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Olavo de Carvalho
Atribuir a ação de uma frase ao sujeito de outra não foi o único truque usado
pelos IGnóbeis. A isso eles acrescentaram mais três expedientes: embelezar a
vítima para realçar a feiúra do crime, ampliar desmesuradamente o sentido de
uma frase minha para fazer o óbvio parecer uma absurdidade ofensiva, e tomar
o imaginário como fato consumado para dar a uma invencionice caluniosa e
pueril os ares de coisa certa e provada.
Lá para diante, no meio da matéria, vê-se que o cidadão era de fato um punk.
Mas a violência punk também aparece embelezada, desculpada como mera
“reação aos grupos de intolerância” – como se punks não tivessem sua própria
cultura da violência desde muito antes de haver qualquer “grupo de intolerância”
organizado no país.
E assim por diante. Confiram na edição 2032 da Veja. Para Alves e Galhardo,
esses e outros feitos foram cometidos na pura intenção de defender as
instituições democráticas contra tiranos fascistas skinheadsque não
emprestam isqueiros e recusam descontos em pizzas.
Desde logo, eu não conhecia nenhuma das duas e só fiquei sabendo delas
pelo IG. Mas não preciso conhecê-las para saber que não se compõem de
alunos meus, já que estes são formalmente proibidos, enquanto permanecem
alunos, de associar-se a qualquer organização militante que seja (quatro mil
membros do Seminário de Filosofia podem confirmar o que dezenas de
gravações de aula comprovam).
Em todo caso, por estranha e errada que me pareça a política dessas duas
organizações, ela não constitui crime algum, nem o IG as acusa disso. Elas só
entraram na matéria porque são “de direita” e, como alguns skinheadstambém
o são, ou pelo menos se diz que são, isso facilitava a Alves e Galhardo
construir, por meio de uma dupla ponte de associações de idéias, um
arremedo remoto de ligação entre eu e o movimento skinhead.
Quando a deputada democrata Danielle Giffords foi baleada junto com outras
cinco pessoas, esquerdistas assanhados se apressaram em lançar a
responsabilidade mental do crime sobre a governadora Sarah Palin, por ter
utilizado, num cartaz de propaganda, a palavra “alvo” com referência ao 8º.
Distrito do Arizona, onde viria a se dar o sangrento episódio
(v.http://www.harpyness.com/2011/01/08/congresswoman-on-sarah-palins-
target-list-murdered-at-political-event/). A técnica junguiana da associação de
palavras, que em psiquiatria e psicologia clínica se usa para rastrear as
fantasias subjetivas de doentes mentais, passa a servir aí como prova de
ligações causais objetivas entre fatos do mundo real. Alvo? Tiro. Tiro? Atentado.
Atentado? Danielle Giffords. Logo, Sarah Palin atirou em Danielle Giffords, quod
erat demonstrandum. É a fantasia psicótica transmutada em lógica jurídica.
Mas o site do IG não se contenta com lançar mão desse raciocínio perverso.
Acrescenta-lhe um requinte que não teria ocorrido a nenhum acusador de
Sarah Palin: ligar o crime à minha pessoa não por meio de uma cadeia de
associações, mas sim de duas, encadeadas e superpostas para levar da
causa hipotética remota à causa imaginária remotíssima – um truque sujo que,
se usado com freqüência bastante, não deixará impune nenhum inocente.