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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CURSO DE ARQUEOLOGIA

VITTORIA SAMPAIO NETO BELIZÁRIO

OS ENTERRAMENTOS NAS PESTES: OS CASOS DE ATENAS E MANAUS

RIO DE JANEIRO

2021
INTRODUÇÃO

Durante a história da humanidade as sociedades tiveram que lidar com todos os


tipos de pestes e pandemias. Nos dias de hoje, estamos lidando com a Covid-19 e as
suas consequências, muitas pessoas começaram a acreditar que era o “fim do mundo”
ou que era uma praga enviada por Deus para punir a humanidade pelos seus pecados.

Muitas narrativas fantásticas surgem para tentar entender a sina que a


humanidade passa, porém, o que estas pessoas não sabem, ou esquecem, é que a Covid-
19 não é a primeira grande praga que a humanidade passou. Em Atenas, por exemplo,
durante o período de 430 a.C. e 427 a.C., a cidade estado da Grécia passou por uma de
suas maiores epidemias, que, inclusive, matou Péricles, o líder de Atenas na época.

Há muitas semelhanças entre a peste em Atenas e a Covid-19, como, por


exemplo, os enterramentos improvisados para dar conta da quantidade de mortos pela
doença. Neste texto, iremos abordar os enterramentos durante a peste em Atenas e a
Covid-19.

PESTE EM ATENAS

Durante a Guerra do Peloponeso, uma peste assolou Atenas. Esta peste ceifou,
aproximadamente, 1/3 da população ateniense e, uma das vítimas desta praga, foi
Péricles, líder de Atenas durante a Guerra do Peloponeso. Há registros sobre a doença
na cidade, do quais, temos o livro História da Guerra do Peloponeso, escrito pelo
historiador grego Tucídides. Neste livro, temos o registro da morte de Péricles pela
doença em Atenas (2001: 34):

Algo de imprevisto mas terrível, entretanto, ocorreu em Atenas: a peste de 430


a 429. A estratégia de proteger a população e seus pertences móveis'" atrás das
grandes muralhas, embora se tenha revelado militarmente eficaz, a concentrou
toda num pequeno espaço urbano, sem condições higiênicas minimamente
satisfatórias, o que provocou uma grande epidemia. A peste dizimou um quarto
da população ateniense, dela sendo vítima o próprio Péricles, em 429.

Com uma grande quantidade de mortos, os sistemas de saúde e funerário


entraram em colapso, o que gerou demora no recolhimento dos corpos, o que gerou o
abandono dos mortos nas vias públicas. Foi necessário, também, a criação de covas
coletivas para o enterramento dos mortos pela peste. Em 1994, foi descoberta uma cova
contendo aproximadamente 150 corpos, que datam o período da peste em Atenas. Os
arqueólogos narram que as ossadas apresentavam uma disposição semelhante à
mencionada por Tucídides, ao descrever que os corpos foram abandonados em templos
e ruas, para serem a posteriori coletados e enterrados às pressas (2001: 117-118):

Em adição à calamidade que já os castigava, os atenienses ainda enfrentavam


outra, devida à acomodação na cidade da gente vinda do campo; isto afetou
especialmente os recém-vindos. Com efeito, não havendo casas disponíveis
para todos e tendo eles, portanto, de viver em tendas que o verão tornava
sufocantes, a peste os dizimava indiscriminadamente. Os corpos dos
moribundos se amontoavam e pessoas semimortas rolavam nas ruas e perto de
todas as fontes em sua ânsia por água. Os templos nos quais se haviam alojado
estavam repletos dos cadáveres daqueles que morriam dentro deles, pois a
desgraça que os atingia era tão avassaladora que as pessoas, não sabendo o que
as esperava, tornavam-se indiferentes a todas as leis, quer sagradas, quer
profanas. Os costumes até então observados em relação aos funerais passaram
a ser ignorados na confusão reinante, e cada um enterrava os seus mortos como
podia. Muitos recorreram a modos escabrosos de sepultamento, porque já
haviam morrido tantos membros de suas famílias que já não dispunham de
material funerário adequado. Valendo-se das piras dos outros, algumas pessoas,
antecipando-se às que as haviam preparado, jogavam nelas seus próprios
mortos e lhes ateavam fogo; outros lançavam os cadáveres que carregavam em
alguma já acesa e iam embora.

A peste em Atenas acabou de maneira misteriosa, desta forma, levando


Tucídides, por voz dada a Péricles, nomear a peste de demônio ou entidade ceifadora,
que veio apenas para que os atenienses reconhecessem a impotência humana contra uma
força sobrenatural. Podemos ver esta análise no texto A peste de Atenas, mithistória em
miniatura: O daímon e a heroicidade do historiador de Francisco Murari Pires (2008:
108):

Assim, a pestilência grassou em Atenas arruinando corpo e espírito de seus


cidadãos, e então terminou, também misteriosamente, sem que nada a tivesse
abatido ou sequer detido, simplesmente foi-se embora como e quando quis, tal
a passagem pela terra do anjo de deus ... ou demônio! Foi justo como daímon
que Tucídides, por voz dada a Péricles, nomeou a identidade da peste de
Atenas, porque assim se reconhecesse toda impotência humana quando em
confronto com fenômeno daimonico, nada então cabendo aos homens a não ser
suportar com resignação tais ordens de aflições inevitáveis.

OS ENTERRAMENTO DURANTE A COVID-19 EM MANAUS

Durante a pandemia de Covid-19, que começou a assolar o mundo em 2020, o


Brasil passou por um momento muito parecido com o que ocorreu em Atenas. Com uma
grande quantidade de mortos pela doença, principalmente no estado do Amazonas.
Podemos ver este cenário em matérias de jornais da época:

Fig 1 – Matéria do jornal G1 sobre a pandemia da Covid-19.


https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2020/04/27/com-140-enterros-em-24-horas-manaus-bate-
recorde-de-registros-desde-inicio-de-pandemia-apenas-10-casos-sao-confirmados-de-covid-19.ghtml

A Covid-19 gerou um aumento de 194% de sepultamentos na cidade de Manaus


(AM), o que fez as autoridades da época decretarem estado de emergência para conter a
doença. A revista Exame fez uma matéria sobre o ocorrido na época:
Fig 2 – Matéria da revista Exame sobre o aumento de sepultamentos na cidade de Manaus no Amazonas.
https://exame.com/brasil/explosao-de-casos-de-covid-19-faz-numero-de-sepultamentos-saltar-193-em-
manaus/

Com um percentual maior que 100% nos enterramentos, foi necessário medidas
de enterramentos parecidas com a que os atenienses fizeram durante a peste de Atenas
na Guerra do Peloponeso. Várias covas rasas, ou compartilhadas, assim como
sepultamentos rápidos, sem nenhum ritual de despedida começaram a ser comuns no
Amazonas durante o pico de Covid-19. Na imagem abaixo podemos ver exemplos de
covas rasas criadas para dar conta da quantidade de mortos pela doença:

Fig 3 – Covas rasas em Manaus durante a Covid-19. https://exame.com/brasil/explosao-de-casos-de-


covid-19-faz-numero-de-sepultamentos-saltar-193-em-manaus/

Diferentemente de Atenas, já temos uma medicina mais avançada e vacinas para


impedir que mais picos da doença ocorram, portanto, o quadro da Covid-19 nos últimos
meses é mais esperançoso. É esperado que Manaus e outras cidades do Brasil não
passem pelo o que passaram durante a Primeira e Segunda Onda da doença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto a praga em Atenas, quanto a Covid-19, causaram estragos e mortes o


suficiente para que os rituais funerários fossem descartados. Enquanto o cenário
ateniense era mais assustador, já que não existia vacinas ou uma medicina mais
avançada e tecnológica, o cenário manauara era desesperador, pois mesmo com todos os
esforços dos médicos para tentar curar os pacientes, a morte sempre estava presente.

Sempre existiram praga ao longo da história humana. A Covid-19 não é


nenhuma praga divina ou novidade. As medidas para evitar mais mortos devem ser
humanas e científicas e não religiosas e mágicas, já que a doença é um fenômeno
natural e não sobrenatural.

BIBLIOGRAFIA

CRUZ, Victor. Manaus tem 144 enterros e bate recorde diário desde o início da
pandemia. G1, Manaus, 10/01/2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/01/10/manaus-tem-144-enterros-e-
bate-recorde-diario-desde-o-inicio-da-pandemia.ghtml. Acesso em: 22/11/2021.

Explosão de casos de covid-19 faz número de sepultamentos saltar 193% em Manaus.


Exame, Brasil, 07/01/2021. Disponível em: https://exame.com/brasil/explosao-de-casos-
de-covid-19-faz-numero-de-sepultamentos-saltar-193-em-manaus/. Acesso em:
22/11/2021.

PIRES, Francisco Murari. A peste de Atenas, mithistória em miniatura: o daímon e a


heroicidade do historiador. Letras Clássicas, [S. l.], n. 12, p. 99-116, 2008. DOI:
10.11606/issn.2358-3150.v0i12p99-116. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/letrasclassicas/article/view/73902. Acesso em: 22 nov.
2021.

TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Traduzido por Mário da Gama Kury.


Editora Universidade de Brasília, São Paulo, 2001.

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