A economia helenística: O repentino e caótico momento de expansão do
império alexandrino, levando com si todas as peculiaridades da realidade sociopolítica grega, fomentou uma serie de discussões a respeito da natureza econômica deste período. Por um lado, pesquisadores como Eduard Meyer, Wilamovitz e Rostovtzeff tendem a acreditar que este novo momento da Grécia e do Oriente Próximo carrega atributos únicos e suficientes para a caracterização de um novo modelo econômico, ao passo que, autores como Préaux, defendem que, na prática, a economia helenística é na realidade um prolongamento do que já se via no período clássico. As campanhas de conquista do oriente por Alexandre foram cruciais para a criação de uma nova rede de rotas comerciais, que partiam desde o Mediterrâneo e a Núbia até regiões da península arábica e o norte da Índia, sendo assim, um processo fundamental para a importação de bens de luxo altamente valorizados nos grandes centros urbanos, como tecidos, perfumes e especiarias. Diante disso, deu-se o início de um processo de universalização do uso da moeda (dividido entre a configuração ática e fenícia nos reinos helenísticos), fato esse, que culminou, também, na intensificação do poder e influência de bancos. Grandes fortunas do mundo helenístico são frutos da atividade bancária deste período, sendo instituições importantes para o armazenamento do patrimônio de comerciantes e para a manutenção das operações cambiais. No entanto, talvez o mais marcante aspecto da economia helenística, seja justamente aquilo que propiciou uma série de conflitos e crises regionais: os altíssimos impostos e taxas vindos do Estado. O fenômeno da crescente e progressiva atuação do Estado na economia se dá por uma série de novos empecilhos que requeriam um grande capital arrecadado, como, por exemplo: os gigantescos gastos no exército, com o recrutamento de soldados e alocação de recursos para guerra; a proteção interna e externa dos reinos, buscando conter conflitos e evitando ataques de povos vizinhos; além do subsídio para a arte, obras arquitetônicas e promoção de atividades culturais dentro das principais cidades. Uma das mais importantes taxas para o enriquecimento dos cofres estatais foi o chamado capitatio, imposto empregado pelos Selêucidas e Lágidas a nível individual. Em matéria de controle estatal na economia, cabe também ressaltar os impostos sobre produtos, como o sal e o azeite, o controle sobre o comércio de grãos, a capitalização das terras régias através da concessão a camponeses, mediante a um pagamento anual, além dos diversos impostos partindo dos reis sobre as cidades. Com efeito, diante desse grande enriquecimento de algumas elites, e a forte tributação sobre o cidadão médio, o que se observa nos primeiros anos de helenização é um processo de acentuação das desigualdades sociais, fato esse, que futuramente, seria um dos impulsionadores para revoltas e outras mazelas. (SILVA G.V pg. 71 a 76) A organização social: Pode-se dizer que novas estruturas sociais, culturais e econômicas do mundo helenístico foram fruto direto do choque entre a cultura greco-macedônica e as culturas do oriente próximo. Portanto, foi verificado, um movimento de transferência dos principais centros urbanos e políticos da península grega para as regiões do oriente recentemente conquistadas, como a Anatólia, o norte da Arábia e o Egito. Esse rápido movimento de urbanização e desenvolvimento de cidades orientais possibilitou a criação de uma nova classe de cidadãos e setores sociais com suas novas particularidades. Se por um lado, houve um boom econômico nos polos urbanos recém-helenizados, com a movimentação de comerciantes, funcionários da casa real e mercenários, algumas regiões da Grécia colocadas em segundo plano sofreram com uma série de problemas e mudanças estruturais. Se destaca, em cidades como Esparta, por exemplo, o repentino processo de acúmulo de terras fundiárias, resultado de uma mudança nas políticas de propriedade, visto que, antes da expansão helenística, a propriedade de terras por cada cidadão acima dos 30 anos era um direito inalienável e garantido pelo Estado, e, agora, havia se tornado de matéria privada, sendo suscetível à transferência por herança. Sendo assim, o início de uma crise social generalizada era apenas uma questão de tempo, tendo em vista que as tentativas de reversão dessas novas políticas fundiárias falharam completamente. Do outro lado do mar Egeu, nas novas terras helenizadas, são evidentes as novas relações sociais causadas pelo contato direto entre os imigrantes gregos e a população autóctone. Ainda que houvesse, de fato, um processo de helenização de partes da população nativa, sendo esses indivíduos mais propensos a ascenderem socialmente e ocuparem cargos importantes no exército, ainda havia uma parcela da população completamente alheia à nova cultura hegemônica. Em reinos como o Ptolomaico, a segregação étnico-cultural entre gregos e nativos era institucionalizada e clara, no entanto, em grandes centros urbanos era possível ver um nível um pouco maior de interação entre povos distintos, mesmo que, os helenos, tinham a possibilidade de cooperarem entre si em associações particulares, tendo um certo nível de autonomia. Cabe também ressaltar as novas relações da escravidão, aspecto tão presente da sociedade grega que, no mundo helenístico encarou um aumento exponencial de disponibilidade de mão de obra, por conta das constantes guerras, mesmo que, a prática não tenha necessariamente aumentado de forma significativa. (SILVA G.V pg.76 a 81) A helenização: Ao longo dos anos, inúmeros autores se empenharam em compreender como se deu o processo de difusão da cultura grega nos reinos helenísticos, porém, o que hoje se sabe, é que, de fato, não foi implementada uma política pública de adesão dos valores trazidos por Alexandre. Com efeito, o que se verifica é que, os aspectos mais importantes da civilização grega aderidos pelos povos conquistados, aos poucos foram incorporados de maneira orgânica, tendo em vista a popularização do dialeto koiné, também conhecido como grego vulgar, a difusão da arte e arquitetura grega nas cidades, além da própria organização urbana, refletindo o que se via no período clássico, como a ágora, o teatro e o ginásio. No entanto, não é possível ignorar que os vastos assentamentos nos moldes gregos e a hegemonia militar nas regiões do Oriente Próximo, fomentaram um cenário de polarização entre os conquistadores e as populações nativas, que viam todo esse processo como uma ameaça à cultura local. É evidente que os grandes centros urbanos, por conta de sua dinamicidade socioeconômica, foram palco para um processo mais intenso de disseminação da cultura grega, ao passo que, regiões mais afastadas e comunidades menores, acabaram por sentir de maneira mais forte o choque cultural advindo da helenização. Isto posto, um dos mais notórios casos de conflito resultante da ocupação macedônica no oriente é a questão judaica. Os hebreus, historicamente conhecidos por passarem séculos dentro de comunidades fechadas, logo sentiram os impactos da helenização com a dispersão da língua grega, que pouco demorou para ser incorporado dentro de seu meio. Contudo, a relação grego-judaica não ocorreu integralmente de maneira amistosa, tendo em vista conflitos armados como a Guerra dos Macabeus, que se resultou do descontentamento com medidas fortes de reis helenísticos, afetando diretamente a autonomia das comunidades judaicas. Isto posto, a relação da difusão helenística com as religiões autóctones não se limitou apenas aos judeus, considerando o processo quase que sincrético ocorrido entre as crenças gregas, egípcias e babilônicas. Deste modo, uma nova configuração religiosa foi presenciada ao longo dos territórios helenizados, tendo registrado a incorporação de cultos a divindades de diferentes origens como Ísis, do Egito, Magna Mater, originária da Asia Menor, e Atargatis, da Síria. Cabe também ressaltar a inédita difusão da imagem de Alexandre Magno como uma divindade do panteão helenístico, podendo ser equiparado à deuses do mais alto escalão, como Zeus. E, sendo assim, cultuado de tal maneira que no tardio Império Romano, sua imagem seria utilizada com conotação devocional por parte dos imperadores. (SILVA G.V pg.83 a 93) As correntes filosóficas: Levando em consideração como a filosofia no mundo clássico possuía uma intrínseca relação com a realidade políade vivida por pensadores como Platão e Aristóteles, a continuidade da tradição filosófica no mundo helenístico se deu dentro de suas notórias particularidades. Pode-se dizer que as principais correntes filosóficas do período helenístico eram frutos diretos da nova configuração socioeconômica vivida pelos pensadores em questão. A mazelas sociais emergentes no mundo grego, derivados da constante instabilidade econômica e turbulência política, foram o cenário propício para a gênese de uma filosofia que contemplasse a natureza do homem inserido nos problemas de seu meio. A nova filosofia se preocuparia menos com as relações políticas e com o estabelecimento de regras, em detrimento de um pensamento de fuga ou de aceitação da realidade. Com efeito, a mais notória corrente filosófica seria o Estoicismo, idealizado por Zenão de Cício, pensamento esse, que buscava conciliar o estado de felicidade do homem com as adversidades encontradas em sua realidade. O estoicismo possuía um caráter quase que fatalista (e conformista para alguns) por ser criada justamente para ajudar a encarar as mazelas de maneira passiva e buscar não se incomodar pelos problemas. Por outro lado, o epicurismo foi outra corrente que se destacou neste período, por também procurar uma solução para os problemas encarados em sociedade. Para Epicuro de Samos, a única verdadeira forma de encontrar a felicidade plena, era buscando os mais simples e essenciais prazeres da vida, se ausentando da vida cívica e buscando viver de maneira frugal, apenas com o essencial, visto que, para Epicuro, a vida políade fomentava apenas problemas e desejos não-naturais. Por fim, a última corrente que mais se destaca nesse período, é, talvez, aquela menos levada a sério, o Cinismo. Criado por Antístene, e popularizado por Diógenes, o cinismo se baseia na total e completa abdicação dos deveres sociais, políticos e cívicos. Por muitos considerado uma forma de protesto à nova realidade política grega, o cinismo pensado e vivido por Diógenes se mostrou como a verdadeira expressão de busca de felicidade ao viver da forma mais simples e natural possível, renunciando a sua moradia e de bens materiais. Por conta disso, os seguidores do cinismo ficaram conhecidos como “os cães”, por viverem de maneira animalesca ao extremo, apreciando o mais radical ato de autossuficiência, e se contentando com a forma de viver semelhante à de cães, enxergando valor em atos simples como o de defecar e se masturbar. (SILVA G.V pg.94 a 99)
Dias, Maria Odila Leite Da Silva. A Interiorização Da Metrópole e Outros Estudos. in - A Interiorização Da Metrópole e Outros Estudos. São Paulo Alameda, 2005. P. 7-37