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Bizâncio: a Nova Roma

Os povos e as regiões sob o Império de Justiniano: Bizâncio - desde os tempos de


Alexandre Magno - por sua estratégica localização geográfica entre as
extremas fronteiras da Europa e do Oriente Próximo, se consagrou como uma
cidade cosmopolita e culturalmente diversa. Analisar o Império Bizantino em
sua plena totalidade se tornaria uma tarefa impossível se não fosse levada
em consideração a exuberante herança multicultural do antigo Império
Romano. Com relação à variedade linguística, primeiramente é necessário
compreender como as fronteiras geopolíticas estabelecidas na antiguidade
tardia pouco influenciaram na dissipação do grego e do latim (línguas oficiais
do império), tendo em vista como Bizâncio abrigava uma miríade de línguas e
culturas que até hoje possuem relevância. Um erro grande seria assumir que
a “latinização” do oriente próximo significaria uma padronização das línguas
grega e latina em locais como o Levante e os Balcãs, recém apropriados por
povos eslavos. Nota-se que o uso intenso e cotidiano do latim se reservara
para um seleto grupo de pessoas nas cidades, enquanto o grego já possuía
uma difusão maior, mesmo que, nas zonas mais afastadas, ainda fosse
relativamente incomum ouvir a língua. As constantes e multifacetadas tensões
nas fronteiras do Império Bizantino propiciaram a formação de grupos
etnoculturais que, ainda que inseridos no Império, vivessem com seus
próprios costumes e línguas, este é o caso dos árabes em toda a região da
Síria e Palestina, dos Armênios, ao nordeste da Anatólia, e além da grande
diversidade de povos periféricos, como os vândalos, ostrogodos, eslavos e
celtas. Certamente já não existia mais unidade étnica em instituições como o
exército, considerando que a classe servil era majoritariamente “bárbara”, e
advinha de todos os cantos do Império, dando uma atenção especial para
povos como os ilírios, eslavos e trácios, conhecidos por sua cultura guerreira.
De modo geral, não é possível ter uma noção precisa da verdadeira difusão
que a cultura greco-latina que emanava de Constantinopla, permanecendo
um mistério os reais números relativos aos falantes do grego. Sabe-se,
portanto, que, diante da precária tese da existência de uma suposta
“identidade romana” entre os habitantes do império, fosse muito mais
provável que um habitante do Império Bizantino tivesse sua identidade
diretamente ligada à sua religião e local de origem, especialmente com a
maneira na qual a diversidade doutrinária do cristianismo primitivo culminou
em uma associação com povos específicos - como é vista a ligação entre o
arianismo e os visigodos/ostrogodos, o cristianismo niceno entre os romanos
e gregos, e, após o século VIII, o islão e os árabes. (Mango, Cyril - pg 21 a
41)
A sociedade bizantina: Em primeiro plano, para que haja uma plena
compreensão do funcionamento da sociedade bizantina, é de suma
importância que sejam destacadas as heranças políticas do império romano
tardio, bem como a implacável influência e poder que a igreja havia adquirido
a partir do século VI. A forte presença do cristianismo niceno, aliado ao poder
imperial absoluto, certamente herdado do panorama político que Roma vivia
em seus últimos anos, propiciou a formação de um governo monárquico cuja
validação do poder advinha diretamente da vontade divina. Na prática, era
comum que muitos imperadores, não necessariamente coroados de maneira
hereditária, delegassem o poder de decisão política e militar a outros
membros do palácio imperial. No que tange aos outros poderes da sociedade,
é indispensável, primeiramente, que se leve em consideração o grau de
influência que o clero exercia sobre a sociedade. Desde o seu início, o
Império Bizantino contava com a constante atuação da Igreja em seu meio,
tanto na esfera social, quanto política. Recebia subsídios do estado imperial e
generosas doações em forma de terras e tributos por parte dos mais ricos. O
clero possuía não apenas autonomia para intervir nos assuntos dentro da
zona de influência de sua diocese, mas também, por conta de sua grande
riqueza, adquiriu o status de um agente interventor em questões extra
eclesiais. Muitas vezes, foi transmitida à Igreja a função de regulação de
pesos e medidas no comércio, intervenção nos mercados locais, exercício da
justiça e principalmente de auxílio daqueles socialmente vulneráveis, como
pedintes e viúvas, tendo em vista a colossal disparidade econômica entre os
mais ricos e os mais pobres. De maneira geral, os bispos e patriarcas
realizavam de maneira muito mais eficiente a resolução de problemas sociais
do que pretores e governadores municipais. Há pouca exatidão no que tange
à deduções de distribuição de riquezas, contudo, grosso modo, sabe-se que
havia instaurada em Bizâncio uma profunda desigualdade econômica,
especialmente acentuada pelas altíssimas tributações por parte do governo
imperial. Os mais ricos adquiriam suas riquezas através da agricultura,
indiscutivelmente a atividade comercial mais rentável e difundida no império,
sendo responsável pela maior parte da movimentação dos impostos e das
fortunas. No entanto, ao contrário de seu antecessor Ocidental, o Império
Bizantino contava com uma ínfima parcela de mão de obra escrava na
atividade agrícola, tendo em vista que a maior parte da população serviente
vivia nos grandes centros urbanos e eram destinados às tarefas domésticas.
Como já dito anteriormente, os impostos eram parte fundamental para o
funcionamento do governo imperial, sendo eles especialmente altos no meio
rural, tomando como exemplo, apenas um dos impostos relativos à produção,
que retirava um terço de toda a produção em tributos. A severa organização
social, política e econômica muitas vezes era catalisadora para um processo
de abandono “cidadania” bizantina e deserção para outras regiões,
principalmente por parte dos mais pobres. Vale também ressaltar o conhecido
sistema de organização provincial de themas, implantado durante a transição
do período Bizantino inicial para o médio. Não é de se espantar que o
constante estado de alerta por parte das autoridades políticas fossem
culminar em um modelo de organização regional altamente militarizado.
Anteriormente divididas em dioceses, as regiões do império Bizantino agora
denominadas themas, eram zonas administrativas comandadas por um
general, responsáveis pela gerência social e proteção de seus respectivos
themas. De modo geral, todas essas profundas mudanças expressas na
sociedade durante os séculos VII e VIII, são resultados diretos do grande
colapso urbano que Bizâncio enfrentou, culminando em uma série de crises
internas que marcaram profundamente o modo de viver anterior. A igreja
perdeu boa parte de suas fortunas, o comércio externo diminuiu
drasticamente, houve o início de um fenômeno economico análogo ao
feudalismo e, por fim, observou-se a formação de uma nova burguesia urbana
sobre os resquícios das grandes cidades abaladas pelo colapso. (Mango,
Cyril – pg 43 a 66)
A economia em bizâncio: A já conhecida supremacia agrícola na economia
bizantina, com o passar dos anos, especialmente do século IX, apesar de não
ter cessado, aparenta ter amenizado. Com um período de reconstrução social
e econômica ao fim do catastrófico século VIII, o modelo de organização por
themas foi oficialmente abolido e, dessa forma, a austeridade em relação ao
controle do estado sobre a economia foi vagarosamente se afrouxando,
dando início a um período de maior segurança no comércio no mar Egeu e de
conexões comerciais transnacionais. É importante notar que, ainda que a
gradual revitalização da vida urbana em Bizâncio representasse um avanço
no sentido comercial, persistia no império um grande ar de desconfiança e
timidez. Documentos como o “Livro do Prefeito” e tratados comerciais entre
bizantinos e russos, retratam de maneira curiosa como no final do primeiro
milênio toda e qualquer forma de atividade comercial/profissional ainda era
rigidamente regulada. A imposição de limites de lucro em transações e a
proibição da comercialização de determinados artigos de luxo são algumas
das rígidas legislações municipais sobre o comercio. Um forte indício do
fenômeno de gradual abertura política no Império foi a verificação de uma
quantidade significativamente maior de metais como cobre e prata, bem como
a grande agitação no mercado têxtil, finalmente vingando a classe artesã e de
pequenos comerciantes – possibilitando, assim, a ascensão social de um
novo grupo de trabalhadores nos centros urbanos. É possível dizer que, nos
400 últimos anos do império, mesmo que jamais tenha sido oficialmente e
institucionalmente reconhecido, havia-se consolidado uma espécie de
feudalismo. Contudo, verifica-se que a partir das duas últimas dinastias
bizantinas, Comnena e Paleóloga, a possibilidade de uma estabilização do
Império como um todo, foi impiedosamente arrasada por uma intensa crise
econômica e desvalorização da moeda, levando a um colapso economico em
Bizâncio. A partir do século XI, o restante do império foi abalado por uma
série de tragédias: a atividade predatória dos experientes comerciantes
italianos em Constantinopla, desviando a maior parte dos lucros para fora do
império, uma onda imparável de perda de territórios por conta de invasões
nos balcãs, anatólia, inúmeras guerras e por fim, os efeitos catastróficos da
quarta cruzada. (Mango, Cyril – pg 67 a 75)
A cidade bizantina: De modo a compreender a realidade urbana presente no
Império Bizantino, se faz necessário, inicialmente, a delimitação temporal de
suas diversas fases, tendo em vista a grande volatilidade socioeconômica das
cidades bizantinas ao longo de sua história. Em seus primórdios, Bizâncio,
carregava ainda um forte legado arquitetônico e estrutural de seus
antepassados romanos e helênicos. Vistas por uma lente moderna, eram
cidades relativamente pequenas, mesmo a capital Constantinopla
provavelmente nunca ultrapassou os trezentos mil habitantes. Contudo, ainda
que pequenas, residiam apenas nas cidades uma série de requisitos
considerados indispensáveis para uma sociedade civilizada, em contraste
com os vizinhos bárbaros. Edificações públicas como basílicas e centros
religiosos, teatros e hipódromos, banhos públicos, aquedutos, esgotos,
cisternas e as icônicas muralhas de proteção são alguns exemplos desses
vitais elementos que compunham uma cidade bizantina. A vida social era
vigorosa e era parte fundamental da vida nas cidades no primeiro período do
Império: praças públicas, vendedores ambulantes, tavernas e espetáculos
harmonizavam as ruas de cidades como Constantinopla e Antioquia. No
entanto, a vívida realidade dos centros urbanos iria aos poucos se apagando
com o passar do tempo, especialmente no século VI, tendo em vista a série
de catástrofes que acometeram Bizâncio. Seria o início de um agoniante
processo de colapso urbano causado por pestes, terremotos, períodos de
seca, escassez de alimentos e violência. Sendo completamente abastecidas e
dependentes da produção agrícola, as cidades seriam atingidas por um
completo caos social no momento de escassez de alimentos e de inflação
sobre produtos como o trigo. O ápice da aflição e miséria do povo bizantino
durante esses colapsos urbanos seria no início do século VII, marcado pela
morte do imperador Maurício, no qual as grandes cidades do Impérios
enfrentariam terríveis ondas de violência, saques e fome. E se centros
urbanos da costa da Anatólia sofriam gravemente neste momento com crises,
os balcãs já estariam a 100 anos em um processo de desmoronamento da
vida urbana, com constantes ataques eslavos e hunos. Tão devastadores
foram os séculos V e VI, que se acredita em uma queda populacional quase
total em algumas cidades, além do rebaixamento do status de polis para
kastron por parte de locais como Éfeso. As tentativas de repovoamento de
Constantinopla com populações de ilhas gregas, junto ao gradual processo de
reconstituição econômica de polos urbanos, representou uma fagulha de
esperança para Bizâncio, contudo, nada mais foi o mesmo. O esplendor da
capital Constantinopla tornou-se um pequeno brilho, em uma cidade que
passaria a viver de seu passado. A cidade viveria, até o momento de sua
queda em 1453, sobre as ruínas das majestosas edificações publicas e
igrejas que no passado a fornecia beleza. Mesmo que a pequena abertura
comercial tivesse representado uma possibilidade de renovação para
Bizâncio, a grande maioria das suas cidades viveria até os últimos momentos
em retalhos. (Mango, Cyril – pg 75 a 106)

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