Você está na página 1de 3

O Mundo de Ulisses: A Grécia Homérica

A polarização “Aristoi” x “Demos”: Com o declínio da civilização miceno-


cretense, presenciou-se um significativo processo de transformação no mundo
Grego. Em decorrência da drástica queda populacional e alteração das
relações de poder, verificou-se uma nova configuração social de baseada em
diversos fatores, mas principalmente na posse de bens. A parte superior da
hierarquia do mundo homérico era ocupada pelos “Aristoi”, detentores do maior
contingente de bens, conexões e grau de influência sobre a política da
comunidade onde estava inserido. Dispunham de escravos e inúmeros
subordinados, inclusive entre os próprios aristoi, na chamada relação de
vassalagem. Na parte inferior da pirâmide hierárquica estavam os “demos”,
grosso modo, se refere a todo o resto da população que constituía a
comunidade, podendo ser homens livres ou escravos, detentores de terras ou
thes. Eram parte de um grupo com uma numerosa gama de atribuições, mas
que, no fim, todos de alguma forma serviam ao rei e aos nobres.
A organização social: Não é possível analisar o mundo de Ulisses sem de
fato compreender de maneira sistêmica os centros de poder na qual ele se
estruturava. Dessa maneira, cabe analisar o funcionamento do mais basilar
núcleo das sociedades dos tempos homéricos, o oikos, a casa patriarcal onde
se centrava toda a vida da comunidade. Se compreende por oikos não apenas
a família de seu chefe, mas toda a teia de pessoas que contribuíam para o
funcionamento e as tarefas do núcleo; escravos, vassalos e agregados da
família. Era responsável pelo armazenamento de bens, provisão das
necessidades materiais, segurança, formação de normas, responsabilidades,
valores e a relação com os deuses. Cabe também apontar os graus de
estruturação social daqueles que não eram nobres, mas que compunham o
demos. De maneira geral, a maior parte da sociedade eram homens livres que
possuíam uma pequena quantidade de bens e propriedade, vivendo de
pastoreio e colheita. Vale ressaltar alguns outros grupos, como os demioergoi,
classe de especialistas como carpinteiros, ferreiros e adivinhos que eram
pagos pelos seus serviços; os thes, que basicamente representam os
rejeitados sociais da comunidade, por não possuírem bens nem relações
familiares, recorrendo à mendigagem e saques.
A circulação de bens - as guerras: Com a atualização do antigo sistema
político-social no mundo grego, a Grécia homérica se vê diante de uma
realidade onde a busca por bens de consumo e matéria prima se torna uma
prioridade, e o conflito armado é a principal ferramenta para a obtenção desses
materiais. Sendo assim, frente a um cenário onde o uso de metais, e
principalmente do ferro, se torna basilar para a edificação das comunidades e
do oikos. Dessa forma, a guerra e as campanhas de pilhagem se tornam a
principal forma de enriquecimento dos povos. Famílias, muitas vezes de
comunidades vizinhas, cooperavam mutuamente para a realização de
campanhas militares, e, assim, eram capazes de estocar metais para os seus
respectivos oikos. A prática era tão difundida que alguns acadêmicos levantam
a hipótese das mais famigeradas guerras helênicas serem motivadas pela
obtenção do ferro, como a guerra de Tróia.
A circulação de bens: as trocas e o comércio: Ante a uma sociedade
altamente militarizada e que tem como a guerra o principal meio de alocação
de recursos, foi também desenvolvido um sistema interno de movimentação de
bens: as trocas, também conhecidas como presentes, ou dádivas, além do
comércio. O sistema de dádivas, ao contrário do que se pensaria no conceito
moderno de presente, consiste em uma prática baseada na troca mútua (e
implícita) de bens. Se compreende por dádiva todo o espectro de operações
comerciais, que posteriormente seriam distinguidas entre outros processos,
como salário, gratificação, retribuição e até mesmo o suborno. O comércio
praticado nos tempos homéricos também se diferencia significativamente da
concepção moderna de comércio, visto que, naquela época, a prática tinha
como única finalidade a transação correspondente, onde os dois lados apenas
realizavam a operação quando havia igualdade de interesse nos itens
apresentados. Verifica-se também que o lucro não era visado nas operações
comerciais, sendo considerado uma prática antiética, pois única forma de
ganho admitida seria através da guerra e da pilhagem.
O exercício da justiça: A Grécia homérica se caracterizava como um período
da história helênica constituído por uma miríade de pequenas comunidades e
aglomerados de famílias, grupos estes, que, dentro suas realidades eram
regidas pelos seus estatutos. Era amplamente sustentados por normas sociais,
direitos, deveres e inibições. No que tange à aplicação de da justiça, em caso
de crimes, o oikos era responsável pela manutenção do regimento das normas
e execução das punições. Ao contrário da noção moderna iluminista de justiça
como algo diretamente ligado à esfera pública, o exercício da justiça, inclusive
de homicídios, partia do encargo da vítima ou de seus semelhantes para a
efetuação da vingança, caindo inteiramente a responsabilidades sobre as
famílias em privado. Cabe ressaltar que a vingança como método punitivo era
algo elementar e necessário para o funcionamento das sociedades homéricas,
como pode ser visto constantemente na Ilíada e na Odisseia.
As assembleias: Com a transformação do sistema político antigo, a nova
organização social baseada no núcleo familiar e no poderio do parentesco
culminou em uma nova forma de tomada de decisão, baseada na autoridade
do rei e na consulta das mais poderosas famílias. Esse sistema ficou conhecido
como a as assembleias, prefigurando o que viriam a ser as famigeradas ágoras
gregas. As assembleias poderiam ser convocadas pelo rei a qualquer
momento, inclusive em situações de guerra onde era necessária a resolução
de um problema. A delimitação do poder de voz era bem esclarecida, podendo
apenas um integrante por vez se expressar, segurando o cetro. No entanto,
nenhum dos constituintes da assembleia tinham poder de voto ou de decisão
por unanimidade, pois, no final, o que prevalecia era a decisão final e soberana
do rei. No fim, as assembleias tinham como objetivo primordial a avaliação de
prós e contras, e o aconselhamento do ponto de vista imperante da
aristocracia, sendo, também, um meio de testar a vontade do povo.
Os poderes do Basileus: Assim como toda a parte superior da hierarquia
social do mundo homérico, o rei, ou basileu, se tratava do chefe de um oikos,
tendo um extenso e abastado núcleo familiar, detentor de muitos bens e
influência militar, possuidor de vastas terras e sua propriedade particular,
denominada temenos. Portanto, era de interesse do rei expandir suas relações
familiares, visto que a luta pela sucessão do trono seria violenta e disputada
por toda a alta aristocracia, como pode ser visto na história de Ulisses, apesar
da prioridade que a família do rei tem sobre o poder. Dessa forma, o basileu
representava a figura máxima de autoridade militar e muitas vezes carregaria o
posto de um herói, figura central dos épicos de Homero. Carregando uma vasta
gama de relações com outros reis, era responsável por assegurar a diplomacia,
e fornecer proteção e segurança de seu povo contra qualquer ameaça
estrangeira para o seu reinado.

Você também pode gostar