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Alocuções sobre o Tríplice Poder da

Hierarquia Eclesiástica
set 21, 2009
1954
 
Alocuções
sobre o Tríplice Poder da Hierarquia Eclesiástica
Grande número de Cardeais, Arcebispos e Bispos reuniu-se em Roma por ocasião da
canonização de S. Pio X e da proclamação da festa da realeza de Maria. Sua Santidade o
Papa Pio XII aproveitou estas duas solenes oportunidades (31 de maio e 2 de novembro de
1954) para proferir graves advertências sobre a competência da Igreja no seu tríplice
múnus de ensinar, santificar e governar os fiéis.
I
ALOCUÇÃO DE 31 DE MAIO DE 1954
 
Introdução
1. “Se amas… apascenta”. Qual a razão da atividade apostólica, a sua virtude fundamental, a
origem e fonte dos seus méritos, claramente o ensina esta recomendação do Divino
Salvador ao Apóstolo São Pedro, pela qual começa o intróito da Missa em honra de um ou
vários Sumos Pontífices. Seguindo as pisadas de Jesus Cristo, Pontífice e Pastor eterno –
que para nosso bem ensinou coisas sublimes, realizou maravilhas e suportou tantas dores,
– o Romano Pontífice Pio X, com grande alegria incluído por Nós no catálogo dos Santos,
amou, apascentando e apascentou amando, cumprindo assim incansavelmente o preceito
de Cristo. Amou a Cristo e apascentou o rebanho de Cristo. Das riquezas sobrenaturais
trazidas à terra pelo nosso Redentor, hauriu ele em abundância as que distribuiu com
liberalidade ao seu rebanho, isto é: o alimento da verdade; os mistérios celestes; a
magnificência da graça da divina Eucaristia, sacrifício e sacramento; a doçura da caridade;
a assídua solicitude do governo; e a defesa intrépida da verdade. Todo se deu a si mesmo e
deu juntamente tudo quanto lhe concedera o Criador e Doador de todos os bens.
2. Vós, veneráveis irmãos, coroa de Nossa alegria, viestes a Roma para tomar parte nas
solenes cerimônias, e para, juntamente conosco, mostrar a vossa admiração e prestar a
vossa homenagem a esse Bispo da Cidade de Roma, cuja vida ínclita ilustrou toda a Igreja; e
também para dardes graças a Deus de ter espalhado por meio dele grande número de
benefícios em favor dos que leva, com paternal misericórdia, à eterna salvação.
3. Irmãos caríssimos, vindos em tão grande número de todas as partes do mundo, é com
intensa alegria e comoção que no meio de vós Nos encontramos, Nós, o Vigário de Cristo,
como “ancião” entre “anciãos”. E queremos, primeiro que tudo, expor-vos brevemente o
que desejamos recordar-vos, servindo-Nos das palavras da carta agora aludida do primeiro
Papa e Príncipe dos Apóstolos: “Aos anciãos que estão entre vós, rogo eu, ancião como eles
e testemunha dos sentimentos de Cristo…, apascentai o rebanho de Deus que vos está
confiado, tende cuidado dele, não constrangidos mas de boa vontade, segundo Deus…,
feitos sinceramente exemplares do rebanho” (cf. 1 Ped. 5, 1-3). Esta recomendação tem o
mesmo sentido da palavra divina citada, que estimula e incita o zelo pastoral: “Se amas…
apascenta”.
O MAGISTÉRIO
4. Mas queremos manifestar aquilo em que pensamos ao recordar essas palavras de São
Pedro. A solicitude que temos de todas as Igrejas, e a vigilância a que Nos obriga todos os
dias a altíssima responsabilidade do Nosso ministério, exigem que ponhamos diante dos
Nossos olhos e consideremos bem alguns pensamentos, sentimentos e normas de vida
prática, que vos queremos também recomendar, para que, em união de esforços, mais
pronta e eficazmente se atenda ao rebanho de Cristo. Parecem descobrir-se sintomas e
conseqüências de certa epidemia espiritual, que requer a intervenção dos Pastores, não, vá
tornar-se mais aguda e difundir-se. Exige que se cure a tempo e se debele o mais depressa
possível.
5. Parecia-Nos a propósito expor, de maneira particularizada, quanto isso vos compete a
vós, sucessores dos Apóstolos, sob a autoridade do Romano Pontífice, em virtude do tríplice
poder a vós confiado, por divina instituição (cf. cân. 329), isto é, do magistério, do
sacerdócio e do governo. Mas não bastando hoje o tempo, limitar-Nos-emos só ao primeiro
ponto no Nosso discurso, deixando para outra ocasião (se Deus o permitir) os outros dois.
O Papa e os Bispos têm a obrigação de vigiar sobre a doutrina professada por
aqueles a quem delegaram o poder de ensinar
6. As verdades que trouxe do céu, confiou-as Nosso Senhor Jesus Cristo aos Apóstolos e por
meio deles aos seus sucessores; como ele foi enviado pelo Pai (Jo. 20, 21), assim enviou os
Apóstolos para ensinarem a todas as gentes tudo o que dele tinham ouvido (cf. Mt. 28, 19-
20). Por direito divino, portanto, foram os Apóstolos constituídos verdadeiros doutores ou
mestres na Igreja. Além dos legítimos sucessores dos Apóstolos – isto é, do Papa quanto à
Igreja Universal, e dos Bispos quanto aos fiéis confiados aos cuidados de cada um (cf. cân.
1326) – não há na Igreja outros mestres por direito divino; mas tanto os Bispos como
especialmente o Supremo Mestre da Igreja e Vigário de Cristo na terra, podem chamar
outros colaboradores e conselheiros no magistério, para lhes delegarem o poder de ensinar
(quer pessoalmente quer em virtude do ofício – cf. cân. 1328). Mas os chamados assim a
ensinar não são mestres na Igreja em seu próprio nome, nem pelo título da ciência
teológica, mas sim pela missão que receberam do legítimo Magistério; e a este fica sempre
sujeito o poder comunicado, nem se torna nunca “sui iuris” ou independente. Os Bispos,
por outro lado, ao darem tal poder, não se privam nunca do direito de ensinar, nem se
desobrigam do dever gravíssimo de prover e vigiar quanto à integridade e segurança da
doutrina proposta pelos seus colaboradores. Por isso, o legítimo magistério da Igreja não
lesa ou ofende nenhum daqueles a quem deu a missão canônica, quando deseja informar-se
bem do que eles ensinam e defendem, seja em lições orais, cursos ou folhas reservadas aos
alunos, seja em livros e outros escritos, de domínio público. Para tal vigilância, não é
intenção Nossa estender a todos estes meios de ensino as normas jurídicas a respeito da
censura prévia dos livros, porque há muitos outros meios para se chegar com segurança a
conhecer a doutrina assim proposta. Nem as precauções e a circunspeção do legítimo
Magistério significam desconfiança ou suspeita – (como também não significa a profissão
de fé que a Igreja exige aos que ensinam e a muitos outros; cf. cân. 1406, n. 7 e 8); pelo
contrário, conceder a faculdade de ensinar mostra confiança e estima, e é honra para quem
a recebe. A própria Santa Sé, quando inquire e quer saber em matéria da sua competência o
que se ensina em alguns Seminários, Colégios, Ateneus e Universidades, fá-lo por causa não
só do mandato de Cristo, mas também da obrigação que tem perante Deus de defender a
são doutrina e de a conservar íntegra e incorrupta. Além disso, esse exercício da vigilância
tende também a defender e a estimular o vosso direito e dever de pastorear o rebanho a vós
confiado, distribuindo-lhe a genuína verdade de Cristo.
7. Não é sem motivo grave que diante de vós, Veneráveis Irmãos, pronunciamos estas
advertências. Porque, dá-se infelizmente o caso de, alguns que ensinam, pouco se
importarem da união com o Magistério vivo da Igreja, e pouco aplicarem o pensamento e
afeto à doutrina comum dela, que é proposta claramente de vários modos; e atribuem ao
mesmo tempo papel exagerado à própria inteligência, à mentalidade moderna e aos
princípios das outras ciências, que têm como as únicas dotadas verdadeiramente de método
científico. Sem dúvida, a Igreja ama e promove sumamente o estudo e progresso da ciência
humana e rodeia de particular afeto e estima as pessoas doutas que dedicam a vida ao
estudo.
8. Mas as coisas que dizem respeito à religião e aos costumes, às verdades que transcendem
completamente a ordem sensível, dependem exclusivamente da autoridade doutrinal da
Igreja. Na Nossa Encíclica “Humani Generis” descrevemos a mentalidade e o espírito desses
a quem aludimos há pouco; e notamos também que algumas aberrações nela condenadas
vêm unicamente de se ter descurado a união com o Magistério vivo da Igreja.
9. Esta necessária união com o pensamento e doutrina da Igreja, várias vezes a ponderou
São Pio X em documentos de grande importância, bem conhecidos de todos vós. O mesmo
repetiu Bento XV, que, depois de ter renovado solenemente na sua primeira Encíclica (Ad
Beatissimi Apostolorum Principis, de 1º de novembro de 1914) a condenação do
modernismo pronunciada pelo seu predecessor, assim caracterizava os sequazes deste
sistema: “Quem segue tal mentalidade, rejeita com desdém tudo o que sabe a antigo, e
procura com avidez tudo o que sabe a novidade: na maneira de falar das coisas divinas, na
celebração do culto divino, nas instituições católicas, e até no exercício da devoção
particular” (AAS VI [1914], p. 578). E, se alguns professores contemporâneos insistem em
propor e desenvolver coisas novas, e não em repetir “o que foi transmitido”; se apenas
coisas novas querem propor, considerem atentamente o que Bento XV na citada Encíclica
lhes diz: “Queremos que se respeite religiosamente esta máxima dos antigos: Nada se inove,
e conserve-se o que foi transmitido; e, ainda que esta máxima é em matéria de fé que se
deve manter de todo inviolada, todavia também por ela se hão de regular as coisas
suscetíveis de alteração; nestas matérias vale também de ordinário a conhecida regra: Não
coisas novas, mas em forma nova” (1. c.).
Não existe na Igreja magistério de leigos subtraído ao magistério sagrado
10. Os leigos é claro que também podem ser chamados ou admitidos pelos legítimos
Mestres como colaboradores na defesa da fé. Basta lembrar o ensino da doutrina cristã,
exercido por tantos milhares de homens e mulheres, e também as outras formas desse
apostolado. Tudo isto é digno do maior louvor, pode e deve promover-se com todas as
forças. Mas é preciso que todos esses leigos se mantenham sujeitos à autoridade, à direção e
vigilância dos que foram constituídos, por divina instituição, mestres na Igreja de Cristo.
Porque na Igreja não há nenhum magistério, em coisas respeitantes à salvação das almas,
que não esteja sujeito a este poder e vigilância.
11. Mas surgiu recentemente em alguns lugares e começou a propagar-se muito a chamada
teologia laica; introduziu-se também a categoria especial dos teólogos laicos, que se dizem
independentes; há lições, publicações, círculos, cátedras e professores desta teologia.
Constituem estas um magistério à parte, e opõem-no em certo modo ao Magistério público
da Igreja; por vezes, para justificarem o proceder, apelam para os carismas de ensinar e
interpretar, de que se fala várias vezes no Novo Testamento, sobretudo nas epístolas de São
Paulo (por ex. Rom. 12, 6-7; 1 Cor. 12, 28-30); e apelam também para a história, que, desde
o princípio do Cristianismo até ao nosso tempo, apresenta tantos nomes de leigos, que
ensinaram a verdade de Cristo para bem das almas com escritos e de viva voz, mas sem
chamamento dos Bispos nem licença do Magistério sagrado, levados apenas por moção
interna e pelo zelo apostólico. Contra tais idéias, deve professar-se o seguinte: Nunca houve
nem há nem haverá na Igreja qualquer magistério legítimo dos leigos, que não tenha sido
submetido por Deus à autoridade, direção e vigilância do Magistério sagrado; mais, só o
negar tal sujeição é argumento decisivo e sinal seguro de que os leigos, que assim falam e
procedem, não são movidos pelo Espírito de Deus e de Cristo. Além disso, não se pode
deixar de reconhecer o grande perigo de perturbação e de erro que existe nesta “teologia
laica’; e perigo também de começarem a ensinar pessoas completamente ineptas, e até
enganadoras e disfarçadas que São Paulo assim descreve: “Virá tempo em que…
multiplicarão para si mestres conforme os seus desejos, pelo prurido de ouvir. E afastarão
os ouvidos da verdade, e os aplicarão às fábulas” (cf. 2 Tim. 4, 3-4).
12. Com esta advertência, estamos longe de afastar, do estudo mais profundo da doutrina
sagrada e da sua divulgação, aqueles que estão animados de tão nobre empenho, seja qual
for sua posição e seu ambiente.
13. Como o pedem igualmente o cargo e a honra do vosso dever, esforçai-vos cada vez mais,
Veneráveis Irmãos, por penetrar sempre melhor a sublime profundeza da verdade
sobrenatural, e por propor com assídua e inflamada eloqüência as sagradas verdades da
Religião àqueles que estão expostos ao gravíssimo perigo de se deixarem fascinar por
tenebrosos erros no pensamento e no coração. E, por vosso meio, voltem eles a Deus
fazendo penitência e amando a quem devem, porque “apartar-se dele é cair; virar-se para
ele é ressurgir; permanecer nele é estar firme…; voltar a ele é renascer; habitar nele é viver”
(Santo Agostinho, Solilóquios, 1. 1, 3; Migne PL, tom. 32, col. 870).
Para isto conseguirdes eficazmente, invocamos sobre vós os divinos auxílios; e, para que
estes vos sejam concedidos em abundância, de todo o coração vos damos, a vós e aos vossos
rebanhos, a Bênção Apostólica.
II
ALOCUÇÃO DE 2 DE NOVEMBRO DE 1954
Introdução
1. “Glorificai ao Senhor comigo; e exaltemos juntos o seu nome” (Sl. 33, 4), porque, Diletos
Filhos Nossos e Veneráveis Irmãos, ao realizarem-se com o favor divino os Nossos votos,
temos a felicidade de gozar da vossa agradabilíssima presença e de vos ver tão numerosos
diante de Nós. Aumenta ainda a Nossa alegria espiritual a instituição solene da nova festa
litúrgica de Nossa Senhora Rainha do Céu e da Terra, porque é próprio de filhos rejubilar
ao verem acrescida a honra da mãe.
Maria Rainha dos Apóstolos
2. Se a Bem-Aventurada Virgem Maria é Rainha de todos, reina em vós e nas vossas
empresas de modo particular e com especial razão, porque se lhe costuma atribuir o
singular e augusto título de Rainha dos Apóstolos. É a mãe do amor formoso e do temor e
do conhecimento e da santa esperança (cf. Ecli. 24, 24); e, como tal, o seu maior desejo e afã
é que se enraíze mais profundamente nas almas o genuíno culto divino, que arda mais viva
a caridade, seja orientada pelo temor de Deus a maneira de proceder, e venha consolar o
triste exílio da terra a esperança das promessas imortais? Mas é ao trabalho e diligência
com que exerceis o vosso múnus apostólico que ficam devendo os homens, depois duma
vida sóbria, justa e pia, que terá fim, conseguir no céu a felicidade eterna. Sob a direção
portanto e com a ajuda de Maria sempre Virgem, Mãe e Senhora nossa, resolvemos tratar
diante de vós de alguns pontos que julgamos firmemente hão de ser úteis a vós e ao vosso
solícito trabalho, no cultivo do campo do Senhor.
3. No princípio do mês de junho deste ano, juntaram-se muito numerosos em Roma os
Bispos vindos de toda a parte, para reverenciarem e venerarem o Pontífice Máximo Pio X, a
quem então decretamos as honras da Canonização. Falamos-lhes nessa altura do magistério
que, por divina instituição e prerrogativa, pertence aos sucessores dos Apóstolos sob a
autoridade do Romano Pontífice. Agora, aproveitando a oportunidade de continuar por
assim dizer o discurso então começado, apraz-Nos tratar dos outros dois poderes, muito
unidos ao primeiro, que vos pertencem e requerem os vossos pensamentos e cuidados.
Vamos ocupar-Nos do sacerdócio e do governo.
O SACERDÓCIO
4. Volvamos de novo o espírito e o coração para São Pio X, Sumo Pontífice.
5. Pela sua vida sabemos o que foram para ele o altar e o sacrifício Eucarístico, desde que
ofereceu a Deus as primícias do sacerdócio, ao dizer pela primeira vez “Introibo ad altare
Dei” junto dos degraus do altar, e depois, durante toda a sua vida sacerdotal: como Pároco,
Diretor Espiritual no Seminário, Bispo, Patriarca e Cardeal, e por último como Sumo
Pontífice. O altar e o sacrifício Eucarístico foram para ele a origem e, por assim dizer, o
centro da sua piedade, o refúgio e a força de ânimo nas aflições e angústias, a fonte de luz,
fortaleza e zelo assíduo da glória de Deus e salvação das almas. Este Pontífice como o foi e é
modelo de Mestre, assim foi e é modelo de Sacerdote.
Não há verdadeiro Sacerdócio onde não há poder de sacrificar
6. A obrigação própria e principal do sacerdote sempre foi e é ainda “sacrificar”, de modo
que, onde não há próprio e verdadeiro poder de sacrificar, também não há próprio e
verdadeiro sacerdócio.
7. Isto mesmo se verifica perfeitamente no sacerdote da Nova Lei, cujo principal poder e
função própria é oferecer o único e altíssimo sacrifício do Sumo e Eterno Sacerdote Jesus
Cristo, aquele que o divino Redentor ofereceu de modo cruento na cruz, antecipou
incruentamente na Última Ceia e quis que fosse renovado constantemente, mandando aos
seus Apóstolos: “Fazei isto em memória de mim” (Lc. 12, 19). Portanto, o próprio Cristo fez
e constituiu sacerdotes os Apóstolos e não todos os fiéis, e deu-lhes o poder de sacrificar.
Sobre este excelso cargo e ação de sacrificar do Novo Testamento ensinou o Concílio
Tridentino: “Neste divino sacrifício, que se realiza na Missa, está contido e imola-se
incruentamente aquele mesmo Cristo, que no altar da cruz uma vez se ofereceu a si mesmo
cruentamente… É uma e a mesma hóstia, oferecendo-a agora pelo ministério dos sacerdotes
aquele mesmo que se ofereceu então na cruz, sendo diverso apenas o modo de oferecer”
(Sessão XXII, cap. 2, Dz n. 940). É pois o sacerdote celebrante e só ele quem sacrifica,
fazendo as vezes de Cristo; não é o povo, não são os clérigos, nem sequer os sacerdotes que
piedosamente ministram ao que celebra; ainda que todos estes possam e devam tomar
alguma parte ativa no sacrifício. “Os fiéis, por participarem do sacrifício Eucarístico, não
possuem também o poder sacerdotal”, como dissemos na Nossa Carta Encíclica Mediator
Dei sobre a sagrada Liturgia (D. P. 54).
Só o sacerdote sacrifica ao altar. Nova condenação da “concelebração”
8. Tudo o que dissemos, Veneráveis Irmãos, sabemos que é de vós bem conhecido. Todavia,
julgamos oportuno recordá-lo, por ser como que o fundamento e a razão de quanto vamos
acrescentar já a seguir. Na verdade não falta quem continue a reivindicar para todos
aqueles que assistem piedosamente ao santo sacrifício da Missa, mesmo leigos, um certo e
verdadeiro poder de sacrificar. Contra tal pretensão, importa que discernamos a verdade do
erro, removendo toda a ambigüidade. Há sete anos, na mesma Carta Encíclica, reprovamos
o erro daqueles que não duvidaram declarar que o mandato de Cristo “fazei isto em
memória de mim” dizia respeito diretamente a toda a Igreja dos fiéis, e só depois surgira o
sacerdócio hierárquico. Segundo isso, o povo está dotado de verdadeiro poder sacerdotal e o
sacerdote desempenha um ofício que só lhe foi confiado pela comunidade. Por este motivo
julgam que o sacrifício Eucarístico é uma verdadeira “concelebração”, e opinam ser mais
conveniente que os vários sacerdotes presentes “concelebrem” em união com o povo, em
vez de celebrarem privadamente o santo Sacrifício sem assistentes. Na mesma ocasião
lembramos a razão por que se pode dizer que o sacerdote “faz as vezes do povo”; essa razão
está em que “ele representa a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Cabeça de todos
os membros e se oferece a si mesmo por eles. Por isso (o sacerdote) aproxima-se do altar
como ministro de Cristo, inferior a Cristo, mas superior ao povo. O povo, pelo contrário,
visto de nenhum modo representar a pessoa do divino Redentor, nem desempenhar a
função de conciliador entre si e Deus, de modo algum está dotado do poder sacerdotal”.
9. No estudo deste problema, não se trata apenas de medir o fruto que se pode receber da
celebração ou assistência ao sacrifício Eucarístico. Pode, na verdade, suceder que se
recebam maiores frutos duma Missa ouvida com religiosa piedade, do que duma celebração
leviana e negligente. Trata-se de determinar a natureza do ato de ouvir e celebrar a santa
Missa, do qual derivam os outros frutos do sacrifício: frutos – para não falar do culto divino
de adoração e ação de graças – de propiciação e impetração por quem se oferece o
sacrifício, ainda que não esteja presente; bem como frutos aplicados “pelos pecados, penas,
satisfações e outras necessidades dos vivos, e igualmente por aqueles que morreram em
Cristo, ainda não plenamente purificados” (Conc. Trid. Sess. XXII, cap. 2 – Denzinger n.
940). Posto assim o problema, deve rejeitar-se como opinião errônea a afirmação que, nos
nossos tempos, não apenas leigos, mas até alguns Teólogos e sacerdotes fazem e propagam,
pretendendo que a celebração de uma Missa, a que assistem cem sacerdotes com toda a
piedade, é a mesma coisa que cem Missas celebradas por cem sacerdotes. De forma
nenhuma. Quanto à oblação do sacrifício Eucarístico, são tantas as ações de Cristo Sumo
Sacerdote, quantos os sacerdotes que celebram, e de modo nenhum quantos são os
sacerdotes que ouvem piedosamente a Missa celebrada por um Bispo ou por outro
sacerdote. Estes, na verdade, assistindo ao sacrifício de forma alguma fazem as vezes da
pessoa de Cristo sacrificante, mas devem equiparar-se aos simples fiéis que estão presentes
ao sacrifício.
O que se deve entender por “sacerdócio dos Fiéis”
10. Por outro lado, não deve negar-se nem pôr-se em dúvida que os fiéis têm certo
“sacerdócio”, e não é lícito fazer dele menos conta ou depreciá-lo. Com efeito, o Príncipe
dos Apóstolos, na sua primeira Carta, falando aos fiéis, emprega estas palavras: “Vós sois
uma geração escolhida, um sacerdócio real, uma gente santa, um povo de conquista” (1 Ped.
2, 9). E pouco antes, tinha afirmado que era próprio dos fiéis “o sacerdócio santo, oferecer
sacrifícios espirituais, aceitáveis a Deus por Jesus Cristo” (1. c. 2, 5). Qualquer, porém, que
seja a verdadeira e plena significação deste honroso título e da realidade que indica, deve
asseverar-se firmemente que este “sacerdócio” comum de todos os fiéis, alto e misterioso,
difere, não só em grau mas essencialmente, do sacerdócio verdadeiro e propriamente dito,
que está no poder de realizar, representando a pessoa de Cristo Sumo Sacerdote, o próprio
sacrifício de Cristo.
Os Congressos Litúrgicos – Diretivas
11. Com prazer soubemos que em muitas dioceses surgiram centros especiais de liturgia,
foram constituídas associações litúrgicas, se nomearam promotores de assuntos litúrgicos,
houve reuniões litúrgicas diocesanas e interdiocesanas e se realizaram ou estão em
preparação Congressos internacionais. Com muita satisfação soubemos que em algumas
partes os próprios Bispos assistiram ou presidiram a tais Assembléias. Estas reuniões
seguem por vezes um estilo próprio, sendo um só a celebrar a santa Missa e assistindo os
outros (todos ou a maior parte), a esse único sacrifício e recebendo nele a sagrada
Comunhão da mão do celebrante. Se isto se faz por motivo justo e razoável, e o Bispo não
determina outra coisa para evitar a estranheza dos fiéis, não há por que impedi-lo contanto
que, por detrás desta maneira de perceber, não esteja o erro a que acima aludimos. Pelo que
respeita aos assuntos tratados nessas Assembléias, ventilaram-se questões referentes à
história, à doutrina, e à prática; tiraram-se conclusões e formularam-se votos que
pareceram convenientes ou necessários a esse mais vasto progresso, com intenção de os
sujeitar ao juízo da legítima autoridade eclesiástica. Este movimento de vida litúrgica não se
limitou à celebração de reuniões; ao mesmo tempo, fomentou-se muito o hábito de os fiéis
se unirem mais vezes e em maior número ao sacerdote celebrante e comungarem com ele.
12. Mas, Veneráveis Irmãos, embora favoreçais – e com justo direito – a prática e
desenvolvimento da sagrada Liturgia, não permitais, àqueles que por ela se interessam nas
vossas dioceses, subtraírem-se à vossa orientação e vigilância, pretendendo eles determinar
e mudar a sagrada liturgia a seu arbítrio, contra as normas que a Igreja estabeleceu em
termos claros: “Pertence exclusivamente à Sé Apostólica ordenar a sagrada liturgia e
aprovar os livros litúrgicos” (cân. 1257), e de modo especial quanto à celebração da Missa:
“Reprovado qualquer costume contrário, o sacerdote celebrante observe cuidadosa e
devotamente as rubricas dos seus livros rituais, e não se permita acrescentar outras
cerimônias ou orações a seu arbítrio” (cân. 818). Pela vossa parte não deis a vossa
aprovação a tais iniciativas e tendências, mais audaciosas que prudentes.
O GOVERNO
13. “Fazendo-vos modelo do rebanho” (týpoi ginómenoi tou poimniou) (1 Ped. 5, 3): estas
palavras de São Pedro referem-se principalmente aos Bispos, que têm e exercem o cargo de
Pastores. Caráter peculiar e distintivo do Pontificado de Pio X é de fato a atitude de
“Pastor”. Quando ele subiu à cátedra do Príncipe dos Apóstolos, depressa todos
compreenderam que tinha sido elevado ao Sumo Pontificado um sacerdote, que se formara
na cura das almas, que desde o princípio do seu sacerdócio até ser posto à frente de todo o
rebanho de Cristo, fora e se mostrara sempre pastor de almas. A norma imutável das suas
ações, o lema de vida que tomou, foi a salvação das almas. Se desejou “tudo restaurar em
Cristo”, foi por causa da salvação das almas; e a este fim e obrigação subordinou de certo
modo todas as suas ações. No meio do rebanho foi o bom pastor, cuidando-lhe das
necessidades e preocupando-se dos perigos que o ameaçavam; todo empenhado em guiar e
dirigir o rebanho de Cristo pelo caminho de Cristo.
14. Mas ao falar-vos, Veneráveis Irmãos, que sois pastores dos vossos rebanhos, não temos
intenção de evocar de novo a exímia e perfeita imagem desse Santo Pontífice e Pastor; mas,
como já fizemos quanto ao magistério e ao sacerdócio dos Bispos, preferimos relembrar
agora algumas coisas que especialmente nestes nossos tempos requerem que o Pastor
dirija, fale e intervenha.
O poder da Igreja não é limitado às coisas estritamente religiosas
15. Primeiro que tudo, notam-se agora hábitos e propensões de espírito, que se atrevem a
coibir e circunscrever o poder dos Bispos – sem exceção do próprio Papa – enquanto eles
são pastores dos próprios rebanhos. Restringem-lhes a autoridade, a intervenção e a
vigilância só ás coisas estritamente religiosas, à pregação das verdades da fé, à direção dos
atos de piedade, à administração dos sacramentos e às funções litúrgicas. Mas querem
afastar a Igreja de todas as iniciativas e assuntos, referentes à verdadeira vida tal como se
vive, à realidade da vida, como se diz, pretendendo que tais coisas estão fora das suas
atribuições. Este modo de pensar manifestam-no às vezes em público alguns leigos
católicos, até altamente responsáveis, ao dizerem: “Os Bispos e os sacerdotes, vemo-los com
prazer, ouvimo-los e vamos ter com eles nas igrejas, que é lá que eles têm autoridade; mas
nas praças e nos edifícios públicos, em que se tratam e resolvem coisas da terra e desta vida,
não queremos vê-los nem ouvir-lhes a palavra. Nisto somos nós, leigos, os legítimos juízes,
e de modo nenhum os sacerdotes de qualquer dignidade ou grau”.
16. Mas a tais erros devem-se opor com clareza e decisão as seguintes verdades: o poder da
Igreja está longe de se limitar às chamadas “coisas estritamente religiosas”, mas estende-se
ainda a toda a lei natural, na medida em que o seu ensino, interpretação e aplicação
revestem caráter moral. Porque a observância da lei natural refere-se, por divina
ordenação, ao caminho pelo qual o homem deve atingir o fim sobrenatural. Ora, a Igreja
nesta vida é a condutora e guarda dos homens no que respeita a esse fim. Já deste modo
procederam os Apóstolos, e depois deles a Igreja seguiu sempre, desde os primeiros
tempos, o mesmo procedimento, que ainda hoje conserva; o que não faz como guia e
conselheiro privado mas por ordem e autoridade divina. Por isso, quando se trata de
prescrições e juízos, que tanto o Romano Pontífice, para toda a Igreja, como os Bispos, na
parte confiada a cada um, pronunciam em matéria de lei natural, os fiéis não devem apelar
para o prolóquio, que se costuma aplicar a pareceres de particulares: “Tanto vale a
autoridade, quanto as razões”. Portanto, permanece a obrigação de obedecer, ainda quando
alguém não vê como os argumentos aduzidos justificam a determinação da Igreja. Esta foi a
mente, estas são as palavras de São Pio X na Epístola Encíclica “Singulari quadam” do dia
24 de setembro de 1912 (Acta Ap. Sedis, 1912, p. 568): “Faça o que fizer o cristão, mesmo na
ordem das coisas terrenas, não lhe é lícito desprezar os bens sobrenaturais, pelo contrário
tudo deve dirigir para o bem, como fim último, segundo as prescrições da sabedoria cristã:
todas as suas ações, enquanto moralmente boas ou más, isto é, enquanto se conformam ou
não com a lei natural e divina, estão sujeitas ao juízo e jurisdição da Igreja”. E logo a seguir
aplica esta lei geral às coisas sociais: “A causa social com as controvérsias a ela
subjacentes… não é de natureza meramente econômica, e por isso não se pode resolver
desprezando a autoridade da Igreja, antes pelo contrário, é muito verdade que ela (a
questão social) é principalmente moral e religiosa, e por isso há de resolver sobretudo
segundo a lei moral e o veredicto da religião” (1. c., p. 658-59).
17. E em matéria social há, não uma só, mas muitas e gravíssimas questões, ou meramente
sociais ou político-sociais, que dizem respeito à ordem moral, à consciência e salvação das
almas, e por isso de maneira nenhuma se pode dizer que estejam fora da autoridade e
vigilância da Igreja. Mais ainda, mesmo fora da ordem social, ocorrem questões, não
estritamente religiosas acerca de matérias políticas, nacionais ou internacionais, que
atingem a ordem ética, oneram a consciência, podem expor e muitas vezes expõem a graves
perigos a consecução do fim último. Tais são as questões: do fim e limites do poder civil;
das relações entre os indivíduos e a sociedade; dos chamados Estados totalitários e do
princípio que lhes dá origem; da apregoada laicização total do Estado e da vida pública; da
realização completa da laicização das escolas; da natureza ética, legitimidade ou
ilegitimidade da guerra, tal como se faz nos nossos tempos, e da cooperação ou não
cooperação do homem de consciência religiosa; dos vínculos e razões éticas que regem e
obrigam as nações entre si.
18. Contradiz a verdade e a reta razão quem afirma que os pontos aduzidos e outros muitos
do mesmo gênero se encontram fora da ordem e portanto estão, ou pelo menos podem
estar, fora da alçada da Autoridade estabelecida por Deus para garantir a justa ordem,
conduzir e dirigir pelo reto caminho as consciências e os atos dos homens em relação ao fim
último, não só “no segredo”, entre as paredes do Templo e do santuário, mas também, e
muito mais ainda, em público, anunciando “sobre os tetos” (para usarmos das palavras do
Senhor; cf. Mt. 10, 27), no próprio campo de batalha, no meio da luta que ruge entre a
verdade e o erro, entre a virtude e o vício, entre o mundo e o reino de Deus, e entre o
príncipe deste mundo e Cristo Salvador.
A disciplina eclesiástica
19. Falta acrescentarmos ainda algumas palavras sobre a disciplina eclesiástica. Capacitem-
se os clérigos e os leigos que a Igreja e, dentro dos limites comuns do direito, os Ordinários
do lugar cada um para os seus fiéis, são os instrumentos aptos e legítimos para estabelecer e
urgir a disciplina eclesiástica, quer dizer, para determinar o modo de proceder na ordem
externa, que não tem origem nem na natureza das coisas nem na imediata instituição
divina. Não é permitido aos sacerdotes ou aos leigos subtrair-se a esta disciplina, mas,
guardando-a fielmente, todos devem procurar que a ação do Pastor se torne mais fácil e
eficaz, se robusteça a união entre o rebanho e o pastor, e, dentro de cada rebanho, sejam
pacificadas as relações, e haja colaboração, mútuo exemplo e ajuda.
A tendência atual à moral individual
20. Falamos até aqui dos direitos dos Bispos, como Pastores do rebanho que lhes foi
confiado, em todas as coisas que dizem respeito à religião, aos costumes e à disciplina
eclesiástica. Todas elas são alvo de certa crítica, muitas vezes velada e surda, e por isso
mesmo não obtém o firme assentimento dos espíritos. Contribui também para isso haver no
nosso tempo certos espíritos orgulhosos, que são causa da maior divisão. O indício dessas
mentalidades manifesta-se numas partes mais, noutras menos. A consciência de ter
atingido a maioridade, para que se apela cada vez mais, leva essas pessoas a agitar-se numa
exaltação de espírito cada vez maior. Não poucos dos nossos dias, quer homens quer
mulheres, julgam a direção e vigilância da Igreja indigna da maneira de proceder, que
convém á idade adulta. Não só o repetem, mas estão disso intimamente convencidos. Com
efeito, não querem estar sob “tutores e curadores” (Gál. 4, 2), à maneira de menores;
querem ser julgados e tratados como adultos, livres e com direito de determinar o que
devem fazer ou omitir em cada circunstância. Proponha a Igreja – não duvidam falar assim
– os seus dogmas, promulgue leis, que regulem a nossa atividade. No entanto, quando estas
se referem ou têm de se aplicar à vida individual, então deve a Igreja calar-se, e não se
imiscuir de modo algum; deixe a cada fiel seguir o seu critério e consciência. Pretendem que
isto é tanto mais necessário, quanto a Igreja e os seus ministros frequentemente ignoram
certo e determinado estado de coisas. Ignoram as circunstâncias gerais, quer íntimas quer
externas, em que cada um se encontra, e em que deve deliberar e tomar decisões. Além
disso, nenhum destes quer intermediário, intérprete ou intercessor, de qualquer dignidade
ou natureza que seja. Há dois anos, nas Alocuções de 23 de março e 18 de abril de 1952,
falamos destas opiniões repreensíveis, e examinamos os seus argumentos (Discorsi e
Radiomessaggi, vol. 14, 1952, p. 19 e ss; p. 69 ss). A respeito do alcance e importância
próprios da “maioridade pessoal”, afirma-se com razão: É justo e razoável que os adultos
não sejam governados como crianças. O Apóstolo afirma de si mesmo: “Quando eu era
criança, falava como criança, apreciava as coisas como criança, discorria como criança. Mas
quando me tornei homem, dei de mão às coisas, que eram de criança” (1 Cor. 13, 11). Não há
verdadeira arte de educar, que siga outra norma e caminho, nem o verdadeiro pastor das
almas pode querer outra coisa, que não seja fazer chegar os fiéis, que lhe estão confiados,
“ao homem perfeito, à medida da plenitude da idade de Cristo” (Ef. 4, 13). Mas ser adulto e
ter abandonado o que é próprio de criança é coisa absolutamente diferente de ser adulto e
por isso não estar sujeito à direção e governo da legítima autoridade; o governo, de fato, não
é uma espécie de tutor de crianças, mas a direção eficaz dos adultos, para finalidade
comum.
21. Mas neste momento falamos a vós, Veneráveis Irmãos, e não aos fiéis. Se no vosso
rebanho começarem a aparecer germes e indícios destes, fazei as seguintes advertências aos
fiéis: 1) Deus constituiu na Igreja os Pastores das almas, não para impor fardos ao rebanho,
mas para o guiar e defender; 2) a direção e vigilância dos pastores salvaguarda a verdadeira
liberdade dos fiéis, afasta-os da escravidão dos erros e dos vícios, defende-os contra as
seduções dos maus exemplos e convivência das pessoas depravadas, entre as quais têm de
viver; 3) e assim procederiam contra a prudência e a caridade devida a si mesmo, se
recusassem, por assim dizer, essa mão, que Deus para eles estende, e o auxílio eficaz que
lhes oferece. Se encontrardes alguns clérigos e sacerdotes imbuídos desta falsa tendência e
modo de ser, oponde-lhes as gravíssimas admoestações do Nosso Predecessor Bento XV,
falando a este propósito: “Queremos chamar a atenção de todos e cada um dos sacerdotes,
como filhos que profundamente amamos, sobre a urgente necessidade – tanto para a
própria salvação, como para o fruto do seu ministério pastoral – de viverem na mais
estreita união e obediência aos respectivos Prelados. Efetivamente, como há pouco
lamentamos, nem todos os ministros sagrados estão imunes daquele orgulho e contumácia,
próprios do tempo atual, não sendo raro que os Pastores sejam amargurados e combatidos
por aqueles de quem deviam esperar conforto e auxílio” (Carta Encíclica “Ad Beatissimi
Apostolorum Principis”, 1° de novembro de 1914; Acta Ap. Sedis, 1914, p. 579).
O Bom Pastor
22. Até aqui referimo-Nos a assuntos de cura pastoral; dissemos alguma coisa sobre as
pessoas a cujo bem se destina a ação do pastor. Não devemos terminar antes de dirigir um
pouco o Nosso pensamento aos mesmos Pastores. Aplicam-se aos Pastores, e portanto a
Nós e a vós, aquelas palavras divinas: “Eu sou o bom pastor. Eu vim, para que tenham vida
e a tenham abundantemente” (cf. Jo. 10, 10-11). A Pedro disse Nosso Senhor: “Se Me amas,
apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas” (cf. Jo. 21, 15, 17). A estes bons
pastores opõe o mercenário, que se busca a si mesmo e aos seus interesses, e não está
disposto a dar a sua vida pelo rebanho (cf. Jo. 10, 12-13); opõe os Escribas e Fariseus,
ambiciosos de dominar, e ciosos da própria glória, que ocupavam a cátedra de Moisés, e
impunham fardos pesados e impossíveis de levar, pondo-os aos ombros dos homens (cf. Mt.
23, 1, 4). Acerca do seu jugo, disse o Senhor: “Tomai sobre vós o meu jugo! O Meu jugo é
suave e o Meu fardo é leve” (cf. Mt. 11, 29-30).
A utilidade das relações freqüentes entre os Bispos
23. Para tornar frutuoso e eficaz o dever pastoral, muito contribui a freqüente e mútua
comunicação entre os Bispos. Assim se ajudam uns aos outros com a própria experiência;
torna-se mais harmônico o governo, evita-se a estranheza dos fiéis, que muitas vezes não
entendem porque numa diocese as coisas são de um modo, e de modo diferente, se não por
vezes contrário, em outra talvez próxima. Para este fim, são de grande importância as
Assembléias comuns, que já estão em uso em quase toda parte, e com maior solenidade os
Concílios provinciais e plenários, ordenados pelo Código de direito canônico, que sobre eles
dá leis particulares.
União e relações estreitas com a Santa Sé
24. A esta união e comunicação entre os Irmãos no Episcopado, deve juntar-se viva e
freqüente união e comunicação com a Santa Sé. Desde os mais antigos tempos da
Cristandade, vigora este costume de recorrer à Sé Apostólica, não só em assuntos de fé, mas
também de governo e disciplina. Disto oferece não poucas matérias e exemplos a história
antiga. Por sua vez, os Romanos Pontífices, interrogados, não responderam como teólogos
privados, mas em virtude da sua autoridade, conscientes do poder recebido de Jesus Cristo
para governar todo o rebanho e qualquer das suas partes. O mesmo se deduz dos casos em
que os Romanos Pontífices, sem serem interrogados, dirimiram controvérsias ou
chamaram a si a resolução de dúvidas. Por conseguinte, esta união e conveniente
comunicação de problemas à Santa Sé não deriva de certo prurido de tudo concentrar e
uniformizar, mas do direito divino e dum elemento próprio da mesma Constituição da
Igreja de Cristo. Nem isto redunda em detrimento mas em vantagem dos Bispos, a quem foi
confiado o governo de determinados rebanhos. Com efeito, da comunicação com a Sé
Apostólica seguem-se: nas dúvidas, luz e segurança; nas dificuldades, conselho e vigor; nos
empreendimentos, auxílio; nas provações, alívio e conforto. Por outro lado, dos relatórios
enviados pelos Bispos à Sé Apostólica, obterá esta mais vasto conhecimento do estado do
rebanho universal, saberá melhor e mais depressa quais os perigos iminentes e quais os
remédios convenientes para os afastar.
Conclusão
25. Veneráveis Irmãos, Cristo na véspera da Paixão pediu ao Pai pelos Apóstolos, e
juntamente por todos os sucessores deles no múnus apostólico: “Pai santo, guarda em teu
nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós. Assim como tu me
enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. O amor com que me amaste esteja
neles e eu neles” (Jo. 17, 11. 18. 26).
E assim Nós, sacerdote, Vigário na terra do Eterno Pastor, estivemos a dirigir-vos a palavra,
junto ao sepulcro do Príncipe dos Apóstolos e do Santo Pontífice Pio X, a vós, Nossos
Irmãos, sacerdotes também (1 Ped. 5, 1). No fim desta alocução, recordamos de novo a
Missa: “Si diligis”, pela qual começamos, e em cujo prefácio pedimos: “que não abandoneis
o Vosso rebanho, Vós que sois o Pastor Eterno, mas por intercessão dos Vosso bem-
aventurados Apóstolos, o conserveis sempre sob a Vossa proteção. A fim de que seja
governado pelos mesmos chefes que pusestes à sua frente, como pastores e vigários da
Vossa obra”; e no segundo pós-comúnio acrescentamos: “Aumentai na Vossa Igreja, nós vos
pedimos, Senhor, o espírito de graça que lhe concedestes, de sorte que por intercessão do
bem-aventurado Pio, Sumo Pontífice, nem falte ao pastor a obediência do rebanho nem ao
rebanho o cuidado do pastor”.
O que Deus vos conceda a todos segundo a medida da sua divina generosidade.
PAPA PIO XII
Notas: Os Cânones do direito canônico citados por Pio XII nas duas alocuções
329 &1 Os bispos são sucessores dos Apóstolos, e por instituição divina estão colocados a
frente de igrejas particulares que governam com potestade ordinária sob a autoridade do
Pontífice Romano.
818 Sendo reprovado todo costume contrário, o sacerdote que celebra deve observar com
esmero e devoção as rubricas dos livros rituais, e deve guardar-se de acrescentar a seu
arbítrio outras cerimônias ou preces.
1257 Unicamente à Sé Apostólica pertence ordenar a sagrada liturgia e aprovar os livros
litúrgicos.
1326 Os Bispos, mesmo quando não são infalíveis cada um de por si, nem reunidos em
Concílios particulares, mas no obstante, sob a autoridade do Romano Pontífice, são
verdadeiros doutores ou mestres dos fiéis que lhes foram encomendados.
1328 A ninguém está permitido exercer o ministério da pregação, se não tem recebido
missão do Superior legítimo, que lhe outorgue faculdade especial ou lhe confira um ofício
ao qual por disposição dos sagrados cânones fosse inerente o cargo de pregar.
1406&7 e 1406&8 Estão obrigados a fazer a profissão de fé, segundo a fórmula aprovada
pela Sé Apostólica:
– Diante do Ordinário local ou de seu delegado, o Vigário Geral, os párocos e aqueles a
quem fosse conferido qualquer benefício, ainda que seja manual, que tenha
responsabilidade de almas; o reitor, os professores de sagrada teologia, de direito canônico
e de filosofia nos Seminários, ao começo de cada curso ou pelo menos ao começar o cargo;
todos os que vão se ordenar de subdiáconos; os censores de livros, de que fala o cânone
1393; os sacerdotes destinados a ouvir confissões e os pregadores sagrados, antes que se
lhes conceda faculdade para desempenhar tais cargos.
– Diante do Ordinário ou de seu delegado, o reitor de Universidade ou de Faculdade, e
diante do Reitor ou de seu delegado, todos os professores da Universidade ou da Faculdade
canonicamente erigida, ao princípio de cada curso, ou pelo menos quando comecem a
exercer o cargo; e também os que, feito o exame, recebem os graus acadêmicos.

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