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CAPíTULO

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Classificação e
Diagnóstico de Anemia

Anemia corresponde à diminuição da quantidade de fluxo sangüíneo para os órgãos vitais. Animais com perda
hemácias (He), resultando em menor oxigenação tecidual. de sangue ou hemólise aguda grave podem morrer. A
A massa de hemácias é determinada pela medição do escolha do tratamento adequado e a definição apropriada
volume globular (VG, ou seja, hematócrito), do teor de do prognóstico são facilitadas quando se estabelece a causa
hemoglobina no sangue ou da contagem de hemácias (ver da anemia, hemólise, hemorragia ou menor produção de
Capo 1). Desses três parârnetros, o VG é mais utilizado hemácias, e o diagnóstico da doença primária. Este ca-
como valor inicial de interpretação na América do Norte. pítulo aborda a classificação e os procedimentos para o
A anemia é resultante de uma doença primária, res- diagnóstico de anemia.
ponsável pela destruição de hemácias ou hemólise, pela
perda de sangue decorrente de hemorragia, pela menor
produção de hemácias ou pela associação de alguns desses
CLASSIFICAÇÃO DA ANEMIA
eventos. Os sinais clínicos geralmente estão relaciona- Três parâmetros gerais são utilizados na classificação da
dos à menor oxigenação dos tecidos ou aos mecanismos anemia: tamanho das hemácias e teor de hemoglobina;
compensatórios a ela associados; é possível notar pali- resposta da medula óssea; e fisiopatogênese. As classi-
dez de membranas mucosas, letargia, menor tolerância ficações baseadas no tamanho das hemácias e na resposta
ao exercício, aumento da freqüência respiratória ou da medula óssea são mais úteis clinicamente, pois per-
dispnéia, aumento da freqüência cardíaca e sopros indu- mitem ao veterinário um raciocínio clínico importante
zidos pela maior turbulência do sangue. Caso o animal para o diagnóstico diferencial. A classificação fisiopa-
tenha uma doença sistêmica primária, será possível no- tológica propicia apenas uma base conceitual para o
tar sinais clínicos inespecíficos como perda de peso, diagnóstico dos distúrbios causadores de anemia.
anorexia, febre e linfadenopatia. Dentre os sintomas
inespecíficos decorrentes de hemólise, incluem-se esple-
nomegalia, icterícia e urina escurecida devido à hemoglo- Tamanho das Hemácias
binúria ou bilirrubinúria.> e Teor de Hemoglobina
~ A gravidade dos sinais clínicos geralmente está rela-
-o
'li' cionada ao tempo de instalação do quadro anêmico, pois Tradicionalmente, a anemia tem sido classificada em fun-
~ em animais com anemia de instalação gradativa resul- ção do volume eritrocitário (volume corpuscular médio
:;:; tante de perda de sangue crônica ou disfunção da medu- [VCM]) e do teor de hemoglobina nas hemácias (con-
: Ia óssea, há um certo grau de compensação da hipoxemia. centração de hemoglobina corpuscular média [CHCM]).
~ Dentre os mecanismos compensatórios está o aumento A anemia é microcítica, normocítica ou macrocítica quando
do teor de 2,3-difosfoglicerato das hemácias, que dimi- as hemácias apresentam tamanho pequeno, normal ou
nui a afinidade do oxigênio pela hemoglobina e, desse grande, respectivamente. Denomina-se anemia hipo-
modo, facilita a liberação de oxigênio nos tecidos, au- crômica e normocrômica quando as hemácias contêm teor
menta o débito cardíaco e auxilia na redistribuição do de hemoglobina diminuído e normal, respectivamente.
Classificação e Diagnóstico de Anemia 79

Não há anemia hipercrômica, mas é possível notar um pela contagem de He indicará um valor de 70fL (ou seja,
falso aumento de CHCM no caso de teor falsamente 42 -;-6 = 7). Em termos matemáticos, l u.L = 109fL; 42%
elevado de hemoglobina devido a hemólise intravascular, de 109fL corresponde a 420.000.000fL. Portanto, tem-
lipemia ou presença de corpúsculos de Heinz. Também se VCM = 70fL (ou seja, 420.000.000 -i- 6.000.000). A
é possível notar falso aumento de CHCM quando o ta- CHCM, que corresponde à relação entre o peso da he-
manho das hemácias for menor que o limiar de detecção moglobina e a contagem de hemácias, expresso em gra-
do contador de células. Isso reduz efetivamente o VCM ma por decilitro, pode ser calculada utilizando a seguinte
o:' e aumenta a CHCM. Embora nos esfregaços sangüíneos fórmula:
~ os esferócitos pareçam hipercrômicos devido a sua forma,
"? a concentração de hemoglobina nessas células é normal. Hemoglobina (g/dL) x 100 = CHCM (g/dL)
~ Em pacientes com anemia hemolítica imunomediada pode- VG (mL/IOOmL)
v1
"?
se verificar falso aumento de CHCM induzido por hemólise
~ intravascular ou agIu tinação, provocando erro na deter- Por exemplo, se o teor de hemoglobina for 14g/dL e o
0\ minação da massa eritrocitária. VCM for 42%, a CHCM irá corresponder a 33,3g/dL.
Esse sistema de classificação é útil no diagnóstico Contadores eletrônicos de células tornam o cálculo
de anemia microcítica, quase sempre causada por defi- do VCM antiquado, porque o volume celular pode ser
ciência de ferro, principalmente quando se considera o determinado eletronicamente. Assim, os valores do VCM
volume celular. Outras causas de microcitose incluem e da contagem de hemácias são utilizados para calcular
shunt portocaval em cães, bem como variação normal o VG (ver Capo 1). O emprego dessa tecnologia tem
no tamanho de hemácias em cães das raças Akita e Shiba valorizado a utilização desse método de classificação de
inus. Em geral, anemia macrocítica indica que a medu- anemia, pois as subpopulações de hemácias microcíticas
la óssea se encontra funcional e está liberando células ou macro podem ser verificadas no histograma ou nos
imaturas, de tamanho maior que o normal. Deve-se gráficos do computador mesmo quando o valor do VCM
realizar avaliação adicional quando se constatar macro- estiver na faixa de normalidade (Fig. 6.1). A extensão
citose não acompanhada de policromasia ou reticuloci- da distribuição de hemácias, que indica a amplitude da
tose, pois provavelmente a resposta regenerativa não é distribuição dos tamanhos das hernácias, aumenta quando
a causa de macrocitose. O cálculo do VCM é muito houver subpopulações de hemácias micro ou macrocíticas
importante em eqüinos, pois essa espécie animal quase e, com freqüência, aumenta antes que se tenha valor de
nunca libera reticulócitos na circulação. Outras causas CHCM fora da faixa de referência. Além disso, a CHCM
de macrocitose incluem infecção pelo vírus da leucemia pode ser obtida utilizando os valores do teor de hemo-
felina, mielodisplasia, macrocitose em cães da raça globina e do VG; no entanto, atualmente a técnica de
Poodle e estomatocitose hereditária (ver Capo 5). Os ani- detecção a laser, com emprego de dispersão da luz, per-
mais com anemia normocítica geralmente desenvolvem mite o cálculo direto do teor de hemoglobina nas he-
anemia não regenerati va ou pré-regenerati va (pré- mácias. O valor calculado é definido como concentração
regenerativa refere-se à anemia em animais que apre- de hemoglobina corpuscular média (CHCM). O emprego
sentam perda de sangue ou hemólise, mas que ainda dessa técnica exclui a possibilidade de ocorrência de
não exibem sinais de regeneração no sangue periférico). falso aumento de CHCM em amostras lipêmicas ou
Entretanto, o VCM de animais com anemia regenerativa hemolisadas. No entanto, isso não vale para corpúsculos
pode estar na faixa de normalidade e, assim, a anemia é de Heinz, porque as hemácias que os contêm são opti-
classificada como normocítica. Nesse caso, o histograma camente mais densas.
ou o gráfico obtido no computador é útil; pode-se veri-
ficar subpopulação de células macrocíticas, mesmo que
o VCM seja normal (será discutido posteriormente).
Resposta da Medula Óssea
A CHCM é menos útil na classificação da anemia, A classificação da anemia com base na resposta da medula
pois a hipocromia geralmente está associada a maior quan- óssea é muito útil no diagnóstico do quadro anêmico. A
tidade de células imaturas grandes (anemia regenerativa). anemia é classificada como regenerativa ou não rege-
Os reticulócitos ainda estão sintetizando hemoglobina; nerativa, com base na quantidade de hemácias imaturas
portanto, seu teor de hemoglobina é menor que o de he- na corrente sangüínea. A liberação precoce de hemácias
mácias maduras. Ocasionalmente, os animais com defi- imaturas é uma resposta normal da medula em decorrên-
ciência de ferro podem apresentar anemia microcítica cia da maior síntese de eritropoietina, principalmente pelo
hipocrômica; no entanto, na maior parte dos animais de- tecido renal, induzida pela hipoxia. Após hemorragia ou
ficientes em ferro, o valor de CHCM encontra-se na faixa hemólise, há liberação de maior quantidade de hemácias
de normalidade. imaturas na circulação, característica da anemia rege-
Historicamente, os valores de VCM e CHCM são nerativa. Geralmente constata-se aumento da população
obtidos por meio de cálculos que consideram o VG, o de hemácias imaturas em um período de dois a quatro
teor de hemoglobina e a contagem de hemácias. Calcu- dias após hemorragia ou hemólise. A ausência de hemácias
la-se o VCM dividindo o valor do VG pela contagem de imaturas circulantes indica anemia não regenerativa; tal
hemácias (He). Por exemplo, se o VG do paciente for achado deve ser considerado evidência de disfunção da
42% e a contagem de He for 6,0 x 106, a divisão do VG medula óssea.
Classificaçãoe Diagnóstico de Anemia 79

Não há anemia hipercrômica, mas é possível notar um pela contagem de He indicará um valor de 70fL (ou seja,
falso aumento de CHCM no caso de teor falsamente 4276 = 7). Em termos matemáticos, IIlL = 109fL; 42%
elevado de hemoglobina devido a hemólise intravascular, de 109fL corresponde a 420.000.000fL. Portanto, tem-
lipemia ou presença de corpúsculos de Heinz. Também se VCM = 70fL (ou seja, 420.000.00076.000.000). A
é possível notar falso aumento de CHCM quando o ta- CHCM, que corresponde à relação entre o peso da he-
manho das hemácias for menor que o limiar de detecção moglobina e a contagem de hemácias, expresso em gra-
do contador de células. Isso reduz efetivamente o VCM ma por decilitro, pode ser calculada utilizando a seguinte
o- e aumenta a CHCM. Embora nos esfregaços sangüíneos fórmula:
ç8 os esferócitos pareçam hipercrômicos devido a sua forma,
"? a concentração de hemoglobina nessas células é normal. Hemoglobina (g/dL) x 100 = CHCM (g/dL)
'"~ Em pacientes com anemia hemolítica imunomediada pode- VG (mLlIOOmL)
~ se verificar falso aumento de CHCM induzido por hemólise
r: intravascular ou aglutinação, provocando erro na deter- Por exemplo, se o teor de hemoglobina for 14g/dL e o
o. minação da massa eritrocitária.
VCM for 42%, a CHCM irá corresponder a 33,3g/dL.
Esse sistema de classificação é útil no diagnóstico Contadores eletrônicos de células tornam o cálculo
de anemia microcítica, quase sempre causada por defi- do VCM antiquado, porque o volume celular pode ser
ciência de ferro, principalmente quando se considera o determinado eletronicamente. Assim, os valores do VCM
volume celular. Outras causas de microcitose incluem e da contagem de hemácias são utilizados para calcular
shunt portocaval em cães, bem como variação normal o VG (ver Capo I). O emprego dessa tecnologia tem
no tamanho de hemácias em cães das raças Akita e Shiba valorizado a utilização desse método de classificação de
inus. Em geral, anemia macrocítica indica que a medu- anemia, pois as subpopulações de hemácias microcíticas
la óssea se encontra funcional e está liberando células ou macro podem ser verificadas no histograma ou nos
imaturas, de tamanho maior que o normal. Deve-se gráficos do computador mesmo quando o valor do VCM
realizar avaliação adicional quando se constatar macro- estiver na faixa de normalidade (Fig. 6.1). A extensão
citose não acompanhada de policromasia ou reticuloci- da distribuição de hemácias, que indica a amplitude da
tose, pois provavelmente a resposta regenerati va não é distribuição dos tamanhos das hemácias, aumenta quando
a causa de macrocitose. O cálculo do VCM é muito houver subpopulações de hemácias micro ou macrocíticas
importante em eqüinos, pois essa espécie animal quase e, com freqüência, aumenta antes que se tenha valor de
nunca libera reticulócitos na circulação. Outras causas CHCM fora da faixa de referência. Além disso, a CHCM
de macrocitose incluem infecção pelo vírus da leucemia pode ser obtida utilizando os valores do teor de hemo-
felina, mielodisplasia, macrocitose em cães da raça globina e do VG; no entanto, atualmente a técnica de
Poodle e estomatocitose hereditária (ver Capo 5). Os ani- detecção a laser, com emprego de dispersão da luz, per-
mais com anemia normocítica geralmente desenvolvem mite o cálculo direto do teor de hemoglobina nas he-
anemia não regenerativa ou pré-regenerativa (pré- mácias. O valor calculado é definido como concentração
regenerativa refere-se à anemia em animais que apre- de hemoglobina corpuscular média (CHCM). O emprego
sentam perda de sangue ou hemólise, mas que ainda dessa técnica exclui a possibilidade de ocorrência de
não exibem sinais de regeneração no sangue periférico). falso aumento de CHCM em amostras Iipêrnicas ou
Entretanto, o VCM de animais com anemia regenerativa hemolisadas. No entanto, isso não vale para corpúsculos
pode estar na faixa de normalidade e, assim, a anemia é de Heinz, porque as hemácias que os contêm são opti-
classificada como normocítica. Nesse caso, o histograma camente mais densas.
ou o gráfico obtido no computador é útil; pode-se veri-
ficar subpopulação de células macrocíticas, mesmo que
o VCM seja normal (será discutido posteriormente).
Resposta da Medula Óssea
A CHCM é menos útil na classificação da anemia, A classificação da anemia com base na resposta da medula
pois a hipocromia geralmente está associada a maior quan- óssea é muito útil no diagnóstico do quadro anêmico. A
tidade de células imaturas grandes (anemia regenerativa). anemia é classificada como regenerativa ou não rege-
Os reticulócitos ainda estão sintetizando hernoglobina; nerativa, com base na quantidade de hemácias imaturas
portanto, seu teor de hemoglobina é menor que o de he- na corrente sangüínea. A liberação precoce de hemácias
mácias maduras. Ocasionalmente, os animais com defi- imaturas é uma resposta normal da medula em decorrên-
ciência de ferro podem apresentar anemia microcítica cia da maior síntese de eritropoietina, principalmente pelo
hipocrôrnica; no entanto, na maior parte dos animais de- tecido renal, induzida pela hipoxia. Após hemorragia ou
ficientes em ferro, o valor de CHCM encontra-se na faixa hemólise, há liberação de maior quantidade de hemácias
de normalidade. imaturas na circulação, característica da anemia rege-
Historicamente, os valores de VCM e CHCM são nerativa. Geralmente constata-se aumento da população
obtidos por meio de cálculos que consideram o VG, o de hemácias imaturas em um período de dois a quatro
teor de hemoglobina e a contagem de hemácias. Calcu- dias após hemorragia ou hemólise. A ausência de hemácias
la-se o VCM dividindo o valor do VG pela contagem de imaturas circulantes indica anemia não regenerativa; tal
hemácias (He). Por exemplo, se o VG do paciente for achado deve ser considerado evidência de disfunção da
42% e a contagem de He for 6,0 x 106, a divisão do VG medula óssea.
80 Hematologia das Espécies Domésticas Comuns

A VHe/CHb B VHe/CHb

v v v

CHb

iiLJ
VHe

[Jl~....
j
VHe VHe

Cão, VG: 29% (43-58)


Cão, VG: 37% (43-58) Vaca, VG: 21 % (24-34)
VCM: 61fL (62-75)
VCM: 76fL (62-75) VCM: 48fL (38-50)
EDH: 14,3 (12-14,2)
EDH: 14,3 (12-14,2) EDH: 31,2 (16-21)

D VHe/CHb E VHe/CHb F VHe/CHb

v V V

VHe VHe VHe

Gato, VG: 30% (33-50)


VCM: 38fL (40-54)
Gato, VG: 17% (33-50)
lll_J
Eqüino, VG: 28% (30-45)
VCM: 61fL (40-48)
VCM: 76fL (40-54)
EDH: 15,2 (13,5-18,5) EDH: 18,9 (13,5-18,5) EDH: 17,6 (16,5-19,5)

Figura 6.1 - Citogramas do volume de hemácias/concentração de hemoglobina (VHe/CHb) e histogramas do volume de hemácias
de seis animais anêmicos obtidos em um aparelho Bayer Advia 120 (Bayer Corporation, Tarrytown, NY). No citograma de VHe/
CHb, a concentração de hemoglobina (Hb) é representada graficamente no eixo x (horizontal) e o volume celular é represen-
tado graficamente no eixo y (vertical). Cada hemácia é exibida de acordo com o volume e o teor de hemoglobina; hemácias
normocíticas normocrômicas encontram-se no compartimento central de cada citograma de nove compartimentos. As células
maiores são exibidas em direção à parte superior do citograma e as células hipocrômicas em direção à esquerda dele; assim,
as hemácias macrocíticas hipocrômicas aparecem na região superior esquerda do aglomerado de hemácias normais. O histograma
do volume de eritrócitos representa a distribuição das hemácias por volume celular; amostras normais apresentam uma curva
em formato de sino. O volume corpuscular médio (VCM) e a extensão da distribuição das hemácias (EDH) são determinados
a partir do histograma. O VCM corresponde à média do histograma do VHe e a EDH representa o coeficiente de variação da
população de células. Para cada espécie animal, o volume globular (VG), o VCM e a EDH são mostrados abaixo do citograma
VHe/CHb e do histograma de volume. As faixas de normalidade estão apresentadas entre parênteses. (A) Cão mestiço de 12
anos com anemia discreta, ligeira diminuição do VCM e discreto aumento da EDH. O citograma VHe/CHb mostra que várias
hemácias se direcionam para a parte inferior do quadrado central, indicando que são microcíticas.
Classificação e Diagnóstico de Anemia 81

Figura 6.1 (continuação) - Além disso, há uma população de células hipocrômicas, algumas delas normocíticas, outras macrocíticas.
O histograma do volume encontra-se desviado à esquerda indicando, também, que várias hemácias estão ligeiramente me-
nores. Nesse paciente, a suspeita era de anemia por deficiência de ferro, que foi confirmada pelo teor sérico de ferro abaixo
do normal. O cão apresentava epistaxe há três meses associada a condrossarcoma de conduto nasal. (B) Cão da raça Schnauzer
miniatura de 12 anos com anemia muito discreta e ligeiro aumento de VCM e EDH. O citograma VHe/CHb mostra uma popu-
lação de células na parte superior do quadrado central, representada por células grandes. Além disso, há uma população de
hemácias macrocíticas hipocrômicas. O histograma do volume encontra-se ligeiramente desviado à direita; a população de célu-
las macrocíticas é evidente. Isso indica anemia regenerativa. (C) Bezerro anêmico com uma semana de idade. Notar a popu-
'" lação de hemácias macrocíticas hipocrômicas, mesmo com VCM normal. A EDH encontra-se nitidamente aumentada. A contagem
~ de reticulócitos indicou 90.000 células/ul, (2%). A presença de células macrocíticas e de reticulócitos indica anemia regenerativa.
"? O coto umbilical do bezerro mostrava sangramento desde o nascimento; havia também sangue nas fezes há três dias. O VG
;:!; do dia anterior era 9% e, nesse momento, o bezerro foi submetido a transfusão sangüínea. Provavelmente, muitas hemácias
:A normocíticas eram do doador. O animal respondeu bem ao tratamento de suporte e, uma semana depois, o VG era 27%. (O) Gato
J; de 13 anos com discreta diminuição do VCM. O citograma VHe/CHb e o histograma do volume de hemácias são semelhantes
s; aos do cão relatado em A, sugerindo anemia por deficiência de ferro. O gato apresentava sangue nas fezes devido a linfoma
intestinal (primariamente no cólon) várias semanas antes da realização do hemograma. A contagem de reticulócitos revelou
108.000 célulavut., indicando anemia regenerativa; contudo, as hemácias imaturas eram pequenas devido à deficiência de
ferro. (E) Gato de 6 anos com discreto aumento da EDH. Notar que a maior parte das células é macrocítica hipocrômica. O
histograma do VHe encontra-se desviado à direita devido à presença de várias hemácias grandes; a contagem de reticulócitos
mostrou 233.260 células/mL (10,7%), indicando anemia com alto grau de regeneração. O gato apresentava teste de Coombs
positivo, definindo o diagnóstico como anemia hemolítica imunomediada. Não se constatou Haemobartonella em esfregaços
sangüíneos feitos durante vários dias; não foi realizada reação em cadeia de polimerase para Haemobartonella felis. O animal
apresentava teste negativo ao vírus da leucemia felina. (F) Eqüino de 12 anos com anemia macrocítica. Notar a população de
células grandes, algumas delas hipocrômicas. O histograma do volume de hemácias encontra-se desviado à direita, indicando
uma subpopulação de células grandes. Os eqüinos não liberam reticulócitos na circulação, mas a presença de hemácias macrocíticas
sugere anemia regenerativa. O animal apresentava desidratação e, portanto, possivelmente maior grau de anemia do que
aquele indicado pelo VG. Nesse caso, pode-se suspeitar de hemorragia ou de hemólise.

Em esfregaços sangüíneos corados pelo Wright, as ou interna, bem como crornca ou aguda. As causas
hemácias imaturas apresentam-se como células policro- hemorragia aguda incluem traumatismo, lesões hemor-
matofílicas; quando coradas pelo novo azul de metileno rágicas (por exemplo, neoplasias ou úlceras extensas)
ou pelo azul cresil brilhante, nota-se um retículo azul e distúrbios hemostáticos (por exemplo, trombocitopenia
(reticulócito) (ver Caps. I e 5). Em geral, considera-se ou coagulopatia hereditária ou adquirida, como intoxi-
anemia regenerativa quando a contagem de reticuló- cação por warfarina ou coagulopatia intravascular dis-
citos for superior a 60.000 celulas/ul, (ver Capo 1). No seminada). As causas comuns de hemorragia crônica
entanto, eqüinos quase nunca liberam reticulócitos na são lesões hemorrágicas, principalmente no trato gas-
circulação. trointestinal, parasitas gastrointestinais e parasitas ex-
ternos. A hemólise pode ser intra ou extravascular e
decorrente de disfunções intrínsecas (primárias), como
Classificação Fisiopatológica deficiências de membrana ou de enzima de origem he-
A classificação fisiopatológica da anemia baseia-se, es- reditária; ou extrínsecas (secundárias), como ação de
sencialmente, na disfunção primária. Anemia não hemoparasitas ou lesão imunomediada. Hemólise intra-
regenerativa é decorrente de eritropoiese deficiente ou vascular corresponde à lise de hemácias no leito vas-
diminuída (ver Capo 7). A diminuição da eritropoiese cular. Nota-se hemólise extravascular quando hemácias
geralmente é classificada verificando se as produções de anormais são fagocitadas pelos macrófagos, geralmente
neutrófilos e de plaquetas também estão diminuídas no baço ou no fígado. As causas mais comuns de hemólise
(anemia aplásica) e se a produção de hemácias está sim- são mecanismos imunomediados, hemoparasitas e me-
plesmente diminuída (hipoplasia) ou ausente (aplasia). dicamentos ou substâncias químicas que provocam le-
Além disso, o prejuízo à produção de hemácias pode ser são oxidati va, resultando na formação de corpúsculos
decorrente de disfunções intrínsecas da medula (isto é, de Heinz. As causas menos comuns de hemólise incluem
primárias), como mielofibrose, mielodisplasia ou distúrbios hipofosfatemia; intoxicação por água, em ruminantes
mieloproliferativos, ou induzido por distúrbios extrínse- jovens; bactérias (por exemplo, Leptospira sp. e
cos (ou seja, secundários). Dentre estes incluem-se doença Clostridium sp.); dose excessiva de heparina e deficiência
renal crônica, algumas doenças endócrinas, enfermida- de enzimas eritrocitárias e de membrana de origem he-
des inflamatórias, microorganismos infecciosos, como reditária.
Eherlichia spp., vírus da anemia infecciosa eqüina e ví-
rus da leucemia felina, destruição imunomediada de pre- PROCEDIMENTOS PARA O
cursores de hemácias e lesão induzida por medicamentos
ou substâncias químicas (ver Capo 13).
DIAGNÓSTICO DE ANEMIA
Anemia regenerativa é causada por hemorragia ou No caso de um paciente com anemia, o principal obje-
hemólise (ver Capo 8). A hemorragia pode ser externa tivo é estabelecer o diagnóstico definitivo da doença
82 Hematologia das Espécies Domésticas Comuns

primária para que seja possível instituir um tratamento Cães anêmicos, principalmente aqueles que apresentam,
apropriado e estabelecer o prognóstico. As informações simultaneamente, trombocitopenia e hiperglobulinemia,
sobre o paciente podem ser obtidas por meio de anamnese, devem ser submetidos ao exame para diagnóstico de
exame físico e exames laboratoriais. O procedimento mais erliquiose; gatos anêmicos devem ser submetidos aos
útil clinicamente baseia-se nos esquemas de classifica- exames para detectar infecções por vírus de leucemia felina
ção que envolvem uma combinação de informações so- e vírus da imunodeficiência felina. Os eqüinos com anemia
bre a resposta da medula óssea, o tamanho das hemácias devem submetidos ao exame para diagnósticar anemia in-
e o teor de hemoglobina. fecciosa.
O perfil bioquímico também pode fornecer informa-
ções importantes. Pacientes com anemia não regenerativa
Avaliação laboratorial discreta a moderada podem apresentar disfunções
extrínsecas à medula óssea, mas que interferem na fun-
A classificação da anemia com base no tamanho das
ção medular. Por exemplo, animais com anemia não
hemácias e na resposta da medula (discutida anterior-
regenerativa que também apresentam azotemia causada
mente) é um procedimento muito importante. Os princi-
por disfunção renal provavelmente sintetizam menor
pais dados laboratoriais incluem VG, VCM e contagem
quantidade de eritropoietina. Todos os pacientes com
de reticulócitos. Hemorragia e hemólise resultam em
anemia regenerativa de causa desconhecida devem ser
anemia regenerativa; disfunções de medula óssea cau-
submetidos à biopsia por aspiração da medula óssea (ver
sam anemia não regenerativa. Além disso, geralmente
Capo 13).
microcitose indica anemia por deficiência de ferro, en-
quanto macrocitose é evidência de regeneração. É pos-
sível obter informações adicionais no exame de esfregaço Resenha e Anamnese
sangüíneo; a morfologia das hemácias pode indicar um Uma anamnese minuciosa oferece informações valiosas.
diagnóstico definitivo (ver Capo 5). Em alguns casos, os dados da resenha também são úteis
Dentre outros procedimentos laboratoriais que podem porque algumas doenças são mais comuns em determi-
propiciar informações valiosas está a determinação do nadas raças. Por exemplo, anemia hemolítica imuno-
teor plasmático de proteína por refratometria (ver Capo 1). mediada é relativamente comum em cães da raça Cocker
Geralmente a hemorragia não resulta apenas em perda spaniel. Hemorragia aguda resulta em início brusco dos
de hemácias, mas também de outros componentes do sinais clínicos, enquanto hemorragia crônica e disfunção 'D
sangue, inclusive proteína. Desse modo, pacientes com da medula óssea induzem início gradativo dos sintomas. 2i
hemorragia podem apresentar hipoproteinemia. No en- 00
Portanto, pode ser útil investigar sobre o início súbito ou .:.,
V>
tanto, outras causas de hipoproteinemia devem ser con- gradativo dos sinais clínicos. Também é importante ques- ';;:
sideradas (ver Capo 26). Caso ocorra hemorragia interna, tionar o proprietário sobre a ocorrência de outros sinto- 0-
como em uma cavidade corporal, normalmente a proteí- rnas. Por exemplo, um cão que apresenta, simultaneamente, g;
.,o
na é reabsorvida após algumas horas. poliúria e polidipsia pode estar anêmico em conseqüên-
Outros componentes do hemograma também podem cia da disfunção renal. Um cão que manifesta crises
fornecer informações úteis. Por exemplo, no caso de um periódicas de fraqueza pode ter hemorragia intra-abdo-
paciente com trombocitopenia grave, a anemia pode ser minal intermitente, secundária à lesão hemorrágica (por
decorrente de hemorragia secundária à deficiente formação exemplo, hemangiossarcoma). Deve-se pesquisar qual-
de coágulos. Por outro lado, quando ocorre a diminui- quer histórico de traumatismo ou de cirurgia recente, bem
ção das contagens de leucócitos, de plaquetas e do VG como questionar o proprietário a respeito de qualquer
e a anemia é do tipo não regenerativa, a provável causa evidência de hemorragia, como hematúria ou epistaxe (a
será insuficiência completa da medula óssea. Um ani- constatação de melena ao exame visual das fezes indica
mal com anemia não regenerativa discreta e aumento da lesão muito grave). Por fim, questiona-se o proprietário
população de neutrófilos imaturos provavelmente apre- sobre um possível contato do animal com plantas, medi-
senta um quadro anêmico induzido por doença inflama- camentos ou substâncias químicas causadoras de hemólise,
tória (ver Capo 7). disfunção de medula óssea ou úlcera gastrointestinal
É possível realizar testes laboratoriais específicos para associada com perda de sangue.
auxiliar na confirmação ou exclusão de uma suspeita
clínica. Caso sejam constatados esferócitos no esfregaço
sangüíneo de um paciente anêmico, o teste de Coombs
Exame Físico
ou o teste de fragilidade eritrocitária à solução salina (ver Um cuidadoso exame físico de rotina pode oferecer in-
Capo 1) pode auxiliar na confirmação do diagnóstico formações adicionais. Por exemplo, se houver hemato-
de anemia hemolítica imunomediada. Em pacientes com ma, petéquias ou equimoses em um paciente anêmico, a
anemia microcítica, é preciso dosar os teores séricos de anemia poderá ser secundária a menor quantidade de
ferro para definir se a microcitose realmente é decorren- plaquetas, disfunção plaquetária ou distúrbio de coagu-
te da deficiência desse mineral. Além disso, deve-se realizar lação (ver Capo 14). Havendo distensão abdominal deve-
exame de fezes investigando a presença de sangue, por- se suspeitar de hemorragia intra-abdorninal e realizar
que a hemorragia gastrointestinal crônica é uma causa paracentese abdominal e exame do fluido peritoneal. Caso
comum de anemia por deficiência de ferro (ver Capo 8). as membranas mucosas apresentem-se ictéricas e pálidas,
Classificação e Diagnóstico de Anemia 83

deve-se suspeitar de hemólise. No caso de membranas ocorre hemorragia interna significativa na cavidade cor-
mucos as cianóticas ou amarronzadas e pálidas, suspeita-se poral, de modo que um exame físico cuidadoso, a pun-
da presença de metemoglobina, pigmento associado à ção aspirativa da cavidade abdominal ou outros métodos
anemia de corpúsculos de Heinz. de visualização normalmente permitem o diagnóstico.
Além disso, várias causas de hemólise, como destruição
de hemácias imunomediada, corpúsculos de Heinz ou
RESUMO hemoparasitas, podem ser detectadas no exame de
Em resumo, a resenha, a anamnese, o exame físico, os esfregaços sangüíneos e na avaliação da morfologia das
sinais clínicos e os achados laboratoriais fornecem in- hemácias (procedimentos para diagnóstico de causas
formações de extrema importância para a definição do específicas de anemia serão discutidos mais detalha-
diagnóstico da causa primária de anemia. Hemorragia da mente nos Caps. 7 e 8).
externa crônica geralmente resulta em anemia por defi-
ciência de ferro, que pode ser diagnosticada com base BIBLIOGRAFIA
a, na diminuição do VCM e do teor sérico de ferro. Hemor-
00 Schalm OW. Morphologic classification of the anemias. Vet Clin
-o ragia externa aguda pode ser diagnosticada durante o exame Pathol ] 978;7:6-8.
"?
-er físico; no entanto, no início pode ser difícil a diferen- Tvedten HW. Morphologic classification of anemia. Vet Clin Pathol
~
.;., ciação entre hemorragia interna e hemólise. Geralmente 1999 ;28: 80-82 .
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