Na nossa perspectiva ecológica, que pensar da universidade?
Isabelle Stengers Tradução: Marcio Goldman
Depende de que universidade estamos falando. Todas são lugares de sofrimento
e frustração, mas algumas são piores que outras. Mas, no geral, é um desastre ecológico. Para dizer a verdade, podia parecer que funcionava enquanto estava em expansão. Ou seja, enquanto aqueles que demonstravam talento para a pesquisa podiam ser contratados (portanto, sempre havia mais), e aqueles que tinham talentos, mas não para a pesquisa, encontravam trabalho em outro lugar sem muitos problemas. Quando conheci a universidade na década de 1970, parecia que estava indo bem. Em 68, parecia mesmo destinada a se transformar. E então, quando apareceram os regimes de austeridade, seleção e avaliação rápida, em suma, tudo o que vem com a lógica da concorrência, vimos rapidamente os limites desse modelo universitário. Ele resistiu muito mal. Ele se manteve por hábito e auto-satisfação. Hoje, é um meio sob pressão, um meio em que você precisa dar provas, um meio onde se impõe uma monocultura da competição e da avaliação que tem efeitos diferentes dependendo da disciplina, mas que em toda parte mata a todos, cada um à sua maneira. E, no entanto, ainda é o único lugar que temos para acolher as jovens gerações que gostariam de compreender. É por isso que passei meu tempo, durante quase dez anos, tentando chacoalhar meus queridos colegas, tentando fazê-los sentir essa responsabilidade que é deles e que eles não sabem mais ou não podem mais cumprir. É preciso ter a coragem de dizer que a ideia de que a ciência tem como razão de ser o avanço do conhecimento sempre foi uma palavra de ordem mobilizadora. A noção de avanço pode ser adequada para o sucesso das ciências experimentais, mas é um verdadeiro veneno para as práticas de pesquisa ‘terrestres’, aquelas que lidam com complicações cruciais, mas frágeis, que podem ser destruídas sem mesmo que se saiba. Manter essa palavra de ordem é manter o business as usual, continuar como se nada tivesse acontecido. É esmagar o futuro, um futuro incorporado por todos os alunos que precisam aprender coisas que os preparem para os próximos anos. E estou falando aqui de saberes relevantes fora da universidade. Assim, o drama da universidade é que ela continua como se nada tivesse acontecido. E toda a sua ecologia particular, seus modos de avaliação, seus modos de formação, suas relações com o Estado e a indústria a impedem de fazer de outra maneira. Ela agora é mobilizada por aqueles que anteriormente lhe deixavam uma margem de liberdade, mas é a mobilização como tal que coloca um problema, mesmo que vise o avanço dos conhecimentos. Porque um exército mobilizado é o que deve avançar indiferente à paisagem. Tudo o que diminui sua velocidade é um obstáculo. Não podemos nos dar ao luxo de prestar atenção ao ambiente, ao que destruímos para avançar. Um cientista não pode perder seu tempo, é uma evidência realmente entranhada nos cientistas, o resultado de toda uma série de operações de mobilização dos corpos e dos espíritos. Somos feitos para a ciência ou não? Somos capazes de não nos deixarmos seduzir por questões que não fazem o conhecimento avançar? É por isso que, quando levanto a questão de outra ciência possível, falo primeiro em desaceleração. Não ir devagar por diversão, mas porque é a condição para aprender a sentir, a levar a sério questões que só podem ser colocadas junto com outras pessoas, todas aquelas às quais essas questões dizem respeito. Parece-me que suspender a anestesia que a mobilização exige é o que devemos às gerações que terão que viver com as ruínas do que chamamos ‘progresso’. Fabricar saberes pertinentes, suscetíveis a fazer sentido em conjunto. Mas isso exige um questionamento da ecologia universitária porque esses saberes são de muito pouco interesse para a indústria e desagradam profundamente o Estado.