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PRODUÇÃO DE KOCHKÄSE: IMPLICAÇÕES DA MATÉRIA PRIMA NA


SEGURANÇA DO PRODUTO FINAL

Conference Paper · October 2019

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8 authors, including:

Carolina Krebs de Souza Klaus Peter Schlei


Universidade Regional de Blumenau Universidade Regional de Blumenau
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Betina Louise Angioletti Sávio Leandro Bertoli


Universidade Federal do Ceará Universidade Regional de Blumenau
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PRODUÇÃO DE KOCHKÄSE: IMPLICAÇÕES DA MATÉRIA PRIMA
NA SEGURANÇA DO PRODUTO FINAL

Klaus Peter Schlei1


Betina Louise Angioletti2
Priscila Pegoretti3
Lisiane Fernandes de Carvalho4
Sávio Leandro Bertoli5
Mercedes Gabriela Ratto Reiter6
Marian Natalie Meisen7
Carolina Krebs de Souza8

1 INTRODUÇÃO

A vinda de diversos imigrantes, majoritariamente europeus, para o


estado de Santa Catarina, influenciou significativamente os costumes e cultura
da região. Algumas tradições são mantidas até hoje na região norte do estado,
especialmente ligadas à culinária. O Kochkäse (queijo cozido, em português), é
um produto originariamente alemão de importância econômica e cultural para a
região de Blumenau, sendo produzido até os dias atuais de forma artesanal
(MEISEN et al., 2017; SILVA, 2016). Define-se queijo artesanal como aquele
produzido empregando-se técnicas tradicionais, essas influenciadas por
aspectos culturais e sociais, e assegurando-se as boas práticas de fabricação
(BRASIL, 2019).
A lei municipal nº 8192, de 18 de novembro de 2015 reconhece o
Kochkäse como Patrimônio Cultural Imaterial do Município de Blumenau. O
reconhecimento desse queijo como tal, está pautado em sua relevância cultural
tanto para seu produtor como consumidor, estando o seu modo de fazer
intimamente ligado a aspectos locais. Para a sua comercialização, no entanto,
um massivo trabalho é necessário, visando atender as exigências da lei n°
13.860, de 18 de julho de 2019, promulgada recentemente, que dispõe sobre a
comercialização de queijos artesanais (BRASIL, 2019).
Como o Kochkäse ainda não possui padrões legais de identidade e
qualidade, ele pode ser produzido utilizando-se tanto leite cru como
pasteurizado, embora geralmente utilize-se o leite cru (MEISEN, DREWS,
MORATELLI, 2013). O uso dessa matéria prima se justifica pela preferência do
consumidor, que a correlaciona com sabores mais intensos.
_______________________________
1
Mestre em Engenharia Química, Universidade Regional de Blumenau, klaus.schei@gmail.com
2
Mestranda em Engenharia Química, FURB, blangioletti@gmail.com
3
Acadêmica de Medicina, Universidade Regional de Blumenau, Priscila-pegpret@hotnail.com
4
Professora, Doutora em Engenharia e Ciências dos Alimentos, FURB, lfcarvalho@furb.br
5
Professor, Doutor em Engenharia Mecânica, Universidade de Blumenau, savio@furb.br
6
Professora, Doutora em Ciência dos Alimentos, FURB, mercedes@furb.br
7
Mestre em Engenharia Ambiental, FURB, marianmeisen@g,ail.com
8
Professora, Doutora em Ciência dos alimentos, FURB, carolinakrebs@fur.br

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No entanto, sabe-se que o leite cru está associado a maiores riscos de
doenças causadas por alimentos, por apresentar maior heterogeneidade
microbiológica. (MONTEL et al., 2014).
Na produção desse queijo, as etapas de maturação e cocção ganham
destaque, por estarem fortemente ligadas à qualidade e segurança do
alimento. Na maturação ocorre uma sequência de reações bioquímicas que
desenvolvem o sabor e aroma do produto (KHATTAB et al., 2019). Já na
cocção, o queijo é fundido em temperaturas suficientemente altas, o que pode
levar à inativação dos microrganismos, conferindo ao queijo um efeito similar à
pasteurização.
Dada a importância dessas etapas, esse trabalho objetiva avaliar a
influência da matéria prima (leite cru ou leite pasteurizado) no crescimento
microbiano do Kochkäse durante a etapa de maturação e após a cocção.
Avaliou-se o crescimento de aeróbios mesófilos, bactérias ácido láticas e
bolores e leveduras durante a maturação e quantificou-se aeróbios mesófilos,
bolores e leveduras, e E coli antes e após a cocção.
Por fim, os resultados desse trabalho visam contribuir para a
caracterização e legalização do Kochkäse produzido na região norte de Santa
Catarina, bem como para compreensão da influência da matéria prima na
qualidade final do produto.

2 METODOLOGIA

2. 1 Preparo das amostras, maturação e cocção


Amostras de queijo branco, produzidas a partir do leite cru (QBLC) e a
partir do leite pasteurizado (QBLP), foram fornecidas por um produtor do
município de Blumenau-SC. As amostras foram imediatamente levadas ao
laboratório de processamento de alimentos (LAPRA) da Universidade Regional
de Blumenau, onde foram divididas em porções de 800 gramas e dispostas em
sacos estéreis, sendo congeladas por 3 meses.
No dia anterior aos experimentos, as amostras foram descongeladas
lentamente (8 °C durante 24 horas). Em seguida, foram espalhadas em
camadas de aproximadamente 3 cm de espessura e 280 cm2 sendo
submetidas à etapa de maturação. A maturação foi realizada a 25°C em
refrigerador (TLZ 11, Coel, Manaus) com controle de temperatura e
monitoramento de temperatura e umidade relativa.
A coleta de amostras para análise microbiológica foi realizada nos
tempos 0, 12, 24, 48, 72, 96,120 e 144 horas.

2.2 Análises microbiológicas


Para as análises microbiológicas, amostras (10 g) de queijo branco
foram assepticamente coletadas e homogeneizadas em 90 ml de água
peptonada e subsequentes diluições seriadas foram realizadas. Aeróbios
mesófilos foram quantificados em PCA (Plate count Agar, Acumedia-neogen,
Langing, EUA), e incubados a 35 - 37°C; para quantificação de bactérias ácido
láticas (BAL) utilizou-se MRS Agar (Agar de Man, Rogosa e Sharpe, Sigma
Aldrich, Zurique, Suíça) e incubados a 30 °C por 48 – 72 horas. Para fungos e
leveduras utilizou-se PDA (Agar Batata Dextrose, Acumedia-Neogen,
Bangladesh, Índia) acidificado com ácido tartárico 10% até pH 4,5, e incubados
a 22 °C durante 5 dias (APHA, 2001).

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E. coli foi determinada de acordo com a técnica dos tubos múltiplos,
utilizando-se caldo LST e incubação a 37 °C por 24 horas, seguida de caldo EC
e incubação a 44 – 45 °C por mais 24 horas. A técnica do número mais
provável foi utilizada para quantificação (APHA, 2001).
Aeróbios mesófilos, BAL e bolores e leveduras foram analisadas durante
a maturação, e aeróbios mesófilos, bolores e leveduras e E. coli foram
analisadas antes e após o processo de cocção.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

No início da maturação, as amostras de QBLC apresentaram


concentrações de aeróbios mesófilos, BAL e bolores e leveduras bastante
superiores às amostras de QBLP, conforme apresentado na Figura 1. No
entanto, ao final do processo essas concentrações equipararam-se. De acordo,
Beuvier et al. (1997) não observou diferenças significativas na concentração de
microrganismos após maturação de queijo produzido a partir de leite cru e
pasteurizado.
Na curva de crescimento, é importante analisar-se a fase lag (fase inicial
de adaptação, onde a concentração microbiana permanece praticamente
constante), uma vez que ela é de grande importância no entendimento de
processos celulares. Por análise gráfica, observa-se uma fase lag para
aeróbios mesófilos e para bolores e leveduras nas amostras de QBLC,
enquanto as amostras de leite pasteurizado não apresentaram fase lag para
esses microrganismos. A ausência ou diminuição da fase lag em amostras que
passaram por um pré-tratamento térmico já foi bastante reportada na literatura
(MARTINEZ-RIOS et al., 2016).

Curva de crescimento Curva de crescimento Curva de crescimento


Aeróbios mesófilos Bactérias ácido láticas Bolores e Leveduras
10 10 10

8 8 8
log C

6 6 6

4 4 4
0 24 48 72 96 120 144 0 24 48 72 96 120 144 0 24 48 72 96 120 144

(a) tempo (horas) (b) (c)


QBLP QBLC

Figura 1. Curva de crescimento de aeróbios mesófilos (a), bactérias ácido


láticas (b) e bolores e leveduras (c) durante maturação do queijo branco de
leite cru (QBLC) e queijo branco de leite pasteurizado (QBLP)

Além disso, a presença de BAL (maior concentração inicial em amostras


de QBLC) como cocultura, pode ter um efeito inibitório nas culturas associadas,
requerendo maiores tempos de adaptação. O caráter antagônico das bactérias
ácido láticas se explica pela competição de nutrientes, declínio no pH e pela
produção de metabólitos antimicrobianos (VERRAES et al., 2015).

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As BAL, por outro lado, tiveram um decréscimo durante o período inicial
da maturação nas amostras de QBLC, enquanto a ausência da fase lag para as
amostras de QPLP foi novamente observada. O decréscimo inicial pode ser
justificado pelos danos causados pelo prévio congelamento ao qual as
amostras foram submetidas. Um fenômeno similar foi observado por Polo et al.
(2017), após submeterem ao congelamento, BAL isoladas da fermentação do
vinho. O estresse induzido pelo congelamento causa danos celulares
irreparáveis na população microbiana, requerendo maiores tempos e
capacidade de adaptação. Por outro lado, o estresse induzido pelo
aquecimento, na pasteurização, leva a produção de proteínas de choque
térmico, conferindo às bactérias resistência a mudanças de temperatura, o que
justifica a rápida adaptação das amostras de QBLP.
Após a maturação, realizou-se o processo de cocção. A concentração de
patógenos antes e após esse processo é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1. Concentração de aeróbios mesófilos, bolores e leveduras e E. coli


antes e após a cocção do queijo branco de leite cru (QBLC) e queijo branco de
leite pasteurizado (QBLP)
Concentração inicial (UFC/g) Concentração após a cocção
(UFC/g)
Aeróbios Bolores e E. coli Aeróbios Bolores e E. coli
Mesófilos leveduras Mesófilos leveduras
QBLC 6,23E08 1,20E09 <1 Ausente Ausente <1
±1,18E08 ±8,08E08
QBLP 1,77E10 4,97E08 110000 Ausente Ausente <1
±5,89E09 ±8,50E07

Um fato interessante é que as amostras de QBLC apresentaram


concentrações bastante inferiores de E. coli que as amostras de QBLP antes
da cocção. Ferreira et al. (2011) não identificaram a presença de E. coli em
algumas amostras de queijo artesanal. Os autores enfatizaram que a grande
diferença entre as amostras analisadas pode indicar a ausências das boas
práticas de fabricação, demonstrando a importância de mais trabalhos nessa
área. As maiores concentrações de BAL, nas amostras de QBLC, também
pode ter maximizado a diferença de E. coli nas amostras, uma vez que BAL
exerce ação inibitória no crescimento de E. coli (GILLILAND; SPECK, 1977). Já
após a cocção, observou-se ausência dos 3 grupos de microrganismos. Assim,
pode-se afirmar que o processo de cocção proposto foi eficiente para a
eliminação dos patógenos analisados, aumentando a segurança do Kochkäse.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Amostras de QBLC apresentaram as maiores concentrações iniciais


dentre os 3 grupos de microrganismos estudados (aeróbios mesófilos, BAL e
bolores e leveduras) durante a maturação. Os microrganismos presentes nas
amostras de QBLP, por outro lado, apresentaram maior facilidade de
adaptação ao meio, não sendo observada a fase lag em sua curva de
crescimento. Ao final da maturação, observaram-se concentrações, dos
microrganismos estudados, muito similares em todas as amostras de QBLC e
QBLP.

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O processo de cocção, realizado após a maturação, mostrou-se eficiente
para a redução da população microbiana, eliminando os patógenos presentes
em ambos os queijos. As diferenças entre as amostras antes da cocção, no
entanto, evidenciam a necessidade de trabalhos que promovam as boas
práticas de fabricação durante a produção do Kochkäse.
Os resultados desse trabalho mostram que a maturação seguida do
processo de cocção adequado, aumenta a qualidade e a segurança do
Kochkäse, possibilitando o uso do leite cru como matéria prima. Esse fato,
além de atender às expectativas do consumidor, contribui para a preservação
da cultura e do modo de fazer tradicional.
Por fim, o presente trabalho possibilitou um maior conhecimento sobre
as etapas de maturação e cocção do Kochkäse, apresentando resultados
importantes que podem ser utilizados para obtenção e sustentação da
regularização para comercialização deste produto.

REFERÊNCIAS

APHA. American Public Health Association. Compendium of Methods of the


Microbiological Examination of Foods. 4. ed. Washington (DC), 2001.
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