Você está na página 1de 1

de convencê-la. Ponto.

A verdade aí é um elemento se-


cundário: a propaganda, o discurso político e sobretudo
as fake news estão nesse compartimento.
Mas, se crenças, ainda que verdadeiras e embasadas
em evidências, não se confundem com opiniões, com fa-
tos ou com argumentos, o que dizer de crenças falsas?
Como elas são engendradas? Entra em cena o já quase
famoso “viés de confirmação”, a tendência das pessoas
de acolher informações que apoiem suas crenças e rejei-
tar informações que as contradigam. Das muitas formas
de pensamento defeituoso já identificadas, o viés de con-
firmação está entre os mais bem catalogados. Mesmo
após a evidência de que suas crenças foram totalmente
refutadas, os indivíduos em geral não conseguem fazer
revisões apropriadas em certas crenças.
Um aliado perverso do viés de confirmação é a “ilusão
de profundidade explicativa”: as pessoas acreditam que
sabem muito mais do que realmente sabem, e o que lhes
permite persistir nessa crença é a ressonância em outras
pessoas ó dificilmente sabemos dizer onde o nosso enten-
dimento termina e o do outro começa. Essa confusão de
fronteiras, usada de forma positiva, parece ser crucial para
o que consideramos progresso. Mas, como regra geral,
de agostini/getty images

sentimentos fortes sobre questões candentes não surgem


de uma compreensão profunda, e mais se parecem com os
de uma torcida organizada.
Duas metáforas recentes tentam explicar mais meto-
dologicamente esses fenômenos: a ideia da “bolha epistê-
mica” e a da “câmara de eco”. Um estudo publicado na re- Diálogo entre o céu e a terra Platão e
vista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências Aristóteles, no afresco Escola de Atenas, de Rafael
(“The spreading of misinformation online”, https://doi.
org/10.1073/pnas.1517441113), examinou dados sobre te- uma câmara de eco ó cujo nome nada tem a ver com o
mas discutidos em redes sociais entre 2010 e 2014. O estu- conhecido escritor italiano.
do constatou que os usuários tendem a se agregar em co- Não é necessariamente verdade, como disse Umberto
munidades de interesse, o que causa reforço e promove Eco, que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbe-
vieses de confirmação, segregação e polarização. Uma cis”. Basta que milhões de pessoas instantaneamente co-
“bolha epistêmica” se forma em grupos (redes sociais, nectadas caiam vítimas do viés de confirmação e da ilusão
igrejas ou tendências políticas), nos quais vozes discor- de profundidade explicativa, e teremos o cenário pronto
dantes são excluídas por omissão, de maneira inadvertida para a agressividade e polarização nas redes, cujo efeito,
ou proposital, pelo mecanismo de viés cognitivo. Isso ou parte da causa, se vê no Judiciário, na imprensa e em
acontece quando redes construídas por motivos eminente- outras instituições.
mente sociais começam a ser usadas como fontes de in- O que o diretor e o ministro da Educação deveriam ter re-
formação. No segundo caso, uma “câmara de eco” é uma conhecido ao estudante e aos ofendidos com o curso “O gol-
estrutura social na qual vozes discordantes são ativamen- pe de 2016” é que, sim, eles têm um direito moral à sua cren-
te desacreditadas. Numa bolha epistêmica, vozes des- ça, e têm o direito moral de não ter essa crença arrancada à
toantes não são ouvidas; numa câmara de eco, essas vozes força. Mais nada. A filosofia da religião permanece no pro-
são sabotadas. A prisão de Lula pode ser vista como um grama, e o programa do curso permanece vigente. ƒ
episódio de perseguição judicial ou como um exemplo de
avanço no combate à corrupção no país. Mas quem já ten- * Walter Carnielli é matemático e professor titular de
tou discutir com qualquer dos lados, penetrando numa lógica e filosofia da ciência do Centro de Lógica e do
bolha epistêmica através das redes sociais, sentiu o que é Departamento de Filosofia da Unicamp, em Campinas

18 de abril, 2018 65

VJ 64_65 V1 CTI cor TR v1.indd 65 4/12/18 6:43 PM

Você também pode gostar