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FICHAMENTO DO TEXTO TEOLOGIA.

ÉTICA E RACIONALIDADE EM
SÓCRATES

O texto é uma resposta ao filósofo do direito Hans Kelsen, qual afirma que há
contradição em Sócrates ao afirmar uma racionalidade e a crença em oráculos, daimónions e
sonhos proféticos. Desse modo, o objetivo do texto é demonstrar que não há contradição, e
que na verdade, a teologia de Sócrates decorre de sua ética e o meio de obtenção do
conhecimento dos sígnos divinos é a racionalidade.

O primeiro movimento do texto, ou primeira parte, empreende a tarefa de demonstrar


que o conceito de deus de Sócrates decorre de sua ética, em confronto com aspectos da
religiosidade pública. Aldo defende que Sócrates afirma que os deuses são perfeitamente
sábios e justos. Segundo o autor, a afirmação acima se explica pela doutrina da mútua
implicação entre sabedoria e virtude, que se baseia na natureza da virtude segundo Sócrates,
que parece normativa:

A afirmação de que os deuses são perfeitamente morais depende da doutrina socrática


da mútua implicação entre virtude e sabedoria, a qual, por sua vez, se funda na
concepção de Sócrates da natureza da sabedoria e da virtude: o modo de ser virtuoso
depende do conhecimento da definição da virtude, conhecimento que confere àquele
que dele dispõe a téchne moral, a qual, uma vez obtida, torna invariavelmente justo
quem a obtém. Assim, os deuses, conhecendo a definição da virtude e sendo, portanto,
sábios, não podem agir senão moralmente, sendo necessariamente justos . (DINUCCI,
2010. Pg. 57.)

Dinucci também ressalta o aspecto objetivo e universal da doutrina socrática e


assinala a consequência da justeza divina no fato de que eles não podem mentir, o que seria
contrário ao caráter virtuoso dos deuses. Logo após, apresenta os aspectos da definição divina
de Sócrates que divergem da religião oficial, apontando a absurdidade dos sacrifícios como
troca de favores.

A religiosidade grega acreditava que os sacrifícios aos deuses eram formas de


realizar obras aos deuses, quando na verdade, sua obra consistia em tornar os homens
melhores, ou seja, demonstrando a ignorância implícita. Desse modo, a virtude dos deuses é
reafirmada, pois um deus que aceita se entregar ao comércio com humanos não pode ser
sumamente bom, pois age em troca de favores. Vale lembrar que, segundo a doutrina da
mútua implicação entre a sabedoria e a virtude e a natureza desta, um deus, sendo sumamente
sábio é também perfeitamente bom.
Dinucci também assinala a distância entre os deuses dos poetas trágicos e os
socráticos. Os deuses de Homero e Hesíodo são entregues às paixões, mentem, cometem erros
e praticam injustiças; são extremamente semelhantes aos homens, como afirma Peter Jones na
sua introdução à Ilíada de Homero:

A humanidade dos deuse se evidencia em seus pormenores mais mundanos. Zeus é


seu chefe, e eles brigam como qualquer família. Têm uma vida cotidiana. Depois de
uma longa jornada de trabalho, apreciam a comida (a ambrosia) e a bebida (o nectar),
caçoam-se entre si, divertem-se e vão dormir com a esposa em casa, no olimpo. E o
mais espantosoé que durante o dia esses imortais fazem coisas que geralmente não
lhes rende nada além de dor, em especial combater em prol de seus mortais favoritos.

Para sócrates, é impossível que os deuses descuidem tanto do controle, pois assim diz
Dinucci acerca da crença do filósofo:

De fato, para Sócrates, estando os deuses incluídos em sua concepção segundo a qual
não há senão uma fonte de desejos, a racional (o que faz com que a tese da
impossibilidade da akrasía se aplique tanto aos deuses quanto aos homens), tais
acontecimentos não se dariam de forma alguma no mundo dos deuses, pois guerras,
inimizades e coisas deste tipo são possíveis tão somente num mundo onde, dada a
ignorância de seus habitantes, a justiça não impere. (DINUCCI, 2010, p. 59).

Os deuses sendo bons e sábios não poderiam agir de tal forma, pois que, quando se
conhece a definição de virtude age-se de forma justa necessariamente, pois, como dito acima
há uma relação entre conhecimento e virtude, de modo que a ignorância está vinculada à
injustiça, ao mal. Além do mais, os valores são objetivos, assim, não poderiam os deuses ter
um código moral e os humanos outro, pois a ética é acessível por meio do autoexame, como
algo inato, tanto aos deuses, quanto aos seres humanos.

A segunda parte do artigo pretende demonstrar que a crença de Sócrates no


Daimónion não é irracional, respondendo à questão a respeito da via de conhecimento
admitida por Sócrates. Para responder essa pergunta, Dinucci analisa a relação de Sócrates
com os oráculos divinos, sonhos proféticos e com o Daimónion.

Primeiramente, Dinucci afirma que o critério de verdade socrático é a aprovação ou


reprovação de uma proposição. Logo após, afirma que Sócrates entende que possui uma
missão divina, salientando que o filósofo não enxerga qualquer contradição entre o racional e
o divino. Daí Dinucci extrai uma outra questão: “por que Sócrates não vê contradição entre
essas afirmações?” A solução para essa questão é apresentada na forma de análise da relação
de Sócrates com os sonhos proféticos e os oráculos.

Essa relação se dá na forma de interpretação dos signos divinos, pois segundo


Dinucci eles não são evidentes por si mesmos. Desse modo, a racionalidade é apresentada
como forma de extração de conhecimento das proposições divinas, além de ser um critério de
verdade:

Quanto ao oráculo, é evidente que o signo divino é interpretado e que esta


interpretação ocorre por meio de argumentos racionais. {...} Ora, sabemos que
Sócrates vê tais signos divinos como verdadeiros, mas o conhecimento contido nestes
signos não é evidente por si mesmo: tem de ser extraído por meio de um raciocínio
que inclua outras premissas que não o próprio signo. {...} O signo divino, portanto,
não é, por si mesmo, conhecimento, mas contribui para o conhecimento quando a
razão é aplicada sobre ele. Assim, não há para Sócrates duas vias para a verdade: a
racionalidade segue sendo o único critério de verdade, pois sem ela os signos divinos
permanecem obscuros e ambíguos, não constituindo conhecimento algum . (DINUCCI,
2010, p. 61).

Desse modo fica claro que a crença socrática em sonhos proféticos e oráculos não vai
de encontro com o critério racional, mas a crença no Daimónion poderia ferir esse critério?
Dinicci principia sua resposta analisando o termo que se apresenta como um substantivo em
elipse, qual significa Sígno Divino. Em seguida, apresenta as ocasiões nas quais esses signos
se manifestam a Sócrates:

Estes signos daimônicos ocorrem, sobretudo, em duas ocasiões: aquelas em que


Sócrates possui razões independentes para aceitar o que lhe diz a voz interior, razões
que seriam suficientes para Sócrates mesmo na ausência do signo, e aquelas onde
Sócrates sente uma forte intuição sem que ele seja capaz de explicar as razões de não
fazer o que ele estava a ponto de não fazer. (DINUCCI, 2010, p. 62).

Nessas duas ocasiões, Sócrates possui razões para acreditar nos signos divinos, visto
que, como vimos acima, os deuses não podem mentir, pois são perfeitamente justos e sábios.
Mesmo nas ocasiões em que Sócrates não possui razões imediatas para fazer ou não fazer
algo, ele pode confiar nos signos divinos, pois a natureza da virtude assim exige.

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