplesmente um crescente e incontrolável desejo.
King jogou o cigarro ao chão, esmagou-o com a ponta da bota e olhou para Amélia
com olhos brilhantes.
— Venha aqui — ordenou.
Quando quis reagir, King já a tinha entre seus braços.
— King… — protestou ela fracamente.
— Cale-se — replicou ele, estreitando-a ainda com mais força.
Roçou-lhe o lábio carinhosamente com os seus. Amélia tentou resistir, mas aqueles
lábios doces a desarmaram em poucos segundos e ali ficou, indefesa entre seus braços e
a ternura de seus beijos enquanto o vento assobiava em seus ouvidos.
— Abra a boca — sussurrou-lhe.
Amélia o fez e imediatamente seus beijos se tornaram mais profundos e apaixonados.
King sentiu como sua respiração se agitava e sua boca tremia.
Gemeu e então ele soube que por fim se rendia, que a partir deste momento seria
completamente dele. Tomou o rosto de Amélia entre suas mãos e acariciou
carinhosamente a face e os lábios sem separar sua boca da dela, enquanto a doçura de
seu corpo entre seus braços o fazia estremecer. A lembrança dos beijos roubados no
jardim o tinha perseguido durante semanas, mas desta vez era muito melhor.
Ela estava lhe dizendo alguma coisa. Afastou sua boca um momento e sussurrou:
— O que disse?
— King… Alan pode chegar a qualquer momento.

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— Beije-me — replicou ele inclinando-se de novo para ela. Amélia apoiou as mãos em
seu peito e tentou afastar-se.
— Assim não, Amélia, pequena! — exclamou ele, abrindo de um puxão a camisa e
guiando sua mão para seu peito nu. — Assim!
Amélia sentiu um suave comichão em seu corpo e gemeu ante as sensações que
produziam nela essa nova aproximação.
— Amélia… — murmurou King com voz rouca, sentindo que já não era dono de seus
atos.
Amélia voltou em si no momento que uma perna de King deslizou entre as suas.
— King, não! — exclamou, se afastado bruscamente. Ele levantou o olhar e descobriu
em Amélia vários sinais de desejo. Tinha os lábios inchados, as bochechas rubras e os
olhos brilhantes. Ele também a desejava e com tanta intensidade que demorou uns
segundos para entender que estava lhe pedindo que se detivesse. — Por favor, King,
Alan chegará em um minuto!
Alan. O pretendente de Amélia. Seu irmão mais novo. Seu rival.
— Permite a ele que a beije assim? — perguntou, mal-humorado.
— Naturalmente que não! — exclamou Amélia sem vacilar.
Após ouvir sua sincera resposta King se tranqüilizou e a expressão de aborrecimento
se apagou de seu rosto. Acariciou a face e os lábios de Amélia com sua mão livre
enquanto a olhava fixamente, como se a única coisa que lhe importasse neste mundo
fosse o calor de seu corpo e a beleza de seu rosto. Seu olhar posou insistentemente em
sua blusa. Não revelava nada exceto o agitado bater de seu coração. Perguntou-se se a
pele de seu corpo seria tão suave como a de seu rosto e seus lábios.
— King, já é suficiente — suplicou Amélia ao ouvir se aproximando um cavalo.
King também tinha ouvido. A contragosto, separou-se de Amélia. Furioso consigo
mesmo por haver-se deixado levar tão longe por suas emoções, ficou em pé.
— É o cavalo mais veloz que montei em minha vida! — exclamou Alan alegremente
quando chegou junto à deles.
— Desça daí – ordenou a seu irmão.
Surpreso por seu tom, Alan desmontou. King saltou sobre o cavalo e o esporeou. Sem
um olhar, nem uma palavra de despedida, desapareceu colina abaixo.
Enquanto acontecia tudo isto, Amélia tinha recuperado a compostura, mas seus lábios
inchados e suas bochechas ruborizadas a traíam.
— O que aconteceu? — perguntou Alan. — Tornaram a discutir?
— Por acaso não sabe que é proibido discutir com seu irmão? — replicou Amélia. —
Chega, diz o que pensa e vai embora.

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Relembrando centenas de brigas com seu irmão, Alan teve que lhe dar razão.
Entretanto o rosto de Amélia revelava que o que King e ela tinham feito não era discutir
e sim beijar. Reprimindo um sorriso, pensou que nunca tinha visto King tão confuso como
momentos antes, mas tomou cuidado para que Amélia não se desse conta de que ele
sabia o que tinha acontecido.
— Gostaria de mais vinho, Amélia? Podemos ficar uns momentos a mais. Suponho que
não tem pressa em voltar para casa, não é verdade?
— Não, não tenho pressa — suspirou, tomando a taça que Alan lhe estendia.
Alan lhe propôs passar o resto do dia em Látego e jantar com sua família, mas
Amélia recusou o convite. Alan não insistiu muito. Não era preciso ser um gênio para se
dar conta do efeito perturbador que King exercia sobre Amélia.
Deteve o coche em frente à porta principal da casa dos Howard e ajudou Amélia a
descer.
— Passei um dia maravilhoso —, disse Amélia —. Quisera que não acabasse nunca.
Quando tomou sua mão entre as suas, notou que estava fria como gelo e que ela
parecia muito preocupada.
— Ai, Amélia, se confiasse um pouco em mim — suspirou.
— Não se preocupe. Tudo vai ficar bem — tranqüilizou-o com um sorriso.
— É por culpa de King que não quer jantar no rancho, não é verdade?
— Sim. Já sabe que seu irmão me detesta — respondeu Amélia.
— Sei mais do que parece — replicou ele. — Quero que me prometa que não vacilará
em me chamar se necessitar de alguma coisa.
Amélia assentiu e lhe estendeu a mão.
— Obrigado Alan — disse, emocionada. — É um bom amigo.
— King também seria um excelente amigo se algum dia precisasse — falou ele. — Não
teria dúvida em deixar de lado todas suas manias se pedisse ajuda.
— Sério? Eu não estou tão certa. Aposto que se me visse me afogando me lançaria
uma âncora em vez de um salva-vidas — replicou Amélia com amargura.
— É injusta com ele. Vejo que não há forma de convencê-la… — disse, sorrindo
carinhosamente. — Durma bem, Amélia. Porque não vai ao rancho amanhã? King está
convidado para ir a casa dos Valverde.
— Se me prometer que não aparecerá por ali… Está bem, aceito. Espero que meu pai
se encontre bem. Não quero abusar da amabilidade do doutor Vasquez. Meu pai é minha
responsabilidade.
- A buscarei na igreja e prometo que em duas horas estará de volta em casa, de
acordo? Boa noite, Amélia.
— Até manhã. E obrigada por um dia tão maravilhoso.

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Alan esperou até que Amélia entrasse na casa e partiu.


Amélia subiu ao quarto de seu pai e comprovou, aliviada, que dormia placidamente. O
enfermeiro tinha deixado uma nota em que dizia que o paciente se comportou bem
durante todo o dia e que tinha dormido a sesta. Isso queria dizer que tinha passado a
maior parte do dia dormindo. Amélia esperava que não despertasse na metade da noite.
Ficou um momento aos pés da cama contemplando com preocupação o pálido rosto de
seu pai e escutando sua respiração difícil. O médico havia dito que morreria. Ficara feliz
ao saber que as crises de violência de seu pai eram produtos de uma grave doença.
Seu pai ia morrer, mas ninguém sabia como nem quando. Só esperava que no final não
fosse necessário recorrer à ajuda de outras pessoas. Não podia deixá-lo sozinho em uma
situação tão delicada.
Havia outra coisa que a inquietava. Seu pai logo teria que parar de trabalhar. De que
iriam viver? Quinn não permitiria que passassem fome, mas seu salário não dava para
manter a casa. Teria que procurar um trabalho. Perguntou-se se a senhorita Valverde
precisaria de uma dama de companhia.
Sua outra opção era se casar com Alan. Tinha insinuado em várias ocasiões que não
se sentia preparado para o casamento, mas tina certeza de que aceitaria assim que lhe
contasse seu problema.
Entretanto, essa solução não seria justa com Alan porque ela nunca sentiria por ele o
que sentia por King.
King…
Fechou os olhos relembrando seus beijos, o tremor de seus braços e a ardorosa
pressão de sua boca. Amélia nunca tinha querido tanto ninguém, mas se dava conta de
que King só sentia por ela puro e simples desejo. Não tinha feito nenhuma promessa que
pudesse comprometê-lo, e Amélia estava segura de que faria todo o possível para
impedir seu eventual casamento com Alan.
Saiu nas pontas dos pés do quarto e fechou a porta lentamente atrás de si. Começou
a arrumar a sala enquanto se perguntava o que ia ser dela e o quanto podia piorar a
situação antes que seu pai se visse livre de sua tortura e, de passagem, a libertasse.

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CAPÍTULO 10

King começava a se dar conta de que estava perdendo a cabeça por culpa de Amélia e
durante o resto do dia não fez outra coisa a não ser gritar com seus homens até que um
deles, farto de que o tratassem como um escravo, deu um murro que o deixou caído no
chão. Aquilo foi suficiente para apaziguá-lo, mas de noite chegou ao rancho com um
humor de cão.
Enfureceu-se ainda mais depois de escutar Alan repetir mais de cem vezes que tinha
convidado Amélia para almoçar com eles no dia seguinte.
— Não é mulher para você — estourou finalmente. — Não permitirei que se case com
ela!
— É meu irmão, não minha babá — replicou Alan jovialmente. — Verei Amélia quando
desejar e você terá que se ocupar de seus assuntos.
King ficou vermelho de ira e olhou seu irmão mais novo com uma mescla de rancor e
ódio.
— Não se preocupe — continuou Alan. — Decidimos que quando nos casarmos
viveremos em El Passo, assim não terá que aturar sua companhia se não o desejar.
— Maldito seja!
Alan arqueou as sobrancelhas. Nunca tinha visto seu irmão tão fora de si.
— O que foi? — perguntou inocentemente. — Pode-se saber por que a odeia tanto?
King apertou os punhos mas não respondeu. Não encontrava as palavras para
expressar o que sentia. Na realidade, nem ele mesmo sabia.
— Além disso — acrescentou Alan — Não é amanhã que foi convidado para almoçar na
casa dos Valverde?
King virou-se e saiu da sala com tanto ímpeto que quase se chocou com seu pai, que
entrava nesse momento. Brant, surpreso pelo fato de que nem sequer se incomodou em
lhe dirigir a palavra, afastou-se bem a tempo de não ser derrubado.
— Que diabos aconteceu com ele? — perguntou.
— Comuniquei ao meu irmão minha intenção de continuar vendo Amélia Howard sempre
que me agradar — replicou Alan com um sorriso travesso.
— Por que isso agora? Você não quer Amélia — disse Brant estranhando.
— Nem ela a mim tampouco.
— Então, por que… ? — Deteve-se ao perceber um brilho malicioso nos olhos de seu
filho. — Compreendo. Tem que estar ciente de que está brincando com fogo, filho. Não
é prudente provocar King.

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Amélia Diana Palmer

— Deveria vê-los quando estão juntos, pai — tentou se justificar Alan. — Saltam
faíscas por toda parte. O problema é que King tem medo de que o destino volte a
brincar novamente com ele. Precisa de um pequeno empurrãozinho.
— Poderia lhe causar mais problemas do que imagina — replicou seu pai. — Tome
cuidado, Alan. Já sabe que quem brinca com fogo acaba se queimando.
— Mas só quero lhes dar uma mão! – protestou Alan. — King está louco por essa
garota e você não me dirá que prefere Darcy Valverde.
— Nisso tem razão — disse Brant, acomodando-se em uma das confortáveis poltronas
da sala. — Penso que a senhorita Howard é uma moça encantadora e sua mãe está tão
convencida quanto você de que King está apaixonado por ela. Entretanto, Alan —
acrescentou olhando-o com aqueles penetrantes olhos cinzas que King tinha herdado —,
peço que de agora em diante deixe que eles mesmos solucionem seus problemas. Páre de
se intrometer, ou acabarão metidos em uma boa confusão.
— Não o entendo — replicou Alan teimosamente. — Não pode ficar pior do que já
está.
— Eu não estaria tão certo — respondeu seu pai, enigmático.
No dia seguinte, Hartwell Howard se levantou, sentindo-se melhor e se dispôs a ir
trabalhar.
— É incrível — disse a Amélia. — Estou melhor que nunca. Acho que estou bastante
forte para ir trabalhar.
Amélia, temerosa de sua reação, não se atreveu a sugerir que seria melhor que ele
ficasse em casa um dia mais.
— Com efeito, Amélia – acrescentou — Por que não compra um pouco de tecido e faz
um vestido novo? Meu Deus, tem uma aparência horrível!
— Não podemos nos permitir caprichos desnecessários…
— Tolices! Vá à loja e peça que coloquem em minha conta.
Amélia se perguntou se os milagres existiam.
— Alan me convidou para almoçar no rancho — disse.
— Suponho que tenha aceitado! Já sabe que nos convém nos relacionar com sua
família! Está bem, não falo mais. Irei.
Hartwell Howard pegou seu chapéu e suas luvas e se dirigiu para a porta. Antes de
sair, se deteve e cambaleou ligeiramente.
— Sinto a cabeça tão leve… — riu. — Deve ser o medicamento que o doutor Vasquez
me deu. Me fez sentir muito melhor.
— Fico feliz, papai.
— Eu… Sinto muito ter batido em você no outro dia — desculpou-se.
— Está desculpado.

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Amélia Diana Palmer

— Temos que conversar. Sinto-me envergonhado de meu comportamento. Há tempos


não sou o mesmo, mas tudo vai ser diferente agora que começo a me recuperar.
— Fico contente — repetiu Amélia.
— A verei esta noite. Divirta-se – despediu seu pai.
Quando ele se foi, Amélia começou a passear pela sala, muito contente. Estava
curado! Tinha reconhecido que a tinha maltratado e tinha pedido desculpas. A partir de
agora tudo ia mudar. A vida voltava a ser cor de rosa. O doutor Vasquez se equivocou.
Um paciente a beira da morte não experimenta uma melhoria tão notável da noite para o
dia. Sentiu pena do médico e uma incontável alegria por seu pai.
Alan percebeu que Amélia estava com um humor melhor que no dia anterior.
— Está fazendo um lindo dia — anunciou. — Tenho boas notícias: King está convidado
para almoçar na casa dos Valverde, assim estaremos livres de sua presença.
— Qualquer um diria que está contente — replicou ela.
— Pois na verdade sim. Ultimamente nós não temos nos dado muito bem.
— É por minha culpa, não é verdade? — lamentou Amélia. — O que lhe fiz para que
me odeie assim? Provavelmente seja porque uma vez o chamei de animal em francês.
— Que você o chamou de quê? — exclamou Alan, rompendo em gargalhadas.
— Disse a ele que era um animal. Não negue que às vezes se comporta como tal.
— O King que eu conheço é amável com todo mundo — replicou Alan em defesa de seu
irmão maior.
— Idealiza-o — protestou Amélia. — Você o vê com um amontoado de virtudes
enquanto que para mim não é mais que um presunçoso, mal educado, impaciente,
arrogante…
— Acreditei que você não gostava de falar de King — interrompeu-a Alan.
Amélia se pôs a rir. Vestida com um singelo traje azul com botões negros que
combinava com um chapéu de cetim de abas largas, estava mais elegante que qualquer
uma das mulheres que se empenhavam em conseguir caros modelos.
— Está linda, como sempre — disse Alan.
— Obrigada. Sabe que meu pai já se encontra melhor? Hoje até foi trabalhar. Acho
que o médico se enganou no diagnóstico.
Levou a mão à boca mas já era muito tarde. Tinha falado demais.
— Por que? — perguntou Alan. — O que disse o médico?
— Oh, nada importante — replicou Amélia. — Disse que provavelmente demoraria
várias semanas para se recuperar. Está certo de que seus pais não se importam que eu
vá almoçar com eles? — falou, mudando de assunto.

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Amélia Diana Palmer

— Naturalmente que não. Acredito que esta tarde vão visitar alguns amigos, mas
disseram que almoçaremos todos juntos. Estão com saudades de você, querem muito vê-
la.
— Seus pais são encantadores.
— E o que me diz de meu irmão? — perguntou Alan.
— Bom — replicou Amélia — Só tive o prazer de falar com Callaway uma vez em toda
minha vida e me pareceu um rapaz muito agradável, embora impulsivo. Acho que se
parece mais com King que com você.
— Sabe perfeitamente que estou falando de King.
— Sabe perfeitamente que eu não gosto de King.
— Pois eu penso que a acha fascinante — disse tentando provocá-la -. Não tira os
olhos de você.
Amélia limpou a garganta.
— Como os leões e as serpentes venenosas. Assim que se descuidam, mordem.
— Uma comparação muito engenhosa! Tenho que contar a King.
— Faça e não voltarei a lhe dirigir a palavra em toda minha vida — exclamou Amélia.
— Meu irmão não é um monstro, Amélia — insistiu. — Na realidade, sente-se triste e
abandonado mas isso só sabemos porque convivemos com ele. Se o conhecesse melhor…
— Não gostaria de conhecê-lo melhor, obrigada — interrompeu-o Amélia.
Alan decidiu mudar de assunto e começou a falar sobre a seca e as últimas notícias
sobre Rodríguez, o temível bandido. Parecia que alguém o tinha visto em companhia de
seus dois irmãos e vários seguidores.
— Esse Rodríguez é tão malvado assim? — perguntou Amélia. — Ouvi dizer que não
conserva nada para si, mas que reparte o roubo entre as pessoas mais humildes.
— Eu também ouvi dizer isso — respondeu Alan. — Mas Rodríguez é mais que um
ladrão. King e ele têm um assunto pendente.
— King? — exclamou Amélia, surpreendida.
— Trata-se de uma velha dívida. Rodríguez não só é acusado de roubo, mas também
de assassinato. Dizem que há uns dez anos matou um homem que vivia nos subúrbios da
cidade e raptou seus filhos. Um deles, uma garotinha. Ninguém sabe o que lhe
aconteceu, mas dizem que está morta.
— Provavelmente nunca se saberá a verdade — refletiu Amélia. — As pessoas falam
muito e no final nada é verdade.
— Tem razão.
Amélia avistou ao longe a entrada da casa dos Culhane. Na porta havia três pessoas
os esperando. Uma delas era King.
— Me disse que não …

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Amélia Diana Palmer

— Juro que não sabia — disse Alan. — Me disse que ia passar o dia fora e que não
voltaria até a noite.
King se aproximou para saudá-la. Estava vestido com jeans velhos e desbotados que
usava para trabalhar e com uma camisa quadriculada azul que ressaltava seus olhos
cinzas e seu cabelo escuro. Oferecia uma imagem tão atraente que o coração de Amélia
começou a bater furiosamente. Tentou dissimular começando uma corriqueira conversa
com Brant e Enid enquanto centrava todos seus esforços para não o olhar.
— Vamos, Amélia — disse Enid. — Já está tudo preparado.
Amélia entrou na sala sentindo o olhar de King cravado em suas costas. Seus olhos
pressentiam a tormenta, embora seu rosto permanecesse impassível como o de uma
esfinge. Quando se sentaram, Amélia percebeu com estupor que King se apropriara do
assento ao lado.
— Como se encontra seu pai, Amélia? — inquiriu Brant da cabeceira da mesa.
— Está muito melhor, obrigada — respondeu ela com um sorriso. — Hoje foi
trabalhar.
— Fico feliz — exclamou ele. – Permita-me dizer que está muito bonita. A cor azul
lhe cai muito bem.
— E a King também — interveio Enid. — Sempre disse que o azul é sua cor.
O comentário fez com que todos dirigissem o olhar para King e logo em seguida para
Amélia. Formavam um estupendo casal. Amélia ruborizou e baixou os olhos.
— Vai fazer a oração, Brant? — apressou-se a dizer Enid, ao ver a confusão de
Amélia.
Enid foi buscar a comida e a dispôs sobre a mesa. King aproveitou o momento para
pegar a travessa das batatas e roçar uma perna no quadril de Amélia.
— Deixe que a ajude, senhorita Howard — ofereceu-se. — Está muito pesado para
você. Eu o sustentarei enquanto você se serve.
A colher de prata escorregou entre os dedos e esteve a ponto de cair duas vezes.
Levantou o olhar timidamente e encontrou com os olhos prateados cravados nos seus.
Depositou a colher na travessa e murmurou um “obrigada” quase inaudível.
Quase não falaram durante a refeição, mas Amélia sentiu a todo momento a
proximidade do corpo de King e o calor que desprendia. Cada vez ficava mais difícil
dissimular seus sentimentos diante dele. Por que fazia isso? Tinha descoberto seu ponto
fraco e estava disposto a destruí-la. Amélia tinha certeza de que o que pretendia era
separá-la de Alan, mas se soubesse o pouco que se importava com Alan!
Quando terminaram de almoçar, os senhores Culhane se desculparam e foram cumprir
seus compromissos sociais. Rosa recolheu a mesa e logo desapareceu na cozinha.
Alan, King e Amélia estavam na sala tomando café quando um dos empregados do
rancho solicitou a presença do Alan. Parece que havia problemas com a perfuradora que
estavam utilizando para a construção do novo poço.

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Amélia Diana Palmer

— Por que você não vai, King? — disse Alan sentado confortavelmente no sofá.
— Eu? — replicou King. — E o que eu sei sobre poços e maquinaria? Lembre-se que
você é o engenheiro da família, irmãozinho.
Alan olhou para Amélia de relance e percebeu que estava paralisada de medo.
— Pode vir comigo se quiser — disse.
— Não diga tolices — interrompeu-o King. — Faz muito calor lá fora a esta hora.
Além disso, uma obra não é lugar para uma mulher. Não se preocupe com a senhorita
Howard. Eu me encarrego dela — acrescentou.
— Certo, por que não foi almoçar na casa dos Valverde? — perguntou Alan.
— Darcy não se encontra bem. Está resfriada, assim decidi ficar aqui — replicou
King, desafiante.
Levantou-se da poltrona para demonstrar a seu irmão quem era o mais alto e forte
dos dois e acrescentou:
— Deixe de se preocupar com ela. Ficará bem aqui.
Alan tinha suas dúvidas, mas se deixou convencer. Até porque, tinha sido sua idéia ir
à obra aquela manhã e pedir a um de seus homens que se apresentasse na casa depois do
almoço e reclamasse sua presença com qualquer desculpa. Era parte de seu plano para
ajudar King e Amélia, mas agora que tinha conseguido que finalmente ficassem a sós não
tinha a consciência muito tranqüila. King tinha estado muito estranho durante todo o dia.
Poderia jurar que ele também tinha feito planos por sua conta. Alan não queria fazer
mal a Amélia e temia que alguma coisa saísse mal em seu intento para forçar King a
admitir seus sentimentos. King tinha a língua muito afiada e carecia de escrúpulos quando
se tratava de fazer valer suas razões. Amélia estava indefesa nas mãos de seu irmão e
King podia acabar com ela. Consolou-se pensando que pelo menos não estariam sozinhos
na casa e que Rosa iria em socorro de Amélia se fosse necessário. Além disso, King não
gostava das intrigas e nunca tinha dado ouvido a falatórios.
— Calculo que entre ir e voltar demorarei quase uma hora — disse a Amélia. — Está
certa que não se importa?
Amélia tentou tranqüilizar-se, pensando que King não tentaria nada sabendo que Rosa
estava na cozinha. Podia ouvi-la perfeitamente brigando com os cachorros.
— Não me importo de ficar se seu irmão não achar inconveniente — respondeu.
King se limitou a sorrir, mas seus olhos brilhavam. Alan lembrou este pequeno detalhe
quando já se achava a caminho do poço.
— Posso perguntar porque me fez ir buscá-lo com uma falsa desculpa? — perguntou o
operário.
— É pelo bem e a felicidade futura de meu irmão — respondeu Alan com um amplo
sorriso. — Mas agora não quero falar disso. Devemos nos apressar.

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Amélia Diana Palmer

Amélia brincava nervosamente com sua bolsa, enquanto King a observava em silêncio,
apoiado contra a parede. Após alguns momentos, Rosa entrou na sala e se dirigiu a King
com rápidas palavras em espanhol. King lhe respondeu no mesmo idioma e em poucos
segundos se ouviu o ruído da porta principal se fechar. Fez-se de novo silêncio e Amélia
se levantou como impulsionada por uma mola.
— Como se atreve a dizer a Rosa que vá embora, porque quer ficar sozinho comigo?
— exclamou. — Não se dá conta da indiscrição que acaba de cometer? Amanhã toda El
Passo saberá.
— Não só fala francês, mas também espanhol — murmurou surpreso.
— Sim, falo espanhol…! — replicou Amélia. — O que acha que está fazendo?
King tinha arrancado a bolsa de suas mãos, e jogado-a no chão e a tinha obrigado a
sentar-se em seus joelhos.
— Adivinha, pequena — murmuro ele, inclinando-se sobre sua boca.
Amélia se sentiu flutuar enquanto os tímidos beijos iniciais davam espaço a outros
mais apaixonados. Não sabia como resistir, mas tampouco desejava que King deixasse de
beijá-la. Depois de tanto tempo, parecia um sonho virando realidade estar entre seus
braços e desfrutar de suas apaixonadas carícias.
Quando King começou a lhe acariciar os seios se assustou e tentou afastar-se dele.
Entretanto, King era muito experiente e soube tranqüilizá-la. Voltou a concentrar-se em
sua boca, insistente, mas docemente, e lhe acariciou as costas. Amélia sentiu que suas
pernas tremiam e todo seu corpo começou a pedir que as suaves carícias se acentuassem
e se multiplicassem.
De repente, King a ergueu em seus braços e a conduziu para o quarto, fechando a
porta atrás de si com uma pancada. Amélia sabia que não era correto permitir que um
cavalheiro tomasse tantas liberdades, mas ele era muito forte e seus beijos eram muito
deliciosos para resistir.
— Jeremiah… — gemeu junto a sua boca quando a depositou sobre a cama.
King seguia beijando-a enquanto se esforçava para desabotoar a carreira de botões e
colchetes que protegiam o corpo de Amélia. Ela o ajudou, incapaz de suportar por mais
tempo o roçar da roupa sobre sua pele. Queria sentir o ar fresco sobre seus seios, mas
sobretudo queria que King os visse.
King a despiu da colete e da blusa e seus olhos brilharam à vista de tanta perfeição.
Percorreu com a ponta de seus dedos aquela pele tão branca e tenra enquanto uma
súbita onda de paixão o cegava.
— Seus seios são suaves como as pétalas das gardênias — murmurou.
Suas palavras fizeram com que Amélia voltasse a si e tentasse se cobrir com o
braço, mas King foi mais rápido. Segurou-a pelos braços e resmungou entre dentes:
— E quer que eu deixe que Alan se case com você? Eu te quero apenas para mim.

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Amélia Diana Palmer

Suas palavras a desconcertaram. Isso significava que ele a amava? Enquanto refletia
sobre o que acabava de ouvir, King aproximou sua boca de um de seus firmes seios e
murmurou, roçando-o:
— Desejo-a, Amélia. Desejo-a tanto…
Incapaz de suportar a tortura por mais tempo, Amélia agarrou sua nuca com mãos
trêmulas.
— Quer que eu continue, Amélia? — perguntou King.
— Sim, King, sim, por favor!
Estimulado por suas desesperadas súplicas, inclinou sua cabeça até quase tocá-la.
Amélia tentou atrair sua boca sobre seu corpo, mas King resistiu enquanto ela gemia
angustiada. Quando percebeu que estava à beira do clímax, se abandonou em seus
abraços e começou a lamber aqueles seios. Amélia estremeceu e afundou as unhas na sua
nuca.
King não estava preparado para uma resposta tão ardente. Sua única intenção tinha
sido brincar um pouco com ela para mostrar-lhe que se sentia atraída por ele e que não
podia se casar com Alan. Mas há meses que não tocava uma mulher, e ali estava Amélia
suplicando que não se detivesse.
Por que ia resistir? Amélia não estava apaixonada por Alan. Desejava se casar com
ele porque era rico e porque representava sua única possibilidade de escapar de seu
dominante pai. Seu dever era seguir adiante pelo bem de Alan. Não podia permitir que
seu irmão sofresse a humilhação de se apaixonar por uma mulher que só buscava seu
dinheiro. Além disso, Amélia precisava de uma lição e ele estava disposto a dar-lhe uma.
Enquanto a despia, nem sequer se deteve para pensar que, no fundo, todos seus
motivos e desculpas se reduziam a um somente: desejava-a como nunca tinha desejado
ninguém. O que importava Alan? O único importante nesse momento era que tinha entre
seus braços o corpo suave e quente de Amélia.
— King, não deveríamos… — protestou ela fracamente.
King voltou a roçar com sua boca um de seus seios enquanto deslizava uma mão sob
sua saia. Amélia não pôde conter as lágrimas quando as carícias de King se concentraram
em seus quadris e sua parte mais íntima.
Separou as pernas lentamente, suplicando que não se detivesse. Enquanto o ouvia se
despir de sua roupa, não se atrevia a abrir os olhos. Temia que qualquer movimento
diminuísse o prazer que estava sentindo.
King, completamente nu, movia-se com ardor sobre ela. Sua boca ardente procurou
amorosamente a de Amélia e uma de suas pernas deslizou entre as suas.
Em pânico, Amélia abriu os olhos e se deu conta do engano que acabava de cometer,
e das terríveis conseqüências que podia trazer. Desgraçadamente, já era muito tarde.
— Isso… — disse King com voz rouca -. Olhe-me. Olhe em meus olhos!

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Amélia Diana Palmer

Suas fortes mãos apertaram seus quadris para impedir sua fuga enquanto iniciava uma
série de bruscos movimentos. Amélia gritou desesperada e tentou escapar, mas King a
mantinha firmemente presa.
— Não, King, não! — gritou.
Em resposta, King continuou movendo-se sobre ela ritmicamente.
— Deus, Amélia — resmungou enquanto fechava os olhos e começava a tremer -. Oh…
Meu Deus!
Havia mais devoção que blasfêmia em sua exclamação. Seu torso nu se arqueou, sua
voz se quebrou e seu corpo se esticou quando alcançou o orgasmo.
Amélia fechou os olhos no último minuto para não sentir a vergonha e a humilhação
que começavam a invadir seu corpo. Sentia-se suja e usada e queria morrer. As lágrimas
deslizavam por suas faces enquanto King, estendido a seu lado, esforçava-se para
recuperar o fôlego.
Então era isso. Tantas palavras amáveis, olhares ardentes e doces beijos para nada.
Tudo era mentira! Mais uma vez, o homem tinha demonstrado ser um animal sem
sentimentos que tirava da mulher o que queria em troca de dor e vergonha. Como não
tinha adivinhado antes? Por acaso não tinha ouvido os gritos de sua prima?
King não podia acreditar no que acabava de fazer. Sentia-se o ser mais desprezível
do mundo. Não tinha perdão. Tinha desonrado Amélia, a despojando de seu bem mais
precioso. O pior era que agora ela esperaria uma proposta de casamento. O risco do
embaraço era muito alto. Que idiota tinha sido!
Começou a vestir-se sem olhá-la. Embora as pernas tremessem, Amélia conseguiu
levantar da cama e então sentiu o sangue escorregar pelas pernas. Felizmente, tudo
tinha acontecido tão depressa que King nem sequer tinha tirado sua roupa, o que tinha
evitado que ficassem rastros delatores sobre os lençóis.
Sem se atrever a levantar a vista, dirigiu-se para a porta e a abriu. King a fechou
de novo com uma batida.
— Quero deixar bem claro que não me casarei com você, senhorita Howard — falou.
— Se o que pretendia era me seduzir com essa intenção, lamento comunicá-la que a
jogada foi mal feita. Naturalmente, tampouco penso em permitir que se case com meu
irmão. Advirto, se der o mais mínimo passo nessa direção lhe contarei com todos os
detalhes o que aconteceu esta tarde. Está claro?
— Sim… — murmurou Amélia.
King fez todo o possível para esquecer como aquilo tinha acontecido. Negava-se a
admitir que tinha sido ele, não ela, quem tinha iniciado a tão ansiada sedução.
Virtualmente a tinha obrigado a jogar-se em seus braços, mas o orgulho o impedia de
reconhecer seu engano. Dizia a si mesmo repetidas vezes que tinha feito pelo bem de
Alan. Agora seu irmão não teria que voltar a ver aquela mulher horrível nunca mais.
Tinha passado um bom momento, mas este nunca tinha sido o objetivo de seu plano.
Tinha ganhado, como sempre. Entretanto, por que se sentia culpado? Amélia era tão

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Amélia Diana Palmer

mentirosa quanto qualquer mulher. Além disso, o tamanho de seu cérebro podia ser
comparado ao de um mosquito e sua resistência à de uma orquídea de estufa.
— Posso ir embora agora? — perguntou ela desesperadamente.
King retirou a mão da porta e a acompanhou até a entrada principal.
— Por favor… — sussurrou Amélia. — Eu gostaria de ir para casa agora. Pode pedir a
um de seus homens que me acompanhe? Prefiro não estar aqui quando Alan ou seus pais
voltarem.
— Como queira — replicou King, lhe dando as costas para não ter que contemplar o
sofrimento refletido no rosto de Amélia.
Dirigiu-se ao estábulo, falou algumas palavras com um empregado e correu a se
refugiar no estábulo sem sequer lhe dirigir um olhar ou algumas palavras de despedida.
Amélia se sentia como uma mulher da rua. Histérica, pensou que seus problemas
econômicos tinham acabado. Agora que tinha encontrado sua vocação já podia trabalhar.
King tinha roubado sua inocência e agora nenhum homem aceitaria se casar com ela.
Estava entre a espada e a parede.
— Encontra-se bem, senhorita? — perguntou o jovem vaqueiro que conduzia o coche.
— Não é nada — falou Amélia. — Só estou um pouco enjoada. Acho que comi muito.
— Certo, senhorita.
Amélia enxugou as lágrimas e tentou se tranqüilizar. Quando chegou em casa correu
para a banheira e permaneceu ali, refletindo sobre o que tinha acontecido aquela tarde,
até que a água ficou quase fria. E se King, encorajado, contasse sua façanha a seu
irmão, seus amigos ou inclusive aos trabalhadores do rancho? Amélia seria a boba de El
Passo por ter se entregado tão facilmente! O rumor podia chegar inclusive aos ouvidos de
seu pai. Como tinha podido cometer semelhante engano, precisamente agora que as coisas
começavam a andar melhor? Comportara-se como uma autêntica idiota.
A inesperada chegada de seu pai e seus gritos chamando-a interromperam suas
reflexões. Saiu da banheira, cobriu-se com uma toalha e abriu a porta do quarto de
banho. Hartwell Howard, lívido de ira, esperava-a em seu quarto. Horrorizada, Amélia
viu que tinha deixado sua roupa no chão e que os traços do acontecido entre King e ela
eram mais que evidentes.
Entretanto, seu pai não olhava o monte de roupa a seus pés. Sem mediar palavras,
tirou o cinturão e a segurou por um braço.
— Venha aqui, desavergonhada! — rugiu. — Achou que eu não ficaria sabendo? King
Culhane me contou tudo. Que vergonha! Minha filha insinuando-se como uma puta. Quem
vai querer se casar com você, agora que todos os homens de El Passo sabem que podem
ter o que desejarem tendo apenas que pedir isso? E o que me diz de Alan? Humilhou-me
diante de todo mundo! Acabou com o bom nome da família!

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Amélia Diana Palmer

Amélia não escutou a maior parte daquelas insultantes palavras. King a considerava
uma qualquer e a odiava o suficiente para arruinar sua reputação e do resto de sua
família. Depois disso, o que importava que seu pai pudesse lhe fazer? Sua vida já não
tinha sentido.
Seu pai tirou a toalha bruscamente e descarregou com força a correia sobre suas
costas uma e outra vez até que Amélia caiu no chão sem sentidos.

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CAPÍTULO 11

Algumas, horas mais tarde, Alan retornou ao rancho e se surpreendeu ao encontrar


King na cavalariça desencilhando seu cavalo. A julgar pela expressão de seu rosto, as
coisas não tinham saído como esperava. Temendo os arrebatamentos de mau humor de
seu irmão, Alan decidiu não fazer perguntas e se ocupar de seus assuntos. Mais tarde
teria tempo de averiguar o que tinha saído errado.
Brant e Enid se reuniram com seus filhos na hora do jantar. King logo que provou um
bocado se limitou a manter a vista fixa no prato sem separar os lábios. Terminado o
jantar, os três homens se dirigiram à sala.
— Olhe… — murmurou Brant ao descobrir a bolsa de Amélia sobre uma das poltronas.
— por que não a relembrou que esqueceu a bolsa aqui?
— Eu não a vi na hora de ir embora — falou Alan. — Estive a tarde toda trabalhando
no poço. King a acompanhou até em casa.
— Isso não está certo — interveio sua mãe da porta. — Acabo de saber que alguém
mandou Rosa para sua casa e que Billy Edwards teve que acompanhar Amélia para casa.
Exijo saber o que aconteceu aqui esta tarde. King — acrescentou severamente olhando
seu filho mais velho —, correm rumores de que o bom nome dos Howard poderia ter
ficado comprometido nesta casa. O que sabe sobre isto?
— Não podia permitir que Alan se casasse com ela — replicou King com frieza. —
Simplesmente, limitei-me a lhe repetir que não estou disposto a acolhê-la em minha casa
uma desprezível covarde como ela.
— Casarei-me com Amélia se me agradar. Você não pode me impedir. — disse Alan
desafiante.
Saltava à vista que King estava com ciúme. Isso significava que seu plano começava a
dar resultado e que seu irmão se deu conta do que verdadeiramente sentia por Amélia. A
única coisa que lhe inquietava era não saber o que tinha acontecido entre eles aquela
tarde.
— Diz que se casará com ela? — replicou King, enquanto um sorriso cruel aparecia em
seus lábios. — Inclusive agora que toda El Passo sabe que não teria escrúpulos em se
entregar a qualquer homem? Pense em mim, por exemplo. Esta tarde se mostrou disposta
a fazer tudo o que lhe pedisse. Naturalmente, depois de escutar semelhante falta de
vergonha a enviei para sua casa e fui ao banco falar com seu pai. Asseguro-o que não
voltará a falar de casamento depois do que eu disse.
Indignado, Alan se levantou e deu um murro em King. Seus pais, horrorizados pelo
comportamento de seu filho mais velho, não fizeram nada para lhe deter.
— Idiota! — rugiu Alan. — Não se dá conta do que fez? Seu pai está louco! A
matará!

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Amélia Diana Palmer

— Não acha que está exagerando? — replicou King esfregando o queixo. — O que te
aconteceu? Nunca o tinha visto tão zangado.
— Nunca pensei que chegaria o dia em que teria que dizer isto a meu filho —
interveio Brant — Mas me envergonho de você, King. Desonrou a sua família.
— E também Amélia — acrescentou Enid.
— É obvio, também Amélia — respondeu seu marido.
— Não conhece o significado da palavra fidelidade! — protestou King. — Diz que está
apaixonada por Alan, mas aproveita qualquer oportunidade para se jogar em meus braços!
— E você não tem nem idéia de qual é sua situação real! — replicou Alan passando as
mãos nos cabelos nervosamente. — Me dê a bolsa, pai. Vou a El Passo. Tenho de ver se
está bem.
— É seu pai. Não lhe fará nenhum mal — disse Brant, surpreso pela preocupação de
seu filho.
— Falei com o doutor Vasquez — replicou Alan. — Uma vez seu pai lhe deu uma surra
brutal que quase lhe custou a vida. E você — acrescentou voltando-se para King —
provocou sua ira e agora Amélia está em perigo. E tudo por minha culpa!
Saiu correndo de casa enquanto King tentava ordenar seus pensamentos. Lembrou o
terror de Amélia quando estava na presença de seu pai. Agora tudo fazia sentido, mas
já era muito tarde. Ele mesmo se encarregou de lhe fazer uma armadilha com uma
mentira vulgar como prova… Segundos depois selava seu cavalo e saía atrás de seu irmão.
Demoraram mais do que o previsto para chegar na casa dos Howard porque as
pessoas, aproveitando uma tarde de domingo muito agradável, tinham saído para passear.
Alan bateu na porta insistentemente sem obter resposta.
— Oh, não — gemeu.
King rodeou a casa e olhou através das janelas de cada cômodo. O que viu gelou seu
sangue: Amélia estava inerte no chão.
— Depressa, Alan! — gritou. — Vá procurar a polícia!
King desejou ter a força suficiente para jogar a porta abaixo. Temia o pior. Se
Amélia morresse por sua culpa não se perdoaria nunca.
Enquanto Alan corria para a delegacia de polícia King forçou a fechadura. Graças a
Deus, o ferrolho não estava bem preso. Acabou de abrir a porta de um pontapé e se
dirigiu diretamente ao quarto de Amélia. Hartwell Howard, estava jogado em uma
cadeira, tremendo e com a olhar vidrado.
— Maldito seja! — resmungou King enquanto se inclinava sobre o corpo inerte de
Amélia.
Estava inconsciente e quase não respirava. Um fio de sangue escoria das múltiplas
feridas de suas costas e empapava a toalha que cobria a metade de seu corpo.
Horrorizado pelo grotesco espetáculo, King pensou que nunca tinha visto algo assim.

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Amélia Diana Palmer

Em poucos segundos ouviram passos na entrada. O doutor Vasquez e um policial


irromperam na casa. Hartwell Howard ainda segurava a correia, mas seu corpo tinha
adquirido uma estranha rigidez e, embora seus olhos estivessem abertos, não parecia
ver.
Apesar dos protestos de King, o doutor Vasquez se ajoelhou a seu lado. Buscou seu
pulso e com um suspiro o cobriu com uma manta.
Enquanto os outros tentavam se refazer da impressão produzida pela morte do pai de
Amélia, o doutor se ocupou dela.
— Um tumor cerebral… — lamentou. — Vocês estavam cientes, não é verdade?
— Suspeitávamos — replicou Alan.
— Se estendeu muito rapidamente — continuou o doutor. — Além disso, sofria de
hipertensão e ambas as coisas lhe provocavam acessos de cólera. Tentei persuadir esta
pobre garota de que o internasse em uma instituição ou pedisse ajuda a seus familiares
mais próximos. É uma moça muito valente, mas sua lealdade lhe custou muito caro. Avisei
a ela que corria um grande perigo, mas não me escutou. Pobrezinha!
— Se salvará? — perguntou King com um fio de voz.
— Perdeu muito sangue e sofreu uma forte comoção. Eu gostaria de examinar suas
feridas em meu consultório, mas o tratamento deverá ser feito discretamente. Ninguém
deve saber o que aconteceu. Os falatórios não fariam mais que prejudicá-la. Oficial —
disse voltando-se para o policial —, há uma maneira de tirar o senhor Howard de casa
discretamente?
— Acredito que será melhor esperar o anoitecer. Pela manhã publicaremos uma nota
no jornal e informaremos que morreu placidamente enquanto dormia. Diremos que sua
filha se encontra muito afetada e que não receberá visitas nos próximos dias.
— Parece-me uma boa idéia — respondeu o doutor. — Agora temos que curar estas
feridas. Alguém pode me trazer um pouco de água morna e umas toalhas, por favor?
King se apressou a fazê-lo, grato de que alguém lhe proporcionasse uma boa desculpa
para abandonar o quarto. Os últimos acontecimentos o tinham transtornado. Depois do
ocorrido à tarde o ciúme o tinha cegado e prometeu fazer todo possível para evitar o
casamento entre Alan e Amélia. Tinha passado diretamente à ação sem sequer refletir
sobre as funestas conseqüências que seus atos podiam conduzir seus seres mais queridos.
E agora a vítima de suas cruéis maquinações, Amélia, estava a ponto de morrer. Se isso
acontecesse o peso sobre sua consciência seria insuportável, mas se sobrevivesse seu
castigo ia ser ainda pior. Sabia que Amélia o odiaria durante o resto de seus dias.
O doutor os fez abandonar o quarto e começou a tratá-la. Lavou e enfaixou
cuidadosamente as feridas e vestiu Amélia com a roupa que encontrou em seu armário.
Enquanto trabalhava, pensou que seria aconselhável que alguém ficasse ali com ela
durante a noite. Ainda não tinha recuperado os sentidos e tinha um hematoma na
têmpora. Ao que parece, tinha caído e bateu com a cabeça na mesinha de cabeceira.
Provavelmente tinha sofrido uma concussão e isso era perigoso. Ao examinar sua roupa,
encontrou algo que podia comprometer seriamente sua reputação mas decidiu ocultá-la e

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economizar mais aquela humilhação.


Recolheu do chão sua roupa e a toalha ensangüentada e fez um gesto a King e Alan
para que entrassem no quarto. Amélia jazia de bruços sobre a cama. Tinha os olhos
fechados e respirava com dificuldade. O aroma adocicado que invadia a cada fazia a
atmosfera ficar irrespirável.
— Alguém deveria encarregar-se de lavar toda essa roupa, mas temo que se espalhe
o rumor do ocorrido se levarmos a uma lavadeira do povoado — disse o médico. —
Acredito que o melhor será queimá-la.
— Eu me encarrego disso — interveio Alan. — Como ela está, doutor?
— Tem uma forte concussão. Não é aconselhável movê-la daqui. Deve permanecer sob
observação até que recupere os sentidos. Suponho que sabem que as concussões
cerebrais podem ser fatais.
— Um de meus homens morreu depois de receber um forte golpe na cabeça — disse
King.
— A senhorita Howard corre o mesmo risco.
— Eu ficarei — disse King.
— Magnífico! — exclamou Alan em tom sarcástico. — E se acordar e encontrá-lo a
seu lado começará a gritar como uma possessa. O que fará então?
— Não penso em deixá-la sozinha nem um minuto — replicou King desafiante. — Já
iremos ver o que acontecerá quando recuperar os sentidos.
— E como saberei que não voltará para o rancho?
— Sabe que pode confiar em mim — murmurou King com o olhar fixo na figura que
jazia na cama.
Alan sentiu pena de seu irmão e ficou calmo.
— Está bem – suspirou. — Eu me encarregarei de tudo. Acho que direi a mamãe para
vir.
— Certo — replicou King, incapaz de alinhar seus pensamentos.
— Acho que deveríamos levar o senhor Howard — propôs o policial. — Poderia sofrer
um novo choque se acordar e se encontrar com o cadáver de seu pai.
— Não demorarei — prometeu Alan, partindo.
O doutor também partiu para fazer outras visitas urgentes e prometeu voltar o
quanto antes. O policial chamou o coche e ordenou-lhe a retirada do cadáver de
Hartwell Howard e o transporte dele para a funerária.
King ficou a sós com a Amélia. Abriu as janelas para que a brisa da noite arejasse o
quarto. O sangue tinha manchado o tapete e Alan tinha tido que levá-lo com o resto das
coisas, entre elas as que o doutor tinha incluído discretamente a roupa intima de Amélia.
King imaginava por que Amélia tinha deixado a roupa no chão em vez de pendurá-la
cuidadosamente no armário, como estava acostumada a fazer. Amélia tinha a intenção de

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Amélia Diana Palmer

se desfazer dela e de tudo o que pudesse lembrar o acontecido entre eles àquela tarde.
Pesaroso, sentou-se na borda da cama e acariciou o cabelo loiro que emoldurava seu
pálido rosto.
-Me perdoe, Amélia — murmurou sentindo-se mais culpado que nunca. — Eu não
sabia.
Mas Amélia não lhe respondeu nem se moveu. A lembrança de seu doce sorriso o
angustiava. Entregou-se com tanta ternura! Não podia acreditar que o corpo que havia
possuído aquela mesma tarde, tão cheio de vida, fosse agora uma massa de carne inerte
sob um monte de mantas. Tinha suplicado que a beijasse e seus braços o tinham
acolhido. Tinha tentado demonstrar que tinha tudo o que ele desejava em uma mulher, e
ele tinha correspondido traindo-a. Quando fechava os olhos a primeira imagem que vinha
a sua mente era a de Hartwell Howard batendo sem piedade nas delicadas costas de
Amélia. Como tinha sido capaz de lhe fazer uma coisa assim?
King só quisera impedir o casamento de Amélia e Alan, mas tinha ido muito longe.
Reconhecia que não se comportara como um cavalheiro, mas tinha perdido a cabeça ao
pensar que Alan e Amélia planejavam se casar e viver em sua própria casa. Não teria
suportado.
Incapaz de permanecer sentado, King começou a dar voltas pelo quarto, tentando não
pensar em nada, mas as lembranças dessa tarde se amontoavam em sua cabeça,
atormentando-o. Amélia desejando seus beijos. Amélia em seus braços. As lágrimas de
Amélia quando ele a tinha envergonhado. Amélia recebendo uma surra das mãos de seu
pai!
Cobriu o rosto com as mãos e gemeu com desespero. Se morresse por sua culpa, o
que ia ser dele? Nesse momento ouviu passos na escada e segundos depois seus pais e
Alan entraram no quarto. Alan estava mais sereno, mas ninguém se atrevia a mover-se
ou a falar muito alto, como se estivessem em um velório.
— Ainda não retornou a si? — murmurou Enid.
King sacudiu a cabeça. Tinha o cabelo revolto e o rosto desfocado. Parecia tão
afetado que Enid decidiu postergar a reprimenda que trazia preparada.
— Uma concussão é algo muito sério — comentou Brant.
— Irá se recuperar — disse Alan. — É uma mulher muito forte.
Entretanto, King tinha suas dúvidas. Amélia tinha demonstrado que era muito valente
mas tinha suas razões para desejar a morte. Felizmente, ninguém sabia até onde tinha
chegado sua crueldade para com ela. Limitou-se a insinuar que Amélia se mostrou
disposta a fazer alguma coisa com ele, mas não tinha mencionado que na realidade já o
tinha feito. Entretanto, esse simples comentário podia acabar com sua reputação.
Estava certo de que quando Amélia despertasse e recuperasse a memória não iria
querer continuar vivendo. Franziu o cenho. Sentiria-se tão desesperada para fazer uma
coisa assim? O que ia ser dele se por sua culpa Amélia decidisse acabar com sua vida?

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Amélia Diana Palmer

— Tente se tranqüilizar — disse sua mãe, lhe acariciando o cabelo. — Por que não vai
para a cozinha e prepara um café?
Mas King não desejava se afastar do lado de Amélia e não se moveu.
— Por favor, King — insistiu sua mãe.
— Está bem — disse, levantando-se a contra gosto.
Enquanto estava na cozinha seu pai entrou e se sentou em frente a ele.
— Enid acaba de encontrar algo surpreendente no armário de Amélia: centenas de
livros. Acho que seu pai não sabia que os escondia ali.
— Que tipo de livros? — perguntou King maliciosamente. — Romances de amor?
— Nada disso. Há filosofia clássica em grego e latim, poesia francesa e coisas assim.
Devem ser do Quinn porque seu nome aparece na primeira página em todos mas as
anotações que há no interior são de Amélia.
King tirou duas xícaras de porcelana do aparador e serviu o café.
— Nunca me disse isso — murmurou tristemente.
— Certamente temia que fosse contar a seu pai — replicou Brant. — Agora entendo
por que gosta tanto de Alan. Ele é a antítese de Hartwell Howard.
— Suponho que tenha razão — admitiu King, começando a compreender muitas coisas.
— Quinn não pode se ocupar dela como é devido, assim, sua mãe e eu nos decidimos
levá-la ao rancho. Ali será bem atendida.
— Avisou a Quinn? — perguntou King.
— Mandamos uma nota a Alpine. Imagino que este incidente prejudicará seriamente
sua amizade, mas deve saber. Hartwell Howard era seu pai e Amélia é sua irmã.
— Por mais que tente, não encontro justificativa para meu comportamento —
lamentou-se King.
— É obvio que não — exclamou seu pai. — Que explicação poderia ter?
— Só queria evitar a Alan um casamento infeliz. Ele merece uma mulher com mais
coragem.
— Sabe perfeitamente que Alan não precisa de uma mulher com coragem — replicou
Brant. — Ele é um homem tranqüilo e de gostos refinados. Convém uma mulher dessas
características. Acontece que queria Amélia para você e não podia suportar que ela
preferisse Alan — recriminou seu pai.
Por um segundo, a mão de King pareceu tremer.
— E se fosse assim? — replicou, sobrepondo-se. — Isso não muda o fato de que
Amélia não serve para levar a vida em um rancho. Já escolhi quem será minha mulher e o
fiz com a cabeça, não com o coração.

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King preferia ignorar o fato de que Amélia podia estar grávida. Se Amélia estivesse
grávida, se veria obrigado a se casar com ela e isso era a última coisa que desejava, já
que sabia que seus encantos podiam lhe fazer perder a cabeça. Não podia se arriscar
que acontecesse outra vez. Tudo ia dar certo. Amélia se recuperaria e provavelmente
retornasse a Atlanta.
— É sua vida e pode fazer com ela o que quiser — disse Brant —, mas eu não me
casaria com Darcy nem que fosse a única mulher do Texas.
— Como disse, trata-se de minha vida — replicou King friamente.
Brant retornou de novo ao quarto de Amélia com duas xícaras de café para Alan e
Enid. King preferiu sair e fumar um cigarro. Após alguns momentos, Alan desceu para
buscá-lo.
— Começa a voltar a si — anunciou.
— Já disse alguma coisa? — perguntou King ansiosamente.
— Só se queixa. Deve doer terrivelmente.
— O doutor Vasquez voltará logo. Até então podemos lhe dar o sedativo que deixou
aqui. Isso a ajudará a dormir.
Alan assentiu.
— Apesar das precauções que tomamos, todo o povoado se inteirará do acontecido.
Por isso, decidimos que o melhor é levá-la para Látego até que esteja completamente
restabelecida.
King não respondeu. Estava pensando em como ia enfrentar, dia após dia, a inocente
vítima de sua crueldade.
— Penso em me casar com ela — disse Alan repentinamente.
King abriu a boca para protestar, mas Alan não lhe deixou falar.
— Disse que vou me casar com ela e não se fala mais nisso — sentenciou. — Desonrou
duas boas famílias. Não vou permitir que empurre Amélia para o suicídio.
— Pelo amor de Deus! Quem falou em suicídio?
— Não vê que nem sequer se defendeu de seu pai? — replicou Alan. — Se tivesse
tentado fugir haveria marcas em seus braços.
King teve que se apoiar contra a parede para não desfalecer.
— Sabia que seu pai não teria piedade — prosseguiu Alan. — Certamente queria
morrer para não sofrer mais.
King sentia um peso tão insuportável sobre sua consciência que emitiu um gemido.
— Se as pessoas se inteirarem disto, sua vida se tornará um autêntico inferno,
embora não tenha acontecido nada entre vocês — acrescentou Alan, sem conhecer a
realidade da situação. — Quero lhe oferecer o amparo de meu sobrenome.
— Amélia não o quer — resmungou King.

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Amélia Diana Palmer

— Por acaso pensa que vai querer você? — replicou Alan com sarcasmo -. Se alguma
vez esteve apaixonada por você, pode estar certo de que acabou.
— O que quer dizer?
— Como pode estar tão cego? Lembre que em uma ocasião reconheceu que daria tudo
por seu sorriso. Estava acostumada a se vestir com suas melhores roupas para atrair sua
atenção, mas você nunca a olhou e enquanto esteve em Látego todo mundo se deu conta
de que tremia cada vez que se aproximava dela. Seus olhos o seguiam a todas as partes.
Darcy sabe que a magoa os ver juntos e aproveita qualquer ocasião para brincar com
seus sentimentos. Parece que todo mundo está ciente, menos você.
De todas as revelações que tinham sido feitas, aquela era sem dúvida a mais
surpreendente. Perguntou-se uma e outra vez por que Amélia tinha passado por cima das
rígidas convenções sociais para entregar-se a ele tão docilmente. Agora devia enfrentar
a verdade: Amélia o amava. Sentiu asco e repugnância ao lembrar a forma como a tinha
dispensado. Apesar de ser consciente de ser atraente, King tinha esquecido o que era se
sentir desejado fisicamente por uma mulher e, temeroso de que a única razão para
abandonar-se em seus braços fosse a cobiça, tinha adotado uma atitude fria e
defensiva. Amélia tinha tentado demonstrar que o queria e ele a tinha traído. Alan tinha
razão. Amélia tinha motivos para odiá-lo. Jogou o cigarro ao chão e contemplou como a
chama azulada se extinguia lentamente.
— Já sei que não sente nada por ela — continuou Alan mais tranqüilo. — Não era
minha intenção falar de sua falta de sentimentos, mas tem que compreender que Amélia
é como uma irmã para mim e que seu futuro me preocupa. Quero cuidar dela.
— Isso não basta — resmungou King.
— Será suficiente — replicou seu irmão. — Viveremos felizes e nossos filhos nos
manterão unidos.
Não podia ficar calado mais tempo. Alan devia saber que provavelmente já havia um
filho a caminho. Entretanto, aterrorizava-o pensar que fosse assim. Ficava repetindo a
si mesmo que era uma possibilidade muito remota. Enfim, tudo tinha acontecido muito
depressa e não tinha sido nada agradável para Amélia, o que reduzia a possibilidade de
uma gravidez. King suspirou, desejando saber mais sobre os segredos da vida. Só
restava esperar que não houvesse conseqüências imprevistas, mas não podia permitir que
Alan se casasse com ela sem saber que…
— Alan, devo dizer… — começou.
— King! Alan! — chamou-lhes sua mãe da porta. — Amélia despertou!
Os dois irmãos se precipitaram escada acima; um, esperançado; o outro, assustado.
Brant estava em pé junto à cama e parecia perplexo. Fez um gesto a seus filhos para
que se aproximassem.
King chegou primeiro junto à Amélia. Se o odiava devia saber antes de todos e
agüentar as conseqüências como um homem.

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— Amélia? — disse carinhosamente, inclinando-se sobre seu doce rosto e olhando


aqueles lindos olhos castanhos. Ela pestanejou.
— Minhas costas… — gemeu. — Dói muito… Porquê está enfaixada?
— Sofreu um… acidente — respondeu King. — Amélia, eu…
Amélia o olhava com curiosidade e receio, mas em seus olhos não havia traços de
ódio. King se sentiu o homem mais feliz do mundo e esqueceu seus temores. Ela não
podia odiá-lo se o estava olhando assim. Conteve a respiração enquanto a felicidade
iluminava seu rosto. Nunca havia se sentido tão radiante, e tudo porque Amélia não o
odiava. Contemplou-a extasiado e pensou em como era linda.
-Posso… lhe fazer… uma pergunta? — disse Amélia.
-Naturalmente. Pergunte-me tudo o que quiser!
-Quem é… você?

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CAPÍTULO 12

Quinn decidiu acampar entre Del Rio e Juarez, junto a um pequeno riacho. Sua jovem
acompanhante não tinha aberto os lábios e Quinn se perguntou se seguiria preocupada
com o acontecido na noite anterior.
— Está muito calada — disse enquanto colocava uma frigideira no fogo para esquentar
os feijões. – Está com fome, não?
— Sim – respondeu ela enrolando-se em seu xale. — Estava pensando no Manolito e
no que meu pai lhe fará quando souber o que aconteceu. Espero que lhe corte o pescoço!
— O que seu pai faz? É um camponês ou um fazendeiro?
— É um bandido — respondeu ela, sorrindo ante sua expressão de fingida
estupefação. — Vejo que se surpreende, senhor. Não se preocupe, não lhe fará mal. Ao
contrário, ficará muito grato por me levar para casa sã e salva. Entretanto —
acrescentou com gesto preocupado — Não deve saber o que aconteceu entre nós. Ficaria
muito magoado.
— Compreendo. Também sinto o mesmo. Sabe, nunca tinha obrigado uma mulher a
fazer alguma coisa contra sua vontade. Eu não sabia que não era como as demais nem
que estava drogada. Estou arrependido do que fiz.
— Eu também — suspirou a moça, — mas isso não muda as coisas. O fato, está
feito. A Virgem nos perdoará, senhor, e castigará Manolito por sua traição.
— Conte-me mais sobre seu pai — disse Quinn.
— É um bom homem, senhor — respondeu ela solenemente. — Muitas coisas que as
pessoas dizem dele não é verdade. Gosta de seu povoado e cuida dele como um pai. Vela
para que os pobres tenham roupa e comida; os doentes, remédios; e os bebês, leite.
Nem o governo nem os fazendeiros querem saber de nós. Se não fosse por meu pai e
seus irmãos, nosso povo teria morrido há muito tempo.
— E diz que você é sua filha? — perguntou Quinn acariciando a estrela de prata de
cinco pontas que escondia em um bolso de sua jaqueta.
— Meu verdadeiro pai morreu quando eu tinha dez anos. Minha mãe, viúva e com três
filhos pequenos, voltou a se casar. Precisávamos de alguém que nos ajudasse a levar
nossa granja adiante, mas o homem que escolheu como marido era um bruto. Tratava-nos
como escravos e nos fazia trabalhar de sol a sol. Trabalhávamos muito e não nos dava o
que comer. Meu irmão pequeno morreu em pouco tempo e, embora minha mamãe se
ressentisse muito, permaneceu a seu lado. Naquela época ele começou a fixar-se em
mim… Compreende?
— Sim.

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Amélia Diana Palmer

— Um dia foi à cidade vender algumas cabeças de gado e se embebedou com seus
amigos. Decidiram assaltar e queimar nossa granja. Minha mãe e meu irmão mais velho
morreram no incêndio. Seus amigos disseram que eu valia mais que todos os cavalos que
acabavam de roubar e me levaram com eles. Sua maldade chegou aos ouvidos do bandido
Rodríguez que, temendo que o acusassem disso, saiu a sua procura e os alcançou quando
tentavam se refugiar nas montanhas.
— E por que não a matou também? — perguntou Quinn.
— Eu não parava de chorar e de chamar minha mãe. Um homem enorme se aproximou
de mim fazendo soar as esporas. O resplendor do fogo a suas costas aumentava sua
sombra e lhe dava uma aparência sinistra. A primeira coisa que pensei é que precisava
de um bom barbeador e que seu rosto e seu bigode eram muito grandes. Entretanto,
tinha os olhos mais bondosos que vi em minha vida, senhor — acrescentou com um
sorriso. – Me fez sentar junto a ele, segurou-me a mão e começou a me falar em
espanhol. Não entendi nada do que disse, nenhuma palavra, mas soava tão doce como
uma canção de ninar. Então comecei a chorar de novo e ele me abraçou. Cheirava a
tabaco e a cavalo, mas conseguiu me tranqüilizar. Um de seus homens falava um pouco
de inglês e me disse que não ia me causar nenhum dano e que iam me levar para a sua
casa, onde cuidariam de mim e de meu irmão. Então aí sim, que chorei de verdade,
senhor, porque temia que seu interesse em mim fosse… já sabe, como tinha acontecido
antes.
— Falou com ele de seu padrasto?
— Sim. Sentia um pouco de vergonha, mas contei tudo. Deveria ter visto como os
olhos brilhavam! Voltou-se para seus homens e lhes disse alguma coisa que não entendi.
Fez com que aquele homem me dissesse que me ia levar com eles a Malasuerte e que
quando me transformasse em sua filha ninguém se atreveria a me fazer mal. Tentei
falar de meu irmão, mas ele me acariciou com a mão e me disse que tentasse dormir.
Quando despertei, meu irmão estava acomodado junto a mim. Não podia acreditar. Tudo
me parecia um milagre! — riu. — Estávamos rodeados de bandidos e mais a salvo que
nunca. Não há muito mais para contar — acrescentou depois de uma breve pausa. — Em
pouco tempo encontraram a minha mãe e meu padrasto mortos. Nunca perguntei o que
aconteceu e acredito que prefiro não saber. Chorei muito pela minha mãe, mas meu novo
pai, Rodríguez, cuidou de mim e do meu irmão. Embora sejamos muito pobres, nos
amamos muito — disse olhando Quinn fixamente. — Rodríguez é o pai de todos. Papai
Velho, assim o chamam no povoado.
— É realmente velho? — perguntou Quinn.
— Sim, muito velho.
— Mas sábio como o mais jovem e conserva a cabeça muito clara. Faria qualquer
coisa por ele. Espero que mate Manolito! — acrescentou entreabrindo os olhos.
A cabeça de Quinn dava voltas. Sabia que o menino que tinha levado a Juarez era
seu irmão. Parecia que o destino tinha vontade de brincar com ele. Alegrou-se de não
ter dito a verdade quando tinha perguntado por que estava no México. Ela tampouco

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devia saber que sua missão era capturar Rodríguez e o entregar às autoridades do Texas
para que o enforcassem.
— Parece preocupado — disse ela. — Não fique, não foi culpa sua. Você não podia
saber que eu não…
— Não posso deixar de pensar nisso — replicou Quinn, e lhe estendeu um prato de
feijões.
— Poderia ter sido qualquer outro — continuou ela enquanto começava a comer. —
Você se portou muito bem comigo e estou muito agradecida.
— De qualquer maneira, não deveria ter acontecido.
— Não permitirei que Rodríguez lhe faça nenhum mal — assegurou-lhe. — Estes
feijões estão bons, senhor.
— Sim.
Parecia que finalmente o escorregadio Rodríguez estava a seu alcance. Devia ter
muito cuidado. Provavelmente fosse uma boa idéia esconder sua estrela dentro de uma
bota. Doía pensar que ia ter que trair a sua bela acompanhante.
— Ainda não me disse como se chama — disse.
— Meu verdadeiro nome é Mary mas todo mundo me conhece por Maria. E você?
— Quinn — respondeu.
— Quinn — repetiu ela. — Eu gosto. Tem mais feijões?
Quinn lhe serviu uma segunda porção enquanto pensava que estava diante da moça
mais encantadora e bonita que tinha visto em sua vida. Se perguntou se Amélia estaria
de acordo.

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Acreditando que tinha ouvido mal, King se aproximou de Amélia um pouco mais.
— Perdão?
— Eu perguntei que… quem é você — repetiu ela —. Minha cabeça dói.
— Não me reconhece? — insistiu King.
Amélia o olhou nos olhos pensando que seu tom a lembrava a frieza da prata. Não
era bonito, mas tinha uma estatura considerável e mãos muito bonitas: grandes e de
unhas curtas. Estava muito moreno, e embora usasse um terno, não parecia um homem
da cidade.
— Você é… um vaqueiro? — perguntou.
— Mais ou menos — respondeu, estupefato. — Está certa de que não reconhece
nenhum de nós?

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Amélia Diana Palmer

Havia um rapaz loiro de olhos castanhos muito bonito, um homem maior e mais forte
que os outros dois e uma mulher de cabelo grisalho e olhos escuros. Todos pareciam
preocupados.
— Sinto muito — suspirou Amélia. — Vocês são parentes… meus?
Estava segura de que o homem de olhos prateados não era, mas não sabia como tinha
chegado a essa conclusão. Por alguma razão, sua presença a incomodava e inquietava,
apesar de não ser mais que um desconhecido.
— Não, querida. Não somos parentes — disse Enid afastando lentamente King. — Me
diga, como se encontra?
— Tenho dor de cabeça… e também me dói as costas — disse levando a mão à
têmpora. — Estou um pouco enjoada. Bati com a cabeça? — perguntou ao notar um
enorme galo.
— Sim — respondeu Enid —. Pobrezinha.
— Alan, vá procurar o doutor — ordenou King.
— Pode ser que esteja na casa da senhora Sims. Ouvi dizer que esta tarde teve um
bebê — disse Enid.
Alan saiu da casa rapidamente. Na metade de caminho se encontrou com o doutor.
— Como vai? — perguntou.
— Retornou a si, mas não reconhece ninguém — informou Alan.
— É compreensível, depois de uma experiência tão traumática — replicou o doutor
Vasquez meneando a cabeça com preocupação. — Pode ser que uma parte do cérebro
tenha ficado danificada.
— Recuperará a memória?
— Quem sabe, senhor? Está nas mãos de Deus e será o que ele queira.
O doutor os fez sair do quarto e voltou a examinar Amélia.
— Estou bem, doutor — insistiu ela. — Não me aconteceu nada… — interrompeu-se e
franziu o cenho. — Meu pai… — disse lentamente. — Estava me batendo quando… Estava
me batendo! — exclamou.
— Sinto lhe comunicar que seu pai morreu, senhorita — disse o doutor Vasquez e
segurou sua mão.
— Morto. Morto… — murmurou ela enquanto as lágrimas afloravam em seus olhos -.
Oh, Meu Deus !
-Lembra que lhe falei de um possível tumor no cérebro? Meus exames confirmaram
que se estendeu rapidamente. Sofria dores terríveis e não tinha sentido tentar alongar
sua vida. Foi feita a vontade de Deus, senhorita.
— Não me lembro. Só lembro que me batia — soluçou Amélia. — Por que o fez,
doutor?

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— Não sei. — Preferia não lhe contar suas suspeitas sem antes estar certo do que
tinha acontecido. — Com quem esteve ontem, senhorita? Lembra-se?
— Acredito… acredito que fui no piquenique com… Alan. Sim, isso! O rapaz loiro se
chama Alan, não é? E também estão seus pais. O outro homem… não sei quem é. Não me
lembro! — exclamou, cobrindo o rosto com as mãos em pânico.
— Fique tranqüila — disse o doutor, e começou a compreender. — Não deve fazer
esforços. Não se preocupe, pouco a pouco recuperará a memória. Às vezes, o cérebro
tenta nos proteger nos ocultando nossas experiências mais amargas.
Amélia sossegou um pouco. Não se atrevia a olhar depois da cortina que escondia seu
passado.
— Repito que não o conheço — assegurou.
— Está bem, não tem importância — disse o médico. — Agora lhe darei alguma coisa
que aliviará sua dor. Tente dormir um pouco. Quando se encontrar melhor irá a Látego
com os Culhane. Ali será mais bem atendida.
— Não, a Látego, não! — exclamou. — Não quero ir para lá!
— A senhora Culhane cuidará de você como se fosse uma filha — insistiu o doutor
Vázquez. — Ali não irá acontecer nenhum perigo. Avisamos a seu irmão. Lembra de seu
irmão?
— Meu irmão… Quinn — murmurou enquanto em sua mente se formava a agradável
imagem de um jovem alto e loiro. — Sim, lembro!
— Não demorará a chegar. Far-lhe-á bem ter por perto um membro de sua família.
— Meu pai! — exclamou Amélia. — O funeral!
— Não se preocupe, cuidaremos de tudo — assegurou-lhe o doutor —, mas você não
deve assistir. Não está em condições, senhorita, sinto muito. Encontra-se muito fraca e
deve permanecer em casa. Eu arrumarei tudo.
— Que Deus o abençoe, senhor — suspirou ela.
— E a você também — respondeu o doutor Vázquez, indo embora. — Voltarei dentro
de alguns dias. Boa noite.
— Obrigada de novo.
— De nada — replicou ele com um sorriso.
Saiu do quarto e fechou a porta lentamente. Lá fora, três pares de olhos
espectadores cravaram-se nele.
— Recuperou a memória parcialmente — informou-lhes. — Proibi-a de assistir o
funeral de seu pai. Será melhor tirá-la desta casa o quanto antes.
— Sim — replicou Brant. — Amanhã na primeira hora enviarei um coche. Mas me
diga, doutor, do que lembra exatamente?
— Pouca coisa — respondeu o médico. — Só a surra que seu pai lhe deu. Também
reconheceu o senhor e sua esposa e a Alan.

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Amélia Diana Palmer

— O que diz de mim? — perguntou King aparecendo com um copo de brandy na mão.
— Lembra-se?
— Temo que não.
Mas o doutor suspeitava que Amélia se lembrava perfeitamente embora por alguma
razão se negava a admiti-lo. Fosse o que fosse o que provocava aquela estranha aversão
a King, não favorecia sua recuperação. No momento era melhor não forçá-la.
Certamente tinha uma boa razão para adotar essa atitude.
King se sentiu desconcertado. Baixou a cabeça e olhou o copo apoiado sobre a mesa,
com uma expressão triste e ausente que sua família não lembrava de ter visto desde a
morte da Alice.
— Irá se recuperar logo, não é verdade, doutor? — insistiu Enid.
— Não sei, senhora. As batidas na cabeça são muito delicadas. Sobretudo, não
devem deixá-la sozinha. Diz que está um pouco enjoada e isso pode ser perigoso.
Administrei-lhe um sedativo e dormirá toda a noite. Não deixem de me chamar caso
necessitem.
— Não sairei de seu lado — prometeu Enid.
— Nem eu — acrescentou Alan.
King continuava absorto em seus pensamentos e não escutava ninguém. Agora ele era
o único que sabia o que tinha acontecido aquela tarde. Nem sequer a própria Amélia
imaginava que podia estar grávida. Devia tomar uma decisão. O que podia ocorrer se não
recuperasse a memória completamente? King não podia permitir que se casasse com Alan
sem que este soubesse que podia estar grávida dele.
O médico estava lhe dizendo alguma coisa que não tinha entendido. Tampouco tinha se
dado conta de que os outros tinham subido para o quarto de Amélia e o tinham deixado
sozinho.
— Perdoe, o que disse? — perguntou distraidamente.
— Me acompanhe, senhor Culhane, por favor. Há algo que eu gostaria de comentar
em particular.
King o seguiu até o escritório. O doutor Vázquez fechou a porta e o olhou com
perspicácia.
— A senhorita Howard não sofreu só uma surra. Em sua roupa íntima havia vestígios
inequívocos de recentes relações sexuais. Sabe se seu pai a violou?
— Como se atreve a…! — replicou King.
-Acha que isso não acontece? — replicou o doutor. — Se você soubesse as
atrocidades que vi… Devo ficar sabendo. Se tiver acontecido, pode ser que tenha ficado
grávida. Terei que lhe medicar imediatamente. Sem que ela saiba, podemos lhe dar umas
ervas e lhe provocar um aborto.

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King olhou o doutor sem saber o que dizer. Matar o bebê, isso é o que tinha
sugerido. Isso significaria tratar Amélia como qualquer mulher que só se deita com
homens por dinheiro. Se Amélia estivesse grávida se tratava de seu próprio filho, sangue
de seu sangue.
— Não foi seu pai, não é verdade? — aventurou o doutor, lendo no pálido rosto de
King como em um livro aberto.
— Eu o fiz — confessou. — Seduzi-a como um vulgar don juán.
— E agora ela não lembra de nada.
— Não — disse King bebendo um gole de brandy. — Não lembra de nada.
— O que quer que eu faça, senhor Culhane?
— Não quero que faça nada.
— E se estiver grávida? — insistiu o doutor.
-Lembre-se que está falando de meu filho — resmungou King com olhos cintilantes. —
Meu filho, entende? Cometi um erro e pagarei por isso se for necessário.
— Você a ama, senhor Culhane?
— Naturalmente que não — replicou King. — Considero-a uma mulher detestável.
— Ela o ama.
— Me amava — retificou King. — Isso acabou. Bem, agora já sabe quase tudo. O
resto não é difícil de imaginar. Minha intenção era evitar que meu irmão e ela se
casassem, assim a seduzi e contei a seu pai. Ele foi às nuvens e sua própria violência o
levou a morte. Não tem necessidade de me lembrar dos meus pecados, doutor — disse,
arrastando as palavras. — Sou consciente de que tudo foi por minha culpa. Não é
curioso? Só há outra pessoa que presenciou o acontecido, mas não lembra. Deveria me
sentir feliz de ter me libertado de suas acusações. Meu castigo será viver sob o mesmo
teto durante uma temporada sem saber se carrega meu filho em seu ventre.
— O que pensa fazer se estiver grávida?
— Casarei-me com ela, certamente — replicou King. — Ainda conservo um pouco de
honra.
— Um casamento sem amor não corresponde exatamente com minha idéia de um ato
de honra — falou o doutor Vázquez.
King o olhou fixamente. Se lhe tivesse apontado um revólver pro seu coração não
teria sido tão ameaçador.
— Irei cuidar muito bem dela — disse ao doutor encolhendo os ombros.
— Se estiver grávida, serei o primeiro a saber.
— Está bem, mas não faça nada sem me dizer. — Disse King com aspereza.

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— Nunca faria uma coisa assim — replicou o doutor —, a menos que tenha a certeza
de que esse menino é fruto de uma relação incestuosa. Nesse caso, senhor, farei o que
achar oportuno.
— Diz que seu pai tinha um tumor no cérebro? — perguntou King.
— Sim — suspirou o médico —. Sua morte foi um alívio para essa pobre menina. Por
mais que tenha lhe advertido do perigo que corria, ela se negava a abandoná-lo.
Depois, o doutor partiu. King ficou sozinho no escritório. Bebeu até quase perder os
sentidos. Os médicos sabiam muito de remédios, mas o que ele precisava aquela noite
era uma boa bebedeira que lhe obstruiria a razão. Não queria pensar nos problemas que
tinha causado a seus seres mais queridos por medo de ficar louco. A taça escorregou
entre os dedos e caiu no chão produzindo um ruído seco. King reclinou a cabeça no
respaldo da poltrona do Hartwell Howard e ficou profundamente adormecido.
Minutos depois de meia-noite, Enid entrou no escritório para acender o fogo e
encontrou seu filho mais velho em um estado lamentável. Sorriu tristemente e passou o
olhar pelo escritório procurando algum cobertor para lhe cobrir. Encontrou uma manta de
viagem cuidadosamente dobrada sobre uma cadeira e a jogou em cima dele.
O pobrezinho estava passando uns maus bocados. A aguda intuição de Enid lhe dizia
que entre Amélia e King havia um segredo, mas desconhecia do que se tratava. Era muito
estranho que Amélia tivesse reconhecido todo mundo exceto King. Estava segura de que
isso atormentava seu filho e se arrependeu de ter sido tão dura com ele em algumas
ocasiões. Só restava confiar em que o tempo contribuísse para a recuperação de Amélia
e a quietude de King.

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CAPÍTULO 13

Na manhã seguinte, os Culhane conduziram Amélia a Látego. Ainda não tinham


conseguido localizar Quinn, embora houvesse sido visto em Del Rio. O corpo do Hartwell
Howard descansava na funerária, mas devia ser enterrado no dia seguinte, com ou sem a
presença do Quinn.
Amélia pediu para lhe ver, mas topou com a firme oposição dos Culhane. Temiam que
a impressão fosse muito forte e que sua saúde não resistisse. Tampouco mencionaram
nada sobre os detalhes do funeral.
King se negou a acompanhá-los no coche e retornou sozinho a Látego. Amélia fugia
dele como se estivesse correndo do diabo. A única vez que seus olhares se cruzaram, ela
tinha baixado os seus. Se Quinn não aparecesse até o anoitecer, ele mesmo iria lhe
buscar. Desse modo se veria livre da presença de Amélia durante alguns dias.
Alan e Enid a instalaram na parte traseira do coche e Brant na boléia. Amélia se
sentia muito frágil e a poeira do caminho a incomodava. Quando chegou a Látego a
cabeça doía intensamente. A vista do rancho lhe produziu uma estranha inquietação.
Lembrava de ter estado ali na companhia de Alan e lembrava do seu pai ameaçando-a
com o cinturão na mão. Por que não podia lembrar o que tinha acontecido nesse
intervalo? E por que a presença de King a assustava?
Alan a ajudou a descer do coche e se empenhou em levá-la nos braços até seu
quarto, mas Amélia protestou.
— Não é necessário — disse, suave mas firmemente. — Me deixe apoiar em seu
braço e será suficiente.
Ao chegar à porta principal se deteve e olhou Enid com olhos assustados.
— Não quero causar nenhuma incômodo, senhora — desculpou-se. — Acredito que seu
outro filho se incomoda com minha presença nesta casa. É um rapaz muito educado, mas
leio em seus olhos. Não devo abusar de sua hospitalidade.
— Nem pensar — falou Enid. — King não é ninguém para me dizer quem eu posso
convidar para minha própria casa. Além disso, de onde tirou essa idéia absurda de que
ele não a quer aqui? King está tão preocupado com você como nós.
Amélia se sentia muito cansada para discutir e se deixou conduzir até o quarto dos
hóspedes. Ao passar diante de um quarto, o coração deu um salto embora não soubesse
explicar porque. Ultimamente estavam ocorrendo coisas tão estranhas…
Enid e Rosa, a faxineira mexicana dos Culhane, desempacotaram os escassos
pertences de Amélia e colocaram sua roupa no armário. Não se atreveram a dizer nada,
mas ambas trocaram eloqüentes olhares ao descobrir a simplicidade de suas roupas.
King não deu sinais de vida durante toda a tarde. Alan preferiu não ficar com
Amélia, alegando que ficava embaraçoso ela estando de camisola, assim foi Enid quem
ficou junto a ela até que dormiu.

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De noite ajudou Rosa a preparar o jantar e, enquanto conversavam sobre Amélia,


King fez sua aparição pela porta da cozinha. Suas roupas estavam cobertas de pó e tinha
um aspecto cansado.
— Esperamos por você por um bom tempo — disse Enid.
— Sinto ter me atrasado — desculpou-se enquanto se dirigia à pia para lavar as
mãos. — O que dizia sobre Amélia?
— Rosa e eu comentávamos que essa pobre menina tem pouca roupa. Com muita
dificuldade enchemos duas gavetas — respondeu Enid, muito concentrada na massa das
bolachas para o olhar — e as que tem são muito usadas. Seu pai, por outro lado, se
vestia impecavelmente.
— E ainda teve a desfaçatez de chamá-la frívola diante de todos nós… — lembrou
King.
— É verdade. Guarde essa bandeja, por favor — Enid pediu a Rosa.
— Como está Amélia? — perguntou King depois de uma pausa.
— Queixa-se de dores — falou sua mãe —, e temo que não se sente a vontade nesta
casa. Diz que você a faz se sentir incomodada.
-E o que quer que eu faça? Que a faça ver que estou encantado de tê-la aqui? —
protestou ele.
— Vejo e não acredito! — exclamou sua mãe, atônita. — O que há com você, King?
Lembro do menino que estava acostumado a trazer para casa todos os bichinhos feridos
que encontrava. E agora temos aqui Amélia, a quem seu pai esteve a ponto de matar com
uma surra, e você não sente nem um pingo de compaixão por ela.
King baixou os olhos, envergonhado. O rosto de sua mãe tinha uma expressão mais
dura que a mesa onde repousava a massa das bolachas.
— Fico com pena, claro — respondeu.
— Não se preocupe — disse Enid. — Não terá que agüentar sua presença durante
muito tempo. Não deixa de falar de uma prima dela que vive na Flórida e está decidida a
partir. Terá que vender a casa. É uma lástima, mas Quinn não pode mantê-la sozinho.
O estômago de King se encolheu. Se Amélia partisse e descobrisse que estava
grávida, como ia saber que era dele? Certamente que não lhe passaria pela cabeça
escrever para dizer-lhe, porque não saberia que o filho era dele.
— Decidiremos como solucionarmos isso — concluiu Enid enquanto preparava uma
bandeja com o jantar de Amélia.
King nem sequer respondeu. Dirigiu-se à sala de jantar, absorto em seus
pensamentos, e não abriu os lábios durante um bom tempo.

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Amélia Diana Palmer

— Ainda não localizaram Quinn — disse Brant com preocupação. — Não sei como lhe
comunicar a morte de seu pai. Recebi um telegrama de Alpine que me comunica que está
em algum lugar do México na pista de Rodríguez. Não podemos manter o corpo do senhor
Howard na funerária durante muitos dias. Merece um enterro cristão o quanto antes.
Alguém deveria se ocupar de quitar seus negócios, mas eu não os conheço a fundo e
Amélia não está em condições de se ocupar disso.
— Se Quinn não aparecer até amanhã à tarde teremos que enterrar seu pai sem sua
presença. Eu mesmo posso ir ao México para lhe buscar — ofereceu-se King.
— O México é muito grande — interveio Alan —, e Rodríguez está acostumado a
atacar os viajantes solitários que se aventuram a atravessar a fronteira. Não
necessitamos de outra tragédia.
— Sou consciente dos riscos — replicou King lhe dirigindo um olhar fulminante.
— Sua mãe lhe falou que Amélia quer mudar-se para a casa de sua prima o quanto
antes? — perguntou Brant.
— Sim, e não estou de acordo — falou King. — Sua prima e ela apenas se viram
algumas vezes. O que vai fazer em uma casa onde todo mundo a tratará como uma
estranha?
— E o que me diz de você, filho? — falou Brant. — Não é você o que a trata
exatamente assim?
— Admito que sua companhia não é nada estimulante, mas nesta casa ninguém a
tratará mal.
— Ninguém exceto você — reprovou-lhe Alan.
— Eu não a tratei mal — resmungou King enquanto seus olhos começavam a faiscar.
— Durante as últimas vinte e quatro horas, não — admitiu Alan —, mas quer que o
lembre de todas as maldades que provocou? Não iria estranhar se fugisse apavorada
desta casa assim que recupere a memória!
King avançou para seu irmão com expressão hostil, mas Brant se interpôs em seu
caminho.
— Já é suficiente — disse com firmeza. — Este não é o lugar nem o momento
apropriado para uma briga entre irmãos. Pensem em sua mãe. Está muito abatida com o
acontecido.
— Está bem — disse Alan alisando a jaqueta, mas sem perder King de vista.
Nesse momento, Enid entrou na sala com uma bandeja na mão.
— Vou levar o jantar para Amélia — anunciou. — Não demorarei. Por que não vão se
sentando na mesa?
Sua entrada contribuiu para relaxar a tensão entre os três homens. Enid se
preocupava até onde podia chegar. Alan culpava King e King culpava a si mesmo.
Certamente, isso explicava seus incompreensíveis arrebatamentos de mau humor.
Sentiu pena de seu filho mais velho. Nunca tinha sido capaz de engolir seu orgulho.

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Amélia Diana Palmer

Chamou carinhosamente na porta do quarto de Amélia e entrou. Ao que parece,


acabava de despertar.
— Acho que dormi muito — murmurou Amélia com um sorriso.
— Parece. O médico disse que precisa descansar. Agora deve comer alguma coisa.
Trouxe um pouco de sopa.
— Você é muito amável, senhora.
Estava muito bonita com sua camisola branca de laços e seu loiro cabelo preso em
uma larga trança.
— É um prazer me ocupar de uma moça tão agradável como você — falou Enid. —
Vamos, deixe que eu te ajude. Está muito pálida, querida. Quer que traga seu remédio?
— Acredito que depois de jantar tomarei algo para a dor de cabeça. Ainda não
passou.
— Não tenha pressa. Tem um hematoma enorme — disse Enid.
Amélia levou a mão à têmpora e fez uma careta de dor.
— Dói muito?
— O maior problema é esta constante dor de cabeça. Amanhã me encontrarei melhor,
verá… Meu pai! O funeral! — exclamou de repente, depositando a colher no prato. —
Onde está meu irmão?
— Ninguém sabe exatamente onde está. O funeral acontecerá amanhã e, sinto muito,
Amélia, você não assistirá. Não está em condições.
— Que situação terrível — suspirou com tristeza e fechou os olhos. — O que fiz para
que meu pai me batesse dessa maneira?
— Seu pai estava doente, querida — replicou Enid. — Não foi sua culpa.
— Vejo que não entende — exclamou Amélia. — Meu pai não me bateria sem uma boa
razão. Lembro que estive aqui com Alan e lembro do meu pai me batendo com o cinturão.
Por que não posso lembrar mais? Acha que Alan sabe alguma coisa?
— Não, querida — apressou-se a responder Enid —, Alan não sabe nada. Ele não a
viu depois que foi embora daqui.
— Então deve ter acontecido alguma coisa em minha casa. – disse Amélia. —
Provavelmente os empregados do banco saibam do que se trata. Quando me encontrar
melhor irei ali perguntar.
— Parece-me uma boa idéia — disse Enid enquanto mentalmente tomava nota para lhe
impedir a todo custo.
— A sopa está muito saborosa e você é tão boa comigo… — disse Amélia, emocionada.
— Coma tudo, dentro de alguns momentos virei pegar a bandeja.
Enid retornou à sala de jantar, onde seu marido e seus filhos a esperavam.
— Comeu alguma coisa? — perguntou Alan.

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— Sim. Diz que adora minha sopa. Entretanto, está obcecada para averiguar o que
aconteceu depois que saiu desta casa — acrescentou, olhando de esguelha para seu filho
mais velho. — Será melhor não lhe dizer nada. Quanto menos a lembrarmos das
circunstâncias que rodearam a morte de seu pai, melhor.
— Estou ciente de não tê-la ofendido com minhas palavras — disse Alan. — Não sei
se meu irmão pode dizer o mesmo…
— Já é suficiente, Alan — replicou King.
— Maldito seja, podia ter morrido por sua culpa!
King não pôde conter-se. Jogou o guardanapo no chão, abandonou a casa a grandes
passadas e se dirigiu ao estábulo, após fechar a porta principal com força.
— Não podemos continuar assim, Alan — repreendeu-o sua mãe. – Ainda não se deu
conta de que King está remoendo a consciência pelo que fez e não sabe como arrumá-lo?
— Sinto haver me excedido — desculpou-se —, mas cada vez que penso no que fez a
Amélia…
— King tem um grande peso sobre sua consciência e terá que superar sozinho —
replicou seu pai. — Não o provoque.
King montou em seu cavalo e se dirigiu ao rancho dos Valverde. Estava com o chapéu
inclinado e um cigarro aceso na mão. Nem sequer reparou em que não estava com roupa
apropriada para uma visita. Ansiava fugir das recriminações de sua família, de Amélia e
das lembranças. Com o olhar fixo no horizonte, galopou até a fazenda de sua noiva.
Darcy lhe ajudaria a esquecer. Até porque, logo ia ser sua mulher. Já era hora de
começar a praticar seu papel de alma gêmea.
Entretanto, aquela noite Darcy estava com um humor de cão. Sua faxineira queimou
um de seus vestidos ao passá-lo e Darcy, cega pela ira, insultou cruelmente a pobre
mulher sem se sentir absolutamente incomodada pela presença de King. Ele jamais a
tinha visto tão furiosa, sua mãe jamais tinha xingado uma criada.
— Mulher idiota! — exclamou Darcy acariciando o tecido queimado. — Era meu melhor
vestido e ia pô-lo para você, King.
Aproximou-se dele e pestanejou sedutoramente.
— Quer me beijar? Esta noite estamos sozinhos. Depois, tem direito de fazê-lo.
Logo vamos nos casar, não?
Mas King não estava muito certo de desejar um casamento com uma mulher como ela.
Na realidade, a idéia de viver com Darcy se tornava insuportável. Olhou-a e pela
primeira vez a viu como realmente era. Seus olhos lembravam os de uma serpente e, a
menos que pudesse obter alguma coisa em troca de sua amabilidade, mostrava-se fria e
egoísta. Sua beleza não compensava os defeitos.
— Está errada. Não estamos comprometidos — replicou ele.
— O que quer dizer? — perguntou Darcy arqueando as sobrancelhas.

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Amélia Diana Palmer

King estava fora de si. Seus sentimentos eram cada vez mais confusos e Darcy o
estava colocando contra a parede.
— Não é o melhor momento para falarmos do assunto — disse. — O pai de Amélia
Howard morreu ontem à noite por causa de um tumor cerebral e ela se instalou no
rancho até que localizemos Quinn.
-Oh, o senhor Howard morreu… — murmurou Darcy com fingido sentimento. – Sinto
tanto! Como está Amélia?
— Muito afetada. O homem virtualmente morreu em seus braços.
— Pobrezinha! Amanhã irei vê-la. Só veio me falar do senhor Howard?
— Pois …
— E também para fugir da senhorita Howard, suponho. Estou errada? — insinuou
maliciosamente.
King não respondeu. Tinha uma sensação estranha e começava a se perguntar o que
fazia ali. Porque a última coisa que ia conseguir de Darcy era consolo e compaixão.
— Devo ir — disse secamente.
— Diga a sua mãe que amanhã à tarde farei uma visita, mas que não poderei ficar
muito tempo. Suponho que se lembre de que às seis teremos um jantar na Sutton House.
— Lembro perfeitamente.
— Estarão ali o senador Forbes e sua esposa. Convém nos relacionar com políticos
importantes — acrescentou astutamente.
King não se importava com as relações com os políticos. Entretanto, Darcy parecia
lhe dar muita importância.
— A verei amanhã — disse inclinando-se para beijar sua face -. Boa noite.
Surpreendida, Darcy franziu o cenho. O King que ela conhecia era mais incisivo e
menos reservado. Estava com um humor estranho e quando tinha mencionado o casamento
deles tinha agido como se nunca houvessem falado do assunto. Teria que lhe pressionar
um pouco mais. Pelo bem de sua família, não podia permitir o luxo de deixar escapar a
fortuna dos Culhane.
King retornou a Látego perdido em seus pensamentos. Devia tomar uma providencia a
respeito de Amélia. O fato dela ainda não ter recuperado a memória, só fazia piorar a
situação. Não podia seguir adiante com seus planos de se casar com Darcy quando podia
ter deixado grávida outra mulher. Às vezes era tão difícil se comportar como um
cavalheiro… Não podia negar que ele era o único culpado dos problemas de Amélia e dos
seus próprios. Nas últimas horas não tinha deixado de rezar para que Amélia não
estivesse grávida. Se isso ocorresse ambos se veriam empurrados a um casamento
condenado a ser uma prisão da qual seria impossível escapar.

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Amélia Diana Palmer

Quinn acompanhou Maria até o povoado de Malasuerte. Como a maioria dos povoados
mexicanos, era muito pobre. As pessoas o olhavam da porta de seus modestos barracões
com teto de palha, alguns sorrindo e outros não. Os gringos não eram bem-vindos no
povoado.
— Meu pai ficará encantado de me ver sã e salva e ficará eternamente agradecido
por me ter trazido para casa — disse Maria com olhos brilhantes.
— Até que se inteire do que aconteceu entre nós — acrescentou Quinn.
— Eu não penso em lhe dizer — replicou Maria — e você tampouco o fará. É apenas
entre nós dois, você mesmo disse.
Quinn assentiu, mas seguia preocupado. Estavam falando do bandido Rodríguez. Devia
deixar seus sentimentos de lado e levar esse homem ante a justiça.
Certamente, não ia ser tarefa fácil. Rodríguez jogava com a vantagem porque estava
em seu território. Podia tirá-lo do povoado amarrado na sela de seu cavalo e levá-lo a
rio Grande protegido pela escuridão da noite, mas não seria um plano fácil de levar a
cabo. Ele era um homem só e Rodríguez tinha inúmeros amigos.
Além disso, havia Maria. Parecia-lhe a moça mais valente e bonita que tinha visto em
toda sua vida e cada vez mais se sentia atraído por ela.
Deteve o cavalo em frente à cabana que lhe indicou e a ajudou a descer. Maria se
sentiu protegida em seus braços e Quinn sorriu assanhado. Era linda. O fazia se sentir
como um homem de verdade.
— Não tema — sussurrou-lhe Maria. — Não deve ter medo de meu pai.
— Não estava pensando nisso.
— E no que estava pensando, senhor?
— Que eu adoraria beijá-la — respondeu Quinn.
— Me deixe no chão — pediu ela, ruborizando e baixando os olhos. – Aconselho-o que
não tome tantas liberdades comigo diante de meu pai.
— Graças a Deus! — exclamou uma voz com marcado acento espanhol a suas costas-.
Está viva!
Quinn voltou-se e se encontrou cara a cara com seu homem: o bandido Rodríguez.

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CAPÍTULO 14

Na manhã seguinte, King foi o mais madrugador da família Culhane. Ao passar diante
do quarto de Amélia, não pôde resistir à tentação de abrir a porta e deslizar para
dentro furtivamente.
Ficou junto à cama contemplando-a encantado. Dormia placidamente com sua pálida
bochecha apoiada sobre o travesseiro branco. Aquela era a mulher que tinha provocado
tantas e tão contraditórias emoções nas últimas semanas. A desprezava e o resto de sua
família a adorava. Lembrou aquele corpo nu entre seus braços e a ardente reposta a
seus beijos.
Amélia se moveu entre os lençóis e abriu seus lindos olhos castanhos. Franziu o cenho
ao sentir a presença de King.
— Como se encontra, senhorita Howard?
Amélia levou uma mão à têmpora, confusa. Incomodava-a estar sozinha com aquele
homem e escutar sua voz profunda. Cobriu-se até o pescoço com o lençol e respondeu:
— Estou… bem, obrigada.
Franziu o cenho de novo ao sentir como sua respiração se agitava. King interpretou o
desassossego refletido em seu rosto como um indício de que provavelmente começava a
recuperar a memória.
— Conte-me tudo o se lembra daquela noite — pediu-lhe.
Amélia mordeu o lábio enquanto as lembranças formavam redemoinhos em sua cabeça.
— Lembro do piquenique. Sim, Alan me levou ao piquenique. E depois meu pai… meu
pai me bateu.
— E que mais? — insistiu King.
— Não sei… Não me lembro. Minha cabeça dói! — exclamou levando a mão à cabeça.
King teve que conter seu impulso de sacudi-la para lembrá-la o que tinham feito. Ela
tinha sido a culpada de tudo, por não ter oferecido resistência e certamente por isso
fingia não lembrar de nada.
Amélia o olhou nos olhos e o medo invadiu seu corpo.
— Por favor, saia.
— Do que tem medo, senhorita Howard? — perguntou King.

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— Só me sinto assustada quando vejo você diante de mim! — exclamou Amélia


arranhando nervosamente o lençol. — Sei que você me fez algum mal. Não lembro quando
nem por que. Nem sequer lembro o que me fez, mas alguma coisa em mim me diz que não
devo confiar em você … que você é meu pior inimigo.
— E você o meu — replicou King. — Minha própria família me dá as costas por sua
culpa!
— Sério? — falou Amélia com ironia. — Está certo de que essa é a única razão,
senhor Culhane? Realmente, devo ser uma pessoa horrível para lhe obrigar a mostrar
seus piores defeitos.
King arqueou as sobrancelhas, surpreso pelo tom de Amélia. Estava surpreso com sua
reação: o medo que tinha acreditado ver em seus olhos se transformou em desprezo.
— Não penso em discutir meus defeitos com você.
— Pois me alegro! — exclamou Amélia. — Sua mãe comentou outro dia que logo se
casará com a filha do proprietário de um rancho vizinho. Pobre moça! Rezarei por ela.
Aposto que necessitará de muita ajuda divina para viver com alguém como você!
King não acreditava em seus ouvidos.
— Você também vai necessitar da ajuda de Deus se continuar me insultando,
senhorita Howard — resmungou. — Surpreende-me que uma mosca morta como você…!
Não pôde terminar a frase porque Amélia lhe jogou o copo de água que havia sobre a
mesinha de cabeceira. King se agachou bem a tempo e o copo se estilhaçou contra a
parede.
— Fora daqui! — gritou Amélia apesar de sua dor de cabeça. — Durante muito tempo
tive que agüentar com os arrebatamentos de meu pai por medo de piorar sua saúde, mas
não acredito que este seja seu caso!
King retrocedeu alguns passos e se deteve junto à porta, fascinado pela incrível
mudança operada em Amélia da noite para o dia. Devia ser conseqüência da concussão.
— Amélia, você está bem? — perguntou Enid entrando no quarto e surpreendendo-se
com a presença de seu filho.
— Se está bem? — queixou-se King. — E o que diz de mim? Acaba de me jogar um
copo na cabeça. Podia ter me matado!
— Pare de reclamar, por favor. Está certo de que não procurou isso? — perguntou
sua mãe.
— Perdeu a cabeça — resmungou ele olhando-a com olhos brilhantes.
— Está enganado — replicou Amélia. — Você não conhece a verdadeira Amélia
Howard. E agora, faça o favor de sair? Porque não vai ver sua noiva e faz para ela uma
doce serenata como a que acaba de me dar? Estou certa de que adorará escutá-la.
— Boa idéia. Estou certo de que Darcy virá visitá-la esta tarde — disse King.
— Sério? Céus, estou impaciente! — disse Amélia. — Vai vir em um coche guiada por
seis cavalos brancos ou montada em uma vassoura voadora?

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Amélia Diana Palmer

King se precipitou para Amélia, mas Enid se interpôs em seu caminho.


— Fora daqui — ordenou. — Não vou consentir que…!
— Fora! — repetiu sua mãe e o empurrou para fora do quarto.
Depois fechou a porta tendo um repentino acesso de risos.
— O besta! — exclamou Amélia levantando a voz mais que o necessário para
assegurar-se de que King a ouvia. – Quem acredita que é, para entrar em meu quarto
sem me pedir permissão?
Ouviu King amaldiçoar entre dentes e logo se afastar para tomar café.
— Bem, querida — disse Enid. — Estou contente de vê-la tão… mudada!
— Temo que passei dos limites — suspirou Amélia recostando a cabeça sobre o
travesseiro. — É verdade o que disse seu filho? Sua noiva vai vir aqui esta tarde? Não
desejo ver ninguém. Importa-se?
— Absolutamente — respondeu Enid com um sorriso. — Darei lembranças de sua parte
à senhorita Valverde — acrescentou maliciosamente.
King estava no alpendre com seu pai e, a julgar pelas gargalhadas de Brant e os
furiosos olhares que seu filho lhe dirigia, acabava de lhe contar com detalhes o
acontecido com Amélia momentos antes. Enid se aproximou deles enquanto um sorriso
zombador teimava em aparecer em seus lábios.
— Temo que terá que se explicar a sua noiva — enfatizou esta última palavra — que
Amélia está indisposta e não deseja receber visitas.
— Se continuar jogando coisas na cabeça das pessoas, eu mesmo me encarregarei de
que saiba o que é estar indisposta — grunhiu King.
— É verdade que jogou o copo em sua cabeça? — perguntou um surpreso Brant a sua
esposa. — Não posso acreditar!
— Está claro que sabia da doença de seu pai e que se comportava como um manso
cordeirinho para não o irritar — disse Enid. — Com certeza, Quinn nunca mencionou que
Amélia fosse uma moça dócil, mas sim freqüentemente falava de seu gênio e sua forte
personalidade. A morte de seus irmãos e sua mãe e, mais tarde, o acidente sofrido por
seu pai mudaram seu caráter. Mas agora tudo é diferente — acrescentou olhando King.
— Eu se fosse você cuidaria melhor de minhas maneiras, jovem. Tenho a intenção de
repor o copo que se quebrou.
Enid retornou para dentro e Brant ficou de novo a sós com seu filho. Não era preciso
ser um perito para adivinhar a dura batalha que estava acontecendo em seu interior.
— Nunca tinha imaginado que fosse reagir assim — murmurou King enquanto acendia
um cigarro e olhava seu pai. — Suponho que todos pensam que mereço isso.
— Com certeza.
— Certamente têm razão — suspirou. – Que gênio!

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Amélia Diana Palmer

— Lembro que foi você mesmo que disse muitas vezes que uma mulher apática não
vale nada.
King engoliu aquele golpe baixo como pôde.
— Tenho que me ocupar de algumas coisas antes que Darcy chegue — disse, e se
encaminhou para o estábulo. — Não vai achar graça de ter feito uma viagem tão longa
por nada.
Mas King subestimava Darcy. Quando foi conduzida ao interior da casa e Enid lhe
comunicou que Amélia não podia recebê-la porque tinha sofrido uma ligeira recaída,
Darcy rompeu em irados protestos.
— E a ninguém ocorreu de se incomodar em me avisar? — exclamou.
Alan e Brant tinham abandonado a casa ao se inteirar da visita de Darcy, assim
foram Enid e King os que tiveram que suportar os protestos.
— Estou certa de que Amélia não fez de propósito — disse Enid com malícia —, e me
pergunto o que diriam seus pais se tivessem presenciado sua reação. Dê lembranças de
minha parte para eles. Sinto que tenha que nos deixar tão cedo, querida.
Enid ficou em pé e abandonou a sala antes que Darcy tivesse tempo de se desculpar,
não sem antes dirigir um eloqüente olhar a seu filho expressando a pobre opinião que
merecia sua futura noiva.
— Jamais me fizeram uma desfeita semelhante! — exclamou Darcy, indignada. —
Leve-me para casa!
King a segurou pelo braço e a arrastou para fora da sala sem muitas contemplações.
— Não fale assim de minha mãe. Além disso, você procurou isso! Seu comportamento
foi deplorável — exclamou antes de deixá-la no alpendre para ir buscar o coche.
Darcy refletiu sobre quão fervorosamente desejava se tornar a senhora King Culhane
e decidiu engolir o orgulho. Quando ele retornou a seu lado, não constava nenhum rastro
de seu mau humor e voltou a se mostrar carinhosa e solícita.
Amélia escutou do seu quarto tudo o que aconteceu na sala e se sentiu culpada por
ter posto Enid em apuros. Entretanto, se alegrava por ela ter demonstrado a King de
uma vez por todas que ela nunca tinha tido medo de seu pai, mas sim tinha agido assim
devido ao seu temor de piorar sua precária saúde. Ainda não compreendia o que tinha
causado seu último ataque de ira, mas agora ele descansava em paz. Amélia tinha
recuperado sua liberdade e não estava disposta a permitir que nenhum homem voltasse a
tratá-la assim, e muito menos aquele homem. Minutos depois, Enid entrou em seu
quarto.
— Darcy acaba de partir — anunciou. — Fez com que King a acompanhasse porque o
caminho de volta é tão difícil que não sabia se poderia chegar sã e salva — acrescentou,
imitando com perfeição o agudo tom tolo da moça.
— Oh, que pena! — exclamou Amélia.

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Amélia Diana Palmer

— Deveria ter visto a demonstração de boas maneiras que fez lá embaixo — disse
Enid. — E acredite, King tampouco gostou de nada do que presenciou. Espero que este
pequeno incidente lhe abra os olhos de uma vez. Amélia, querida, tem um aspecto muito
melhor! — exclamou de repente.
— Eu gostaria de me levantar amanhã — disse Amélia. — Encontro-me tão bem que
me envergonha de estar o dia todo tombada nesta cama.
— Falaremos disso amanhã. Hoje, procure descansar.
— Como você quiser, senhora — replicou Amélia com um sorriso. — Sinto muito ter
quebrado o copo…
— Não se preocupe. Valeu a pena ver o rosto de King. Tem minha permissão para lhe
jogar tudo o que tiver vontade. Este meu filho precisa que alguém o trate assim de vez
em quando.
— Espero não acabar com todo seu estoque — replicou Amélia.
King conduzia o coche sentado junto a uma Darcy visivelmente ofendida e desgostosa.
Suas tímidas intenções de aproximação não tinham dado o resultado esperado, assim
tinha começado a queixar-se de novo.
— Por que não me avisou que Amélia não se encontrava bem e não desejava receber
visitas? — perguntou pela décima vez. — Eu teria economizado uma viagem fatigante.
King não se incomodou em responder. Ainda estava se recuperando da impressão que
Amélia tinha produzido ao lhe lançar um copo com a intenção de lhe quebrar a cabeça.
Como era a verdadeira Amélia? A Amélia encolerizada e furiosa não se parecia em nada
com a Amélia que abaixava a cabeça ao escutar os ofensivos insultos que seu pai lhe
dirigia.
— Não pensa em dizer nada? — insistiu Darcy.
— Estou escutando — replicou King.
— O que foi que disse do Quinn outra noite?
— Ninguém sabe onde está. México é um país muito grande e parece que foi tragado
pela terra. O funeral acontecerá amanhã às quatro da tarde. Espero que chegue a
tempo.
— Mas já se passaram quase duas horas! — interrompeu-lhe Darcy. — E sua mãe nem
sequer me ofereceu alguma coisa para comer!
— Hoje almoçamos cedo — replicou King. — Como está seu pai? Ainda dói as costas?
A inesperada pergunta obrigou Darcy a mudar de assunto e a fez esquecer a reserva
e a reticência que King tinha mostrado durante toda a tarde.

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Rodríguez abraçou à moça e a levantou em seus braços.

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Amélia Diana Palmer

— Minha menina, minha garotinha! Estive tão preocupado com você! — exclamou,
enquanto duas lágrimas escorregavam por suas bochechas. — Oh, Maria! A tia Inês e o
tio López acabam de trazer o pobre Juliano com um tornozelo torcido. Disse-me que
Manolito te abandonou em Del Rio. Agora mesmo me dispunha a organizar um grupo para
sair em sua busca.
— Manolito está aqui? — perguntou Maria, surpreendida.
— Não, minha menina — respondeu Rodríguez muito sério. — Manolito está morto.
Mas me diga, como chegou até aqui desde Del Rio? E quem é este gringo? — acrescentou
olhando Quinn com suspeita.
Quinn se alegrou de ter tomado a decisão de esconder sua estrela de prata. Olhou o
bandido com uma expressão de completa inocência.
— Sou do Texas, senhor — disse lhe tendendo a mão. — Encontrei a senhorita em um
prostíbulo em Del Rio e a resgatei.
— É a verdade, papai – concordou Maria. — Manolito me deixou em… uma casa de
putas.
— Em uma o que? — rugiu Rodríguez, indo às nuvens.
— Não aconteceu nada — apressou-se a assegurar Maria. — O senhor Quinn me
salvou. Protegeu-me dos homens e ao amanhecer me trouxe de volta até aqui.
É obvio, Maria tomou cuidado de não mencionar o peculiar método empregado por
Quinn para «protegê-la».
— Salvou a minha menina! — exclamou Rodríguez, estreitando Quinn enquanto punha-
se a soluçar. — Que a Virgem o benza, meu filho, pelo que acaba de fazer! Maria é
minha vida. Sem ela, não sou nada.
Tantos cuidados acabaram por incomodar e confundir Quinn. Embora detestasse a
mentira e a falsidade, sabia que não podia deixar escapar aquela incrível oportunidade de
levar um temível bandido para a justiça. Entretanto, havia homens armados por todo o
povoado e não podia precipitar-se. O que mais o preocupava era a reação de Maria
quando se desse conta de que a tinha enganado.
— Entre, senhor — disse Rodríguez dando um tapa nas costas e o convidando a
entrar em sua modesta cabana. — Em espanhol dizemos mi casa es su casa. Entende o
que significa? Percebe que não vivemos em um palácio, mas sempre será bem-vindo aqui,
toda sua vida.
Rodríguez tinha começado a falar, algo que só fazia com seus amigos mais íntimos e
sua família. Quinn se sentiu aflito e baixou o olhar.
Sentaram-se ao redor de um pequeno fogo onde a mulher de Rodríguez estava
cozinhando enchilladas e feijões. O bandido lhe ofereceu um gole de mezcal enquanto
escutava atentamente o relato que Maria fazia em um fluente espanhol. Quando
terminou, dirigiu a Quinn um sorriso recatado e, depois de se desculpar, abandonou a
casa para tomar banho e trocar de roupa.

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Amélia Diana Palmer

— Ah, pobrezinha, não teve uma vida fácil — exclamou Rodríguez após se assegurar
de que Maria não lhes escutava. – Falou de seu padrasto?
— Só mencionou que tratava muito mal a sua família.
— Era um louco — murmurou Rodríguez. — Tentou violentá-la muitas vezes. Também
contou isso?
Quinn baixou os olhos. Não, Maria não havia dito que as coisas tivessem chegado até
esse extremo. Então, tinha sido medo e não inocência o que tinha provocado sua
resistência. Quinn lembrou a facilidade com que se entregou depois das reservas iniciais
e se sentiu pior que nunca. Sem saber, tinha abusado de uma moça que tinha sido
torturada emocionalmente.
— O que aconteceu com seu padrasto? — perguntou Quinn.
Rodríguez passeou lentamente seu dedo indicador por sua garganta.
— Acabei com ele, mas não senti nenhuma pena — acrescentou. — Deveria ter visto o
estado que se encontravam estes pobres meninos. Os animais se mostram mais dignos de
nobreza que alguns homens. Nunca imaginei quão selvagem pode chegar a ser um ser
humano até que encontrei Maria escondida junto a uns arbustos. Tinha dez anos. Quando
me viu, ficou em pé e fechou os olhos. Ficou muito quieta esperando que a matasse —
suspirou Rodríguez com voz entrecortada. — Cravou seus olhos em mim e me suplicou que
disparasse, mas eu nunca teria podido matar uma criatura tão bonita. Montei-a em meu
cavalo e ordenei a meus homens que procurassem seu irmão. Acolhi-os em minha casa e
aqui viveram até hoje. Eu não posso ter filhos, sabe? — disse com ligeiro embaraço. —
Tive um… como o diria…? pequeno acidente. Mas agora tenho a estes dois meninos e os
amo como se fossem meus, apesar de que não conheci sua mãe. Sei que eles também me
amam — acrescentou com um amplo sorriso. — Nunca tentaram fugir daqui.
Quinn pensou que era muito lógico que um menino maltratado se afeiçoasse à pessoa
que tinha dado carinho e amparo. Lembrou com nostalgia sua infância, quando todos
formavam uma família feliz. Com o tempo tudo tinha mudado e seu pai se transformou
em um louco perigoso. Preocupava-se com sua irmã, apanhada em um beco sem saída.
Amélia acreditava que seu pai estava doente, mas Quinn temia que perdesse o controle e
lhe fizesse mal. Tinha que encontrar uma solução e depressa.
— Está muito pensativo, compadre — disse Rodríguez interrompendo suas reflexões.
— Sinto muito, senhor se desculpou Quinn. — Estava pensando em minha irmã. Ela
também tem problemas com nosso pai. Há tempos foi um homem muito bondoso, mas
mudou e a trata sem nenhuma consideração.
— Ai de mim, o mundo está louco! — exclamou Rodríguez abatido. — Vi muitos homens
se comportarem como autênticos animais para poder dar comida a seus filhos ou comprar
um par de sandálias ou uma manta para cobrir-se de noite. Vivemos como cães enquanto
os gringos se instalam em nosso país e vivem como reis a custa de nosso ouro e nossa
prata! Sempre foi assim, desde a época dos conquistadores. Não podemos continuar
assim! Devemos acabar com esta situação!
— Isso soa a revolução, senhor — disse Quinn franzindo o cenho

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Amélia Diana Palmer

— Provavelmente uma revolução é necessária quando um povoado inteiro não pode


satisfazer suas necessidades mais elementares — replicou Rodríguez — É um homem rico,
compadre?
— Minhas posses se reduzem a um cavalo, um rifle e alguns dólares — respondeu
Quinn.
— Então não precisarei explicar o que é passar necessidade! Estou certo que sabe
como se queixa um estômago vazio quando não há nada para comer e como dói o frio do
deserto quando não há manta cobrir-se.
— Sei o que quer dizer.
— Vi morrer de fome um bebê de poucos meses — murmurou Rodríguez. — Eu tinha
uma irmãzinha pequena e não havia comida suficiente para os dois; assim minha mãe me
alimentou com seu leite para me salvar. Sabe por que o fez? — perguntou com os olhos
nublados — Eu era um homem e minha mãe pensou que quando crescesse poderia ajudar a
manter a minha família. Minha mãe teve que escolher entre seus dois filhos. Minha
irmãzinha acabava de nascer e eu tinha três anos e era o que mais queria neste mundo.
Devia escolher entre deixar morrer um de seus filhos ou aos dois! Freqüentemente vou ao
cemitério onde está enterrada minha irmãzinha e quando rezo junto a sua pequena tumba
lembro que o único filho da Virgem morreu por nós e salvou a todos. Isso me dá forças
para seguir tentando evitar que mais bebês morram de fome, por culpa desses gringos
que usurpam as riquezas e a terra que pertencem a nosso povo!
Quinn escutou Rodríguez sem se atrever a interrompê-lo. Olhou aquele «temível
foragido» a quem as autoridades procuravam acintosamente para lhe fazer pagar por
seus numerosos delitos e odiou o que representava a estrela que escondia em sua bota.
Se Rodríguez era um homem mau, quais eram as qualidades de um bom?
– Será que estou enganado? — perguntou o bandido olhando em seus olhos! — Você
pensa que mato gringos, assalto bancos e roubo e que por essa razão devo ser detido,
conduzido ao Texas e enforcado!
— Não estou certo de que criminoso seja a palavra que melhor o defina — falou
Quinn evasivamente. — Seu povo estaria disposto a dar sua vida por você!
— Sim, isso é certo.
Quinn olhou ao redor. A julgar pelo que via, Rodríguez possuía poucas coisas e todas
elas bastante velhas! Seus pertences se reduziam a um par de esporas e um revólver
Colt 45 com punho de madrepérola cujo valor parecia ser mais sentimental que material!
Entretanto, não encontrou rastro de botas de cano longo de pilhagens.
— Busca as riquezas que todo mundo diz que possuo? — perguntou Rodríguez com um
sorriso. — Deixa que lhe mostre.
Quinn esperava que o patife tirasse de algum esconderijo uma enorme caixa forte
cheia de jóias e moedas mas, para sua surpresa, levantou-se e lhe fez um gesto de que
o seguisse para fora da cabana.

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Amélia Diana Palmer

Atravessaram o povoado e Rodríguez se deteve em diferentes lugares. Havia uma


fonte onde todo o povoado se abastecia de água; havia mulas e carros de boi utilizados
pelos camponeses para transportar seus produtos; o gado, os cavalos e os porcos eram
compartilhados por toda a comunidade. No centro do povoado se erigia uma singela
capela com enormes vidraças e uma grande cruz dourada no altar.
— Você gosta? — perguntou Rodríguez. — Minha gente construiu com tudo isto. Não
roubamos nada! Bom, a única coisa que nós levamos sem permissão foi o artesão que
construiu as vidraças, mas foi por uma boa causa — murmurou benzendo-se — Como
recompensa, oferecemos Lolita, a moça mais bonita do povoado, e aceitou. Continua
vivendo aqui e têm cinco filhos. Veja, roubar não é sempre um ato deplorável.
— Pode ser que tenha razão — admitiu Quinn com um sorriso.
Nesse momento apareceu Maria. Tinha trocado de roupa e lavado e escovado o
cabelo. Vestia um singelo vestido branco, uma mantilha negra e calçava sandálias. Chegou
junto a Quinn e tomou sua mão.
— Acredito que logo se transformará em um de nós — murmurou Rodríguez olhando de
esguelha a pequena mão de Maria entrelaçada na de Quinn.
— Me diga uma coisa, o que você sabe fazer?

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 15

Amélia começava a se cansar de permanecer na cama! Odiava estar encerrada entre


quatro paredes mas ainda se sentia fraca e, embora a dor de cabeça houvesse
desaparecido quase por completo, a medicação a tinha deixado um pouco aturdida.
Entretanto, o alívio experimentado depois da morte de seu pai a levava a seguir adiante.
A vida, inclusive com as incertezas que apresentava, parecia-lhe maravilhosa. Não sabia
aonde ia viver, nem do que, mas se sentia capaz de enfrentar qualquer adversidade.
Podia procurar trabalho como babá ou governanta, embora isso significasse afastar-se
de Látego para sempre.
King a evitava constantemente. Amélia o tinha visto um momento no dia anterior,
quando todos se dirigiam ao funeral de seu pai! Rosa ficou com ela e Amélia chorou pelo
homem que durante tantos anos tinha sido um modelo de pai e marido. Rezou para que
Deus o perdoasse e lhe acolhesse em seu reino! O homem que a tinha maltratado não era
seu pai e sim uma pessoa que sofria por causa de um tumor cerebral. O coração de
Amélia era incapaz de guardar ódio contra um homem doente.
— Posso jantar com vocês esta noite? – perguntou a Enid.
— É uma boa idéia. Vejo que se encontra melhor.
— Acredito que seu filho mais velho me ache um verme. Por acaso tem medo de mim?
— Conhecendo King, não acredito — respondeu Enid. — A verdade é que está com um
humor estranho. Ultimamente até fala sozinho.
— Sempre acreditei que isso é um sinal de loucura — disse Amélia enquanto se
apoiava na cabeceira para ficar em pé. — Diga-lhe que não se preocupe. Não vou ficar
aqui durante muito tempo.
— Alan quer se casar com você — falou Enid.
— Gosto muito de Alan, mas não vou me casar com ele — disse Amélia enquanto
amarrava a camisola. — Quero mandar um telegrama a minha prima em Jacksonville e me
mudar para sua casa o quanto antes.
Não desejava abandonar o rancho e os Culhane, mas começava a recuperar a memória
e tinha doído lembrar que seus sentimentos por King não eram correspondidos.
— Mas Amélia, Florida é muito longe! — protestou Enid. — Quinn se sentirá desolado!
Amélia tentou ordenar seus pensamentos.
— Já sei, mas não tenho alternativa — replicou.
Nesse momento escutaram umas fortes pisadas. Era King, que se deteve junto à
porta do quarto, extasiado ante a imagem de Amélia de camisola.

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Amélia Diana Palmer

— Não tem nada melhor para fazer, senhor? — perguntou Amélia com aspereza.
— Que espera que eu faça, se fica meio despida pelo quarto e nem sequer tem a
modéstia de fechar a porta? — exclamou King arqueando as sobrancelhas.
— Pelo menos poderia se mostrar educado. É uma qualidade que ainda não tive a
oportunidade de observar em você.
— Se quiser que me comporte como um cavalheiro aconselho que deixe de me jogar
objetos na cabeça — replicou King apoiando-se na porta enquanto fazia esforço para
conter um sorriso.
— Como? E renunciar a meu único prazer? Isso nunca, meu senhor!
— Tinha vindo saber da sua saúde, mas já vejo que se encontra perfeitamente bem —
disse, encolhendo os ombros e encaminhando-se para a sala.
Amélia estava ruborizada e confusa e sentia muito ter tratado King assim diante de
sua mãe!
— Rogo-lhe que me perdoe — suplicou —, mas seu filho tem a virtude trazer a tona
meus piores defeitos.
— Não importa — respondeu Enid, divertida — Fecharei a porta e poderá se vestir
tranqüilamente.
O jantar foi muito animado. Amélia não tinha recuperado o apetite e seu rosto
refletia os traços de seu sofrimento, mas os Culhane comentaram que nunca a tinham
visto tão alegre e faladora, sobretudo Alan.
— Está certa de que se encontra bem? — perguntou outra vez. — Não parece a
mesma.
— Alan, desde que meus irmãos morreram e meu pai se transformou em um homem
violento e perigoso não pude ser eu mesma — respondeu Amélia. — Tive que aprender a
me calar, primeiro pelo bem de minha mãe e depois por minha própria segurança.
— E não tinha medo?
— Naturalmente. Meu pai não era dono de seus atos, mas continuava sendo meu pai e
eu o amava. As pessoas não abandonam seus seres queridos nos momentos difíceis. Se
soubesse disso, Quinn teria abandonado nosso pai para me salvar.
King escutava atentamente a conversa mas sem tomar parte nela.
— Ainda não localizamos Quinn, mas estou certo de que se encontra perfeitamente
bem — apressou-se a acrescentar Brant ante a preocupada expressão de Amélia
— O que acontece é que certamente se encontra em uma parte do México onde o
telégrafo não chega. Temo que será um golpe duro para ele. Não conhecia a doença de
seu pai, não é ?
— Não me atrevi a dizer-lhe — respondeu Amélia. — Quinn tem seus próprios
problemas e eu esperava poder fazer frente a todas as dificuldades sem ajuda.

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Amélia Diana Palmer

— Tirem o chapéu, senhores, estamos diante de uma pessoa que tem todas as
virtudes! — exclamou King ironicamente. — Me diga, senhorita Howard, sabe o que é
instinto de conservação?
— O que você teria feito, senhor Culhane, em meu lugar? — replicou Amélia.
— Suponho que não o mesmo você — respondeu ele encolhendo os ombros. —
Entretanto, penso que poderia ter confiado em nós. Foi uma imprudência de sua parte
nos ocultar a doença de seu pai.
— O que King quer dizer… — começou Alan.
— O que King quer dizer — interrompeu-o Amélia — É que me comportei como uma
estúpida e, desta vez, estou de acordo com ele. Eu não gosto que me doure a pílula,
Alan. Não tenho medo do senhor King Culhane nem de sua língua afiada!
Alan baixou os olhos e não se atreveu a voltar a olhá-la ou a lhe dirigir a palavra
durante o resto do jantar. Amélia se deu conta de que se sentia intimidado.
— Quer mais batatas, querida? — perguntou Enid com intenção de acalmar os ânimos.
Tanto ela como seu marido acreditavam entender a situação perfeitamente. King
contemplava Amélia abobalhado e parecia mais animado que nos dias anteriores. Era
evidente que a nova Amélia o agradava, uma opinião que certamente não era
compartilhada por seu filho mais novo. Enid se alegrou de que Alan tivesse descoberto a
tempo que seu doce pardal era na realidade um lindo pavão.
Amélia e King falaram durante todo o jantar sobre vários temas como política e a
guerra dos Bôers. Amélia sempre tinha considerado as discussões inteligentes como uma
coisa estimulante e, para sua surpresa, passou momentos muito agradáveis. Alguns dos
argumentos expressados por King eram excelentes e outros não tão bons, mas Amélia
estava surpreendida de vê-lo tão afável. Sentiu ter que se retirar para seu quarto
depois do jantar, mas se sentia muito cansada.
— Tenho que reconhecer que sabe argumentar muito bem — disse King admirado
quando ambos se cruzaram no vestíbulo. — Onde aprendeu a se expressar assim?
— Quinn me ensinou — respondeu Amélia. — É um grande aficionado em discussões
políticas e gosta de estar bem informado sobre o que ocorre no mundo. E eu também —
acrescentou com um sorriso.
— Já me dei conta. Parece cansada, senhorita Howard — disse ele com doçura. — Vá
dormir.
— Acredita que Alan se importará em me levar amanhã para visitar o túmulo de meu
pai? — perguntou Amélia. — Ainda não sei onde está enterrado.
— Eu a levarei — ofereceu-se ele!
— Mas…
— Temos que conversar, senhorita Howard. Tenho que lhe contar uma coisa que
ninguém mais deve saber.

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Amélia Diana Palmer

— Por acaso sabe porque meu pai me bateu? — perguntou ela, intuindo que sua
memória lhe ocultava alguma coisa desagradável.
— Sim — resmungou King. — Sim, por desgraça sei.
Amélia desejou que o dissesse ali mesmo, mas temia que alguém os ouvisse.
— Me dirá amanhã?
King assentiu. Afundou as mãos nos bolsos de seu jeans e a olhou fixamente por uns
segundos.
— É verdade que estava acostumada a brincar de índio com seus irmãos? —
perguntou.
— Sim, é verdade — respondeu Amélia. — E também subia em árvores como um rapaz
e caçava lagartixas. Aqueles sim eram tempos felizes.
— Nossos entes queridos nunca nos abandonam de todo, porque permanecem em nossa
lembrança — murmurou King lhe acariciando a bochecha docemente. — Durma bem,
Amélia.
— Igualmente — sussurrou ela
Com passo vacilante, se encaminhou para seu quarto sem se atrever a voltar a
cabeça. King a seguiu com o olhar até que desapareceu no escuro corredor! Franziu o
cenho ao pensar que com sua confissão ia conseguir o ódio de Amélia para sempre.
Entretanto, não tinha opção. A vida era muito dura às vezes.



Quinn procurava uma saída para sua comprometida situação! Juliano, o irmão de
Maria, transformou-se em sua sombra e as pessoas do povoado o tratavam como um
membro a mais da família.
Desagradava-o mentir àquela boa gente mas não se atrevia a revelar sua verdadeira
identidade. Os mexicanos temiam os oficiais americanos devidos aos cruéis combates que
tinham tido no passado. Também devia levar em conta Maria e, quanto a sua própria
segurança, quem lhe assegurava que ia conseguir fugir antes que os homens de Rodríguez
lhe cortassem o pescoço?
Rodríguez bateu em suas costas afetuosamente e riu.
— Não se preocupe, compadre — exclamou. — Só estava brincando. Não julgo os
homens que se instalam em meu povoado por sua profissão ou suas habilidades. O que
ocorre é que nosso pequeno povoado precisa de todo nosso esforço para seguir adiante.
Se não trouxer pessoas competentes, como vamos nos tornar uma cidade próspera?
— Certamente, aqui tem muito o que fazer — admitiu Quinn.

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Amélia Diana Palmer

— Sim, tem razão — respondeu Rodríguez olhando orgulhosamente ao redor, como se


cada cabana, cada pedra e cada pedaço de terra fosse parte dele — Somos pobres, mas
muito afortunados. Cada um compartilha o que tem com outros.
— Então, você rouba para que não falte nada a eles, estou errado?
— Um homem faminto pode fazer duas coisas: roubar ou pedir — respondeu
Rodríguez. — Prefiro a morte a mendigar um pedaço de pão.
Quinn compreendeu os motivos do Rodríguez
— Às vezes fica difícil para um homem abandonar seu orgulho — comentou.
— Vejo que pensa que o que faço é errado — replicou Rodríguez. — Estamos sofrendo
uma grave seca e nossos plantações não crescem. Já esgotamos as reservas do outono
passado. Faça o que faça, os mais fracos não sobreviverão mas, mãe de Deus, as
crianças não — gemeu. — Me dói o coração ver um menino chorar de fome e não poder
lhe oferecer mais que promessas de tempos melhores. Juro pela virgem que não
permitirei que estes meninos voltem a passar fome. E que venham os oficiais e me
pendurem em uma árvore. Não me importo!
Quinn deu um suspiro. Quem era ele para discutir moral com um homem que falava de
dar tudo para que seu povo não passasse necessidade?
— Entretanto – replicou — deve haver outra maneira de continuar adiante.
— Oh, sim, há — respondeu Rodríguez. — Sempre se pode mendigar nas ruas de
Juarez ou de El Passo.
— Compreendo. Eu tampouco poderia suportar humilhação semelhante — admitiu
Quinn.
— O orgulho é a arma mais capitalista do diabo — disse Rodríguez com um amplo
sorriso. — Nós temos o suficiente para sobreviver, mas os ricos possuem mais do que
necessitam e não querem compartilhar suas riquezas com os mais necessitados.
— Nem sempre é assim.
— Então, me diga por que morre de fome tanta gente.
— Não sei, senhor! O mundo está louco.
— Mas nos bancos há dinheiro de sobra para alimentar meus meninos e comprar
alguma coisa para criar quando terminar a seca! Confio em que a Virgem interceda por
nós. Que ela ouça o pranto dos meninos e responda às preces dos mais necessitados!
Nunca nos abandonou e não o vai fazer agora.
Para Quinn ficava difícil entender aquela fé cega, mas se absteve de discutir. Ele
mesmo tinha sido testemunha de mais de um milagre.
Estava disposto a abandonar o povoado, mas cada vez que insinuava sua partida os
formosos olhos azuis de Maria se cravavam suplicantes nos seus e o faziam desistir! Ao
final, acabou ficando uma semana. Durante esse tempo conheceu todos os habitantes do
povoado e todos o aceitaram como um deles.

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Mas Quinn tinha remorsos na consciência! Sabia que estava traindo aquela pobre
gente e, embora tivesse jurado levar Rodríguez à justiça, ficava impossível. Rodríguez
não era uma má pessoa a não ser um homem com um grande coração que velava pelo
bem-estar de sua gente. Para acabar de complicar a situação, era o padrasto da mulher
de sua vida.
Maria tinha se convertido em sua razão de viver e não se separavam um do outro
durante todo o dia. Quinn a desejava tão ardentemente como um sedento deseja água
fresca, mas não se atrevia a deitar-se com ela, especialmente agora que sabia o quanto
tinha sofrido nas mãos de outros homens. Procurava tratá-la com carinho e ternura, mas
finalmente chegou o dia em que teve que lhe dizer adeus. Achou mais duro do que tinha
imaginado porque, pela primeira vez, estava apaixonado de verdade.
— Tem certeza que não deseja ficar conosco? — perguntou Rodríguez, entristecido
quando Quinn lhe comunicou sua intenção de abandonar o povoado.
— Quisera eu pudesse — respondeu Quinn. — Daria tudo o que tenho para ficar, mas
tenho que atender alguns… negócios no Texas. Voltarei logo que seja possível.
— Aqui sempre será bem-vindo — replicou Rodríguez. — E, uma vez mais, obrigado
por salvar a minha pequena.
— Valeu a pena — disse Quinn.
Maria se adiantou alguns passos e tomou a mão do Quinn entre as suas.
— Esperarei — prometeu com os olhos cheios de lágrimas. — Não importa o quanto
demore!
— Voltarei por você, juro! — disse Quinn com voz emocionada.
Impulsivamente, Maria o abraçou com força. Sem dar tempo a Quinn de dizer nada,
afastou-se rapidamente e pôs-se a correr para sua casa.
— As mulheres são muito sentimentais — suspirou Rodríguez. — Vá com Deus —
acrescentou lhe estendendo a mão.
— E você também, senhor.
Quinn montou em seu cavalo e empreendeu a marcha. Devia encontrar uma maneira de
conduzir aquele amável mexicano ante as autoridades americanas. Enquanto se afastava,
não se atreveu a voltar a cabeça. Sua vida tinha perdido o sentido.
Chegou a El Passo extenuado, mas ainda reuniu forças para enviar um telegrama a
sua base em Alpine.
Entretanto, no escritório de telégrafos lhe esperava uma mensagem que o fez
esquecer seu cansaço: seu pai tinha morrido fazia alguns dias e sua irmã estava em
Látego. Destroçado e confundido, Quinn se dirigiu à pensão onde seu pai e Amélia se
hospedaram.
— Faz algum tempo que seu pai não morava mais aqui — informou-lhe a proprietária.
— Recentemente comprou uma casa no final da rua e se mudaram para lá. Enterraram-no
ontem à tarde. Não foi muita gente porque não tinha muitas amizades aqui. Sua irmã

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não pôde assistir. Dizem que estava com ele quando aconteceu. Pobre moça, tão boa e
sempre se esforçando por lhe agradar — acrescentou meneando a cabeça. — Seu pai a
tratava pior que a um cão. Sinto que tenha morrido, mas era muito triste ver essa pobre
criatura sofrer. Toda cidade sabe dela com o King Culhane, o rancheiro de Látego.
Dizem que o senhor Howard ficou como uma fera quando soube! Que pena! Quem
imaginaria que uma moça tão educada fosse uma perdida?
Quinn sentiu desejos de sacudir aquela mulher até que pedisse perdão por caluniar
assim a sua família, mas se conteve. Preferia averiguar primeiro o que tinha acontecido.
Encaminhou-se para casa que seu pai tinha comprado semanas antes. Estava fechada.
Amélia devia ter as chaves. Decidiu alugar um cavalo e dirigir-se diretamente a Látego.
A dor por ter perdido seu pai se mesclava com sua inquietação pela saúde e a reputação
de Amélia. Sua irmã era delicada como uma flor. Como teria enfrentado a situação
sozinha? E que demônios tinha acontecido entre ela e King para se transformarem na
fofoca de El Passo? Pelo amor de Deus, King detestava Amélia!

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King acompanhou Amélia ao pequeno cemitério situado nos subúrbios da cidade. A


tumba de Hartwell Howard se reduzia a um monte de terra e uma lápide em que se lia
seu nome, idade, lugar de nascimento e data de sua morte.
Durante os últimos dias Amélia resistiu a acreditar na morte de seu pai mas agora,
em frente a seu tumulo, tudo parecia muito real. Sem poder evitar, pôs-se a chorar.
Refugiou-se nos braços de King e ele a abraçou carinhosamente enquanto o vento
assobiava e seu cavalo pastava em um prado próximo. King surpreendeu-se a si mesmo
pensando que não se importava em passar o resto da eternidade nesse lugar com Amélia
entre seus braços. Quando finalmente deixou de chorar, Amélia passou o lenço pelos
olhos.
— King? — murmurou com a frente apoiada em seu peito.
— Sim, Amélia?
— Me diga por que meu pai me bateu.
King procurou desesperadamente as palavras apropriadas, mas não o conseguiu.
— É alguma coisa terrível, não é ? — insistiu Amélia. — Diga o que tem que me dizer.
Sou forte. Devo saber, agora estou sozinha. Seja o que for, suportarei.
— Venha, vamos nos sentar no coche.
Ajudou-a a se acomodar em seu interior e se sentou junto a ela. O cavalo seguia
pastando no prado, indiferente à conversa de seu amo e sua acompanhante.
— Alan e você se viam muito ultimamente e eu não gostava nada — começou ele
enquanto brincava com as rédeas nervosamente -. Eu acreditava que Alan necessitava de
uma mulher mais forte e inteligente que você.

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— Acreditava que eu…


— Que você era uma pessoa fraca e sem um pingo de educação, justo o que
aparentava na presença de seu pai. Disse que ia ser forte… — acrescentou.
— Sim. Isso não é tudo, não é verdade?
— Não; há… algo mais — respondeu King baixando os olhos. — Olhe, Amélia, eu… a
seduzi.
— O que… o que diz? — balbuciou Amélia.
-Fiz de propósito e a sangue frio — replicou King. — Ameacei que ia contar ao Alan
se continuassem se vendo mas, e não contente com isso, fui em busca de seu pai e disse
a ele que tinha tentando me seduzir, disse isso e que não permitiria que uma perdida
como você se casasse com meu irmão.
Amélia o olhou estupefata e empalideceu.
— Por essa razão seu pai lhe bateu quando chegou em casa — prosseguiu King,
pesaroso. — Provavelmente o desgosto lhe causou a morte… Cometi um engano, Amélia, e
você pagou por mim.
Amélia tentou pensar com lógica mas a cabeça dava voltas e não conseguia ordenar
seus pensamentos.
— Me odiava tanto assim? — perguntou.
— Não te odiava, Amélia, desejava-a — corrigiu King. — Quis matar dois pássaros
com um só tiro: liberar Alan de… Não, isso não é certo — retificou. – A queria só para
mim e para conseguir, passei por cima dos meus ideais mais nobres e de sua inocência.
Isto é exatamente o que aconteceu e, por mais que tente me justificar, continuará
sendo um ato desprezível. Tudo o que aconteceu, incluída a morte de seu pai, foi por
minha culpa.
— Oh, Meu Deus ! — exclamou Amélia retorcendo as mãos com desespero.
Sua reputação tinha sido destruída. Estava certa de que no banco onde seu pai
trabalhava todo mundo tinha escutado o relato de King. Fechou os olhos e em sua mente
apareceram cenas vergonhosas protagonizadas por King e ela… em sua cama! Cobriu o
rosto com as mãos e pôs-se a chorar de novo.
— Não chore, por favor. Ninguém mais sabe o que aconteceu — tentou consolá-la
King. — Não contei a verdade. Disse que só tinha insinuado isso, não que..! que nós… —
resmungou. — Amélia… devemos nos casar.
Amélia estremeceu. Aquilo era muito pior do que tinha imaginado. Tinha sido
desonrada e provavelmente estava grávida. Sentiu desejo de fugir para muito longe e
esconder-se de todo mundo. E King se atrevia a lhe falar de casamento? Amélia o olhou
como a um louco.
— O que disse?
— Eu disse que devemos nos casar — repetiu. — A menos, claro, que lhe ocorra
alguma coisa melhor! Ou será que não pensou que poderia estar grávida?

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Amélia levou as mãos ao ventre e o olhou nos olhos enquanto a invadia uma intensa
emoção. Um menino. Um ser humano que se pareceria com um deles dois. A continuação
de suas famílias durante outra geração. Afastou os olhos. Não. King não desejava um
filho! Seria um estorvo que o impediria de se casar com Darcy Valverde! Nunca o
quereria. Nem a ela tampouco. Mas se realmente estivesse grávida, que alternativa
restava? Seu filho devia ser reconhecido. A desgraça não só cairia sobre ela, mas
também sobre o resto de ambas as famílias.
— E então? Não pensa em dizer nada? — murmurou King.
— Não é certo que… — respondeu depois de uma pausa. — dentro de poucas semanas
saberemos.
Amélia ruborizou. Não estava acostumada a falar sobre esse tema na presença de
homens.
— Lembre-se que me dedico à criação de gado — disse King, adivinhando seus
pensamentos. — Tenho mais que uma ligeira idéia sobre como vêm ao mundo os bebês.
— Não sei o que dizer.. — balbuciou Amélia. — Parece que não tenho outra saída que
não seja casar com você… mas está comprometido com a senhorita Valverde.
-Não, Darcy e eu nunca estivemos comprometidos — replicou King. — Nosso
compromisso nunca se formalizou. Simplesmente considerei a idéia algumas vezes, isso é
tudo.
-Mas nós nunca seremos felizes juntos. O passado se interporá ente nós – refletiu
Amélia em voz alta, ainda estupefata.
— A única coisa que me importa é salvar sua honra e que nosso filho seja legítimo —
disse King pousando seu olhar no ventre dela. — Pode ser que depois de tudo não seja
tão terrível assim.
— Não fale assim! — exclamou Amélia, indignada.
— Quanto mais penso nisso mais me agrada a idéia de ter um filho. É uma moça
forte e não é uma covarde como eu acreditava. De fato, observei em você algumas das
qualidades que mais admiro em uma mulher.
— Fico honrada — replicou Amélia com zombadora cortesia. — Mas suas palavras
amáveis não me impressionam e, embora tenha decidido que sou digna de me tornar sua
esposa, eu não te considero bom o suficientemente para ser o marido de ninguém, e
muito menos meu.
— Sou um homem rico — disse King arqueando as sobrancelhas surpreso.
— Supõe que devo me sentir atraída por você só porque tem mais bens materiais que
outros homens. E ainda mais com sua inteligência, sua valentia ou sua generosidade?
Qualquer um diria que me faz um favor se casando comigo.
— Não quis dizer isso — respondeu King —, mas conheço muitas mulheres que dariam
tudo para se casarem comigo.

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— Graças a Deus não sou uma delas — disse Amélia com aspereza. — E agora me leve
para casa, por favor.
— Se casará comigo, querendo ou não, senhorita Howard — falou King.
— Você não voltará a me obrigar a fazer nada que eu não deseje. E fique sabendo,
senhor Culhane: não me casaria com você nem que fosse o único homem sobre a terra!
King tentou segurá-la pelo braço, mas nesse momento um trote de cascos de cavalo
rompeu o silêncio do pequeno cemitério.
Amélia pôs a mão livre sobre o rosto para se proteger do sol e imediatamente
reconheceu a figura e a forma de montar do cavaleiro que se aproximava rapidamente.
— Quinn! — exclamou com os olhos cheios de lágrimas.

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CAPÍTULO 16

Quinn distinguiu o coche de King ao longe e esporeou seu cavalo. Tinha cavalgado até
Látego e ali se inteirou de que Amélia tinha ido ao cemitério com King para visitar o
tumulo de seu pai. Enfim, depois de horas sobre o cavalo, a tinha encontrado.
Desmontou e Amélia se jogou em seus braços.
— Oh, Quinn, papai morreu… — soluçou.
Quinn lhe acariciou o cabelo e tentou tranqüilizá-la lhe sussurrando palavras
afetuosas.
— Olá, King — saudou friamente quando este desceu do coche.
King assentiu em silêncio. Quinn estava muito sério. Provavelmente sabia tudo e, se
fosse assim, aquilo podia significar o fim de sua longa amizade. Mas King não queria
perder sua amizade.
— Tudo aconteceu muito depressa — disse Amélia. — Deixou de sofrer, Quinn. O
doutor disse que a dor teria ficado tão insuportável que no final ele mesmo teria
desejado sua própria morte.
— E você? — perguntou Quinn ao notar a bandagem que cobria suas costas. —
Encontra-se bem?
— Não se preocupe, não é nada — respondeu Amélia sem se atrever a olhar King.
— Sei o que aconteceu — falou Quinn e cravou a vista em seu amigo. – Por acaso não
sabe que os falatórios se estendem como pólvora em uma cidade tão pequena como El
Passo? Quero saber tudo.
King tomou ar e afundou as mãos nos bolsos
— Está bem, como queira. Fui ver seu pai e lhe contei um montão de mentiras sobre
Amélia. Ele ficou furioso e lhe deu uma surra que quase lhe custa a vida. Tudo o que
aconteceu a sua família é minha culpa.
— Mas… como pôde cometer um ato tão desprezível? É um malvado e um…
— Estou de acordo — admitiu King. — Se por acaso servir de consolo, te direi que
meu irmão não fala mais comigo e meus pais se envergonham de mim.
— E Amélia… porque está aqui com você?
— Amélia se nega a se casar comigo — replicou King apertando os dentes.
— E isso é estranho? — exclamou Quinn. — Meu Deus, King!
— Não a culpo, mas não posso permitir que tenha nosso filho sozinha.
Quinn empalideceu e, instintivamente, levou a mão direita ao revólver!

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— Prossiga — animou-lhe King, mostrando com um gesto o revólver e sorrindo


cinicamente. – Pode ser que me faça um favor! Prefiro a morte a ter que conviver com
minhas culpas durante o resto de meus dias.
Amélia se interpôs entre os dois homens e pôs sua mão sobre a do Quinn.
— Devemos conversar como pessoas civilizadas — disse.
— Amélia tem razão — disse King. — A violência não conduzirá a parte nenhuma! A
situação é complicada, você é uma das poucas pessoas que sabe toda a verdade!
— Então, ele…? – perguntou Quinn, incrédulo, olhando King ferozmente
Amélia assentiu e baixou os olhos
— É um maldito filho da…! — exclamou Quinn tentando escapar da mão de Amélia.
— Não, Quinn — exclamou Amélia — Pare! Já é suficiente. Não se atreva a atirar!
Surpreso, King arqueou as sobrancelhas. Quinn a olhava com a testa franzida.
— Todos nós sabemos que King é um desavergonhado sem escrúpulos — continuou
Amélia — Mas se ofereceu para fazer algo nobre para reparar o dano que causou!
— Agora! — replicou Quinn. — Depois de ter se aproveitado de você, tinha que ser
antes, da forma usual. Como explica o fato de que estando comprometido com Darcy
Valverde, tenha desonrado a minha irmã?
— Queria evitar que Alan e ela se casassem — respondeu King encolhendo os ombros!
— Sabe que sua irmã outro dia me jogou um copo na cabeça? — acrescentou com um
sorriso!
— Desgraçadamente falhei! Na próxima vez terei mais sorte com um tijolo.
Quinn observou com interesse aquele curioso intercâmbio de acusações! Agora que seu
pai tinha morrido, Amélia voltava a ser a mesma de sempre. Sim, teve que reconhecer
que quando acontecesse o casamento seria a mulher perfeita para seu impulsivo amigo! O
pobre King não imaginava aonde iria se meter.
— Darcy nunca se atreveria a me ameaçar com um tijolo — disse King a seu amigo —
Não dê ouvidos a sua irmã. Nos casaremos no domingo.
— Pois eu disse que não me caso — falou Amélia com arrogância.
Repugnava-a a idéia de entrar na igreja de braço dado com o homem que a tinha
obrigado a antecipar os votos do casamento.
— Você não teve culpa do que aconteceu, Amélia — lembrou-a King. — A igreja é o
melhor lugar para ir quando a consciência dói.
— Suponho que tenha razão — admitiu Amélia.
— Minha mãe terá um grande desgosto se insistir tanto em que se celebre uma
cerimônia apenas no civil — continuou King.

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— Mas se eu não disse nada! — protestou Amélia. — Você é o empenhado em se


casar comigo. E lembro que nos teríamos economizado muitos problemas se não tivesse se
intrometido na vida de todo o mundo!
King ruborizou, fez uma careta de desgosto e afastou o olhar do tenso rosto de
Amélia.
— Amélia tem razão — interveio Quinn. — Cometeu um grave engano, mas felizmente
está disposto a repará-lo o quanto antes. Se não agirmos depressa os falatórios
arruinarão definitivamente o bom nome de nossas famílias.
— Esta manhã fui ver o pastor — disse King, os surpreendendo. — Concordamos que a
cerimônia se celebrará no domingo pela manhã. Disse a ele que a morte de seu pai deixou
Amélia em uma situação muito precária e que se não nos casássemos logo, corria o risco
de ficar desamparada.
— Não tem por que se casar com você — disse Quinn ofendido. — Poderia viver
comigo.
— No quartel, com o resto de sua unidade? — replicou King ironicamente — É assim
que quer salvar sua reputação?
— Não diga tolices. Estava pensando em comprar uma casa.
— Com seu pagamento de soldado? — disse King enquanto seus brilhantes olhos
prateados prenunciavam tormenta — Escute-me bem, sua irmã não sairá do meu lado! Se
não concordar, já sabe o que terá que fazer.
— Estou preparado — falou Quinn e entreabriu os olhos.
Amélia suspirou e olhou furiosamente os dois homens.
— Não lhes ocorre uma maneira mais civilizada de resolver os problemas? —
perguntou indignada — A violência não leva a parte alguma.
— E então por que demônio me jogou o copo na cabeça? — perguntou King.
Amélia sentiu vontade de lhe insultar, mas mordeu a língua enquanto lágrimas de raiva
apareciam em seus olhos.
— O casamento será celebrado no domingo — sentenciou King. — Se Quinn tiver
alguma coisa contra, ficarei encantado de resolver aqui mesmo.
— Meu pai morreu por sua culpa. — resmungou Quinn com os olhos faiscando de fúria
e vingança!
— Eu sei — admitiu King. — Meu castigo será viver com esse peso sobre minha
consciência durante o resto de meus dias.
— Quinn, papai estava muito doente — interveio Amélia. — O médico disse que tinha
muito pouco tempo de vida e que uma morte rápida era a melhor maneira de economizar
sofrimentos inúteis. Inclusive que poderia ter me matado se tivesse vivido durante mais
alguns meses.
— E quase o fez, por culpa de King!

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— Não estou defendendo King — replicou Amélia —, mas sabe que o menor
contratempo era suficiente para o fazer perder os estribos! A noite que retornamos de
Látego depois da viagem que realizou com o senhor Culhane me esbofeteou sem motivo.
— Por que não me disse isso? — protestou King.
— Nas últimas semanas se tornou extremamente violento — murmurou ela com a vista
fixa em seu tumulo. — Sinto pelo pai amável e bondoso que foi quando eu era uma
menina, mas me alegro pelo homem torturado em que se transformou.
— Isso não resolve seu problema, Amélia — disse seu irmão.
— Já te disse que nos casaremos no domingo — repetiu King — Fim do problema.
— Eu disse que não — replicou Amélia com impaciência. — Se fizesse uma lista de
todos os insultos que tive que escutar desde que pus os pés pela primeira vez em seu
rancho, seria tão longa que chegaria até El Passo.
— Alan e você passavam muito tempo juntos — justificou-se King. — Com certeza,
deveria vê-los agora — acrescentou dirigindo-se a Quinn. — Cada vez que Amélia mostra
as garras corre para se esconder. Não teriam passado nem uma semana casados e teria
descoberto que sua doce mulherzinha era na realidade um autêntico sargento!
— Não lhe ocorreu que talvez eu poderia estar apaixonada por ele? — replicou
Amélia, sabendo que King tinha razão.
— Se tivesse estado apaixonada por meu irmão não teria permitido que a tocasse —
respondeu King com um amplo sorriso!
— King Culhane, é um…! — exclamou ela, incapaz de encontrar um qualificativo
apropriado.
— Se acalme, sim? Ainda não está em condições de fazer grandes esforços, nem
sequer verbal — replicou King tomando-a em seus braços. — Vamos Quinn, venha para
Látego conosco. Ali poderá comer alguma coisa e descansar um pouco. Pelo amor de
Deus, Amy, fique quieta.
— Não me chame de… Amy! — protestou Amélia lutando para escapar de seu abraço.
— Por que não? Soa muito bem — disse King dirigindo-se ao coche enquanto
desfrutava do cálido calor de seu corpo.
Finalmente Amélia se deixou instalar no coche docilmente, temerosa de que King a
deixasse cair no chão. Quando ele a depositou sobre o assento e seu rosto se aproximou
do dela, Amélia voltou a sentir as inquietantes sensações que a tinham levado a
entregar-se a ele. King a olhou nos olhos e voltou a sentir a paixão que tinha acendido
dias antes. Temeroso de tirar o chapéu, afastou-se rapidamente de Amélia.
Amélia entrelaçou as mãos sobre seu colo com altivez. Estava certa de que King não
suportava tocá-la, pensou. Pois seria castigo. Por sua própria culpa, via-se obrigado a se
casar com ela. Sabia que ele tentaria representar o papel de amante o melhor que
pudesse, mas que não a queria. King nunca poderia corresponder a seus sentimentos!
— Decidi retornar a Atlanta… — começou.

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— Você não vai a parte nenhuma, exceto à igreja para se casar comigo — replicou
King instalando-se na boléia.
Quinn cavalgava junto à Amélia, que parecia angustiada.
— Quinn, faça alguma coisa — suplicou —. Não quero me casar com ele! Salve-me,
por favor.
Quinn ajeitou o chapéu, assegurou-lhe que era King quem necessitava que o salvassem
e esporeou seu cavalo. Amélia dirigiu um último olhar ao túmulo de seu pai e se dispôs a
voltar para Látego.
O anúncio das bodas de King e Amélia causaram surpresa em Látego.
— Estou tão contente! — exclamou Enid, abraçando Amélia carinhosamente. — Sabia
que nasceram um para o outro. Todos aqueles olhares cruzados, tanto nervosismo e
acanhamento… Oh, meu tímido King!
— Está exagerando, mãe — grunhiu King.
— Eu acreditava que seu filho me odiasse — disse Amélia.
— Pois se vê que não é assim — interveio Brant. — Será que se odiasse a pediria em
casamento?
Amélia não se atrevia a olhar King.
— Encontrou Rodríguez? — perguntou a seu irmão.
— Segui sua pista até Sonora… — vacilou.
— E…?
— Nada. Perdi novamente — mentiu encolhendo os ombros.
— Que falta de sorte — queixou-se King. — Espero viver o suficiente para ver aquele
maldito bandido pendurado de uma corda.
— Os mexicanos o adoram — respondeu Quinn. — Eles o consideram um santo.
— Os Santos não estripam as pessoas e a abandonam no deserto para que os abutres
celebrem um festim — respondeu King. — Foi o que fizeram com minha noiva.
Amélia o olhou surpresa. Não sabia que King tinha estado noivo antes e que essa
mulher tinha morrido em trágicas circunstâncias. Certamente esse desgraçado episódio
explicava suas intenções de se casar com uma mulher tão fria como Darcy Valverde.
Tinha perdido o amor de sua vida e agora se dispunha a embarcar em um casamento
destinado ao fracasso. O coração de Amélia se encolheu.
— Rodríguez assaltou o coche em que viajavam minha noiva e um… amigo dela —
relatou King. — Os roubou, despojando-os de suas roupas e os cortou em pedaços!
Perdoe-me por ser tão cru, mãe, mas é a verdade. Qualquer um que visse aquela cena
horrível não descansaria até ver Rodríguez pendurado de uma corda.
— Como pode estar tão seguro de que foi Rodríguez? — perguntou Quinn, surpreso
pela terrível historia que King acabava de relatar.

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— Tenho uma testemunha! Um mexicano chamado Manolito Pérez.


O mesmo que havia abandonado Maria em um bordel. Quinn considerou mais prudente
ocultar que tinha estado com Rodríguez. Brant tinha bons amigos entre os oficiais do
exército do Texas e, como todos os granjeiros da região que tinham sofrido roubos de
gado por parte dos bandidos mexicanos, odiava Rodríguez.
Quinn teve que morder a língua para não revelar tudo o que sabia sobre o tal
Manolito, que acabava de ser assassinado por ter drogado a sua querida Maria.
Amélia desviou o olhar ao descobrir no rosto de King os traços da dor que o
atormentava. Não restava dúvida de que ainda chorava a morte da mulher que tinha
amado. Suspirou e olhou seu irmão, que, curiosamente, tinha pior aspecto que King.
— Preocupa-se com alguma coisa? — perguntou.
— Não é nada — respondeu Quinn forçando um sorriso. — A morte de nosso pai me
pegou de surpresa, isso é tudo. Sentirei falta dele. Como você diz, as lembranças de
nossa infância são as melhores. Até então era um bom pai.
— É como devemos lembrá-lo.
King olhava seu prato sem separar os lábios. A lembrança do corpo mutilado de Alice
o perturbava, mas aí estava Amélia disposta a ocupar seu lugar. Olhou-a e nesse
momento se deu conta da realidade da situação. A vida sem Amélia não tinha sentido. Se
algum dia lhe faltasse seria seu fim!
Era um fato muito difícil de aceitar para um homem tão orgulhoso como ele. Afastou
aquele inquietante pensamento e centrou toda sua atenção na xícara de café quase fria
que tinha diante de si!
— Por que não passa a noite aqui, Quinn? — sugeriu Enid.
— Agradeço muito seu oferecimento, senhora — desculpou-se —, mas devo retornar a
El Passo para me ocupar dos assuntos pendentes que meu pai deixou.
Amélia se entristeceu quando surgiu a questão da herança. Deprimia-lhe pensar que a
vida de seu pai se reduzia a uns poucos objetos pessoais.
— Acredito que deveria conservar seu relógio — disse Quinn. — Eu tenho seu
revólver.
— Isso é tudo o que resta dele — suspirou Amélia. — Um velho relógio e um revólver.
— Tente conservar as boas lembranças, querida — interveio Enid. — Se o fizer,
durarão para sempre.
— Tem razão, senhora. Ficam as lembranças.
Quando Quinn partiu, Amélia se sentou na escada do alpendre e ficou a contemplar
as estrelas enquanto refletia. O gado e os cavalos se preparavam para dormir e um lobo
uivava ao longe. A escura silhueta das árvores que se distinguiam no horizonte a fez
lembrar de tempos melhores.
— Faz muito frio aqui fora — disse King a suas costas. — Entre.

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Amélia Diana Palmer

Amélia abraçava o corpo com os braços para se proteger do vento gelado.


— Ficarei aqui fora o quanto quiser — replicou Amélia.
— Meu Deus, e eu que te considerava uma mosca morta! — disse King rindo.
— O que quer?
— O mesmo eu poderia te perguntar — falou King sentando-se junto a ela. — Por
acaso se arrepende de ter salvado a minha vida? Quinn estava disposto a me matar ali
mesmo.
-Sua morte não teria ajudado muito. E você e Quinn são amigos há muito tempo —
acrescentou.
— Pode ser que depois do que aconteceu já não sejamos mais — observou King. — Seu
irmão não está disposto a esquecer. E eu tampouco.
— O tempo cura tudo — disse Amélia levantando-se lentamente.
— Espere.
King a pegou pelo braço e a obrigou a olhá-lo nos olhos. Seu traseiro roçava a curva
de seu peito e Amélia sentiu que as pernas tremiam. Cravou as unhas em sua mão e King
a soltou.
— Pode me desprezar mas não adiantará nada — disse. — Penso em me casar você.
— Me caso com você porque não tenho opção, mas aposto que qualquer um de seus
empregados é mais homem que você.
— Tome cuidado. Qualquer mulher em sua situação estaria encantada de receber uma
proposta de casamento tão vantajosa.
— E qualquer homem em sua situação estaria envergonhado de si mesmo!
— Acredite-me, Amélia, estou envergonhado e me desprezo, mas toda minha dor não
mudará o que aconteceu entre nós. Devemos enfrentar o futuro.
— Sei! Quando pensa em comunicar à senhorita Valverde que a maravilhosa fortuna
dos Culhane escapou das suas mãos?
— É pior que uma víbora — replicou King. — Darcy é assunto meu.
— Também será meu assunto caso se atreva a voltar a vê-la quando estivermos
casados!
— É injusta comigo. O casamento é uma promessa diante de Deus que nunca me
atreveria a quebrar.
— Então se assegure de deixar bem claro à senhorita Valverde.
— E você se assegure de deixar bem claro a seu querido Alan — falou King
desdenhosamente.
— Esquece que Alan não me interessa?
— Não sente saudades. O que meu irmão precisa é um dócil cordeirinho, não uma
cobra rancorosa.

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Amélia Diana Palmer

— Como se atreve…?
Fez um gesto para esbofeteá-lo mas King foi mais rápido. Segurou-lhe o braço e
não a soltou até que ficou sem fôlego e deixou de lutar! A mão de King tinha adquirido a
solidez do aço após anos de trabalho duro no rancho e para Amélia ficava impossível
livrar-se de sua presa, mas não sentiu nenhum dano a não ser uma agradável sensação
de segurança.
— Eu não sou rancorosa — disse apertando os dentes.
— Comigo é sim. Sempre está na defensiva. Por que, Amélia?
— Porque me odeia — respondeu ela. — Sempre me odiou e desde que pus os pés no
Texas não tem feito outra coisa, que não seja demonstrar isso inclusive… aquele dia! Só
queria me humilhar para que Alan me desprezasse. Aproveitou-se de que eu estava
sozinha e temia por meu pai… ! — As lágrimas apareceram em seus olhos e a impediram
de continuar!
King a obrigou a recostar a cabeça em seu peito e lhe acariciou o cabelo, as
bochechas e os lábios carinhosamente enquanto lhe sussurrava doces palavras ao ouvido.
O contato foi tão inesperado e breve que Amélia não se sentiu ameaçada até que a boca
de King posou sobre a sua! Aquele gesto lhe trouxe inquietantes lembranças enquanto seu
abraço a envolvia. Amélia cravou as unhas naqueles fortes braços e King gemeu enquanto
a cabeça dava voltas. Baixou as mãos a seus quadris com a intenção de aproximar mais
seus corpos. Era evidente que estava excitado e não se esforçava por dissimulá-lo.
— Basta! Pare! — gritou Amélia, lutando por se libertar do abraço dele.
King estava fora de si. Os olhos brilhavam mas o resto de seu rosto parecia tão
inescrutável como uma pedra.
— Deseja-me — disse bruscamente.
— Desejo…. — disse Amélia, esforçando-se por conter as lágrimas. — Não pode ver
outra coisa em uma mulher? Odeia-me mas quer fazer amor comigo. É… repulsivo! É
degradante que se aproveite de meus sentimentos para satisfazer seus instintos baixos!
— E o que espera de nosso casamento? Uma união sagrada sem outro contato que o
roçar de nossas mãos?
— Exato! — exclamou Amélia, furiosa. — Não penso em compartilhar minha cama com
você! Por acaso acha que poderia amar o assassino de meu pai? — Pronunciou estas
palavras impulsivamente, procurando livrar-se da inquietante proximidade de King, mas
era como uma faca de dois gumes!
King empalideceu e o brilho que iluminava seus olhos desapareceu e suspirou
profundamente.
— Está bem, você ganhou — resmungou com voz rouca. — Se me detesta tanto, não a
importunarei mais.
Girou e se encaminhou para o estábulo sem voltar a cabeça. Junto de Amélia só ficou
o cigarro, ainda aceso, que King tinha jogado ao chão minuto antes.

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Amélia Diana Palmer

Amélia entrou na casa lentamente, arrependida de ter sido tão dura com ele.
Magoara-o! Sua intenção tinha sido evitar que King descobrisse seus verdadeiros
sentimentos e voltasse a brincar com ela, mas só tinha conseguido destruir o pouco
carinho que King parecia sentir por ela às vezes.
Foi para seu quarto, sentou-se sobre a cama e chorou até ficar sem lágrimas. Ouviu
o galope de um cavalo ao longe e se perguntou se teria empurrado King para os braços de
Darcy Valverde. Tendo em conta as circunstâncias, isso seria um grave contratempo. A
reputação de suas famílias estava em jogo e deviam se casar o quanto antes. Além
disso, não havia necessidade de serem desagradáveis um com o outro. A situação já era
bastante complicada.
Devia admitir que o que a tirava do sério era não poder dissimular seu amor por ele e
saber que King nunca poderia lhe corresponder. Como ia se casar com um homem que não
tinha a intenção de fazer nenhum esforço para que seu casamento funcionasse?
Escovou o cabelo, vestiu a camisola e se meteu na cama. Agora King ia odiá-la ainda
mais e ela era a única culpada.
O que teria acontecido se em vez de feri-lo com suas palavras o tivesse rodeado com
seus braços e beijado? O rosto de King tinha refletido uma profunda dor ao falar da
mulher que tinha amado e perdido. Provavelmente nunca mais fosse capaz de amar outra
pessoa, mas Amélia estava segura de que ainda desejava se casar com Darcy, apesar de
não amá-la. Darcy estava empenhada em conseguir King porque sua fortuna e sua posição
social lhe convinham. Amélia desejava se casar com ele porque o amava.
Apoiou a cabeça no travesseiro, fechou os olhos e adormeceu.

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 17

Há muitos meses que King não se embebedava. Aquela noite, enquanto as palavras de
Amélia martelavam seu cérebro, dirigiu-se a El Passo e bebeu até quase ficar
inconsciente. Antes do amanhecer montou em seu cavalo e empreendeu o caminho de
volta a Látego sem organizar nenhuma das manifestações que os taberneiros da cidade
estavam acostumados.
A brisa da manhã lhe devolveu a sobriedade e aumentou seu mau humor. Amélia não
tinha nenhum direito de falar assim com ele, não senhor, e ia dizê-lo assim que chegasse
em casa. Quem acreditava que era? Depois de tudo, ia se casar com ela para salvar sua
reputação.
Quando chegou a Látego se deixou cair do cavalo e, sem sequer incomodar-se em
conduzi-lo ao estábulo, entrou em casa e se dirigiu diretamente ao quarto de Amélia.
Estava trancada a chave, mas King levava consigo uma chave mestra e não fez esforço
para abrir a porta.
Quase colocou fogo no quarto ao tentar acender o abajur de querosene, mas na
terceira tentativa conseguiu. A luz invadiu o espaçoso quarto e revelou o esbelto corpo
de Amélia sob os lençóis, seu abundante cabelo loiro desordenado sobre o travesseiro,
suas rosadas bochechas e sua tentadora boca entreaberta.
— Amy — chamou enquanto a sacudia. — Amy, acorde!
Amélia abriu os olhos e deu um suspiro.
— King! O que faz aqui?
King depositou o abajur sobre a mesinha de cabeceira e se deixou cair pesadamente
sobre a cama. Graças a seus rápidos reflexos, Amélia se salvou de ser esmagada.
— Me escute bem, Amy — disse com voz pastosa. — Não o fiz de propósito. Eu não
queria matar seu pai.
— King, está bêbado! — exclamou Amélia enrugando o nariz ao cheirar seu bafo de
uísque.
— Só um pouco, Amy… O que estava dizendo? Ah, sim, seu pai! Quero que saiba que
não lhe contei que nós tínhamos nos deitado juntos. Só disse que o teria feito se eu lhe
tivesse proposto isso. Queria que deixasse de empurrá-la para o Alan de uma vez por
todas mas nunca pensei que poderia te fazer mal. Que… — disse contraindo as feições —
que batesse com o cinturão em suas costas. É uma imagem que me persegue onde for. E
tudo por minha culpa.

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Amélia Diana Palmer

E ela que acreditava que King não tinha sentimentos e que suas duras acusações o
tinham deixado indiferente! Surpreendeu-se ao descobrir que aquele homem também
tinha coração.
— Oh, King — gemeu sentando-se na cama.
Ele se sentou e sacudiu a cabeça tentando pensar com clareza.
— Não sei por que o fiz… Estava obcecado para evitar seu casamento com Alan.
— Parece cansado — disse Amélia escolhendo suas palavras cuidadosamente. — Por
que não tenta dormir um pouco?
— Dormir — suspirou King. — Faz semanas que não prego o olho, Amy. Caio sobre a
cama, fecho os olhos e a vejo estendida no chão com as costas ensangüentadas.
Amélia o contemplava fascinada. Embaixo daquela carapaça de homem duro e frio se
escondia um coração capaz de sentir remorso, vencer o orgulho e pedir perdão.
— Já estou recuperada — disse lentamente. — E agora me diga a verdade. Não quer
se casar comigo, ou estou enganada?
— Escute-me bem — disse ele olhando-a fixamente com os olhos injetados de sangue
por causa do álcool. — A situação é a seguinte: desonrei a você e a minha família. Penso
que nenhum de nós está em posição de escolher. Se for morar com sua prima, evitará
assim ter um filho? E sua prima o que dirá? Dá-se conta de que a porá contra a parede,
não?
— Tem razão — admitiu Amélia com o olhar baixo.
King contemplou suas empoeiradas botas antes de voltar a falar.
— Eu gosto de crianças — disse. – Fiquei surpreso ao ouvir Alan contar que brincava
de índios com seus irmãos. É claro, não acreditei em nenhuma palavra.
— Eram crianças encantadoras — suspirou Amélia. — Eu cuidei deles desde o dia em
que nasceram. Sua morte foi um duro golpe.
— Não teve uma vida fácil, não é? Toda essa responsabilidade quando era quase uma
menina e logo seu pai tão doente… Suponho que via em Alan um autêntico cavalheiro e
que por isso lhe agradava.
— Sim.
— Pois Alan tem um gênio ruim como eu. De fato, é pior porque quase nunca perde as
estribeiras. Eu me zango e desabafo, mas Alan guarda tudo e quando explode o
aborrecimento dura dias.
— Já me dei conta de que as coisas entre vocês não vão bem desde que cheguei aqui.
— Seu irmão também me deu as costas — suspirou. — Como vê, não está sozinha.
Todo mundo me odeia.
— Eu não o odeio, King.
— Tem motivos para fazê-lo.

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Amélia Diana Palmer

— É possível, mas não o odeio — repetiu Amélia encolhendo os ombros. — Todos nós
fazemos coisas das quais nos arrependemos. Meu pai estava a ponto de morrer e tentar
alongar sua vida teria sido um esforço inútil. Eu também cometi muitos enganos.
— Em troca, há coisas que voltaria a fazer… — disse King olhando-a fixamente. —
Nunca me arrependi do que aconteceu entre nós aquele dia.
Amélia ruborizou, mas uma estranha força a obrigou a sustentar o olhar de King.
— Ainda a desejo — continuou King. — Agora mais que nunca, porque foi minha uma
vez. Não deve se escandalizar, Amélia. Sou escravo de minhas paixões, como o resto
dos mortais.
— A paixão é… degradante — murmurou Amélia.
— Quando não está acompanhada de sentimentos mais nobres, certamente — replicou
King —. Mas entre você e eu existe uma forte atração física e espiritual. Acredito que
temos muito em comum. Agora que começo a conhecer a verdadeira Amélia, me atrevo a
assegurar.
- Pode ser que você não goste do que conheça.
- Eu adoro essa impetuosidade que a ataca de vez em quando — disse King rindo. —
Pode praticar o tiro ao alvo comigo o quanto quiser. Mas na próxima vez — acrescentou
com voz profunda — haverá conseqüências, não esqueça.
Amélia estremeceu. Não entendia o que estava acontecendo, mas a assustava. King
apoiou uma mão sobre a sua, que descansava sobre seu colo.
- A maioria dos casamentos começa cheio de bons propósitos. Nós começamos o nosso
com o pé esquerdo, mas ainda estamos a tempo de solucioná-lo.
- King, sei que não deseja se casar comigo — insistiu Amélia.
- Eu não desejo me casar com ninguém — disse King levando a mão de Amélia aos
lábios. — Mas tenho trinta anos. Devo começar a assentar a cabeça.
- É verdade. Sempre esqueço que é mais velho que Quinn.
- Eu fui o major de minha corporação. Dei-me conta muita tarde de que um homem
necessita de uma boa educação para levar o futuro adiante. O futuro deste país requer
homens preparados — acrescentou, acariciando a mão de Amélia. — Homens que saibam
tirar partido das oportunidades que se apresentam. Quero ampliar o negócio de cultivos
e cria de gado e assim entrar com bom pé no século vinte.
- Isso é um desejo para o futuro?
- Mais ou menos — disse ele antes de lhe beijar a mão de novo. — Estou bêbado,
Amy — suspirou.
- Já vi — falou Amélia com um sorriso. — Vamos, volte a dormir.
- Sabe de uma coisa? Darcy não suportava minhas carícias. E esta tarde, quando
tentei abraçá-la, você separou-se de mim como se a desagradasse. Por quê?

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Amélia Diana Palmer

- Não me agrada o que… faz-me sentir quando está muito perto — respondeu ela
evasivamente.
- O que quer dizer? - perguntou King arqueando uma sobrancelha, embora a tivesse
compreendido perfeitamente.
- Prefiro não falar sobre isso — respondeu Amélia.
King sorriu amplamente e se limitou a responder:
- Sei.
- E que não lhe suba à cabeça, meu senhor! — protesto Amélia —. Estou certa de
que sentiria exatamente o mesmo com qualquer outro que tivesse tanta experiência
quanto você.
- Temo que não terá ocasião de comprová-lo — replicou King. — Lembro que no
domingo é nossas bodas e que a partir de então eu serei o único homem em sua vida.
- Ameaça-me?
- Tome como quiser. É minha, Amélia — sussurrou, cravando o olhar em seu esbelto
corpo. — E não penso em compartilhá-la com ninguém. Nenhuma vez, me entendeu?
Nunca!
- Eu não sou propriedade de ninguém!
— Ah, não? — replicou King com fogo no olhar.
- E não penso em permitir que passe o dia vigiando meus movimentos!
- Tem medo de mim, Amy, será assim durante algum tempo — disse inclinando-se
sobre ela. — Acho que vou ter que lhe dar algumas lições sobre como agradar um homem
na cama.
- Bruto, como se atreve…!
Não pôde continuar porque King abafou sua exclamação com um beijo longo e
profundo. Amélia sentiu que estava se deixando levar muito fácil e apoiou a mão contra o
peito de King, protestando fracamente.
- E ainda duvida que pertencemos um ao outro? — perguntou King quase sem
respiração. — Cada vez que a beijo perco a cabeça.
- King, não deveríamos…
- Vamos, Amy, tente ser mais convincente — replicou King beijando-a de novo.
Amélia se abandonou em seus braços e se agarrou a sua nuca como um náufrago a
uma tábua de salvação.
Nenhum dos dois ouviu a porta do quarto se abrir, nem a tosse. Finalmente Enid
decidiu dar uma forte pancada na porta.
Os dois deram um suspiro e se separaram imediatamente. King parecia surpreso e
Amélia estava acesa e resplandecente como uma rosa. Cobriu-se com os lençóis até o
queixo e se sentou na cama com os olhos muito abertos.

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Amélia Diana Palmer

- Parecem tão culpados quanto dois colegiais! – exclamou Enid, divertida. — Suponho
que tudo isto tem uma explicação.
- Certamente — respondeu King. — Me dê cinco minutos para pensar em uma.
- Dou dez — replicou sua mãe. — É o tempo que demorarei a terminar de fazer os
biscoitos.
King levou a mão à têmpora e abafou um gemido enquanto ficava em pé lentamente.
- Que cheiro — disse Enid. — Surpreende-me como Amélia pode suportar sua
presença a uma distância tão curta.
Amélia ruborizou.
- Só bebi alguns copos — defendeu-se King.
— Algumas garrafas, está querendo dizer — replicou sua mãe. — Não se envergonha?
- Foi por sua culpa! — exclamou King mostrando Amélia. — Disse que não queria se
casar comigo!
- Provavelmente, deseja mais que uma proposta de casamento feita a contragosto.
- Então será melhor que me empenhe mais a fundo se quiser obter seu consentimento
— disse olhando-a amorosamente.
- Boa idéia — falou sua mãe.
- Seu filho é um noivo muito rebelde! — protestou Amélia. — Porque tampouco quer
se casar comigo.
-Oh, perdoe-me, Amélia, mas pelo que acabo de ver é meio difícil de acreditar.
- Isso é verdade — confirmou King.
- Feche a boca, King — replicou Amélia. — Desde que coloquei os pés neste rancho
não deixou de me insultar. E agora quer se casar comigo? Não compreendo.
- Mas isso era antes que tentasse quebrar minha cabeça — respondeu King sorrindo
com malícia. — Eu gosto mais desta ferinha que do manso cordeirinho que conheci há
alguns meses.
- Já é suficiente, King — disse Enid, empurrando seu filho para a porta. — Esta
situação é muito fora do normal. — Não deveria ter entrado aqui sabendo que Amélia
estava sozinha.
- E como ia beijá-la estando você aqui diante dela? — replicou antes de sair.
Enid fechou a porta e se voltou para Amélia, que parecia mais radiante e feliz que
nunca.
- Ninguém havia dito que tem coração — confessou Amélia.
- Certamente que tem. Entretanto, depois da morte de Alice se acostumou a ocultar
seus sentimentos diante dos outros.
- Suponho que a amava muito — murmurou Amélia.

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Amélia Diana Palmer

- Isso é o que ele achava — respondeu Enid.


- Deve ter sido muito duro perdê-la de maneira tão trágica.
- É claro. Esteve fora de casa durante três semanas procurando Rodríguez durante
dia e noite. Mas Alice não o teria feito feliz — acrescentou. — Não o amava mais que
Darcy. King é especialista em escolher a mulher errada. Até agora não teve muita sorte.
- King não me escolheu por sua própria vontade — assinalou Amélia. — Só me
considera boa… para uma coisa. O nosso não será um casamento feliz!
- A partir de domingo sua obrigação será fazer todo o possível para que seja,
Amélia. Já demonstrou que não é um desalmado e que te quer. Deve tentar!
Felizmente, Enid não suspeitava da verdadeira razão daquele casamento tão
precipitado; de sua parte, Amélia negava a si mesma. Limitou-se a sorrir a sua futura
sogra, com esperança que tudo saísse bem!

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Quinn estava sentado em seu escritório contemplando o anúncio da generosa


recompensa pela cabeça de Rodríguez que devia distribuir por El Passo! A fotografia era
muito boa. Muito boa.
Tinha mentido ao dizer que não tinha encontrado rastros do bandido, mas a brilhante
estrela que luzia em sua jaqueta o lembrava que tinha quebrado a solene promessa de
velar pela lei e a ordem. Rodríguez tinha violado a lei e sua obrigação era levá-lo diante
da justiça, apesar do alto preço que isso poderia causar. Sabia que ia perder Maria, mas
provavelmente isso fosse outra brincadeira do destino.
Ajustou a cela do cavalo e saiu do escritório decidido a capturar o bandido. Iria
sozinho e tentaria não pôr em perigo os habitantes do povoado, especialmente Maria e
Juliano.
- Aonde vai? — perguntou o capitão!
- Ao México. Buscar Rodríguez.
- Descobriu onde se encontra? — perguntou o capitão, surpreso.
- Sim, descobri quando vi sua fotografia — mentiu Quinn. — Acredito que vi este
homem em Del Rio.
— Magnífico! Meus homens o acompanharão.
- Prefiro ir sozinho, capitão. Há crianças com ele e não quero que sofram nenhum
dano! Confie em mim, senhor.
Apesar de Quinn ter só dois anos no corpo, o capitão Baylor o conhecia
perfeitamente e confiava nele.
- Está bem, como queira. Tome cuidado
- Terei.

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Amélia Diana Palmer

Quinn saiu de El Passo sob uma fina chuva com o coração encolhido. Ia trair a única
mulher que tinha amado de verdade.

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Na manhã seguinte King desceu para tomar o café da manhã com os olhos
avermelhados, mas sóbrio.
- Onde esteve ontem à noite? — inquiriu Brant.
- Me embebedando em El Passo — respondeu King!
-Oh, não! — lamentou seu pai. — Quanto vai me custar desta vez?
- Se tranqüilize, pai. Não quebrei nada. Embebedei-me e retornei para casa, isso é
tudo.
- Não está ruim, para variar — interveio Alan, que dirigia a palavra a seu irmão pela
primeira vez em vários dias. — O que aconteceu? Por acaso Amélia se arrependeu de se
casar com você?
- Ainda não — replicou King lhe dedicando um olhar fulminante.
- O dia mal acaba de começar e já estão brigando — repreendeu-os Amélia, zangada
porque ambos não se incomodaram em perguntar sua opinião.
- Seria capaz de me deixar na estrada e me abandonar quando mais necessito? —
sussurrou-lhe King zombeteiramente.
Amélia ficou vermelha de raiva. O mesmo poderia dizer ela. Apertou os lábios e se
serviu do café da manhã enquanto Alan os contemplava sem compreender nada.
- Já disse à senhorita Valverde? — perguntou Amélia.
- Ainda não — suspirou King. — Tinha pensado fazê-lo esta manhã.
- Não o invejo — comentou Alan. — Aposto que a ouvirão até em El Passo.
Alan tinha razão. Darcy ficou histérica, gritou, chorou e acusou King de arruinar o
bom nome de sua família. King agüentou tudo heroicamente, como se a coisa não fosse
com ele.
- Disse que a detestava — soluçou Darcy. – Vai se casar com ela porque toda El
Passo se inteirou de seu deslize! Além de ser uma mulher sem classe é uma perdida!
King apagou seu malicioso sorriso e olhou Darcy ameaçadoramente.
- Se voltar a repetir isso se arrependerá.
- Ah, sim? — desafiou-lhe Darcy. — E o que pensa fazer?
- Comprar a hipoteca de seu pai e deixar você e a sua família na mais absoluta ruína
— respondeu King sem levantar a voz.
Darcy empalideceu e se apressou a se desculpar.

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Amélia Diana Palmer

- Sinto muito. Olhe, King, não quero perdê-lo. Foi um golpe muito duro mas eu…
King desceu os degraus do alpendre, montou em seu cavalo e se afastou do rancho
deixando Darcy com as palavras ainda na boca. Até então não tinha comprovado o
irreparável dano que tinha sofrido a reputação de Amélia por sua culpa. As pessoas em
El Passo falavam muito e isso tinha criado uma espécie de bola de neve.
Quando retornou a Látego encontrou Amélia na sala costurando seu próprio vestido de
noiva.
- Quer vir comigo à igreja para pôr fim aos falatórios que se criaram por minha
culpa? — perguntou com humildade. — Se preferir, podemos nos casar na Geórgia.
Amélia não soube o que dizer. King parecia verdadeiramente preocupado com seus
sentimentos.
- Bom… — titubeou. — Não temo as línguas venenosas.
King a contemplava encantado, admirando sua beleza. Acima de tudo, era um homem
afortunado. Amélia encontrou sincero afeto em seus olhos e lhe correspondeu com um
cálido sorriso.
- Não me preocupo com o que essa gente diz.
- Eu também não — replicou King —, mas faria qualquer coisa para poupá-la de
semelhante humilhação.
- Como reagiu a senhorita Valverde? — perguntou ela, mudando de assunto.
- Mal — replicou King e se deixou cair em uma poltrona. — Suponho que a iludi. Mais
de uma vez demonstrei que minhas intenções eram sérias.
- Como assim… sérias?
- Uns poucos beijos não são suficientes para manter uma relação séria — respondeu
King. — Darcy só está interessada em meu dinheiro. Meus sentimentos não importam
absolutamente.
- Me fale de Alice — pediu Amélia.
King franziu o cenho. Nunca tinha tratado esse assunto com ninguém. Acendeu um
cigarro e aproximou um cinzeiro.
- Quero saber tudo — insistiu Amélia. — Se seu coração está enterrado junto com
ela não me casarei com você, King.
Ele apagou o fósforo e o depositou no cinzeiro enquanto seu olhar percorria aquele
rosto maravilhoso.
- Por isso vejo, que não só está interessada em salvar sua reputação.
- Não estou disposta a compartilhá-lo com ninguém, esteja vivo ou esteja morto —
replicou Amélia. — Tudo ou nada. Eu sou assim.
- Está bem — suspirou King sentando-se melhor na poltrona. — O que quer saber?
- A amava?

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Amélia Diana Palmer

- Quem sabe? Eu acreditava que sim. Também achava que ela me amava, mas quando
estive a ponto de perder tudo não vacilou em me abandonar. Desgraçadamente, um dos
homens de Rodríguez cruzou seu caminho. Revolta-me o estômago cada vez que lembro
aquela cena grotesca.
- Sinto muito. Suponho que foi um golpe muito duro.
- Meu pai foi membro da cavalaria durante os anos setenta e tomou parte da equipe
que encontrou os restos do general Custer e seus homens. A cena que me descreveu se
parece bastante com o massacre que presenciei aquele dia. Sei que muitos índios se
uniram a Rodríguez.
- Os índios não são os únicos que cometem assassinatos brutais — replicou Amélia. —
Por acaso não tem lido o que dizem os jornais sobre a guerra dos Bóers?
- Tem razão — respondeu King e seguiu com o olhar a fumaça que subia para o teto.
— Enterramos Alice e a seu amigo e partimos em busca de Rodríguez. Até o exército do
Texas o tentou mas é um tipo muito escorregadio. Acabei me refugiando nas montanhas
para me conscientizar do que tinha acontecido. Levou-me muito tempo.
- Ela o amava?
- Como Darcy, adorava meu dinheiro — respondeu King entreabrindo os olhos. — Você
é diferente. Não parece ambiciosa e se abre como uma rosa cada vez que a toco. Me…
estimula. Sim, querida Amélia, você me estimula.
Ela alisou a saia para evitar seu sedutor olhar.
- Já sabe o que penso sobre isso. Já disse muitas vezes que qualquer outro com sua
experiência…
- A experiência não conta quando acompanha um profundo sentimento de repulsão —
replicou King. — Não pode negar que você adora meus beijos. Nem a melhor atriz do
mundo poderia fingir tão bem.
Amélia pigarreou nervosamente. King estava expondo seus pontos fracos e isso a
deixava sem defesa.
- Como pode estar tão seguro? Eu também poderia estar fingindo.
- Você? Venha aqui! — replicou com um amplo sorriso. Amélia estava tão confusa que
se espetou com a agulha. Abafou um gritinho e levou o dedo à boca.
- Sabe montar, Amélia? — perguntou King.
- Sim.
- Amanhã devo fiscalizar a marcação do gado. Você gostaria de me acompanhar ou
será muito para você?
- Suporto essas coisas muito bem — respondeu Amélia.
- Bom. Tenho que arrumar alguns papéis antes de ir dormir — disse King ficando em
pé. — Não fique acordada até muito tarde, querida.

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Amélia Diana Palmer

O tom carinhoso empregado por King a emocionou. Levantou a vista e ele se inclinou
para beijar aquela boca adorável. Seus dedos acariciaram carinhosamente a tensa pele
de sua garganta antes de afastar-se.
- Durma bem.
Ela ia responder, mas King inclinou a cabeça e voltou a beijá-la. Amélia levou uma
mão e lhe acariciou a bochecha. King apertou a mão com força e a olhou com fervor.
— Eu também o desejo — Amélia murmurou!
— Eu a desejo Amélia, desejo estreitá-la em meus braços, sentir sua boca
abandonada sobre a minha. Mas se não me deter agora não haverá maneira de me
arrancar de seus braços até o amanhecer e isso não vai voltar a acontecer. A próxima
vez que estivermos juntos me assegurarei de que Deus tenha abençoado antes a nossa
união. Que ele me perdoe, Amélia, nunca quis te causar esta vergonha e humilhação —
acrescentou, lhe beijando a mão.
Depois saiu do quarto e ela ficou a sós, tentando ordenar seus pensamentos. Estava
claro que King sentia alguma coisa a mais que remorso e culpa. Mas se alguma vez tinha
amado Alice, como ia amá-la? O que podia esperar de um casamento sem amor?

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 18

No dia seguinte King e Amélia saíram de Látego de amanhã cedinho quando o orvalho
ainda brilhava sobre a relva. King observou Amélia montar discretamente e elogiou seu
estilo sobre a sela.
Apesar dos medos da noite anterior, Amélia se sentia mais viva que nunca! Era como
se tivessem deixado para trás seu tortuoso passado e tivessem decidido começar de
novo. King estava com um humor excelente e parecia mais jovem. Camuflada sob a aba
de seu chapéu, Amélia estudou com carinho aquele rosto. O fantasma de Alice se
desvaneceu com a luz do dia e aquele inesperado convite para passar um dia no campo a
tinha emocionado. King tinha se convertido repentinamente no centro de sua vida. Amélia
estava decidida a aceitar o que lhe oferecesse, embora fossem os restos de seu coração
destroçado pela morte de sua amada. Sem King, sua vida não tinha sentido!
King reparou naquele olhar e sorriu. Amélia ruborizou intensamente. King se pôs a rir
e levantou o rosto para receber os raios de sol.
- Sabe de uma coisa? — disse. — Quanto mais a conheço mais eu gosto. Quem diria
que era uma perita amazona?
- Sempre gostei de montar — falou Amélia. — Também adoro o campo e a vida ao ar
livre. Odeio viver rodeada de edifícios e gente que sempre tem pressa. Isto é o paraíso
— acrescentou respirando com satisfação a brisa da manhã.
King teve que fazer um esforço para desviar a vista do rosto de Amélia e
concentrar-se no caminho. Ganhou seu carinho e admiração dia após dia. O pensamento
de passar junto a ela o resto de sua vida e protegê-la até que a morte os separasse não
saia de sua mente. Nunca tinha conhecido uma mulher que aceitasse seu carinho sem
pensar em ter lucro. King sentia que havia tornado a nascer.
- King — disse Amélia. — Me diga uma coisa. Não notou nada estranho no Quinn no
outro dia, quando mencionou Rodríguez?
King deteve seu cavalo e a olhou.
- Agora que você falou, sim — respondeu ele. — No inicio pensei que estivesse
preocupado por você mas acredito que há alguma coisa mais. Não tenho nem idéia do que
seja.
- Não é próprio do Quinn sentir simpatia pelos criminosos — acrescentou Amélia
brincando com as rédeas.
- Estou de acordo — respondeu King. — Agora, só faltam dois dias para nossas
bodas. Terminou seu vestido?
- Sim. Sua mãe me ajudou muito.

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Amélia Diana Palmer

- Meus pais estão muito contentes com nosso casamento. Eles sempre a consideraram
da família.
Amélia teve vontade de acrescentar alguma coisa, mas se conteve. Bastava saber a
opinião de King. Ela sempre ia estar ali para o lembrar, até involuntariamente, que um
dia tinha perdido o controle e que ia ter que pagar por seu engano durante o resto de
sua vida.
King avançou até alcançar Amélia e levantou uma mão para tomar a sua.
- Provavelmente este casamento não seja exatamente o que eu tinha planejado, mas
tem que saber que não tenho nenhuma dúvida sobre minha decisão.
Amélia sabia que estava falando no sentido da responsabilidade. Forçou um sorriso e
respondeu:
- Eu tampouco.
- O que foi, Amélia?
- Não deixei opção — replicou Amélia, a ponto de chorar.
- Está errada — disse King. — Tinha todas as opções… Sabe que eu não gosto de
falar do que aconteceu aquele dia, mas não compreende porque deixei que fôssemos
muito longe de propósito? Podia ter me detido. Entretanto, escolhi não fazê-lo.
- Porque queria me separar do Alan! — exclamou Amélia.
- Isso não é verdade! — respondeu King apertando sua mão. — Fiz porque a queria
para mim, a custa do que fosse. Não compreende? Estava com ciúme do Alan.
- Ciúme de seu irmão por mim? — perguntou ela, incrédula.
- Que homem em sã consciência não estaria com ciúme de uma mulher que se derrete
em seus braços, que deseja seus beijos e que o faz se sentir maravilhosamente bem
quando estão juntos? — respondeu King.
Amélia sentiu um impulso de pôr em dúvida todas essas afirmações mas não pôde.
King não havia dito nada mais que a verdade! Era assombroso como a força de vontade a
abandonava quando estava com ele.
- Deixei-me levar por um arrebatamento — murmurou.
- Só quando já era muito tarde — replicou King com um sorriso. — Estive pensando.
— Que outro motivo podia ter para se entregar a mim sem condições? Sei perfeitamente
que não procura meu dinheiro e que seus princípios morais são irrepreensíveis. Levando
tudo isto em conta, só havia uma explicação lógica. Me perdoe, Amélia — acrescentou,
apagando o sorriso de seu rosto. — Meu comportamento foi vergonhoso.
Amélia não sabia o que dizer. King acabava de descobrir seu ponto fraco. Estava tão
nervosa que apertou as rédeas com força. Seu cavalo ficou nervoso e ela esteve a ponto
de sair em disparada!
Em um segundo, King saltou de sua cela e colocou seu joelho contra o cavalo de
Amélia, quase o obrigando a ajoelhar-se. Quando conseguiu acalmar o animal com
carícias e palavras tranqüilizadoras, King ajudou uma trêmula Amélia a desmontar.

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Amélia Diana Palmer

Tinha atuado com tanta destreza e sangue-frio que Amélia se surpreendeu ao ver que
seu rosto tinha empalidecido.
- Você está bem? — perguntou assim que a depositou no chão.
Amélia riu nervosamente!
- Sim. Sinto muito. Foi… culpa minha. Apertei bruscamente as rédeas. Pobre animal!
- Não diga tolices, podia tê-la derrubado!
Amélia o contemplava, fascinada. Em seus olhos havia um traço de raiva contida.
- Estou bem — disse apoiando uma mão sobre seu peito. — De verdade, King.
King começava a tranqüilizar-se. Amélia ainda podia ver por sua expressão a tensão
recém experimentada.
- Está certa disso? — insistiu.
- Sim — respondeu com um sorriso. — Não tive medo. Sei que trata os animais como
ninguém mais neste rancho! Em nenhum momento duvidei de que conseguiria tranqüilizá-lo.
King suspirou. Durante a breve troca de força com o cavalo tinha temido que Amélia
ficasse ferida. Tinha reagido exatamente igual no dia que a havia encontrado ferida no
chão. Assustara-se de verdade. Importava-se muito com Amélia.
Olhou em seus olhos e o coração deu um salto. King não podia continuar escondendo o
que sentia por ela. A alegria que produziu em Amélia aquela descoberta fez com que seu
rosto se iluminasse.
- Oh, King! Realmente teria se importado se alguma coisa tivesse me acontecido? —
murmurou com voz entrecortada.
- Amélia… — murmurou King estreitando-a entre seus braços e beijando-a
apaixonadamente.
Nenhum dos dois soube quanto tempo permaneceram abraçados sob o álamo. Quando
a força de sua paixão começou a ultrapassar os limites permitidos, King se afastou e
disse:
- Não devemos continuar. — Tomou seu rosto entre suas mãos e o percorreu com o
olhar. — Não podemos cometer o mesmo engano duas vezes! Teremos que esperar até no
domingo.
- Tem razão — suspirou Amélia.
Reclinou a cabeça em seu peito tentando recuperar a respiração. Dirigiu o olhar para
o horizonte que se estendia diante de seus olhos e pensou com alívio que, uma vez livre
dos fantasmas do passado, seu futuro não podia ser mais promissor.
- Não permitirei que aconteça com você nada de ruim — disse King solenemente. —
Ninguém voltará a lhe causar nenhum mal.
- Nunca mais — concordou Amélia. — Esta vez será diferente, não é verdade King?
Quero dizer, quando estivermos… juntos.

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Amélia Diana Palmer

- Certamente — respondeu King, e sua respiração se agitou de novo. — Desta vez


haverá ternura e teremos todo o tempo do mundo. Meus pais e Alan passarão o fim de
semana em Houston na casa de alguns amigos, assim teremos alguns dias para nós
sozinhos — acrescentou e se inclinou para beijá-la de novo. — Amélia… gostaria que já
fosse domingo. Não posso esperar…
- O tempo passará depressa, verá — assegurou Amélia.
- Pelo bem de minha prudência e de sua reputação, espero que muito rápido — falou
King.

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Quinn cavalgava para Malasuerte sentindo-se como um mercenário vulgar. Ia trair


Maria e seu pai. Pensar que tinha jurado velar pela lei e a ordem que Rodríguez tinha
violado durante tantos anos era apenas o que o consolava. Entretanto, devia cumprir com
seu dever. Era a única coisa que restava. As pessoas que acompanhavam Rodríguez eram
pobres, mas isso não bastava para justificar seus roubos e crimes. Seu dever era
esquecer o que o bandido tinha feito por Juliano e Maria e concentrar-se no assassinato
da noiva de King e de seu amigo.
Mas mesmo assim, Quinn não conseguiu tranqüilizar sua consciência. Ainda se sentiu
pior quando Maria o distinguiu ao longe e, soltando o milho que carregava, correu para
abraçá-lo com indescritível alegria! Enquanto a via aproximar-se, Quinn se deu conta do
quanto havia se sentido triste no Texas. Desceu do cavalo e correu a seu encontro.
Estreitou-a entre seus braços, beijou-a, e durante alguns minutos esqueceu o motivo que
o tinha levado até ali.
De repente ouviu um barulho de conversas e risadas sufocadas. Separou-se de Maria
e viu que o povo todo se reuniu ao redor deles, incluído Rodríguez.
«Sou um traidor», pensou Quinn. Não sabia como ia seguir vivendo depois de cumprir
sua missão. Sendo seu dever ou não, nunca ia se libertar do remorso de ter traído
alguém que o amava sinceramente!
Seu pai tinha morrido e seu melhor amigo estava a ponto de se casar com sua irmã
por obrigação. Maria era tudo o que restava e agora ia perdê-la também. Desejou que
ela, quando se desse conta de sua traição, o matasse com suas próprias mãos para assim
o libertar de sua tortura.
Pensou que não seria uma má idéia passar alguns dias no povoado e desfrutar dos
últimos momentos de felicidade que ia ter durante o resto de sua vida.
- Ora, ora, veja quem retornou — disse Rodríguez estendendo a mão. — Bem-vindo,
meu filho. Minha pobre Maria esteve muito triste desde que nos deixou.
- Eu também senti sua falta — replicou Quinn olhando Maria afetuosamente. —
Tenho más notícias. Meu pai morreu.
- Sinto tanto! — exclamou Maria e se precipitou a lhe abraçar.

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Amélia Diana Palmer

- Lamento — disse Rodríguez. — É muito duro perder um pai. O meu era fazendeiro,
sabe? — acrescentou. — Provinha de uma nobre família espanhola. Casou-se com uma
mestiça e acabou perdendo tudo o que tinha por culpa da bebida. O dinheiro é a ruína
das boas pessoas, não é verdade? É melhor viver livre como um pássaro com o céu e a
terra como lar. Sim, senhor, não existe nada mais belo que a liberdade! Bem —
acrescentou antes de dirigir um olha fugaz a Quinn e Maria —, o amor também é
importante.
Quinn assentiu, enquanto Maria o olhava com preocupação. Nos escuros olhos de
Quinn havia alguma coisa que pressentia ser desgraça.
- Retornou porque alguma coisa o preocupa, não é verdade? — perguntou Rodríguez
apoiando sua mão no ombro do rapaz. — Bom, pode ficar conosco o quanto quiser.
Faremos todo o possível para que esqueça seus problemas. Lupita, traz o mezcal! Vamos
brindar por nosso amigo!
Lupita, uma mulher gorda e baixa de brilhantes olhos negros e sorriso desdentado,
saiu de trás de uma cortina trazendo o mezcal. Rodríguez a segurou e a beijou na
bochecha carinhosamente.
- É minha mulher — disse a Quinn. — Não é muito bonita, mas tem um coração de
ouro e cozinha as melhores e mais apimentadas comidas do povoado.
- Foi nossa mãezinha durante estes anos — interveio Maria. — É uma mulher muito
boa. E sua mãe? Vive?
- Não — respondeu Quinn. — Morreu faz alguns anos.
- O que aconteceu a seu pai? O assassinaram?
- Não. Tinha uma doença no cérebro.
- Que terrível! — exclamou Maria benzendo-se. — Sinto muito!
- Minha irmã ficou com a pior parte — replicou Quinn. — No final foi muito cruel com
ela. Não foi culpa dele, não sabia o que fazia.
- Como era a enfermidade que tinha? — quis saber Rodríguez.
- Tinha um tumor dentro da cabeça — explicou
- Ah, sei, um tumor! Foi muito doloroso?
- Muito — respondeu Quinn tomando o mezcal que Rodríguez lhe oferecia
Bebeu um gole e instantaneamente sentiu suas preocupações desaparecerem.
- Como é sua irmã Amélia?
- Poderíamos ser gêmeos — respondeu Quinn com um sorriso. — É uma mulher muito
valente e, como sua Lupita, tem um grande coração.
- Isso vale seu peso em ouro, digo-lhe sempre isso – falou Rodríguez. — Me alegro
de que tenha retornado! Tenho um problema e necessito de ajuda, compadre!
- Conte comigo, senhor!

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Amélia Diana Palmer

- Sei que puseram preço em minha cabeça — disse olhando fixamente para o fundo
de sua taça de mezcal. — As autoridades do Texas desejam me pendurar em uma árvore
e acabo de saber que enviaram o exército em minha busca. Já não sou o mesmo há
alguns anos — acrescentou, confuso pela crítica expressão de Quinn. — Estou velho e
estou perdendo as faculdades. Também devo pensar no bem-estar de minha família.
pensei que, pelo seu bem, será melhor que me entregue.
- Não! — gritou Maria e se jogou em seus braços. — Não o faça, papai, por favor! O
matarão!
- Já sei que gosta de mim — disse Rodríguez dando palmadinhas nas costas da moça.
— Eu também a amo muito, minha menina, mas temo que o exército se depare comigo
aqui. Não quero que morram pessoas inocentes por minha culpa. Esses soldados lutam
como feras, nunca se rendem e não quero que meu povo sofra por mim. Prefiro me
entregar pacificamente que arriscar a vida dos que amo.
Quinn o observava atônito. Não sabia o que dizer! Estava claro que os rumores se
estenderam desde El Passo. Por sua vez, os rumores o estavam ajudando. Já o tinha em
suas mãos. Aquilo sim era um golpe de sorte!
- O que posso fazer por você, senhor?
- Quero que venha comigo a El Passo — respondeu Rodríguez. — Se for acompanhado
por um gringo terei mais oportunidades de chegar vivo ao escritório do xerife.
- Isso é verdade — admitiu Quinn.
- Então… fará o que lhe peço?
Quinn vacilou, mas Maria insistiu com o olhar.
- Por favor, Quinn — implorou. — Faz o que lhe pede.
- Está bem — concedeu finalmente — quando deseja partir?
- Amanhã — respondeu Rodríguez. — Quero passar uma última noite com minha
família. Todas essas acusações contra mim são falsas — acrescentou —. É certo que
assaltei alguns bancos, mas não matei nenhum gringo. Essas mortes que os americanos
me impõem eu não as cometi. Quero ter um julgamento justo e a oportunidade de me
defender. Eu não sou um assassino. Quero apagar meu passado e iniciar uma nova vida…
como se diz… ? Virar a página. Me ajudará, não é verdade?
- Não acredita que é um pouco tarde?
- Olhe, cedo ou tarde os gringos acabarão me apanhando e me pendurarão. Quero
ter a oportunidade de dar minha versão do acontecido, poder negar que assassinei a
sangue frio uma jovem americana. Não quero que meus filhos e meus netos se
envergonhem de mim. Compreende?
- Certamente, mas se espera um julgamento justo…
- E por que não? Sou inocente.
- Você é mexicano — replicou Quinn. — Houve muitos problemas na fronteira e agora
os americanos não vêem os mexicanos com bons olhos. Tem poucas possibilidades.

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Amélia Diana Palmer

- Toda minha vida tive que tomar decisões arriscadas — respondeu Rodríguez
encolhendo os ombros. — O que importa uma a mais?
- Está bem, o acompanharei a El Passo. Vejo que está decidido.
- Sei que cuidará de mim, compadre. Não tenho medo.
Quisera Quinn poder dizer o mesmo! Sabia que assim que pusessem um pé em El Passo
Rodríguez compreenderia que o tinha enganado. Perderia seu respeito e a adoração de
sua filha. Ele se converteria no malvado da história quando Rodríguez fosse enforcado.
Nunca tinha estado em uma encruzilhada assim.
Intuindo seu desassossego, Maria o abraçou e reclinou a cabeça sobre seu ombro.
- Não se preocupe — sussurrou-lhe. — Papai é uma raposa velha. Não se deixará
apanhar tão facilmente.
Enquanto lhe acariciava seu sedoso cabelo negro, Quinn não podia deixar de pensar
em como as coisas iam mudar para evitar que isso ocorresse.
A noite transcorreu tranqüilamente. Quinn despertou ao amanhecer e saiu para dar
um passeio pelo povoado. Os outros habitantes, acostumados com sua presença,
saudavam-no amavelmente. Rodríguez dormia em sua cabana. Quinn se deteve junto à
porta, desejando reunir a coragem necessária para entrar e contar-lhe tudo.
Maria o ouviu e se apressou a sair envolta em um xale para se proteger do frio da
manhã.
- Bom dia — disse.
Quinn a beijou na bochecha, mas sua mente estava ocupada na longa viagem de volta
a El Passo. Maria sentiu sua preocupação e, tomando sua mão, o fez se afastar alguns
passos da entrada da cabana.
- Me conte o que o preocupa.
- Não sou o que todos acreditam — respondeu Quinn fazendo uma careta.
- Já sei o que vai dizer — interrompeu-lhe Maria — Você é um bandido, como meu
pai, e teme que o prendam quando chegar com ele em El Passo. Mas meu pai tampouco se
entregará desta vez — acrescentou rindo. — Já tentou outras vezes, mas assim que
divisa El Passo, dá a volta e retorna para casa. Não aconteceu nada. Siga a corrente…
Nesse momento Rodríguez saiu da cabana e Maria interrompeu a conversa. Quinn
apertou os lábios e se resignou a receber o ódio de todo um povoado quando soubessem a
verdade.
Esperou pacientemente até que Rodríguez tivesse selado seu cavalo e se despediu de
sua família e amigos. Quinn teve que fazer um esforço para não o dissuadir quando
Juliano pôs-se a soluçar. Estava se comportando como um homem sem coração e sem
sentimentos! Ia cumprir com seu dever mas as custa de trair Rodríguez e Maria. Olhou-a
nos olhos e se perguntou pela enésima vez de onde ia tirar forças para continuar vivendo
quando sua missão estivesse finalizada.
- Vá com Deus — despediu-se Maria

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Amélia Diana Palmer

- Vai me fazer mais falta do que acredita — replicou Quinn.


- Adeus, minha menina — disse Rodríguez lhe dirigindo um carinhoso sorriso.
- Até mais tarde — corrigiu-lhe Maria. — Sei que muito em breve voltaremos a tê-lo
entre nós.
Rodríguez não replicou e Quinn guardou silêncio. Os dois cavaleiros abandonaram o
povoado lentamente. Quinn não encontrava o momento certo de revelar a verdade. Era a
primeira vez que mentia deliberadamente, mas também era a primeira vez que se
apaixonava de verdade.

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O casamento de King e Amélia foi um grande acontecimento. Rancheiros de todos os


lugares do Texas foram presenciar a singela cerimônia que teve lugar na pequena igreja
metodista. Depois todos foram a Látego para desfrutar de um esplêndido banquete. A
comida era abundante e Rosa preparou um magnífico bolo de noivado.
Alan felicitou sua nova cunhada com uma mescla de alegria e ciúmes, mas fez o
possível para não estragar o dia de ninguém.
- Será melhor que meu irmão seja bom para você — limitou-se a dizer com um
sorriso.
- Estou certa de que será — replicou Amélia, lembrando sua solicitude de dois dias
antes quando esteve a ponto de cair do cavalo.
Embora King não a quisesse, estava claro que se importava com seu bem-estar.
Talvez com o tempo esse sentimento se transformaria em amor.
King pediu a primeira valsa. Todos os convidados foram unânimes em dizer que Amélia
estava linda em seu vestido de cetim. Os olhos de King brilhavam de tanto desejo e
carinho que Amélia sentiu um certo embaraço.
- Minha pequena… — sussurrou-lhe King. — Nunca pensei que me sentiria tão ansioso
no dia de meu casamento nem que encontraria uma mulher com quem desejasse passar o
resto de minha vida.
- Durante muito tempo pensou que a senhorita Valverde era a pessoa mais indicada.
- Um homem deve pesquisar muitas candidatas antes de encontrar a mulher perfeita
— replicou King.
- Não a vi na igreja.
- Por acaso achava que eu seria capaz de convidá-la para nosso casamento?
- Não que eu tivesse me importado. Acima de tudo, seus pais são amigos dos
Valverde.
- Era uma amizade muito interessada de sua parte. Estou certo de que, agora que
não têm possibilidade de fazer parte da minha família, não os veremos muito.

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Amélia Diana Palmer

Amélia não se atreveu a acrescentar que esperava que assim fosse.

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Amélia Diana Palmer

CAPÍTULO 19

Rodríguez se afastou da porta do escritório do xerife para ceder espaço a Quinn.


Sem pigarrear, depositou sua pistola sobre a mesa. Aquele gesto singelo e de boa fé fez
Quinn se sentir mais miserável que nunca.
- Por fim pegou o maldito bastardo! — exclamou triunfante um dos ajudantes do
xerife.
Sem pensar duas vezes, Quinn deu um murro no homem que tombou no chão.
- Será melhor que cuide sua língua, ou me verei obrigado a tomar medidas mais
severas.
Não foi necessário levantar a voz. Os homens do xerife o conheciam muito bem. O
homem se levantou esfregando a mandíbula e abandonou o escritório.
- Quero garantias de que este prisioneiro não vai sofrer nenhum dano — pediu Quinn
ao xerife. — E também exijo que o submeta a um julgamento justo. Até então a lei diz
que é inocente.
- Eu mesmo me ocuparei dele, Quinn — prometeu o xerife. — Tem minha palavra de
que ninguém o tocará.
- Eu o acompanharei ao calabouço — disse Quinn e pegou o molho de chaves.
- Estes gringos o respeitam — comentou Rodríguez enquanto percorriam o estreito
corredor com celas dos dois lados. — É um deles, não é mesmo?
- Sou oficial do exército do Texas — confessou Quinn sem se atrever a olhá-lo nos
olhos.
- Suspeitei — suspirou Rodríguez. — Apesar de ser seu dever você não queria me
prender. É pela Maria, não é verdade?
- Gosto muito dela — respondeu Quinn.
- Fico contente. Agora já sei que nunca faltará nada a Juliano e a ela — replicou
Rodríguez com um sorriso enquanto se sentava sobre a cama de armar e tirava o chapéu.
- Não o enforcarão! — exclamou Quinn. — Não se renda agora!
- No outro dia não disse toda a verdade porque Maria estava perto — disse
Rodríguez. — Todas as acusações, exceto a do ataque da garota, estão corretas: matei
muitos gringos, roubei muito ouro dos bancos americanos e muitas cabeças de gado. Já
estou velho — acrescentou encolhendo os ombros. — O melhor para todos é que me
enforquem de uma vez. Viu esses homens, todo mundo me considera culpado.
Ultimamente não durmo muito bem e acredito que já vivi o suficiente. Não me importa o
que façam comigo. Só quero que minha família deixe de ter que se esconder e possa
viver em paz.

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Amélia Diana Palmer

- Mas …
- Muito obrigado por sua ajuda, mas agora me deixe sozinho — interrompeu-o.
Sentindo-se entre a cruz e a espada, Quinn saiu da cela com o coração encolhido e
se dirigiu a Látego, onde se celebrava o casamento de sua irmã com seu melhor amigo.
Aquele casamento o deprimia. Estava certo de que King tinha aceitado se casar para
salvar a honra de Amélia, não por amor. Entretanto, todos seus temores se dissiparam
quando os viu juntos. Se naquela casa havia um homem apaixonado, esse era King. Não
afastava a vista de Amélia, que estava resplandecente e feliz.
- Bem-vindo! — exclamou Amélia e correu para abraçá-lo – Estou tão feliz que tenha
vindo.
- Quase não chego a tempo por culpa do trabalho — replicou Quinn. — Acabamos de
prender Rodríguez.
Antes de terminar a frase se arrependeu de ter pronunciado aquelas palavras.
A alegria refletida durante todo o dia no rosto de King se transformou em uma
profunda expressão de ódio.
- Me diga onde está — pediu ao Quinn.
- Em uma cela no escritório do xerife. King, espera!
Já era tarde. Sem dizer uma palavra, King se voltou e se encaminhou com passos
decididos ao estábulo. Quinn tentou detê-lo lhe segurando um braço.
-Não vá — suplicou. — Maldição não devia ter vindo! — exclamou, olhando de soslaio
sua irmã. — Estraguei tudo!
- Irei matá-lo — disse King. – Por acaso acha que poderia esquecê-lo?
Amélia se sentiu desfalecer. Agora que tinha começado a acreditar que King a queria!
Tudo tinha sido um engano, uma comédia para todos aqueles que não conheciam a
verdadeira razão pela qual se casavam. King continuava amando Alice.
- O xerife me prometeu que terá um julgamento justo! — exclamou Quinn. — Se
aproximar-se dele não terei outro remédio que não seja detê-lo… no dia de seu
casamento!
- Está defendendo esse assassino? — perguntou King fora de si.
- Esse homem não é o que todos acreditam que seja! — replicou Quinn. — Não é um
monstro e não teve nada a ver com a morte de Alice. Quem a matou foi um homem
chamado Manolito. Faz algumas semanas que abandonou em um bordel de Del Rio Maria,
a filha adotiva do Rodríguez. Eu mesmo a tirei de lá e a levei para sua casa. Quando
Rodríguez soube do que aconteceu ordenou a morte desse desalmado. O tal Manolito era
um autêntico assassino. Há dez anos atrás acabou com a família da Maria e a raptou.
Rodríguez a resgatou de suas garras e a adotou. É sério, King, é um bom homem. Foi
Manolito quem matou Alice e agora está morto!

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Amélia Diana Palmer

Mas King estava muito obcecado para escutar Quinn. Só via o corpo mutilado de sua
pobre Alice. Livrou-se de Quinn com um brusco empurrão e se voltou para ele
ameaçadoramente.
- Fora de Látego! — ordenou. — Não quero que volte a pôr os pés aqui.
Depois de olhar seu amigo com desprezo, se afastou enquanto Amélia tentava manter
a compostura. Ao redor dela, os familiares e amigos dos Culhane tentavam disfarçar sua
curiosidade. Fazendo ouvidos surdos às súplicas de Amélia e às desculpas dos Culhane,
Quinn montou em seu cavalo e se dispôs a abandonar o rancho sentindo-se muito fraco
para confrontar todos seus problemas de uma vez.
Os Culhane tiveram que cancelar seu fim de semana em Houston porque Enid não se
atreveu a deixar Amélia sozinha. King tinha pegado seu cavalo e partiu sem dizer aonde
ia. Parecia zangado com Amélia por tudo o que Quinn havia dito.
- É por causa da filha de Rodríguez… — soluçou Amélia. — Quinn se apaixonou, estou
certa. Viu como falava dela? Teve que prender seu pai e acredita que a perdeu para
sempre. Agora o enforcarão e nunca o perdoará.
- Pobre Quinn — compadeceu-se Enid. — E pobre Amélia! Às vezes King é tão cabeça
dura!
- Ainda ama Alice, não é verdade? — lamentou-se Amélia levantando seu rosto cheio
de lágrimas —. Sempre a quis e só pensa em vingar sua morte
- King era muito jovem quando aconteceu essa tragédia — disse Enid.
- Eu me rendo — suspirou Amélia, resignada. — King fez por mim o que estava ao seu
alcance. Ofereceu-me seu sobrenome para salvar minha reputação. Agora é hora que eu
faça alguma coisa por ele. Irei embora para que possa continuar com sua vida como se
nada tivesse acontecido. Dentro de alguns meses pedirei o divórcio e se verá livre de
mim para sempre.
- Divórcio! — exclamou Enid, horrorizada. — Amélia, não pense nisso!
- Que mais posso fazer? King não me ama. Se me amasse não teria partido no mesmo
dia de nosso casamento. Agiu como um cavalheiro comigo, mas não posso obrigá-lo a
fingir durante a vida toda. Esta noite dormirei aqui e amanhã me mudarei para um hotel
e tentarei entrar em contato com minha prima.
- Oh, Amélia, sinto muito!
- Eu sei. Eu também sinto, mas me alegro de ter descoberto a verdade a tempo. Há
anos King enterrou seu coração junto com sua amada e nunca mais poderá sentir amor
por outra pessoa.
- Alice não o amava! — replicou Enid.
- Mas King sim. Pouco importa se esse amor não era correspondido.
- Em compensação, você sim o ama.
- Sempre o amarei — reconheceu Amélia —, mas isso não basta. Obrigada por tudo
— acrescentou beijando Enid na bochecha. — Espero poder compensá-la algum dia.

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Amélia Diana Palmer

- Amélia, se King retornar e não a encontrar aqui se sentirá desolado.


- Não acredito — disse Amélia. – Acredito sim que sentirá um grande alívio. Será
melhor que eu tente dormir um pouco. Amanhã será um dia muito duro.
- Oh, Quinn! — lamentou-se Enid. — Por que teve que aparecer com estas notícias no
pior momento?
- Acredito que é melhor ter descoberto a verdade a tempo — replicou Amélia
lentamente. — Que descanse em paz, senhora.
Amélia abandonou a sala e se dirigiu ao quarto que Enid tinha preparado com tanto
carinho. Tinha o coração destroçado. Todas as suas esperanças e sonhos se
desvaneceram para sempre.

King amarrou seu cavalo a um tronco e se sentou para contemplar a paisagem até que
quase escureceu. Sua mente estava na imagem do corpo mutilado de Alice. Sua amada
tinha morrido sozinha, ninguém tinha estado ali para defendê-la. E Rodríguez, seu cruel
assassino, tinha escapado impune. Finalmente tinha sido detido, mas Quinn, seu amigo da
alma, converteu-se em seu defensor.
Suas fortes mãos quebraram um ramo enquanto se perguntava o que devia fazer.
Caso se aproximasse de Rodríguez não duvidaria que Quinn o trancasse em uma cela
escura. Que ironia!
De repente lembrou de algo. Quinn havia dito que um homem chamado Manolito era o
responsável pela morte de Alice e que Rodríguez o tinha matado por ter abandonado a
uma filha de Rodríguez em um bordel. Começou a montar o quebra-cabeça e
compreendeu que Quinn se apaixonara pela filha de Rodríguez. E que agora o odiava
porque Quinn tinha cumprido com seu dever prendendo Rodríguez.
King suspirou. Estava tão obcecado com seu próprio passado que não tinha visto que
seu amigo se encontrava em um apuro. E além disso… ainda havia Amélia!
Montou em seu cavalo precipitadamente. Ele tinha deixado Amélia plantada no dia de
seu casamento para ajustar contas com o assassino de uma antiga noiva. Que idiota tinha
sido! Amélia pensaria que ainda amava Alice. Enquanto amaldiçoava sua sorte, ouviu o
som inconfundível de uma cascavel. O cavalo se assustou e, depois de o jogar no chão,
fugiu apavorado. King tinha saído tão depressa que tinha esquecido seu revólver em casa,
assim teve que passar junto ao maldito réptil sem poder tirar a cabeça. Tinha
anoitecido, não tinha cavalo nem revólver e estava muito longe do rancho. Sentia-se
como um completo idiota. Desesperado, pôs-se a rir a gargalhadas. Bonita maneira de
iniciar um casamento! Tomara que Amélia fosse mais paciente que ele. Resignado, iniciou
a pé o caminho de volta a Látego.

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Amélia Diana Palmer

Quinn tinha desejado retornar a Malasuerte imediatamente e oferecer uma explicação


a Maria, mas preferiu ir à cidade para montar guarda em frente à cela de Rodríguez.
Estava envergonhado por ter acabado com o casamento de sua irmã e King.
Já era noite quando chegou na cidade. Estava muito cansado para ir a seu quartel em
Alpine, assim pegou um quarto em um hotel e se meteu na cama. Provavelmente tudo
fosse parecer mais fácil depois de um sono reparador.
Enquanto isso, King tinha decidido procurar um lugar onde dormir um pouco em vez de
errar na escuridão se expondo aos cactos e às serpentes. Acendeu um pequeno fogo, fez
uma cama com folhagem e se deitou, perguntando-se se alguma vez alguém tinha passado
uma noite de núpcias tão ridícula.
Teria sabido se tivesse visto o rosto da pobre Amélia quando se levantou no dia
seguinte antes do amanhecer. Seus olhos, inchados pelo choro, brilhavam em seu rosto
pálido. Após ter feito as malas, pediu a Brant que a levasse a cidade. Enid lhe suplicou
que não o fizesse e durante todo o trajeto até El Passo, Brant não deixou de resmungar,
mas Amélia parecia decidida a partir para sempre. Não estava disposta a suportar mais
humilhações. O comportamento de King não deixava lugar a dúvidas. Tinha expulsado
Quinn do rancho e não tinha retornado durante a noite. Isso significava que não
desejava prosseguir com seu casamento e Amélia estava disposta a aceitar.
- Idiota! — grunhiu Brant mais uma vez quando chegaram a El Passo. — Quando
retornar vai ouvir. Ah! se vai me ouvir! Um marido não pode tratar assim sua esposa.
- King nem uma única vez desejou este casamento — lembrou-o Amélia. — Quem
sabe? Provavelmente seja o melhor para nós dois. Pelo menos minha reputação está
salva.
- Se não a tivesse comprometido não teria tido necessidade de salvar as aparências.
Não tente justificá-lo, Amélia, seu comportamento não tem desculpa. Pensar que meu
filho…!
- Basta, por favor — interrompeu-o Amélia. – Daqui a algum tempo será passado.
King tomou uma decisão e eu não desejo compartilhar minha vida com um homem que não
me ama. Ontem deixou claro diante de todos que seus sentimentos por Alice seguem
intactos.
- Sentiremos sua falta Amélia — disse Brant, pesaroso. — É como uma filha para
nós.
- Certamente teríamos formado uma família muito feliz. Quando tiver me instalada
na Florida escreverei para que King possa entrar em contato comigo quando… quando
quiser pedir o divórcio ou a anulação.
A anulação os obrigaria a mentir, mas era ainda mais terrível confessar que tinham
antecipado seu casamento. Além disso, com o passar dos dias as suspeitas de Amélia se
confirmaram: estava quase certa de estar grávida. Seu filho nunca conheceria seu pai.
Era um pensamento desesperador.
- Agora devo ir — murmurou.

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Brant não sabia o que fazer ou dizer. Descarregou a escassa bagagem de Amélia e
quando se dispunha a entrar no hotel, Quinn fez sua aparição. Sem falar uma palavra,
avançou para sua irmã e a estreitou entre seus braços enquanto ela rompia em prantos.
- Sinto muito, irmãzinha — desculpou-se Quinn. — Viu tudo o que posso fazer em um
só dia? Perdi a mulher que amo e meu melhor amigo, e destrocei seu casamento antes
que começasse.
- Quinn, não se atormente — tentou consolá-lo Amélia.
Brant tentou confortá-lo, mas Quinn não quis lhe escutar.
- O fato está feito — suspirou. — Espero que algum dia King nos perdoe. Até então
eu cuidarei de Amélia. Provavelmente possa comprar uma casa para que ela…
- Nem pensar — interrompeu-o Amélia. — Decidi ir para a Florida. Viverei na casa
da prima Ettie.
- Acredito que deveria ficar em El Passo — replicou seu irmão. — Pode ser que King
volte para te buscar quando tiver refletido sobre seu comportamento.
- Isso não ocorrerá. Eu disse que vou à Florida e pronto. É minha última palavra.
Agradeça sua esposa e ao Alan — acrescentou estendendo a mão a Brant. — Nunca os
esquecerei.
- Nem nós, querida - disse Brant.
Quinn ajudou a sua irmã a acomodar-se em um modesto quarto e retornou ao
escritório do xerife. Assim que chegou, se deu conta de que alguma coisa estranha
acontecia. Os homens corriam agitados empunhando revólveres. Quinn temeu o pior.
Abriu a porta e se deteve, atônito. Rodríguez estava estendido no chão da cela. Seu
corpo não mostrava sinais de violência exceto um pequeno orifício na têmpora.
- Quem fez isso? — perguntou Quinn indo às nuvens.
- Ainda não sabemos — respondeu o xerife. — Encontramos assim. Olhe, seu revólver
está junto a sua mão.
Quinn se ajoelhou e examinou atentamente a ferida e as mãos de Rodríguez. Não
levou muito tempo para saber o que tinha acontecido. Observou de perto a mão esquerda
do bandido. A ferida estava do mesmo lado da cabeça e todo mundo sabia que Rodríguez
era canhoto. Quinn passou o lenço pelas mãos e descobriu traços de pólvora. Cruzou as
mãos de Rodríguez sobre seu peito e se levantou.
- Não se trata de um assassinato. Este homem era canhoto e há traços de pólvora
em sua mão esquerda e ao redor da ferida, o que significa que o disparo aconteceu à
queima roupa. Trata-se de um suicídio.
- Assim parece. Entretanto, meus ajudantes disseram que havia gente interessada
em que Rodríguez não fosse julgado. Suspeito que seus cúmplices temiam serem
descobertos. Nunca tinha visto um foragido se suicidar.

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- Ontem Rodríguez me disse que suas vítimas tinham retornado do além para se
assegurarem de que a justiça seja feita — mentiu Quinn. – Não teria acreditado que ele
era capaz de fazer uma coisa assim. Ele é católico e acaba de negar o descanso eterno.
- Você acha? — replicou o xerife franzindo o cenho. — Me parece que o suicídio é
simplesmente um ato de desespero. Provavelmente Deus seja mais condescendente do que
acreditam.
- É possível.
- Agora já não importa — observou o xerife encolhendo os ombros. — Foi amável de
sua parte nos economizar um julgamento e gastos de manutenção.
- Rodríguez era um senhor — disse Quinn.
Sua obrigação era retornar a Malasuerte e comunicar as más notícias a Maria. Era
um dever que o assustava mais que a morte. Dirigiu um último olhar ao corpo do
Rodríguez e abandonou o escritório do xerife lentamente.

Quando ainda faltavam alguns quilômetros para chegar ao rancho, King se encontrou
com um de seus homens, que retornava depois de ter passado a noite ocupado com a
marcação do gado. King estava esgotado e precisava de uma ducha e um bom barbeador.
- Matarei aquele cavalo com minhas próprias mãos e o assarei na churrasqueira! —
exclamou furioso.
- Tem razão, senhor — replicou o vaqueiro, um irlandês de sorriso luminoso. — Os
cavalos são a reencarnação do diabo.
- E tudo por causa de uma maldita serpente — seguiu lamentando-se King.
Acomodou-se no coche, agradecido por poder descansar seus destroçados pés. King
detestava o coche e os saltos que dava cada vez que uma roda se metia em um buraco
no caminho.
Quando chegou ao rancho se surpreendeu de que ninguém saísse para lhe receber. O
vaqueiro se dirigiu ao celeiro e King entrou em casa pensando que Amélia estaria furiosa
com ele. Merecia. E o pior era que nem sequer tinha tido tempo de preparar uma boa
desculpa.
Amélia não estava em seu quarto e King se dirigiu à cozinha, onde encontrou sua mãe
preparando o café da manhã. Seu pai estava sentado em frente à mesa com uma curiosa
expressão de aborrecimento e cansaço refletida no rosto.
- Retornou — disse —. Acho que já é muito tarde, meu filho. Sua esposa o
abandonou.
- O que disse?
- Acredita que seu coração está enterrado no túmulo junto com Alice e que não a
quer — disse Enid sem dignar-se a olhá-lo. — Pediu que dissesse a você que está
liberado de todas suas obrigações para com ela.

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- Disse que eu me casei por obrigação? — exclamou King, furioso. — Pelo amor de
Deus, Alice está morta e não significa nada para mim!
- Está com uma aparência horrível — replicou Enid ao reparar em suas botas
empoeiradas e seu rosto sem barbear.
- Nem queira saber! — rugiu King. — Esse maldito cavalo se assustou com uma
serpente e me abandonou na metade do trajeto. Tive que dormir no chão e caminhar até
encontrar um de nossos homens, que me trouxe até aqui. Estou cansado, tenho frio e
fome e, ainda por cima, minha mulher me abandonou!
- Mereceu isso — falou seu pai.
- Quinn não poderia ter esperado alguns dias antes de vir dar essas notícias?
Estragou tudo!
- Me pareceu que Quinn estava realmente abalado — opinou Enid. — Apaixonou-se
pela filha de Rodríguez. Como será que ela reagirá quando souber que foi Quinn quem
colocou seu pai no cárcere?
King se sentou com ar pesaroso em frente a seu pai; tirou do bolso um cigarro e o
acendeu com expressão pensativa.
- Suponho que está em maus lençóis — admitiu finalmente. — Mas continuo dizendo
que deveria ter esperado! Estou certo, onde está Amélia?
- A caminho da Florida, suponho — respondeu seu pai friamente.
- Como diz?
- Vai morar com sua prima até que peça o divórcio ou a anulação.
-Quem falou em anulação?
- A não consumação do casamento é razão mais que suficiente para… — começou
Brant.
- Não é uma razão válida neste caso — disse King levantando-se bruscamente. —
Amélia é minha esposa. Não permitirei que vá para a casa de estranhos quando poderia
levar meu filho em seu ventre.
Enid e Brant trocaram um olhar desconcertado, mas nenhum dos dois se atreveu a
manifestar seus pensamentos em voz alta.

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Quinn não lembrava que o caminho a Malasuerte fosse tão longo. Estava cansado e de
mau humor mas devia seguir adiante e se justificar perante Maria, por mais doloroso que
fosse para ambos. Se, quando ela soubesse tudo lhe perdoasse, pediria que se casasse
com ele. Estava disposto a se encarregar também de seu irmão Juliano. Tentou não
pensar em Rodríguez e seu trágico final. Acabou gostando do velho bandido e sua morte
o tinha afetado mais do que imaginara. Acima de tudo, ele, Quinn, era o culpado de seu
destino e de sua família.
Chegou a Malasuerte quase de noite. O povoado tinha o mesmo aspecto de sempre,
mas desta vez ninguém se aproximou para recebê-lo. Todo mundo saiu de seu caminho e
nos olhos dos meninos viu medo no lugar de afeto. Demorou alguns minutos para
descobrir o que tinha feito para essa mudança de atitude: a estrela de prata de cinco
pontas que o identificava como oficial do exército do Texas brilhava em sua jaqueta.
O pior ainda estava por vir. Maria saiu e o recebeu com ódio e desprezo.
- Acabaram de nos comunicar que meu pai morreu com um tiro no cárcere. Ele
confiava em você e você o traiu, traiu a todos nós. Saia! - falou com os olhos cheios de
lágrimas. — Fora daqui! O exército do Texas não é bem-vindo em Malasuerte.
Quinn seguiu em frente a ela com as rédeas em sua mão enquanto o cavalo o soprava
no pescoço e uma profunda sensação de tristeza o invadia.
- Eu te amo, Maria — murmurou. — Apaixonei-me por você e não posso mudar isso.
Ela não respondeu. Deu a volta e entrou na cabana de Rodríguez. O resto dos
habitantes lhe voltou as costas e se afastarou dele. Quinn esperou alguns minutos diante
da porta, mas Maria não saiu. Montou em seu cavalo e empreendeu o caminho de volta
ao Texas. Sua vida tinha perdido o sentido. Sua família e amigos o tinham abandonado.
Temia pensar na perda de Maria e enlouquecer de pena, mas a viagem de volta seria
muito mais longa para fazê-la com a mente em branco.

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CAPÍTULO 20

Naquela noite Amélia desfrutava de um solitário jantar no elegante salão do hotel


quando o murmúrio das conversas se interrompeu e todas as cabeças se voltaram para a
porta.
Um homem de aspecto rude vestido com jeans, camisa xadrez, botas e chapéu
avançava para uma jovem loira linda em um traje branco e um xale negro. Ela o viu e
empalideceu, mas ele não parou. Deteve-se em frente a sua mesa e, sem pronunciar uma
palavra, tirou-a da cadeira e, tomando-a, em seus braços abandonou o hotel. Os
habitantes de El Passo demorariam muito para esquecer a imagem de King Culhane
levando a sua noiva nos braços de volta a Látego.
- Como se atreveu a me humilhar dessa maneira na frente dessa gente toda? — rugiu
Amélia quando King a depositou no assento do coche.
- Por que fugiu?
- Você o fez antes de mim! — falou Amélia. — Foi embora e me deixou com todos os
convidados depois de ter posto meu irmão para fora de sua casa! O que esperava que
fizesse, que me sentasse e esperasse enquanto você foi vingar o assassinato de sua
antiga noiva?
- Amy, baixe a voz.
- Eu não estou… — pigarreou. — Não estou gritando, simplesmente tento dar uma
explicação. Não desejo voltar para Látego com você. Estou disposta a ir para casa de
minha prima Ettie em Jacksonville.
- Você não irá a nenhum lugar sem mim.
- Não quero viver com você! É um homem rude, prepotente, dominante, mal educado,
irresponsável e cruel!
- Sempre acreditei que um homem com alguns defeitos é mais interessante aos olhos
de uma mulher — replicou King encolhendo os ombros. — A cor branca fica muito bem em
você — acrescentou, olhando-a meigamente nos olhos.
- Alguns elogios não serão suficientes para me fazer esquecer seu comportamento.
- Não se preocupe. Planejei alguma coisa muito mais concreta.
- Você não voltará a me tocar!
- É claro que sim — replicou King percorrendo seu corpo com olhar de desejo. —
Nosso casamento não será legal até que seja consumado.
- Você não deseja que ele seja legal — protestou Amélia.

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Amélia Diana Palmer

- Naturalmente que desejo. Acredito que você e eu nos daremos muito bem. Claro
que — acrescentou com um sorriso – teremos apenas que solucionar o problema de seu
gênio ruim.
- Eu não tenho gênio ruim!
- E também essa curiosa tendência de fugir de mim.
- Eu não fugi! Você me chutou para fora!
- Mandei embora apenas seu irmão de minha casa — particularizou King.
- Não vejo a diferença!
- Entre seu irmão e você? Pois asseguro que há. Nunca senti desejos de beijar seu
irmão.
Amélia ruborizou e baixou a vista; suas mãos se moviam nervosamente em seu colo. O
aborrecimento a tinha abandonado e se sentia vulnerável. King estava sentado junto a ela
e começou a sentir que ela desejava ser estreitada em seus braços.
King deteve o coche em um pequeno prado e, depois de amarrar as rédeas, voltou-se
para Amélia com expressão séria.
- Sinto que nosso casamento não tenha tido um bom começo, querida — disse
olhando-a nos olhos. — Foi por minha culpa. Mais uma vez, me deixei levar por meus
impulsos. Terá que se acostumar com isso, porque não posso evitar. De qualquer maneira,
você também tem caráter, assim não acredito que seja muito difícil suportar.
- Estou disposta a viver com seu caráter… mas não com a lembrança de Alice —
replicou Amélia.
King lhe segurou o queixo, obrigando-a a levantar a cabeça.
- Rodríguez era um espinho que tive cravado no coração durante anos. Me
atormentava pensar que alguém de quem eu gostei tinha sido grosseiramente assassinado
e que eu não tinha conseguido evitar. Amélia, teria reagido exatamente igual se tivesse
acontecido com um de meus homens.
- Sei!
- Esta manhã ouvi dizer em El Passo que encontraram Rodríguez morto em sua cela —
acrescentou King lhe acariciando o cabelo. — Ao que parece, preferiu suicidar-se antes
de enfrentar um julgamento.
- Oh… pobre Quinn — lamentou-se Amélia. — Maria nunca o poderá perdoar.
- É possível que ela não possa perdoá-lo, mas espero que você e seu irmão me
perdoem. Estou arrependido, Amy.
- Acho que será um marido muito difícil — suspirou Amélia, e acariciou sua mão.
- É possível — admitiu King, feliz ao ver que Amélia não pensava mais em lhe deixar.
— Entretanto, não negue que viver com um marido dócil e complacente não teria nenhuma
graça.

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Amélia Diana Palmer

O sorriso de Amélia fez com que seus temores se dissipassem. Tomou a sua mulher
em seus braços e a sentou em seu colo.
- Não permitirei que volte a sair de meu lado — murmurou enquanto a beijava
carinhosamente. — Nunca!
Amélia o abraçou e lhe devolveu os beijos lentos e longos que deixaram a ambos
tremendo de desejo. Amélia apoiou o rosto na garganta de King enquanto este lhe
acariciava o cabelo.
- Cuidarei de você por toda a vida, Amy — prometeu. — Até que a morte nos
separe…
- E eu também — respondeu Amélia estremecendo de emoção — Oh, King, te amo
tanto!
- Diga outra vez — pediu King procurando sua boca.
- Eu te amo… te amo…
Ambos se fundiram em um apaixonado abraço enquanto juravam amor eterno muitas
vezes. Quando finalmente King se separou dela, os olhos de Amélia estavam cheios de
lágrimas.
- Não se detenha agora — suplicou.
- Devo fazê-lo — replicou King contendo a risada. — Este não é o lugar mais
apropriado.
- Mas seus pais estão em casa…
- Não se preocupe. São muito discretos. Encontrarão uma maneira de desaparecer.
No momento — acrescentou tomando sua mão —, devemos nos conformar em estarmos
juntos.
Amélia se resignou. Havia alguma coisa que queria lhe dizer mas preferia esperar um
pouco mais.

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Ninguém foi receber Quinn quando chegou a El Passo. Toda a cidade falava de King e
Amélia e Quinn sorriu ao pensar que, apesar dos motivos que os tinham obrigado a
celebrar esse casamento, parecia que ambos iam ser muito felizes. Naquela noite se
dirigiu a seu quarto cedo e se embebedou para esquecer.

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Brant e Enid se sentiram muito felizes quando viram aparecer uma radiante Amélia de
braços dados com King, e imediatamente decidiram seguir a programação que fora
planejada antes. Queriam deixar os noivos sozinhos.

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Amélia Diana Palmer

Os felizes recém casados se despediram no alpendre e entraram na casa para iniciar,


por fim, seu casamento. King segurou a sua mulher em seus braços, conduziu-a ao quarto
e fechou a porta a suas costas.
- Por que está tão nervosa? — perguntou divertido quando, ao depositá-la sobre a
cama, viu um leve rubor em suas bochechas. — Não é a primeira vez que estamos juntos.
- Quisera o fosse — suspirou Amélia.
- Sei por que diz — replicou King franzindo o cenho. — Fui tão cruel com você que
me surpreendeu que aceitasse se casar comigo.
- Te amo muito — disse Amélia. — Não tinha opção, embora temo que esteja com
razão quando disse que seria um marido muito difícil. Às vezes fala demais! —
acrescentou, lhe rodeando o pescoço com os braços e o atraindo para ela.
King riu e se deixou levar para cama. Durante um longo momento nenhum dos dois
pronunciou uma palavra.

Amélia se acomodou entre os braços de King depois de ambos consumarem o ato de


amor mais terno que jamais teria sonhado.
- Será sempre… assim? — murmurou com ar satisfeito.
- Sempre — prometeu King abraçando-a mais forte.
O corpo de Amélia tinha proporcionado o prazer mais intenso de sua vida. Desta vez
se assegurou de ir o mais devagar possível para conduzi-la a um êxtase ardoroso antes
de unir seus corpos apaixonadamente. Inclusive se esforçou para não feri-la, mas ela
apenas suplicava que não se detivesse. Ao final, Amélia tinha gemido, e seus doces
gemidos tinham levado o prazer de King até o paraíso.
- No que está pensando? — ronronou Amélia.
- Penso que jamais fui tão feliz — respondeu King com um sussurro.
Amélia se aproximou para beijar seu marido, exausta depois da paixão
experimentada.
- Parece esgotada, querida - disse King sorrindo maliciosamente.
- Oh! sim — respondeu Amélia com outro sorriso. – Esgotou a nós dois, a mim e a
nosso filho.
- Nosso… filho.
Amélia assentiu e, tomando a mão de King, levou-a a seu ventre.
- Importa-se que tenhamos um filho tão cedo?
- É claro que não! — exclamou King com os olhos brilhando de emoção. — E eu que
acreditava que tanta alegria se devia a meu encanto pessoal! Vejo que estava enganado.
Sinto que tenhamos feito um filho da primeira vez…

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- Eu te queria tanto como agora — interrompeu-lhe Amélia. — Não desejo falar


daquilo nunca mais.
- Me perdoe, Amélia! — sussurrou King levando sua mão aos lábios. – Se eu pudesse
apagar todo o dano que lhe fiz no passado!
- O tempo se encarregará disso — replicou Amélia. — Agora não só nos espera um
futuro promissor, mas também temos uma nova vida em nossas mãos. Oh, King, somos
tão afortunados!
King a olhou nos olhos tão fervorosamente que Amélia pôs-se a rir e o trouxe para si.
Tinham toda a noite diante de si e a paixão tinha renascido…

Três semanas mais tarde King teve que tirar da cadeia de El Passo seu cunhado,
bêbado como um gambá. O levou a Látego e o instalou no quarto de hóspedes.
- É pela Maria, a filha de Rodríguez, não é ? — perguntou Amélia, preocupada depois
de verificar o lamentável estado em que se encontrava seu irmão.
- Temo que sim — respondeu King. — No escritório do xerife me disseram que deixou
o exército. Se estivesse em sua sã consciência, nunca teria feito uma coisa assim.
- Faz algum tempo reorganizaram o batalhão da fronteira e após isso Quinn não se
sentia confortável — lembrou Amélia. — Não foi o mesmo desde que seu companheiro
Stewart foi assassinado pelos soldados do forte Bliss.
- Foi uma tragédia — falou King —, mas os culpados já foram julgados e condenados.
- Isso não muda o fato de que Stewart esteja morto — replicou Amélia. — Quinn o
admirava.
- Todos o admirávamos.
- O que vamos fazer com ele?
- Temo que haja apenas uma solução — respondeu King depois de uma pausa.
- Qual?
-Esta noite não me espere para jantar — replicou King enigmaticamente, e se inclinou
para beijar sua esposa. Não fazendo caso dos protestos de Amélia, saiu de casa, montou
em seu cavalo e se afastou a galope.
Depois de averiguar no escritório do xerife onde se encontrava o pequeno povoado de
Malasuerte, encaminhou-se para a fronteira.
Quando chegou ao povoado perguntou pela moça e alguns homens o acompanharam
silenciosamente até a porta de uma pequena cabana. King entrou e tirou o chapéu ante
Maria. A moça era uma preciosidade.
Tinha uma figura invejável, um longo cabelo negro e lindos olhos azuis que refletiam
uma profunda tristeza.
- O que quer, senhor? — perguntou sem levantar a vista do fogão em que estava
cozinhando omeletes. — Rodríguez já não mora aqui. Meu pai está morto.

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- Não vim em busca do Rodríguez — replicou King. — Sou o cunhado de Quinn.


Um tremor sacudiu o corpo da moça e uma das omeletes escorreu da frigideira e caiu
sobre o fogão aceso. Maria retirou a frigideira e olhou King.
- Quinn! — exclamou com tristeza. — Meu papai morreu por sua culpa.
- Já sei que o culpa por todo o acontecido — replicou King. – Ele também culpa a si
mesmo. Deixou o exército e parece decidido a ser um alcoólatra.
- O que está dizendo? Quinn não bebe, senhor. Bem, às vezes um pouco de mescal…
- As coisas mudaram desde a morte de Rodríguez — disse King. — Quinn está sempre
bêbado e pensa em continuar assim até que a morte o surpreenda.
- Oh, não…!
- Se preocupa? — replicou King arqueando as sobrancelhas. — Não é isso o que quer?
Ele diz que sim.
- Não, não e não! — soluçou Maria. — Não quero que morra! Por favor, me leve para
junto dele — suplicou segurando-se ao braço de King. — Posso voltar com você e falar
com ele?
- Por que quer vê-lo?
- Porque me dá pena… — respondeu Maria encolhendo os ombros.
- Essa reposta não é suficiente — replicou King.
- Então porque o amo.
- Isso está melhor — sorriu King. – Tem um cavalo?
- Pegarei o de meu irmão Juliano!
Minutos depois a via radiante sobre seu cavalo e disposta a iniciar o caminho de
volta. King olhou ao redor antes de partir. Aquela gente vivia em condições de pobreza
extrema mas pareciam felizes.
Em seguida partiram rapidamente.
- Meu pai não estava orgulhoso de algumas coisas que fez — disse Maria quando se
aproximavam da fronteira. — Dizia que as lembranças do passado o perseguiam. Tudo o
que fez, fez por nós. Morreu para que as autoridades deixassem de perseguir seu povo
por sua culpa. Foi um homem muito bom, senhor. — Olhou-o e disse. — Juliano e eu lhe
devemos a vida. Apesar do que os gringos dizem, não foi um homem mau.
- Foi Quinn quem me abriu os olhos a respeito de seu pai. Não é próprio dele se dar
bem com assassinos desalmados. Sentiu muito sua morte, sabia?
- Todo mundo está sentido. Cometi um engano ao acusar Quinn. Espero que não seja
muito tarde para lhe demonstrar que o amo.
King assentiu. Ele também esperava. Quinn levou alguns dias se comportando de
maneira muito violenta e se alguma vez falava sobre Maria não era propriamente para lhe
oferecer flores.

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Amélia Diana Palmer

Ao anoitecer, chegaram ao rancho. Amélia os esperava sentada nos degraus do


alpendre. Com uma expressão de alívio ficou em pé enquanto eles desmontavam e um dos
rapazes se encarregava dos cavalos.
- Posso saber onde esteve? — perguntou esforçando-se por aparentar um
aborrecimento que na realidade não sentia.
- Fui a procura de alguém — respondeu King. — Esta é Maria, a filha de Rodríguez.
- Estou contente de conhecê-la — disse Amélia sorrindo. — Quinn sentiu muito a sua
falta.
- Eu também senti falta dele — respondeu Maria ruborizando-se. — Fui muito cruel
com ele. Espero que me perdoe.
- Não se preocupe, ficará contente em vê-la — replicou Amélia e olhou
amorosamente seu marido. — Venha comigo.
Conduziu Maria ao quarto de hóspedes e abriu a porta. Quinn estava deitado sobre a
cama completamente vestido e sob os efeitos de uma ressaca colossal.
- Que demônios faz aqui? — perguntou desdenhosamente. — Quer outra parte de
meu coração?
- Temo que sou muito gulosa — replicou Maria ajoelhando-se a seu lado. — Quero
tudo.
Com um sorriso, o abraçou, enquanto Quinn procurava sua boca e a beijava
apaixonadamente. Amélia abandonou o quarto deixando a porta aberta.
- E então? — perguntou King.
- Acredito que dentro de muito breve acontecerá outro casamento nesta família —
respondeu Amélia, segurando sua mão e se dirigindo para a cozinha.
Quando Brant e Enid retornaram a Látego uma semana depois, encontraram muitas
novidades. Alan tinha ficado em Beaumont com seu irmão Callaway para aprender sobre o
negócio de petróleo.
- Não posso acreditar — exclamou Enid ao conhecer a nova esposa do Quinn.
Os recém casados se instalaram em um pequeno hotel em El Passo e Quinn tinha
conseguido um posto no escritório do Xerife.
King e Amélia também estavam radiantes quando anunciaram que iam ser pais. Enid
encarou a notícia com surpresa, mas também com grande alegria. Brant pegou uma
garrafa de champanha e todos se reuniram para celebrar até tarde.
King e Amélia saíram ao alpendre para se despedir de Quinn e Maria. King segurou
Amélia pela cintura e a trouxe para si.
- Dizem que logo vai haver um eclipse de sol — disse.
- Um acontecimento quase celestial — falou Amélia. — Entretanto, aposto que dentro
de seis meses assistiremos um milagre ainda mais espetacular.

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Amélia Diana Palmer

No inicio King não entendeu, mas quando compreendeu que se tratava de seu filho
rompeu em gargalhadas tão altas que seus pais se aproximaram do alpendre para
averiguar o que tinha acontecido. Os quatro fixaram o olhar na colina sobre a qual Quinn
e Maria acabavam de sumir.
- O começo de uma nova geração — suspirou Brant e apoiou a mão nas costas de seu
filho. — Fico contente por ter vivido o bastante para vê-lo.
- Pensa em contar a seus netos como lutou contra os comanches e se instalou aqui
com mamãe quando El Passo era apenas um matagal — brincou King. — Será seu herói.
- Tem razão — assentiu Brant.
- Por Deus — protestou Enid. — Agora ficará uma semana pavoneando-se por aí.
Todos riram e logo Brant e Enid entraram de novo em casa, deixando sozinhos King e
Amélia. Esta fechou os olhos e rezou por seus pais, por seus irmãos e também por
Rodríguez. Nenhum deles veria a nova geração que Brant tinha mencionado.
Em algum lugar não muito longe, um coiote uivou com uma mescla de tristeza. Para
Amélia pareceu o som perfeito para uma região que, como King, nunca se deixaria
dominar. Apoiou a cabeça no peito de seu marido. Os rítmicos batimentos de seu coração
eram mais vigorosos e firmes que o uivo do coiote.

FIM
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