Você está na página 1de 5

História da Filosofia Contemporânea II - Avaliação

Nome: Gabriel Malta Xavier

Fichamento crítico: Descobrindo a existência com husserl e Heidegger;


capítulo “A Ontologia no Temporal”; 2° tópico - A Ontologia e O Dasein

1. Sobre a estrutura do fichamento:


Levinas tem em Heidegger um de seus principais interlocutores, poder-se-ia dizer que
é deste que o autor do texto a seguir apresentado recebeu o fôlego da investigação filosófica.
A abertura da questão pelo sentido do ser deu a Levinas a possibilidade de repensar toda a
história da filosofia e propor uma nova compreensão sobre o sentido de ser, a apreensão e os
modos de ser do “Eu”. Compreender a leitura que Levinas faz de Heidegger é uma tarefa
necessária para que a obra do autor possa ser desfrutada em seu máximo potencial. Nesse
sentido, por mais que o presente trabalho se pretenda um fichamento a respeito de um texto
do autor que analisa a obra de Martin Heidegger, tal tarefa será levada a fim de cumprir uma
questão que muito mais me cativa: dizer de forma sucinta e pontual qual a resposta de
Levinas sobre a forma como se conduziu a tarefa da filosofia. Afim de atingir tal propósito e
sabendo das limitações a partir das quais o empreendimento deve ser levado, o presente
trabalho será dividido em três pequenas partes, a saber: fichamento do texto principal; análise
da forma como se dá o ato de “conhecer”, de acordo com Levinas, por meio da identificação
e, por fim, a correlação entre ambos os temas. A segunda seção dirá a respeito do primeiro
trecho de um breve ensaio de Levinas, compilado no mesmo livro do texto principal
(Descobrindo a Existência com Husserl e Heidegger). O ensaio em questão é “O Vestígio do
Outro” e o trecho abordado será “O ser e o Mesmo” (publicado originalmente em Tijdschrift
voor Filosofie, 1963, n°3)

2. Fichamento do texto - Uma interpretação Levinasiana da tarefa da analitica do


Dasein:
Ao ser classificada dentro dos termos da tradição existencialista a filosofia
Heideggeriana é, de acordo com o próprio autor, vítima de uma forma de censura. Para ele, a
questão sobre a existência do homem é supérflua, interessa-lhe apenas a questão pelo ser em
seu conjunto e enquanto tal. Em outros termos, o autor dedica-se à tarefa de encontrar na
ontologia o problema fundamental da filosofia. A tarefa da ontologia seria descobrir o que é
“ser”. Esta tarefa, porém, não seria a de encontrar algo novo, completamente desconhecido ao
pensamento e sim a de desvelar algo que já se possui, de esclarecer a compreensão implícita e
pré-ontológica de ser a qual está disponível a todos. Poderia dizer, com risco de adiantar-me
em passos descuidados, que a tarefa do desvelamento é a tarefa de descobrir-se totalidade.
Levinas apresenta que tal procura por algo já conhecido não se dá em bases
platônicas: "não se trata de afirmar a liberdade absoluta do sujeito que tira tudo de si
mesmo, mas de subordinar toda iniciativa à realização antecipada de algumas das nossas
possibilidades” (Levinas, 1997, p. 102). Tal conclusão, desenvolve ainda o autor, leva a
perspectiva de um algo de acabado em cada um de nós. Não há novidade, no sentido de
quebra da ordem e da identificação. O futuro ganha uma abertura a partir do empenho das
faculdades no esclarecimento de suas possibilidades já antecipadas, não há novidade perante
o destino.
Seguindo tal conclusão, o problema ontológico não é uma simples pergunta jogada no
ar, é um problema colocado pelo homem devido ao fato de já estar se aventurando em sua
própria existência. O homem consiste em existir e existe enquanto Dasein, verbo e
substantivo. Do fato de que o Dasein tem como essência a existência, o autor desdobra a
percepção de que seus estados psicológicos são nada mais que maneiras de relacionar-se com
possibilidades de ser. São eles a resposta para a questão de “como ser”, são advérbios que se
aplicam a “existir”. Dessa forma, são sempre duplamente analisados como formas de
compreender a existência e atos pelos quais a existência se realiza. Este caráter duplo é
essencial para a análise de Heidegger.
A análise destes atos psicológicos é feita por Heidegger a partir de um plano que não
é da ordem das coisas sempre presentes. Eles devem ser interpretados dentro da abertura do
campo ontológico, o qual o autor nomeia como existencial. Em outras palavras, o movimento
da análise de Dasein dá-se em uma dimensão ontológica, onde busca-se descrever a
existência humana enquanto compreensão do sentido de ser. Por mais que a análise de Dasein
deva dar-se de tal forma, seria enganoso pressupor que o Dasein é em ontologia. Na
realidade, Heidegger nos apresenta um Dasein que é na maior parte do tempo uma existência
inautêntica, esquecida de seu verdadeiro sentido de ser, jogada num mundo onde solicita e é
solicitada e a partir do qual foge de seu destino de existência. É a partir da perspectiva
inautêntica que o Dasein se entende em relação com o mundo, como “senhor de toda gente”.
Nesse sentido, Dasein se interpreta longe de sua relação mais íntima com o sentido de ser.
Surge a perplexidade, esta analítica que propõe investigar, com compromissos ontológicos
um Dasein que se entende a partir do plano ôntico seria possível? A resposta de Levinas, em
confluência com Heidegger, é positiva. Levinas diz: "Ela é, por seu turno, um modo de
existência do Dasein - isto é, uma maneira de assumir a possibilidade de existir - uma
maneira de compreender e apreender o poder ser.” (1997, p. 103), Heidegger por sua vez
afirma a respeito disto: “É no próprio Dasein e assim em seu próprio entendimento-do- ser
que reside o que mostraremos como a reverberação ontológica do entendimento-do-mundo
sobre a interpretação-do-Dasein." (2012 p.71).
Pode-se dizer a respeito deste empreendimento que é na cotidianidade do plano ôntico
e da interpretação de si a partir do mundo do Dasein que se pode abrir a possibilidade de uma
compreensão ontológica. Levinas complementa, afirmando que o processo de fuga da
existência autêntica para aquilo que somos antes de tudo e na maioria das vezes não constitui
uma real fuga da autenticidade, é esta fuga que caracteriza a relação positiva entre o Dasein e
sua existência. O objetivo desta analítica é o de encontrar na banalidade da fuga para o
cotidiano a condição ontológica do ser do Dasein. Para a realização de tal empreendimento, é
necessário, porém a realização de um salto transcendente que passa da compreensão do ente
para a compreensão do ser, a este salto Heidegger reserva o nome de transcendência.
Heidegger dá à transcendência o papel de característica essencial da existência. Existência é
transcender, filosofar é buscar a verdade do ser, ou seja, é também transcender, a conclusão é
que existir é filosofar. Na visão de Levinas, a jornada transcendente de Heidegger é uma
jornada pelo estreitamento do elo entre vida e filosofia, é entender a filosofia enquanto o
acontecimento mais íntimo da existência.

3. ME IPSE - A apreensão e transformação de ser em mesmo:


Enquanto filósofo, Levinas se apresenta como um grande poeta. Talvez menos por um
preciosismo estético - o qual o autor não descarta, porém, - e mais pela sua capacidade de
comprimir conceitos abstratos em pouquíssimas palavras, o que faz de suas obras ensaísticas
um jogo de desdobramento de significações. Delimitar rigorosamente o que o autor quer dizer
ao referir-se a certa estrutura pode acabar por tornar-se um empecilho e não um atalho para
compreendê-lo. A obra de Levinas não trata da ordem do dito, mas da ordem do dizer.
Entretanto, tal discussão deve ser deixada de lado momentaneamente a fim de tratar de um
dos temas centrais de sua obra: a relação entre “Eu” e “Outro”.
Levinas inicia a primeira seção de seu ensaio “O vestígio do outro” abordando a
temática da identidade, “A = A”. Para o autor, entender a identidade do eu consigo mesmo no
âmbito da igualdade e correspondência de características não esgota a questão. “Eu” não se
define a partir de descrições ou por meio de um conjunto de dados apreendidos, “Eu”
identifica-se como identidade, como idêntico, “A ansioso por A”, “A em direção a A”.
Me ipse, diz o autor, ao descrever a identidade na figura do “Eu”. A definição de “Eu”
enquanto identificação abre a possibilidade de pensá-lo enquanto aquele que identifica tudo a
tudo, capaz de classificar, catalogar, de com-preender. O “Eu” descobre o mundo ao seu
redor como si mesmo, como “mesmo”. A ipseidade é a capacidade do sujeito de identificar
qualquer objeto e orquestra-lo em uma ordem. “O exterior do eu solicita-o quando precisa: o
exterior do eu existe para mim. A tautologia da ipseidade é um egoísmo." (Levinas, 1997, p.
227).
Com a conceituação de “Eu” enquanto identificação a perspectiva do conhecimento,
da iluminação, torna-se um processo de adequação, no qual o eu “deixa brilhar” um algo
estranho a si, para mais tarde descobri-lo como interioridade. O conhecimento transforma
aquilo que é estranho, indizivel, em categoria definida, não interrompe a identificação do
“Eu” de tudo com tudo, pelo contrário, é processo que reafirma-o em bases daquilo que lhe
pertence ou ainda irá lhe pertencer. O “Ser” é jogado na ordem, torna-se tema. Não é idêntico
ao pensador, a esse conserva certa estranheza, mas torna-se componente de uma ordem no
pensamento. O barbarismo da alteridade se perde, as infinitas facetas que se abrem a partir do
Ser perdem seu caráter de horizonte longínquo, tornam-se como que nublados por uma
névoa, que uma vez dissipada desvelaria os mistérios da existência, torna-se tema de
investigação.
A abertura que Heidegger apresenta com o ser do ente - pura alteridade - colocando-o
enquanto o eterno esquecido aponta para a direção deste que é o indizível, o escondido, o
vestígio. Entretanto a tentativa dos filósofos de forçar sua adequação coloca-o na ordem da
propriedade do futuro, na investigação direcionada, o ser do ente é abordado a partir do
desvelamento de uma verdade.
A partir da perspectiva fenomenológica é possível perceber que a ideia de que a
consciência de si (identificação) não é contraditória à consciência de um externo, na realidade
o jogo entre as duas se faz necessário. Essa consciência de um externo a mim, na realidade,
pode vir a reforçar a identificação quando transformada em um jogo de interiorização no qual
adequa-se tudo às bases de uma ordem egocentrada. O aparecimento do transcendente (Ser
para Heidegger) é convertido em aparência. O sentido daquele Ser que se busca é substituído
pela sua aparência que surge a apreensão, é delimitado e entendido a partir daquilo que pode
ser absorvido pela ordem. “A sombra é tomada por uma presa”. Entretanto o verdadeiro
sentido do Ser, a pura alteridade que lhe é característica é abandonada em prol de sua
colocação em uma ordenação. “A presa é abandonada na sombra”. Toda experiência se
converte em experiência a partir de mim. A doação de sentido do sujeito para a experiência é
o que abre espaço para o idealismo, para a compreensão de uma existência que é extensão da
percepção de mundo do “Eu”, para a identidade de Me Ipse.

4. Paralelos entre a apreensão de Ser em Heidegger e em Levinas:


O fichamento dos dois textos anteriores deixaram clara a crítica que Levinas faz a
compreensão da filosofia anterior a si no que tangencia a questão do conhecer. Levinas é um
fenomenólogo que rompe com a fenomenologia por dentro dela mesma ao levar às últimas
bases o pressuposto da alteridade. É no sentido da alteridade que a diferença mais
fundamental entre Levinas e Heidegger aparece em minha visão. Poderia ser dito que se por
um lado Heidegger entende o humano como um ente capaz de não só fazer, mas ser ele
mesmo a pergunta pelo Ser, Levinas compreende a figura do humano como aquele que é
resposta ao “outro”.
É nesse sentido que a divergência entre os dois autores é fundamental, a investigação
Heideggeriana que aponta no sentido do desvelamento a partir de um processo de
desconstrução da filosofia é feita ainda nas bases da busca pelo esclarecimento, é um
movimento em direção a algo mas que pretende retornar para si. O empreendimento
investigativo empenhado por Heidegger é o de redescobrir uma verdade (que já é sua) para
fundamentar seu mundo, para adequar a ordem. Na visão de Levinas, porém, essa tarefa
acaba sabotando-se exatamente por aquilo que buscava combater, ela é colocada em uma
ordem que nubla o sentido que busca. Levinas defende que a tentativa da investigação no
âmbito do esclarecimento e com-preensão da questão fundamental, seja ela em sua
formulação heideggeriana ou Levinasiana, é já o esquecimento do verdadeiro significado
desta, que na realidade se encontra fora de uma ordem a partir da qual é cabível definições.
Essa abertura desdobrada por Levinas o levará a formulação da ideia de "vestígio do outro”,
como essa forma outra de aparecer pela falta a partir da qual o transcendente se coloca na
ordem.

5. Bibliografia:
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Campinas: Unicamp, 2012.
LEVINAS, Emmanuel. Descobrindo a Existência com Husserl e Heidegger. Lisboa:
Instituto Piaget, 1997.

Você também pode gostar