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Como funciona a espiral do silêncio nas

redes sociais
01/02/2017 Por CRISTIAN DEROSA
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A Teoria da Espiral do Silêncio foi desenvolvida na


Alemanha, por Elisabeth Noelle-Neumann, em uma análise
prolongada dos resultados das pesquisas eleitorais. Os
pesquisadores observaram, após vários testes que incluíram
uma diversidade de métodos, que uma das principais causas
para as pessoas darem suas opiniões publicamente, ou
ficarem caladas sobre elas, é o nível de medo do isolamento
social. Esse medo ficou comprovado em sucessivos testes
de campo. Se uma opinião é vista como majoritária, os
opinadores dela terão mais coragem em se manifestar. Por
outro lado, os contrários a ela terão uma tendência a ficarem
calados. O resultado é um clima de opinião determinado pela
propaganda de que uma ou outra opinião é majoritária. Um
dos fatores mais importantes, portanto, é a atenção dada
pelas pessoas ao comportamento opinativo do entorno
social. A teoria foi formulada na década de 1970.
Antes do advento da Internet, portanto, as pessoas se
informavam por canais mais simples como ouvir conversas
no ônibus, em grupos de amigos ou acompanhar o noticiário
opinativo. Parecia não haver lugar seguro para o isolado
socialmente, aquele que possui uma opinião não
compartilhada pela maioria (ou suposta maioria). Por isso,
muitas pessoas mesmo intrigadas com determinadas
questões públicas, precisavam de um longo período de
silêncio até compreender a opinião do entorno e escolher se
exporiam sua opinião ou não. O fator determinante era o
medo do isolamento. Com a Internet, isso mudou
substancialmente.
Segundo Neumann, no cálculo do risco de isolamento
social, o indivíduo opta por empregar algum esforço na
observação do entorno opinativo para reduzir o risco de
confronto quando for externar sua opinião.
O computador pessoal se tornou rapidamente uma extensão
da mente humana. Foi possível pesquisar solitariamente
informações sobre assuntos, de modo que a pessoa possa
manter-se em silêncio até ter informações suficientes para
uma opinião mais segura. Inclusive informações sobre as
opiniões correntes e mais aceitas. Os filtros de busca, como
o Google, tornaram mais facilitada a procura por
companheiros de mesma opinião, o que reduziu a sensação
de isolamento e, com isso, o seu medo natural do
ostracismo. O meio virtual como um simulacro do meio social
contribui para o alívio da solidão humana e isso influi
consideravelmente na criação de afetos e solidariedades
grupais importantes para o reforço de personalidades, muitas
vezes fortes e conflitantes com a maioria, o que sem a rede
ocasionava isolamentos sociais dolorosos ou, o que é mais
comum, o silêncio sobre as próprias opiniões e o fingimento
de uma adequação social.
A espiral nas redes sociais
No Facebook, o feed de cada pessoa constitui o clima de
opinião a que a pessoa tem acesso e serve, portanto, de
critério de análise do que se pode ou não dizer, sempre por
meio do cálculo do risco de isolamento, mensuradas com
certa eficiência pelas curtidas, compartilhamentos ou
comentários. A possibilidade de bloquear quem pensa
diferente pode significar uma resposta ao velho medo do
isolamento, o que é dado com um isolamento voluntário (ou
seria a satisfação inerente à sensação de estar isolando o
outro?). Por outro lado, o bloqueio pode ser uma ferramenta
eficiente para se sair do mecanismo da espiral do silêncio.
Ou pensar que se está saindo ao criar (randomizar) o próprio
entorno social. Assim, gera-se um ambiente propício à
externalização das próprias ideias de modo que eles até
mesmo as reforçam.
O ambiente social, seja nas redes ou na realidade física, é
um importante fator para determinar o que é dito ou não. A
geração de um ambiente confortável à circulação de
determinadas ideias pode representar também uma prisão
ou um entorno igualmente hostil a ideias diferentes, o que
impediria a entrada de ideias novas de outras pessoas ou
mesmo da própria pessoa dona do perfil “configurado” para
aceitar suas ideias. Portanto, o bloqueio ou o que se chama
“limpeza” do feed, pode representar uma faca de dois
gumes. Nem todas as pessoas possuem força interior, hoje,
para retirarem-se de seus ambientes sociais toda vez que o
ambiente se torna hostil às suas ideias. Em algum momento,
as pessoas desistem de desfazer amizades e bloquear
inimigos e passam a concordar com o entorno. Isso pode ser
muito bem compreendido quando entendemos a mudança
do caráter social no último século.
O reforço psicológico do grupo de apoio das próprias
opiniões pode, por isso, favorecer uma radicalização ou até
mesmo uma estagnação de indiferença e, por fim, o
isolamento voluntário. É a isso que se referem, em geral, as
reportagens comuns sobre o “ódio nas redes”. O problema é
que, apesar de possíveis problemas, as redes sociais
forneceram, nos últimos anos, um importante incremento à
informação. Mesmo considerando verdadeiras as acusações
da grande mídia, de que as redes sociais se tornaram o lugar
do ódio.
Nos últimos anos, no Brasil, o Facebook foi amplamente
usado para a mobilização que culminou no Impeachment de
Dilma Roussef, em 2015. Além disso, a Internet tem sido
palco de numerosas análises e divulgação de fatos e
informações sistematicamente sonegados da população, o
que evidentemente causa preocupação àqueles engenheiros
sociais (ou seus repetidores úteis) que creem no perigo
destruidor das massas e que, sem o auxílio da elite de
iluminados que mantenha a massa domesticada, o caos e a
final destruição serão os únicos destinos da civilização.
O upgrade da espiral do silêncio
Em uma matéria recente da Revista Veja, uma suposta
novidade produzida pelas redes parece estar assustando
analistas de mídia. São os “haters” (odiadores), que parecem
estar povoando as redes e disseminando preconceitos
raciais, sexuais e produzindo uma cultura de “bullying
virtual”. O que esses analistas não percebem (ou fingem não
perceber) é que essa nova classe de pessoas sempre
existiu, mas era constrangida por um clima de opinião que as
ameaçava de isolamento. A espiral do silêncio não é algo
dependente da mídia, mas que acontece no meio social de
qualquer forma. A criação da palavra “haters”, assim como a
própria matéria da Veja, representa, na verdade, a tentativa
de upgrade da Espiral do Silêncio, ameaçando com o
isolamento e a humilhação pública aqueles que ousem dizer
aquilo que pensam.
Muito pior que qualquer difamação racial ou sexual, o que a
Veja faz, ecoando as ideias dos meios universitários do
Brasil e deste preocupado mundo, é nada mais que instituir a
perseguição à livre opinião, o que no caso representa a
perseguição da revelação da verdade. Opinião é uma
palavra bastante dúbia nos dias de hoje. Ela tanto pode ser
digna de um Prêmio Nobel da Paz como pode tornar alguém
o alvo preferencial de acusações de ódio e de todo tipo de
preconceito.
O que chamam de preconceito racial, social, sexual
e bullying, assim como denunciam ataques sofridos por
celebridades (como se celebridades fossem midiaticamente
indefesas), é na verdade a opinião sincera, temida desde
que se começou a estudar meios de controlar as massas.
Intelectuais como Gustav LeBon, Walter Lippmann, H. G.
Wells, entre outros, acreditavam que a massa era
incontrolável e tinha o potencial de dizimar a democracia e
toda forma de liberdade por meio da sua espontaneidade
caótica. Eles baseavam-se em teorias contratualistas como a
de Thomas Hobbes e Rousseau, para quem a sociedade
civilizada se originava de um contrato social, sem o qual o
caos imperaria. Assim, a espontaneidade para esses
intelectuais e seus seguidores, sempre será um mal que
deve ser contido mediante o que Karl Mannheim chamou de
“técnicas sociais”.
Leszeck Kolakowski, no célebre livro O espírito
revolucionário – Marxismo: utopia e anti-utopia, afirma vir
desses intelectuais aquilo que ele chama de intolerância da
indiferença. Uma tal suposta”ditadura da verdade”, que o
autor considera um “círculo quadrado”, pode ser imposta por
dois motivos:
1) afirmando que a falsidade e o erro não podem ser
tolerados porque a sociedade estaria perfeitamente
convencida da verdade;ou
2) acreditando que verdade e justiça não possuem objeto e
que seria preferível impor um único ponto de vista a todos do
que deixar que os seres humanos briguem por futilidades.
Esta última hipótese, comum entre os estudiosos das teorias
funcionalistas das ciências humanas, gira em torno da
crença de que todo o estudo da realidade tem, em última
análise, uma função social. Essa função era vista como
formadora, normativa e organizadora da sociedade.
Qualquer organização é melhor que o caos, para eles.
A explicação precisa preexistir aos fatos
O poder da mídia está menos na difusão de fatos do que na
interpretação deles. Explicar o que está acontecendo é, para
os intelectuais por trás da mídia, muito mais importante do
que apenas apresentar os fatos. O momento dos fatos é o
momento em que a forma da mente das pessoas precisa
estar adequada para recebê-los. Para isso, a mídia precisa
oferecer constantes análises e explicações da realidade.
Quando as redes sociais resultam em um movimento de
repúdio às ideias difundidas por essa elite seguidora
daquelas ideias, tudo fica incompreensível e a mídia precisa
oferecer uma nova explicação. A desestruturação do sistema
social é a explicação mais utilizada, pois ela leva a pensar
em soluções de reintegração, o que na forma da mente das
pessoas significa imposição de uma ordem qualquer para
resolver o problema do caos.
Espiral sempre existirá
Vivemos o império da empatia. As amizades, o círculo social,
ganharam um valor acima de todos os valores culturais que
imperavam nos séculos anteriores, o que deu à socialização
um valor quase absoluto. Portanto, embora a espiral do
silêncio possa ser atenuada em determinadas épocas, ela
pode também ser reforçada por uma mudança naquilo que a
sociedade considera mais importante de acordo com
verdadeiras ou supostas ameaças sociais. O isolamento
social já foi a marca característica de santos e heróis em
épocas nas quais era fácil compreender que a verdadeira
salvação está no abandono de si mesmo, o que implica
diretamente no abandono do entorno social e de todo o
respeito humano. O heroísmo dos indivíduos do passado,
mesmo os cidadãos comuns que abriam empresas e
chefiavam suas famílias, vai ficando cada vez menos
compreendido em um mundo para o qual a direção da vida
deve ser dada pelo movimento social. Mesmo a luta interna
dos indivíduos contra o entorno, algo universal no ser
humano, pode ser feita através de uma conduta imitativa, na
qual o apreço social inerente à aparência de independência
motive reações e modos de vida inteiros aparentemente
livres.
O mundo da tolerância abstrata é o mesmo que não tolera
opiniões diversas do ideal de tolerância calibrado pelos
meios de comunicação e repercutido nos meios sociais.
Opiniões independentes quase sempre sofrem a pressão
das acusações de rompimento com o ideal de “empatia”
permitido. Por isso, mesmo nas redes sociais o crime mais
comum entre as acusações é o da arrogância, normalmente
confundido com opinião independente. É claro que em um
mundo neuroticamente socializado, dizer coisas que não são
reconhecidas imediatamente dentro do padrão de opiniões
circulantes, identifica-se com o rompimento da lógica
socializadora e, portanto, solidária e tolerante. Essa aparente
disfunção dos valores sociais vigentes só pode ser
interpretada como um excessivo centro em si mesmo, um
individualismo exacerbado, quando na verdade é apenas
uma verdade não reconhecida pela linguagem dos cânones
midiáticos.
A espiral do silêncio está presente nitidamente inclusive em
ambientes religiosos, nos quais a conduta padrão é a dos
santos e mártires, mas nos quais ainda assim impera o medo
e a ameaça constante do isolamento social. Essa situação
permitiu uma nova interpretação dos próprios mandamentos
cristãos, como o Primeiro Mandamento (amar a Deus sobre
todas as coisas), que facilmente era entendido noutras
épocas, mas que hoje se encontra totalmente submetido ao
amor ao próximo, algo cada vez mais ambíguo quando a
interpretação corrente facilmente confunde o próximo com
todo o entorno social e as ideias que circulam graciosamente
pelo ambiente advindas da mídia de massa.
O homem precisa do reforço do próximo e esta afirmação
evidencia a sua imperfeição e limitação. O limite do homem
certamente está na sociedade que o envolve, assim como o
que o transcende só pode estar obviamente fora do
ambiente físico e social, ainda que seja nele que a sua
transcendência se manifeste.

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