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ARTIGO ARTICLE
Sentidos e métodos de territorialização
na atenção primária à saúde

Meanings and methods of territorialization in primary health care

Vanira Matos Pessoa 1


Raquel Maria Rigotto 1
Fernando Ferreira Carneiro 2
Ana Cláudia de Araújo Teixeira 1

Abstract Territorially-based participative ana- Resumo Metodologias analíticas participativas


lytical methodologies taking the environmental de base territorial são essenciais para a atuação
question and work into consideration are essen- da Atenção Primária à Saúde (APS) consideran-
tial for effective primary health care. The study do a questão ambiental e o trabalho. Este estudo,
analyzed work and environment-related processes realizado em município cearense com modelo de
in the primary health care area and their reper- produção agroexportador, analisou os processos
cussions on the health of workers and the com- no território da APS relacionados ao ambiente/
munity in a rural city in Ceará, whose economy trabalho e as repercussões sobre a saúde da comu-
is based on agriculture for export,. It sought to nidade e dos trabalhadores, com vistas à reapro-
redeem the area and the proposal of actions fo- priação do território e proposição de ações foca-
cused on health needs by the social subjects through das nas necessidades de saúde, pelos sujeitos soci-
the making of social, environmental and work- ais, a partir da elaboração dos mapas: social, am-
related maps in workshops within the framework biental e do trabalho em oficinas conduzidas em
of action research. Examining the situation from pesquisa-ação. A problematização na perspectiva
a critical perspective, based on social participati- crítica, embasada na participação social e na de-
on and social determination of the health-disease terminação social do processo saúde-doença refe-
process with regard to the relations between pro- rente às relações produção-ambiente-saúde foi
duction, environment and health, was the most etapa fundamental no mapeamento participati-
important step in the participative map-making vo, tendo sido o material qualitativo interpreta-
process, with the qualitative material interpret- do à luz da análise do discurso. O processo favore-
ed in light of discourse analysis. The process helped ceu a identificação das necessidades de saúde, a
1
Departamento de Saúde identify the health needs, the redemption of the reapropriação do território reforçando a atuação
Comunitária, Centro de
area, strengthened the cooperation between sec- intersetorial, fortalecendo a interlocução entre a
Ciências da Saúde,
Universidade Federal do tors and the tie between the health of the worker saúde ambiental e do trabalhador, avançando na
Ceará. R. Prof. Costa and that of the environment, and represented an superação dos processos contribuintes para a in-
Mendes 1608/5º, Rodolfo
advance towards the eradication of the causes of suficiência das práticas da APS.
Teófilo. 60431-970
Fortaleza CE. poor primary health care services. Palavras-chave Atenção Primária à Saúde, Saú-
vanirapessoa@gmail.com Key words Primary health care, Workers¼ he- de do trabalhador, Saúde ambiental, Determina-
2
Faculdade de Ciências da
alth, Environmental health, Determination of ção das necessidades de saúde
Saúde, Departamento de
Saúde Coletiva, health needs
Universidade de Brasília.
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Pessoa VM et al.

Introdução decorre a análise da situação de saúde, planeja-


mento e a implantação de ações estratégicas, que
O modelo de desenvolvimento econômico pro- garantam resolubilidade ao sistema. Também a
move impactos no modo de vida das comunida- Política Nacional de Promoção da Saúde5 consi-
des e trabalhadores, tanto nos contextos rurais dera prioritária a promoção do uso de metodo-
quanto urbanos, gerando agravos à saúde decor- logias de reconhecimento do território, em todas
rente das alterações ambientais e da organização as suas dimensões: demográfica, epidemiológi-
do trabalho. Dias et al.1, apontam que as relações ca, administrativa, política, tecnológica, social e
produção, ambiente e saúde são determinadas cultural, como instrumento de organização dos
pelo modo de produção e consumo, consistindo serviços de saúde.
na principal referência para a compreensão das Por outro lado, as políticas norteadoras do
condições de vida, do perfil de adoecimento e processo de trabalho na APS orientam a realiza-
morte e a vulnerabilidade diferenciada dos seg- ção de ações para grupos específicos como: cri-
mentos sociais e a degradação ambiental. Para ança, adulto, idoso, mulher, trabalhador. Isto
Dias et al.1 e Pessoa et al.2 o enfoque do território contribui para a fragmentação das ações na roti-
na Atenção Primária à Saúde (APS) permite deli- na dos serviços, que têm sido organizados prio-
near e caracterizar a população e seus problemas rizando a assistência, com ações programáticas,
de saúde, a criação de vínculo e responsabilidade com pouco enfoque na integralidade da atenção
entre os serviços de saúde e usuários propiciando e na promoção da saúde. Esta focalização das
o acesso dos usuários-trabalhadores ao serviço, ações contribui para que os profissionais não
bem como a avaliação dos impactos das ações. incorporem em suas práticas as dimensões do
Apesar disso, as categorias trabalho e ambi- trabalho e ambiente, embasada na compreensão
ente continuam pouco abordadas na prática, sen- ampliada de saúde e de território.
do um desafio à efetivação das políticas de saúde A incorporação dos processos que modifi-
ambiental e do trabalhador na APS. A ampliação cam as relações humanas no e com o território
da ação da APS visando à incorporação da ques- nas práticas da APS apresentam-se insuficientes,
tão ambiental e do trabalho na identificação das sendo que a territorialização restringe-se a ela-
necessidades de saúde é cada vez mais necessária, boração de um mapa que focaliza áreas de risco
e, para tal, é essencial discutir a concepção de entendidas como responsabilidade dos profissi-
território que ancora a política de saúde, entre- onais da APS, e mais como uma estratégia orga-
meando-a ao contexto social, econômico, políti- nizativa e gerencial do serviço, não incorporan-
co, cultural e ideológico, bem como propor me- do realmente a participação comunitária, não
todologias analíticas participativas de base terri- sedimentando o compromisso ético-sanitário da
torial, considerando que a leitura integrada do equipe com a população, nem estabelecendo par-
espaço social necessita de uma visão de territó- cerias que busquem ação corresponsável na pro-
rio, concebendo o espaço como um híbrido en- moção da mudança. Contudo, o contexto da re-
tre sociedade e natureza, entre política, economia estruturação produtiva das novas relações de tra-
e cultura, e entre materialidade e “idealidade”, balho e as transformações ambientais têm gera-
numa complexa interação tempo-espaço. A no- do novas necessidades de saúde e demandado
ção híbrida é múltipla e nunca indiferenciada do novas práticas sanitárias na APS.
espaço geográfico, o território é concebido na Os autores apontam que o ponto de partida
imbricação de múltiplas relações de poder, do para a organização dos serviços e das práticas de
poder mais material das relações econômico- vigilância em saúde é a territorialização do siste-
políticas ao poder mais simbólico das relações ma local de saúde [...] segundo a lógica das rela-
de ordem mais estritamente cultural3. ções entre condições de vida, ambiente e acesso
A Política Nacional de Atenção Básica4 esta- às ações e serviços de saúde6. Reconhecer o terri-
belece como atribuições comuns a todos os pro- tório sob responsabilidade dos trabalhadores de
fissionais: participar do processo de territoriali- cada setor como estratégia para o planejamento
zação e mapeamento da área de atuação da equi- de suas ações já está suficientemente proposto, o
pe, identificando grupos, famílias e indivíduos que tem se apresentado como desafios são os
expostos a riscos, inclusive aqueles relativos ao métodos utilizados para o processo de desvela-
trabalho, e da atualização contínua dessas infor- mento do território. Daí surgem algumas pers-
mações, priorizando as situações a serem acom- pectivas como os mapas falantes e mapas vivos,
panhadas no planejamento local. Logo, a terri- com a descrição de experiências singulares em
torialização é uma ação primordial, pois dela escolas e na APS7.
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Goldstein e Barcellos8 sugerem que os méto- Metodologia
dos de mapeamento podem ser utilizados como
instrumento didático e de debate com a popula- Ancorados na abordagem qualitativa conforme
ção leiga sobre suas condições socioeconômicas Minayo et al.10 ao destacar que a realidade social
e a inserção em seu território. Ressaltam que os é o próprio dinamismo da vida individual e cole-
mapas devem ser pensados e produzidos a partir tiva com toda a riqueza de significados dela trans-
de um processo educativo por parte dos pesqui- bordante, utilizamos o método da pesquisa-ação
sadores e população, na busca de um melhor que segundo Thiollent11 é um “[...] tipo de pes-
conhecimento sobre o território, os determinan- quisa social com base empírica concebida e reali-
tes e os condicionantes ambientais e sociais e sua zada em estreita associação com uma ação ou
influência no desenvolvimento dos agravos de com a resolução de um problema coletivo e no
saúde da população. qual os pesquisadores e os participantes repre-
As técnicas participativas para definir a per- sentativos da situação ou do problema estão en-
cepção geográfica de espaço servem para com- volvidos de modo cooperativo e colaborativo”.
partilhar os conhecimentos gerados de maneira A pesquisa-ação realizada em 2010, em Qui-
conjunta sobre cada região, permitindo agregar xeré, Ceará, Brasil, ocorreu no formato de ofici-
novas informações que muitas vezes não estão nas, a cada 21 dias com duração média de oito
presentes nas bases de dados oficiais. Acredita- horas, totalizando 44 horas. Trata-se de um ter-
mos estar em consonância com os autores quan- ritório marcado por profundas transformações
do propomos que o ‘mapeamento participativo’, socioambientais na última década, a partir da
necessita de uma etapa de problematização críti- instalação empresas transnacionais de fruticul-
ca da realidade, no processo de leitura e interpre- tura irrigada para exportação12.
tação dos mapas. Para a composição do grupo de pesquisa for-
Apesar do esforço empreendido na prática mado por 14 sujeitos, adotou-se como critério a
da APS na realização da territorialização em saú- participação social e a representatividade do ter-
de, seja no modelo tradicional, seja nos mapas ritório local nos segmentos: políticas públicas,
vivos, ou falantes, há uma lacuna consistente em poder público e movimentos sociais, consideran-
publicações científicas, que subsidiem os profis- do ainda o interesse dos agentes locais em deba-
sionais da APS na realização de territorialização ter as questões referentes às relações produção-
em saúde que possibilite identificar, analisar e ambiente-saúde e disponibilidade dos mesmos
propor ações individuais e coletivas considerando em participar da pesquisa. No processo de cons-
a determinação social da doença. Breilh9 explicita tituição do grupo, foi pactuado, a partir da soli-
a diferença entre o que se concebe por determi- citação dos sujeitos, como condição para a ade-
nantes sociais da saúde e determinação social da são e participação dos mesmos, que o discurso
saúde. Segundo o autor, a primeira concepção seria analisado como um produto coletivo. Des-
objetiva encontrar as causas das causas dos pro- se modo, o grupo foi composto por: ESF – com
blemas de saúde, enquanto que a segunda trata área de abrangência urbano e rural (médico, en-
não dos fatores causadores, mas dos processos fermeiro, agente comunitário de saúde, auxiliar
históricos que geram os problemas de saúde co- de enfermagem), dois usuários do SUS residen-
letiva. Adotando esta perspectiva, inferimos que tes no campo (identificados pelos movimentos
o território na práxis da APS precisa ser desvela- sociais), um trabalhador rural do agronegócio
do pelos profissionais e comunidades além dos (indicado pela Associação dos Trabalhadores
limites das áreas adscritas e dos problemas emer- Rurais), o presidente da Associação dos Traba-
genciais que alteram a vida das pessoas. À luz lhadores Rurais, uma conselheira municipal de
destes pressupostos apresentamos um mapea- saúde do segmento usuário, um vereador resi-
mento participativo em saúde ambiental e do tra- dente na comunidade, uma auxiliar de serviços
balhador na APS, que objetivou: identificar e ana- gerais, uma professora da escola municipal e dois
lisar os processos no território da APS relaciona- representantes dos movimentos sociais, tendo
dos ao ambiente e trabalho e as repercussões sido estes últimos indicados por seus pares.
sobre a saúde da comunidade e dos trabalhado- Como inquietações iniciais sobre o ‘mapea-
res, com vistas à reapropriação do território e mento participativo em saúde’ tínhamos as se-
proposição de ações centradas nas necessidades guintes questões: qual a utilidade (entendida como
de saúde. os sentidos, significados apreendidos) no pro-
cesso do grupo e a finalidade (compreendida
como os fins, para que fazer) da territorialização
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em saúde para a comunidade e para APS? Qual a Adotamos a Análise do Discurso que, segun-
metodologia mais adequada para realizar uma do Orlandi15 consiste na extração dos sentidos
territorialização em saúde que evidencie as neces- dos textos, considerando que a linguagem, en-
sidades de saúde concebendo as relações produ- quanto trabalho simbólico não é transparente,
ção-ambiente-saúde? Estas indagações nos im- mas parte do trabalho social geral, constitutivo
pulsionaram a ancorarmos o desenvolvimento do homem e da sua história. Quanto aos proce-
do ‘mapeamento participativo’ descrito neste dimentos de análise, o grupo analisava os mapas
manuscrito nos ensinamentos de Paulo Freire13. que elaboraram, mas os discursos do grupo acer-
“[...] toda compreensão de algo corresponde ca do processo foram analisados pela pesquisa-
cedo ou tarde, uma ação. Captado um desafio, dora, sendo posteriormente apresentado ao gru-
compreendido, admitidas as hipóteses de respos- po, para ‘validação’ da análise. A pesquisa foi de-
ta o homem age. A natureza da ação correspon- senvolvida conforme a Resolução nº 196/96, do
de à natureza da compreensão. Se a compreen- Conselho Nacional de Saúde 16 aprovada pelo
são é crítica ou preponderantemente crítica, ação Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
também o será. Se é mágica a compreensão, má- Federal do Ceará.
gica será a ação”. Em consonância com Paulo
Freire valorizamos a etapa de problematização
tentando nos distanciar da superficialidade e Resultados e discussão
ampliar, modificar e aprofundar a compreensão
crítica dos processos vividos no território local, O processo de mapeamento participativo
para a proposição de soluções. em saúde ambiental e do trabalhador
Embasados em Thiollent11 e Freire13 condu- na APS
zimos as oficinas entendendo tanto o sujeito
como o objeto como construções sócio-históri- O ‘mapeamento participativo’ descrito neste
cas que precisam ser problematizadas e desfami- artigo utiliza como mediador a elaboração de
liarizadas, o que implica na problematização da mapas, contudo para identificar necessidades de
realidade13. Zanotto e De Rose14, interpretando saúde centradas na comunidade considera a de-
Paulo Freire, sublinham que a ação de proble- terminação social da doença, intersetorialidade, a
matizar acontece a partir da realidade que cerca percepção de coletivos, a dinamicidade do territó-
o sujeito; a busca de explicação e solução visa a rio. Este mapeamento consiste num processo re-
transformar aquela realidade, pela ação do pró- flexivo e crítico, que incorpora as dimensões so-
prio sujeito (sua práxis). O sujeito, por sua vez, cioafetivas, simbólicas, culturais, como também
também se transforma na ação de problemati- as transformações territoriais e do modo de vida,
zar e passa a detectar novos problemas na sua advindas com a reestruturação produtiva e a
realidade e assim sucessivamente. questão ambiental.
Considerando os pressupostos teóricos, a Inicialmente, o grupo identificou de onde vi-
condução das oficinas foi realizada da seguinte eram, porque vieram e como viviam os primei-
forma: a) exposição oral com fotos, do passado ros habitantes do lugar, descobriram que o po-
e do presente do território, por pessoas da co- voamento da região esteve relacionado a ques-
munidade selecionadas pelo grupo de pesquisa; tões ambientais, como as enchentes, que contri-
b) elaboração de mapas representativos da dinâ- buíram para a migração de pessoas, iniciando-
mica social, ambiental e do trabalho do territó- se o processo de povoamento da região.
rio, em subgrupos; c) submissão dos mapas a [...] Os mais idosos dizem que em 1880 já exis-
análise crítica dos demais sujeitos integrantes do tia ranchos de madeiras cobertos de palha em cima
grupo de pesquisa; d) problematização realizada da serra [...]. Vieram [...] devido às enchentes. Esse
pela pesquisadora, após o esgotamento das con- foi um dos fatores que fizeram com que as famílias
siderações feitas pelos participantes acerca dos viessem para cá. Em 1920 foi a chegada dos primei-
mapas apresentados. Nesta fase indagamos como ros habitantes.
se relacionavam os elementos contidos em cada Resgatou-se como era o modo de vida e como
mapa entre si e com a saúde, tais como: transfor- as pessoas se relacionavam com o lugar, e como
mações ambientais e a relação com a saúde; mu- foi o povoamento da região, bem como sua rela-
danças no modo de vida e implicações na saúde; ção com as questões ambientais. Apesar de tra-
transformações no trabalho e alterações na saúde, balhar há mais de três anos neste lugar os profis-
desenvolvimento econômico e a relação com a qua- sionais da APS desconheciam esses aspectos sin-
lidade de vida. gulares, importantíssimos para a realização de
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ações de abordagem familiar, comunitária e de saúde ambiental e do trabalhador, entretanto não
saúde ambiental. Evidenciou-se a necessidade da são objetos de análises neste artigo.
valorização da cultura e do vínculo afetivo das
pessoas com o território pelo serviço de saúde. Mapeamento participativo e os desafios
Estudo empírico realizado por Carvalho17 na identificação das necessidades de saúde
numa Unidade Básica de Saúde (UBS) conside-
rando o quanto e como a equipe saúde da famí- Neste tópico descrevemos como foi a orien-
lia (ESF) compreende a complexidade territorial tação metodológica para a elaboração de cada
e de que maneiras suas práticas assistenciais con- mapa, para em seguida apresentarmos a fase
figuram estratégias reforça que o processo de ter- analítica do processo. Assim, para a elaboração
ritorialização na UBS não apreende as relações do mapa social solicitamos aos participantes que
de poder e as ligações simbólico-afetivas que con- representassem a comunidade, explicitando to-
figuram a complexidade do território local, já dos os aspectos que considerassem fundamen-
que a base conceitual ancora-se nos preceitos da tais para a vida comunitária. O grupo explicitou
geografia tradicional e da geografia quantitativa, as dificuldades para “mapear o território” na prá-
em que há o entendimento da noção de espaço tica dos serviços de saúde.
absoluto naturalizado, reconhecendo o Estado [...] no Programa Saúde da Família a primeira
como detentor do poder de demarcar os limites coisa que você tem que fazer é o mapeamento da
da territorialidade17. sua área, é a construção desses mapas [...]. A gente
O autor aponta que se soma a isso a super- até sabe como é o mapa social [...], só que o tempo
valorização da epidemiologia para o reconheci- é tão pequeno [...], se fosse pegar esse mapa e fazer
mento da realidade tendendo-se, portanto, a um lá no posto, que de dez em dez minutos chega um
planejamento normativo. No intuito de avan- para falar com a gente, a gente não consegue, mas a
çarmos e superarmos o desafio exposto por Car- gente teria que ter esses mapas construídos, é uma
valho, optamos por um mapeamento partici- coisa real.
pativo com a elaboração de três mapas para apro- Consideramos desafiante propor um mapea-
fundarmos a problematização das dimensões do mento participativo, que entrelace a análise técni-
ambiente e trabalho, e possibilitar a visualização ca dos profissionais da saúde acerca do território
do território na complexidade em que ele se apre- com a análise simbólica, embasada na compreen-
senta, a partir de recortes distintos. Coube ao são das comunidades. Por que tal processo não
grupo a responsabilidade de desenhar os mapas, pode ser realizado fora de uma proposta metodo-
sem georreferenciamento ou utilização de outros lógica participativa, que problematize a realidade
mapas existentes. Essa escolha relacionou-se a e como se dão esses processos na vida. Em contra-
alguns fatores que consideramos importantes: partida dispor-se a refletir com a intencionalida-
primeiramente, a participação ativa de todos em de de agregar novos olhares e novas perspectivas
todas as fases do processo era fundamental, e no é animador para quem vivencia contextos com-
grupo, havia participantes não alfabetizados, e a plexos e desconhecidos; no entanto, do ponto de
elaboração do mapa, conforme proposto não os vista prático, requer habilidades como reconhe-
excluía de participar do reconhecimento do terri- cer e respeitar o saber popular em relação ao modo
tório; em segundo lugar, a necessária valorização de vida e às práticas em saúde, dentre outros as-
dos saberes, enquanto coletivos igualmente ca- pectos essenciais para a territorialização.
pazes de realizar o mapeamento participativo, Na análise do mapa social, percebemos que
aliando o saber popular com o saber técnico- os problemas identificados são a prostituição,
científico; e, finalmente, porque não dispúnha- drogas e doenças sexualmente transmissíveis,
mos de tempo hábil durante o mestrado e nem porém, os participantes não os relacionam com
de recursos financeiros para implantarmos tec- as mudanças impostas pelo modo de produção
nologias como georreferenciamento junto ao como elemento central na determinação social
grupo já que o uso desta tecnologia não fazia do processo saúde-doença. Nesse sentido, os
parte do cotidiano dos sujeitos. Acreditamos tam- agravos são enumerados somente como decor-
bém, que o desenho propicia a representação sim- rentes da ausência ou incipiência das políticas
bólica de aspectos culturais, que poderiam não públicas e problemas sociais vinculados à saúde.
estar presentes em outro tipo de mapa. No en- Apesar de saber que existe o trabalho, ele não é
tanto, destacamos que o georreferenciamento concebido como algo a ser considerado pelo se-
pode trazer outros aspectos, que são essenciais tor saúde na abordagem de mapear “tudo o que
para um mapeamento, que utilize o recorte da é fundamental para a vida comunitária”.
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Pessoa VM et al.

[...] vou sair triste daqui hoje porque, [...] essa zadas nos grupos de riscos. O trabalho só surgiu
questão de ter traficante na porta das escolas [...] eu quando o grupo foi convidado a ‘pensar’ o tra-
até sabia que aqui rolava droga, mas na parte dos balho, a desenhar o mapa identificando e apre-
prostíbulos. [...] para mim, isso é novo, eu acho que sentando as ‘pessoas que fazem’ e ‘como fazem’ o
a escola com saúde [...] urgentemente ter que tra- trabalho em cada comunidade.
balhar a questão das drogas dentro das escolas [...]. É interessante notar que o grupo identificou
É área de risco [...] dos prostíbulos, [...] nessa o agricultor familiar, o trabalhador do agrone-
área [...] tem muitas residências [...] de 30 homens gócio, o trabalhador do caju, apesar destes re-
que são trabalhadores que vem para empresa [...], presentarem os trabalhadores rurais, indicando
na mesma casa [...]. que há uma percepção que o processo de produ-
Optamos em não direcionar a elaboração do ção diferencia-se, assim, como o processo saú-
mapa social para identificar áreas de risco, ou de de-doença. O grupo percebeu a importância da
maior vulnerabilidade, porque acreditamos que categoria trabalho e o reconhecimento disso
a abordagem territorial em saúde é complexa e é como ferramenta para identificação de proble-
essencial empreender um esforço metodológico mas de saúde do trabalhador, no entanto, rela-
para captar as necessidades de saúde de base ter- tou dificuldade de visualizar o trabalho, o que
ritorial. De acordo com o grupo de pesquisa, no nos dá indícios de quão distantes estão do servi-
que toca ao mapa social: ço de saúde as ações relativas à atenção aos tra-
A gente teve um pouco de dificuldade [...] a balhadores. Para a elaboração desse mapa foi
gente foi descobrindo coisas que a gente também imprescindível a colaboração dos agentes soci-
não sabia, um ajuda aqui e outro ali e como a ais, principalmente dos trabalhadores que conhe-
gente trabalha nesse território [...] realmente tem ciam a teia de relações estabelecidas nesse meio.
que conhecer, [...] quais são os recursos sociais [...] A elaboração deste mapa propiciou a refle-
para desenvolver um trabalho melhor. xão sobre o crescimento e a pobreza, bem como
A elaboração do mapa social possibilitou a sobre os problemas e riscos relativos ao traba-
descoberta de como estão às políticas públicas: lho. Os mesmos destacaram que esse momento
quais os estrangulamentos, os nós, as perspecti- consistiu em uma oportunidade de descobrir os
vas, as necessidades da comunidade, emergindo riscos e os agravos à saúde dos trabalhadores do
de forma bastante significativa a questão da ação território.
intersetorial que na prática constitui-se num de- [...] todo trabalho [...] oferece um risco, [...],
safio, bem como questões sociais relacionadas à por exemplo, um trabalhador do campo está expos-
fragilidade das políticas públicas de saúde, edu- to ao sol, todo trabalho oferece seus riscos e seus
cação, lazer e segurança pública. benefícios e está sendo importante para gente iden-
A partir do mapa a gente pôde identificar todos tificar esses principais [...].
os problemas [...], porque muitas vezes devido a Esse passo apesar de ser considerado difícil
nossa rotina a gente passa por cima de muitos pon- para o grupo também contribuiu para a percep-
tos que foi descoberto hoje, [...] porque a gente sabe ção de quão as transformações locais, o modelo
que existe só que a gente não sabe a dimensão de de produção imposto à comunidade pouco tem
cada ponto, que foi colocado aí no mapa. se preocupado com o trabalhador, que a centra-
Eu posso trabalhar e apagar um foguinho aqui lidade do modo de produção está na garantia de
e acolá, que muitas vezes eu não me planejo, mas produto, como um ato mecânico desconsideran-
quando eu faço isso aí [o mapa], dá para se plane- do a pessoa que trabalha.
jar e começar a fazer um plano de trabalho de como Eu achei muito difícil construir esse mapa, são
vamos trabalhar, porque tem que priorizar, é tra- tantas profissões especificadas, mas se você está em
balho demais, [...] acho que esse mapa vai nos sub- um lugar fora do seu, e a pessoa pergunta: qual é a
sidiar para [...] fazer esse plano e ver por onde é que principal fonte de renda lá na sua comunidade? E
vamos começar, porque problemas [...] tem muito. aí, de repente, a gente não sabe, [...] e isso aí [ela-
Evidenciamos que a elaboração do mapa so- boração do mapa] é muito bom para gente acor-
cial não conseguiu adentrar no mundo do traba- dar [...] para ver a realidade [...] da comunidade
lho. Nesse passo do mapeamento participativo, da gente [...] os riscos, porque às vezes a pessoa
que consiste, quase sempre, na forma de realizar trabalha, mas não se preocupa se está correndo
a territorialização em saúde adotada no cotidia- algum risco, a preocupação é na produção. É pro-
no dos serviços de saúde, os problemas de saúde, duzir! Produzindo é o que basta, não se preocupa
ou a necessidade de ação do setor da saúde fica- com o que pode acontecer com o trabalhador que
ram restritos às ações prioritárias na APS focali- está produzindo aquele alimento.
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A percepção do agronegócio e seu processo dores, na medida em que se incorporou o traba-
produtivo como gerador de risco dialoga com a lho como parte das ações da APS no território.
interpretação de territorialização proposta por Para a feitura do mapa ambiental informa-
Santos e Rigotto18, na medida em que ressaltam a mos ao grupo que o mesmo deveria conter os
importância do mapeamento reconhecer os pro- bens naturais existentes na comunidade, bem
cessos produtivos locais. Assim, uma proposta como identificar as transformações ambientais
de mapeamento, que pressupõe fortalecer atua- percebidas no território, caracterizando os me-
ção coletiva propiciando a ampliação da visão canismos responsáveis por elas. O grupo eviden-
acerca da realidade, só é possível se contar com ciou no mapa ambiental os mecanismos de trans-
uma estratégia metodológica indutora da critici- formação vividos no território decorrentes do
dade, entendida de acordo com Paulo Freire: desmatamento e das queimadas para a planta-
“[...] é precisamente a criticidade a nota fun- ção de frutas e os grãos, o que, aliados ao uso
damental da mentalidade democrática. Quanto dos agrotóxicos, têm contribuído para o surgi-
mais crítico um grupo humano, tanto mais de- mento de outras espécies, como as pragas.
mocrático e permeável [...]. Tanto mais demo- Analisando o mapa ambiental verificamos que
crático, quanto mais ligado às condições de sua o grupo conseguiu identificar numerosas formas
circunstância. Quanto menos criticidade em nós, de contaminação ambiental nas comunidades:
tanto mais ingenuamente tratamos os problemas os agrotóxicos, por meio da ação do agronegó-
e discutimos superficialmente os assuntos”13. cio, bem como aquelas causadas por caieiras,os
Desse modo, para além do mapeamento há fornos de padaria e os veículos que lançam polu-
que considerarmos ferramentas que promovam entes atmosféricos.
a inquietude dos atores envolvidos no processo Este mapa auxiliou no debate sobre as trans-
de territorialização. A depender da ação “mape- formações percebidas no território local e de que
ar”, os resultados estariam estritos ao levanta- forma isso gera impactos à saúde das pessoas do
mento do conhecimento prévio ou da condensa- lugar, sendo possível perceber que há um processo
ção de informações obtidas em documentos ofi- em curso que enseja repercussões à vida. O grupo
ciais. O relato a seguir demonstra como foi sig- surpreendeu-se com a rapidez das transforma-
nificativo para o grupo desvelar o mundo do tra- ções ocorridas no território, identificando, por
balho. Passaram a perceber o sentido do ser tra- exemplo, a perda da liberdade de ir e vir, pois a
balhador, as contribuições para a comunidade e terra passou a ser propriedade privada do agro-
os riscos que envolvem as atividades de traba- negócio, levando à restrição do acesso a terra por
lho. A descrição do processo de trabalho no cam- parte dos agricultores, tanto no que esta represen-
po permitiu perceber que isso pode gerar danos ta como base para a realização de trabalho autô-
à saúde, e que, portanto, era fundamental co- nomo como na forma de se relacionar com o
nhecer como as pessoas fazem o trabalho para a ambiente. No que se refere a este segundo aspecto,
identificação dos riscos e estabelecer nexos cau- entendemos, a partir do relato do grupo, que há
sais, além de propor estratégias de promoção da perda para os camponeses do contato com a na-
saúde e prevenção de doenças. tureza que se materializa na liberdade de andar,
Foi importante esse trabalho, embora tenha brincar pelos campos sem medo, numa relação de
sido complicado, [...] se for analisar ainda está fal- convivência que gera prazer e saúde. Mas, o pro-
tando alguma coisa. [...] a gente percebeu [...] os cesso acontece de forma despercebida, que somente
riscos que esses profissionais correm no seu traba- num processo crítico-reflexivo, percebem-se estas
lho e até valorizar [...]. Cada profissional [...] e a transformações no modo de vida decorrente de
gente viu também a procedência, de onde vem esse atores externos, alheios às suas relações sociais.
pessoal. Então, a maioria tirando os agricultores [...] eu moro há 26 anos aqui [...], mas quando
[...] vem de fora, [...]. Achei muito importante esse você faz um mapa com as mudanças [...] e analisa
mapa para gente ter uma ideia de onde vêm essas as mudanças você fica surpresa com tanta mudan-
pessoas, quais são os serviços que prestam aqui [...]. ça que veio e o quanto beneficiou, mas também o
A sistematização das ocupações possibilitou quanto trouxe de prejuízo [...] traz vantagens, mas
adentrar o mundo do trabalho e as implicações também desvantagens para o seu município, para o
no modo de vida, bem como discutir o modelo lugar que você mora! As pessoas tinham a liberdade
de produção e as repercussões sobre a saúde e o de correr e brincar nos campos e hoje não tem mais
ambiente. Foi possível identificar as necessidades essa liberdade, hoje é tudo tomado de plantação!
de saúde dos trabalhadores e promover uma O grupo enumerou profundas transforma-
aproximação e responsabilização pelos trabalha- ções no ecossistema, a partir do vivido, e relatou
2260
Pessoa VM et al.

como se deu o processo de extinção de espécies nos serviços de saúde interferem na produção
vegetais e animais e suas relações com a saúde do cuidado. Acreditamos que o mapeamento em
humana. Apontam que muitas espécies utiliza- saúde alicerçado na participação social e na de-
das como fontes de proteína na alimentação das terminação social do processo saúde-doença,
pessoas do lugar há anos não existem e a chega- favoreceu o reconhecimento do território e das
da de outras espécies, como os vegetais, princi- necessidades de saúde, fortaleceu a interlocução
palmente as frutas não enriqueceram a alimen- com campo da saúde ambiental e do trabalha-
tação da população, pois não são consumidas dor no território local e avançou na superação
pelos moradores da região. O grupo compreen- dos processos contribuintes para a insuficiência
deu que a produção de alimentos gerou emprego das práticas no cotidiano da APS.
para alguns, mas que para a população de uma
forma geral essa plantação não se apresenta
como uma alternativa alimentar, e consequente- Considerações finais
mente não trouxe benefícios do ponto de vista
da soberania alimentar. O reconhecimento do território pelo grupo de
[...] há animais extintos: onça, ema, macaco, pesquisa teve como catalisador inicial a aproxi-
jacu, seriema, canário amarelo, avestruz, arara, mação com o outro – que é individual e coletivo –
guaxinim, gato do mato, tamanduá. , que tem uma história e uma cultura. Compre-
[...] não tinha um monte de frutas, aí apare- ender a dimensão sócio-histórica do território,
ceu, poderia gerar uma riqueza na vida das pessoas onde foi construída uma relação sociedade-natu-
em relação a [...] terem oportunidade de se ali- reza, respeitando e ou desrespeitando os limites e
mentar de outras coisas, de outras vitaminas, [...] as potencialidades locais, a história de luta, a
então gerou emprego, mas não gerou o benefício de mobilização e o envolvimento dos agentes locais
alimentação, porque está [produzido] aqui o pro- no enfrentamento e na conquista dos direitos de
duto, mas ninguém está consumindo, então, não cidadania, pode propiciar ao setor saúde o enten-
foi uma coisa tão boa para a população. dimento da resistência, dos mecanismos de so-
O mapeamento participativo desvelou as per- brevivência da comunidade e auxiliar a repensar
cepções, sedimentou conhecimentos, propiciou as práticas de saúde instituídas com vistas à me-
a redescoberta do território e a realização de um lhoria da qualidade de vida. Nesta perspectiva, a
plano de ação. A experiência vivenciada viabili- ideia de território caminharia do político para o
zou a articulação entre desenhar os mapas e fun- cultural, ou seja, das fronteiras entre os povos
damentá-los no plano discursivo-analítico com aos limites do corpo e do afeto entre as pessoas,
base nas percepções, na leitura, na interpretação ensejando uma abordagem de território com boas
das dimensões simbólicas, que devem fazer parte possibilidades para as análises em saúde, particu-
da análise da situação de saúde e da tomada de larmente para a APS, como também para o en-
decisões de como abordar as necessidades de saú- tendimento contextual do processo saúde-doen-
de do território. As ações extrapolaram a atua- ça, principalmente em espaços comunitários20.
ção do setor saúde e a dimensão da doença, avan- A conclusão do grupo de pesquisa-ação so-
çando na perspectiva da promoção da saúde, bre os problemas do território e os mecanismos
transpondo a barreira da focalização. No entan- para abordá-los evidenciou que a sabedoria dos
to, acreditamos que este processo só foi possível agentes sociais locais propiciou o reconhecimen-
pela inserção de agentes sociais como os movi- to das necessidades de saúde, priorizando efetiva-
mentos sociais, representante da Câmara Muni- mente as questões, respeitando os princípios da
cipal, do trabalhador rural do agronegócio e usu- universalidade, equidade e integralidade. A partir
ário do SUS. Estes são agentes de transformação do mapeamento participativo em saúde ambien-
local implicados no processo e com grande capi- tal e do trabalhador, o grupo de pesquisa propôs
laridade na atuação intersetorial. um plano, que contemplou ações intersetoriais,
Esse mapeamento foi formulado de forma participativas e que extrapolam a Política Nacio-
horizontal, em que o saber sobre saúde ambien- nal de Atenção Básica. As ações abrangem o esco-
tal e do trabalhador foi paulatinamente desvela- po das relações produção-ambiente-saúde e re-
do por parte de cada um no grupo, em um esfor- forçam o papel do poder público e do controle
ço coletivo, de maneira colaborativa, na redesco- social. Dentre as ações propostas no plano de ação
berta de um mundo, em certa medida, invisível. do grupo, como necessárias e intervenientes na
Barros e Sá19 reforçam que os microprocessos situação de saúde, com vistas a superar o proces-
políticos, intersubjetivos e inconscientes vividos so em curso no território citamos: Criar Conse-
2261

Ciência & Saúde Coletiva, 18(8):2253-2262, 2013


lho Local Intersetorial e uma Lei Municipal que za não é natural, mas reflexo da exploração soci-
regulamente a utilização dos bens naturais para al histórica gerada pelo lucro21. Esse plano de-
combater problemas como os desmatamentos, monstrou o comprometimento dos sujeitos com
queimadas, dentre outras; Realizar levantamen- o agir em saúde na perspectiva defendida por
to/registro dos agravos à saúde relacionados ao Merhy 22, que propõe a construção de novos
trabalho que chegam à UBS; Implantar nas UBS modos de agir em saúde, orientados pela lógica
horário noturno semanal para atender os traba- de uma integralidade radicalmente comprome-
lhadores; e visitar as empresas do agronegócio. tida com a produção da vida, articulada às inten-
Pelo exposto, concordamos com Wimmer e ções que ambicionam um agir micropolítico
Figueiredo21 no que concerne ao entendimento como dobra de fazeres macro, como o ecologis-
da proposição de ações intersetoriais, quando ta que deve imaginar seu fazer aqui e agora, olhan-
apontam que o engajamento dos sujeitos como do para o mundo em geral e o amanhã. E por
coletivos organizados, possibilita o desenvolvi- fim, acreditamos que realizar análise de situação
mento de ações coletivas, propiciando interven- de saúde, planejamento e organização do serviço
ção na realidade local numa perspectiva de esta- de saúde na APS, utilizando além dos critérios
belecer uma educação para autonomia. A con- epidemiológicos um mapeamento participativo
cepção do plano baseou-se na compreensão da em saúde ambiental e do trabalhador pode con-
necessidade de identificar problemas relaciona- tribuir para a reorganização do serviço de saúde
dos à saúde ambiental e do trabalhador e pro- com vistas a garantir o acesso, o acolhimento e a
por soluções para estes, que, em certa medida, se identificação dos problemas de saúde decorren-
apresentam como um pensar contra-hegemôni- tes do trabalho, facilitando a percepção da dinâ-
co. Foi fundamental no processo e para o plano mica viva das relações do desenvolvimento eco-
o estímulo à crítica social e à compreensão de nômico com a produção e a saúde nos territóri-
que a realidade de vida que se vivencia na pobre- os e sua interface com o processo saúde-doença.

Colaboradores

VM Pessoa, RM Rigotto, FF Carneiro e ACA Tei-


xeira contribuíram em todas as fases de elabora-
ção do manuscrito.
2262
Pessoa VM et al.

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