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MANUEL CASTELLS

A QUESTÃO URBANA
Edição revisada,
acompanhada de um posfácio (1975)

Tradução de Arlene Caetano


1 a reimpressão

Coleção Pensamento Crítico - Vol. 48


U.F.M.G. - BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA

111/1111111/11/1111111111111111111
33eae311

NÃO DANIFIQUE ESTA ETIaUETA

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PAZ E TERRA
...... ;

Urbanização, desenvolvimento e
dependência

L A aceleração do crescimento urbano nas


sociedades "subdesenvolvidas" do sistema capitalista

A atenção crescente concedida pela literarura sociológica à


análise do processo de urbanização é, em grande parte, motivada
pela importância prática, ou seja, política, da evolução urbana nas
regiões batizadas com o equívoco termo de "subdesenvolvidas".
Mais concretamente, se as populações da América do Norte
e da Europa representavam, em 1950, 6,7% e 15,7% respectiva­
mente, da população mundial, estas proporções serão, no ano
2000, 5% e 9,1 %. Ao contrário, a Ásia (sem a URSS), que en­
globava, em 1950, 23% da espécie humana, totalizará 61,8% no
ano 2000. Se correlacionamos esta evolução com a estrurura eco­
nômico-política em escala mundial, e, mais concretamente, com a
dererioração do nível de vida I nas regiões de maior crescimento
demográfico, e também com a mobilização política progressiva
das massas populares, podemos compreender o interesse súbito
demonstrado pelos ocidentais, ao mesmo tempo, pelo problema
do controle da natalidade e pelo processo de urbanização.

78 Manuel Castclls A QUESTÃO URBANA 79

Com efeito, se o crescimento demográfico é forte, o da po­ Com efeito, wna interpretação tão freqüenre quanto errónea,
pulação urbana é espetacular, bem como as formas espaciais que derivada das constatações empíricas às quais nos referimos, con­
ele toma - profundamenre expressivas e carregadas de significa­ sidera a urbanização como uma conseqüência mecânica do cresci­
ção política. O objetivo COmum das análises que ultrapassam a mento económico e, em particular, da industrialização. Explica-se
descrição' parece ser o de extrair estes significados, com relação enrão o rirmo atual da urbanização nos países "subdesenvolvi­
ao lugar que eles ocupam e o papel que desempenham na estru­ dos" pela etapa inicial do processo onde eles se encontram. O
ntra social. desenvolvimento seria então um caminho já traçado que seguem
À primeira vista, urbanização e desenvolvimento económi­ as sociedades, na medida em que elas manifestam um espírito de
co aparecem ligados. Numa pesquisa tecnicamente aprimorada,
emprcendimento.5
Brian J.L. Berry3 estabeleceu uma análise fatorial colocando em
Os dados estatísticos disp0lÚveis permitem rejeitar sem dú­
relação, para noventa e cinco países, quarenta e três índices de de­
vida esta proposição. A urbanização em curso nas regiões "subde­
senvolvimento económico, escolhidos em torno de duas dimen­
senvolvidas" não é uma réplica do processo que atravessam os
sões: progresso técnico e econôn1ico, por um lado, características
países industrializados. No mesmo estágio de população urbana al­
demográficas, por outro. As duas dimensões possuem uma cor­
cançado hoje em dia peÚJs países "subdesenvolvidos", o nível de indus­
relação negativa, quer dizer, quanto Inaior é o nível cconâmico e
trialização dos países "desenvolvidos" era bem mais alto. 6 As taxas de
recnológico, tanto menor é o crescimento demográfico. A partir
crescimento das cidades indianas do século XX não é muito dife­
desta análise, Berry constrói uma escala de desenvolvimento onde
renre da taxa das cidades européias da segunda metade do século
colocamos os diferentes países numa só dimensão, e ele estuda a
XIX, mas se fixamos um nível de urbanização aproximativo para
relação entre esta escala e o indicador de urbanização (porcenta­
a Índia e para alguns países ocidentais, a composição da popula­
gem da população residente nas cidades de mais de 20.000 habi­
ção ativa, no entanro, é extremamente diferente (cf. quadro la).
tantes). O resultado é uma correlação positiva entre nível de
desenvolvimento económico e grau de urbanização. O fenómeno ilustrado por estas cifras é conhecido na lite'
Paralelamente, uma análise que ficou clássica, de Gibbs e ratura especializada sob o termo de hiperurbanização, que conota

Martin" formula uma série de proposições, empiricamente veri­


a idéia de W11 nível de urbanização superior ao que poderíamos.
ficadas para quarenta e cinco países, mostrando a dependência alcançar "normalmente", em vista do nível de industrialização. A:

do nível de urbanização com relação à diversificação industrial hiperurbanização aparece como wn obstáculo ao desenvolvimento,'
(indicador da divisão do trabalho), ao desenvolvimento tecnoló­ na medida em que ela imobiliza os recursos sob a forma de in
gico e à pluralidade de rrocas exteriores das sociedades. Quanto vestimentos não produtivos, necessários à criação e à organização
mais estas variáveis são elevadas, tanto maior também a porcen­ de serviços indispensáveis às grandes concentrações de população,
tagem da população nas zonas metropolitanas. enquanto estas não se justificam como centros de produção? Mais
Conntdo, se estas pesquisas constatam uma co-variação histo­ ainda, a concentração num mesmo espaço, de wna população
ricamente dada, entre nível técnico-económico e nível de urbani­ com baixo nível de vida e uma taxa elevada de desemprego, é
zação, não fornecem uma explicação do processo e, sobretudo, considerada ameaçadora, pois cria condições. favoráveis à propa­
vão de enconrro a uma outra constatação importanre, a da acele­ ganda política "extremista"... !S Desta análise deduz-se a distinção
ração do crescimento urbano nas regiões "subdesenvolvidas", com um entre cidades "geradoras" ou "parasitárias", conforme elas pro­
ritmo superior à arrancada urbana dos países industrializados, e isto, movam ou retardem o crescimenro econômico:9
scm crescimento concomitante. É este fenómeno que cabe tentar Se esta situação é altamente significativa e deve ser consi­
explicar, providenciando-se os meios teóricos de colocar o pro­ derada como ponro de partida de nossa reflexão, ela se torna
blema em termos não tautológicos. incompreensível, se analisada por meio da categoria de "hiperur-
80 Manuel CasteUs A QUESTÃO URBANA 81

Quadro 10 dois países, no momento de sua arrancada, e os países asiáticos


População ativa e nível de urbanização de hoje em dia.
País Ano % r.A. na % P.A. %P.A. % urbana Finalmente, a hiperurbanização só é fonte de gastos improduti­
agricultura. il1dtitria serviços ( + 20,000 hab.) vos se chegarmos a provar que os capitais investidos nos serviços
Ausrria 1890 43 30 27 12,0
públicos poderiam ter sido empregados de forma mais diretarnente
Irlanda 1851 47 34 19 8,7
produtiva. Ora, sabemos que a característica principal do "subde­
Franç:l. 1856 53 29 19 10,7
Noruega 1890 55 22 23 13,8 senvolvimento", além da falta de recursos, é a impossibilidade de
Suécia 1890 62 22 16 10,8 uma organização social capaz dç concentrar e dirigir os meios
Suíç:'l 1888 33 45 22 13,2 existentes em direção ao desenvolvimento da coletividade.
Portugal 1890 65 19 16 8,0
Se o emprego industrial nas cidades "subdesenvolvidas" não
Hungria 1900 59 17 24 10,6
édia p:l.Íses 52,1 27,3 20.6 ll,O é importante, qual é então a atividade desta massa crescente de
India 1951 70,6 10,7 18,7 ll,9 população urbana? Na população urbana ativa da Índia, em 1951,
Frmtn: RERT F. HOSELITZ, 'lhe role of mbani7.<ltion in economic dC'velopmem. Some Intcrn;l(iol1,ll
25% trabalham na indústria, 14% na agricultura, 6% nos trans­
compHions., in ROY TIJRNER (editor) Indiú Urban Future. Ullivcj[)' of C:oliforni Prc.s, 1962, portes, 20% no comércio e 35% nos "serviços diversos" enquanto
pp. 157.182,
na Alemanha em 1882, com um nível de urbanização semelhante,
52,8% da população urbana eram empregados na indústria. Esta
banização", que aplica, de forma perfeitamente emocêntrica, o populaçiio desenraizada e em mutaçiio, desempregada, "exército de
esquema do crescimento econômico dos países capitalistas adian­ reserva)} de uma indústria inexistente.> está na base do crescimento
tados às outras formas sociais colocadas numa conjuntura intei­ urbano. Ternos aí um primeiro dado, essencial, que cabe explicar.
ramente nova. N. V Sovani 10 reagiu brilhantemente contra tal Outros faros, particularmente significativos, sublinham a es­
perspectiva, mostrando, a partir dos mesmos dados de que se pecificidade deste processo de urbanização, sem equivalência his­
serviram Davis e Golden, a complexidade real do processo. tórica possível: 1. a concentração em grandes aglomerados, sem
Com efeito, em prüneiro lugar, a correlação entre urbaniR integração numa rede urbana, o que obriga a distinguir nitida­
zação e industrialização não é linear. Se, em vez de calculá-la mente os superaglomerados dos países "subdesenvolvidos", das
globalmente para todos os países, corno o fazem Davis e Golden, regiões metropolitanas dos países industrializados, instrumentos
separan10s estes países em dois grupos conforme seu nível de de­ de articulação econômica a nível de espaçou ; 2. a ausência de
senvolvimento, a correlação entre urbanização e industrialização um continuum na hierarquia urbana; 3. a distância social e cultu­
continua a ser alta para os "subdesenvolvidos" (r= 85), mas dimi­ ral entre os aglomerados urbanos e as comunidades rurais; 4. a
nui fortemente para os "desenvolvidos" (r= 39), em 1950. Mas se justaposição ecológica de duas cidades: a cidadeautóetone e a ci­
o cálculo para os "países desenvolvidos" for efemado em 1891, em dade ocidental, nos aglomerados herdados do colonialismo. 12
vez de 1950, a ligação torna-se novamente forte (r= 84). Quer di­
zer, numa sociedade fracamente urbanizada, o impacto de tuna pri­
meira industrialização é muito mais considerável. II, A urbanização dependente
Além disso, a noção de hiperurbanização foi elaborada por
Davis a partir da comparação entre a Ásia e quatro países oci­ A situação assim descrita só se torna inteligível através da
dentais em sua fase de arrancada: os Estados Unidos, a França, a análise nas regiões "subdesenvolvidas", deve integrar-se a uma
Alemanha, e o Canadá. Mas se a comparação tivesse sido feita análise de conjunto do "subdesenvolvimento". Ora, é claro que
com a Suíça ou a Suécia, não teríamos encontrado diferenças este termo, que alude a uma questão de nível de crescimento, é
sensíveis na relação da urbanização-industrialização entre estes equívoco, na medida em que só designa urna das partes de urna

82 Manuel Casrel1s A QUESTÃO URBANA 83

estrutura complexa em relação com o processo de desenvolvi­ O processo de urbanização torna-se então a expressão, em
mento.13 Não se trata de seqüências diferentes de um desenvol- . nível do espaço, desta dinâmica social, isto é da penetração, pelo
vimento único, mas de formas de expansão de uma estrutura modo de produção capitalista historicamente formado nos paí­
histórica dada, o sistema capitalista avançado, no qual as forma­ ses ocidentais do resto das formações sociais existentes, situadas
ções sociais diferentes preenchem funções diversas e apresentam em níveis diferentes do ponto de vista técnico, econômico e so­
traços característicos correspondentes a estas funções e à sua for­ cial, indo e culmras extremamente complexas como as da Chi­
ma de articulação.14 Diremos então, com Charles Bettelheim, na ou da Ind!a, às organizações de base tribal, particularmente
que, em vez de falar de países "subdesenvolvidos", caberia espe­ vigorosas na Mrica central.
cificá-los enquanto "países explorados, dominados e com economia Os tipos de dominação historicamente fornecidos são em
deformada". 15 número de três, que podem coexistir, sempre, no entanto, com
Estes efeitos são produzidos pela inserção diferencial des­ o predomínio de um deles.
tes países numa estrutura, transbordando as fronteiras instituci­ 1. Dominação coúmial tendo, por objetivos essenciais, a adminis­
onais e organizada em torno de um eixo principal de dominação e tração direta de uma exploração intensiva dos recursos e a
dependência com relação ao desenvolvimento.16 Quer dizer, se afirmação de uma soberania política.
todas as sociedades são interdependentes, suas relações são assi­ 2. Dominação capitalista-comercial, através dos termos da troca,
métricas. Não se trata de relançar a caricatura de lil1 "irnperialismo" adquirindo matérias-primas abaixo de seu valor e abrindo novos
responsável por todos os males, mas de determinar rigorosa­ mercados para os produtos manufamrados por preços acima
mente seu alcance verdadeiro. do valor.
O essencial, do ponto de vista analítico, não é a subordina­
3. Dominação imperialista industrial c financeira, através dos inves­
ção política dos países "subdesenvolvidos" às metrópoles impe­
timentos especulativos e a criação de indústrias locais tendendo
rialistas (o que é apenas a conseqüência de uma dependência
a controlar o movimento de substituição das importações, se­
estrutural), mas a expressão desta dependência na organização
gundo uma estratégia de lucro adotada pelos trustes interna­
interna das sociedades enl questão c, nlais concretamente, na ar­
cionais no conjunto do mercado mundial.
ticulação do sistema de produção e das relações de classes. 17
A urbaniZ<1ção dependente exprime, nas suas formas e nos
Uma sociedade é dependente, quando a articulação de sua es­
seus rirmos, a articulação concreta destas relações econômicas e
trutura social, em nível econhnico, político e ideológico, exprime rela­
políticas.
ções asJimétricas com uma outra formação social que ocupa, frente à
Antes de sofrer a penetração das formações sociais exteriores,
primeira, uma situação de poder. Por situação de poder, entendemos o
onde existem cidades, elas desempenham unl papel essenciahllente
fato de que a organização das relações de classe na socieclade depen­
político e administrativo,18 de gestão do excedente de produção
dente exprime a forma de supremacia social adotacla pela classe no
agrícola e de fornecimento de serviços para a classe dominante.
poder na sociedade dominante.
A oposição cidade-campo, que certos autores interpretam ingenua­
Tratar do "subdesenvolvimento" equivale portanto a anali­ mente, como se as formas espaciais pudessenr ser assimiladas aos
sar a dialética desenvolvimento/dependência, quer dizer, estudar a fatores sociais, I 9 manifesta a especificidade da relação de classes,
penetração de uma estrumra social por uma outra, o que implica: que pode ir de certas variantes do feudalismo (Japão) às formas
1. A análise da estrutura social preexistente na sociedade dependente. burocráticas de exploração conhecidas sob o termo de "despotis­
mo asiático", passando pelas siações de origem mais comple­
2. A análise da estrutura social da sociedade dominante.
xa, como o sistema de castas na India. A função religiosa alia-se
3. A análise de seu tipo de articulação, quer dizer do tipo de dominação. ao papel achninistrativo e, freqüentemente, suscita a sua implan-
,

84 Manuel Castclls A QUESTÃO URBANA 85

tação_ Ao contrário, o comércio só tem uma influência secundá­ haver wn impacto da industrialização sobre o crescimento urbano
ria e se localiza muito mais no tempo (feiras e mercados) que no de um país, sem modificação sensível da proporção de mão-de­
espaço. -obra empregada no secundário, através do aumento da produ­
Sobre esta armadura urbana fraca, cujos únicos progressos ção de um ramo industrial da metrópole, repousando sobre wna
importantes foram aS cidades administrativas do Japão e da Chi­ matéria-prima obtida no país dependente.
na,2° organiza-se, aO nível do espaço, o sistema de dominação,
Há portanto uma relação a estabelecer, por um lado, entre
com duas variantes essenciais:
industrialização dominante e urbanização dependente, por ou­
1. A implantação do tipo colonial, caracterizada por uma função tro lado, entre a urbanização e o crescimento, no país, das ativi­
I
!: sobretudo administrativa e pela organização de ronas urbanas dades manufatureiras tecnologicamente modernas.
"reservadas", que reproduzem as cidades da metrópole. Esta A partir deste apelo das estruturas sociais subjacentes ao
variante, da qual as cidades espanholas na América constituem processo de urbanização, podemos adiantar hipóteses explicati­
a melhor ilustração, apresenta poucas modificações com rela­ vas com respeito aos dados fundamentais que apresentamos:
ção às funções das cidades que existiam anteriormente no seio
1. O crescimento acelerado dos aglomerados deve-se a dois fatores:
das civilizações rurais. Todavia, a nova dominação exprime-se
pelo aumento em número e porte destas cidades, por seu u'a­ a) o awnento das taxas de crescimento natural, tanto urbano

çado interior, predeterminado segundo wn plano colonial es­ quanto rural; b) a migração rural-urbana.
tandartizado, e pela sua relação muito mais estreita com a O primeiro fator é primordialmente uma conseqüência da
metrópole do que com o território circunvizinho. diminuição da taxa de mortalidade, provocada pela difusão súbi­
2. A segunda variante fundamental é o centro de negócios direta­ ta dos avanços da medicina. A taxa de natalidade é elevada pela

mente ligado à metrópole, escala nas rotas comerciais (quase estrutura da idade da população, particularmente jovem, como é
sempre um porto) e que é ele próprio um centro comercial normal nwna situação de explosão demográfica.
em face das zonas do interior. Trata-se das "gateway cities",2' Mas o fenômeno essencial que determina o crescimento
forma urbana da economia de tráficos, início de uma íntima urbano é o das migrações. A fuga para as cidades é, em geral,
conjunção entre a burocracia comerciante local e os homens considerada muito mais como O resultado de um push rural do
de negócios imperialistas e seu aparelho protetor. O exemplo que de um pull urbano quer dizer, muito mais como uma de­
clássico é dado pelas cidades cridas pelos ingleses ao longo composição da sociedade rural do que como expressão do dina­
de suas rotas comerciais para a India. Mas encontramos ex­ mismo da sociedade urbana. O problema é saber a razão pela
pressões também claras nas implantações portuguesas no Bra­ qual, a partir da penetração de uma formação social por uma
sil e na África, e holandesas na Ásia do Sudeste. outra, irrompe um movimento migratório, quando as possibili­
À medida que o tipo de produção capitalista se desenvolve dades de emprego urbano são muito inferiores às dimensões da
no Ocidente, e o processo de industrialização se acelera, seus migração e as perspectivas de nível de vida são bem reduzidas.
efeitos fazem-se sentir na organização espacial e na estrutura de­ Com efeito, se a renda urbana por cabeça, apesar de fraca, é
mográfica das sociedades dominadas. Mas é necessário afastar em geral mais elevada que o lucro rural, a capacidade de consu­
logo um equívoco muito difundido na literatura especializada: mo real diminui muito nas cidades, na medida em que o conswno
não se trata do impacto da indústria sobre a urbanização, pois direto de produtos agrícolas se torna raro e que toda uma série
no início da implantação industrial é rara e pouco significativa, de novos tributos se soma ao orçamento (o transporte em parti­
mas do impacto do processo de industrialização ocidental através cular), sem considerar o consumo supérfluo induzido por uma
de uma relação de dependência específica. Poderá, por exemplo, economia de mercado em vias de afirmação.

86 Manuel Castclls A QUESrÁO URIlANA 87

Mais que W11 balanço econômico cm nível individual, trata-se Assim, poderíamos multiplicar os exemplos. Mas o essencial
portanto da decomposição da estrutura social rural. Freqüente­ é perceber a ligação estreita dos processos urbanos e da estrutura
mente insistimos no papel dos novos valores culturais ocidentais social, e romper com o esquema ideológico de wna sociedade dua­
e na atração exercida pelos novos tipos de consumo urbano di­ lista rural/urbana, agrícola/industrial, tradicional/moderna. Pois,
timdidos pelos mass media22 Se estas mudanças nas atitudes ex­ se este esquema responde a W113 certa realidade social nas formas
primem a reorganização da personalidade numa nova situação de relafM c nas expressões culturais, esta realidade é simplesmente
social, elas não podem ser consideradas como motor do proces­ o reflexo de uma estrutura única, na qual os efeitos num dos pó­
so, a menos que se aceite o postulado ideológico-liberal do indi­ los são produzidos pelo tipo particular e determinado de sua ar­
víduo como agente histórico essencial. Qual é, então, esta nova ticulação com o outro pólo.
situação social? Trata-se da crise geral do sistema econômico da 2. A urbaniZllflÚJ dependente provoca uma superconcentrarM nos aglo­
formação social preexistente. Com efeito, é impossível, a partir merados (primate cities); uma distância considerável entre estes
de uma certa fase no processo de penetração social, que funcio­ aglomerados e o resto do país e a ruptura ou a inexistência de
nem paralelamente dois sistemas comerciais diferentes, ou que a uma rede urbana de interdependências funcionais no espaço. 25
economia de troca direta possa desenvolver-se ao mesmo tempo
Já vimos que esta desarticulação é, em parte, o resultado
que a economia de mercado. Com exceção do caso de regiões
da ligação estreita dos primeiros centros urbanos com a metró­
geográfica e culturalmente isoladas, o conjunto do sistema pro­
pole. Mas há ainda uma outra razão de grande importância: a
dutivo se reorganiza em função dos interesses da sociedade do­
revitalização das cidades médias, sua inserção numa hierarquia
minante. É lógico que, nestas condições, o sistema econômico
urbana exigiria uma política de impulsão de pequenas unidades
interno seja "desarticulado" ou deformado. Mas esta "incoerên­
de produção, não diretamente rentáveis em termos de relação
cia" é apenas o resultado de uma rede econômica perfeitamente
capital/produto, mas justificadas pela criação de postos de traba­
coerente, se examinarmos a estrutura social no seu conjunto (so­
lho e do dinamismo social suscitado. Ora, isto supõe uma plani­
ciedade dominante e sociedade dependente).
ficação industrial, uma política do emprego e um regionalismo
Se a pressão demográfica sobre a terra cultivada deteriora
arunínistrativo. E é evidente que, 111esnlO quando instauramos
o nível de vida rural, provocando a emigração, não é apenas de­
uma burocracia formalmente dedicada a estes objetivos, a simação
vido a uma irrupção pontual e não integrada de novas técnicas
de dependência com relação à dinâmica do sistema em geral im­
sanitárias, mas, sobretudo porque o sistema de propriedade e de
pede toda realização efetiva?6 Por outro lado, como a migração
utilização da terra tem como base a exploração extensiva e pou­
para as cidades não responde a uma demanda de mão-de-obra,
co produtiva, mas bastando amplamente para os próprios inte­
mas à tentativa de encontrar uma saída vital num meio mais di­
resses do proprietário da terra.23 Ora, este sistema faz parte das
versificado, o processo só pode ser cumulativo e desequilibrado.
relações de classe da sociedade dominada e elas são sobredeter­
minadas por sua relação de dependência com respeito ao con­ 3. Finah11ente, podemos compreender, agora, a estrutura irltere­
junto da estrutura. cológica dos grandes aglomerados, basrante diferente das regiões
Se o sistema familiar se enfraquece enquanto instituição metropolitanas ocidentais. Elas caracterizam-se pela justaposi­

econômica de base, isto se deve, freqüentemente, à existência de ção, à primeira massa urbana, de uma massa crescente de po­

um emprego ocasional na produção intensiva e de safra de um pulação não empregada e sem função precisa na sociedade
produto agrícola intimamente ligado às flutuações do mercado urba?a, depois de ter rompido seus elos com a sociedade ru­
mundial. Uma vez rompido, o circuito da produção agrícola tra­ ral. E perfeitamente ideológico qualificar de mar;ginalidade o
dicional não pode ser restabelecido, quando a baixa dos preços que é situação de tensão entre duas esnuturas sociais interpe­
internacionais ocasiona o desemprego.24 netradas. Como a migração para a cidade é o produto da de-
88 Manuc:l Casrclls A QUESTÃO URBANA 89

composição das estrururas mrais, é normal que ela não seja Em tal nível de complexidade, não é possível formular ge­
absorvida pelo sistema produtivo urbano e que, conseqüente­ neralizações e cabe.nos, mesmo para um simples enunciado de
mente, os migrantes só se integrem parcialmente no sistema perspectivas, abordar a análise de siruações concretas.
social. Mas isto não quer dizer que estes gmpos estejam "por
fora", "à margem" da sociedade, como se a "sociedade" fosse o
equivalente de um sistema instirucional historicamente siruado. III. Desenvolvimento e dependência no procso de
Seu modo de articulação é específico, mas esta mesma especifi­ urbanização na América Latina.
cidade é wn traço característico e não patológico, salvo se nos
colocamos como médicos da ordem estabelecida. A América Latina, exemplo típico de "hiperurbanização"?
Resumamos as orientações teóricas a partir das quais con­ Siruação intermediária entre "desenvolvimento" e "subdesenvol.
vêm abordar o problema. A análise da urbanização nas forma­ vimento"? Coexistência de um crescimento automantido e da
ções sociais dependentes pode ser eferuada considerando-se a "marginalização progressiva de uma parte importante da popu­
matriz das relações entre quatro processos fundamentais: lação?27
O florescimento dos mitos "sociológicos" concemindo às soci­
1. A história política da formação social na qual a cidade (ou
edades latino-americanas é tal, que é necessário pmdência e precisão
sistema urbano) está inserida, e, em particular, o grau de au­
especiais na organização dos dados e na formulação das hipóteses.28
tonomia da camada burocrática política com relação aos inte­
Para começar, é útil lembrar que, se a América Latina possui
resses exteriores.
uma singularidade teoricamente significativa, além de enormes
2. O tipo de sociedade agrária na qual o processo de urbanização diferenças internas e algumas semelhanças com outras regiões
se desenvolve. Mais concret31nente, as formas espaciais serão ditas do "Terceiro Mundo", é justamente porque as sociedades
diferentes, conforme sua decomposição seja mais ou menos que a compõem apresentam uma certa identidade na estmrura­
adiantada, conforme sua estrumra agrária seja feudal ou tri­ ção de sua siruação de dependência. Com efeito, as formações
bal, conforme a maior ou menor concordância de interesses sociais existentes na América Latina antes da penetração colonia­
entre gmpos dominantes urbanos e mrais. lista ibérica, foram praticamente destruídas, e, em todo caso, de­
sintegradas socialmente durante a conquista. 29
3. O tipo de relação de dependência mantido e, em particular, a
articulação concreta dos três tipos de dominação - colonial,
É portanto no interior de uma siruação de dependência
que se constiruíram novas sociedades, sem quase apresentar par­
comercial e industrial.
ticularidades relativas à estmrura social preexistentes, como foi o
4. O impacto autónomo da industrialização própria à sociedade caso da Ásia. A evolução posterior do conjunto e sua diversifica­
dependente. Por exemplo, no caso de uma indústria local, ha­ ção interna resultam das diferentes articulações regionais da me.
verá efeitos específicos do tipo de indústria sobre o tipo de trópole, bem como da reorganização das relações de força entre
residência e, em especial, sobre o meio socioculrural formado os países dominantes: substiruição da dominação espanhola pela
pela conjunção de indústrias e de moradias. É o caso dos inglesa, depois pela americana. As relações "privilegiadas" políti.
aglomerados industriais latino-americanos dominados pela pre­ co-económicas da América Latina com os Estados Unidos refor­
sença de manufaruras ou de minas. Mas podemos igualmente çam uma certa unidade de problemas e fundamentam a trama
descobrir, às vezes, no processo de urbanização derivado do das formas sociais em transformação. 30
crescimento industrial, a influência de uma burguesia e de um A urbanização na América Latina, enquanto processo social,
proletariado naeional, que vão marcar o espaço com a dinâ­ pode ser compreendida a partir desta especificação histórica e
mica de suas relações contraditórias. regional do esquema geral da análise da urbanização dependente.31
90 Manuel Castclls
A QUESTÃO URBANA 91

Os dados existentes indicam um nível elevado de urbanização trialização nitidamente inferiores aos de outras regiões também
e um titmo cada vez mais acelerado do crescimento das cidades urbanizadas. Além disso, no interior da América Latina, ainda
que os países mais urbanizados sejam também os mais industria­
(cf. quadros II e 12). Se tomamos como critério de população
lizados, não há correspondência direta entre o ritmo dos dois
urbana o limiar de 100.000 habitantes, a taxa de urbanização da
processos no interior de cada país.
América Latina em 1960 (27,4%) é quase igual à da Europa
Se, para o conjunto da América Latina, a popUlação urba­
(29,6%) e a taxa de "metropolitanização" (população das cida­
na (aglomerado de mais de 2.000 habitantes) passou de 29,5%
des de mais de um milhão de habitantes) ll1e é superior (14,7%
em 1925 a 46,1% em 1960, a porcentagem da população ativa
para a América Latina contra 12,5% para a Europa - segundo
empregada na manufatura ficou praticamente estável: de 13,7%
Homer Hoyt).
em 1925 a 13,4% em 1960.34
Como o demonstram os quadros II e 12, as disparidades À primeira vista existe, portanto, wna disparidade cntrc in­
internas são muito grandes e a situação da América Central tcm dustrialização e urbanização. Mas as coisas são mais complica­
pouco em comum com a da América austral. A comparação de das, pois esta análise baseia-se num artifício estatístico: a fusão,
resultados tão diferentes no interior de uma mesma estruntra sob a denominação global de "América Latina", de conjunturas
coloca-nos no caminho de sua compreensão. A "explosão urbana" sociais muito diferentes. Por exemplo, uma análise fatorial reali­
latino-americana é a conseqüência, em grande parte, da explosão zada por G. A. D. Soares, sobre dados concernentes ao Brasil e
demográfica, mas a distribuição ecológica deste, crescimento é à Venezuela, mostra uma variância COmUlTI de 64% entre urba­
altamente significativa. O ritmo já alto, no que diz \espeito ao nização e industrialização, mesmo que o autor conclua pela não­
conjunto da população, é muito mais elevado ainda nas cidades identidade das duas variáveis.3s
(cf. quadro 12). Este processo produz-se não só no conjunto do Por outro lado, a proporção da população ativa empregada
país, como também no interior de cada província: as cidades na indústria não é absolutamente o melhor indicador da indus­
concentram o crescimento demográfico da região circunvizinha, trialização, pois ele esconde um fenômeno essencial: a moderni­
atraindo o excedente da população rural. 32 zação do setor manufatureiro e o aumento da produtividade.36

I
A aceleração do crescimento urbano toma em geral a for­ Sc, de 1925 a 1960, a população ativa empregada nas manufa­
ma de um desequilíbrio na rede urbana de cada país, já que ela turas manteve-se estável, ela baixou dê 10,2% a 6,8% no setor
artesanal e mais que duplicou (de 3,5% a 7,5%) no setor indus­

I
se concentra no aglomerado dominante, quase sempre a capital.
Esta tendência, todavia, parece diminuir no período recente: tra­ trial moderno.
ta-se, de toda forma, de uma diminuição relativa das diferenças Para avaliar a possível relação entre o aumento da produ­
entre as cidades, sem que elas desapareçam, em termos absolutos ção industrial real e o ritmo de urbanização, ordenamos onze
,

(cf. quadro 13). Com efeito, com exceção da Colômbia, em medi­ países, para os quais dispomos de dados pertinentes, segundo
,

estes dois critérios (ver quadro 15).


.j da menor, do Brasil e do Equador, as sociedades latino-americanas
caracterizam-se por um sistema urbano macrocéfalo, dominado Com exceção do Panamá, cuja taxa elevada de urbanização
i sem industrialização pode ser compreendida. sem dificuldade, a
pelo aglomerado principal. Em 1950, em 16 países sobre 21, o
! simetria da posição ocupada pelos países com relação aos dois
primeiro aglnmerado era ao menos 3,7 vezes maior que o se­
! indicadores é bastante impressionante, o que parece ir de encon­
gundo e agrupava uma proporção decisiva da população.3.' (cf.
tro à sincronia dos dois processos.
quadro 14).
O que é certo e essencial, é que o impacto da industrialÍ71­
I Dito isto, resta um fato no centro da problemática, que é a
ção sobre as formas urbanas só se faz através de um aumento do

I
constatação, para a América Latina, de uma disparidade entre
emprego industrial, e que, conseqüentemente, o conteúdo social
um ritmo de mbanização alto e um nível e um ritmo de indus-
_•.•..-•.•
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...-
....
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...=--.==--_._-_ .. _----_.. -- - . __ .. - .,

Quadro II
'O
...
Populaçáo ttrbaJla e populaçáo total, América Latilla, por país, 1960, 1970, 1980.

População [Otal • População urbana • 

(milhares c percentagem sobre a população torai)


1960 1970 1980 1960 % 1970 % 1980 %
rgcntil1.1 20.010 24.352 28.218 14.758 73,7 19.208 78,8 23.415 82,9
JrbJdOS 232 270 285 li 4,7
, ,

olíviJ 3.696 4.658 6.006 1.104 29,8 1.682 35,4 2.520 41.9
rasil 70.327 93.244 124.003 28.292 40,2 44.430 47,6 67.317 54,2
:Olômbia 17.485 22.160 31.366 8.987 51,3 12.785 57,6 20.927 66,7
".o5u. Rica 1.336 1.798 2.650 428 32,0 604 33,5 968 36,5 :s:

:uba 6.819 8.341 10.075 3.553 52,1 4.450 53,3 5.440 53,9 g
:hilc: 7.374 9.760 12.214 4.705 63,8 6.886 70,4 9.205 75,3 !!.
.qllJdor 4.476 6.028 8.440 1.700 137,9 2.756 45,7 4.563 54,0 n
alvador 2.511 3.441 4.904 804 32,0 1.305 37,9 2.259 46,0 
;lutemala 4.204 5.179 6.913 1.242 28,9 1.593 30,7 2.342 33,8 !i
;ui.l.lU

biti
560
4.138
739
5.229
974
6.838 517 12,3 907 17,3 1.684 24,6
'"
londurJ.S 1.885 2.583 3.661 405 21,3 716 27,7 1.280 34.9
amaic. 1.610 2.003 2.490
1éxico 34.923 50.718 71.387 18.858 53,9 31.588 62,2 49.313 69,0
icaráguJ. 1.536 2.021 2.818 4.808 35,8 808 39,9 1.338 47,4
'an.llná 1.076 1.463 2.003 550 42.3 733 50,1 1.142 57,0
'amguai 1.819 2.419 3.456 456 31,0 872 36,0 1.494 43,2
'cnl (1961) 49,2 10.791 50,2
9.907 13.586 18.527 564 39,8 6.690
lepública Dominic:.uu 3.047 4.348 6.197 3.943 28,8 1.603 36,8 2.815 45,4
:ril\ittd.TobJgo 834 1.085 1.348 878 40,0
JruguJi (1963)
2.593 2.889 3.251 334 76,5 2.308 79,8 2721 83,6
lenezuda 7.524 10.755 14.979 1.984 63,9 7.737 71,9 11.807 78,8
-""10: D<;pUlllcntu.1o; /l.U'''IWS Soçi"i5, SecKI.lri.l. Gcr:L1 d" O£A. W"shing[on. D,e., 1970.

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Rural oI

Taxa de urbanização
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.NWW.NObwo , = 100 (u) - (t)


100 + t
'O
w
94 Manuel Castells A QUESTÃO URBANA 95

Quadro 14
Quadro 13 A primazia dasgrandes metrópoles na América Latina, 1950
O crescimento urbano na América La#na)
Porcenragein Número de
segundo o tamanho do aglomerado
da população vezes maior que
Taxa anual de crescimento se :?;undo o tamanho das cidades (habitantes)
Áreas Metropolitanas Ano metropolitana o segundo
8 .
, sobre a aglomerado

.g  "a + lo- E 
o u população total urbano do oaís
ou'
"o 00- u
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País
o
g 0\" o
Montevidéu 1954 32,7 17,0
:Õ:!l
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iJ c: c:  .0-
o

Q., - tl o 00- o
<u Assunção 1950 15,4 12,9
rol rol o
U o
São José 1950 19,7 10,5
 

Buenos Aires 1947 29,7 8,9


Costa Rica. 1927-50 3,0 3,0 10,6 8,2
-
1950
-
Cid.ldc da Guatemala
1950-63 4,6 4,6 21,4 7,4
- 1953
-
HaV,ln<l
CUb,l 1931-43 2,1 1,9 1,7 2,4 1955 12,4 7,3
Lima
1943-53 3,2 3,9 3,4 2,6 1950 ll,5 7,2
México
Rplíblic;l Domillic<lll<l 1935-50 4,6 2,8 6,3 1950 6,0 6,4
-
Pore-au-Prince
Salv.Klor 1950-60 6,1 4,2 7,3 1952 22,4 4,4
Slnti.lgo
-

1930-50 2,2 1,3 - 3,0 Tegucigalpa 1950 7,3 4,2


1950-61 4,0 3,6 - 4,3 La Paz 1950 11,5 4,1
Honduras 1940-50 3,4 1,8 - 4,4 San Salvador 1950 ll,9 4,0
1950-60 6,5 7,6 - 5,9 M.lIlágua 1950 13,3 3,9
México 1940-50 ...
4,9 5,6 Santo Domingo 1950 11,2 3,7
1950-60 ... ... 5,3 4,9 S;ln Juan 1950 23,9 3,7

Panamá 1940-50 2,8 2,2 - 3,0 Cidade do Palumà 1950 23,9 3,1
1950-60 4,4 2,1 - 5,2 C'1I\lC;1S 1950 15,7 2,9

Porto Rico 1940-50 5,1 3,1 - 6,6 Bogotá 1951 6,2 2,0
1950-60 1,3 0,2 - 1,9 Guaiaquil 1950 8,3 1,3

Rl"<lsiJ 1940-50 ... 4,4 4,6 Rio de Janeiro 1950 5,9 1,2

1950-60 5,2 6,4 5,5 3,9 Fnntes: HARLEY L. BRüWN1NG, "RC(CJ1( Tr(lld_ ill l-1rill Amcric.m Urb;lnil[ioll". 111C AIlI1.11.,
Chile 1940-52 2,6 2,7 1,4 3,1 março de 1958, pp. III. 126, tabeIa 3.

1952-60 4,4 5,1 3,0 4,2

Colômbia 1938-51 5,7 5,0 6,1 6,2 desta urbanização é muito diferente daquele dos países capitalis­
1951-64 ... 6,7 tas adiantados, Com efeito, como assinala Anibal Quijano,37 a re­
1950-62 5,2
Equador ...

lação que liga a urbanização latino-americana à industrialização


1940-61 4,6 4,6 3,7 4,9
não é uma relação recnológica suscitada pelas implantações in­
Peru 1941-50 7,6 7,1 7,2 8,3
dustriais localizadas, mas um efeito das características da indús­
Venezuela 1950-61 6,5 6,5 6,2 6,8
tria do país, bem como dos serviços, como cumpridores de uma
Fonte:N.lçôes Unidas.
função econâmica no conjunto de um sistema maior.
A mudança na estrutura do emprego na América Latina
foi muito menos determinada pelo processo de industrialização
que pela integração de uma parte da população agrícola no setor
terciário (serviços) 38 (cf_ quadro nO 16).
96 M,nucl Castclls
A QUESTÃO URBANA 97

Quadro 15 \O ("I") 0\ 00 lO M lO o

Escala dc classificação dos paíscs scgundo seus ritlmJs de crescimento '#- o\óo\ôôooô
, , .

+ + + +

industrial (produtos industriais) e scus ritlmJs de crescimento urbano. o

(América Latina, países selecionados segundo os dados disponíveis.) "'"


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Taxa de Taxa de :!'J:> 00000008
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País
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1950.60 1950-60 lf)f'O'<:f'I,.....(N

Brasil 1.78 1 2 5.2 "




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Nicarágua 1.42 5 3 4.9 to-:ÔOÔ...çOOMÔ
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Costa Rica 1.26 6 7 4.0
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Chile 1.18 7 8
5
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1.17 8 o 00000000
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México 1.48 4 4 4.7  . "'"  N MMo\NMo\ 


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Rr.lil c ob.\Crv,lÇÕC tc;r mbre eHe Xlnro por I,lÚW"lil1<: Weis,lirz 110 estudo cit;ldo (197\).

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F(lf/tu; CARDOSO, ar. cit., 1968; MIRO, op. cit, 19M CErA L, 01" (Ír.
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Sob a denominação engan,dora de "serviços", reagrupam­ ::l 
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se essencialmente três gêneros de atividades: comércio, adminis­ ."  00'0
r-....lf)f'Olf)l()O
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tração e, em particular, "serviços diversos"... É fácil imaginar como  \Ci r'..oeOr'

.
N N -t'

o trabalhador desempregado real ou disfarçado transforma-se em


vendedor ambulante ou num "faz-de-tudo", conforme a conjun­
tura e, freqüentemente, segundo os tipos de conswno da classe
dominante. A importância do setor serviras na América Latina 
ultrap,ssa ou iguala a do mesmo setor noS Estados Unidos e ul­
trapassa amplamente a Europa (cf. quadro 17). Mais ainda como
o diz Richard Morse: "Os setores terciários latino-americanos
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não se assemelham. No primeiro caso, tratase, essencialmente, .- 5  " 8 u n B
.5.w8('j tio
de pequeno comércio e de vendedores ambulantes, de domésti­ ::E ::Ef-<f-< "
<í:
cos, de trabalhos não especializadas e transitórios desemprego
disfarçado. O exemplo mais dramático é talvez a divisão do tra-
98 Manuel Casrells A QUEsrÁO URBANA 99

Quadro 17 a se concretizar nas organizações de base local. Em compensação,


Importáncia do setor serviços na populaçiÚJ ativa. América Latina é freqüente que os objetivos destes grupos assim estruturados
e países selecionados (relaçiÚJ terciária/secundária) não coincidam com. os fms socialmente reconhecidos, quer dizer,
em última análise, com os interesses da classe dominante. É ne­
Venezuela 2,08 cessário portanto não cair no paradoxo de falar de marginalidade
Cuba 2,00 onde o termo adequado é o de contradição.39
Haiti 1,56 A urbanizaçã<J latino-americana caracteriza-se entã<J peÚJs traços
Argentina 1,51 seguintes; população urbana sem medida comum com o nível
México 1,48
produtivo do sistema; ausência de relação direta entre emprego:
Bolívia 1,40
industrial e crescimento urbano; grande desequilíbrio na rede'
Brasil 1,27
Paraguai 1,18
urbana em benefício de um aglomerado preponderante; acelera-,
Malaia 2,82 ção crescente do processo de urbanização; falta de empregos e
Índia 2,17 de serviços para as novas Inassas urbanas e, conseqüentelnente,
USA 1,48 reforço da segregação ecológica das classes sociais e polarização
Canadá 1,31 do sistema de estratificação no que diz respeito ao consumo.
França 1,15 Será necessário então concluir, com o seminário das Nações
Espanha 1,09 Unidas sobre a urbanização na América Latina4o, quanto ao cará­
Itália 0,96
ter parasitário de tal processo e preconizar uma política econôrnica
Alemanha (R. EA.) 0,85
com eixo na indústria de base mais do que na satisfação das neces­
F07ltc: R. MOR5E, ap. cito
sidades de equipamento social? Com efeito, uma tal indústria,
centrada mais nos recursos naturais do que nos aglomerados de
balho entre os habitantes das favelas e das barriadas, que "consti­ eventuais compradores, poderia favorecer a "continentalização" da
nIco1" os depósitos de lixos, e se ((especializam" na catera de cer­ economia, reorganizar a rede urbana herdada da colonização e
tos objetos e materiais. (Morse, ap. cit.) orientar a migração rural para atividades mais produtivas. Uma tal
Mesmo se o tema se presta a digressões moralizantes, de­ política seria preferível às medidas adotadas até o presente mo­
ve-se observar o duplo fato; 1. por um lado, a não-integração nas mento, que tendem a reforçar a concentração da população e a
atividades produtivas e, conseqüentemente, um nível de vida ex­ desperdiçar recursos no redemoinho dos aglomerados não produ­
tremamente baixo da massa de migrantes, bem como das gera­ tivoS4l. Colocada desta forma, a questão é excessivamente abs­
ções de urbanização recente; 2. por outro lado, dada a ausência trata, na medida em que ela opóe uma racionalidade técnica a
de uma cobertura social das necessidades individuais, o aumento um processo social. Não pode haver política de urbanização sem
do número das wnas urbanas deterioradas, as carências de equi­ compreensão do sentido do processo social que a determina. E
pamento, seja nos bairros insalubres da antiga cidade, seja nas este processo social exprime a forma da relação sociedade/espaço
favelas periféricas construídas pelos recém-chegados. segundo a articulação específica dos países latino-americanos com
Marginais? 20% da população de Lima (1964), 16% no O conjunto da estrurura à qual elas pertencem.
Rio (1964), 30% em Caracas (1958), 10% em Buenos Aires, A história do desenvolvimento econômico e social da Amé-.
25% no México (1952) etc. A maioria dos estudos realizados rica Latina, e conseqüentemente de sua relação com o espaço, é a
sobre este tema mostra que não se trata de forma alguma de w­ história dos diferentes tipos e formas de dependência que se or­
nas de "desorganização social", que ao contrário, a coesão interna ganizaram sucessivamente em sociedades. O que torna o proble­
destes gmpos é maior que no resto do aglomerado e chega mesmo ma complexo é que, numa situação social concreta, a conjuntura
100 Manuel Castells A QUESTÃO URBANA 101

urbana não exprime apenas a relação de dependência do mo­ 86,5% da população da América do Sul se concentram na coroa
mento,. mas também os remanescentes de outros sistemas de de­ costeira, que compreende apenas 50% da superfkie.43
pendência, bem como seu tipo de articulação.
2. As funções urbanas de uma vasta região concentram-se no
Trata-se então de precisar, brevemente, de forma concreta,
núcleo de um povoamento inicial, lançando assim as bases da
como é que O esquema teórico apresentado organiza e explica os
primazia de um grande aglomerado. A cidade e seu rerrirório
traços característicos da história urbana da América Latina.
estabelecem relações estreitas e assimétricas: a cidade gera e
(Observação importante: não se trata absolutamente de ex­
consome o que o campo produz.
plicar o "presente" pelo "passado", mas de mostrar a organiza­
ção das diferentes estruturas sociais confundidas ao nível de uma B. A substiruição da dependência política em face da Espanha,
realidade social concreta. É evidente que uma pesquisa concreta por uma dependência comercial com relação a outras porênci­
. que ultrapasse o esquema geral de análise apresentado aqui de­ as européias, em particular ii Inglaterra, a partir do século
veria começar por efetuar esta especificação.) XVIII e sobrerudo depois da independência, afeta a siruação
anterior, mas sem modificar qualitativamente suas grandes li­
A. As bases da estrutura urbana arual refletem em grande parte
nhas. Ao contrário, do ponto de visra quantitativo, a ativida­
o tipo de dominação sob a qual se formaram as sociedades latino­
de comercial e a extensão das atividades produtoras suscitadas
-americanas, quer dizer as colonizações espanhola e porruguesa.
pela ampliação do mercado estão na base de um forte cresci­
As cidades coloniais espanholas na América Latina preen­
mento demográfico e urbano (ver quadro 18).
chem duas funções essenciais: 1. a administração dos territórios
conquisrados, a fim de explorar seus recursos para a Coroa e de A partir da inserção completa do conjunto do continente
reforçar uma dominação política por meio de um povoamento; na esfera do mercado mundial, sob a hegemonia britânica, se
2. o comércio com a área geográfica circunvizinha, mas sobretu­ entabulam a exploração sisremática dos recursos do setor primá­
do com a metrópole. Segundo as formas concretas da coloniza­ rio solicirado pelas novas economias industriais e, paralelamen­

ção uma ou outra função é preponderante. Em geral as cidades te, a constiruição da rede de serviços e rransportes necessários às
atividades. A conseqüência mais direra desra situação sobre a ur­
i espanholas tinham essencialmente um papel de governo, corres­
banização foi a diversificação regional da produção. Assim, a
I pondente ii política mercantilista da Coroa de Castilha, enquan­
Argentina e o Uruguai, fundamentados num progresso extra­
I to as implantações portuguesas no Brasil eram mais centradas
ordinário da escolaridade" e na fusão dos interesses entre a bur­
!
sobre a rentabilidade da troca de produtos e das explorações in­
guesia comerciante de Buenos Aires e os proprietários do interior,
tensivas nas regiões próximas aos portos."
I
I, Disto resultam duas conseqüências fundamentais no que
tiveram um forte crescimento econômico, com a concentração
de todas as funções terciárias na capital, já um lugar privilegiado
diz respeito ao processo de urbanização:
!
:
,
1. A, cidades estão diretamente ligadas ii metrópole e não ultra­
enquanto porto de exportação.
Podemos assinalar um fenômeno paralelo no Chile, com
passam quase nada os limites da região circunvizinha nas suas uma arrancada espetacular fundamentada na extração mineira­
comunicações e dependências funcionais. Isto explica a fra­ dora e apoiada na solidez da máquina burocrática de que Porta­
queza da rede urbana na América Latina e O tipo de implan­ les soube dotar a burguesia nascente"s
tação urbana, afastado dos recursos naturais do interior do Ao contrário, os países do interior e os do norte dos Andes,
continente. J. Cole efetuou um cálculo ponderado Com relação em particular O Peru, ficaram quase à margem da nova estrutura
aos centros urbanos das unidades administrativas territoriais que econômica - sociedades dominadas pela oligarquia latifundiá­
permire dividir a área espacial em três coroas progressivamente ria e reduzidas, em seu sistelna urbano, às coletividades munici­
disrantes da costa. Os resultados são e1oqüentes: em 1950, pais herdadas da colonização espanhola.46
102 Manuel Clsrells
A QUESTÃO URBANA 103

Quadro 18
criar indústrias centradas no conswnO local47• Dadas as característi­
Evolução da população na América Latina (1570-1950)
cas destas indústrias - fraca composição orgânica do capital e ne­
cessidade imediata de rentabilidade - sua implantação depende inti­
Ano População mamente da mão-de-obra w'bana, e sobremdo, do mercado potenci­
(milhões de pessoas) ai dos grandes aglomerados. 'Esta industrialização, mesmo limita­
1570 10,2 da, suscita U1na expansão excessiva dos "serviços", pois presta-se a

1650 11,4 absorver parcialmente toda wna massa em desemprego disfarçado.

1750 11,1 Depois da Segunda Guerra Mundial, os investimentos es­


trangeiros, e em particular americanos, encontram uma vazão
1800 18,9
para o excedente de capitais no desenvolvimento desta indústria
1825 23,1
local; trata.se também de abrir novos mercados48 O processo se
1850 33,0
acelera nos países que já dispunham de uma certa base (Argenti­
1900 63,0
na, Chile, e sobremdo México e Brasil) e é rapidamente suscita­
1950 160,0
do em outros países até então limitados à produção primária,
Fon": ROSENBLAT, CARR-SAUNDERS, em ANGEL ROSENBLAT, La 1llblacw'l como o Peru ou a Colômbia, onde as mudanças dos últimos
indlgcna C1I América lAtina. B\lenOS Aires, 1954. quinze anos foram espetaculares.
As cidades tornalnse, ClTI parte, centros industriais e rece­
Por outro lado, na América Central, a articulação do sistema bem além disso o impacto secundário desta nova dependência
imperialista tomou a forma de economia de planificação com devido à massa de serviços suscitados e devido à destruição ain­
funções urbanas praticamente reduzidas às atividades pormárias da maior das antigas formas produtivas agrícolas e artesanais.
e à manutenção da ordem. Isto explica um nível de urbanização Tentemos precisar o processo em curso.
muito inferior ao resto do continente, com exceção de Cuba, Não há dúvida de que a anlpliação do mercado de trabalho
onde a longa duração da dominação espanhola manteve o entor­ e o aumento da capacidade de efemar investimentos públicos
pecimento do aparelho administrativo nos centros urbanos. mobilizados pela industrialização provocaram wna elevação do
nível de vida e a realização de certos equipamentos coletivos.
C. Com base nesta organização espacial, o processo de industria­
Mas a decomposição da estrutura agrária (produzida pela persis­
lização latino-americano marca as formas urbanas diferencial.
tência do sistema de propriedade tradicional da terra nas novas
mente tanto em ternl0S de ritmos quanto de níveis. Assim, a
condições econômicas) e os limites desta industrialização (su­
prinleira fase da industrialização, seja na base quase exclusiva de
bordinada à expansão da demanda solvível) acentuaram o dese­
capitais estrangeiros (Argentina, Umguai, Chile), ou a partir da
quilíbrio cidade/campo e resultaram na concentração acelerada
mobilização de wna cerra burguesia nacional utilizando os mo­
vimentos populisras (México, Brasil), teve wn papel limitado,
da população nos aglomerados principais49•
estritamente dependente do comércio exterior. Conseqüente­ O fator decisivo do crescimento urbano na América Latina
mente, se ela acelerou a desagregação da sociedade rural, mu­ é sem dúvida alguma a migração rural-urbana. O seminário da
dou muito pouco as funções urbanas (com exceção talvez de UNESCO sobre este problema chegou a determinar, depois da
Buenos Aires).
comparação das diferentes fontes de dados, uma taxa de cresci­
mento demográfico similar para as cidades e as aldeias. Conse­
Em compensação, a partir da Grande Crise de 1929, a des­ qüentemente, se O crescimento da população urbana é muito
truição dos mecanismos do mercado mundial e a nova situação
mais alto, é porque se deve apenas a 50% de crescimento natu­
criada nas relações de classes incitam a limitar as importações e a
ral, enquanto os 50% restantes provêm da migração rura\.so
104 Manuel Castells A QUESTÃO URBANA 105

A emigração é um ato social e não a conseqüência mecâni­ Quadro 19


ca de um desequilíbrio econômico. Sua análise, essencial para o Urbanização c estratificação sociR! ",a América Latina) 1950 (porcentagem)
esmdo da urbanização, exige um esforço de teorização específica, PopuJação l'mal Popula ão urbana
Pcs.'ioas
que pede, uma pesquisa em profundidade, ultrapassando nossa Pessoa.'i
habitando
exposição amaL' 1 r.lís
empregadas Estratos Estrato.'i
cidades de
na agricultura médios c médios c:
Mas nós podemos, sem entrar na lógica interna do proces­ 20.000
(15 anos e alto.'i alro.<;
so, assinalar as condições estrumrais que aumentam sua impor­ habitantes ou
mais)
tância e resultam numa taxa de urbanização muito forte. S2 mais
América Central
Um fato primeiro e indiscutível é a desigualdade enorme
Haiti 83 3 2 5
do nível de vida e dos recursos entre as cidades e os campos. Os Honduras 83 4 4 7
dados apresentados a este respeito pela Secretaria da C.E.P.A.L. Guatemala 68 8 6 11
em O Desenvolvimento da América Latina no após-guerra (1963) Salvador 62 10 9 13
Costa Rica 54 12 14 18
são indubitáveis53; e isto, quer consideremos O consumo em ní­
Panamá 48 15 15 22
vel individual ou em nível coletivo. A mesma defasagem está na Cub., 41 22 21 37
origem do balanço negativo da migração: a extensão do movi­ América do Sul

mento suscitado ultrapassa as possibilidades de absorção do no. Bolívia 70 8 7 20


Brasil 58 JS 13 20
vo sistema produtivo (ver quadro 19).
Colômbia 54 22 12 32
No entanto, a desigualdade das condições de vida não ex­ Paraguai 54 14 12 15
plica a transferência maciça das populações, a menos que nos Vcnczuehl 53 18 16 31
atenhanl0s à afirmação ideológica de um homo economicus unica­ Chile 30 22 21 45
Ar.gemina 25 36 28 48
mente determinado por uma racionalidade econômica individual.
Na base do fenômeno das migrações há também a desorganiza­ Fq,/w: A{IIUUllS f1SPWI/1 Inllmlr,' dei tUYI,.,YJllo mrinl dr Amerira 1Aritu (O.E.A., 1962) p. 144; G.
GERMAN1, .FtrlCsiJ pJU cstimulou IoImobilid.,d ()(iJI., AJprao1 10tialu dei drJilmJI/D eamoll/i.ll de
ção da sociedade rural. Esta desorganização não se explica pela
ÂmmlilÚlri'li1, UNESCO, 1962, t. I, p. 252.
"difusão dos valores urbanos"; a hipótese simplista que vê um
fato maior na penetração da sociedade rural pelos mass media es­ Ora, a manutenção destas formas faz parte do mesmo pro­
quece que a teoria da informação parte de uma certa correspon­ cesso social da industrialização urbana, através da fusão de inte­

dência entre o código do emissor e o código do receptor com resses, em última instáncia, das classes dominantes respectivas.
relação a uma mensagem. Quer dizer, as mensagens são percebi­ Não se trata portanto de um simples desequiUbrio de nível, mas do
das e selecionadas em função do sistema culmral do agente, o impacto diferencial da industrialização nas sociedades rural e urba­
qual está determinado por seu lugar na estrumra social. na, decrescendo e aumentando respettivamente sua capacidade pro­
Conseqüentelnente, se em certas zonas rurais, ocorre "a di­ dutiva, enquanto as trocas entre os dois setores Se tornam maisfáceis.
fusão urbana", isto se deve ao fato de que as bases estrumrais da Finalmente, o afluxo de população nos centros urbanos trans­
nova si mação desorganizaram os sistemas culmrais tradicionais. forma profundamente as formas ecológicas, mas só afeta relati­
Em nível puramente infra -estrumraJ, nós podemos dizer que os vamente as atividades improdutivas. O relatório da C.E.P.A.L. 55
determinantes essenciais da decomposição da sociedade agrária mostra de fato, uma tendência muito nítida da indústria e do co­
são a contradição entre o aumento acelerado da população, con­ mércio artesanal para criar empregos pouco produtivos, freando
seqüência da baixa recente da taxa de mortalidade, e a manuten­ os progressos da produtividade pela utilização de uma mão-de-obra
ção das formas improdutivas da propriedade latifundiárias4 abundante e barata. Da mcsma forma, em torno dos organismos
,_o

..

106 Manuel CJ.stells A QUESTÃO URBANA 107

administrativos nascem verdadeiros sistemas de clientela que não 8. cr B.E HOSELITZ, "Url"UliZ<ltion and Economic Growth in Asi.".
respondem a um aumento real da atividade, mas ao desenvolvi­ Economic Dcvelopment and Cultural Change) t. VI, n° 1, outubro, 1957,
mento de redes de influência pessoal. pp. 42-54.
A urbanização na América Latina não é a expressão de um 9. B.E HOSELITZ, "The Role of the Ciries in the Economic Growth
processo de "modernização", mas a manifestação, a nível das rela­ of Underdevcloped Counrries", Journal of Politicai Economy, 61, 1953,
ções sócio-espaciais, da acenmação das contradições sociais ine­ pp. 195-203.
rentes a seu modo de desenvolvimento - desenvolvimento de­
10. N.V. SOVANI, "The Analysis of Over UrbaniZ<1tion", Eco"omic Dc­
terminado por uma dependência específiea no interior do siste­
l'clopm£1ltand Cultural Change, 12, n°, 2, janeiro de 1964, pp. 113-122.
ma capitalista mundial.
11. Certos autores recorrem ao subrerfügio altamente sintomático de
chamar estes aglomerados de "metrópoles premamras"; cf. entre ou­
tros, NIRMAL KUMAR BOSE, "Caleurra: A Premamre Merropolis",
Notas
Scienrific American, serembro de 1965,91-102.

1. Cf. KUAN-I-CHEN, H-Vrld Population Growth and Liping Standard, 12. CfP GEORGE, La Vil/e, Paris, PU.E, 1950.
University Prcss, New Haven, 1960. 13. Cf. para as perspectiv,ts teóricas fundamentando LIma compreensão
2. A melhor fonte recente de m:lteri:lis sociológicos sobre este tcm;'l é a real do desenvolvimenro, E H. CARDOSO, Questiones de SocioÚi.qia dei
obra dirigida por G. BREESE, Thc city in NeJVly Del'elopi'!./f Coulltries, Dcsarrollo CIl Amcrim LatinaJ Editorial Universitário, Santiago de Chile,

I Prentie< Hall, Englewood ClitTs, New Jersey, 1969, 555 p. Ver r,unbém
S. GREER, DENNIS, L. MC ELBRATH, D. W. MINAR e P
1968,180 p. (rraduzido em francês por Anthropos em 1969). No plano
da análise econômica, um texto fundamental é o de P.A. BARAN. Eco­
i
ORLEANS (editores), The Neli' Urbaniz..tion, Neli' York, Sr. Marrin's nomie Politique de la croissancc, Paris, Maspero (primeira edição ingles."
,

I Press, 1968; P MEADOWS e E. H. MIZUCHI (editores), Urbanism, 1954) e sobre os mecanismos inrcrn.lcionais há o de A. EMMANUEL,
Urballizatioll a"d Change, Reading (Mass), Addison-Wesley, 1969, e o I1Échange Inégal, Maspero, 1969 e de S. AMIN, UAcummulation du ca­
inreressame tr"b.llho colerivo de A. GUNDER FRANK, CEPAL; L. pit,,1 à I'echelle mOlldiale, Paris, Anrhropos, 1970.
PEREIRA; G. GERMANI e ). GRACIARENA, Urbanização e Subde­
14. O problema em seu conjunto é tratado de forma clara, precisa, do­
scnvoll'imcnto, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1969.
cumentada por P )ALÉE em sua obra Uimpérialüme m 1970, E Maspe­
3. BRlAN). L. BERRY (University ofChicago), "Some relarions ofUrba­ rO,Paris, 1969,231 p.
nizarion and Ba.<;ic P"ttCIl1S of Economic Dcvclopmcm", artigo apresentado
15. Cf. CH. BETTELHEIN, Pltlniftcation et Croissanee accélm!c, Mas­
no Seminário sobre Problemas Urb.U1os, Universidade de Oregon, 1962.
pera, Paris, 1967, cap. 3.
4. ). P GIBBS e W. T. MARTIN, "Urbanizarion, Technology and rhe
Divisioll of Labor: Intcrnational Patterns", American Sociological Rel'icu 16. Cf. EH. CARDOSO e E. FALETTO, Desarrollo y Depmdmcia m

27 de Oumbro de 1962, 667-677. Cf. também ). A. KAHL, "Some American Latina, Siglo XXI, Mcxico. 1970.

Social Concomitants ofIndustrialization and Urbanization: A Research 17. Esta análise apóia-se teoricamente nas contribuições de N. POU­
Review", Human Orga"ization, XVIll, n° 2, verão de 1959, pp. 53-74. LANTZAS em sua obra, de extrema importância, Pouvoir politique ct
5. Segundo a perspectiva perfeitamente sinretizada por w.w. ROSTOV, classes sociales, Maspero, Paris, 1968, 398 p.
The stages ofEconomic Growth. A Non Communist Manifesto, Cambridge 18. G. NORTON, S. GINSBURG, "Urban Geography and Non-Western
The University Press, 1960. Areas", em PH. H. HAUSER e L.E SCHNORE, op. cir. (1965), pp.
6. Cf. KINGSLEY DAVIS e HILDA H. GOLDEN, "Urbanization a"d 311-347.
thc J)el'clopment ."d Cultural Change, III. Oct. 1954, pp. 6-26.
19. Por exemplo, N. KEYFITZ, "PoliticaI Economic Aspeets ofUrbaniZ<l­
7. Cf. PH. M. HAUSER (editor). UUrba"ization cn Amérique Lati"e, rion in South and Sourheasr Asia", em PR. HAUSER e E SCHNORE
UNESCO, Paris, 1961, pp. 149-151. (eds) op. cir. 1965, pp. 265-311.
108 M,nuc1 Casrells A QUESTÃO URBANA 109

20. Ver >< especiticações que GINSBURG oferece cm seu artigo citado 32. Ver a respeito deste ponto, os dados 'presentados sobre os Estados
lU l10ta 85. brasileiros por 1: LYNN SMITH, Why the Cities? Observatiom on Urba­
21. Cf. A. PIZZORNO, op. cit., 1962. nization in Latin America, em PH. L. ASTIITO e R.A. LEAL, Latin
Ammcan Problems, St-John's Univ. press, N.Y., 1964, pp. 17-33.
22. Tendência representada, entre outras, por E.C. HAGEN.
33. Para o México e o Chile, cf. R.M. MORSE, op. cit., 1965, p. 17;
23. Cf. S. BARRACLOUGH, Notas ,obre tendência de la tierra en Ame.
H.L. BROWNING apresenta dados interessantes, no conjunto, em "Rc­
rica Latina.IClRA, Santiago de Chile, 1968.
cent trendsll in Latio American Urbanization '" The AnnaLs, março de
24. cr. r.A. BARAN, op. cit., 1954. 1958, pp. Ill-I26.
25. A.S. LINSKY. "Some Generaliz.1rions Cancerning Primare Cicies", 34. Cf. CARDOSO, op. cit., 1968, pp. 74.
Thc Annals of the Association of American Geographm, t. 55, setembro
35. Cf. G.A.D. SOARES, Congruency and Incongruency Among Indicators
1965, pp. 506-513.
ofEconomic D<vdopmcnt, Institute of Internacional Studies, Berkeley.
26. Cf. HOSELITZ. op. cit., 1957.
36. C. FURTADO, Obstáculos políticos ao crescimento econômico do
27. Podemos encontrar um bom repertório desta perspectiva no estudo Br><il, Revista Civilização Brasileira, I, I, março de 1965, pp. 133-141.
bem documentado de ). DORSBLAER e A. GREGORY, La Urbaniza.
37. A. QUIJANO, Depcndencia, Cambie Social y Urbanizacitin en Latino
cÚJn en Ammca Latina, 2 vaI. FERES.CRSR, Friburgo.Bogotá, 1962.
Ammca, CEPAL, Division de Estudios Soci.tks, noVo de 1967, 44 p. mimeo.
28. Felizmente dispomos de três excelentes textos de síntese. O primeiro
38. Cf. CARDOSO, op. cit., 1968, p. 74.
expõe os resultados mais marcantes da pesquisa sobre o assunto:R. M.
MORSE, "Urbanization in Latin America", Latin American Restarch 39. Cf J. WEISSLITZ, Lu migratiom am Phvu, Soroonne, Paris, 1969.
RepielV, Aummn 1965 (consultado na edição espanhola, sob forma de 40. HAUSER, op. cir., 1961.
brochura e com bibliografia ampliada, Universidade do Texas, 1968,
41. HAUSER, op. cit., 1961, pp. 88-90.
56 p.). Os dois outros enf,tizam os dados estatísticos disponíveis: C.A.
MIRO, "The population of Lltin America", Demography, 1964, vaI. I, 42. Cf. MARIA EUGENIA ARAVENA, Dependincia y urbanizacion en
pp. 15.41; ).D. DURAND e C.A. PELAEZ", P.merns ofUrbanization in America Latina: d período colonial, FLACSO, Santiago do Chile, 1968
Lacin America", cm Milkbanll Mmwriai Fund Quaterly, 43, nO 4, Outubro (mimeo).

1965, pgs. 166-196. Enfim, citemos, por um lado, mais recente compi. 43. ). r COLE, Latin America. An Economic and Social Geography, Lon­
laçâo de dados estatísticos: O.E.A., Situaâón Dtmo...qrafica de America don, Batterwarths, 1965,468 p.
Latlna, Washington, 1970; por outro lado, o nlunero em preparo sobre
44. R. CORTES CONDE e E. GALLO, La formación de la Argentina
«rmperillisme ct Urbanisatioll ell Amériquc Latine", da revista. Espacts
moderna, Paidos, Buenos Aires, 1967.
ct Soâétés".
45. A. PINTO, Chile: un caso de desarrollofrustrado.
29. Cf. sobre este pomo e para a análise de conjumo, um livro essenci­
46. A. QUIJANO, Tendencial de cambÚJ en la sociedad peruana, Universi.
al, de A ..G. FRANK, Capitalisme <t ,ou,.d",doppement ai Amérique Lati.
dad do Chile, mimeo, 1967.
ne, M.lspero, Paris, 1968, 302 p.; também sobre este ponto específico:
R. M. MüRSE, "Some Characteristics of L'tin American Urban His. 47. Cf. M. HALPER!N, Growth and m,is in Latin Ammcan Economy,
tor)''', Am<rican Historical Repiew, LXVII, 2, 1962, pp. 317-338. em PETRAS e ZEITLIN (cds), op. cit., 1968, pp. 44-76.
30. Cf. A.G. FRANK, op. cit., bem como O conjunto dos ,m,ilises com. 48. Cf. A. G. FRANK, op. cit., 1968.
pilad,lS por). PETRAS eM. ZEITLIN em Latin America: Riform or Rc.
49. Cf. ). GRACIARENA, Podcr Y dasu Sociaiu en el Duarrollo de
l'olurion? E\\vcett Publications, Greenwich, Cann, 1968, 510 p. Amenca Latina, Paidos, Buenos Aires, 1967.
31. Nós nos aproximamos aqui d.l perspectiv.l desenvolvida pelo soció­ 50. Ver HAUSER, op. cit., e t,mbém A. SOLAR!, Sociologia rural lati.
logo peruano A. QUI/lu'10. noamericana) Paidos, Buenos Aires, 1968, p. 40.
110 Manuel Cascells

51. Ver as proposições teóricas de A. TOURAINE em OUP'ricrs dJorigine


a<--f.fricolc, Seu ii, Paris, 1961.
52. Cf. os primeiros resultados de). WEISSLlTZ, op. cit., 1969.
53. Secretaria de CEPAL, El desarrollo social de Ameriea Lacina en la post­
guerra, Solar-Hachette; Buenos Aires 1963, 164 p. em particular, Cap. II;
também SOLARI, op. cit., 1968.
54. Solon BARRACLOUGH, Notas sobre teneneia de la t0ra en Ammca
Latina, ICIRA, Santiago do Chile, 1968.
55. CEPAL, informe cito 1963, pp. 73-74.

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