O corpo como expressão sociocultural: Sem dúvidas um dos mais icônicos
elementos culturais da antiguidade clássica são as representações
antropológicas que, em sua primazia, refletem o ideal corporal e até metafísico do individuo inserido na polis. Portanto, acredita-se que analisar o corpo como entidade cultural é um parte importante para a compreensão integral da essência, anseios e paixões de uma determinada sociedade. Dessa forma, o estudo dos corpos encontrados na cultural material ateniense, é de grande valor para o entendimento dos valores difundidos e buscados em seu meio, mostrando que, a exibição de seus atributos físicos, principalmente nos eventos esportivos, é sinal de uma série de virtudes almejadas. Com efeito, verifica-se que, a reafirmação do ideal físico na Ática transcende um simples padrão estético, e, na realidade, é a representação dos ideais políticos exaltados pelos atenienses. (Lessa F.S 2017 pg.36) O "Fat Boy Group": A vasta cultura material disponível para o estudo da Grécia e seus assentamentos ao longo do mediterrâneo permitiu o conhecimento e aprofundamento no estudo de imagens que antes passaram por despercebido. Sendo assim, dentro do estudo de ânforas e vasos gregos contendo representações corporais, se destacou um grupo específico cujas imagens destoavam do já conhecido padrão imagético do corpo masculino na arte clássica, o conjunto de vasos que expunham o chamado “fat boy group”. Dessarte, foram registrados 492 vasos áticos representando homens cujos corpos fugiam do difundido padrão estético esbelto grego, que, por sua vez, foram fonte uma série de discussões a respeito de seus significados na sociedade políade, abrindo brecha para uma revisão de conceitos previamente estabelecidos. Em sua maioria, os vasos que carregam a imagem dos “fat boys” possuíam a forma de skýphos e oinochoe, ou seja, objetos destinados ao consumo e transporte do vinho, especialmente curioso ao verificar o contraste, visto que, são quase inexistentes os fat boys em vasos panatenaicos, parte da premiação para atletas presentes nos eventos esportivos. (Lessa F.S 2017 pg.37 e 38) Os corpos nas imagens áticas: Por si só, a observação das centenas de vasos contendo a representação dos “fat boys” na iconografia ática já é suficiente para o levantamento de uma discussão acerca de sua origem, no entanto, ainda se torna necessária uma análise mais refinada a respeito de seu significado e a sua relação com os corpos considerados dentro do padrão grego. Dessa maneira, se entende que o ideal viril e apolíneo tão glorificado nos tempos áureos de Atenas cumpre uma função social que vai além da padronização corporal da beleza, e materializa uma conjunto de ideias presentes no imaginário ateniense, como a coragem, virilidade e poder, além da prova do empenho para atingir tais resultados. Com efeito, se entende que a imagem de um jovem atleta com tônus definido e músculos retilíneos propositalmente transmitem a sinestesia de sentimentos de força, equilíbrio, harmonia, estabilidade e disciplina, sendo ideais, todos estes, representativos da unidade política reafirmada na Ática. Contudo, a análise feita a respeito do grupo dos fat boys, com imagens menos proporcionais e consideravelmente mais disformes, nos possibilita a extração de uma série de hipóteses a respeito do tal grupo. Uma das mais difundidas suposições é a de uma suposta crítica ao arquétipo ideal predominante, e que, os fat boys, na realidade são uma representação feita de modo a pôr em contraste o ideal coletivo de beleza e a realidade “imperfeita” dos corpos encontrados no cotidiano grego. Ademais, ainda existe uma outra hipótese que justifica a existência dos corpos fora do padrão encontrados na arte ática, no qual, sustentado por textos de autores clássicos como Aristófanes, os corpos considerados mais gordos são na realidade uma caricatura de atletas fora de forma e claramente não seriam exaltados como os corpos apolíneos hegemônicos. (Lessa F.S 2017 pg.40 a 44) A documentação explorada no artigo: A já conhecida e abundante cultura material advinda da Grécia e suas antigas colônias servem ainda de extrema importância para a concretização de cenários e hipóteses inconcluídas referentes ao passado clássico. Dessa forma, o artigo de Fábio de Souza Lessa se desenvolve a partir de uma série de artefatos materiais e imateriais para a compreensão dos corpos reproduzidos na arte ática, sendo esses, vasos, ânforas, taças e pinturas. Dentre os mais notáveis documentos no desenrolar do artigo se destacam: o “kýlix”, ou taça, de Panécio, que ilustra um atleta de corpo esbelto em movimento, tipicamente idealizado e de caráter apolíneo; os dois “oinochoe” contendo as imagens dos “fat boys”, atletas de salto com o corpo destoante do padrão hegemônico, que se encontram no Museu Nacional e em Spina; e por fim uma pintura etrusca de 520 a.C representando a cena de uma luta entre dois homens, que, também podem ser enquadrados como parte dos fat boys. No entanto, também se verifica o uso de textos como “As rãs”, de Aristófanes, e um diálogo socrático de Xenofonte como meio de contextualizar percepções e ideias contemporâneas aos artefatos analisados. Tendo em vista a indubitável validade de textos vindos de autores clássicos, o uso dessas obras se torna algo de fundamental relevância para o estudo de artefatos que carregam figuras antropológicas. (Lessa F.S 2017 pg.40 a 44)