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Introdução à Teoria de Anéis

Cristina Maria Marques


Departamento de Matemática-UFMG
1999 ( com revisão em 2005)
2
Prefácio

Esta apostila consta das notas de aula feitas para as disciplinas Álgebra I e Estruturas Algébricas,
as quais que já lecionei várias vezes na UFMG. Ele tem por objetivo introduzir a estrutura algébrica
dos anéis .
O pré requisito para a leitura desse livro é a disciplina Fundamentos de Álgebra, ou seja, uma
introdução aos números inteiros. Fazemos uma recordação dessa disciplina no Capı́tulo 1.
Esta apostila foi escrita com o intuito de ajudar aos alunos na leitura de outros textos de
Álgebra como por exemplo o excelente livro do Gallian [1]. Vários anéis são apresentados como os
anéis quocientes, anéis de polinômios sobre anéis comutativos e outros. No Capı́tulo 7 é feita uma
generalização desses anéis, definindo domı́nios euclidianos, domı́nios de fatoração única e domı́nios
de ideais principais. Tambem apresentamos o Teorema Fundamental dos Homomorfismos que
permite a compararação de anéis.

Espero alcançar meu objetivo.

Cristina Maria Marques.

Belo Horizonte,9/3/99.

i
Sumário

Prefácio i

1 Inteiros 1
1.1 Propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Teorema Fundamental da Aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3 Indução matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.4 Relação de equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.5 Exercı́cios do capı́tulo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Anéis 10
2.1 Definições e propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2 Subanéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.3 Domı́nios Integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.4 Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.5 Caracterı́stica de um anel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.6 Exercı́cios do Capı́tulo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3 Ideais e anéis quocientes 19


3.1 Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.2 Anéis quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.3 Ideais primos e ideais maximais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
3.4 Exercı́cios do Capı́tulo 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

4 Homomorfismos de anéis 26
4.1 Definição e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.2 Propriedades dos homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
4.3 O teorema fundamental dos homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4.4 O corpo de frações de um domı́nio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.5 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

5 Anéis de Polinômios 34
5.1 Definição e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
5.2 O Algoritmo da divisão e conseqüências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
5.3 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

ii
SUMÁRIO iii

6 Fatoração de polinômios 41
6.1 Testes de redutibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
6.2 Testes de irredutibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
6.3 Fatoração única em Z[x] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
6.4 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

7 Divisibilidade em domı́nios 51
7.1 Irredutı́veis e primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
7.2 Domı́nios de Fatoração única . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
7.3 Domı́nios Euclidianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
7.4 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

8 Algumas aplicações da fatoração única em domı́nios 60


8.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
8.2 O anel Z[ω] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
8.3 A equação X 3 + Y 3 + Z 3 = 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
8.4 A equação Y 2 + 1 = 2X 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
iv SUMÁRIO
Capı́tulo 1

Inteiros

1.1 Propriedades básicas


Vamos recordar aqui as principais propriedades dos inteiros Z = {..., −2, −1, 0, 1, 2, ...} as quais
serão consideradas como axiomas.Elas serão usadas em todo nosso curso.

• Fecho: Se a e b são inteiros então a + b e a.b também são.

• Propriedade comutativa: a + b = b + a e a.b = b.a para quisquer inteiros a e b.

• Propriedade associativa: (a + b) + c = a + (b + c) e (a.b).c = a.(b.c) para quaisquer inteiros


a, b e c.

• Propriedade distributiva: (a + b).c = a.c + b.c para quisquer inteiros a, b e c.

• Elementos neutros: a + 0 = a e a.1 = a para todo inteiro a.

• Inverso aditivo: Para todo inteiro a existe um inteiro x que é solução da equação a + x = 0.
Tal x é denominado inverso aditivo e tem a notação −a.
Obs: a notação b − a significa b + (−a).

• Cancelamento: Se a, b e c são inteiros com a.c = b.c com c 6= 0 então a = b

Tais axiomas nos permitem provar outras propriedades de Z bastante comuns.

Exemplo 1.1.1. Para todo a, b e c em Z temos a.(b + c) = a.b + a.c


Com efeito, como sabemos que o produto é comutativo em Z segue que

a(b + c) = (b + c).a

Pela propriedade distributiva temos que

(b + c).a = b.a + c.a

Finalmente usando a propriedade comutativa do produto segue o resultado.

1
2 CAPÍTULO 1. INTEIROS

Exemplo 1.1.2. Podemos provar que 0.a = 0. Para isto, observe que como

0=0+0

0.a = (0 + 0)a = 0.a + 0.a


Somando de ambos os lados −0.a teremos que

0 = 0.a = a.0

pela comutatividade do produto.

Exercı́cio 1.1.3. Prove que para todo a, b e c em Z temos:

1. (a + b)2 = a2 + 2ab + b2

2. (−1)a = −a

3. −(ab) = a(−b)

4. (−a)(−b) = ab

5. −(a + b) = (−a) + (−b)

A ordem em Z é definida usando os inteiros positivos { 1,2,3,...}.

Definição 1.1.4. Se a e b são inteiros dizemos que a é menor que b, e denotamos por a < b
quando b − a for positivo.
Se a < b escrevemos também b > a.

As principais propriedades da ordem dos inteiros são :

• Fecho dos inteiros positivos: a soma e o produto de dois inteiros positivos são positivas.

• Tricotomia : para todo inteiro a, temos que ou a > 0, ou a < 0 ou a = 0.

Outras propriedades da ordem de Z podem ser obtidas através dessas.

Exemplo 1.1.5. Suponha que a, b e c são inteiros com a < b e c > 0. Vamos provar que ac < bc.
Por definição a < b significa que
b−a>0
Pela propriedade do fecho
(b − a)c > 0.
Pela propriedade distributiva e o exercı́cio anterior, segue o resultado.

Exercı́cio 1.1.6. Prove que se a, b e c ∈ Z, a < b e c < 0 então ac > bc.


1.1. PROPRIEDADES BÁSICAS 3

Uma propriedade muito importante de Z é o princı́pio da boa ordenação :

Princı́pio da boa ordenação (PBO) Todo subconjunto não vazio de inteiros positivos possui
um menor elemento.

O PBO diz que se S é um subconjunto não vazio dos inteiros positivos então existe um s0 ∈ S
tal que s ≥ s0 para todo s em S.
O conceito de divisibilidade é muito importante na teoria dos números e será estendido na teoria
de anéis em geral. Dizemos que um inteiro não nulo t é divisor de um inteiro s se existe um inteiro
u tal que s = tu. Escrevemos neste caso que t|s ( lemos t divide s )
Quando t não é um divisor de s, nós escrevemos t 6 | s. Um primo é um inteiro positivo maior que
1 cujo únicos divisores positivos são 1 e ele mesmo.

Como nossa primeira aplicação do PBO temos uma propriedade fundamental do inteiros:

Teorema 1.1.7 (Algoritmo de Euclides (AE)). Sejam a e b inteiros com b > 0. Então existem
inteiros q e r tais que a = bq + r onde b > r ≥ b. Tais q e r são únicos.

Demonstração :
Existência: Considere o conjunto S = {a − bk | k ∈ Z e a − bk ≥ 0}.
Se 0 ∈ S, existe q ∈ Z tal que a − bq = 0. Fazendo r = 0 o algoritmo está provado.
Se 0 6∈ S vamos aplicar o PBO.
Para isto temos que provar que S 6= ∅.
Se a > 0, a − b0 = a > 0 e então S 6= ∅.
Se a < 0, a − b2a = a(1 − 2b) > 0 e então S 6= ∅.
Pelo PBO, S possui um menor elemento que chamaremos de r. Assim, existem q, r ∈ Z tais que
a − bq = r , r é o menor elemento de S e r > 0. Só falta provar que r < b.
Se r = b
a − bq = r = b
a − bq = b
a − b(q + 1) = 0
Isto indica que 0 ∈ S, o que não acontece neste caso.
Se r > b
a − bq = r > b
a − bq − b > 0
a − b(q + 1) > 0
Isto indica que a − b(q + 1) pertence a S o que é um absurdo pois é menor que r = a − bq e r é o
menor elemento de S.
Unicidade
Suponha que existam q, q ′ , r, r′ tais que

a = bq + r = bq ′ + r′
4 CAPÍTULO 1. INTEIROS

com 0 ≤ r, r′ < b. Como


r′ − r = b(q ′ − q)
temos que b | (r′ − r). Mas como r′ − r < b concluimos que r′ − r = 0, r′ = r e q = q ′ .
Notação : q será chamado de quociente e r será chamado de resto da divisão de a por b.
Exemplo 1.1.8. Se a = 34 e b = 7 o algoritmo diz que 34 = 7.4 + 6; para a = −49 e b = 6, o
algorı́tmo de Euclides diz que −49 = 6.(−9) + 5.
Definição 1.1.9 (Máximo divisor comum). O máximo divisor de dois inteiros a e b não nulos é o
maior de todos os divisores comuns de a e b. Ele será denotado por mdc(a, b) ou quando não causar
dúvidas simplesmente por (a, b). Quando mdc(a, b) = 1 dizemos que a e b são relativamente
primos.
Podemos definir mdc(a, b) da seguinte forma: mdc(a, b) = d se e somente se
1. d > 0
2. d|a e d|b.
3. se existir um inteiro c tal que c|a e c|b então c|d.
Temos de provar que as duas definições são equivalentes. Para isto precisamos do próximo teorema
que diz que o mdc(a, b) é uma combinação linear de a e b. Esta é nossa segunda aplicação do PBO.
Teorema 1.1.10 (mdc é uma combinação linear). Se a e b são inteiros não nulos então existem
inteiros s e r tais que mdc(a, b) = sa + tb
Demonstração Considere o conjunto S = {am + bn | m, n ∈ Z e am + bn > 0}.
S 6= ∅ porque se você achar uma combinação am + bn < 0 então multiplique por −1 e terá uma
combinação positiva.
Pelo PBO, S possui um menor elemento. Seja d o menor elemento de S. Assim existem s, t ∈ Z
tais que d = sa + tb .
Afirmação : d = mdc(a, b)
Com efeito, pelo algoritmo de Euclides, existem q, r ∈ Z tais que a = dq + r e 0 ≤ r < d. Se r > 0,
então 0 < r = a − dq = a − (as + tb)q = a(1 − s) + (−tq)b ∈ S . Isto é um absurdo pois d é o menor
elemento de S, Assim r = 0 e d|a. Analogamente, d|b
Seja agora d′ outro divisor comum de a e b. Assim a = d′ k e b = d′ h para certos k e h em Z,
d = as + bt = d′ ks + d′ ht = d′ (ks + ht) e portanto d′ |d.
Logo d = mdc(a, b).
Definição 1.1.11 (Mı́nimo múltiplo comum ). O mı́nimo múltiplo comum de dois interos não
nulos é o menor múltiplo comum positivo de a e b.
Notação : mmc(a, b)
Podemos definir o mmc(a, b) na forma : mmc(a, b) = m se e somente se
1. m > 0
2. a|m e b|m
3. Se existir m′ inteiro tal que a|m′ e b|m′ então m|m′
Exercı́cio 1.1.12. Prove que as duas definições de mdc são equivalentes.
1.2. TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMÉTICA 5

1.2 Teorema Fundamental da Aritmética


O teorema fundamental da aritmética é um resultado importante o qual mostra que os números
primos são os construtores dos inteiros.

Teorema 1.2.1 (Teorema Fundamental da Aritmética (T F A) ). Todo inteiro maior que um se


escreve de maneira única como um produto de primos.

Para provarmos este teorema temos de provar algumas propriedades dos primos.

Lema 1.2.2 (Lema de Euclides). Se p é um primo que divide a.b então p divide a ou p divide b.

Demonstração :
Suponha que p é um primo que divide ab mas que p 6 |a.Como p é primo podemos afirmar que p e
a são relativamente primos .Assim existem inteiros r e s tais que ra + sp = 1. Então rab + rpb = b.
Como p|ab e p|rpb temos que p|b.

Note que o Lema de Euclides falha se p não for primo ; por exemplo 6|4.3 ,6 6 |4 e 6 6 |3

Demonstração do Teorema Fundamental da Aritmética


Unicidade Suponha que exista duas fatorações em primos de n:

n = p1 p2 ...pr = q1 q2 ...qs .

Pelo Lema de Euclides p1 |qi para algum qi e como p1 e qi são primos temos que p1 = qi para
algum i ∈ {1, 2, ..., s}. Analogamente p2 = qj para algum j ∈ {1, 2, ..., s} e assim por diante . Pela
propriedade do cancelamento teremos 1 = qi1 ...qik se s > r. Mas isto é um absurdo pois nenhum
primo é invertı́vel. Analogamente se r < s chegamos num absurdo. Logo s = r e os primos são os
mesmos.
Existência: Séra feito depois do segundo princı́pio da indução matemática na próxima seção .

1.3 Indução matemática


Existem dois tipos de prova usando indução matemática. Ambas são equivalentes ao PBO e vêm
do século XVI.

Primeiro princı́pio da indução matemática (1o P IM )


Seja S um subconjunto de Z contendo a. Suponha que S tem a propriedade de possuir n+1 sempre
que S possuir n com n ≥ a. Então S contem todo inteiro maior ou igual a a.

Assim, para provarmos que uma afirmação é verdadeira para todo inteiro positivo, nós devemos
primeiro verificar que a afirmação é verdadeira para o inteiro 1. Nós então supomos que a afirmativa
é verdadeira para o inteiro n e usamos esta afirmativa para provar que a afirmativa é válida para
n + 1.
6 CAPÍTULO 1. INTEIROS

Exemplo 1.3.1. Podemos usar o (10 P IM ) para provar que n! ≤ nn para todo inteiro positivo n.
A afirmativa é válida para n = 1 pois 1! = 1 ≤ 11 = 1. Agora suponha que n! ≤ nn ; esta é a
hipótese de indução .Temos de provar que (n + 1)! ≤ (n + 1)(n+1) . Usando a hipótese de indução

(n + 1)! = (n + 1).n!

(n + 1)! ≤ (n + 1).nn
(n + 1)! ≤ (n + 1).(n + 1)n
(n + 1)! ≤ (n + 1)(n+1)
Isto completa a prova.

Segundo princı́pio de indução matemática.(2o P IM )


Seja S um subconjunto de Z contendo a. Suponha que S tenha a propriedade de sempre conter
n quando S contiver todos os inteiros menores que n e maiores que a. Então S contem todo inteiro
maior ou igual a a.

Para usar esta forma de indução , nós primeiro provamos que a afirmativa é válida para a.
Depois mostramos que se a afirmativa é verdadeira para todos os inteiros maiores ou iguais a a e
menores que n então ela é verdadeira para n.

Exemplo 1.3.2 (Existência do TFA). Nós usamos o 2o P IM com a = 2 para provar a parte da
existência do TFA. Seja S ⊂ Z formado de inteiros maiores que 1 que são primos ou um produto
de primos. Claramente 2 ∈ S. Agora nós assumimos que para algum inteiro n, S contém todos
os inteiros k com 2 ≤ k < n. Nós devemos mostrar que n ∈ S. Se n é primo, então n ∈ S por
definição . Se n não for primo, n poderá ser escrito na forma n = ab onde 1 < a < n e 1 < b < n.
Como estamos assumindo que a e b pertencem a S, nós sabemos que eles são primos ou produto
de primos. Assim, n também é um produto de primos. Isto completa a prova.

1.4 Relação de equivalência


Em matemática objetos diferentes num contexto podem ser vistos como iguais noutro. Por exemplo,
como i2 = −1, i3 = −i, i4 = 1 temos que para efeito de achar potencias de i os números são iguais
se tiverem o mesmo resto na divisão por 4. Assim, aqui 5 = 1, 240 = 0, 243 = 3.
O que é necessário fazer para que estas distinções fiquem claras, é uma generalização apropriada da
noção de igualdade; isto é, nós necessitamos de mecanismo formal para especificar quando ou não
duas quantidades são iguais numa certa colocação . Tais mecanismos são as relações de equivalencia.

Definição 1.4.1 (Relação de Equivalência). Uma relação de equivalência num conjunto S é um


conjunto R de pares ordenados de elementos de S de modo que:

1. (a, a) ∈ R para todo a ∈ S ( propriedade reflexiva )

2. (a, b) ∈ R implica (b, a) ∈ R ( propriedade simétrica ).

3. (a, b) ∈ R e (b, c) ∈ R implica (a, c) ∈ R ( propriedade transitiva )


1.4. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA 7

Quando R for uma relação de equivalência num conjunto S, escrevemos aRb ao invés de
(a, b) ∈ R. Também como uma relação de equivalência é uma generalização de igualdade, sı́mbolos
sugestivos são ≈, ≡, ou ∼.
Se ∼ for uma relação de equivalência num conjunto S e a ∈ S , então o conjunto [a] = {x ∈ S | x ∼
a} é chamado de classe de equivalencia de S contendo a .

Exemplo 1.4.2 ((a ≡ b mod n)). Em Z definimos a relação de equivalência:

a ≡ b mod n ⇔ n|(a − b)

É fácil ver que ≡ modn é uma relação de equivalência ;

1. a ≡ a mod n pois n|0

2. Se a ≡ b mod n então b ≡ a mod n pois se n|(a − b) então n|(b − a).

3. Se a ≡ b mod n e b ≡ c mod n temos que n|(a − b) e n|(b − c) e então n|(a − c). Isto mostra
que a ≡ c mod n

As classes de equivalencia de Z mod n serão as classes dos restos da divisão por n. Com
efeito, dado a em Z pelo algorı́tmo de Euclides temos a = qn + r com 0 ≤ r < n. Isto mostra
que a ≡ r mod n. Denotaremos por Zn o conjunto das classes de equivalencia de Z módulo n.
Usaremos a notação ā para [a].Assim

Zn = {0̄, 1̄, ..., n − 1}

Definição 1.4.3 (Partição de um conjunto S). Uma partição de um conjunto S é uma coleção de
subconjuntos não vazios disjuntos de S cuja união é S.

Teorema 1.4.4. As classes de equivalencia de um conjunto S formam uma partição de S. Reci-


procamente, para toda partição P de um conjunto S, existe uma relação de equivalencia em S cujas
classes de equivalencia são os elementos de P .

Demonstração :
Seja ≡ uma relação de equivalencia em S. Para todo a ∈ S temos que a ∈ [a] pela propriedade
reflexiva. Assim [a] 6= ∅ e a união de todas as classes de equivalencia de S é S. Vamos agora provar
que duas classes de equivalencia distintas são disjuntas . Com efeito, suponha que [a] e [b] possuem
um elemento x em comum. Isto implica que x ≡ a e x ≡ b. Pela propriedade transitiva a ≡ b e
portanto [a] = [b].
A recı́proca é deixada como exercı́cio.

Exemplo 1.4.5. Pelo exemplo anterior temos que Z = [0] ∪ [1] ∪ ... ∪ [n − 1].
8 CAPÍTULO 1. INTEIROS

1.5 Exercı́cios do capı́tulo 1


1. Se a e b são inteiros positivos então ab = mdc(a, b).mmc(a, b)

2. Suponha que a e b são inteiros que dividem o inteiro c.


Se a e b são relativamente primos, mostre que ab|c.
Mostre com um exemplo, que se a e b não são relativamente primos então ab não necessita
dividir c.

3. O conjunto dos racionais positivos satisfaz o PBO ?

4. Mostre que mdc(a, bc) = 1 ⇔ mdc(a, b) = 1 e mdc(a, c) = 1

5. Se existem inteiros a, b, s e t de modo que at + bs = 1 mostre que mdc(a, b) = 1.


′ ′ ′ ′
6. Seja d = mdc(a, b). Se a = da e b = db mostre que mdc(a , b ) = 1

7. Sejam p1 , p2 , ..., pn primos distintos.


Mostre que p1 p2 ...pn + 1 não é divisı́vel por nenhum desses primos.

8. Mostre que existem infinitos primos. Sug: Use 7.

9. Prove que para todo n, 1 + 2 + ... + n = n(n + 1)/2

10. Para todo inteiro positivo n, prove que um conjunto com n elementos tem exatamente 2n
subconjuntos(contando com o vazio e o todo).

11. Prove o Lema generalizado de Euclides: Se p é um primo e p|a1 ...an , prove que p|ai para
algum i, i = 1, 2, ..., n.

12. Seja S um subconjunto de R.


Se a e b pertencem a S, defina a ∼ b se a − b é um inteiro.
Mostre que ∼ é uma relação de equivalência em S.

13. Seja S = Z.
Se a, b ∈ S defina aRb se ab ≥ 0.
R é uma relação de equivalencia em S ?

14. Uma relação num conjunto S é um conjunto de pares ordenados de elementos de S. Ache
um exemplo de uma relação que seja simétrica, reflexiva mas não transitiva.

15. Ache um exemplo de uma relação que seja reflexiva , transitiva mas não simétrica.

16. Ache um exemplo de uma relação que seja simétrica, transitiva e não reflexiva.

17. Sejam n e a inteiros positivos e d = (a, n). Mostre que a equação ax ≡ 1 mod n tem uma
solução ⇔ d = 1.

18. Prove que o 1o PIM é uma consequência do PBO.


1.5. EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 1 9

19. Seja (x0 , y0 ) uma solução de ax + by = c com a, b e c inteiros. Mostre que todas as soluções
de ax + by = c têm a forma x = x0 + t(b/d), y = y0 − t(a/d) onde d = mdc(a, b) e t ∈ Z.

20. Se u e v são positivos, mdc(u, v) = 1 e uv = a2 , mostre que u e v são quadrados onde u, v e


a pertencem a Z.

21. Prove por indução sobre n , que n3 + 2n é sempre divisı́vel por 3.

22. Se n é um natural ı́mpar, prove que n3 − n é sempre divisı́vel por 24.



23. Seja n um natural composto. Então n tem um divisor primo p tal que p ≤ n.

24. Prove que existe um número infinito de primos da forma 4n − 1.


Capı́tulo 2

Anéis

2.1 Definições e propriedades básicas


Um anel é um conjunto A, cujos elementos podem ser adicionados e multiplicados ( isto é, são
dadas duas operações (x, y) → x + y e (x, y) → x.y aos pares de elementos de A em A) satisfazendo
as seguintes condições :

1. Para todo x e y ∈ A nós temos a comutatividade da soma, a saber

x+y =y+x

2. Para todo x e y ∈ A nós temos a associatividade da soma, a saber,

(x + y) + z = x + (y + z)

3. Existe um elemento e em A tal que x + e = x para todo x ∈ A.


Not: e = 0. Este é chamado elemento neutro da adição .

4. Para todo elemento x ∈ A existe um elemento y em A tal que x + y = 0.


Not: y = −x Este é também chamado de simétrico de x.

5. Para todo x, y, z ∈ A nós temos a associatividade da multiplicação , a saber

(x.y).z = x.(y.z)

6. Para todo x, y, z ∈ A nós temos a distributividade da multiplicação à direita e esquerda , a


saber
x(y + z) = x.y + x.z
e
(y + z).x = y.x + z.x

Observações : 1) Observe que a multiplicação não necessita ser comutativa. Quando isto
ocorrer, dizemos que A é um anel comutativo

10
2.1. DEFINIÇÕES E PROPRIEDADES BÁSICAS 11

2) Um anel não necessita ter elemento neutro da multiplicação (isto é, um elemento y tal que
xy = yx = x para todo x ∈ A). Este elemento é chamado de unidade do anel e denotado por 1.
Quando um anel A possui o elemento neutro da multiplicação dizemos que A é um anel com unidade.

3) Os elementos não nulos de um anel não necessitam ter inversos multiplicativos (isto é, y é
inverso multiplicativo de x se e somente se xy = yx = 1). Os elementos de um anel A que possuem
inverso multiplicativo são chamados de invertı́veis de A ou unidades de A.
Usaremos a notação U (A) = {x ∈ A| x é uma unidade de A}.

Exemplo 2.1.1. O conjunto dos inteiros Z com a adição e multiplicação usuais é um anel.
Exemplo 2.1.2. Os conjuntos Q, R, C com as operações usuais são exemplos de anéis. Observe
que U (Q) = Q − {0}, U (R) = R − {o}, U (C) = C − {0}.
Exemplo 2.1.3 (O anel Zn ). Já definimos Zn no capı́tulo 1.

Zn = {0̄, 1̄, ..., n − 1}

Vimos também quando duas classes são iguais,isto é,

ā = b̄ ⇔ n|(a − b)

Em Zn definimos as operações :

Zn × Zn → Zn Zn × Zn → Zn
(ā, b̄) → a + b (ā, b̄) → a.b

Como estamos trabalhando com classes, as quais são conjuntos, temos de mostrar que estas
operações estão bem definidas, isto é , se ā = a1 e b̄ = b1 então a + b = a1 + b1 e a.b = a1 .b1 .
Pela igualdade das classes temos que existem x, y ∈ Z tais que

a − a1 = xn e b − b1 = yn

Somando estas duas equações temos que

(a + b) − (a1 + b1 ) = (x + y)n

Isto significa que


a + b = a1 + b 1
Também ,
a.b = (xn + a1 )(yn + b1 ) = xyn2 + xnb1 + a1 yn + a1 b1
e esta equação indica que n|(ab − a1 b1 ) ou seja a.b = a1 .b1 .
Como a soma e a multiplicação de duas classes dependem essencialmente da soma e multiplicação
em Z, respectivamente, temos que várias propriedades dessas operações de Zn são herdadas de Z.É
o caso da comutatividade da soma, associatividade da soma e produto e distributividade. Observe
que o elemento neutro da soma de Zn vai ser a classe 0̄ que representa os múltiplos de n. O simétrico
da classe ā é a classe −a. O anel Zn é comutativo com unidade sendo a unidade a classe 1̄.
12 CAPÍTULO 2. ANÉIS

Exemplo 2.1.4. O conjunto Z[x] de todos os polinômios na variável x com coeficientes inteiros
com a multiplicação e adição usuais é um anel comutativo com unidade. Recorde que se

f (x) = a0 + a1 x + ... + an xn

e
g(x) = b0 + b1 x + ...bm xm
então
f (x) + g(x) = (a0 + b0 ) + (a1 + b1 )x + ... + (ak + bk )xk onde k = max{n, m}
f (x).g(x) = c0 + c1 x + ... + cn+m xn+m onde cj = aj .b0 + aj−1 .b1 + ... + a0 .bj
Agora verifique que Z[x] realmente um anel comutativo e a sua unidade é f (x) = 1

Exemplo 2.1.5. O conjunto


 2 (Z) das matrizes 2 × 2 com entradas inteiras é um anel não
M
10
comutativo com unidade . Verifique isto!
01
Exemplo 2.1.6. O anel 2Z com a soma e produto usuais é um anel comutativo sem unidade.

Exemplo 2.1.7. O conjunto das funções reais contı́nuas a uma variável cujo gráfico passa pelo
ponto (1, 0) é um anel comutativo sem unidade com as operações : (f + g)(a) = f (a) + g(a) e
(f g)(a) = f (a)g(a)

Exemplo 2.1.8. Se A1 e A2 são anéis , nós podemos definir um novo anel A1 × A2 = {(a1 , a2 )|ai ∈
Ai } com as operações componente a componente:

(a1 , a2 ) + (b1 , b2 ) = (a1 + b1 , a2 + b2 ) e (a1 , a2 ).(b1 , b2 ) = (a1 .b1 , a2 .b2 )

Este anel é chamado de soma direta de A1 e A2 .

Vamos ver agora como podemos operar com anéis.

Teorema 2.1.9 (Regras da soma e do produto). Sejam a, b e c elementos de um anel A. Então:

1. Vale a lei de cancelamento para a soma, isto é, se a + b = a + c então b = c.

2. O elemento neutro aditivo é único.

3. O inverso aditivo é único.

4. a.0 = 0.a = 0

5. a(−b) = (−a)b = −(ab)

6. (−a)(−b) = ab

7. a(b − c) = ab − ac e (b − c)a = ba − ca.

Se A tem unidade 1 então


2.2. SUBANÉIS 13

8. (−1)a = −a

9. (−1)(−1) = 1

10. O elemento neutro da multiplicação é único.

11. O inverso multiplicativo é único.


Demonstração

1. Basta somar a ambos os lados da igualdade o inverso aditivo de a.

2. Suponha que existam dois elementos neutros, a saber, e e e1 . Usando a definição de elemento
neutro temos e = e + e1 = e1 .

3. Suponha que o elemento a possui dois inversos aditivos: a1 e a2 . Então a + a1 = a + a2 = 0.


Segue então pelo cancelamento provado em 1 que a1 = a2 .

4. Utilizando a distributividade temos a.0 = a(0 + 0) = a.0 + a.0. pelo cancelamento em 1 temos
que a.0 = 0. Analogamente 0.a = 0.

5. Queremos provar que a(−b) é o simétrico de ab. Para isto basta somar a(−b) + ab e ver se o
resultado é zero. Como a(−b) + ab = a(−b + b) = a.0 = 0, segue o resultado. Analogamente
para (−a)b é o simétrico de ab.

6. (−a)(−b) = −[a(−b)] = −[−ab] pelo ı́tem anterior. É fácil ver que −(−a) = a para todo a
em A.

7. a(b − c) = a(b + (−c)) = ab + a(−c) = ab + (−ac) = ab − ac pelas propriedades anteriores.

8. (−1)a = −(1a) = −a por 5.

9. Direto de 6.

10. Suponha que existam duas unidades em A: 1 e b . Pela definição de unidade teremos 1 =
1.b = b.

11. Suponha que o elemento a de A tenha dois inversos multiplicativos : b e c. Assim ba = ab =


ac = ca = 1 e b = b1 = bac = 1c = c utilizando a associatividade da multiplicação .

2.2 Subanéis
Um subconjunto S de um anel A é um subanel de A se S for um anel com as operações de A.
Exemplo 2.2.1. Z é um subanel de Q, Q é um subanel de R e R é um subanel de C.

Teorema 2.2.2 ( Teste para saber se é um subanel). Um subconjunto S de um anel A é um subanel


de A se:
14 CAPÍTULO 2. ANÉIS

1. S 6= ∅
2. Para todo a e b em S, a − b ∈ S e ab ∈ S.
Demonstração
Como as propriedades comutativa, associativa,distributiva são válidas para A, em particular, para
S. Então faltam apenas verificar se as operações são fechadas, se o elemento neutro aditivo está em
S e se o inverso aditivo de cada elemento de S está em S. Por hipótese, se a e b ∈ S então ab ∈ S.
Como S 6= ∅, tome x em S.Por hipótese x − x = 0 ∈ S. Também, por hipótese 0 − a = −a ∈ S
para todo a ∈ S Logo, se a e b ∈ S ,a + b = a − (−b) ∈ S por hipótese e o teste está provado.
Exemplo 2.2.3. {0} e A são subanéis de A.
Exemplo 2.2.4. {0̄, 2̄, 4̄} é um subanel de Z6 . Construa as tabelas para verificar isto.
Exemplo 2.2.5. Os subanéis de Z são da forma nZ .
Exemplo 2.2.6 (Inteiros de Gauss). Z[i] = {a + bi | a e b ∈ Z} é um subanel de C.
Com efeito, Z[i] 6= ∅.
(a + bi)(c + di) = (ac − bd) + (ad + bc)i ∈ Z[i]
(a + bi) − (c + di) = (a − c) + (b − d)i ∈ Z[i]
Pelo teste, Z[i] é um subanel de C.

2.3 Domı́nios Integrais


O anel Z tem propriedades que em geral um anel qualquer não tem. Veremos algumas delas nesta
seção .
Definição 2.3.1 (Divisor de zero). Um elemento não nulo a em um anel comutativo A é chamado
um divisor de zero se existe um elemento não nulo b em A tal que ab = 0.
Definição 2.3.2 (Domı́nio integral). Um anel comutativo com unidade é chamado de domı́nio
integral ou simplesmente domı́nio se ele não tem nenhum divisor de zero.
Assim, num domı́nio integral ab = 0 ⇔ a = 0 ou b = 0
Exemplo 2.3.3. Z, Q, C, R são domı́nios . Z6 não é um domı́nio pois 2̄.3̄ = 0̄ e 2̄, 3̄ 6= 0̄
Exemplo 2.3.4. O anel dos inteiros de Gauss Z[i] = {a + bi|a, b ∈ Z} é um domı́nio pois é
comutativo com unidade e não tem divisores de zero porque está contido em C
Exemplo 2.3.5. Z[x] é um domı́nio .Com efeito, sejam
f (x) = a0 + a1 x + ... + an xn
e
g(x) = b0 + b1 x + ...bm xm
em Z[x] tal que f (x)g(x) = 0. Suponha que f (x) e g(x) não são nulos. Tome ai0 ∈ Z tal que i0 é
o menor coeficiente de f (x) tal que ai0 6= 0 . Analogamente tome bj0 em g(x) tal que j0 é o menor
ı́ndice tal que bj0 6= 0 . Se f (x)g(x) = c0 + c1 x + c2 x2 + ... + cn+m xn+m teremos pela nossa escolha
de i0 e j0 que ci0 +j0 = ai0 bj0 6= 0, o que é um absurdo.
Logo f (x) ou g(x) é nulo.
2.4. CORPOS 15
√ √ √
Exemplo 2.3.6. Z[ 2] = {a + b 2 | a, b ∈ Z} é um domı́nio . Observe que Z[ 2] ⊂ R
Exemplo 2.3.7. Zp é um domı́nio ⇔ p é primo. Com efeito, suponha que p é primo e āb̄ = 0̄; isto
indica que ab = 0̄ ou p|ab. Pelo Lema de Euclides temos p|a ou p|b, ou seja ā = 0̄ ou b̄ = 0̄.
Reciprocamente suponha que Zp é um domı́nio e p não é primo. Então existem inteiros a e b tais
que p = ab e 1 < a, b < p. Temos então ō = āb̄. Como Zp é um domı́nio temos que ā = 0̄ ou b̄ = 0̄,
ou seja p|a ou p|b . É facil ver que isto não acontece e chegamos assim num absurdo.

Uma das propriedaes mais importantes dos domı́nios é a propriedade de cancelamento.


Teorema 2.3.8 (Cancelamento). Sejam a, b e c pertencem a um domı́nio integral. Se a 6= 0 e
ab = ac então b = c.
Demonstração
De ab = ac temos a(b − c) = 0 e como a 6= 0 e estamos num domı́nio temos que b = c.

2.4 Corpos
Em muitas aplicações , um tipo especial de domı́nio é usado.
Definição 2.4.1. Um anel comutativo com unidade é chamado um corpo se todo elemento não
nulo é uma unidade.
Frequentemente usamos a notação ab−1 como a dividido por b. Pensando nisto podemos dizer
que um corpo é um conjunto o qual é fechado em relação à adição , subtração , multiplicação e
divisão.
Exemplo 2.4.2. Q, R, C são os exemplos mais famosos de corpos.
O teorema seguinte diz que no caso finito, corpos e domı́nios são os mesmos.
Teorema 2.4.3. Se D é um domı́nio finito então D é um corpo.
Demonstração
Como D é um domı́nio, D já é um anel comutativo com unidade. Assim só falta provar que todo
elemento não nulo é invertı́vel. Seja a 6= 0 um elemento de D. Como D é finito, a sequencia
a, a2 , a3 , a4 , ... começará a se repetir, isto é, existe um i > j tal que ai = aj . Então pela lei do
cancelamento aj (ai−j − 1) = 0 e como a 6= 0 temos que ai−j = 1 . Se i − j = 1 , a = 1 e portanto é
invertı́vel. Se i − j > 1, ai−j−1 é o inverso de a e então a é invertı́vel.
Corolário 2.4.4. Se p é primo Zp é um corpo.
Usando o exemplo 2.3.7 anterior temos
Corolário 2.4.5. Zn é corpo se e somente se n é primo.
Exemplo 2.4.6 (Corpo com 49 elementos). Seja Z7 [i] = {a + bi | a, b ∈ Z7 e i2 = −1}. Este é o
anel dos inteiros de Gauss módulo 7. Elementos são adicionados e multiplicados como em números
complexos, exceto que é módulo 7. Mostre que Z7 [i] é um corpo.

Exemplo 2.4.7. Q[ 2] é um corpo . Prove isto.
16 CAPÍTULO 2. ANÉIS

2.5 Caracterı́stica de um anel


Note que para todo x ∈ Z7 [i] nós temos 7x = 0̄. Similarmente no anel {0̄, 3̄, 6̄, 9̄} contido em Z12
nós temos 4x = 0̄ para todo x. Esta observação motiva a definição seguinte.

Definição 2.5.1 (caracterı́stica de um anel). A caracterı́stica de um anel A é o menor inteiro


positivo n tal que nx = 0 para todo x ∈ A . Se tal elemento n não existe nós dizemos que A tem
caracterı́stica 0. Not: car(A)

Exemplo 2.5.2. Z tem caracterı́stica zero e Zn tem caracterı́stica n. Um anel infinito pode ter
caracterı́stica não nula. Por exemplo, o anel Z2 [x] de todos os polinômios com coeficientes em Z2
tem caracterı́stica 2.

Quando um anel tem unidade, o processo de achar a caracterı́stica é simplificado;

Teorema 2.5.3 (caracterı́stica de um anel com unidade). Seja A um anel com unidade 1. Se
n.1 = 0 e n é o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0 temos que a caracterı́stica de A é n. Se não
existe n inteiro positivo tal que n.1 = 0 então a caracterı́stica de A é 0.

Demonstração
Suponha que não existe n inteiro positivo tal que n.1 = 0; pela definição de caracterı́stica deA,
car(A) = 0. Se n é o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0 temos que nx = n(1x) = (n.1)x = 0
para todo x em A. Isto prova que car(A) = n

Teorema 2.5.4 (caracterı́stica de domı́nio). A caracterı́stica de um domı́nio é 0 ou um número


primo.

Demostração
Seja D um domı́nio . Pelo teorema 2.5.3, como D possui unidade basta verificar a unidade. Se não
existe n inteiro positivo tal que n.1 = 0, então a caracterı́stica de D é 0.Suponha agora que existe
um inteiro positivo m tal que m.1 = 0 e seja n o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0. Queremos
provar que n é primo. Suponha que n não é primo. Então existem inteiros s, t tal que n = st com
1 < s, t < n. Assim 0 = n.1 = (st).1 = (s.1)(t.1) e como D é domı́nio temos que s.1 = 0 ou t.1 = 0.
Mas isto contraria o fato de n ser o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0. Logo n é primo.
2.6. EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 2 17

2.6 Exercı́cios do Capı́tulo 2


1. Ache o erro na prova seguinte de (−a)(−b) = ab sabendo que a e b são elementos de um anel R.

(−a)(−b) = (−1)a(−1)b = (−1)(−1)ab = 1ab = ab

2. Ache todos os subanéis de Z.

3. Mostre que se m e n são inteiros e a e b são elementos de um anel, então (ma)(nb) = (mn)(ab).
Observe que ma = a + a + ... + a, m vezes se m for positivo e ma = (−a) + (−a) + ... + (−a),
−m vezes quando m for negativo. Observe que usamos isto no teorema 2.5.4.

4. Z6 é um subanel de Z12 ?

5. A unidade de um subanel tem de ser a mesma do anel todo? Se sim, prove! Senão , dê um
exemplo.

6. Mostre que 2Z ∪ 3Z não é um subanel de Z.

7. Determine o menor subanel de Q que contem 1/2, isto é, um subanel X tal que se S for um
subanel de Q que contém 1/2 então S vai conter X.

8. Determine o menor subanel de Q que contem 2/3.

9. Suponha que exista um inteiro positivo par n tal que an = a para todo elemento a de um
anel R. Mostre que −a = a para todo a em R.
√ √ √
10. Seja Z[ 2] = {a + b 2 | a, b ∈ Z}. Prove que Z[ 2] é um anel com as operações +, . usuais
dos reais.

11. Ache um inteiro n que mostre que Zn não necessita ter as propriedades abaixo, as quais Z
tem:

(a) a2 = a ⇒ a = 0 ou a = 1
(b) ab = 0 ⇒ a = 0 ou b = 0
(c) ab = ac e a 6= 0 ⇒ b = c.
Este inteiro n é primo? Mostre que as tres propriedades acima são válidas em Zn quando
n for primo.

12. Prove que um anel comutativo com a propriedade de cancelamento (na multiplicação ) não
tem divisores de zero.

13. Liste todos os divisores de zero de Z20 . Qual a relação entre os divisores de zero de Z20 e as
unidades de Z20 ?

14. Mostre que todo elemento não nulo de Zn é um unidade ou um divisor de zero.

15. Ache um elemento não nulo num anel que não é um divisor de zero nem uma unidade.
18 CAPÍTULO 2. ANÉIS

16. Seja R um anel comutativo finito com unidade. Prove que todo elemento não nulo de R ou
é um divisor de zero ou uma unidade. O que acontece se tirarmos a hipótese finito de R?

17. Descreva todos os divisores de zero e unidades de Z × Q × Z.

18. Ache um divisor de zero em Z5 [i] = {a + bi | a, b ∈ Z5 , i2 = −1}.

19. Seja d um inteiro


√ positivo √
que não é um quadrado.
Prove que Q[ d] = {a + b d | a, b ∈ Q} é um corpo.

 
ab
20. Seja S o conjunto das matrizes 2 × 2 com entradas em Z da forma .
00

(a) Mostre que S é um subanel de M2 (Z).


(b) Mostre que S tem um elemento neutro multiplicativo a esquerda, mas nenhum a direita.
(c) Mostre que S tem un número infinito de elementos neutros multiplicativos a esquerda.

21. Prove que se um anel tem um único elemento neutro multiplicativo a esquerda,ele também é
um elemento neutro multiplicativo a direita e portanto é o elemento neutro multiplicativo do
anel.

22. Ache o inverso multiplicativo de 2̄x2 + 2̄x + 3̄ ∈ Z4 [x] e o inverso multiplicativo de 4̄x3 + 6̄x2 +
2̄x + 5̄ ∈ Z8 [x].
Os exercı́cios abaixo estão relacionados entre si.

23. Seja A um anel . Um elemento x de A é chamado de nilpotente se existir um inteiro positivo


n tal que xn = 0. Dê exemplos de elementos nilpotentes.

24. Seja x um elemento nilpotente de um anel comutativo com unidade A.

(a) Mostre que 1 + x é uma unidade de A.


(b) Mostre que a soma de um nilpotente com uma unidade é uma unidade de A.

25. Seja A um anel comutativo com unidade, A[x] o anel dos polinômios com coeficientes em A
e f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 ∈ A[x].
Prove que f (x) é uma unidade em A[x] ⇔ a0 é uma unidade em A e a1 , a2 , ..., an são nilpo-
tentes. (Sug.: Se b0 + b1 x + ...bm xm é o inverso de f , prove por indução que ar+1
n bm−r = 0.
Portanto an é nilpotente e então use o exercı́cio anterior).

26. Complete os exemplos 2.4.6 e 2.4.7 do texto.


Capı́tulo 3

Ideais e anéis quocientes

Definiremos agora um subanel que nos permitirá definir novos anéis a partir dele.

3.1 Ideais
Definição 3.1.1 (Ideal). Um subanel I de um anel A é chamado um ideal de A se para todo a ∈ A
e todo x ∈ I, xa ∈ I e ax ∈ I .

Assim, um subanel de um anel A é um ideal se ele absorve os elementos de A, isto é, aI ⊆ I e


Ia ⊆ I para todo a em A.
Um ideal I de A é próprio se I 6= A.
Enunciaremos agora um teste para saber quando um subconjunto de A é um ideal de A. A sua
demonstração resulta direto do teste para saber se um subconjunto de A é um subanel e da definição
de ideal.

Teorema 3.1.2 (Teste para saber se é ideal). Um subconjunto não vazio de um anel I é um ideal
de A se:

1. a − b ∈ I, para todo a, b ∈ I

2. xa e ax estão em I quando a ∈ A e x ∈ I .

Exemplo 3.1.3. Para todo anel A, {0} e A são ideais de A. O ideal {0} é chamado de trivial.

Exemplo 3.1.4. nZ com n ∈ Z é um ideal de Z. Como já provamos no exercı́cio 2 do capı́tulo 2


que os únicos subanéis de Z são os da forma nZ, estes também são os únicos ideais de Z.

Exemplo 3.1.5. Seja A um anel comutativo com unidade e x ∈ A. O conjunto < x >= {ax|a ∈ A}
é um ideal de A chamado de ideal gerado por x

Exemplo 3.1.6. Sejam R[x] = { f(x)| f(x) é um polinômio com coeficientes em R} e I = { f(x)
∈ R[x]|f (0) = 0}. É fácil provar que I é um ideal de R[x]

Exemplo 3.1.7. Seja A = {f : R → R onde f é uma função } e S = { funções diferenciáveis de


R em R}. Prove que S não é um ideal de A.

19
20 CAPÍTULO 3. IDEAIS E ANÉIS QUOCIENTES

3.2 Anéis quocientes


Seja A um anel e I um ideal de A. Defina em A a relação :

x∼y ⇔ x−y ∈I

É fácil ver que ∼ é uma relação de equivalência:


1. x ∼ x pois x − x = 0 ∈ I

2. se x ∼ y então y ∼ x pois x − y ∈ I implica em y − x = −(x − y) ∈ I porque I é um ideal.

3. se x ∼ y e y ∼ z então x ∼ z pois se x − y ∈ I e y − z ∈ I, somando temos que x − z ∈ I


pela definição de ideal.
Assim, como toda relação de equivalência determina uma partição temos que A vai ser a reunião
disjunta das classes de equivalência : [
A= [x]
x∈A

onde

[x] = {y ∈ A | y ∼ x} = {y ∈ A | y − x ∈ I} = {y ∈ A | y ∈ x + I}
Usaremos as notações
x + I = [x]
e
A/I = {x + I | x ∈ A}.

Queremos transformar A/I em um anel. Para isto vamos definir em A/I duas operações e de-
pois provar que elas estão bem definidas, pois como estamos trabalhando com classes, e portanto
conjuntos , elas não poderão depender do representante da classe. As operações vão ser:

(x1 + I) + (x2 + I) = (x1 + x2 ) + I

(x1 + I).(x2 + I) = (x1 .x2 ) + I


Suponha que x1 + I = y1 + I e x2 + I = y2 + I. Então x1 − y1 ∈ I e x2 − y2 ∈ I . Como I é
um ideal (x1 − y1 ) + (x2 − y2 ) ∈ I ,ou seja, (x1 + x2 ) − (y1 + y2 ) ∈ I . Pela definição da relação
de equivalência isto indica que (x1 + x2 ) + I = (y1 + y2 ) + I e fica provado que a soma está bem
definida. Para provar que o produto está bem definido,observe que

x1 x2 − y1 y2 = x1 x2 − y1 x2 + y1 x2 − y1 y2 = (x1 − y1 )x2 + y1 (x2 − y2 )


Como I é um ideal, (x1 − y1 )x2 ∈ I e y1 (x2 − y2 ) ∈ I. Logo o produto fica bem definido .
Exercı́cio 3.2.1. Prove que (A/I, +, .) é um anel com elemento neutro 0 + I e o inverso aditivo
de x + I é −x + I.
3.2. ANÉIS QUOCIENTES 21

Exercı́cio 3.2.2. Prove que se A é um anel comutativo com unidade então A/I também é um anel
comutativo com unidade.

Chamaremos A/I de anel quociente.

Exemplo 3.2.3. Z/4Z = {0 + 4Z, 1 + 4Z, 2 + 4Z, 3 + 4Z}. Com efeito, todo n em Z é da forma
n = 4q + r onde q ∈ Z e 0 ≤ r ≤ 3 pelo Algorı́tmo de Euclides.Pela definição da classe de
equivalência temos que n + 4Z = r + 4Z com r = 0, 1, 2, 3

Exemplo 3.2.4. 2Z/6Z = {0 + 6Z, 2 + 6Z, 4 + 6Z}. Observe que 6Z é um ideal de 2Z e que todo
elemento da forma 2n é da forma 2(3q + r) quando aplicamos o Algorı́tmo de Euclides para n e 3.
Assim os elementos de 2Z/6Z vão ser 0 + 6Z, 2 + 6Z e 4 + 6Z.

Exemplo 3.2.5. Sejam


 
a1 a2
A={ tal que a1 , a2 , a3 , a4 ∈ Z}
a3 a4
e  
a1 a2
I={ tal que a1 , a2 , a3 , a4 ∈ 2Z}
a3 a4

É fácil de provar que I é um ideal de A e que


 
a1 a2
A/I = { + I tal que ai ∈ {0, 1}}.
a3 a4

Observe que A/I é um anel não comutativo com unidade com 16 elementos.

Exemplo 3.2.6. Sejam R[x] = { f(x)| f(x) é um polinômio com coeficientes em R} e < x2 + 1 > o
ideal gerado por x2 + 1. Então

R[x]
2
= {ax + b+ < x2 + 1 > |a e b ∈ R}
<x +1>

Para provar isto, tome f (x) ∈ R[x] e divida f (x) por x2 + 1 obtendo um quociente q(x) e um resto
da forma ax + b em R[x]. Podemos escrever f (x) = q(x)(x2 + 1) + ax + b e então a classe de f (x)
módulo < x2 + 1 > vai ser ax + b+ < x2 + 1 >. Observe que

(x+ < x2 + 1 >)2 = x2 + < x2 + 1 >= −1+ < x2 + 1 >

e então substituindo a classe x+ < x2 + 1 > por i teremos que

R[x]
= {ai + b | a, b ∈ R e i2 = −1} = C
< x2 + 1 >
.

Vemos assim que anéis quocientes nos permite a criação de certos tipos especiais de anéis.
22 CAPÍTULO 3. IDEAIS E ANÉIS QUOCIENTES

3.3 Ideais primos e ideais maximais


Definição 3.3.1 (ideal primo). Um ideal próprio I de um anel A é primo se quando x, y ∈ A e
xy ∈ I então x ∈ I ou y ∈ I.

Exemplo 3.3.2 (ideais primos de Z). Os ideais primos não nulos de Z são os pZ onde p é um
primo de Z. Para ver isto seja nZ um ideal de Z e suponha que nZ é um ideal primo. Se n não for
primo existem a e b em Z tais que n = ab e 1 < a, b < n. Como por hipótese estamos supondo que
nZ é primo temos que a ou b pertencem a nZ. Suponha que a = kn com k ∈ Z. Temos então que
n = knb ou n(1 − kb) = 0, e como estamos no domı́nio Z isto implica que n = 0 ou 1 − kb = 0, isto
é, n = 0 ou b = 1. Como n 6= 0 e b 6= 1 concluimos que n tem que ser primo.
Por outro lado suponha que p é primo e xy ∈ pZ. Logo p divide xy e pelo Algorı́tmo de Euclides
p divide x ou p divide y, isto é, x ∈ pZ ou y ∈ pZ e então pZ é um ideal primo.

Definição 3.3.3 (ideal maximal). Um ideal próprio I de um anel A é maximal se quando existir
um ideal B de A tal que I ⊆ B ⊆ A então I = B ou B = A

Exemplo 3.3.4. < x2 + 1 > é um ideal maximal de R[x]


Com efeito, suponha que exista um ideal B de R[x] tal que < x2 + 1 >⊂ B ⊂ R[x] e que <
x2 + 1 >6= B. Então existe um f em B tal que f 6∈< x2 + 1 > isto é, o resto da divisão de f por
x2 + 1 não é zero e podemos escrever f = q(x2 + 1) + ax + b para algum q ∈ R[x] e a, b em R onde a
e b não são simultaneamente nulos. Isolando ax + b vemos que ax + b = f − q(x2 + 1) ∈ B e então

(ax + b)(ax − b) = a2 x2 − b2 = a2 (x2 + 1) − (a2 + b2 ) ∈ B


1
Como x2 + 1 ∈ B temos que a2 + b2 ∈ B. Observe que a2 + b2 6= 0 e então a2 +b 2 2
2 .a + b = 1 ∈ B o
2
que implica que B = R[x]. Isto mostra que < x + 1 > é um ideal maximal de R[x].

Teorema 3.3.5 (A/I é domı́nio ⇔ I é primo). Seja A um anel comutativo com unidade e I um
ideal próprio de A. Então A/I é domı́nio ⇔ I é primo.

Demonstração
Como A é comutativo com unidade temos que A/I é um anel comutativo com unidade. Sejam
a, b ∈ A tal que ab ∈ I. Passando para classes teremos

ab + I = (a + I)(b + I) = 0 + I

Como A/I é um domı́nio temos que a + I = 0 + I ou b + I = 0 + I , isto é, a ∈ I ou b ∈ I.

Reciprocamente, suponha que I é primo e que (a + I)(b + I) = 0 + I, isto é, ab + I = 0 + I, ou


seja ab ∈ I. Como I é um ideal primo de A temos que a ∈ I ou b ∈ I, o que significa em termos
de classes que a + I = 0 + I ou b + I = 0 + I e que A/I não tem divisores de zero. Como A/I é
comutativo com unidade porque A é, temos que A/I é domı́nio.

Teorema 3.3.6 (A/I é corpo ⇔ I é maximal). Seja A um anel comutativo com unidade e I um
ideal de A. Então A/I é corpo ⇔ I é maximal.
3.3. IDEAIS PRIMOS E IDEAIS MAXIMAIS 23

Demonstração

Como A é comutativo com unidade temos que A/I é um anel comutativo com unidade.
Suponha que exista um ideal B de A tal que I ⊆ B ⊆ A e que I 6= B. Então existe um x ∈ B e
x 6∈ I. Em termos de classe temos que x + I 6= 0 + I e como A/I é um corpo existe y + I ∈ A/I tal
que xy + I = 1 + I, isto é, xy − 1 ∈ I. Como x ∈ B temos que xy ∈ B e portanto, 1 ∈ B e B = A.
Reciprocamente suponha que I é maximal e vamos mostrar que A/I é um corpo. Para isto tome
x + I 6= 0 + I em A/I . Isto significa que x 6∈ I e temos então a cadeia de ideais I ⊂ I+ < x >⊂ A.
Como I é maximal temos que I+ < x >= A. Assim existe y ∈ I e a ∈ A tal que 1 = y + ax ou
1 − ax ∈ I. Em termos de classe significa que

(a + I)(x + I) = 1 + I

isto é, x + I é invertı́vel e A/I é um corpo.


24 CAPÍTULO 3. IDEAIS E ANÉIS QUOCIENTES

3.4 Exercı́cios do Capı́tulo 3


1. Sejam x e y elementos de um domı́nio de caracterı́stica p.

(a) Mostre que (x + y)p = xp + y p


n n n
(b) Mostre que para todo inteiro positivo n, (x + y)p = xp + y p .
(c) Ache um anel de caracterı́stica 4 tal que (x + y)4 6= x4 + y 4

2. Se I e J são dois ideais de um anel A, mostre que a soma de ideais definida por I + J =
{x + y|x ∈ I e y ∈ J} é um ideal de A.

3. No anel dos inteiros, ache um inteiro positivo a tal que

(a) < a >=< 2 > + < 3 >


(b) < a >=< 6 > + < 3 >
(c) < a >=< m > + < n >

4. Se I e J são dois ideais de um anel A, mostre que o produto de ideais definido por
I.J = {a1 b1 + a2 b2 + ... + an bn |ai ∈ I e bi ∈ J e n é um inteiro positivo } é um ideal de A.

5. No anel dos inteiros, ache um inteiro positivo a tal que

(a) < a >=< 3 > . < 4 >


(b) < a >=< 6 > . < 8 >
(c) < a >=< m > . < n >

6. Sejam I e J ideais de um anel A. Prove que IJ ⊆ I ∩ J

7. Se I e J são ideais de um anel comutativo com unidade A e I + J = A mostre então que


IJ = I ∩ J

8. Se um ideal I de um anel A contém uma unidade, mostre que A = I.

9. Prove que o ideal < x2 + 1 > é primo em Z[x], mas não é maximal. Sug.: use um fato que
veremos no capı́tulo 5 que Z[x] possui algoritmo da divisão para polinômios cujo coeficiente
lı́der é 1 ou −1. Ver exercı́cio 15 do Cap.5 .

10. Se A é um anel comutativo com unidade e I é um ideal de A, mostre que A/I é um anel
comutativo com unidade.

11. Prove que R[x]/ < x2 + 1 > é um corpo.

12. Seja A um anel comutativo com unidade. Mostre que todo ideal maximal é primo.

13. Mostre que I = {(3x, y)|x, y ∈ Z} é um ideal maximal de Z × Z.

14. Seja A o anel das funções contı́nuas de R em R. Mostre que I = {f ∈ A|f (0) = 0} é um ideal
maximal de A.
3.4. EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 3 25

15. Quantos elementos tem Z[i]/ < 3 + i > ? Dê razões para sua resposta.

16. Em Z[x], o anel dos polinômios com coeficientes inteiros, seja I = {f ∈ Z[x]|f (0) = 0}. Prove
que I não é um ideal maximal de Z[x]

17. Prove que I =< 2 + 2i > não é um ideal primo de Z[i]. Quantos elementos tem Z[i]/I ? Qual
é a caracterı́stica de Z[i]/I.

18. Em Z5 [x], seja I =< x2 + x + 1 >. Ache o inverso multiplicativo de 2x + 3 + I em Z5 [x]/I.

19. Mostre que Z2 [x]/ < x2 + x + 1 > é um corpo.

20. Mostre que Z3 [x]/ < x2 + x + 1 > não é um corpo.

21. Ache todos os ideais maximais de Z.

22. Se D é um domı́nio de ideais principais, isto é, domı́nio onde todo ideal é da forma < a >
para algum a em D, prove que D/I é um anel de ideais principais onde I é um ideal de D.

23. Mostre que todo ideal não nulo de Zn é da forma < d¯ > onde d é um divisor de n.

24. Ache todos os ideais maximais de

(a) Z8
(b) Z10
(c) Z12
(d) Zn
Capı́tulo 4

Homomorfismos de anéis

4.1 Definição e exemplos


Podemos descobrir informações sobre um anel examinando sua interação com outros anéis. Fazemos
isto através dos homomorfismos . Um homomorfismo é uma aplicação que preserva as operações
soma e produto dos anéis.

Definição 4.1.1 (Homomorfismo e isomorfismo de anéis). Um homomorfismo φ de um anel R


em um anel S é uma aplicação de R em S a qual preserva as operações de um anel, isto é,

φ(a + b) = φ(a) + φ(b)

φ(ab) = φ(a).φ(b)
para todo a e b em R.
Um homomorfismo de anéis o qual é injetivo e sobrejetivo é chamado um isomorfismo de anéis.
Neste caso dizemos que R e S são isomorfos.

Observe que na definição acima as operações à esquerda do sinal de igual são as de R, enquanto
as da direita são de S.
Quando temos um isomorfismo φ : R → S isto significa que R e S são algebricamente idênticos .

Exemplo 4.1.2. Para todo inteiro n a aplicação k 7−→ k mod n é um homomorfismo de Z em Zn .


Com efeito
(a + b) mod n = a mod n + b mod n

(a.b) mod n = a mod n.b mod n


Este homomorfismo é chamado homomorfismo canônico.
Observe que toda classe k mod n é imagem do inteiro k e assim o homomorfismo canônico é sobre-
jetivo.

Exemplo 4.1.3. Em geral se I ém ideal de um anel R a aplicação que associa a cada elemento r
de R a sua classe r + I é um homomorfismo de anéis chamado homomorfismo canônico .

26
4.1. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS 27

Exemplo 4.1.4. Seja φ : R[x] → R que associa f (x) 7−→ f (1). Então φ é um homomorfismo
sobrejetivo pois
φ(f + g) = (f + g)(1) = f (1) + g(1) = φ(f ) + φ(g)
φ(f.g) = (f.g)(1) = f (1).g(1) = φ(f ).φ(g)
Para todo a ∈ R, a = f (1) onde f (x) = a ∈ R[x].Isto mostra que φ é sobrejetivo.
Exemplo 4.1.5. A aplicação a + bi 7−→ a − bi é um isomorfismo de C em C.
Prove isto.
Exemplo 4.1.6. A aplicação φ : x 7−→ 4x de Z3 → Z12 é um homomorfismo . Temos primeiro
que verificar que esta aplicação está bem definida pois estamos trabalhando com classes e portanto
tem que independer do representante da classe. Suponha então que em Z3 as classes ā = b̄. Assim
a − b = 3k para algum k em Z. Multiplicando esta expressão por 4 temos 4a − 4b = 12k. Isto
mostra que as classes 4a = 4b em Z12 e assim temos que φ(ā) = φ(b̄) e φ está bem definida.
Vamos agora provar que φ é um homomorfismo. Pela definição de φ ,

φ(ā + b̄) = φ(a + b) = 4(a + b) = 4a + 4b = φ(ā) + φ(b̄)

φ(ā.b̄) = φ(a.b) = 4a.b


Por outro lado em Z12 ,
φ(ā).φ(b̄) = 4a.4b = 16ab = 4ab.
Logo φ é um homomorfismo.

Exemplo 4.1.7. A aplicação φ : Z5 → Z10 que leva x̄ 7−→ 5x não está bem definida pois 1̄ = 6̄ em
Z5 mas φ(1̄) = 5 6= 30 = φ(6̄) em Z10 .
Exemplo 4.1.8. Podemos usar homomorfismos para concluir fatos sôbre teoria de números. Por
exemplo, para provar que a sequencia 2, 10, 18, 26, ... não contém nenhum cubo , suponha que um
elemento da forma 8k + 2 com k ∈ Z seja um cubo a3 . Aplicando o homomorfismo canônico
φ : Z 7−→ Z8 teremos que 2̄ = φ(8k + 2) = φ(a)3 . Mas é fácil verificar que em Z8 não existe nenhum
elemento cujo cubo dê 2̄. Assim, a sequencia acima não tem nenhum cubo.
Exemplo 4.1.9 (Teste de divisibilidade por 9). Um inteiro n cuja representação decimal é ak ak−1 ...a0
é divisı́vel por 9 se e somente se ak + ak−1 + ... + a0 for divisı́vel por 9.
Para provar isto, observe que

n = ak 10k + ak−1 10k−1 + ... + a0 100

e seja φ : Z 7−→ Z9 o homo canônico.


Assim 9|n ⇔ φ(n) = 0̄.
Como φ(10) = 1̄ teremos:

φ(n) = φ(ak 10k + ak−1 10k−1 + ... + a0 100 ) = ak 1̄k + ak−1 1̄k−1 + ... + a0 1̄0

= ak + ak−1 + ... + a0 = ak + ak−1 + ...a0


Assim 9|n se e somente se ak + ak−1 + ...a0 = 0̄, isto é, 9|(ak + ak−1 + ... + a0 )
28 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANÉIS

4.2 Propriedades dos homomorfismos


Aqui vamos aprender a trabalhar com homomorfismos.

Teorema 4.2.1 (Propriedades dos homomorfismos de anéis). Seja φ um homomorfismo de um


anel R em um anel S. Então:

1. φ(0) = 0

2. φ(−r) = −φ(r) para todo r em R.

3. Para todo r em R e todo inteiro positivo n, φ(nr) = nφ(r) e φ(rn ) = φ(r)n .

4. Se A é um subanel de R então φ(A) é um subanel de S.

5. Se I é um ideal de R e φ é sobrejetivo então φ(I) é um ideal de S.

6. Se J é um ideal de S então φ−1 (J) é um ideal de R.

7. Se R é comutativo então φ(R) é comutativo.

8. Se R tem unidade 1 e φ é sobrejetivo então φ(1) é a unidade de S se S for não nulo.

9. φ é um isomorfismo se e somente se φ é sobrejetivo e kerφ = {r ∈ R|φ(r) = 0} = {0}.

10. Se φ é um isomorfismo de R sobre S então φ−1 é um isomorfismo de S sobre R.

Demonstração

1. Aplicando φ à expressão 0 + 0 = 0 teremos φ(0 + 0) = φ(0) e assim φ(0) + φ(0) = φ(0), isto
é, 2φ(0) − φ(0) = 0 e finalmente φ(0) = 0.

2. Aplicando φ à expessão r + (−r) = 0 teremos que φ(r) + φ(−r) = φ(0) = 0. Somando de


ambos os lados −φ(r) temos φ(−r) = −φ(r) como querı́amos provar.

3. φ(nr) = φ(r+r+r+...r) = nφ(r) e φ(rn ) = φ(rr...r) = φ(r)n pela definição de homomorfismo.

4. Sejam x, y ∈ φ(A). Então x = φ(a1 ) e y = φ(a2 ) onde a1 e a2 estão em A. Pelo teste, basta
provar que x − y ∈ φ(A) e xy ∈ φ(A). Mas x − y = φ(a1 ) − φ(a2 ) = φ(a1 − a2 ) ∈ φ(A) pois
A é um subanel. Pelo mesmo motivo xy = φ(a1 )φ(a2 ) = φ(a1 a2 ) ∈ φ(A).

5. Como I é um subanel pelo item anterior φ(I) já é um subanel de S. Só falta provar que
S.φ(I) ⊂ φ(I). Como φ é sobre, todo s em S é da forma s = φ(r) para algum r em R. Assim,
sφ(a) = φ(r).φ(a) = φ(ra) ∈ φ(I) para todo a ∈ I.

6. Aplicando o teste para saber se é um ideal, sejam x, y ∈ φ−1 (J). Existem então j1 e j2 em
J tais que φ(x) = j1 e φ(y) = j2 . Como φ(x − y) = φ(x) − φ(y) = j1 − j2 ∈ J temos que
x − y ∈ φ−1 (J). Também, para todo r ∈ R e x ∈ φ−1 (J) temos φ(rx) = φ(r)φ(x) ∈ J o que
mostra que rx ∈ φ−1 (J)

7. Basta observar que φ(r1 )φ(r2 ) = φ(r1 r2 ) = φ(r2 r1 ) = φ(r2 )φ(r1 ) para todo r1 e r2 em R.
4.3. O TEOREMA FUNDAMENTAL DOS HOMOMORFISMOS 29

8. Para todo s ∈ S, s = φ(r) para algum r em R porque φ é sobre. Assim sφ(1) = φ(r)φ(1) =
φ(r1) = φ(r) = s. Analogamente φ(1)s = s.
9. Se φ é isomorfismo então φ é sobre e injetiva, isto é, se φ(r1 ) = φ(r2 ) então r1 = r2 . Se
r ∈ kerφ então φ(r) = φ(0) = 0 e portanto r = 0. Assim ker φ = {0}.
Reciprocamente suponha que φ é sobre e ker φ = {0}. Vamos provar que φ é injetiva. Para
isto suponha que φ(r1 ) = φ(r2 ). Então φ(r1 − r2 ) = 0 o que mostra que r1 − r2 = 0 porque
ker φ = {0}. Assim φ é injetivo e sobre e portanto um isomorfismo.
10. Temos de provar que φ−1 (s1 + s2 ) = φ−1 (s1 ) + φ−1 (s2 ) e φ−1 (s1 .s2 ) = φ−1 (s1 ).φ−1 s2 .
Suponha que φ−1 (s1 ) = r1 e φ−1 (s2 ) = r2 . Logo φ(r1 ) = s1 , φ(r2 ) = s2 e φ(r1 + r2 ) =
φ(r1 ) + φ(r2 ) = s1 + s2 . Isto mostra que φ−1 (s1 + s2 ) = r1 + r2 = φ−1 (s1 ) + φ−1 (s2 ).
Analogamente φ−1 (s1 .s2 ) = φ−1 (s1 ).φ−1 s2 .
Teorema 4.2.2. Seja φ um homomorfismo de um anel R no anel S. Então o conjunto kerφ =
{r ∈ R | φ(r) = 0} é um ideal de R.
Demonstração Exercı́cio.

4.3 O teorema fundamental dos homomorfismos


Teorema 4.3.1 (Teorema fundamental dos homomorfismos (TFH)). Seja φ um homomorfismo de
R R
um anel R no anel S. Então φ(R) é isomorfo ao anel quociente kerφ .Em sı́mbolos, φ(R) ≈ kerφ
Demonstração
Defina a aplicação
R
ψ: kerφ
→ φ(R)
r + kerφ 7−→ φ(r)
Temos que mostrar que ψ é um isomorfismo. Em primeiro lugar vamos provar que ψ está bem
definida, isto é, que independe da escolha da classe. Suponha que r1 + kerφ = r2 + kerφ. Então
r1 − r2 ∈ kerφ, isto é φ(r1 ) = φ(r2 ) e ψ(r1 + kerφ) = ψ(r2 + kerφ) e ψ está bem definida.
ψ é um homomorfismo pois

ψ(r1 +kerφ+r2 +kerφ) = ψ(r1 +r2 +kerφ) = φ(r1 +r2 ) = φ(r1 )+φ(r2 ) = ψ(r1 +kerφ)+ψ(r2 +kerφ)

ψ((r1 + kerφ).(r2 + kerφ)) = ψ(r1 .r2 + kerφ) = φ(r1 .r2 ) = φ(r1 ).φ(r2 ) = ψ(r1 + kerφ).ψ(r2 + kerφ)
R
ψ é injetiva pois kerψ = {r + kerφ ∈ kerφ
|φ(r) = 0} = {0 + kerφ}.
É fácil ver que ψ é sobre.

Exemplo 4.3.2. Queremos mostrar que <xR[x]


2 +1> é isomorfo a C. Utilizando o teorema fundamental

dos homomorfismos basta criar um homo φ sobre entre R[x] e C tal que kerφ seja igual a
< x2 + 1 >.
Defina
φ : R[x] → C
f (x) 7−→ f (i)
30 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANÉIS

É fácil ver que φ é um homo sobre e que < x2 + 1 >⊂ kerφ.

Seja agora f (x) ∈ kerφ. Dividindo f (x) por x2 + 1 temos que existem q(x) ∈ R[x] e a, b ∈ R
tais que f (x) = (x2 + 1)q(x) + ax + b. Queremos provar que a e b são nulos. Como f (x) ∈ kerφ ,
aplicando φ na expressão acima temos que ai + b = 0. Logo a = b = 0 e f (x) ∈< x2 + 1 >. Assim
kerφ =< x2 + 1 > e pelo TFH, C ≈ <xR[x] 2 +1> .

Todo anel com unidade de caracterı́stica 0 possui uma cópia de Z e todo anel com unidade de
caracterı́stica n tem uma cópia de Zn . É o que veremos a seguir.

Teorema 4.3.3 (Homomorfismo de Z em anéis com unidade). Seja R um anel com unidade 1. A
aplicação
φ: Z → R
n 7−→ n.1
é um homomorfismo de anéis.

Demonstração
φ(n + m) = (n + m).1 = n.1 + m.1 = φ(n) + φ(m) e φ(nm) = (nm).1 = (n.1)(m.1) = φ(n)φ(m)
como já provamos no Cap.2.

Corolário 4.3.4 (Um anel com unidade contém Z ou Zn ). Se R é um anel com unidade de carac-
terı́stica n então R contém um subanel isomorfo a Zn .Se R é um anel com unidade de caracterı́stica
0 então R contém um subanel isomorfo a Z.

Demonstração

Vimos que a aplicação

φ: Z → R
m 7−→ m.1
é um homomorfismo de anéis.
Se a caracterı́stica de R for n então kerφ = {m ∈ Z|m.1 = 0} = nZ. (Prove isto!). Então pelo
TFH, φ(Z) ≈ Z/nZ = Zn e φ(Z) é o subanel de R procurado.

Se a caracterı́stica de R for 0 então kerφ = {m ∈ Z|m.1 = 0} = {0}. Então pelo TFH,


φ(Z) ≈ Z/{0} = Z, Como φ(Z) é um subanel de R, este é o subanel procurado.

Corolário 4.3.5 (Um corpo contém Zp ou Q). Se F é um corpo de caracterı́stica p então F


contém um subcorpo isomorfo a Zp . Se F é um corpo de caracterı́stica 0 então F contém um
subcorpo isomorfo a Q.

Demonstração Como todo corpo é um domı́nio , ele tem unidade e sua caracterı́stica ou é
0 ou um número primo p. Se caracterı́stica de F for p então pelo corolário anterior F vai ter um
subanel isomorfo a Zp , o qual vai ser um subcorpo de F . Se caracterı́stica de F for 0 então F vai ter
um subanel S isomorfo a Z. Como F é um corpo F vai conter todos os inversos de S. Considerando
o conjunto T = {ab−1 |a, b ∈ S e b 6= 0} temos que T ⊂ F e T é isomorfo a Q(prove isto !).
4.4. O CORPO DE FRAÇÕES DE UM DOMÍNIO 31

4.4 O corpo de frações de um domı́nio


Note que Q é constituı́do das frações de Z. Podemos repetir esta construção a todos os domı́nios .

Teorema 4.4.1. Seja D um domı́nio. Então existe um corpo F (chamado corpo das frações ou
corpo quociente de D) que contem um subanel isomorfo a D.

Demonstração

Repetiremos a construção de Q. Seja S = {(a, b)|a, b ∈ D e b 6= 0}.

Em S definimos a relação de equivalência

(a, b) ∼
= (c, d) ⇔ ad = bc

Denotamos por [(a,b)] a classe de equivalência de (a, b) e F := {[(a, b)]|(a, b) ∈ S}.

Em F definimos uma soma e um produto:

[(a, b)] + [(c, d)] = [(ad + bc, bd)]

[(a, b)].[(c, d)] = [(ac, bd)]


É trabalhoso, mas fácil, provar que estas operações estão bem definidas e que (F, +, .) é um
anel.Observe que o elemento neutro da soma é [(0,1)] e o da multiplicação é [(1,1)]. O inverso de um
elemento [(a, b)] 6= 0 é [(b,a)]. Usando a notação ab = [(a, b)] podemos trabalhar com F do mesmo
modo que trabalhamos com Q. Finalmente vamos mostrar que F contem um subanel isomorfo a
D. Basta considerar a aplicação
φ: D → F
d 7−→ d1
e mostrar que φ é um homomorfismo injetivo . Isto é deixado para o leitor assim como todos os
detalhes dessa demonstração .
(x)
Exemplo 4.4.2. O corpo de frações do domı́nio Z[x] é { fg(x) |g(x) 6= 0}. Este corpo é chamado de
conjunto das funções racionais e denotado por Z(x)
32 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANÉIS

4.5 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 4


1. Mostre que a correspondencia x 7−→ 5x de Z5 para Z10 não está bem definida.

2. Mostre que a correspondencia x 7−→ 3x de Z4 para Z12 está bem definida e preserva a adição
mas não a multiplicação .

3. Crie um critério de divisibilidade por 4.

4. O anel 2Z é isomorfo a 3Z? O anel 2Z é isomorfo a 4Z?


Z3 [x]
5. Seja Z3 [i] = {a + bi|a, b ∈ Z3 }. Mostre que Z3 [i] é isomorfo a <x2 +1>
como corpos.

6. Seja  
a b
S={ |a, b ∈ R}.
−b a
 
a b
Mostre que φ : C → S dada por φ(a + bi) = é um isomorfismo de anéis.
−b a
√ √
 
a 2b
7. Seja Z[ 2] = {a + b 2k a, b ∈ Z} e H = { |a, b ∈ Z}.
b a

Mostre que Z[ 2] e H são isomorfos como anéis.
 
a b
8. Considere a aplicação de M2 (Z) em Z dada por 7−→ a. Esta aplicação é um homo-
c d
morfismo de anéis?

9. A aplicação de Z5 em Z30 dada por x 7−→ 6x é um homomorfismo de anéis? Note que a


imagem da unidade é a unidade da imagem mas não a unidade de Z30

10. A aplicação x 7−→ 2x de Z10 em Z10 é um homomorfismo de anéis?

11. Ache o kernel do homomorfismo φ : R[x] → R dado por φ(f (x)) = f (1).

12. Ache todos os homomorfismos de Z em Z

13. Ache todos os homomorfismos de Q em Q

14. Prove que a sequencia 3, 7, 11, 15, ... não tem nenhuma soma de dois quadrados.

15. Prove que a soma dos quadrados de tres inteiros consecutivos não pode ser um quadrado.

16. Seja n um inteiro positivo obtido rearranjando os dı́gitos de m de algum jeito (por exemplo,
4567 é um rearranjamento de 6754). Mostre que m − n é divisı́vel por 9.

17. Sejam R e S anéis comutativos com unidade. Se φ é um homomorfismo de R sobre S e a


caracterı́stica de R é não nula, prove que a caracterı́stica de S divide a caracterı́stica
de R.
4.5. LISTA DE EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 4 33

18. Se R é um anel comutativo de caracterı́stica p, p primo, mostre que a aplicação de Frobenius


x 7−→ xp é um homomorfismo de R em R.

19. Seja φ um homomorfismo de um anel comutativo R com unidade sobre S e A um ideal de S.

(a) Se A é primo em S então φ−1 (A) é um ideal primo de R.


(b) Se A é maximal em S então φ−1 (A) é um ideal maximal de R.

20. Prove que a imagem por homomorfismo de um anel de ideais principais é um anel de ideais
principais. Prove que Zn é um anel de ideais principais e que todo anel quociente de um anel
de ideais principais é um anel de ideais principais.

21. Prove que se m e n são inteiros positivos distintos então os anéis nZ e mZ não são isomorfos.

22. R e C são isomorfos como anéis?

23. Determine todos os homomorfismos de R em R.


√ √
24. Mostre que Q[ 2] e Q[ 3] não são isomorfos.

25. Mostre que o corpo quociente de Z[i] é isomorfo a Q[i].


5
26. Mostre que o número de Fermat 22 + 1 não é primo. Para isto, observe que 641 sendo primo
implica que Z/641Z é um corpo.
Observe também que 641 = 24 + 54 e 641 = 27 .5 + 1. Da segunda igualdade, tire a expressão
5
de 5 mod 641, substitua na primeira e veja que 641 divide 22 + 1.

27. Seja D um domı́nio e F seu corpo quociente. Mostre que se E é um corpo que contém D
então E contém um subcorpo isomorfo a F (assim o corpo quociente de um domı́nio D é o
menor corpo que contém D).

28. Seja A um anel e I um ideal de A. Mostre que existe uma correspondência biunı́voca entre
os ideais de A que contêm I e os ideais do anel quociente A/I.

29. Ache todos os ideais de Z36 .

30. Ache todos os ideais de Zn . Quantos existem ?


Z5 [x] Z5 [x]
31. Mostre que <x2 +x+1>
é isomorfo a <x2 +x+2>
como corpos.
Capı́tulo 5

Anéis de Polinômios

Trabalharemos com anéis de polinômios do mesmo jeito que vocês aprenderam no segundo grau.
Só tem que agora estamos preocupados com a sua estrutura de anel .Veremos que mudando o anel
onde os coeficientes pertencem teremos anéis de estruturas diferentes.

5.1 Definição e exemplos


Definição 5.1.1. Seja R um anel comutativo. O conjunto dos sı́mbolos formais

R[x] = {an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 | ai ∈ R, n ∈ N}


é chamado o anel de polinômios sôbre R na indeterminada x .

Dois polinômios

an xn + an−1 xn−1 + ... + a0


e
bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0
são considerados iguais se e somente se ai = bi para todo i ∈ N (defina ai = 0 quando i > n e
bi = 0 quando i > m)

Nesta definição , os sı́mbolos x1 , x2 , ..., xn não representam variáveis do anel R. Sua finalidade é
servir como lugares convenientes para separar os elementos do anel R ; a1 , a2 , ..., an . Nós poderı́amos
ter evitado os x, s definindo um polinômio como uma sequencia infinita a0 , a1 , a2 , ..., an , 0, 0, ... mas
nosso método tem a vantagem da experiencia de x como variável. A desvantagem do nosso método
é a confusão que se pode fazer entre polinômio e a função que ele pode representar. Por exemplo,
em Z3 [x] os polinômios f (x) = x4 + x e g(x) = x2 + x representam a mesma função de Z3 em Z3
pois f (a) = g(a) para todo a ∈ Z3 , mas f (x) e g(x) são elementos diferentes de Z3 [x].

Para fazer R[x] um anel definimos a adição e multiplicação de modo usual.

34
5.1. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS 35

Definição 5.1.2 (soma e multiplicação de polinômios ). Sejam R um anel comutativo e

f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0

g(x) = bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0


polinômios pertencentes a R[x].

Então
f (x) + g(x) = (as + bs )xs + (as−1 + bs−1 )xs−1 + ... + (a0 + b0 )
onde ai = 0 para todo i > s e bi = 0 se i > m. Também

f (x)g(x) = cm+n xm+n + cm+n−1 xm+n−1 + ... + c0


onde ck = ak b0 + ak−1 b1 + ... + a1 bk−1 + a0 bk para k = 0, ..., m + n.

A definição da multiplicação parece confusa mas não é. Ela é a formalização do processo familiar
da distributividade e colecionando termos iguais.
Exemplo 5.1.3. Sejam f (x) = x3 + 2x + 1 e g(x) = 2x2 + 2 ∈ Z3 [x].

f (x) + g(x) = x3 + 2x2 + 2x + 0

f (x)g(x) = (x3 + 2x + 1)(2x2 + 2) = 2x5 + 2x3 + x3 + x + 2x2 + 2 = 2x5 + 2x2 + x + 2

Nossa definição de soma e produto de polinõmios foram formuladas de tal forma que R[x] é um
anel comutativo . Prove isto!
Vamos agora introduzir alguma terminologia para polinômios. Se
f (x) = an xn + ... + an−1 xn−1 + ... + a1 x1 + a0
onde an 6= 0, nós dizemos que f(x) tem grau n ; o termo an é chamado de coeficiente lı́der
de f(x); se o coeficiente lı́der de f(x) for a unidade do anel dizemos que f é mônico. Não definimos
grau para o polinômio nulo f (x) = 0 . Polinômios do tipo f (x) = a0 são chamados de polinômios
constantes. Nós geralmente escrevemos grf = n para indicar que grau de f é n.

Muitas propriedades de R são levadas para R[x]. Nosso primeiro teorema mostra um exemplo:
Teorema 5.1.4. Se D é um domı́nio então D[x] é um domı́nio.
Demonstração

Como nós já sabemos que D[x] é um anel, o que precisamos provar é que D[x] é comutativo
com unidade sem divisores de zero. Claramente D[x] é comutativo porque D o é. Se 1 for a
unidade de D então é fácil ver que f (x) = 1 é a unidade de D[x]. Finalmente suponha que
f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 e g(x) = bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0 onde an 6= 0 e bm 6= 0
. Então pela definição do produto, f (x)g(x) tem coeficiente lı́der an bm 6= 0 porque D é domı́nio.
Logo f (x)g(x) 6= 0 e D[x] é um domı́nio.
36 CAPÍTULO 5. ANÉIS DE POLINÔMIOS

Exemplo 5.1.5. Como todo corpo K é um domı́nio então K[x] é um domı́nio . Também K[x, y] :=
K[x][y] ém domı́nio.

5.2 O Algoritmo da divisão e conseqüências


Uma das propriedades dos inteiros que usamos repetidas vêzes é o algoritmo da divisão: se a e b
são inteiros e b 6= 0, então existem inteiros únicos q e r tais que a = bq + r onde 0 ≤ r < |b|. O
teorema a seguir é um análogo para os polinômios sobre um corpo.
Teorema 5.2.1 (algoritmo da divisão para polinômios). Sejam F um corpo, f (x) e g(x) ∈ F [x]
com g(x) 6= 0. Então existem polinômios q(x) e r(x) em F [x] tais que f (x) = g(x)q(x) + r(x) com
r(x) = 0 ou gr r(x) < gr g(x). Tais q(x) e r(x) são únicos .
Demonstração

Existencia de q(x) e r(x): Se f (x) = 0 ou gr f < gr g nós colocamos q(x) = 0 e r(x) = f (x).

Então vamos assumir que n = grf ≥ grg = m.

Sejam f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 e


g(x) = bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0 . Usaremos o 2o P IM no grau de f .

Se grf = 0, f e g são constantes em F , tome q(x) = f /g e r(x) = 0.

Vamos supor agora que grf > 0 e colocamos f1 = f (x) − an bm −1 xn−m g(x).

Então f1 = 0 ou grf1 < grf . Pela nossa hipótese de indução existem q1 (x) e r1 (x) em F [x] tais
que f1 = g(x)q1 (x) + r1 (x) onde r1 = 0 ou gr r1 < gr g. Assim

f (x) = an bm −1 xn−m g(x) + f1 (x) = an bm −1 xn−m g(x) + q1 (x)g(x) + r1 (x)

= [an bm −1 xn−m + q1 (x)]g(x) + r1 (x).


e esta parte do teorema está provada.

Unicidade:
Suponhamos f (x) = q0 (x)g(x) + r0 (x) = g(x)q1 (x) + r1 (x) onde ri = 0 ou gr ri < gr g, i = 1, 2.
Subtraindo as duas equações temos que

0 = g(x)(q0 (x) − q1 (x)) + (r0 (x) − r1 (x))

ou
r0 (x) − r1 (x) = g(x)(−q0 (x) + q1 (x))
. Como o grau de r0 (x) − r1 (x) é menor que o grau de g(x) e g(x) divide r0 (x) − r1 (x), isto só é
possı́vel se r0 (x) − r1 (x) = 0. Assim r1 = r0 e q1 = q0 .
5.2. O ALGORITMO DA DIVISÃO E CONSEQÜÊNCIAS 37

Os polinômios q(x) e r(x) são chamados de quociente e resto da divisão.

Seja agora D um domı́nio. Se f e g ∈ D[x] dizemos que g|f isto é, g divide f se existe um
polinômio h ∈ D[x] tal que f = gh. Neste caso nós chamamos g de fator de f . Um elemento
a ∈ D é um zero de f se f (a) = 0. Quando F é um corpo, a ∈ F e f (x) ∈ F [x], nós dizemos que
a é um zero de multiplicidade k se (x − a)k divide f mas (x − a)k+1 não divide f . Com estas
definições , podemos dar várias conseqüências do algorı́tmo da divisão .

Corolário 5.2.2 (o teorema do resto). Se F é um corpo, a ∈ F e f (x) ∈ F [x] então f (a) é o resto
da divisão de f por x − a.

Corolário 5.2.3 (o teorema do fator). Seja F um corpo, a ∈ F e f ∈ F [x]. Então a é zero de f


se e somente se x − a é fator de f .

Corolário 5.2.4 (polinomios de grau n têm no máximo n zeros). Um polinômio de grau n sobre
um corpo tem no máximo n zeros contando multiplicidades.

Demonstração
Usamos indução em n. Claramente um polinômio de grau 1 tem exatamente 1 zero . Agora suponha
que a afirmativa é válida para todo polinômio de grau menor que n e n é maior que 1. Seja f um
polinômio de grau n sobre um corpo e seja a um zero de multiplicidade k. Então f (x) = (x−a)k g(x)
onde g(a) 6= 0 e n = k + grg o que mostra que grg < n. Se f não tem nenhum zero diferente de a
então não temos nada mais a demonstrar. Se f tiver outro zero b 6= a então 0 = f (b) = (b − a)k g(b)
e então g(b) = 0 .Como grg < n segue pela nossa hipótese de indução que o número de zeros de g
é menor ou igual ao grau de g e assim número de zeros contando multiplicidades de f é menor ou
igual a k + grg = k + n − k = n e o nosso corolário está demonstrado.

Nós observamos que o último corolário não é verdade para anéis de poliômios arbitrários. Por
exemplo x2 + 3x + 2 tem 4 zeros em Z6 .

Exemplo 5.2.5. Os zeros de xn −1 ∈ C[x] são wi com w = cos3600 /n+isen3600 /n e i = 1, 2, ..., n.


Para ver isto use a fórmula de Moivre. Pelo corolário anterior esses são os únicos zeros de xn − 1.
O número complexo w é chamado de raiz primitiva da unidade.

Nós terminamos esse capı́tulo apresentando uma aplicação teórica do algoritmo da divisão mos-
trando que F [x] e Z são bem parecidos. Para isto vamos definir domı́nios de ideais principais.

Definição 5.2.6 (domı́nio de ideais principais). Um domı́nio de ideais principais (DIP) é um


domı́nio R no qual todo ideal tem a forma < a >= {ra | r ∈ R}

Teorema 5.2.7. Se F um corpo então F [x] é um DIP.

Demonstração

Pelo teorema sabemos que F [x] é um domı́nio. Seja agora I um ideal de F [x]. Se I = 0 nada
a demonstrar. Suponha então que I 6= 0 e seja g o polinômio de menor grau que pertence a I .
38 CAPÍTULO 5. ANÉIS DE POLINÔMIOS

Vamos provar que I =< g >. Como g ∈ I, gF [x] ⊂ I e então < g >⊂ I. Tome h ∈ I. Pelo
algorı́tmo da divisão temos que existem q e r em F [x] tais que h = qg + r com r = 0 ou grr < grg.
Temos que r = h − qg ∈ I e então pela escolha de g, r só pode ser 0. Logo g|h o que prova que
I ⊂< g > e portanto I =< g >.

O teorema acima mostra também como achar um gerador dos ideais de F [x]:

Teorema 5.2.8. Seja I um ideal de F [x] , F um corpo e g um elemento de F [x]. Então g gera I,
isto é, I =< g > se e sómente se g é um elemento não nulo de grau mı́nimo em I.

Faremos agora uma aplicação desse teorema:

Exemplo 5.2.9. Considere o homo φ de R[x] em C dado por f (x) 7−→ f (i). Então x2 + 1 ∈ kerφ
e é claramente o polinômio de menor grau em kerφ. Assim kerφ =< x2 + 1 > e <xR[x]
2 +1> ≈ C pelo

TFH.

Observe que não temos unicidade no gerador de um ideal I de F [x], mas podemos determinar
as relações entre geradores de um ideal não nulo de um domı́nio D. Com efeito, suponha que
I =< g >=< g1 >. Assim g|g1 e g1 |g. Logo g = g1 .h1 e g1 = g.h onde h1 e h estão em D..
Substituindo as duas expressões temos g = g.h.h1 , g(1 − hh1 ) = 0 e como estamos num domı́nio,
g = 0 ou h1 .h = 1, isto é, g e g1 diferem por unidades. Dizemos neste caso que g e g1 são associados.

Exemplo 5.2.10. < x2 + 1 >=< 2(x2 + 1) >=< 13 (x2 + 1) > em R[x].

< 3 >=< −3 > em Z.

< 2x2 + 6x + 2 >=< x2 + 3x + 1 > em Q[x]

< x + i >=< ix − 1 > em C[x].


5.3. LISTA DE EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 5 39

5.3 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 5


1. Seja R um anel comutativo. Mostre que a caracterı́stica de R[x] é igual à caracterı́stica de R.

2. Se φ : R −→ S um homomorfismo de anéis, defina φ̄ : R[x] −→ S[x] por φ̄(an xn + ... + a0 ) =


φ(an )xn + ... + φ(a0 ). Mostre que φ̄ é um homomorfismo de anéis .

3. Seja f (x) = x3 + 2x + 4 e g(x) = 3x + 2 em Z5 [x]. Determine o quociente e o resto da divisão


de f (x) por g(x).

4. Mostre que o polinômio 2x + 1 em Z4 [x] tem inverso multiplicativo. Em Z[x] existem po-
linômios não constantes com inverso multiplicativo?

5. Prove que o ideal < x > em Z[x] é primo e não maximal.

6. Prove que o ideal < x > em Q[x] é maximal.

7. Seja F um corpo infinito e f (x) ∈ F [x] Se f (a) = 0 para um número infinito de elementos a
de F , então f (x) = 0

8. Seja F um corpo infinito e f (x), g(x) ∈ F [x]. Se f (a) = g(a) para um número infinito de
elementos a de F , então f (x) = g(x).

9. Seja F um corpo e p(x) ∈ F [x]. Se f (x), g(x) ∈ F [x], gr f < gr p e gr g < gr p, mostre que
f (x)+ < p(x) >= g(x)+ < p(x) > implica que f (x) = g(x).

10. Se I é um ideal de um anel R, prove que o conjunto I[x] dos polinômios de R[x] cujos
coeficientes estão em I é um ideal de R[x]. Dê um exemplo de um anel comutativo R com
unidade e um ideal maximal I de R de modo que I[x] não é um ideal maximal de R[x].

11. Seja R um anel comutativo com unidade. Se I é um ideal primo de R, prove que I[x] é um
ideal primo de R[x]
√ √
12. Prove que <xQ[x]
2 −2> é isomorfo a Q[ 2] = {a + b 2|a, b ∈ Q}.
Z3 [x]
13. Prove que <x2 +1>
é isomorfo a Z3 [i] = {a + bi | a, b ∈ Z3 }.

14. Seja f (x) ∈ R[x]. Suponha que f (a) = 0 e que f ′ (a) 6= 0. Mostre que a é um zero de f (x) de
multiplicidade 1.

15. Seja f (x) ∈ R[x]. Suponha que f (a) = 0 e que f ′ (a) = 0. Mostre que (x − a)2 divide f (x).

16. Seja R um anel comutativo com unidade e f (x) ∈ R[x]. Suponha que g(x) = bm xm + ... + b0 ∈
R[x]
e bm seja inversı́vel em R. Prove que o algorı́tmo de divisão existe para f e g, isto é,
∃q(x), r(x) ∈ R[x] tais que f (x) = g(x)q(x) + r(x) com r(x) = 0 ou gr r(x) < gr g(x) .
Prove que temos também unicidade neste caso.

17. Sejam A um anel comutativo com unidade, f (x) ∈ A[x] e a ∈ A. Então f (a) = 0 ⇔ ∃t(x) ∈
A[x] tal que f (x) = (x − a)t(x).
40 CAPÍTULO 5. ANÉIS DE POLINÔMIOS

18. Seja D um dom. e 0 6= f (x) ∈ D[x]. Então o número de raı́zes de f (x) em D (contando
multiplicidades) é menor ou igual ao grau de f .

19. Se K é um corpo, K[x, y] = K[x][y] = anel de polinômios em y com coeficientes em K[x]

(a) Mostre que K[x, y] é um domı́nio e não é principal.


(b) Mostre que o ideal < x, y > é maximal em K[x, y].
Capı́tulo 6

Fatoração de polinômios

6.1 Testes de redutibilidade


Como vimos no capı́tulo anterior, o anel de polinômios K[x] com K corpo é bem parecido com o
anel dos inteiros. Temos também o análogo a número primo:
Definição 6.1.1 (pol. irredutı́vel e redutı́vel). Se D um domı́nio, um polinômio f (x) ∈ D[x] é
irredutı́vel sobre D se
1. f 6= 0 e f não é uma unidade de D[x].
2. Sempre que f = gh então g ou h é uma unidade de D[x].
Um polinômio f ∈ D[x] é redutı́vel se f não é nulo nem uma unidade de D[x] e se f não for
irredutı́vel.
Antes de darmos exemplos de irredutı́veis precisamos saber quais são as unidades de D[x], ou
seja, quais são os elementos inversı́veis de D[x].

Sabemos que D[x] é um domı́nio e então vale que gr(f.g) = grf + grg. Seja f uma unidade
de D[x]. Então existe um g ∈ D[x] tal que f.g = 1. Aplicando o grau , temos que grf + grg = 0.
Assim grf = grg = 0, f, g ∈ D e f.g = 1 provando assim que f e g são unidades de D e acabamos
de provar o teorema:
Teorema 6.1.2. Os elementos inversı́veis de D[x], onde D é um domı́nio, são as unidades de D.
Exemplo 6.1.3. Vamos calcular o conjunto das unidades de alguns anéis de polinômios
1. U (Z[x]) = {−1, 1}.
2. U (R[x]) = R − {0}.
3. U (K[x]) = K − {0} se K é um corpo.

Conhecendo agora as unidades de K[x] onde K é um corpo, temos que f é irredutı́vel sobre K
se não for constante e se f não puder ser escrito como produto de dois polinômios em K[x] de grau
menor .

41
42 CAPÍTULO 6. FATORAÇÃO DE POLINÔMIOS

Exemplo 6.1.4. f (x) = 2x2 + 4 ∈ Q[x] é irredutı́vel sobre Q pois 2x2 + 4 = 2(x2 + 2), 2 é uma
unidade de Q[x] e x2 + 2 não pode ser escrito como um produto de polinômios de grau 1. Prove
esta última afirmação !

Exemplo 6.1.5. f (x) = 2x2 + 4 ∈ Z[x] é redutı́vel sobre Z. Com efeito, 2x2 + 4 = 2(x2 + 2), e 2
não é uma unidade em Z[x]

Exemplo 6.1.6.√ f (x) = √ 2x2 + 4 ∈ Q[x] é irredutı́vel sobre R e redutı́vel sobre C. Com efeito,
2x + 4 = 2(x + 2i)(x − 2i). Tente escrever 2x2 + 4 = (ax + b)(cx + d) em R[x] para provar que
2

2x2 + 4 é irredutı́vel sobre R.

Exemplo 6.1.7. x2 − 2 é redutı́vel sobre R e irredutı́vel sobre Q.

Exemplo 6.1.8. O polinômio x2 + 1 é irred. sobre R e red. sobre C.

Em geral é difı́cil determinar se um polinômio é ou não irredutı́vel sobre um domı́nio mas


existem alguns casos especiais quando isto é fácil . Nosso primeiro teorema é um desses casos. Ele
se aplica aos exemplos acima.

Teorema 6.1.9 (teste de redutibilidade para graus 2 e 3). Seja F um corpo. Se f (x) ∈ F [x] e
grf = 2 ou 3 então f é redutı́vel sobre F se e somente se f tem um zero em F

Demonstração

Suponha que f = gh onde g e h posssuem grau menor que o de f e pertençam a F [x]. Como
grf = grg + grh e grf = 2 ou 3 , pelo menos um dos g ou h tem grau 1, digamos g(x) = ax + b.
Então claramente −b/a é um zero de g e então um zero de f .

Reciprocamente, suponha que f (a) = 0 onde a ∈ F . Então pelo teorema do fator , x − a é um


fator de f e assim f (x) é redutı́vel sobre F .2

Este teorema é fácil de ser usado quando estamos com corpos finitos Zp pois basta verificar os
zeros de f . Note que polinômios de grau ≥ 4 podem ser redutı́veis sem ter zeros no corpo. Por
exemplo (x2 + 1)2 é redutı́vel sobre Q e não tem nenhum zero em Q.

Observe que o Teorema 6.1.9 não se aplica em domı́nios em geral. Por exemplo, 2(x2 + 1) é
redutı́vel sobre Z e não tem raı́zes em Z.
Os nossos próximos tres testes lidam com polinômios com coeficientes inteiros. Para simplificar
a prova do primeiro deles nós introduzimos alguma terminologia.

Definição 6.1.10 (conteúdo de um pol. e pol. primitivo). O conteúdo de um pol. f = an xn +


... + a0 ∈ Z[x] é o mdc{ai |i = 0, ...n}. Um polinômio é chamado de primitivo se seu conteúdo for
igual a 1.

Teorema 6.1.11 (Lema de Gauss). O produto de 2 polinômios primitivos é primitivo.


6.2. TESTES DE IRREDUTIBILIDADE 43

Demonstração

Sejam f e g dois pol. primitivos e suponha que o produto f g não seja primitivo. Seja p um
divisor primo do conteúdo de f g e sejam f¯ e ḡ as imagens dos pol. obtidos de f e g aplicando o
homomorfismo φ : Z[x] 7−→ Zp [x] , o qual leva an xn +an−1 xn−1 +...+a0 em an xn +an−1 xn−1 +...+a0
onde ai significa a classe de ai em Zp . Então f¯ḡ = 0̄. Como Zp [x] é um domı́nio temos que f¯ ou ḡ
é nulo. Isto indica que p divide o conteúdo de f ou p divide o conteúdo de g, o que é absurdo pois
f e g são primitivos .2

Lembre-se que a questão da redutibilidade depende√ do anel onde os polinõmios estão. Assim
2
x − 2 é irredutı́vel sobre Z mas redutı́vel sobre Q[ 2]. Podemos provar que todo polinômio sobre
um domı́nio de grau maior do que um, é redutı́vel sobre algum corpo. O teorema a seguir mostra
que no caso dos inteiros este corpo tem que ser maior que Q.

Teorema 6.1.12 (red. sobre Q ⇒ red. sobre Z). Seja f ∈ Z[x] . Se f for redutı́vel sobre Q então
ele vai ser redutı́vel sobre Z

Demonstração

Suponha que f = gh onde g e h estão em Q[x]. Se f não for primitivo f já é redutı́vel sobre Z e
não temos nada mais a demonstrar. Podemos supor agora que f seja primitivo. Tirando o mmc dos
denominadores dos coeficientes de g e de h temos que existem inteiros a e b e polinômios g1 e h1 em
Z[x] tais que abf = g1 h1 . Se c1 = conteúdo de g1 e c2 = conteúdo de h1 temos que abf = c1 c2 g2 h2
onde g2 e h2 estão em Z[x] e são primitivos . Tomando o conteúdo da última expressão e usando o
Lema de Gauss temos que ab = c1 c2 e f = g2 h2 . Como g2 e h2 estão Z[x] temos que f é redutı́vel
sobre Z.2.

6.2 Testes de irredutibilidade


O teorema 6.1.10 reduz a questão de irredutibilidade de um polinômio de grau 2 ou 3 para a questão
de achar um zero. O próximo teorema permite simplificar o problema mais ainda.

Teorema 6.2.1 (teste de irred. modp). Seja p um número primo e suponha f (x) ∈ Z[x] com
grf ≥ 1. Seja f¯ é o polinômio obtido de f reduzindo todos os coeficientes mod p . Se f¯ é irredutı́vel
mod p, isto é, sobre Zp e grf¯ = grf então f é irredutı́vel sobre Q.

Demonstração

Suponha que f seja redutı́vel sobre Q.


Pelo teorema anterior, se f for red. sobre Q então ele vai ser red. sobre Z.
Assim existem pol. g e h em Z[x] tais que f = gh onde g e h possuem graus menores que grf
[observe que g e h não podem ter grau igual a zero porque senão f não seria redutı́vel sobre Q].

Sejam f¯, ḡ e h̄ as imagens de f, g e h respectivamente através do homomorfismo


44 CAPÍTULO 6. FATORAÇÃO DE POLINÔMIOS

Z[x] −→ Zp [x]
Pn i
Pn i
g= i=0 bi x 7−→ ḡ = i=0 bi x

Como
grḡ ≤ grg < grf¯,

grh̄ ≤ grh < grf¯


e grf = grf¯ por hipótese, nós temos que f¯ = ḡ h̄ com grḡ = grg e grh̄ = grh o que é um absurdo
pois nossa hipótese diz que f¯ é irred. sobre Zp . Assim f é irred. sobre Q.2

Observaçoẽs

1. Se grf¯ 6= grf não podemos afirmar nada ; por exemplo, f (x) = 3x2 −2x−1 ∈ Z[x] é redutı́vel
sobre Q e f¯ = −2x − 1 = 1x + 2 ∈ Z3 [x] é irredutı́vel sobre Z3 .

2. Seja cuidadoso para não usar a recı́proca do teorema; se f ∈ Z[x] e f¯ é red. sobre Zp para
algum p, f pode ainda ser irred. sobre Q. Por exemplo, considere f (x) = 21x3 − 3x2 + 2x + 8.
Sobre Z2 temos que f¯ = x3 + x2 = x2 (x + 1). Mas sobre Z5 , f¯ = x3 − 3x2 + 2x + 3 não tem
nenhuma raiz em Z5 o que mostra que f¯ é irred. sobre Z5 e então f é irred. sobre Q.

3. O exemplo anterior mostra que f¯ pode não ser irredutı́vel sobre Zp mas ser irredutı́vel sobre
outro primo p. Observe que existem pol. f que são irred. sobre Q mas f¯ é red. sobre Zp
para todo primo p, como é o caso do pol. f (x) = x4 + 1 ∈ Z[x].

Exemplo 6.2.2. Seja f = 15x3 − 3x2 + 2x + 7 ∈ Z[x]. Em Z2 [x] temos que f¯ = x3 − x2 + 1,


f¯(0) = 1 e f¯(1) = 1. Assim f¯ é irred. sobre Z2 e grf¯ = grf , o que prova que f é irred. sobre Q.
Observe que sobre Z3 , f¯ = 2x + 1 é irred. mas não podemos aplicar o teorema para concluir que f
é irred. sobre Q.
O teste de irred. modp pode também ser usado para pol. de grau maior ou igual a tres com
coeficientes racionais.
Exemplo 6.2.3. Seja f = 73 x4 − 72 x2 + 35 9
x + 35 ∈ Q[x]. Vamos provar que f é irred. sobre Q.
Primeiro seja h(x) = 35f (x) = 15x − 10x2 + 9x + 21. Então f é irred. sobre Q ⇔ h for irred.
4

sobre Q. Aplicando o teste de irred. mod 2 a h temos h̄ = x4 + x + 1. Claramente h̄ não tem zeros
em Z2 . Também h̄ não tem nenhum fator quadrático em Z2 [x]( este fator seria x2 + x + 1 ou x2 + 1
pois x2 ou x(x + 1) não poderiam ser pois eles têm zeros em Z2 . Fazendo a divisão vemos que os
dois não são fatores de h̄).Assim h̄ é irred. sobre Z2 e então sobre Q.
Exemplo 6.2.4. Seja f (x) = x5 +2x+4. Obviamente o teorema 6.1.9 e o teste de irred. mod 2 não
podem ser usados aqui. Vamos tentar mod 3. Assim f¯ = x5 + 2x + 1 em Z3 [x] e f¯(0) = 1, f¯(1) = 1
e f¯(2) 6= 0. Logo f¯ não tem fatores lineares. Mas f¯ pode ter fatores quadráticos; suponha que ele
seja da forma x2 + ax + b. Temos 9 possibilidades para verificar. Podemos tirar dessas 9, aquelas
que levam f¯ ter zeros em Z3 . Assim temos apenas que verificar se x2 + 1, x2 + x + 2 e x2 + 2x + 2
dividem f¯. Fazendo as contas eles são também eliminados. Temos então que f¯ é irred. sobre Z3 e
f é irred. sobre Q.( Por que não é necessário verificar fatores cúbicos e de grau 4 ?)
6.2. TESTES DE IRREDUTIBILIDADE 45

Um outro teste de irredutibilidade é o Critério de Eisenstein (1823-1852), um aluno de Gauss.


Teorema 6.2.5 (Critério de Eisenstein-1850). Seja f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 ∈ Z[x].
Se existe um primo p tal que p 6 |an , p|an−1 , ..., p|a0 e p2 6 |a0 então f é irredutı́vel sobre Q.
Demonstração

Se f for red. sobre Q, nós sabemos que f será red. sobre Z e então existirão pol. g e h em
Z[x] tais que f = gh, grg > 1 e grh < n, digamos g = br xr + ... + b0 e h = cs xs + ... + c0 . Então,
como p|a0 = c0 b0 e p2 6 |a0 segue que p|b0 ou p|c0 mas p não divide os dois. Vamos supor que p|b0
e p 6 |c0 . Temos também que p 6 |an = cs br e então p 6 |br . Assim temos um menor inteiro positivo
t tal que p 6 |bt . Agora, considere at = bt c0 + bt−1 c1 + bt−2 c2 + ... + b0 ct . Por hipótese, p|at e pela
escolha de t temos que p|bt−1 , p|bt−2 ,...,p|b0 . Claramente isto implicará que p|bt c0 . Isto é absurdo
pois p 6 |bt e p 6 |c0 e p é primo.2

Corolário 6.2.6 (Irred. do pol. ciclotômico). Para todo primo p, o p-ésimo polinômio ciclotômico
xp − 1
φp (x) = = xp−1 + xp−2 + ... + x + 1
x−1
é irredutı́vel sobre Q.
Demonstração

Seja
(x + 1)p − 1
f (x) = φp (x + 1) = = xp−1 + pxp−2 + ... + p
(x + 1) − 1
Então, pelo critério de Eisenstein, f é irred. sobre Q. Assim, se φp (x) = g(x)h(x) é uma
fatorização não trivial de φp (x) sobre Q então f (x) = φp (x + 1) = g(x + 1)h(x + 1) seria uma
fatorização não trivial de f sobre Q. Isto é impossı́vel pois pelo critério de Eisenstein f (x) =
φp (x + 1) é irredutı́vel sobre Q.2

Exemplo 6.2.7. O pol. 3x5 + 15x4 − 20x3 + 10x + 20 é irredutı́vel sobre Q pois 5 divide
20, 10, −20, 15,5 6 |3 e 52 6 |20, usando o critério de Eisenstein.

A importância dos ideais maximais vem da sua ligação com os pol. irredutı́veis.
Teorema 6.2.8 (p(x) irred.⇔< p(x) > é max.). Seja F um corpo e p(x) ∈ F [x]. Então o ideal
< p(x) > é maximal em F [x] ⇔ p(x) é irredutı́vel sobre F .
Demonstração

(⇒) Suponha < p(x) > é max.. Se p(x) = g(x)h(x) é uma fat. de f (x) sobre F então
< p(x) >⊆< g(x) >⊆ F [x]. Como < p(x) > é max. temos que < p(x) >=< g(x) > ou
< g(x) >= F [x]. No primeiro caso temos que g(x) = p(x)t(x)para algum t(x) ∈ F [x] e como
46 CAPÍTULO 6. FATORAÇÃO DE POLINÔMIOS

p(x) = g(x)h(x), juntando essas duas equações temos p(x)(1 − t(x)h(x)) = 0. Como F [x] é um
domı́nio e p(x) é não nulo temos que 1 − t(x)h(x) = 0 o que mostra que h(x) é uma unidade de
F [x] e que a fatoração acima de p(x) é trivial. Logo p(x) ı́rredutı́vel. No segundo caso, existe um
polinômio t(x) ∈ F [x] tal que 1 = t(x)g(x) o que também mostra que a fatorização de p(x) é trivial.

(⇐) Suponha que p(x) é irred. sobre F . Seja I um ideal de F [x] tal que < p(x) >⊆ I ⊆ F [x].
Como F [x] é um DIP, existe um g(x) ∈ F [x] tal que I =< g(x) >. Assim p(x) ∈< g(x) >, digamos
p(x) = g(x)h(x) com h(x) ∈ F [x]. Como p(x) é irred. sobre F temos que g ou h são unidades de
F [x], isto é são constantes não nulas. No primeiro caso I = F [x] e no segundo I =< p(x) >, o que
prova que < p(x) > é maximal.2

F [x]
Corolário 6.2.9 ( <p(x)> é um corpo). Seja F um corpo e p(x) um pol. irred. sobre F . Então
F [x]/ < p(x) > é um corpo.

O próximo corolário é um análogo do Lema de Euclides para polinômios.

Corolário 6.2.10 (p(x)|a(x)b(x) ⇒ p(x)|a(x) ou p(x)|b(x)). Sejam F um corpo e


p(x), a(x), b(x) ∈ F [x]. Se p(x) é irreduı́vel sobre F e p(x)|a(x)b(x) então p(x)|a(x) ou p(x)|b(x).

Demonstração

Como p(x) é irred., F [x]/ < p(x) > é um corpo e portanto um domı́nio. Sejam a(x) e b(x)
imagens de a(x) e b(x) com relação ao homo canônico:
F [x]
F [x] −→ <p(x)>

Como p(x)|a(x)b(x) então a(x)b(x) = 0̄.


Assim como estamos num domı́nio a(x) = 0̄ ou b(x) = 0̄ ou seja p(x)|a(x) ou p(x)|b(x).2

Exemplo 6.2.11. Vamos construir um corpo com 8 elementos. Pelos teoremas anteriores, basta
achar um pol. de grau 3 sobre Z2 sem nenhum zero. Por tentativas, concluimos que x3 + x + 1
2 [x]
serve. Assim <x3Z+x+1> = {ax2 + bx + c+ < x3 + x + 1 > | a, b, c ∈ Z2 } é um corpo com 8 elementos.
Observe que pelo exercı́cio 9 do Cap. 5 temos que todos os 8 elementos são distintos.

Exemplo 6.2.12. Como x2 + 1 não tem zeros em Z3 temos que x2 + 1 é irred. sobre Z3 . Assim
Z3 [x] [x]
<x2 +1>
é um corpo. <xZ23+1> = {ax + b+ < x2 + 1 > | a, b ∈ Z3 } é um corpo com 9 elementos.

6.3 Fatoração única em Z[x]


Provaremos que Z[x] tem uma importante propriedade de fatoração . No próximo capı́tulo, nós
provaremos que todo DIP tem essa propriedade. O caso Z[x] é feito separadamente porque ele não
é um DIP. Para provar o teorema seguinte precisamos saber que as unidades de Z[x] são os pol.
1, −1 e também que todo pol. irred. em Z[x] é primitivo. Prove isto!
6.3. FATORAÇÃO ÚNICA EM Z[X] 47

Teorema 6.3.1 (Fatoração única). Todo pol. em Z[x] de grau positivo, não nulo e não unidade
pode ser escrito na forma
b1 b2 ...bs p1 (x)p2 (x)...pm (x)
onde os b ś são primos (isto é, pol. irred. de grau 0), e os p(x) ’ s são pol. irred. de grau positivo.
Também, se
b1 b2 ...bs p1 (x)p2 (x)...pm (x) = c1 c2 ...ct q1 (x)...qn (x)
são duas tais fatoraçoẽs então s = t e m = n e após renumeração dos cś e qś nós temos bi = ±ci
para i = 1, ..., s e pi (x) = ±qi (x) para i = 1, ..., m

Demonstração

Existencia: Seja f não nulo e não unidade em Z[x]. Se grf = 0 , f ∈ Z e o resultado segue
do TFA. Se grf > 0, seja b, o conteúdo de f e b1 b2 ...bs sua fatoração em Z. Então f = b1 ...bs f1 (x),
onde f1 ∈ Z[x] é primitivo e tem grau positivo. Assim, para provar a parte de existencia, é suficiente
mostrar que todo pol. primitivo de grau maior que 1 pode ser escrito como um produto de pol.
irred. de grau positivo.

Usaremos indução no grau de f

Se grf = 1 então f já é irred. e então OK.

Agora suponha que todo pol. de grau menor que grf e primitivo pode ser escrito como um
produto de pol. irred. de grau positivo.. Se f é irred., nada a demonstrar.
Se f não for irred., f = gh onde g e h são primitivos e grg, grh < grf . Pela hipótese de indução ,
ambos g e h são produtos de irred. de grau positivo, o que mostra que f também será.

Unicidade: Suponha que f = b1 b2 ...bs p1 (x)p2 (x)...pm (x) = c1 c2 ...ct q1 (x)...qn (x) onde os b ś e c
ś são pol. irred de grau 0 e os p(x) ś e q(x) ś são pol. irred. de grau positivo.
Sejam b = b1 ...bs e c = c1 ...ct . Como os polinômios p ś e q ś são primitivos segue do Lema de
Gauss que p1 p2 ...pm e q1 q2 ...qn são primitivos. Portanto tomando o conteúdo de f temos b = c.
Pelo TFA e após renumeração bi = ci onde i = 1, 2, ..., s. Assim, cancelando o conteúdo temos
p1 (x)...pm (x) = q1 (x)...qn (x). Segue pelo corolário 6.2.10 e considerando os p ś e q ś como elemen-
tos de Q[x], que p1 |qj para algum j ∈ {1, 2, ..., n}. Renumerando podemos supor j = 1. Assim
q1 = p1 . rs com r, s em Z. Como p1 e q1 são primitivos segue que r = s e p1 = ±q1 .
Após cancelamento, p2 (x)...pm (x) = ±q2 (x)...qn (x) e repetindo o argumento com p2 (x) teremos
p2 = ±q2 .

Se m < n, após m tais passos teremos que ±1 = qm+1 ...qn . Isto diz que os pol. qi ś com
i = m + 1, ..., n são unidades, o que é um absurdo pois eles são iredutı́veis. Analogamente se m > n
chegaremos num tal absurdo. Assim m = n e pi = qi após renumeração .
48 CAPÍTULO 6. FATORAÇÃO DE POLINÔMIOS

6.4 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 6


1. Suponha D um domı́nio e F um corpo contendo D. Se f (x) ∈ D[x] e f (x) é irredutı́vel sobre
F mas redutı́vel sôbre D, o que podemos dizer sobre a fatorização de f (x) sôbre D?

2. Suponha que f (x) = xn + an−1 xn−1 + ... + a0 ∈ Z[x]. Se r é racional e x − r divide f (x)
mostre que r é um inteiro.

3. Seja F um corpo e seja a um elemento não nulo de F .

(a) Se af (x) é irredutı́vel sobre F , prove que f (x) é irredutı́vel sobre F .


(b) Se f (ax) é irredutı́vel sobre F , prove que f (x) é irredutı́vel sobre F .
(c) Se f (x + a) é irredutı́vel sobre F , prove que f (x) é irredutı́vel sobre F .

4. Mostre que x4 + 1 é irredutı́vel sobre Q mas redutı́vel sobre R.

5. Construa um corpo com 25 elementos.

6. Construa um corpo com 27 elementos.

7. Mostre que x2 + x + 4 é irredutı́vel sobre Z11 .


Zp [x]
8. Suponha que f (x) ∈ Zp [x] é irredutı́vel sobre Zp . Se grf = n, prove que <f (x)>
é um corpo
com pn elementos .

9. Seja f (x) = x3 + 6 ∈ Z7 [x]. Escreva f (x) como produto de pol. irredutı́veis.

10. Seja f (x) = x3 + x2 + x + 1 ∈ Z2 [x]. Escreva f (x) como produto de pol. irredutı́veis.

11. Seja p um primo.


p(p+1)
(a) Mostre que o número de polinômios redutı́veis sobre Zp da forma x2 + ax + b é 2
.
(b) Determine o número de pol. quadráticos redutı́veis sobre Zp .
(c) Determine o número de pol. quadráticos irredutı́veis sobre Zp .

12. Mostre que para todo primo p existe um corpo com p2 elementos.
Z3 [x]
13. Mostre que <x2 +1>
é isomorfo a Z3 [i] e que Z3 [i] é um corpo.

14. Ache todos os zeros e suas multiplicidades de x5 + 4x4 + 4x3 − x2 − 4x + 1 sobre Z5

15. Ache todos os zeros de √


f (x) = 2x2 + 2x + 1 sobre Z5 por substituição direta. Ache agora
2
usando a fórmula −b± 2ab −4ac . Suas respostas são iguais? Deveriam ser? Ache todos os zeros
de g(x) = 2x2 + x + 3 sôbre Z5 por substituição e depois pela fórmula. Funciona? Estabeleça
condiçoẽs necessáris e suficientes para que a fórmula quadrática forneça os zeros de uma
quádrica de Zp [x] onde p é um primo maior que 2.

16. Seja f (x) = an xn + ... + a0 ∈ Z[x], onde an 6= 0. Prove que se r e s são relativamente primos
e f (r/s) = 0, então r|a0 e s|an .
6.4. LISTA DE EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 6 49

17. Seja F um corpo e p(x) irred. sobre F . Mostre que {a+ < p(x) > | a ∈ F } é um subcorpo
F [x]
de <p(x)> isomorfo a F .

18. Seja F um corpo e p(x) irred. sobre F . Se E é um corpo que contem F e existe um elemento
a em E tal que p(a) = 0, mostre que a aplicação φ : F [x] → E dada por φ(f (x)) = f (a) é
um homomorfismo de anéis com kernel < p(x) >.

19. Investigar a irredutibilidade em Z[x] dos polinômios :

(a) x4 − x2 + 1
(b) x4 + ax2 − 1 onde a 6= 0 em Z.
(c) x4 + 45x + 15
(d) 2x4 + 3x + 3
(e) 2x7 + 3r x5 + 3
(f) xp−1 − xp−2 + xp−3 − ... − x + 1 onde p é um primo.
(g) x12 + 14x5 + 21x + 7
(h) x12 + 5x7 + 15x2 + 5
(i) x4 + 3x2 − 1
(j) x3 − 2
(k) x10 + 5x + 5
(l) x13 + 3x5 + 3
(m) 2x4 + 3x3 + 12x2 + 6x + 6
(n) x3 + 2x2 + 3x + 1
(o) x3 − 9
(p) f (x) = x3 − 3n2 x + n3 onde n ∈ Z.

Dica: Use f (nx)


(q) x4 + 3x3 + 3x2 − 5

20. Investigar a irredutibilidade em Q[x] dos polinômios :

(a) 2x4 + 4x2 − 2


(b) 10x11 + 6x3 + 6

21. Mostre que f (x) = x4 + x3 + x + 1 não é irredutı́vel sobre F para qualquer corpo F .

22. Seja f (x) = 1̄x3 + 1̄x2 + 1̄. Mostre que f (x) é irredutı́vel sobre Z2 . f (x) é irredutı́vel sobre
Z3 ? E sobre Z5 ?

23. (a) Sejam f (x) ∈ Z[x] mônico e f¯(x) a sua classe em Zn [x]. Se f¯(x) é irredutı́vel sobre Zn
então f (x) ı́rredutı́vel sobre Z
50 CAPÍTULO 6. FATORAÇÃO DE POLINÔMIOS

(b) Mostre que x3 − 15x2 + 10x − 84 ∈ Z[x] é irredutı́vel sobre Z.

24. Seja m > 1 um inteiro. Sejam p1 , p2 , ..., pr primos distintos.


Mostre que m p1 p2 p3 ...pr 6∈ Q.
Capı́tulo 7

Divisibilidade em domı́nios

No capı́tulo anterior nós vimos fatoração de polinômios sobre Z ou sobre um corpo. Vários desses
resultados; fatoração única de Z[x] e algorı́tmo da divisão para F [x] , foram generalizaçoẽs dos
teoremas sobre inteiros. Neste capı́tulo, nós examinamos fatoração num contexto mais geral.

7.1 Irredutı́veis e primos


Definição 7.1.1 (associados, irred. e primos). Elementos a e b de um domı́nio D são chamados
associados se a = ub onde u é uma unidade de D. Um elemento não nulo a de D é chamado
de irredutı́vel se a não for uma unidade e sempre quando a = bc com b e c em D então b ou c
é uma unidade. Um elemento não nulo a de um domı́nio D é chamado primo se a não for uma
unidade e se a|bc então a|b ou a|c.
Grosseiramente falando, irredutı́vel é um elemento que pode ser fatorado apenas com a fatoração
trivial.

Observe que um elemento a é primo se e somente se < a > é um ideal primo.

Relacionando as definições acima com as definições nos inteiros , parece uma enorme confusão
pois no Capı́tulo 1 definimos por inteiro primo se satisfaz nossa definição de irred. e nós provamos
que um inteiro primo satisfaz a def. de primo num domı́nio (Lema de Euclides). Esta confusão
surge, porque no caso dos inteiros, os conceitos de irred. e primo são equivalentes, mas em geral
veremos que não serão.

A distinção entre primos e irred. é melhor ilustrado nos domı́nios da forma


√ √
Z[ d] = {a + b d | a, b ∈ Z} onde d é livre de quadrados.

Estes anéis são de fundamental importância na teoria de números. Para analisar esses anéis, nós
necessitamos um método conveniente para achar suas unidades, irred. e primos. Para fazer isto,
nós vamos definir a função norma

N : Z[ √ d] → Z+
a + b d 7−→ |a2 − db2 |

51
52 CAPÍTULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMÍNIOS

É fácil verificar as propriedades da função norma:

1. N (x) = 0 se e somente se x = 0

2. N(xy)=N(x)N(y) para todo x, y ∈ Z[ d]

3. x é unidade se e somente se N (x) = 1

4. Se N (x) é primo então x é irredutı́vel.



Exemplo √ 7.1.2. 2Nós vamos mostrar em√ Z[ −3] um irred. que não é primo. Temos√ aqui que
N (a + b −3) = a + 3b2 . Considere 1 + −3 . Suponha que nós podemos fatorar 1 + √ −3 como
um produto x.y onde x e y não são unidades. Então N (xy) = N (x)N (y) = N (1 + −3) = 4, e
segue que N (x)√= 2. Mas não existem inteiros a e b satisfazendo
√ a2 + 3b2 = 2. Assim x ou y é
√ e 1 + √−3 é irredutı́vel . Para provar que 1√+ −3 não é primo nós observamos que
unidade
(1 + −3)(1 − −3) = 4 = 2.2 √ o que mostra
√ que (1 + −3)|2.2 . √
Por outro lado, para inteiros a e
b existirem tal que 2 = (a + b −3)(1 + −3) = (a − 3b) + (a + b) −3 nós devemos ter a − 3b = 2
e a + b = 0 o que é impossı́vel.
Do exemplo anterior surge a pergunta : quais domı́nios contêm primos que não são irredutı́veis?
A resposta é: nunca !
Teorema 7.1.3 (primo ⇒ irred.). Num domı́nio, todo primo é irredutı́vel
Demonstração

Suponha que a é primo num dom. D. Então a 6= 0 e a não é uma unidade e se a = b.c nós
devemos provar que b ou c é uma unidade. Pela definição de primo, nós temos que a|b ou a|c.
Suponha que at = b e substituindo temos b.1 = b = at = (bc)t = b(ct) e pelo cancelamento ct = 1
o que mostra que c é uma unidade. 2

O próximo teorema mostra que num DIP , irredutı́vel e primo são equivalentes.
Teorema 7.1.4 (Num DIP, irred ⇔ primo). Num DIP , um elemento é irredutı́vel se e somente
se ele é primo.
Demonstração

Usando o teorema anterior só falta provar que num DIP , todo irred. é primo. Seja a um
elemento irred. num DIP D e suponha que a|bc. Nós devemos provar que a|b ou a|c. Considere o
ideal I = {ax + by | x, y ∈ D} e como D é um DIP existe d ∈ D tal que I =< d > . Como a ∈ I
nós podemos escrever a = dr para algum r em D, e como a é irred. d ou r é uma unidade. Se d for
uma unidade I =< d >= D e nós podemos escrever 1 = ax + by. Então c = acx + bcy e como a
divide ambos os termos temos que a|c. Por outro lado, se r é uma unidade então < a >=< d >= I,
e como b ∈ I, existe um t ∈ D tal que at = b . Assim a|b. 2

Uma consequencia fácil do algorı́tmo da divisão em Z e F [x] onde F é um corpo é que eles são
DIP . Nosso próximo exemplo mostra, entretanto que um dos nossos anéis mais familiares não é
um DIP .
7.2. DOMÍNIOS DE FATORAÇÃO ÚNICA 53

Exemplo 7.1.5. Mostraremos aqui que Z[x] não é um DIP . Considere em Z[x] o ideal I =
{ax + 2b | a, b ∈ Z} =< x, 2 >. Nós afirmamos que I não é da forma < h(x) >. Com efeito se fôsse,
deveriam existir f, g ∈ Z[x] tal que 2 = hf e x = hg pois x e 2 estão em I.
Pela regra do grau, temos 0 = gr2 = grh + grf e concluı́mos que h é uma constante. Para
determinar qual constante, nós observamos que 2 = h(1)f (1). Assim h(1) = ±1 ou ±2, mas como
1 6∈ I nós devemos ter h(x) = ±2 . Mas então x = ±2g(x) o que não tem sentido.

Já provamos que Z e Z[x] têm importantes propriedades de fatoração : todo inteiro positivo
pode ser fatorado unicamente como produto de irredutı́veis (isto é, primos), e todo pol. não nulo
e não unidade pode ser fatorado como produto de pol. irred.. A questão de fatoração única num
domı́nio surgiu na tentativa de resolver o famoso Teorema de Fermat o qual conjecturava que a
equação xn + y n = z n não tem solução inteira não trivial se n é maior ou igual a 3. Este problema
foi proposto em 1637 e só foi resolvido em 1995 e durante esse tempo ajudou a várias áreas da
Álgebra a se desenvolverem, ou mesmo surgirem. O que mais intrigou aos matemáticos foi que
Fermat quando propôs esse teorema afirmou que já conhecia uma prova mas que não iria escrevê-la
alı́, na margem do livro , porque não caberia. E quase 4 séculos se passaram sem a tal prova. Só
em 1995 os matemáticos Andrew Wiles e Taylor usando teoria de curvas elı́pticas resolveram este
teorema . Por causa disso, acredita-se que Fermat usou uma fatoração única num domı́nio onde não
existia tal fatoração . Estudaremos agora domı́nios que possuem fatoração única em irredutı́veis .

7.2 Domı́nios de Fatoração única


Definição 7.2.1. Um domı́nio D é domı́nio de fatoração única (DFU) se:

1. Todo elemento de D não nulo e não unidade pode ser escrito como um produto de irredutı́veis
de D

2. A fatoração em irredutı́veis é única a menos de associados e da ordem em que aparecem.

Naturalmente o T F A nos diz que Z é DF U . O teor.6.3.1 diz que Z[x] é DF U . Provaremos que
muitos dos domı́nios que conhecemos são DF U . Provaremos antes a condição da cadeia ascendente.

Teorema 7.2.2 (Condição da cadeia ascendente para DIP ). Num DIP toda cadeia ascendente
de ideais I1 ⊂ I2 ⊂ ... é estacionária (isto é, existe um k tal que Ik = Ik+1 = Ik+2 = ...).

Demonstração
S
Seja I1 ⊂ I2 ⊂ ... uma cadeia ascendente de ideais num dom. D e seja I = Ii . É fácil mostrar
que I é um ideal de D. Como D é um DIP , I =< a > para algum a ∈ D. Como a ∈ I, a ∈ Ik
para algum inteiro k e assim I =< a >⊂ Ik . Mas pela definição de I, temos que Ii ⊂ I ⊂ Ik para
todo Ii da cadeia e assim Ik deve ser o último ideal da cadeia . 2

Teorema 7.2.3 (DIP ⇒ DF U ). Todo DIP é um DF U .

Demonstração :
Existencia:
54 CAPÍTULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMÍNIOS

Seja D um DIP . Nós primeiro mostramos que todo a ∈ D, a 6= 0, e a não unidade é um


produto de irred.(observe que o produto pode constar de apenas um fator). Para ver isto , seja
a0 6= 0, não unidade e não irredutı́vel. Então existem a1 e b1 não unidades em D tais que a0 = b1 a1
. Se ambos, a1 e b1 podem ser escritos como produto de irred. então a0 também pode.Suponha
que a0 não pode ser escritocomo produto de irredutı́veis. Assim b1 ou a1 não pode ser escrito como
produto de irred., digamos, a1 . Então a1 = a2 b2 onde nem a2 nem b2 é unidade. Continuando neste
processo, nós obtemos uma sequencia infinita b1 , b2 , ... de elementos que não são unidades de D e
uma sequencia a0 , a1 , a2 ... de elementos não nulos de D, com an = bn+1 an+1 para cada n. Como
bn+1 não é unidade, nós temos
< an >⊂< an+1 > para cada n
Assim, < a0 >⊂< a1 >⊂ ... é uma cadeia infinita crescente de ideais. Isto contraria o teorema
anterior, de modo que nós concluimos que a0 é um produto de irred.(Observe que a cadeia não pára
pois senão < an >=< an+1 >, an+1 = dan , an = bn+1 an+1 . Juntando essas equaçoẽs temos que
bn+1 é uma unidade, o que é absurdo.)

Unicidade:
Temos que mostrar que a fatoração é única a menos de associados e a ordem em que os fatores
aparecem. Para fazer isto, suponha que um elemento a de D pode ser escrito como:
a = p1 p2 ...pr = q1 q2 ...qs
onde os p e q são irred. e a repetição é permitida. Faremos indução em r.

Se r = 1, então a é irred. e claramente s = 1 e p1 = q1 .

Nós assumimos que todo elemento o qual pode ser expresso como um produto de r −1 elementos
irred. é escrito de modo único(a menos de assoc. e ordem). Vamos agora provar que isto também
vale para um produto de r irred. Como p1 |q1 q2 ...qs ele divide algum qi . Então q1 = up1 onde u é
uma unidade de D. Assim
ua = up1 p2 ...pr = q1 (uq2 )...qs
e por cancelamento
p2 p3 ...pr = (uq2 )...qs .
Pela hipótese de indução estas duas fatoraçoẽs são identicas a menos de associados e a ordem em
que aparecem. Assim, o mesmo é verdade para as 2 fatoraçoẽs de a. 2
Observação

Na parte da existencia é que usamos que D é um DIP quando afirmamos que a cadeia tem que
parar. Um domı́nio com esta propriedade é chamado de Domı́nio Noetheriano em homenagem a
Emmy Noether, que introduziu as condiçoẽs de cadeia .

Corolário 7.2.4. Se F é um corpo então F [x] é um DF U .


Demonstração
Pelo teorema 5.2.7, temos que F [x] é um DIP 2
7.3. DOMÍNIOS EUCLIDIANOS 55

7.3 Domı́nios Euclidianos


Definição 7.3.1 (dom. euclidiano ). Um dom. D é chamado de domı́nio euclidiano(DE) se
existe uma função d de elementos não nulos de D em Z+ tal que
1. d(a) ≤ d(ab) para todo a, b ∈ D − {0}
2. Se a, b ∈ D, b 6= 0, então existem elementos q, r ∈ D de modo que a = bq + r onde r = 0 ou
d(r) < d(b)
Exemplo 7.3.2. O anel Z dos inteiros é um domı́nio euclidiano com d(a) = |a|, o valor absoluto
de a.
Exemplo 7.3.3. Seja F um corpo. Então F [x] é um anel euclidiano com d(f (x)) = gr f (x) (ver
Teor.5.2.1)
O leitor já deve ter visto a similaridade entre Z e K[x]. Fazemos aqui um resumo:

Z K[x]
Forma dos elementos an 10n + ... + a1 10 + a0 an xn + ... + a1 x + a0
Domı́nio Euclidiano d(a) = |a| d(a) = gr a
Unidades a é uma unidade ⇔ |a| = 1 f é uma unidade ⇔ gr a = 0
Alg. da divisão P ara a, b ∈ Z, b 6= 0, ∃q, r ∈ Z P araf, g ∈ K[x], g 6= 0, ∃q, r ∈ K[x]
tal que a = bq + r, 0 ≤ r < |b| tal que f = gq + r, 0 ≤ gr r < gr g ou r = 0.
DIP I =< a >, |a| = min I =< f (x) >, gr f = min
n = pki i f (x) = fiki .
Q Q
DFU
pi primo fi irredut.
Exemplo 7.3.4 (Inteiros de Gauss).
Z[i] = {a + bi | a, b ∈ Z}
é um DE com d(a + bi) = a2 + b2 . Com efeito:
1. Se x = a + bi e y = c + di com a, b, c e d em Z temos que d(xy) = d((ac − bd) + (ad + bc)i) =
(ac − bd)2 + (ad + bc)2 = a2 c2 + a2 d2 + b2 c2 + b2 d2 = (a2 + b2 )(c2 + d2 ) = d(x)d(y).
2. Se x = a + bi e y = c + di com a, b, c e d em Z e y 6= 0 temos que xy −1 ∈ Q[i], o corpo
quociente de Z[i] (ver exerc. 24 do cap.4). Suponha que xy −1 = s + ti onde s e t estão em Q.
Seja agora m o inteiro mais próximo de s e n o inteiro mais próximo de t. Assim |m−s| ≤ 1/2
e |n − t| ≤ 1/2. Então
xy −1 = s + ti = (m − m + s) + (n − n + t)i = (m + ni) + [(s − m) + (t − n)i].

Assim
x = (m + ni)y + [s − m + (t − n)i]y
Nós afirmamos que o alg. da divisão acontece com q = m+ni ∈ Z[i] e r = [(s−m)+(t−n)i]y ∈
Z[i]. Com efeito,
d(r) = d([(s − m) + (t − n)i])d(y) = [(s − m)2 + (t − n)2 ]d(y) ≤ (1/4 + 1/4)d(y) < d(y)
56 CAPÍTULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMÍNIOS

Teorema 7.3.5 (DE ⇒ DIP). Todo domı́nio euclidiano é um domı́nio de ideais principais.

Demonstração

Seja D um DE e I um ideal não nulo de D. Entre os elementos de I escolha a tal que d(a) é
mı́nimo . Então I =< a >. Com efeito, se b ∈ I, ∃q, r ∈ D, tais que b = aq + r onde r = 0 ou
d(r) < d(a). Mas r = b − aq ∈ I e portanto d(r) não pode ser menor que d(a). Assim r = 0 e
b ∈< a >. 2

Por curiosidade existe DIP que não é DE. Um exemplo famoso de tal dom. é o Z[ 1+ 2−19 ], mas
não é fácil demonstrar essa afirmação . Uma referencia é: J.C. Wilson,”A Principal Ideal Ring
That Is Not a Euclidean Ring”, Mathematics Magazine 46(1973);74-78.”

Uma imediata consequencia dos teoremas anteriores é a seguinte:

Corolário 7.3.6 (DE ⇒ DFU). Todo dom. euclidiano é um DFU.

Resumindo temos

DE ⇒ DIP ⇒ DF U
DE 6⇐ DIP 6⇐ DF U

No capı́tulo 6 provamos que Z[x] é um DFU. Podemos repetir essa prova e provar o teorema

Teorema 7.3.7. Se D é DFU então D[x] é DFU.

Concluı́mos este capı́tulo apresentando um exemplo de um domı́nio, o qual não é um DFU.


√ √
Exemplo 7.3.8. O anel√ Z[ −5] = {a + b −5 | a, b ∈ Z} é um domı́nio pois está contido √ em C.
Vamos provar que Z[ −5] não é um DFU. Para verificar que não existe√fat. única em Z[ −5],
repetimos o método do exemplo 7.1.2 e usamos a função norma N (a + b −5) = a2 + 5b√2 . Como
N (xy) = N (x)N (y) e N (x) = 1 ⇔ x é uma unidade , segue que as únicas unidades de Z[ −5] são
±1. Agora considere as fatorações :
√ √
46 = 2.23 = (1 + 3 −5)(1 − 3 −5).

Afirmamos √ que cada um desses 4 fatores é irredutı́vel sôbre Z[ −5] . Suponha que 2 = xy
onde x, y ∈ Z[ −5] e não são unidades . Então 4 = N (2) = N (x)N (y) donde concluı́mos que
N (x) = N (y) = 2 o que é impossı́vel. Também se 23 = xy é uma fat. não trivial, então N (x) = 23,
isto é existem a, b ∈ Z tais √que 23 = a2 + 5b2 . Claramente tais inteiros não existem. O mesmo
argumento se aplica a 1 ± 3 −5.
7.4. LISTA DE EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 7 57

7.4 Lista de exercı́cios do Capı́tulo 7


1. Mostre que f (x) não constante ∈ Z[x] é irred. sobre Z ⇔ f (x) é primitivo e irred. sobre Q.

2. Defina mdc(a1 , a2 , ..., an ) onde a1 , ..., an ∈ D são não nulos e D é um domı́nio.


Mostre que dois mdc(a1 , a2 , ..., an ) em D são associados.

3. Seja D um dom. e a1 , a2 , ..., an elementos de D tais que < a1 , a2 , ..., an >=< d >para algum
d. Mostre
√ que mdc(a1 , a2 , ..., an ) =√d. Ache um domı́nio que não possui mdc (Mostre que 6 e
2 + 2 −5 não possem mdc em Z[ −5]).

4. Mostre que mdc(2, x) = 1 em Z[x] e que 1 não pode ser escrito como combinação linear de
2 e x com coeficientes em Z[x].
Conclua que Z[x] não é um DIP.

5. Num dom. prove que o produto de um elemento irred. por uma unidade é irred.
S
6. Mostre que Ui onde os Ui pertencem a cadeia U1 ⊂ U2 ⊂ ... de ideais de um anel R é um
ideal.

7. Seja D um DE e d a função associada . Mostre que u é unidade de D ⇔ d(u) = d(1)

8. Seja D um DE e d a função associada . Mostre que se a e b são associados em D então


d(a) = d(b).

9. Seja D um DIP. Mostre que todo ideal próprio de D está contido num ideal maximal de D.

10. Em Z[ −5] mostre que 21 não se fatora unicamente como um produto de irred.

11. Mostre que 1 − i é irred. em Z[i]



12. Mostre que Z[ √−6] não é um DFU.(Sug. fatore 10 de 2 maneiras).
Conclua que Z[ −6] não é um DIP.

13. Dê um exemplo de um DFU com um subdomı́nio, o qual, não é um DFU.

14. Em Z[i], mostre que 3 é irred. e que 2 e 5 não são irred..

15. Num domı́nio, mostre que a e b são associados se e somente se < a >=< b >

16. Prove que 7 é irred. em Z[ 6] , mesmo que N (7) não seja primo.
√ √
17. Prove que Z[ −3] não é um DIP. Idem para Z[ −5]

18. Prove que as únicas unidades de Z[ d] onde d é livre de quadrados e menor que −1, são ±1.

19. V ou F? Se D é um DIP então D[x] é um DIP.

20. Mostre que 3x2 + 4x + 3 ∈ Z5 [x] se fatora como (3x + 2)(x + 4) e (4x + 1)(2x + 3). Por que
isto não contraria que Z5 [x] tem fatoração única?
58 CAPÍTULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMÍNIOS

21. Prove que Z[ 5] não é um DFU.
22. Prove que se p 6= 0 num DIP, < p > é um ideal maximal ⇔ p é irredutı́vel.
23. V ou F ? Um subdomı́nio de um DE é um DE.
Z[i]
24. Mostre que para todo ideal não trivial A de Z[i], A
é finito.
25. Prove que as únicas soluções inteiras da equação diofantina y 2 + 1 = 2x3 são y = ±1, x = 1.
Para isto:

(a) Mostre que Z[i] é um DFU.


(b) Mostre que y deve ser ı́mpar .
(c) Fatore a equação em Z[i] e mostre que mdc{y + i, y − i} = 1 + i
(d) Substituindo os valores obtidos acima e usando a fatoração única de Z[i], conclua o
problema.

26. Demonstre o Teorema de Fermat;

Seja p um número primo. Então são equivalentes:

(a) p = 2 ou p ≡ 1 mod 4
(b) Existe a ∈ Z tal que a2 ≡ −1 mod p
(c) p não é irredutı́vel em Z[i]
(d) p é soma de dois quadrados.

Sugestões

Para provar (a) =⇒ (b) use o Pequeno Teorema de Fermat:

Para todo elemento a ∈ Z∗p temos xp−1 ≡ 1 mod p; isto é, para todo x ∈ {1, 2, ..., p − 1}, x é
raiz de 1X p−1 − 1 ∈ Zp [X]. E depois use que Zp [X] é um DFU.

Para provar (b) =⇒ (c) observe que Z[i] é um DIP e então todo irredutı́vel é primo.
27. Mostre que os elementos irredutı́veis de Z[i] são exatamente os elementos :

(a) ±p, ±pi com p primo em Z, p ≡ 3 mod 4


(b) a + bi com a2 + b2 primo em Z

28. Prove o Teorema de Fermat que diz:

Seja n um inteiro positivo e seja n = 2r p1 u1 ...pt ut q1 v1 q2 v2 ...qs vs sua decomposição em irre-


dutı́veis de Z, onde p1 , p2 , ..., pt são primos da forma 4n + 1 e q1 , q2 , ..., qs são primos do tipo
4n + 3. Então, n é soma de dois quadrados se e somente se v1 , v2 , ..., vs são pares.
7.4. LISTA DE EXERCÍCIOS DO CAPÍTULO 7 59

29. Dê exemplo de um domı́nio R no qual existe um√elemento que não√seja produto finito de
√ 2√
22 3 n
elementos irredutı́veis. Sugestão: Use R = K[x, x, x, x, ..., 2 x, ...] e mostre que x
2

não é um produto de um número finito de irredutı́veis.


Capı́tulo 8

Algumas aplicações da fatoração única


em domı́nios

Este capı́tulo foi proposto como um trabalho final de curso em dezembro de 2004 aos alunos de
Álgebra I e Estruturas Algébricas I. Apresentei apenas um roteiro para a demonstração do Teorema
de Fermat para o caso n=3 e os alunos deveriam completá-lo. A versão que agora apresento é a
do aluno Éden Amorim do Curso de Matemática Computacional. Fiz apenas algumas comple-
mentações no final da demonstração do teorema.

8.1 Introdução
Um dos problemas mais famosos e que intrigou vários matemáticos foi o de determinar se a equação

X n + Y n = Z n, n≥3

tem solução inteira com xyz 6= 0.


Há mil anos, matemáticos árabes haviam dado uma prova de que não havia solução para o caso
n = 3, mas incorreta. Foi o matemático francês Pierre de Fermat (1601-1665) que em 1637 retomou
o problema escrevendo nas margens de um livro que sabia como demonstrar que não havia solução
para essa equação, porém não apresentou tal demonstração.
Desde então, demonstrar esse resultado, conhecido como Último Teorema de Fermat, tornou-se
um desafio e foi estudado por grandes matemáticos como Euler, Gauss, Cauchy, Hilbert e Sophie
Germain, que demonstraram casos particulares. Outros tentaram apresentar a resolução para o caso
geral, mas sem sucesso. Somente em 1995 o matemático Andrew Wiles apresentou a demonstração
correta de que não há solução inteira não nula para a equação.
Nesse trabalho vamos apresentar uma demonstração para o caso n = 3:

Teorema 8.1.1. A equação diofantina

X3 + Y 3 = Z3

não tem solução (x, y, z) ∈ Z3 tais que xyz 6= 0.

60
8.2. O ANEL Z[ω] 61

8.2 O anel Z[ω]


Considere o número complexo


i 1 3
ω=e =− +
3 i,
2 2
raiz terceira da unidade, isto é, ω 3 = 1. Esse número, assim como ω 2 = ω, é um gerador do
grupo {1, ω, ω 2 } das raı́zes terceiras da unidade. Também temos que vale a igualdade

ω2 + ω + 1 = 0 (∗).

A partir desse número temos o anel Z[ω] definido por:

Z[ω] = {a + bω | a, b ∈ Z ; ω 2 + ω + 1 = 0
Dados α = a + bω e β = c + dω em Z[ω], a soma desses elementos é da forma

(a + bω) + (c + dω) = (a + c) + (b + d)ω

e o produto é

(a + bω)(c + dω) = ac + (ad + bc)ω + bdω 2 = ac + (ad + bc)ω + bd(ω 2 + ω + 1) − bdω − bd =


= (ac − bd) + (ad + bc − bd)ω

onde, para eliminar o termo quadrático, somamos e subtraı́mos o termo bd(w + 1) e usamos que
ω satisfaz a igualdade (∗).
Esse anel é um domı́nio pois é um subconjunto do corpo C.
Em Z[ω] definimos a função:

N : Z[ω] − {0} → Z+
a + bω 7→ a2 − ab + b2
a qual chamaremos de norma.
Com essas definições vamos provar as proposições a seguir.

Proposição 8.2.1. Em Z[ω],

1. Se a + bω ∈ Z[ω] é escrito na forma u + iv ∈ C então N (a + bω) = u2 + v 2 . Isto prova que


N está bem definida.

2. Para todo α, β ∈ Z[ω] temos N (αβ) = N (α)N (β). Também, se α | β então N (α) | N (β) em
Z.

3. O conjunto das unidades de Z[ω] é

U (Z[ω]) = {α ∈ Z[ω] | N (α) = 1} = {1, −1, ω, −ω, 1 + ω, −1 − ω}.


62 CAPÍTULO 8. ALGUMAS APLICAÇÕES DA FATORAÇÃO ÚNICA EM DOMÍNIOS

4. O corpo quociente de Z[ω] é Q[ω].

Demonstração

1. O elemento a + bω de Z[ω] pode ser escrito como


 √  √
1 3 b 3b
a+b − + i =a− + i
2 2 2 2
Como número complexo, a norma ao quadrado desse elemento é
√ 2  2  √ 2
b2 3b2

b 3b b 3b 2
= a2 − ab + b2 = N (a + bω)

a − + i = a− + = a − ab + +
2 2 2 2 4 4

Portanto vemos que a função N está bem definida em Z[ω].

2. Dados α = a + bω e β = c + dω, temos αβ = (ac − bd) + (ad + bc − bd)ω e portanto

N (αβ) = (ac − bd)2 − (ac − bd)(ad + bc − bd) + (ad + bc − bd)2 =


= a2 c2 − a2 cd + a2 d2 − abc2 + abcd − abd2 + b2 c2 − b2 cd + b2 d2 =
= (a2 − ab + b2 )(c2 − cd + d2 ) = N (α)N (β)

Se α | β, existe κ ∈ Z[ω] tal que β = κα. Aplicando a função N temos N (β) = N (κ)N (α) de
onde concluı́mos que N (α) | N (β) em Z.

3. Suponha que υ seja uma unidade de Z[ω]. Então existe υ −1 tal que υυ −1 = 1.
Aplicando a função N temos N (υ)N (υ −1 ) = N (1) = 1. Mas em Z+ , a única fatoração de 1 é
1 = 1 · 1. Portanto, N (υ) = N (υ −1 ) = 1.
Vamos agora obter os elementos que possuem norma 1, isto é, os elementos a+bω que satisfazem
a equação a2 − ab + b2 = 1. Para isso considere o polinômio p(a) = a2 − ab + b2 − 1 ∈ Z[a]. Esse
polinômio tem raı́zes se, e somente se, o discriminante ν é não-negativo, ou seja, se b2 −4(b2 −1) ≥ 0.
Resolvendo essa inequação em R obtemos |b| ≤ √23 implicando que os possı́veis valores inteiros de
b são −1, 0 e 1. Vamos analisar cada caso:

• b = −1: Então p(a) = a2 + a e suas raı́zes são a = 0 e a = −1

• b = 0: Então p(a) = a2 − 1 e suas raı́zes são a = 1 e a = −1

• b = 1: Então p(a) = a2 − a e suas raı́zes são a = 0 e a = 1

Portanto, o conjunto dos elementos de Z[ω] com norma 1 é {1, −1, ω, −ω, 1 + ω, −1 − ω}. Po-
demos facilmente verificar que 1 · 1 = (−1) · (−1) = ω · (−1 − ω) = (−ω) · (1 + ω) = 1. Logo, um
elemento de Z[ω] é unidade se, e somente se, sua norma é igual a 1.

4. Antes vamos definir o elemento ”conjugado”em Z[ω]. Dado um elemento α = a + bω ∈ Z[ω],


queremos encontrar α ∈ Z[ω] tal que α · α = N (α). Para obter esse elemento basta resolver o
seguinte sistema nas variáveis x e y:
8.2. O ANEL Z[ω] 63

(a + bω)(x + yω) = a2 − ab + b2 .
Assim temos que, para qualquer α em Z[ω], α = (a − b) − bω. Podemos verificar que esses
elementos, quando escritos na forma u + iv, são realmente conjugados em C.
Agora vamos à demonstração da propriedade 4. O corpo quociente de Z[ω], Z(ω), e o corpo
Q[ω] são descritos por
 
a + bω 2 2
Z(ω) = | a, b, c, d ∈ Z e c + d 6= 0
c + dω
e
 
a b 2 2
Q[ω] = + ω | a, b, c, d ∈ Z e c + d 6= 0
c d
a + bω
Considere um elemento de Z(ω), digamos . Multiplicando numerador e denominador
c + dω
pelo conjugado do denominador temos

(a + bω)(c − d − dω) (ac − ad − bd) + (bc − ad)ω


= =
(c + dω)(c − d − dω) c2 − cd + d2
ac − ad − bd bc − ad
= 2 + ω ∈ Q[ω]
c − cd + d2 c2 − cd + d2
a b
Por outro lado, dado um elemento + ω de Q[ω], podemos escrever
c d
a b ad cb ad + cbω
+ ω= + ω= ∈ Z(ω)
c d cd cd cd
Desse modo concluı́mos que Q[ω] é o corpo quociente de Z[ω].

Proposição 8.2.2. O anel Z[ω] com a função N é um DE.


Demonstração

Vamos verificar as duas propriedades de um DE:

• N (αβ) ≥ N (α):

Pela proposição 8.2.1.2 temos N (αβ) = N (α)N (β). Como a imagem da função N é o conjunto
dos inteiros positivos, concluı́mos que N (αβ) ≥ N (α) e N (αβ) ≥ N (β).

• Algoritmo da divisão:

Se x, y ∈ Z[ω] com y 6= 0, então, pelo item 4 da proposição 8.2.1, xy −1 ∈ Q[ω]. Assim temos
que xy −1 = s + tω, onde s, t ∈ Q[ω]. Vamos considerar inteiros m e n tais que |m − s| ≤ 1/2 e
|n − t| ≤ 1/2, ou seja, m e n são os inteiros mais próximos dos racionais s e t. Então
64 CAPÍTULO 8. ALGUMAS APLICAÇÕES DA FATORAÇÃO ÚNICA EM DOMÍNIOS

xy −1 = s + tω = (m − n + s) + (n − n + t)ω =
= (m + nω) + [(s − m) + (t − n)ω].
Portanto

x = (m + nω)y + [(s − m) + (t − n)ω]y.


Afirmamos que q = (m + nω) e r = [(s − m) + (t − n)ω]y satisfazem o algoritmo da divisão.
De fato, q pertence a Z[ω] e, como podemos escrever r = x − qy, o mesmo acontece para r.
Além disso,
N (r) = N ([(s − m) + (t − n)ω])N (y) =
= [(s − m)2 − (s − m)(t − n) + (t − n)2 ]N (y) ≤
1
≤ N (y) < N (y).
4

Feito isso, concluı́mos que Z[ω] é de fato um domı́nio euclidiano.


Corolário 8.2.3. O anel Z[ω] é um DIP e portanto um DFU.
Demonstração

De fato, todo DE é um DIP e todo DIP é um DFU.

Proposição 8.2.4. O elemento γ = 1 − ω é um elemento irredutı́vel em Z[ω] e a fatoração de 3


em elementos irredutı́veis de Z[ω] é 3 = −ω 2 (1 − ω)2 = −ω 2 γ 2 .
Demonstração

O elemento γ = 1 − ω não é nulo nem invertı́vel (proposição 8.2.1-3). Suponha agora que
γ = α · β e vamos mostrar que α ou β é invertı́vel. Aplicando a norma:

N (α)N (β) = N (γ) = 3


Sabemos que, como 3 é primo no DIP Z, a única fatoração de 3 em Z é 3 = 3 · 1. Por-
tanto N (α) = 1 ou N (β) = 1, ou seja, α ou β é invertı́vel (novamente pela proposição 8.2.1-3).
Concluı́mos então que γ é irredutı́vel e, como Z[ω] é DIP (corolário 8.2.3), também é primo em Z[ω].

Vamos agora verificar que −ω 2 γ 2 é a fatoração de 3 em elementos irredutı́veis de Z[ω]:

−ω 2 γ 2 = −ω 2 (1 − γ)2 = −ω 2 (1 − 2ω + ω 2 ) =
= −ω 2 + 2ω 3 − ω 4 = −ω 2 + 2 − ω =
= −(ω 2 + ω + 1) + 3 = 3
Como Z[ω] é DFU, essa é a única fatoração de 3.
8.2. O ANEL Z[ω] 65

Proposição 8.2.5. Se um inteiro a é divisı́vel por γ = 1 − ω em Z[ω] então 3 | a em Z.


Demonstração

Como a é divisı́vel por γ, existe κ ∈ Z[ω] tal que a = κγ. Aplicando a norma temos a2 = N (κ)3,
implicando que 3 divide a2 em Z. Como 3 é primo em Z, concluı́mos que 3 divide a.
O contrário também vale. De fato, se a é inteiro e 3 | a em Z[ω], então γ | a, uma vez que γ é
fator de 3.

Z[ω] ∼
Proposição 8.2.6. = Z3 .
<γ>
Demonstração

Verificaremos esse isomorfismo usando o teorema fundamental do homomorfismo (TFH), isto


é, precisamos definir um homomorfismo cuja imagem seja Z3 e cujo núcleo(ou kernel) seja o ideal
< γ >.
Z[ω]
Para isso, podemos observar qual é a forma dos elementos de <γ> :
a + bω+ < γ >= a + b − bγ+ < γ >= a + b+ < γ > .
Baseados nessa observação juntamente com a proposição 8.2.5, definimos a seguinte função:

ϕ: Z[ω] → Z3
a + bω 7→ a + b
onde a + b representa a classe de a + b em Z3 .

Vamos verificar que γ é um um homomorfismo:


• Adição:
ϕ((a + bω) + (c + dω)) = ϕ((a + c) + (b + d)ω) = a + c + b + d =
= a + b + c + d = ϕ(a + bω) + ϕ(c + dω)
• Multiplicação:
ϕ((a + bω) · (c + dω)) = ϕ((ac − bd) + (ad + bc − bd)ω) = ac − bd + ad + bc − bd =
= ac + ad + bc + bd = (a + b) · (c + d) =
= ϕ(a + bω) · ϕ(c + dω)

Agora vamos verificar as condições necessárias para usar o TFH:


• O homomorfismo ϕ é sobrejetor. De fato, dado n ∈ Z3 , temos ϕ(n + 0ω) = n.
• Nuc ϕ =< γ >
Considere α ∈< γ >. Então existe κ = c + dω ∈ Z[ω] tal que α = κγ. Escrevendo de outra
forma, temos α = (c + dω)(1 − ω) = (c + d) + (2d − c)ω. Portanto ϕ(α) = c + d + 2d − c = 0. Logo,
α ∈ Nuc ϕ.
66 CAPÍTULO 8. ALGUMAS APLICAÇÕES DA FATORAÇÃO ÚNICA EM DOMÍNIOS

Por outro lado, seja α = a + bω ∈ Nuc ϕ, isto é, ϕ(a + bω) = 0. Assim, a + b = 0, significando
que, em Z, podemos escrever a + b = 3k. Mas em Z[ω], de acordo com a proposição 8.2.4, isso pode
ser reescrito como a + b = −ω 2 γ 2 k. Pela observação feita no começo desta demonstração, temos
que a + bω = −(b + ω 2 kγ)γ e portanto, α ∈< γ >. Desse modo, concluı́mos a igualdade entre esses
dois conjuntos.
Portanto, pelo THF
Z[ω] Z[ω] ∼
= = Z3 = Im ϕ
Nuc ϕ <γ>
Z[ω]
Com esse isomorfismo demonstrado, podemos representar as classes de <γ>
por −1, 0 e 1.
Z[ω]
Também vamos representar por α 7→ α mod γ o homomorfismo canônico entre Z[ω] e <γ>
.

Proposição 8.2.7. Seja α ∈ Z[ω]. Se α não for divisı́vel por γ então α3 ≡ ± mod γ 4 .

Demonstração

Suponha que α ≡ 1 mod γ. Então existe κ ∈ Z[ω] tal que α = 1 + κγ. Elevando ao cubo ambos
os membros dessa equação:

α3 = 1 + 3κγ + 3κ2 γ 2 + κ3 γ 3 = 1 − ω 2 γ 3 κ − ω 2 γ 4 κ2 + κ3 γ 3
Portanto

α3 − 1 = γ 3 (κ3 − ω 2 κ) = γ 3 (κ(κ − ω)(κ + ω))


Queremos agora mostrar que o termo (κ(κ − ω)(κ + ω)) tem fator γ. Para isso, vamos analisar
3 casos:
• Se κ ≡ 0 mod γ já temos o resultado que queremos.

• Se κ ≡ 1 mod γ: Então κ − ω ≡ 1 − ω ≡ γ ≡ 0 mod γ.

• Se κ ≡ −1 mod γ: Então κ + ω ≡ −1 + ω ≡ −γ ≡ 0 mod γ.

Assim, o termo (κ(κ − ω)(κ + ω)) é divisı́vel por γ para todo κ. Logo, podemos escrever
α − 1 = kγ 4 e portanto α3 ≡ 1 mod γ 4 . Analogamente, supondo α ≡ −1 mod γ chegamos a
3

α3 ≡ −1 mod γ 4 .

8.3 A equação X 3 + Y 3 + Z 3 = 0
Considere a equação

X3 + Y 3 + Z3 = 0 (8.1)
Suponhamos que exista uma solução não trivial (α, β, ν) ∈ Z[ω]3 para essa equação. Podemos
considerar que α, β e ν são coprimos dois a dois. Com essa suposição e com a proposição a seguir,
tentaremos chegar em uma contradição, mostrando assim o teorema 8.1.1.
8.3. A EQUAÇÃO X 3 + Y 3 + Z 3 = 0 67

Proposição 8.3.1. Em Z[ω] podemos escrever X 3 + Y 3 = (X + 1Y )(X + ωY )(X + ω 2 Y )

Demonstração

Efetuando o produto:

(X +1Y )(X +ωY )(X +ω 2 Y ) = X 3 +X 2 Y ω 2 + X 2 Y ω+XY 2 ω 3 +X 2 Y +XY 2 ω 2 +XY 2 ω+Y 3 ω 3 =


= X 3 +Y 3 +X 2 Y (ω 2 +ω+1)+XY 2 (ω 2 +ω+1) = X 3 + Y 3

Proposição 8.3.2. Se α, β, ν ∈ Z[ω] for solução da equação X 3 + Y 3 + Z 3 = 0 então

1. O elemento γ = 1 − ω divide exatamente um dos elementos α ou β ou ν.

2. Suponha que γ | ν. Podemos afirmar que a equação

X 3 + Y 3 + U γ 3n Z 3 = 0 (8.2)

admite solução (x, y, u, z) ∈ Z[ω]4 para algum inteiro n positivo. Seja n0 o menor inteiro n
tal que a equação tenha solução.

3. n0 ≥ 2

4. Com relação ao item 2 podemos afirmar que γ | (x + y), γ | (x + ωy) e γ | (x + ω 2 y).

5. A equação

Y1 Y2 Y3 = −U1 γ 3n0 −3 Z13 (8.3)


tem solução (y1 , y2 , y3 , u1 , z1 ) ∈ Z[ω]5 com mdc(y1 , y2 ) = mdc(y1 , y3 ) = mdc(y3 , y2 ) = 1.

6. Podemos escrever y1 = ε1 γ 3n0 −3 t31 , y2 = ε2 t32 e y3 = ε3 t33 , onde εi com i ∈ {1, 2, 3} são unidades
de Z[ω] e ti com i ∈ {1, 2, 3} são elementos de Z[ω], os quais são 2 a 2 relativamente primos
e nenhum é divisı́vel por γ.

7. Usando a escolha de n0 , obtemos um absurdo e concluı́mos que a equação X 3 + Y 3 + Z 3 = 0


não tem nenhuma solução não trivial em Z[ω].

Demonstração

1. Como estamos supondo que α, β, e ν são coprimos 2 a 2, de inı́cio já podemos descartar a
possibilidade de haver elemento que divida todos os três ao mesmo tempo ou quaisquer dois deles.
Agora suponha que γ não divida nenhum deles. Isso significa que α ≡ ±1 mod γ, β ≡ ±1 mod γ
e ν ≡ ±1 mod γ. Porém, usando a proposição 8.2.7 e a equação (8.1) esses elementos devem
satisfazer
α3 + β 3 + ν 3 ≡ 0 mod γ 4 .
68 CAPÍTULO 8. ALGUMAS APLICAÇÕES DA FATORAÇÃO ÚNICA EM DOMÍNIOS

Mas os possı́veis valores para a soma da equação acima são {1, −1, 3, −3}, que são todos dife-
rentes de zero (sabemos que 3 = −ω 2 γ 2 ). Portanto chegamos numa contradição e podemos concluir
que γ divide exatamente um elemento dentre α, β e ν.

2. Podemos fatorar ν do seguinte modo:

ν = εγ n t,

onde ε é invertı́vel, t não é divisı́vel por γ e n é pelo menos igual a 1, já que γ divide ν. Assim,

α3 + β 3 + ε3 γ 3n t3 = 0. (8.4)
Logo, (x = α, y = β, u = ε3 , z = t) ∈ Z[ω]4 é solução da equação (8.2).

3. Como γ não divide α nem β temos que α ≡ ±1 mod γ e β ≡ ±1 mod γ. Da equação (8.4)
sabemos que α3 + β 3 ≡ 0 mod γ, e portanto as classes de α e β têm sinais contrários na congruência
módulo γ, ou seja, se α ≡ 1 mod γ então β ≡ −1 mod γ.
Desse modo, pela equação (8.4) e pela proposição (8.2.7) temos a congruência

α3 + β 3 + ε3 γ 3n t3 ≡ 0 mod γ 4 ⇒ ε3 γ 3n t3 ≡ 0 mod γ 4
Mas como γ não divide ε nem t, concluı́mos que γ 4 deve dividir γ 3n , o que só é possı́vel se
tivermos n ≥ 2, como querı́amos demonstrar.

4. Pela proposição 8.3.1, a equação (8.4) pode ser escrita como

(x + y)(x + ωy)(x + ω 2 y) = −uγ 3n z 3 = 0.

Como γ é primo em Z[ω], ele divide um dos fatores do lado esquerdo da equação. O que vamos
mostrar agora é que se γ dividir um dos fatores, ele também dividirá os outros dois. Para isso
verificaremos as equivalências γ | (x + y) ⇔ γ | (x + ωy) ⇔ γ | (x + ω 2 y):

• Suponha que γ | (x + y), isto é, (x + y) ≡ 0 mod γ. Portanto:

x + ωy ≡ x + y − y(1 − ω) ≡ 0 mod γ

• Se γ | (x + ωy), então:

x + ω 2 y ≡ x + ω(ωy) ≡ x + ωy − ωy(1 − ω) ≡ 0 mod γ

• Finalmente, se γ | (x + ω 2 y):

x + y ≡ x + ω(ω 2 y) ≡ x + ω 2 y − ω 2 y(1 − ω) ≡ 0 mod γ

Portanto, concluı́mos que γ divide os três fatores.

5. Pelo item anterior, existem y1 , y2 , y3 ∈ Z[ω] tal que

(x + y) = y1 γ, (x + ωy) = y2 γ e (x + ω 2 y) = y3 γ (8.5)
8.3. A EQUAÇÃO X 3 + Y 3 + Z 3 = 0 69

Então, a partir da solução da equação (8.2) e da proposição 8.3.1 escrevemos:

y1 y2 y3 γ 3 = −uγ 3n z 3 = 0 ⇒ y1 y2 y3 = −uγ 3n−3 z 3 .

Assim, (y1 , y2 , y3 , u, z) ∈ Z[ω]5 é solução da equação 8.3.


Além disso, y1 , y2 , y3 são coprimos 2 a 2. Para ver isso, suponha que exista um elemento
irredutı́vel a ∈ Z[ω] que divida y1 e y2 . Então pelas equações 8.5, a | x+y γ
e a | x+ωy γ
. Daı́,
x+y−x−ωy
a| γ
), ou seja, a | y . Mas isso implica que a | x (pois a | (x + y)), contradizendo que x e y
são coprimos.
2y 2
Similarmente, supondo que a|y1 e a|y3 , então a| x+y γ
, a| x+ω
γ
. Segue daı́ a | x+ω y−x−yγ
, ou
seja, a | (ω + 1)y. Como ω + 1 é invertı́vel, concluı́mos que a | y e conseqüêntemente a | x,
contradizendo novamente a hipótese de que x e y são coprimos.
2y 2 y)
Finalmente, se a | y2 e a | y3 , então a | x+ωy γ
e a | x+ωγ
. Assim a | (x+ωy−x−ω
γ
, isto é, a | ωy .
Mas ω é invertı́vel, implicando que a | y e segue que também a | x, de onde chegamos outra vez
numa contradição. Logo, y1 , y2 , y3 são coprimos 2 a 2.

6. Pelo item anterior, temos que os yi ’s (i = 1, 2, 3) são coprimos dois a dois. Assim, por ser
Z[ω] um DFU, apenas um deles possui o fator γ 3n0 −3 ; suponhamos que seja y1 . Portanto, fatorando
os yi ’s temos y1 = ε1 γ 3n0 −3 t31 , y2 = ε2 t32 e y3 = ε3 t33 , onde εi com i ∈ {1, 2, 3} são unidades de Z[ω] e
ti com i ∈ {1, 2, 3} são elementos de Z[ω], os quais são coprimos 2 a 2 e nenhum é divisı́vel por γ.

7. Observe que

x+y x + ωy x + ω2y x(1 + ω + ω 2 ) + y(1 + ω + ω 2 )


y1 + ωy2 + ω 2 y3 = +ω + ω2 = =0
γ γ γ γ

e assim fazendo as substituições do item 6 temos

ω 2 ε3 t33 + ωε2 t32 + ε1 γ 3n0 −3 t31 = 0,

ou seja
t33 + ε4 t32 + ε5 γ 3n0 −3 t31 = 0

sendo ε4 e ε5 unidades de Z[ω]. Passando a última equação mod γ 4 temos que ε4 ∈ {1, −1, ω, −ω, ω 2 , −ω 2 }.
Fazendo uma substituição direta temos que ε4 ∈ {1, −1} e assim achamos uma solução da equação
(8.2) e como 3n0 − 3 < 3n0 temos um absurdo pela escolha do n0 .
Logo provamos o

Teorema 8.3.1. A equação diofantina:

X3 + Y 3 = Z3

não tem solução (x, y, z) ∈ Z3 tais que xyz 6= 0 e x, y, z inteiros.


70 CAPÍTULO 8. ALGUMAS APLICAÇÕES DA FATORAÇÃO ÚNICA EM DOMÍNIOS

8.4 A equação Y 2 + 1 = 2X 3
Queremos demonstrar o seguinte

Teorema 8.4.1 (Fermat). As únicas soluções inteiras da equação

Y 2 + 1 = 2X 3

são y = ±1, x = 1.

Dem: Primeiro observe que y deve ser ı́mpar porque senão 2 seria invertı́vel em Z. Reescrevendo
a equação em Z[i] temos:

(y + i)(y − i) = 2x3 .
Todo divisor comum de y − i e y + i deverá tambem dividir (y + i) − (y − i) = 2i = (1 + i)2 e
portanto deve ser 1, 1 + i ou (1 + i)2 (a menos de unidades). Como y é ı́mpar então (1 + i)2 = 2i
não pode ser . Assim mdc{y + i, y − i} = 1 + i e podemos escrever

y + i = (1 + i)(a + bi) e y − i = (1 + i)(c + di)


onde mdc{a + bi, c + di} = 1. Então

2x3 = (y + i)(y − i) = (1 + i)2 (a + bi)(c + di) = 2i(a + bi)(c + di)


e como Z[i] é um DFU, a + bi e c + di devem ser cubos em Z[i]; note que todas as unidades ±1, ±i
de Z[i] são cubos. Assim podemos escrever que existem inteiros α, β tais que

y + i = (1 + i)(α + βi)3 = (α3 − 3αβ 2 − 3α2 β + β 3 ) + i(α3 − 3αβ 2 + 3α2 β − β 3 ).

Resolvendo esta equação temos

y = α3 − 3αβ 2 − 3α2 β + β 3 = (α + β)(α2 − 4αβ + β 2 )


e
1 = α3 − 3αβ 2 + 3α2 β − β 3 = (α − β)(α2 + 4αβ + β 2 ).
A última equação é somente satisfeita para α = 0, β = −1 e α = 1, β = 0. Levando essas
possibilidades na equação anterir obtemos y = ±1. e a equação está resolvida.
Referências Bibliográficas

[1] Gallian J., Contemporary Abstract Algebra, third edition, Heath, 1994.

[2] Garcia A. e Lequain Y., Álgebra : um curso de introdução , Projeto Euclides, 1988.

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