Olavo de Carvalho
O plano de transição para o governo mundial, que Arnold Toynbee expôs mais de
meio século atrás e que mencionei brevemente nesta coluna, já está em
avançadíssima fase de implantação, ao ponto de que não há nenhum exagero em
dizer que a Nova Ordem globalista-socialista é um fato consumado, irreversível.
Que a maioria dos seres humanos ignore isso por completo e ainda tenha a ilusão
de poder interferir de algum modo no curso das coisas por meio do “voto”, eis aí a
prova de que Toynbee tinha toda a razão ao dizer que a nova estrutura de poder
não seria democrática, nem democrática a transição para ela. Não há estado de
sujeição mais completo do que ignorar a estrutura de poder sob a qual se vive.
Não só essa transição já aconteceu, mas ela foi realizada sob a proteção de um
conjunto de pretextos retóricos altamente enganosos, criados para dar à
população a idéia de que a mudança ia no sentido da maior liberdade para os
cidadãos, da maior participação de todos no governo e de mais sólidas garantias
para a empresa privada. Todos os termos-chave dessa retórica – “governo
reinventado”, “parcerias público-privadas”, “terceira via”, “descentralização” –
significam precisamente o contrário do que parecem indicar à primeira vista.
Os dois diagramas que acompanham este artigo tornarão isso bastante claro. As
flechas aí indicam a origem do poder e o objeto sobre o qual se exerce. No antigo
sistema representativo, o eleitorado escolhia o governo segundo os programas
que lhe pareciam os mais convenientes, e o governo eleito – executivo e
parlamento – repassava esses planos aos órgãos da administração pública, para
que os executassem. No novo sistema de “parcerias público-privadas”, a
administração pública é só uma parcela do órgão executor. A outra parcela é
escolhida por entidades sobre as quais o eleitorado não tem o menor controle e
das quais não chega às vezes a ter sequer conhecimento. Tal como apresentado
na sua formulação publicitária, o novo sistema é mais democrático, porque reparte
a autoridade do governo com “a sociedade”. Mas “a sociedade” aí não
corresponde ao eleitorado e sim a ONG’s criadas sob a orientação de organismos
internacionais não-eletivos – ONU, UE, OMS, OMC, etc – e subsidiadas por
bilionárias corporações multinacionais cuja diretoria não é mesmo conhecida do
público em geral.
Esse livro é de 1945. Desde então, o curso da História tomou um rumo que o
confirma na medida mesma em que aparenta desmenti-lo. A “descentralização”
dos governos nacionais, simulando em escala local uma vitória do liberal-
capitalismo sobre as tendências centralizadoras e socialistas, foi posta a serviço
da construção do Leviatã supranacional que, inacessível e quase invisível,
controla dezenas de Estados reduzidos à condição de entrepostos da
administração global. Não só o eleitorado foi submetido a essa gigantesca
mutação sem a menor possibilidade de interferir nela ou de compreendê-la, porém
até mesmo alguns dos mais intelectualizados porta-vozes do liberal-capitalismo,
enxergando apenas o fator econômico e recusando-se a investigar a nova
estrutura de poder político por trás da globalização comercial, colaboraram
ativamente para que o processo de centralização mundial se implantasse
pacificamente, sob a bandeira paradoxal da liberdade de mercado.