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Prezados, SM.

Esta mensagem, juntamente com a mensagem anterior sobre a educação dos


filhos, está entre as coisas mais importantes que já escrevi no meu sacerdócio.
A educação de uma criança é uma obra que produz as bases para a santidade na
vida dela e que, com suas cruzes, santifica a nós mesmos. É algo nobre, que
merece toda a nossa dedicação, e é um campo privilegiado para exercermos a
caridade em nossa realidade mais imediata e concreta, em coisas que parecem
pequenas, mas que são, ao mesmo tempo, as mais importantes. Ela é longa e
foi escrita com amor de pai. Peço, com esse mesmo amor, que leiam com
abertura de alma, com tranquilidade, com desejo simples de crescerem no amor
a Deus e ao próximo, sem receio de se reconhecerem, sem defesas. E Deus
ajudará muito.

A mensagem será acompanhada das duas tabelas, que eu havia mencionado


anteriormente, com aspectos importantíssimos para a educação emocional
natural dos filhos.

Ao lado direito das tabelas, estão necessidades emocionais básicas das crianças
colocadas em 5 eixos ou domínios. Na primeira tabela, descreve-se o ambiente
que supre essas necessidades. Na segunda tabela, há uma breve descrição de
atitudes dos pais que favorecem o bom desenvolvimento dos filhos.

Negligenciar um desses eixos acarreta prejuízos na boa formação da criança, e


esses prejuízos normalmente vão durar a vida toda.

A educação católica supõe essa boa educação emocional natural. Sem esse
aspecto emocional, bem vivido e bem praticado na família, pode-se buscar
ensinar o que é certo e o que é errado, pode-se favorecer o bom
comportamento e evitar o mau comportamento, mas os resultados serão bem
passageiros…

Com efeito, o não atendimento a alguma dessas necessidades emocionais


básicas da criança e dos jovens (que são também as necessidades dos adultos)
faz que os ensinamentos da fé e da moral não encontrem um terreno fértil para
fincar raízes, crescer e dar frutos. Uma educação católica mal feita, que busca
educar apenas na fé e na moral, mas sem atender, ao mesmo tempo, a essas
necessidades emocionais básicas, dificilmente leva à perseverança na fé e no
bem. E podemos constatar isso como uma experiência universal: é comum,
infelizmente, pessoas educadas na fé e na moral abandonarem a prática da
religião por não terem recebido junto essa educação emocional natural.

Darei, a seguir, alguns exemplos de práticas relativamente comuns de pais e das


consequências que podem advir delas. São apenas alguns exemplos em alguns
dos eixos das necessidades emocionais básicas, para mostrar como são coisas
que afetam a nossa vida inteira. Alguns de nós talvez tenhamos vivido coisas
similares aos exemplos na infância e poderemos nos identificar logo com essas
experiências. Porém, devemos extrapolar esses poucos exemplos e refletir
sobre toda a nossa vida. E, se refletirmos sobre nossas próprias dificuldades
atuais, sobre atitudes que temos que nos impedem de avançar, muitas vezes
perceberemos que elas têm origem na nossa formação.

Essa reflexão não tem, por finalidade culpar os nossos pais, pois, muitas vezes,
buscaram fazer o melhor, até mesmo com sacrifícios. Alguns pais ainda têm
filhos em formação e poderão reconhecer erros que estão cometendo e corrigir
a rota. Outros já têm os filhos formados e não devem se consumir pelo passado,
mas, reconhecendo os erros, poderão rezar, colocar nas mãos de Deus e ver se
há algum modo de remediar, até de se desculpar com os filhos, ajudando-os
assim.

Essa reflexão serve para percebermos, sobretudo, essas falhas na formação que
recebemos e como suas consequências nos atrapalham na vida adulta, como se
manifestam muito no nosso relacionamento com as pessoas mais próximas (em
particular com o cônjuge) e como se manifestam também na educação que os
pais dão aos filhos. Às vezes, repetimos atitudes que nossos formadores tiveram
para conosco sem refletir, sem ver as consequências negativas que produziram
em nós, e até levando na brincadeira. É preciso pensar mais nessas coisas.

Por exemplo, há famílias em que os pais pouco reconhecem as boas ações dos
filhos, que quase não elogiam os filhos nas suas boas iniciativas, ou que
simplesmente dizem que o filho não fez mais do que a obrigação ou não fez mais
do que cumprir o seu dever de estado ao tirar uma nota boa ou ao receber um
prêmio pelo bom comportamento. Essa falta de reconhecimento produzirá uma
profunda tristeza, e essa tristeza pode, facilmente, se converter em revolta, pois
a criança percebe a situação como uma injustiça. Uma família assim está criando
uma criança que vai acreditar que é incapaz, que nenhuma iniciativa ou esforço
vale a pena, que tenderá à mediocridade… E esse pensamento poderá
acompanhá-la por toda a vida, junto com a sensação permanente de que não
vale a pena tentar fazer algo, de que ela não é boa ou de que não é boa o
suficiente. Ou, ainda que tenha muito sucesso em vários campos, poderá ter
bastante dificuldade para se alegrar com isso e para receber elogios e
reconhecimento, por duvidar que são merecidos. Tudo isso gerará um grande
sofrimento e também favorecerá o surgimento de dificuldades na saúde mental,
no relacionamento com as outras pessoas, em que poderá sempre se achar
inferior ou, ao contrário, poderá reagir por hipercompensação, achando que é
superior aos outros, não elogiando os outros, não reconhecendo os suas
qualidades.

Outro exemplo é o de pais que são muito críticos, que nunca estão satisfeitos
com o que é bom, que sempre estão exigindo mais ou que condicionam toda a
atenção e o afeto que dão aos filhos ao cumprimento de alguma tarefa ou
exigência. Isso acontece por diversos motivos. Há pais que foram muito
criticados na infância e que têm uma visão crítica do mundo, e como que
enxergam sempre primeiro os erros, as falhas, aquilo que não está bom, aquilo
que ainda há por fazer. Há pais que percebem as coisas boas, mas têm receio de
demonstrar satisfação para os filhos e isso produzir neles acomodação. Esses
pais podem formar crianças que pensam ser sempre defeituosas, sempre
insuficientes, ou podem gerar crianças que agem com perfeccionismo para
satisfazer os outros ou a si mesmas, para receber elogios e atenção. Isso gera
uma criança e um adulto ansiosos, preocupados em atingir essa suposta
perfeição para corresponder às altas expectativas dos pais e, futuramente, de
outros. Uma educação assim forma pessoas que pensam que só têm valor se
atingirem altos resultados, o que, evidentemente, é falso.

Um outro exemplo… Há pais que não dão aos filhos a segurança de saberem que
são amados incondicionalmente, que não dão afeto, que não têm empatia com
os filhos, que não se interessam verdadeiramente por eles, que não perguntam
o que eles estão sentindo e pensando em dada situação, que não procuram
reconhecer o que os filhos estão sentindo, que ignoram, diminuem,
menosprezam ou zombam dos sentimentos que os filhos manifestam. Uma
criança que não recebeu afeto e empatia, que não aprendeu a ir expressando
seus sentimentos e pensamentos ao longo do tempo, com ajuda, apoio e
compreensão dos pais, que a vão orientando, será uma pessoa que não
conseguirá demonstrar uma preocupação mais autêntica com o próximo, será
uma pessoa que não saberá expressar suas emoções, opiniões e pensamentos
adequadamente, será uma pessoa que acumulará ressentimentos e dificuldades
com os outros sem resolvê-los até o ponto em que explode ou que desaba. Pais
que agem dessa forma podem gerar pessoas que têm dificuldades para
desenvolver relacionamentos mais profundos não somente com outras pessoas,
mas também com Deus, o que é um entrave bastante significativo para o
progresso na vida espiritual de muitas pessoas.

Nos exemplos, falamos dos pais ou da família, de forma geral, mas muitas vezes
basta que um só, pai ou mãe, deixe de atender de forma reiterada a uma dessas
necessidades para gerar essas consequências profundas. Basta, muitas vezes,
que um irmão aja de maneira ruim repetidamente para que haja essas
consequências. Pode bastar também que um professor aja assim
consistentemente para que haja essas consequências.

Enfim, poderíamos dar muitos exemplos. E cada um certamente pensou em


outros exemplos da própria história de vida. Todos esses exemplos servem para
nos mostrar que a educação que se recebe na infância deixa marcas para o resto
da vida. Existem pessoas que passaram por situações mais graves na infância, e
mesmo traumas severos, mas não são apenas essas que carregam, na vida
adulta, dificuldades originadas na infância. Um ambiente excessivamente crítico
ou pouco afetuoso, por exemplo, também produz muitas dificuldades que, pelo
acúmulo de pequenas situações diárias que se repetem por anos a fio, se
consolidam e cristalizam, e produzem enormes prejuízos.

Muitas vezes, ouvimos pessoas que, para justificar a forma como lidam com os
filhos, dizem "foi assim comigo e eu sobrevivi". Precisamos refletir. Será mesmo
que é isso que devemos oferecer às crianças? Uma infância à qual irão
simplesmente sobreviver, e sobreviver com as mesmas dificuldades que nós?
Tampouco basta fazer o contrário do que foi feito conosco, pois corremos o risco
de cair em erros opostos. Uma educação fundada na caridade deve buscar
oferecer muito mais que isso.

Nessas tabelas, podemos ver muitas coisas de que as crianças precisam para
terem um desenvolvimento emocional saudável e, assim, uma infância e uma
vida adulta muito melhores. Não se trata de viver uma vida sem cruzes, sem
sofrimentos, sem dificuldades. Inclusive, um dos eixos é justamente dar os
limites devidos, de maneira correta. As cruzes sempre existirão, porque são
enviadas por Deus para a nossa santificação. Não atender a essas necessidades
emocionais básicas significa impormos cruzes às crianças e, ao mesmo tempo,
tirar delas os instrumentos para lidar bem com as dificuldades e os sofrimentos.
Sem esses instrumentos, elas capengarão ao carregar as cruzes que terão ao
longo de toda a vida. O que esse atendimento emocional básico dá são os meios
devidos para que a criança possa carregar bem as próprias cruzes na infância,
na juventude e na maturidade, e, assim, possa chegar à perfeição. Contribuir
para a santificação das nossas crianças e jovens dessa forma, dando-lhes os
meios, em vez de simplesmente cruzes, é uma obra excelente aos olhos de Deus.

Esse aspecto natural da educação em nada contradiz a educação católica. Ao


contrário, a educação católica é a educação natural elevada pela fé católica e
pela moral católica. E a fé e a moral não podem ser colocadas à força na criança
nem no adulto. Fé e moral precisam estar juntas com essa boa educação natural,
e aí a educação católica ocorre suavemente, com raízes crescendo mais
profundamente e com frutos abundantes e duradouros, apesar das dificuldades.
Uma educação assim mostra o amor incondicional dos pais pela criança,
tornando-a capaz de reconhecer o amor de Deus por ela e, então, de amar a
Deus de volta. Essa educação bem feita coloca a criança nesse caminho
suavemente e profundamente. Caminho de amor a Deus e ao próximo.

Como dito no início, essas mensagens estão entre as coisas mais importantes
que já escrevi no meu sacerdócio. Nelas, está o fundamento para o crescimento
das famílias, da Igreja, o fundamento para que mais almas se salvem e o
fundamento para que maior glória seja dada a Deus.

Pe. Daniel Pinheiro, IBP

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