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AULA DE 22 DE JANEIRO

O Monstro Humano é uma figura que tem sua existência por si só como uma infração das
leis humanas e naturais. O monstro é a mistura do impossível com o proibido, uma
transgressão "jurídico-biológica". O monstro despotencializa a lei que infringe e não tem
como intenção contradizê-la, ou seja, o monstro é uma infração fora da lei que não pode ser
respondida pela lei pois foi causada pela natureza, mas será por alguma forma de
sentimento como a violência ou a piedade. O monstro é a representação das falhas, dos
desvios, da natureza que são maximizados. O monstro é uma figura auto-referente, que tem
como caráter sua própria afirmação visto que não pode se referir a natureza. O monstro
humano no cotidiano, normalizado e desvendado, dá origem a duas figuras, o anormal e o
indivíduo a ser corrigido. O indivíduo a ser corrigido é um indivíduo que destoa daquilo que
lhe é naturalmente atribuído pelas estruturas de poder vigentes e que diferente do monstro
é bem comum. Por ser comum torna-se difícil de ser explicitado pois é regular em
irregularidade, mesmo que seja identificado é difícil prová-lo em seu caráter incorrigível,
está a uma distância perfeita para cair no vão do indizível. Nesse ponto traça-se uma
disputa entre o incorrigível e o corrigível. O ser incorrigível posto no sistema de correção é o
"anormal".
Por fim uma terceira figura sobra: a do masturbador, que consiste numa figura que tem
como contexto não mais às estruturas do poder natural (transgressão de leis) ou da esfera
social (família, igreja etc) o romper com a norma da criança masturbadora é com o próprio
corpo, com o quarto, com alguma figura unitária. O sujeito masturbador é universal e ao
mesmo tempo secreto, ninguém verbaliza, mas todos praticam o ato masturbatório. O ato
masturbador é ligado às patologias e visto como um tabu.
O Anormal formado no século XIX é um descendente desses 3 indivíduos, o monstro, o
incorrigível e o masturbador. O anormal é transgressor, incorrigível, reprimido e é secreto
apesar de universal.
Ao longo dos séculos anteriores ao XIX essas 3 categorias foram separadas e tiveram seus
níveis de importância variados dependendo da época. Sendo inicialmente o monstruoso o
mais importante, trataremos dele nesse momento.
Voltemos especificamente ao tema do monstro. O monstro é uma noção jurídica e se
caracteriza como uma mistura entre 2 elementos distintos, animal e humano por exemplo,
porém apenas ser uma mistura, um deforme, não é suficiente para que um ente seja
monstruoso. Além de causar a ruptura das leis naturais, o monstro rompe as leis do direito,
o deforme é previsto pelo direito, mas o monstro transgride e escapa do domínio do
julgamento por vezes colocando as normas da legislação em cheque.

AULA 29 DE JANEIRO

Falaremos sobre o monstro moral. Se durante o século 17 e 18 o monstro era


provavelmente um criminoso, a partir do século 19 a situação se inverte e o criminoso passa
a, provavelmente, ser um monstro.
Para entender o que gerou essa inversão deve-se primeiro analisar o porquê durante os
séculos 17 e 18 essa inversão não ocorreu.
No período dos séculos 17 e 18 o crime era necessariamente uma afronta ao soberano, o
rei, e sua punição era a vingança pessoal do soberano ao indivíduo que o feriu. A resposta
da pena era sempre maior e esmagadora em relação ao crime e sendo assim podemos
explicar o porquê do crime não ser monstruoso nesse período, pois por mais feroz que
fosse a infração cometida o poder legal sempre a subjugaria.
Sendo assim, como se deu essa transformação?
A evolução nos mecanismos de governo tornou o poder algo não mais ritualístico mas
presente o tempo inteiro na vida do corpo social, o poder não era a vontade do soberano,
era uma força contínua e imparável que valia o tempo inteiro e padronizada para todos.
Tendo isso em vista a punição deixou de ser também a vingança desmedida do rei e
passou a ser aplicada por uma polícia que busca punir a intenção por trás do crime, não
necessariamente o ato, mas o que leva o indivíduo a cometê-lo e essa resposta será muito
mais fraca que a do sistema anterior. O crime deixa de ser apenas uma violação do natural,
ele passa a ter sua própria natureza e o criminoso é definido como um ser que deve ser
estudado para que se entenda a racionalidade por trás de seus atos. Mas sabendo que será
punido o que leva o criminoso a enfrentar a lei? Agora que o criminoso é estudado passa-se
a entender a possibilidade de ser um desviado por natureza, um lunático, um monstro que
enfrenta o sistema de frente e em última instância um doente, portanto o prisioneiro passa a
ser estudado e catalogado como um ser que foge da ordem natural e do bom
funcionamento das faculdades mentais e físicas, um erro.
Nessa ordenação o primeiro monstro a surgir é o monstro político, aquele que rompe o
natural por meio do abuso de poder. No contexto político surge uma dupla simétrica no fim
do século XVIII, o déspota e o criminoso, o soberano irresponsável era um exemplo para o
criminoso e ambos, um acima e o outro abaixo das leis, iam contra o natural. Entretanto
após a revolução francesa a situação vai além, o criminoso passa a ser o indivíduo que por
pequenos deslizes em dado momento comete atos tirânicos, já o tirano é um eterno
criminoso, que apenas por existir ameaça o sistema e vai contra ele, o tirano é o primeiro
monstro jurídico. O primeiro monstro não foi aquele que se rebelou contra as leis naturais,
mas o que quebrou o pacto social entre toda a população. Sendo assim aniquila-lo por meio
do pacto não era tão fácil e uma enorme discussão se desenvolveu a partir do tema: como
deve-se matar o monstro. Discussão essa que mais tarde seria importantíssima para os
desdobramentos de como lidar com os indivíduos monstruosos do cotidiano, se deveria-se
ou não puni-los por meio da lei ou se por serem contra naturais deveriam sofrer o mal sem a
possibilidade de serem julgados.
Nesse período a figura do rei, especialmente de Luís XVI e Maria Antonieta se tornam
extremamente monstruosas e toda representação deles refletia isso. O principal crime
monstruoso ligado a nobreza era a depravação sexual, particularmente o incesto.
A representação do monstro não era feita apenas pelos revolucionários mas pelos anti
jacobinos também, que mostravam outro monstro, não o rei depravado acima da lei, mas o
revolucionário que rompe com o pacto social. Enquanto a figura do rei é ligada ao incesto, o
monstro popular é ligada ao antropofagismo, ao canibalismo.
Esses dois monstros políticos surgem na literatura e são os ancestrais dos monstros da
literatura e da tipificação criminal e antropológica. O antropófago e depravado são figuras
que ferem o pacto social e se tornam objeto de estudo e compreensão.

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