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Ilustração de Rafaela Microni


Santos com intervenção de
Carlus Campos

Ilustração de Francisco
Matheus Braga da Silva
com intervenção de
Carlus Campos
6
IGUALDADE RACIAL
– CONSTRUÇÕES
ESTRUTURAIS E
SOCIAIS
MARIA ZELMA DE ARAÚJO MADEIRA
DAIANE DAINE DE OLIVEIRA GOMES

APOIO REALIZAÇÃO

III
Copyright©2021 Fundação Demócrito Rocha

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)


Presidência Luciana Dummar
Direção Administrativo-Financeira André Avelino de Azevedo
Gerência Geral Marcos Tardin
Gerência Editorial e de Projetos Raymundo Netto
Análise de Projetos Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis

SECRETARIA DE PROTEÇÃO SOCIAL, JUSTIÇA, CIDADANIA, MULHERES E DIREITOS HUMANOS (SPS)


Secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS Socorro França
Coordenação Técnica PROARES III SPS Maria de Fátima Lourenço Magalhães
Gerência Técnica do PROARES III Anete Morel Gonzaga
Gerência de Fortalecimento Institucional do PROARES III Selma Maria Salvino Lôbo

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)


Gerência Pedagógica Viviane Pereira
Coordenação de Cursos Marisa Ferreira
Design Educacional Joel Lima
Front-End Isabela Marques

CURSO PROTEÇÃO SOCIAL: PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCOMUNICAÇÃO


Concepção e Coordenação Geral Cliff Villar
Coordenação de Conteúdo Ana Lourdes Leitão
Revisão Daniela Nogueira
Projeto Gráfico, Edição de Design e Coordenação de Marketing Andrea Araujo
Design Mariana Araujo, Miqueias Mesquita e Kamilla Damasceno
Arte-terapia Joana Barroso
Ilustrações Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira
Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória
de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista
Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia
Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana
Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira
da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, com intervenção de Carlus Campos

Análise de Marketing Digital Fábio Junior Braga

Este curso é parte integrante do Curso de Capacitação sob o tema PROTEÇÃO SOCIAL na modalidade
de Educação a Distância (EaD), em decorrência do Contrato celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha
e a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS , sob o nº 143/20.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

P967 Proteção Social: Igualdade Racial: Construções Estruturais e Sociais / vários autores; organizado por
Ana Lourdes Maia Leitão; vários ilustradores. - Fortaleza : Fundação Demócrito Rocha, 2021.
192 p.: il.; 26cm x 30cm. – (Proteção Social: Igualdade Racial: Construções Estruturais e Sociais; 12v.)
Inclui bibliografia e apêndice/anexo.
ISBN: 978-65-86094-76-3 (Coleção)
ISBN: 978-65-86094-82- 4 (Fascículo 6)
1. Direitos Humanos. 2. Políticas Públicas. 3. Assistência Social. 4. Drogas. 5. Igualdade Racial.
6. Segurança Alimentar e Nutricional. 7. Proteção à Vida. 8. Direito das Mulheres. 9. População
LGBTQIA+. 10. Pessoas com deficiência. I. Leitão, Ana Lourdes Maia. II. Título. III. Série.
2021-1549 CDD 341.4
CDU 341.4 Todos os direitos desta edição reservados à:
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Fundação Demócrito Rocha
Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora
Índice para catálogo sistemático: CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará
Direitos Humanos 341.4 Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148
Direitos Humanos 341.4 fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 84

2 DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL E NO CEARÁ 85


3 PONTO DE PARTIDA: ENTENDENDO
MELHOR ALGUNS CONCEITOS 86
4 UM PASSADO HISTÓRICO DE EXCLUSÃO E UM PRESENTE
DE DESIGUALDADES SOCIAIS E ECONÔMICAS PERSISTENTES 90
5 COMO SUPERAR O RACISMO E PROMOVER A IGUALDADE
RACIAL NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO SOCIAL 92
6 AMPLIAÇÃO DO EXERCÍCIO
DE CIDADANIA: RESISTÊNCIAS PLURAIS 94
REFERÊNCIAS 95
1
Ilustração de
Guilherme Araújo
Carvalho com

INTRODUÇÃO
intervenção de
Carlus Campos

P
ode-se afirmar que, na realidade brasileira, as políticas
de proteção social voltadas ao enfrentamento das desi-
gualdades raciais e do racismo foram mínimas e por mui-
to tempo inexistentes.
O debate sobre a questão racial na sociedade brasileira é
fundamental para avançarmos em democracia e igualdade de
oportunidades, posto que há mais de 90 anos esse tema é si-
lenciado. Falar sobre raça é quase um tabu no Brasil: as desi-
gualdades sociorraciais são naturalizadas. O preconceito, a dis-
criminação racial e o racismo são apontados como inexistentes
ou, quando acontecem, são vistos como brandos e esporádicos.
O racismo à brasileira aparenta ser um racismo silencioso e/
ou disfarçado, é escondido em discursos de uma suposta garan-
tia da universalidade e da igualdade na lei, empurrando para
o terreno do privado e do individual toda discriminação racial
que tanto oprime, subjuga e exclui determinados grupos étni-
cos. Mas na prática ele massacra e nega direitos cotidianamente
a determinados grupos étnicos e raciais.
Diante dessa exclusão que segmentos populacionais como
povos originários, negros/as, quilombolas, povos de terreiro e
ciganos vivenciam, a oportunidade de abordar a questão racial
e a proteção social no Brasil é de grande valor no sentido de
contribuir com a superação do racismo em diferentes esferas
macro e microssocietárias.
Precisa-se avançar, por meio de medidas concretas, no aces-
so à justiça racial, no reconhecimento de nossa diversidade e
história e assegurar a participação destas populações e grupos
no desenvolvimento em importantes setores como mercado
de trabalho, rendimentos, educação, saúde, seguridade social,
participação política e na tomada de decisões a eles relaciona-
dos, além da justa distribuição dos benefícios delas resultantes.
É com olhos voltados a essa diversidade que apresentamos o
fascículo “Igualdade Racial: a questão racial brasileira e a prote-
ção social” e convidamos você, leitor(a), para navegar nesta lei-
tura buscando compreender a questão racial brasileira, desna-
turalizar práticas racistas e construir ações comprometidas com
a superação das desigualdades étnico-raciais em seu cotidiano.
84 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste
2
DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
NO BRASIL E NO CEARÁ
O
Brasil é um país pluriétnico e é o Palmares. Dentro dessa rica diversidade para melhor entender a questão racial no
segundo país em população ne- estão ainda povos de terreiro, grupos liga- Brasil e combater o racismo.
gra, só perde para a Nigéria em dos às comunidades religiosas de matriz Por isso, o percurso a ser trilhado nas
número de afrodescendentes. africana e afro-brasileira, e os povos ciga- próximas páginas foi construído com o
De acordo com dados da Pesquisa Nacio- nos, populações em grande parte nômade compromisso de contribuir com o debate
nal por Amostra de Domicílios (Pnad), em e que tem em comum a origem indiana e e a luta antirracista que nos antecede.
2019, 42,7% dos brasileiros se declararam uma língua. (Ipece/2020) Estamos vivenciando a Década Interna-
brancos, 46,8% pardos, 9,4% pretos e 1,1% Embora o país comporte a diversidade cional dos Afrodescendentes (2015 a 2024)
amarelos ou indígenas. Assim, naquele étnico-racial, alguns grupos étnicos, tais promovida pela Assembleia Geral da ONU.
ano, 56,2% da população brasileira se afir- como povos originários, população negra, Seu objetivo é pautar mundialmente e im-
mou negra, sendo a maioria do país. e povos e comunidades tradicionais não pulsionar governos e sociedade civil a pro-
O estado do Ceará possui essa mesma vivem e sobrevivem da mesma forma que mover e agir em defesa dos direitos huma-
diversidade em seu povo, além da popula- outros, porque somos um país campeão nos dos afrodescendentes. A Década Afro,
ção negra (pretos e pardos), que totalizou em desigualdades, marcado pela pobre- como é conhecida, apresenta o tema e dire-
72,02% em 2019, temos aqui desde muito za, miséria, dificuldade de acesso a bens e cionamento ao “Reconhecimento, Justiça
antes de todos os outros os povos originá- serviços públicos, racismo, sexismo, nega- e Desenvolvimento” dos afrodescendentes.
rios – indígenas que atualmente são uma ção de direitos e injustiças sociais. Cientes de que ainda se apresentam de-
população de aproximadamente 44 mil, Essas desigualdades persistentes só safios a serem enfrentados na formulação,
aldeados em 18 municípios diferentes e podem ser entendidas se compreender- execução, monitoramento e investimento nas
divididos em 15 etnias. Aqui também es- mos nosso passado histórico, as raízes políticas de proteção social e de promoção
tão presentes diferentes povos e comuni- da escravidão moderna, a abolição da da igualdade racial, o conhecimento sobre a
dades tradicionais, dentre eles as Comuni- escravatura que foi incompleta, os dis- questão racial e as estratégias para proporcio-
dades Remanescentes de Quilombos, que cursos sobre a miscigenação que exaltou nar estabilidade e seguranças sociais é basilar
são aproximadamente 87 comunidades uma falsa harmonia entre as raças e não para superarmos o abismo social e as vulne-
mapeadas pela Comissão Estadual dos revelou os tensionamentos e conflitos, e rabilidades que existem em nosso país, valo-
Quilombolas Rurais do Ceará (Cequirce) a dificuldade nos anos mais recentes de rizando a diversidade de nosso povo e promo-
e 49 certificadas pela Fundação Cultural desconstruir mitos e de construir saberes vendo a justiça social e o desenvolvimento.

Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 85


3
PONTO DE
serviu para justificar a subordinação e a exploração das raças
consideradas inferiores, os não brancos. (MUNANGA, 2004)
Nessa classificação, os não brancos foram definidos como

PARTIDA: sujeitos de comportamentos imorais, violentos e pouco inteli-


gentes, devendo ser domesticados e civilizados.
Logo, essa classificação de seres humanos a partir de critérios
ENTENDENDO fenotípicos (cor da pele, textura do cabelo, ângulo facial) e cultu-
rais foi utilizada para fortalecer o colonialismo europeu e justifi-

MELHOR ALGUNS car a exploração, a destruição e a morte de povos na África, Ásia,


Oceania e nas Américas, de onde também faz parte o Brasil.
Contudo, essa utilização do termo raça para diferenciar bio-
CONCEITOS logicamente os seres humanos não se manteve. Já no século XX,

V
estudos da antropologia e da biologia derrubaram as teorias do
ocê já deve ter escutado falar em algum momento, na racismo científico que apontavam tais diferenças biológicas ou
televisão, nas redes sociais no seu trabalho, na sua esco- culturais de inferiorização de povos ou de grupos humanos em
la, faculdade ou mesmo em sua casa, sobre termos que detrimento de outros. Esses estudos comprovaram que a única
se ligam à questão racial, tais como racismo estrutural, raça existente é a humana. Porém o racismo não deixou de exis-
raça, etnia, preconceito e discriminação. tir, os discursos, ideias e desigualdades edificados por essa hie-
Essas palavras às vezes parecem sinônimos ou são usadas rarquização permaneceram, exigindo posicionamentos, denún-
desconectadas de seu significado e, por esse motivo, é tão im- cias e lutas sociais para sua desconstrução. (MUNANGA, 2004)
portante conhecê-las. Nesse ponto, iniciaremos desvendando
alguns dos principais termos que permitem entender as rela-
ções étnico-raciais e as desigualdades no Brasil. Para isso nos
3.2 O QUE É ETNIA E POR QUE O TERMO
guiaremos por algumas perguntas fundamentais. Vamos lá! RAÇA AINDA É UTILIZADO?
Como você pode ver, o conceito “clássico” de raça utilizado
3.1 NÃO EXISTE SOMENTE UMA ÚNICA para diferenciar e hierarquizar seres humanos não se aplica mais.
Entretanto, fica a pergunta: por que continuamos a usá-lo nas
RAÇA, A RAÇA HUMANA? produções acadêmicas, nas políticas públicas e lutas sociais?
Veja, o termo raça sempre foi utilizado para classificar e hie- Embora biologicamente insustentável, socialmente as pesso-
rarquizar, inicialmente plantas e animais. É somente a partir do as continuam a agir em relação a outras pessoas tendo por base a
século XVI que o termo passou a ser utilizado para diferenciar ideia de que um grupo de seres humanos (brancos) é superior a ou-
seres humanos em categorias. Essas definições assumiram uma tro (não brancos). Do mesmo modo, as esferas jurídicas, políticas e
função central dentro das relações humanas, durante o proces- financeiras continuam a operar de muitos modos que geram a per-
so de expansão econômica mercantilista e de conquista de no- manência das desigualdades construídas a partir do racismo. São
vos territórios, a classificação de supostas raças diferentes en- exemplos os números de assassinatos de jovens negros, a violência
tre os seres humanos, definindo como raça superior os brancos, doméstica contra mulheres negras, os índices de pobreza e extre-
86 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste
Ilustração de Maria
Clara Negreiros Lobo
com intervenção de
Carlus Campos

ma pobreza majoritariamente preenchidos


pela população negra, a destruição de ter-
ras indígenas, os ataques e assassinatos de
lideranças indígenas e quilombolas.
Por esse motivo, raça é algo que exis-
te socialmente, um conceito existente no
imaginário social. Por isso, ainda é utiliza-
do para entendermos as relações sociais.
Apesar de o conceito de raça estar
muitas vezes ligado ao de etnia, os ter-
mos não são sinônimos. Enquanto o con-
ceito de raça é utilizado para tratar de
problemas ligados ao valor socialmente
atribuído a certas características fenotí-
picas dos seres humanos, o conceito de
etnia se refere ao âmbito cultural; “um
grupo étnico é uma comunidade huma- Sílvio de Almeida (2018) apresenta três concepções de racismo que são
na definida por afinidades linguísticas, utilizadas para compreender nossas relações sociais:
culturais e semelhanças genéticas. Essas
comunidades geralmente reclamam para • Racismo Estrutural: análise que considera o racismo como decorrência
si uma estrutura social, política e um ter- da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se consti-
ritório.” (SANTOS, et all, 2010, p. 124) tuem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares a partir de
Os distintos grupos étnicos são ca- um conjunto de ideias que afirma a superioridade de determinados grupos
racterizados por suas formas de ser, de étnicos, nacionais, linguísticos, religiosos, sobre outros.
existir, de sentir, de acreditar (visão de • Racismo Institucional: análise que recai sobre os espaços institucionais, que
mundo) e de produzir a sobrevivência. A considera o resultado do mau funcionamento das instituições, que assumem
etnia traduz um povo, constitui a diver- uma dinâmica de funcionamento que confere, ainda que indiretamente, des-
sidade humana. Um único povo pode ter vantagens e privilégios a partir da raça/etnia dos sujeitos. O racismo dentro das
diferentes etnias – por exemplo, os povos instituições pode ocorrer pela exclusão e discriminação de determinados gru-
indígenas no Brasil. pos étnicos/raciais ou do despreparo e omissão das instituições e organizações
em prover um serviço profissional adequado às pessoas em virtude de sua cor,
3.3 MAS, AFINAL, O QUE É cultura, origem racial ou étnica. Trata-se da forma estratégica como o racismo
garante a apropriação dos resultados positivos da produção de riquezas pelos
RACISMO? segmentos raciais privilegiados na sociedade, ao mesmo tempo em que ajuda
O racismo é uma forma de relação so- a manter a fragmentação da distribuição destes resultados no seu interior.
cial, que se estrutura política, econômica • Racismo Individual: Trata do racismo em sua manifestação interpessoal,
e juridicamente. É uma organização da so- muitas vezes interpretado como uma espécie de “patologia” social; um fe-
ciedade que produz desigualdades, viola- nômeno ético ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a
ções e violências entre raças e etnias. Não grupos isolados; ou ainda, uma “irracionalidade” do sujeito. Um risco nesta
se trata apenas de um problema interpes- análise é se limitar as relações interpessoais e cair na armadilha da patolo-
soal, ético ou uma questão psicológica. gização, julgar como doença, desconsiderando a funcionalidade do racismo
Ele perpassa todas as esferas das relações para a manutenção das desigualdades sociais. A providência diante dessas
humanas e define lugares sociais, assim práticas observadas se limita ao campo jurídico (sanção penal ou civil).
como define distribuição de riquezas e
privilégios em nossa sociedade.

Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 87


O fato de o racismo ser estrutural não pretexto para as suas manifestações os traços Ilustração de Rafaela Microni
físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o Santos com intervenção de
exime aquele que pratica o racismo de Carlus Campos
sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a
ser responsabilizado por seus atos. É de-
suposição de que o indivíduo descende de certo
ver de cada um observar o que reprodu- grupo étnico para que sofra as conseqüências
zimos em nosso cotidiano e entender as do preconceito, diz-se que é de origem.
consequências de nossos atos.
No Brasil, então, opera o preconceito
Do mesmo modo, o fato de ser estru-
de marca, conforme conceitua o autor.
tural não define que é algo insuperável e
Quanto mais presentes as “marcas” ou
que precisamos nos conformar com essa
“traços negroides”, há mais possibilida-
realidade desigual e opressiva. Basta ob-
des de sofrer discriminação e exclusão
servar os avanços que alcançamos nas
dentro da sociedade.
últimas décadas a partir das lutas dos
movimentos sociais. Assim, é possível
perceber como a luta antirracista é ne-
cessária e como abre possibilidades para
outra forma de viver coletivamente.

3.4 O QUE SÃO O


PRECONCEITO RACIAL E A
DISCRIMINAÇÃO RACIAL?
A palavra preconceito expressa que se
trata de algo preconcebido, um concei-
to prévio formulado sem conhecer algo
ou alguém, uma ideia que se tem antes
mesmo de conhecer algo de fato. Quan-
do esse conceito prévio é estabelecido a
partir das características raciais ou étni-
cas de pessoas ou grupos, ele é definido
como preconceito racial.
A discriminação, por sua vez, é a ação
de discriminar baseado no preconceito
racial, é a materialização do racismo es-
trutural. No Brasil prevalece a manifes-
tação do preconceito a partir da identifi-
cação das características fenotípicas das
pessoas (cor da pele, textura do cabelo,
formato de nariz e boca etc.). Oracy No-
gueira (2007, p. 292) diferencia os tipos
de preconceito racial:
Quando o preconceito de raça se exerce em
relação à aparência, isto é, quando toma por
88 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste
3.5 QUEM É NEGRO(A)
NO BRASIL?
Como vimos, a compreensão de quem mudanças ao longo dos anos, tanto nas utilizada para designar pessoas africanas,
são negros e negras do país se interliga ao nomenclaturas quanto nos índices de au- negras e crioulas. A denominação "parda"
fenótipo negroide apresentado pelos su- caracterizava o cruzamento da raça africana
toafirmação que vem crescendo para os
com outras raças. Já a designação cabocla
jeitos e a identificação desses traços com que se afirmam negros (pretos e pardos), deveria ser compreendida como raça indíge-
a origem ancestral africana. São essas resultado fruto das lutas sociais e ações na ou, ainda, como a mistura entre brancos e
características que definem os sujeitos de fortalecimento identitário pautadas indígenas. (GOUVEA; XAVIER, 2012, p. 105)
que serão alvos da discriminação racial, pelos movimentos negros.
Atualmente o recenseamento oficial
mas que também remetem a preservação O primeiro recenseamento no Brasil
do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
e ligação com a ancestralidade africana, ocorreu em 1872:
tatística (IBGE) utiliza a classificação:
seus saberes, cultura e contribuições [...] de abrangência nacional do período im-
branca, preta, parda, amarela e indígena.
para edificar esse país. perial e escravista - enfrentou o problema da
classificação da cor e utilizou o termo raça, Para análises de dados em relação a de-
Pela ampla mestiçagem que ocorreu no
sendo definidos os seguintes registros: bran- sigualdades, acesso a serviços e políticas
Brasil e as diversidades regionais em um
ca, preta, parda e cabocla (Decreto n. 4.856, públicas são considerados(as) negros(as)
país de extensão continental, o limiar entre de 1871). A classificação de raça/cor preta foi os que se autoafirmam pretos e pardos.
brancos e negros se torna bem tênue em
alguns casos. Conforme Nogueira (2007, p.
294), “a concepção de branco e não-branco
varia, no Brasil, em função do grau de mes-
tiçagem, de indivíduo para indivíduo, de
classe para classe, de região para região”.
Num país que estabeleceu um projeto AMPLIANDO OS CONHECIMENTOS
de desenvolvimento baseado no desejo
de branqueamento de sua população e Cartilha da Campanha Ceará Sem Racismo organizada pelo Governo
que fragilizou profundamente o conheci- do Estado do Ceará - https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/02/
mento sobre as contribuições da cultura e CARTILHA-CAMPANHA-CEAR%C3%81-SEM-RACISMO-compactado.pdf
saber africano em sua formação, tornou-
Cartilha de Combate ao Racismo Institucional organizada por Abong
-se uma tarefa não tão fácil identificar-se
- https://abong.org.br/wp-content/uploads/2020/11/Cartilha-Racismo-
e afirmar-se negro(a).
Institucional.pdf
As pesquisas censitárias demonstra-
ram, ao longo das décadas, a dificuldade Guia de combate ao racismo institucional Portal Geldés - https://www.
do brasileiro em se autodeclarar negro(a). geledes.org.br/racismo-institucional-uma-abordagem-teorica-e-guia-de-
Isso se deve em muitos casos a uma ten- enfrentamento-do-racismo-institucional/
tativa de “fugir” ou desviar da exclusão
social e discriminação consequente do Cartilha Racismo é crime organizada pelo Governo Federal - https://www.
racismo estrutural e em busca de maior justica.gov.br/news/mjc-ira-elaborar-plano-nacional-de-politicas-para-povos-
aceitação social. de-matriz-africana/cartilha-racismo-e-crime-digital.pdf/view
Se fizermos uma retrospectiva aos sis-
Portal da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015 a 2024)
temas de classificação racial praticados
organizada pela ONU - https://decada-afro-onu.org/
no Brasil para fins de conhecimento sobre
a população, podemos observar algumas

Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 89


Ilustração de Francisco
Matheus Braga da Silva

4
com intervenção de
Carlus Campos

UM PASSADO reção de forçar a assimilação cultural branca e o aproveitamento


da mão de obra indígena para o desenvolvimento do país bem

HISTÓRICO DE
como, por outro lado, impulsionado por reivindicações indíge-
nas e determinação de leis e tratados nacionais e internacionais,
atuou na proteção a cultura originária, oferecendo-lhes meios

EXCLUSÃO E UM para a sua sobrevivência, iniciando ações de proteção social.


Por sua vez, aos negros(as) vindos(as) do continente africano,

PRESENTE DE
forçadamente trazidos para serem escravizados, e seus descen-
dentes, com o processo de abolição não foi destinado tipo algum
de política de reparação pelo passado criminoso da escravidão,

DESIGUALDADES sendo considerada uma abolição inacabada, inconclusa.


Veja bem, o país seguiu com a lógica da precariedade estru-
tural da liberdade, com restrições aos direitos políticos dos li-
SOCIAIS E bertos, sem política de alfabetização e instrução dessa massa
de trabalhadores de modo a possibilitar sua inserção ao merca-

ECONÔMICAS do de trabalho que surgia com a urbanização e industrialização.


Diante da situação de vulnerabilidade dos ex-cativos, des-
tacou-se de um lado ações de cunho assistencialista, de viés
PERSISTENTES caritativo para a parcela de negros e negras indigentes. Ações

A
que mais reafirmaram a subordinação e inferioridade do que
o olharmos para as vulnerabilidades e inseguranças so- ampliaram o exercício de cidadania.
ciais vivenciadas pelos povos e grupos populacionais Por outro lado, sobressaíram ações de caráter repressivo
discriminados por seu pertencimento étnico e racial no por parte da polícia, que sustentou ações de criminalização das
Brasil, ficam evidentes relações complexas que se ini- condutas dos recém-libertos, representando o primeiro passo
ciam desde o período de colonização do país. para o encarceramento em massa da população negra. Como
Aos indígenas, a partir da chegada dos portugueses ao Bra- é possível notar, nenhuma das ações destinadas a esse grupo
sil, em 1500, teve início processo intenso e violento de desapro- étnico racial garantiu a proteção social ou abriu possibilidade
priação de suas terras, assim como destruição e desrespeito a para incremento da escolarização e de inserção qualificada no
seu modo de organização social e cultura pelos colonizadores mercado de trabalho. Ao contrário, deixou a marca destes como
além da morte de muitos destes que já viviam aqui bem antes. classe perigosa, tidas como pessoas voltadas à marginalização
Mesmo com a independência do Brasil, os povos indígenas con- e sem ética ou moral para o trabalho.
tinuaram marginalizados, desrespeitados e desprotegidos pelo Como legado, o modelo de desenvolvimento adotado no Bra-
Estado brasileiro. sil não se baseia na redistribuição de riqueza e renda, mas num
Grande número das necessidades e problemas que os indí- sistema de dependência que tem deixado como consequência à
genas brasileiros apresentam nos dias atuais são frutos de um população negra a precariedade no trabalho, informalidade, po-
processo histórico tensionado por relações contraditórias e con- breza e miséria. Portanto, os grupos discriminados em termos
flituosas com o Estado que em diversos momentos atuou na di- raciais não usufruíram dos avanços das políticas públicas.
90 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste
Esse quadro de exclusão permaneceu alcançada por aqueles que se declaram trabalhadores estão em ocupações in-
por um longo período, pois o Estado de- brancos. “No Ceará, a população de pre- formais, enquanto no Nordeste mais da
morou muito a reconhecer o racismo e as tos e pardos de 25 anos ou mais de ida- metade estão nesta situação (56,9%). No
desigualdades raciais como objeto de in- de alcançou uma escolaridade média de Ceará tem-se 56,8% dos trabalhadores na
tervenção governamental. 7,7 anos de estudos, 1,6 ano menor que informalidade e, entre os grupos popula-
Essa situação de silenciamento da atingida pelos brancos. Os negros mais cionais de brancos e pretos ou pardos, os
questão racial encontrou sustentação bem escolarizados são os residentes no percentuais de trabalhadores na informa-
no mito da democracia racial, ao negar o Distrito Federal, lá eles possuem, em mé- lidade são de 49% para brancos e 59,8%
preconceito racial e a discriminação, sob dia, 10,8 anos de estudos e os brancos (para pretos e pardos). (Ipece, 2020)
o argumento de que aqui perdurou a har- 12,5 anos. E os menos escolarizados são Todos os aspectos anteriores demons-
monia entre as raças formadoras da na- os residentes no estado de Alagoas, com tram a subordinação da população negra a
ção, que conviviam sem conflitos raciais. 7 anos de estudos.” (Ipece, 2020, p. 07) condições de pobreza e pobreza extrema no
Com a ampliação das mobilizações De acordo com documento elabo- país. Segundo a Comissão Interamericana
dos movimentos sociais negros na dé- rado pela Comissão Interamericana de de Direitos Humanos (2021, p. 08), “a taxa
cada de 1980, período da redemocrati- Direitos Humanos sobre a Situação dos de pobreza das pessoas afrodescendentes,
zação, tivemos grandes conquistas: em Direitos Humanos no Brasil, “o quadro de maneira histórica, é ao menos duas vezes
1988 foi criada a Fundação Cultural Pal- de desigualdade estrutural gerado pela mais alta que a do resto da população, al-
mares (FCP), primeira instituição voltada discriminação racial torna-se ainda mais cançando a marca de 22%”. Ao mesmo tem-
para promoção e preservação dos valo- evidente quando analisados os dados da po, a taxa de desocupação também aparece
res culturais, históricos, sociais e econô- educação das pessoas afrodescendentes mais alta entre as pessoas negras, dentre os
micos decorrentes da influência negra na no Brasil. Segundo informação do Insti- motivos, pode ser entendido pelo menor
formação da sociedade brasileira. tuto Brasileiro de Geografia e Estatística, nível de escolaridade desse grupo popula-
Outro avanço, expresso dentro do tex- enquanto 3,9% da população branca com cional. Não é diferente quando analisado o
to da Constituição de 1988, foi a definição 15 anos ou mais é considerada analfabe- índice de desemprego de pessoas com ensi-
do racismo que passa a ser considerado to, esse percentual aumenta para 9,1% no superior completo – a taxa de desocupa-
como crime inafiançável e imprescritível, quando entre as pessoas afrodescenden- ção entre brancos é de 5,5% comparada aos
representando um passo importante para tes”. A informação ainda apresenta dados 7,1% das pessoas negras.
as políticas de promoção da igualdade ra- de que, em 2018, 44,2% dos jovens negros A Comissão destaca ainda os números
cial das quais trataremos neste fascículo. do sexo masculino com idade entre 19 e alarmantes com elevados números de ho-
Em cenário de pobreza extrema, ob- 24 anos não concluíram o ensino médio. micídios de pessoas negras no Brasil, que,
serva-se majoritária presença da popu- Analisando este indicador para o es- segundo informação divulgada pelo Esta-
lação negra, que vivencia violação de di- tado do Ceará, chama atenção a desi- do, “aumentou a uma taxa de 23,1% entre
reitos, violências e racismo como marcas gualdade latente. Em 2019, 14,7% dos 2006 e 2016. Sendo que 73,1% dos 618 mil
históricas. Nesse sentido, a ação positiva cearenses negros de 15 anos ou mais de homicídios registrados no país entre 2007
do Estado pela via das políticas de pro- idade eram analfabetos, percentual que e 2017, foram cometidos contra homens
teção social é fundamental para superar cai para 10,4% entre os cearenses bran- negros”. Além disso, destaca-se que 67%
tal realidade. Vale nos debruçarmos um cos. Quando analisamos o grupo etário das vítimas de violência policial no âmbito
pouco sobre os índices atuais dessa rea- de 60 anos ou mais, a taxa de analfabe- nacional se identificaram como negros do
lidade social no Ceará e no Brasil. tismo entre os brancos chega a 24,7% en- sexo masculino, com idades que variam
Quanto à escolaridade média e nível quanto entre as pessoas pretas ou pardas entre 20 e 40 anos (CIDH, 2021, p. 10).
de instrução, as desigualdades de opor- (negras) chegou a 40%. (Ipece, 2020) Diante dessa realidade consequente do
tunidades dos alunos(as) negros(as) na Os dados sobre condições de trabalho racismo estrutural, o combate às desigual-
educação básica e superior resultam em também são fundamentais para obser- dades sociais e raciais no Ceará e no Brasil
uma escolaridade média da população varmos as demandas por proteção social tem sido objeto de políticas públicas, das
que se declara preta e parda inferior à e justiça social no país onde 41,6% dos quais trataremos nas linhas seguintes.

Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 91


5
b) Políticas de ações valorativas têm por desígnio combater
COMO SUPERAR os estereótipos negativos que foram construídos historicamen-
te, são ações que valorizam a pluralidade étnica e o caráter des-

O RACISMO E sas ações é permanente e não focalizado;


c) Políticas de ações afirmativas têm por finalidade enfrentar
as discriminações e desigualdades indiretas, as que são veladas,
PROMOVER A que não aparecem explicitamente, de tal modo que enfrentam
os resultados das discriminações.

IGUALDADE RACIAL No Brasil as políticas de promoção da igualdade racial são


recentes. O país acreditava que inexistiam o racismo e os confli-
tos raciais na sociedade. Foi somente no governo de Fernando
NO ÂMBITO DA Henrique Cardoso (1995-2003) que o Estado brasileiro reconhe-
ce a existência da desigualdade étnico-racial e cria o Grupo de

PROTEÇÃO SOCIAL Trabalho Interministerial pela Valorização da População Negra.

P
Este Grupo de Trabalho foi criado após a realização da Mar-
cha contra o Racismo, pela Igualdade e pela Vida, em 20 de no-
olítica pública pode ser entendida como uma estraté-
vembro de 1995 na capital federal, em memória do tricentenário
gia de ação formulada, planejada, executada e avaliada
da morte do líder do Quilombo dos Palmares – Zumbi, organiza-
a partir de uma racionalidade coletiva em que tanto o
da por inúmeras entidades do movimento negro, a Central Úni-
Estado como a sociedade desempenham papéis ativos.
ca dos Trabalhadores e o Movimento Sem Terra.
Ela envolve diferentes atores (governamentais e não governa-
Fatos e conteúdos históricos no fim do século XX vão de-
mentais) por meio de demandas, suportes ou apoios e mediante
mandar aparatos constitucionais como marcos legais para a
o controle democrático. Tem como função concretizar direitos de
instituição de políticas públicas e de ações afirmativas de ini-
cidadania e primar pela justiça social. As políticas podem ser de
ciativas estatais visando à promoção da igualdade racial, como
cunho universal e no âmbito específico, estas últimas:
as comemorações que marcaram o Centenário da Abolição,
“... Podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e priva-
em 1988; a tipificação do racismo como crime inafiançável na
das de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com
vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência fí- Constituição Federal de 1988, regulamentada pela Lei Caó (Lei
sica e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos nº 7.716/1989); a Marcha Zumbi de Palmares em 1995 que ten-
presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a sionou o governo brasileiro, pela primeira vez, a reconhecer ofi-
concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamen- cialmente o racismo no país.
tais como a educação e o emprego”. (Joaquim Barbosa – Ministro do Su- No início do século XXI, houve a celebração de 500 anos do
premo Tribunal Federal / STF)
Brasil; e em momento histórico a III Conferência Mundial con-
Para efeitos dessa discussão da igualdade racial, têm-se tra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância,
políticas de promoção da igualdade racial, classificadas da ocorrida em setembro de 2001, na África do Sul, gerou signifi-
seguinte forma: cativo posicionamento das nações para o desenvolvimento
a) Políticas repressivas têm por objetivo enfrentar e comba- das ações sistêmicas internacionais de combate ao racismo, do
ter os atos discriminatórios a partir da legislação criminal; qual o povo brasileiro participou e passou a tentar mobilizar-se
92 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste
socialmente para a implementação das
propostas então deliberadas de ações LEGISLAÇÕES VOLTADAS À PROMOÇÃO
afirmativas para os negros e as negras e
seus descendentes, além da Declaração e
DA IGUALDADE RACIAL
do Plano de Ação de Durban. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Ao abordar as políticas de Proteção Social, têm
importância os subsídios teóricos e técnicos Art. 5º, XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
para apoiar as equipes de profissionais sujeito à reclusão nos termos da lei.
que executam essa política nos diversos
equipamentos sociais aos povos indígenas, às Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
comunidades remanescentes de quilombo, nas
comunidades da periferia de maioria negra, e Art. 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
em outras comunidades dos povos tradicionais. línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
Dentre eles, vale destacar: tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer
a) Capacitar as/os profissionais que respeitar todos os seus bens.
fazem o preenchimento de todos os for- Art. 232 – Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas
mulários e prontuários dos serviços pú- para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
blicos estaduais e nos sistemas de infor- Ministério Público em todos os atos do processo.
mação estadual, de acordo com o IBGE.
b) Capacitação dos agentes públicos, com Lei 7.716, de 5 de Janeiro de 1989. Lei Caó – Define os crimes resultantes
ênfase na instituição policial no âmbito da de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
abordagem policial e o racismo institucional; nacional.
c) Qualificar e capacitar a rede de Decreto 4.887, de 20 de Novembro de 2003 – Regulamenta o procedimento
atendimento às mulheres em situação para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
de violência com prioridade nos hospi- terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
tais e delegacias, dando ênfase as temá-
ticas para o enfrentamento do racismo Lei 10.639, de 09 de Janeiro de 2003 – Altera a Lei de Diretrizes e
institucional - Implantação do Centro de Bases da Educação nacional (LDB), incluindo no currículo educacional a
Referência no atendimento às mulheres obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira”.
em situação de violência dentro da Casa Decreto 5.051, de 19 de Abril de 2004 – Promulga a Convenção 169 da
da Mulher Brasileira com o atendimento Organização Interacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais.
específico para as mulheres e o pertenci-
Decreto 6.040 de 07 de Fevereiro de 200 – Institui a Política Nacional de
mento racial (negras, quilombolas, indí-
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
genas, ciganas, de terreiro);
d) Adotar, fortalecer e aplicar políticas, Lei 12.288, de 20 de Julho de 2010 – Institui o Estatuto da Igualdade Racial.
programas e projetos voltados à ação de Lei 12.711, de 29 de Agosto de 2012. Lei das cotas – Dispõe sobre o
combate ao racismo, discriminação racial, ingresso nas universidades Federais e nas instituições federais do ensino
xenofobia intolerâncias relacionadas; técnico de nível médio e dá outras providências.
e) Instituir o quesito raça/cor, identidade
de gênero e de orientação sexual em todos Lei 12.990, de 9 de junho de 2014 – Reserva aos negros 20% das vagas
os formulários e prontuários dos serviços para concursos públicos para cargos efetivos e empregos públicos da
públicos estaduais e nos sistemas de infor- administração pública federal, autarquias, fundações públicas, empresas
mação estadual, de acordo com Instituto públicas e sociedade de economia mista controlada pela União.
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Lei 16.197, de 17 de Janeiro de 2017 – Dispõe sobre a instituição do sistema
de cotas nas Instituições de Ensino Superior do Estado do Ceará.

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6
• Resistimos pela cultura e arte – trabalhando com a pauta
identitária (subjetividade) e condições estruturais – objetivas de

AMPLIAÇÃO
ocupar os lugares nesse país de desvantagens históricas.
• Resistimos por meio de processos educacionais –
aquilombamento dos estudantes negros organizados em

DO EXERCÍCIO coletivos e núcleos de estudos que acumulam solidariedade


e acolhimento.

DE CIDADANIA:
• Resistimos por meio da imprensa negra.
• Resistimos por meio da representatividade negra na política.
• Resistimos por meio de datas históricas como o dia
RESISTÊNCIAS 20 de novembro – Dia da Consciência Negra, demarcando
nossa negritude e afirmando que ainda temos muitos

PLURAIS desafios para alcançar a verdadeira igualdade racial.

S
• Resistimos quando realizamos a Marcha das Mulheres
Negras contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver,
ão nos territórios negros e periféricos que a desigualda-
no ano de 2015 em Brasília, dando visibilidade à luta, à
de racial e social, a falta de segurança pública, e falta de
resistência, às denúncias, às angústias e às vozes das 50
serviços públicos deitam suas mais perversas raízes. Po-
milhões de mulheres negras brasileiras.
rém são nesses territórios que surgem expressões de re-
sistências culturais e políticas, sobretudo por parte da juventude,
que consegue construir experiências de sociabilidade e lutas des-
colonizadoras, em face de um poder cada vez mais vil e agressivo As relações raciais no Brasil não podem mais ser tratadas
contra as comunidades e populações negras (NOGUEIRA, 2017). como um problema de somente de negro/as. São um problema
Resistir implica conectarmos com nossas raízes históricas de todos e todas. É necessário visibilizar a nossa potência negra,
para construção de nossa identidade, evidentemente sem cair na demonstrar o grau de possibilidade de buscar alternativas para
armadilha do subjetivismo, que não considera a estrutural social, a sua sobrevivência e construir o mundo sob outra perspectiva.
econômica, social e política na qual estamos situados. Para tan- Não apenas pautar a negritude, mas também ressignificar o
to, cabe estabelecer um diálogo com nossa memória ancestral branco para ele mesmo e para os negros(as). Desconstruir ima-
valorizando as tradições, os saberes africanos e afro-brasileiros ginários sociais a respeito de negros e negras que despertam
(acionar histórias, tradições, heranças e pertencimentos). Resisti- tanto medo (biológico, sexual, forte e agressivo).
mos desde que aqui chegamos nos navios negreiros. Urge a tarefa de reinventar esse país. E essa reinvenção passa neces-
sariamente pela construção do projeto de identidade nacional e pela
construção da brasilidade. Para isso, é necessário considerar a história,
Observe como as formas de resistir a memória e as contribuições dos grupos étnicos raciais que sofrem a
de negros e negras é plural. discriminação e o racismo, a partir da percepção de que ajudaram na
• Resistimos ao constituir as famílias negras. edificação dessa nação. Então, nada mais digno de que possam contar
com respeito, reconhecimento étnico, justiça racial e respeito aos mo-
• Resistimos pela via da religião – católica com as
delos de desenvolvimento que apresentam. (SOUZA, 2009)
irmandades religiosas, pastorais, as comunidades de terreiro
Por isso, a construção de um modelo de proteção social que
de matriz africana e afro-brasileiras.
leve em considerações as especificidades dos diferentes grupos
• Resistimos ao fazer parte dos movimentos sociais negros. étnicos que compõem esse país é fundamental para melhor qua-
lificar a intervenção social e obtermos resultados consistentes.
94 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste
Referências
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Direitos Humanos no Brasil. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 9. 12 fevereiro 2021. – Ceará: Ipece, 2020. Disponível em https://www.ipece.ce.gov.br/wp-
Disponível em http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/Brasil2021-pt. content/uploads/sites/45/2020/12/ipece_informe_187_22_dez2020.pdf.
pdf Acesso em 05 de março de 2021. Acesso em: 07 de março de 2021.
GOMES, Daiane de Oliveira; BRANDAO, Wanessa Nhayara Maria Pereira; MADEIRA, Maria Zelma de Araújo. Política de Igualdade Racial
MADEIRA, Maria Zelma de Araújo. Justiça racial e direitos humanos dos na realidade cearense. Revista em pauta: Questão étnico-racial e
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Mar. 2021. https://doi.org/10.1590/S2176-94512010000300015.
Souza, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2009.

Ilustração de Anny
Rammyli Nascimento da
Silva com intervenção
de Carlus Campos

Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 95


Autores
Maria Zelma de Araújo Madeira
Ilustrações
Desenhos originais das crianças Ana Luiza Travassos de
Tem graduação em Serviço Social pela UFPI (1991), Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva,
mestrado em Sociologia do Desenvolvimento pela UFC Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler
(1998) e Doutorado em Sociologia pela UFC (2009). É Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi
professora do Curso de Serviço Social da Universidade Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco
Estadual do Ceará (Uece) e do Mestrado em Serviço Social, Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João
Trabalho e Questão social (MASS) da Uece. É coordenadora Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira
do Laboratório de Afrobrasilidade, Gênero e Família de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita
(Nuafro) da Uece. Foi coordenadora estadual de Políticas Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant,
Públicas para a Promoção da Igualdade Racial do Ceará Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira,
(Ceppir), de 2015 a 2020, vinculado à Secretaria da Proteção Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus
Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos. Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela
É assessora de Acolhimento aos Movimentos Sociais Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin
no Gabinete do Governador do Ceará. Tem experiência Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, que
nas áreas de Sociologia e Serviço Social, atuando participaram da Oficina de Ilustração com Joana Brasileiro
principalmente nos seguintes temas: família, gênero, Barroso, com intervenção artística de Carlus Campos.
relações étnico-raciais, políticas sociais, gestão de políticas
públicas, política de igualdade racial, política de assistência
social, cultura e religião de matriz africana.

Daiane Daine de Oliveira Gomes


É assistente social graduada pela Universidade Estadual
do Ceará – Uece (2012). Tem Mestrado em Serviço Social,
Trabalho e Questão Social pela Uece (2016), trabalhou
como assistente social no Centro de Referência de
Assistência Social Lagamar em Fortaleza, Ceará (2013),
na Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para
Promoção da Igualdade Racial do estado do Ceará (2015-
2019) e no Instituto Federal da Paraíba (2019-2020). Integra
o Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidades,
Gênero e Família (Nuafro). Tem experiência na área de
Serviço Social, com ênfase em: Relações Étnico-raciais,
Relações de gênero e Políticas Sociais. Atualmente trabalha
como assistente social na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).

APOIO REALIZAÇÃO

III

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