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res de proteína β-amiloide (βA) e um emaranhado neurofibrilar O tratamento farmacológico de primeira escolha no Alzhei-
localizado normalmente no citoplasma perinuclear e composto mer são fármacos inibidores da colinesterase, como donepezila,
de proteínas Tau hiperfosforiladas. É uma doença altamente rivastigmina e galantamina, que alteram a função colinérgica
heterogênea, envolvendo diversas alterações diversas.(3) central ao inibir as enzimas que degradam a acetilcolina, aumen-
Com relação à idade de início, a DA pode ser precoce (ida- tando a capacidade da acetilcolina de estimular os receptores
de inferior a 60-65 anos) ou tardia (idade superior a 60-65 nicotínicos e muscarínicos cerebrais, melhorando a transmissão
anos). Segundo a história familiar, os casos de Alzheimer po- neuronal colinérgica, comprometida na DA.(5,9,10)
dem ser classificados em autossômicos dominantes, familiares A rivastigmina é um dos medicamentos mais utilizados, ca-
ou esporádicos.(4) paz de inibir tanto a enzima acetilcolinesterase quanto a buti
Nos estágios iniciais da doença, o paciente apresenta deficiên- rilcolinesterase, apresentando maior eficácia quanto ao aumen-
cia da memória recente, tende a cometer lapsos e a se confundir to dos níveis cerebrais de acetilcolina. Tem efeito significativo
facilmente, além de apresentar queda em seu rendimento fun- na cognição, na memória e na praxis. Porem, apresenta vários
cional em tarefas complexas. Além das dificuldades de atenção efeitos adversos.(5,9)
e fluência verbal, outras funções cognitivas deterioram, como a A donepezila é rapidamente absorvida após administração
capacidade de fazer cálculos, as habilidades vísuo-espaciais e a oral e causa menores reações adversas, principalmente náuseas,
capacidade de usar objetos comuns. Na fase mais avançada, o tonturas, diarreia e anorexia. Melhora a função cognitiva e esta-
indivíduo torna-se dependente de um cuidador. Os sintomas biliza a capacidade funcional dos pacientes. Foi associado a uma
são frequentemente acompanhados por distúrbios comporta- redução de 38% no declínio funcional dos pacientes portadores
mentais, como agressividade, alucinações, hiperatividade, irrita- da doença de Alzheimer.(5,9)
bilidade e depressão. Outros sintomas, como a apatia, a lentifi- A galantamina possui um duplo mecanismo de ação, além
cação, a dificuldade de concentração, a perda de peso, a insônia de inibir a acetilcolinesterase, também modula os receptores
e a agitação podem ocorrer como parte da síndrome.(2,5) nicotínicos. Os receptores nicotínicos pré-sinápticos controlam
O óbito geralmente ocorre após 10 a 15 anos de evolução, a liberação de neurotransmissores, os quais são importantes
como complicação de comorbidades clínicas ou quadros infec- para a memória e para o humor. Assim, a ligação da galanta
ciosos, em indivíduos que se tornaram progressivamente fragili- mina com os subtipos de receptores nicotínicos melhorou a
zados pela doença crônica.(2) função cognitiva e a memória. Perspectivas de tratamento neu-
O presente artigo tem como objetivo relatar as perspectivas ronal ao prevenir a citotoxicidade causada pela agregação de
sobre a utilização do lítio no tratamento da DA, enfatizando seu βA. Também é possível que a Galantamina amplie a neuro-
mecanismo de ação no que diz respeito à neuroproteção. transmissão central.(5,9)
Outra droga utilizada é a memantina, antagonista de baixa
afinidade dos receptores NMDA (N-metil daspartato). Ela inibe
MÉTODOS
a toxicidade excitatória glutamatérgica e age nos neurônios do
O trabalho é baseado em uma revisão da literatura utilizando hipocampo. Há melhora na impressão clinica global, na cogni-
as bases de dados Scielo, LILACS e PubMed. Os artigos foram ção, na funcionalidade e comportamento. Bem tolerada, o even-
buscados utilizando-se as palavras-chave: doença de Alzheimer, to adverso mais significativo e a agitação.(10)
fisiopatologia, tratamento, lítio, neuroproteção. Apesar de todo o conhecimento a respeito da fisiopatoge-
O levantamento foi efetivado de forma sistemática, incluin- nia da DA, ainda não foram descritas terapias completamente
do estudos publicados entre os anos de 2002 e 2015, em lín- eficazes para o tratamento da doença. Os tratamentos farmaco-
gua portuguesa e inglesa, totalizando 29 artigos para a presente lógicos utilizados hoje em dia demonstram efeitos sutis sobre as
revisão. funções cognitivas e produzem pequeno atraso em sua progres-
são. Essas drogas permanecem sendo as principais nos cuidados
da demência, apesar de a terapia atual ainda estando longe de
DISCUSSÃO ser satisfatória.(5,11)
A Doença de Alzheimer (DA) é distinguida patologicamen- Assim, enumeras pesquisas que dizem respeito a novos tipos
te de outras formas de demência por deposição de placas ami- de drogas ou tratamentos da DA vem sendo realizadas. O prin-
loides extracelulares constituídas de β-amiloide insolúvel (βA), cipal alvo de estudos é a cascata βA e os compostos que reduzem
derivada da proteína precursora de amiloide, e emaranhados a produção de βA (inibidores de β-secretase), como pioglitazone
neurofibrilares intracelulares que contêm proteína Tau hiper- e 30 rosiglitazone, que estão em fase de testes clínicos. Entre
fosforilada. Na DA há, também, alteração de conexões neu- outros compostos relacionados com a cascata βA, encontra-se o
ronais e perda em massa de neurônios em todo o cérebro, o lítio, que ainda está sendo investigado.(5,12)
que ocasiona diversos distúrbios comportamentais que podem, O lítio é um cátion monovalente, cuja absorção se dá no
em última instância, resultar em morte. O déficit de memória trato gastrointestinal e depende essencialmente do equilíbrio
está intimamente ligado à perda de sinapse e estudos recentes hidroeletrolítico, não sofre metabolização em nenhum nível,
sugerem que o declínio cognitivo pode estar associado à desre- tendo sua excreção nos rins. A meia vida do lítio é inicialmente
gulação da neurotransmissão glutamatérgica excitatória por βA de 12 horas, mas acaba aumentando com o aumento da litemia.
solúvel, levando a alterações sinápticas e Tau fosforilação.(6-8) Dentre alguns efeitos colaterais se encontram; aumento do peso,
hipotireoidismo, psoríase, acne, polidipsia, poliúria, diarreia, Outro estudo clínico recente verificou que o tratamento com
diminuição da libido e tremores.(13,14) microdoses de lítio foi eficiente em impedir a progressão do declí-
Sua eficácia na estabilização do humor foi descoberta há nio cognitivo de pacientes com diagnóstico clínico para DA.(13,23,24)
mais de 50 anos, sendo o fármaco de escolha no tratamento do O lítio pode inibir processos cruciais para doença de Alzhei-
transtorno afetivo bipolar. O principal mecanismo que leva aos mer como a superprodução de βA e hiperfosforilação da Tau,
efeitos terapêuticos do lítio é a inibição da inositol monofosfata- levando à formação dos emaranhados neurofibrilares, talvez
se e da glicogênio sintase quinase-3. A GSK-3β regula diversos prevenindo apoptose e estimulando a neurogênese no hipo-
processos celulares, entre eles a função de fosforilar enzimas que campo. Ainda impede o enfraquecimento da memória indu-
participam de vias que levam a neuroinflamação, apoptose e for- zido pelo βA em modelos experimentais. Estes efeitos são, em
mação de placas amiloides.(13) geral, acompanhados por uma melhoria significativa dos pre-
Estudos recentes mostraram que a suplementação alimen- juízos da memória.(15, 25-27)
tar com lítio preveniu o aumento de mediadores inflamatórios O lítio promove a estabilização de atividades neurais, dá su-
no cérebro de ratos, levando a aparentes efeitos neuroprotetores porte à plasticidade neural e confere neuroproteção. Tem o poten-
terapêuticos do lítio. Leva também a um aumento de neurogê- cial de proteger neurônios da morte celular quando o neurônio é
nese no giro denteado do hipocampo e parece aumentar a massa agredido por agentes químicos neurotóxicos, radiação ou anóxia
por oclusão da artéria cerebral média. Além disso, as evidências de
cinzenta. Apesar de tais efeitos benéficos, o lítio possui estreita
aumento de substância cinzenta em diversas áreas cerebrais, como
faixa terapêutica e duração de ação longa, o que pode levar a
a região pré-frontal e hipocampo, sugerem que o lítio aumenta a
intoxicação, se em dose elevada ou se não houver monitorização
capacidade do cérebro de fazer conexões neurais, aumentando a
da litemia.(13,15-17)
plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro de adaptar
Em modelos animais, existem evidências de efeitos neuro- o sistema neuronal às demandas ambientais.(25,28)
protetores no tratamento de sintomas associados a derrames, O lítio atua em praticamente todos os neurotransmissores. O
às Doenças de Alzheimer, Parkinson e Huntington e a danos ajuste do equilíbrio entre neurotransmissores excitatórios e inibi-
medulares e degeneração da retina, entre outros. Em roedores o tórios e a diminuição da atividade glutamatérgica conferem neu-
lítio reforça a estabilidade das moléculas responsáveis pela con- roproteção. Por meio da GSK-3β, quinases dependentes de AMP
solidação da memória, como a β-catenina. Além disso, os seus cíclico e proteína quinase C, modula sinais que têm impacto no
efeitos sobre o ciclo celular, onde inibe a expressão do fator de citoesqueleto, um sistema dinâmico que contribui para a neuro-
transcrição E2F-1 em neurônios, indica a potencial aplicação de plasticidade. O lítio ajusta atividades que regulam mensageiros
lítio em todas estas doenças neurodegenerativas.(12,18,19) secundários, fatores de transcrição e expressão gênica. Promove a
Resultados de estudo em camundongos sugerem que o tra- sobrevivência de neurônios recém-formados de cérebro adulto.(28)
tamento crônico com lítio potencializa a sobrevivência de novas O uso crônico aumenta a expressão da Bcl-2, proteína cito-
células induzida por enriquecimento ambiental no hipocampo, protetora no sistema nervoso central, tanto em córtex de rato
proporcionando um ambiente favorável para os estímulos am- (em concentrações de 0,3 mM/l) quanto em células humanas
bientais exercerem um efeito protetor mais forte. Deste modo, de origem neuronal. O lítio protege neurônios do sistema ner-
o tratamento combinado com lítio e enriquecimento ambiental voso central de excitotoxicidade induzida por glutamato. Essa
poderia constituir uma estratégia para promover a sobrevivência neuroproteção é, pelo menos em parte, devida à supressão do
de novos neurônios e assim melhorar a função cognitiva na DA, influxo de cálcio mediado pelo receptor N-metil-D-aspartato e
especialmente em estágio inicial. Outro estudo em camundon- aumento da Bcl-2 (enzima antiapoptótica, cuja forma mutante
gos demonstrou que o tratamento crônico precoce com lítio me- não-funcional foi identificada inicialmente em células de lin-
lhora significativamente a progressão patológica da DA. O lítio foma) com simultânea diminuição da p53 (pró-apoptótica). O
lítio protege neurônios da apoptose também por sua inibição
pode reduzir a degeneração neuronal/axonal através do aumento
da GSK-3β. Outros exemplos de estímulos pró-apoptóticos aos
da compactação de βA e, em consequência, a produção de pla-
quais o lítio dá proteção são a radiação e a isquemia.(28)
cas de βA menores com halo tóxico inferior.(14,20)
O decréscimo de energia nas células associado ao envelheci
Estudos relacionaram alterações tanto da capacidade cogni-
mento poderia predispor alterações da homeostase do cálcio in-
tiva quanto das memórias de longa duração, ocasionadas pela tracelular pelos neurônios. A terapia com lítio pode ter o poten-
presença de βA juntamente com a fosforilação de resíduos es- cial de forma segura e eficaz de modificar a progressão da doença
pecíficos da GSK- 3β na proteína Tau. O tratamento com lítio através da estabilização intracelular de cálcio.(29)
ocasiona uma diminuição da atividade da GSK-3β e consequen- O lítio pode ser seguro e bem tolerado mesmo na população
temente uma diminuição da fosforilação da proteína Tau.(12, 21,22) acima de 80 anos. Deve-se tomar o cuidado de realizar litemias
No âmbito clínico, foram produzidas por pesquisadores a cada três meses e monitoramento de função renal e tireoideana
do Laboratório de Neurociências, no Instituto de Psiquiatria a cada seis meses.(28)
da FMUSP. Utilizou-se uma amostra de 118 bipolares idosos, Evidências consistentes sugerem um aumento da densidade
observando-se elevada prevalência de demência (21,4%). A pre- da substância cinzenta cortical em pacientes tratados com lítio,
valência de DA foi significantemente menor entre os pacientes inclusive em relação a controles normais. Tratamento precoce
tratados cronicamente com lítio (4,5%) em comparação com pode ser uma condição que otimizaria a eficácia e os efeitos neu-
aqueles tratados com outros estabilizadores do humor (33%).(15) roprotetores do lítio.(27)