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CAPíTULO

28
Avaliação laboratorial
dos Lipídeos

Os lipídeos participam de várias funções orgânicas im- LlPíOEOS NORMALMENTE


portantes. Comparados com carboidratos e proteínas, eles
propiciam uma forma altamente calórica de estocagem PRESENTES NO SANGUE
de energia necessária para a sobrevivência do animal du- Os lipídeos normalmente presentes no sangue são áci-
rante períodos prolongados de jejum e para a efetiva função dos graxos de cadeia longa (AGCL), triglicerídeos e
em atividades aeróbicas prolongadas. Representam os colesterol. Eles são transportados ligados à proteína; no
principais componentes de membranas celulares e, como caso de triglicerídeos e colesterol, o complexo lipídeo-
tal, contribuem para a manutenção da integridade estru- proteína resultante é denominado lipoproteína.
tural das células e de suas organelas. As propriedades
hidrofóbicas dos lipídeos os tornam ideais como barrei- Ácidos Graxos de Cadeia Longa
ras semipermeáveis entre os compartimentos orgânicos
de fluidos e como isolante na condução de íons e de po- Os ácidos graxos de cadeia longa representam os blocos
tenciais elétricos indesejáveis. Quando depositados em que compõem os triglicerídeos. Três moléculas de AGCL
quantidades e locais apropriados, fornecem um protetor se combinam com uma molécula de glicerol para formar
físico contra traumatismos e alterações térmicas exter- uma molécula de triglicerídeo (Fig. 28.1). Os ácidos graxos
00 eaas adversas. Quando em suspensão nos fluidos corpo-
de cadeia longa podem ser absorvidos no trato digestório,
onde são incorporados aos triglicerídeos nas células do
~ rais, atuam como sol ventes polares que facilitam a
epitélio intestinal; eles não entram na corrente sangüí-
~ movimentação de substâncias químicas lipossolúveis,
nea como moléculas de AGCL isoladas (Fig. 28.2). Além
:;; inclusive vitaminas e hormônios, Os lipídeos também
disso, são sintetizados em tecidos, como fígado, tecido
~ atuam como precursores na síntese de substâncias quí-
adiposo e glândula mamária, a partir de glicose ou de
S; micas que participam do metabolismo normal, abrangendo
acetato. A glicose é o precursor de AGCL mais impor-
hormônios, esteróides e ácidos biliares.
tante em não-ruminantes, enquanto o acetato é o princi-
Anormalidades no metabolismo de lipídeos podem ter
pal precursor em ruminantes. Os AGCL sintetizados se
sérias conseqüências, até com risco de morte. Tais dis- combinam com o glicerol para formar triglicerídeos; não
túrbios podem decorrer de vários fatores, desde ingestão entram diretamente no sangue como moléculas deAGCL.
calórica excessiva até disfunções metabólicas que preju- A síntese de AGCL é estimulada ou inibida por altera-
dicam o transporte e a movimentação de lipídeos. Neste ções na produção de hormônios, Após a refeição, o au-
capítulo serão discutidos os distúrbios do metabolismo mento na produção de insulina e a diminuição na produção
de lipídeos em animais domésticos e os métodos de de glucagon estimulam a síntese de AGCL. Por outro
diagnóstico dessas disfunções. No entanto, antes dessa lado, durante a privação alimentar, a menor produção de
abordagem, é necessário saber quais lipídeos normalmente insulina e a maior produção de glucagon inibem a sínte-
estão no sangue, qual sua função no metabolismo e quais se de AGCL. Em condições nas quais os AGCL são ne-
são os métodos para medição do conteúdo de lipídeos cessários como fonte de energia, as moléculas de
no sangue. triglicerídeos do tecido adiposo se transformam emAGCL
Avaliação laboratorial dos Lipídeos 395

e glicerol. As moléculas de AGCL resultantes entram na R -COOH HOCH2 R -COO-CH2


corrente sangüínea e são transportadas aos tecidos que
as utilizam como fonte de energia. Como os AGCL cir- R -COOH
I
+ HOCH2~ R -COO-fH
I + 3H2O
culantes não são hidrossolúveis, eles se ligam às proteí- I ~
nas, principalmente à albumina. Os tecidos, em especial R -COOH HOCH2 R -COO-CH2
fígado e músculo estriado, obtêm energia a partir da Ácidos Glicerol Triglicerídeo
~-oxidação de AGCL, que resulta na produção de unida- graxos
des de acetil-coenzima A (acetil-CoA) de dois carbonos,
que são oxidadas no ciclo do ácido cítrico, caso haja quan-
tidade adequada de oxaloacetato para ligá-los e originar Figura 28.1 - A molécula de triglicerídeo é formada pela com-
citrato. Se essa quantidade for insuficiente para tal fun- binação de três moléculas de ácidos graxos com uma molé-
cula de glicerol.
ção, as moléculas de acetil-CoA poderão ser transfor-
madas em cetonas que, às vezes, resultam em cetose
(discutida adiante).
cido adiposo depende de ação hormonal. A insulina pro-
move a síntese pelo aumento da concentração da lipo-
Triglicerídeos (Triacilgliceróis)
proteína lipase no tecido adiposo. A lipase, por sua vez,
Os triglicerídeos, também denominados triacilgliceróis, transforma os triglicerídeos do plasma em quilomícrons
são compostos de três moléculas de AGCL ligadas a uma e o VLDL em AGCL e glicerol. Os AGCL resultantes
molécula de glicerol (Fig. 28.1). São os principais lipídeos podem ser utilizados no tecido adiposo para a síntese de
do tecido adiposo; portanto, a forma mais importante de triglicerídeos. A insulina também favorece a entrada de gli-
estocagem de gordura corporal. Os triglicerídeos são cose nas células adiposas, nas quais pode ser transfor-
sintetizados principalmente no tecido adiposo, no fíga- mada em glícerol e AGCL. Aumento da secreção de
do, no intestino delgado e na glândula mamária. O con- insulina e diminuição da secreção de glucagon, como
teúdo de triglicerídeos circulantes em animais normais ocorre em animais recentemente alimentados, propicia
reflete o equilíbrio entre sua absorção no intestino del- maior produção de triglicerídeos e aumento do conteúdo
gado, sua síntese/secreção nos hepatócitos e sua absor- de tecido adiposo. No entanto, o glucagon tem efeito oposto
ção no tecido adiposo. Esse equilíbrio é influenciado pelo ao da insulina. Desse modo, a diminuição da secreção
teor de gordura na dieta e pela produção de hormônios, de insulina e o aumento da secreção de glucagon em
como insulina e glucagon. animais em jejum determinam menor produção de tri-
Os triglicerídeos são sintetizados no intestino delga- glicerídeos e, conseqüentemente, menor quantidade de
do como parte do processo de digestão e absorção (Fig. tecido adiposo. Além disso, a diminuição da secreção de
28.2). A gordura consumida é digerida para formar AGCL insulina e o aumento da secreção de glucagon no plasma
e monoglicerídeos (monoacilgliceróis) no lúmen do in-
testino delgado, sob influência da lipase pancreática. Essas
00 emoléculas são absorvidas nas células do epitélio intesti-
Corrente sangüínea Quilomícrons
~ nal que as recombinam para formar triglicerídeos, que
~ são revestidos de proteínas, originando estruturas glo-
:;; bulares hidrossolúveis denominadas quilomicrons. Os qui-

o
:::b lomícrons são secretados nas células epiteliais, penetram
1; nos linfáticos do intestino delgado e, eventualmente, atin- Células do

O
APopLteínas (\ epitélio do
gem a corrente sangüínea através do dueto torácico. Os
triglicerídeos dos quilomícrons circulantes são extraídos TrigliC;rídeos U intestino
delgado

por vários tecidos. A enzima lipoprotéica lipase, presente


AGCL
i
na superfície das células endoteliais de tecidos, como +
Monoglicerídeos
adiposo e muscular, catalisa esse processo. +
O fígado sintetiza triglicerídeos a partir de AGCL Glicerol

oriundos do tecido adiposo. A maior parte dos triglice-


rídeos sintetizados no fígado atinge a corrente sangüí-
nea e, em seguida, é removida da circulação pelo tecido
'~. l.ipase
L",Llll~
~rrn /111111\
adiposo. Como os triglicerídeos produzidos no fígado
não são hidrossolúveis, eles devem ser transportados no
Triglicerídeos -L AGCL + Monoglicerídeos + Glicerol

Lúmen do intestino delgado


sangue ligados às proteínas; as moléculas resultantes são,
principalmente, lipoproteínas de densidade muito baixa
Figura 28.2 - Os triglicerídeos presentes na gordura ingerida
(VLDL; discutidas a seguir).
são hidrolisados em ácidos graxos de cadeia longa (AGCL),
Os AGCL incorporados aos triglicerídeos no tecido
monoglicerídeos e glicerol, pela ação da enzima lípase, no
adiposo são oriundos de AGCL circulantes ou sintetiza- intestino delgado. Essasmoléculas são absorvidas pelas célu-
dos no tecido, a partir da glicose (mais importante em las do epitélio intestinal e reagrupadas para formar triglicerí-
não-ruminantes) ou do acetato (mais importante em ru- deos. Estes se combinam com apoproteínas para formar
minantes) (Fig. 28.3). A síntese de triglicerídeos no te- quilomícrons, os quais alcançam a corrente sangüínea.
396 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

mobilizam as reservas de gordura ao converter triglice- das apoproteínas. Essa combinação resulta na formação
rídeos em AGCL e glicerol. Em seguida, os AGCL re- de lipoproteínas. As apoproteínas desempenham impor-
sultantes atingem a corrente sangüínea, tornando-se tante função na absorção da molécula de lipoproteína em
disponíveis aos outros tecidos. Os triglicerídeos produ- vários locais do metabolismo. Diferentes classes de
zidos na glândula mamária são secretados no leite. apoproteínas são denominadas por letras, de A a E e as
subclasses são identificadas com um número romano ou
Colesterol arábico após as letras (por exemplo, A-IV, B48).
As lipoproteínas podem ser fracionadas e identificadas
Colesterol é uma forma específica de lipídeo presente por diversos métodos, inclusive eletroforese (fracionamento
apenas em tecidos animais. Quando a dieta contiver te- em função da carga elétrica) e ultracentrifugação
cido animal, o colesterol poderá ser sintetizado ou ab- (fracionamento em função da densidade relati va hidratada).
sorvido no intestino. Seu principal local de síntese é o As frações de lipoproteína identificadas por eletroforese :s
fígado. Como não é hidrossolúvel, ele é transportado no são denominadas CXI, CX2' ~I e ~2; aquelas identificadas :
sangue ligado à proteína. Esse complexo colesterol-pro- por ultracentrifugação são denominadas lipoproteína de ~
teína é um tipo de lipoproteína (discutido a seguir). O densidade muito baixa (VLDL), lipoproteína de baixa den- ';:
colesterol é utilizado por órgãos como córtex adrenal, sidade (LDL), lipoproteína de densidade intermediária (IDL) 8::
ovários e testículos, para produção de horrnônios este- e lipoproteína de alta densidade (HDL). Quilomícrons ~
róides. Ele também representa importante componente também são lipoproteínas de densidade mais baixa do que
de membranas celulares. O colesterol sintetizado no fí- aquela da VLDL. Há relato de concentrações de lipopro-
gado pode ser convertido em ácidos biliares ou excretado teínas determinadas por centrifugação baseada no gradiente
de modo inalterado na bile. Portanto, o fígado é um im- de densidade para várias espécies (Tabelas 28.1 e 28.2).
portante órgão de síntese, catabolismo e excreção de Relata-se que a lipoproteina de alta densidade é a prin-
colesterol. cipal em gatos; os conteúdos de triglicerídeos e de colesterol
foram quantificados em cães e gatos (Tabela 28.3). As pro-
Lipoproteínas porções relativas de lipideos e proteínas, bem como das
apoproteínas presentes em lipoproteínas, são variáveis. As
Lipoproteínas não representam uma classe diferenciada
porcentagens dos conteúdos de proteínas e os tipos de
de lipídeos, mas sim moléculas de proteína combinadas
apoproteínas em diferentes tipos de lipoproteínas de cães
com alguns lipídeos já discutidos. Como estes não são
e gatos estão resumidos na Tabela 28.4.
hidrossolúveis, não podem ser transportados, a menos
A gordura digerida é absorvida como ácidos graxos e
que estejam ligados a uma proteína. Colesterol e trigli-
monoglicerídeos, convertidos em triglicerídeos e incor-
cerídeos circulantes estão ligados a proteínas denomina-
porados nos quilomícrons nas células do epitélio do in-
testino delgado. Os quilomícrons atingem a corrente
Corrente sangüínea Endotélío Célula adíposa
,... sangüínea e liberam seus triglicerídeos nos tecidos peri-
féricos, como músculos e tecido adiposo. Do mesmo modo,
I os triglicerídeos sintetizados no fígado são incorporados
}<
na VLDL, que chega à corrente sangüínea e pode ser
I J depurada pelos tecidos muscular e adiposo (Fig. 28.4).
Glicerol
Triglicerídeos LPL-X Glicerol
+
A lipoproteína lipase separa os triglicerídeos em quilo-
+
(de quilomícrons
J \ Monoglicerídeos r---: Monoglicerideos ----to Triglicerídeos mícrons e a VLDL em monoglicerídeos e ácidos graxos
\ I
'>.
ou VLDL) +
que poderão, assim, penetrar em miócitos e adipócitos.
X AGCL
I:", Os quilomícrons contêm grande quantidade de apoproteína
Glicose I) GlrerOI

Glicose ------.. AGCL B48; a VLDLcontém alto teor de apoproteína B 100. Essas
(monogástricos)
X
apoproteínas facilitam a remoção de quilomícrons e de
Acetato ( I
(ruminantes)
Acetato~ VLDL da circulação devido à interação com receptores
específicos nas células endoteliais.
LI Os resíduos de lipoproteínas que contêm alto teor de
triglicerídeos (quilomícrons e VLDL) podem ser depu-
Figura 28.3 - No tecido adiposo, os triglicerídeos são sinteti- rados pelo fígado ou podem sofrer alteração no seu con-
zados do glicerolou de monoglicerídeos combinados com ácidos teúdo de proteínas e acumular colesterol. Neste último
graxas de cadeia longa (AGCL).Essas moléculas podem ser caso, há formação de IDL e LDL. As lipoproteínas de
oriundas dos triglicerídeos do sangue, que são incorporados baixa densidade são preferencialmente depuradas da
aos quilomícrons ou à VLDL.Lipoproteína lipase (LPL)presente circulação pelos tecidos, como córtex adrenal e gônadas,
na superfície das células endoteliais do tecido adiposo trans- que utilizam colesterol na síntese de hormônios esteróides.
forma esses triglicerídeos em glicerol, monoglicerídeos e AGCL O fígado e o intestino também produzem HDL, que
que, em seguida, podem penetrar nas células adiposas. Em
monogástricos, o glicerol e os AGCLtambém podem ser sin- contém baixo teor de triglicerídeos. As lipoproteínas de
tetizados da glicose presente na célula adiposa. Em ruminan- alta densidade se ligam ao colesterolliberado de tecidos
tes, os AGCLpodem ser sintetizados do acetato, também extra-hepáticos. Essa reação é catalisada pela enzima
presente na célula adiposa. lecitina-colesterol aciltransferase. Após sua ligação com
Avaliação Laboratorial dos Lipídeos 397

Tabela 28.1 - Concentração sérica de I ipoproteínas em várias espécies

Espécie VLDL (mg/dL) LDL (mg/dL) HDL (mg/dL)

Eqüino 33,3 47,7 231,7


Coelho 38,1 39,8 149,8
Cão 45,3 118,6 693
Rato 45,2 27,2 205,4
Suíno 43,5 110,3 177,3
Vaca 10 188,4 208,6

HDL = lipoproteína de alta densidade; LDL = lipoproteina de baixa densidade;


VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa.
Reimpresso de Hollandres B, Mougin A, N'Diaye F,Hentz E, Aude X, Girard A. Comparison
of the lipoprotein profiles obtained from rat, bovine, horse, dog, rabbit, and pig serum
by a new two-step ultra-eentrifugal gradient proeedure. Comp Bioehem Physiol B
1986;84:83-89.

Tabela 28.2 - Concentrações séricas de lipoproteína e de colesterol


distribuídas em várias lipoproteínas

Espécie VLDL (mg/dL) LDL (mg/dL) HDL (mg/dL)


Pôneis-
Alimentados 5,5 15 58,9
Em jejum de 72h 367,3 50,8 32

Vacasb
2 semanas após o parto 3,4 29,7 184,4
4 semanas após o parto 4,1 133,2 280

a Dados de Freestone JF,Wolfsheimer KJ, Ford RB, Chureh G, Bessin R. Triglyeeride,


insulin, and cortisol responses of ponies to fasting and dexamethasone admi-
nistration. J Vet Intern Med 1991;5:15-22.
b Dados de Rayssiguier Y, Mazur A, Gueux E, Reid 1M, Roberts CJ. Plasma lipoproteins

and fatty liver in dairy coyvs. Res Vet Sei 19~8;45389-393.


HDL = lipoproteína de alta densidade; LDL = lipoproteína de baixa densidade;
VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa.

Tabela 28.3 - Concentrações séricas de triglicerídeos e de colesterol


dist,ribuídas em várias lipoproteínas

VLDL (mg/dL) LDL (mg/dL) HDL (mg/dL)


Espécie TG Col TG Col TG Col
Gato"
Não obeso 11 10 10 36 24 76
Obeso 22 9,5 9 36 14 75

Cãob
Normal 7,2 3 10,8 36,4 30 134
Com linfoma 29,7 24 21,6 42,7 30 134

a Dados de Dimski DS, Buffington CA, Johnson SE, Sherding RG, Rosol TJ. Serum
lipoprotein eoneentrations and hepatie lesions in obese eats undergoing weight
1055. Am J Vet Res 1992;53: 1259-1262.
b Dados de Ogilvie GK, Ford RD, Vail DM, Walters LM, Babineau C, Fettman MJ.
Alterations in lipoprotein profiles in dogs with Iymphomas. J Vet Intern Med
1994;8:62-66.
Col = eolesterol; HDL = lipoproteína de alta densidade; LDL = lipoproteína de baixa
densidade; TG = triglieerídeo; VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa.
398 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

Tabela 28.4 - Composição protéica e principais MEDiÇÃO DO TEOR


lipoproteínas das lipoproteínas séricas de cães e gatos
DE LlPíDEOS NO SANGUE
Composição Principais
Partícula protéica (%) apoproteínas Embora os AGCL sejam componentes normais do san-
gue, geralmente sua concentração plasmática não é medida.
Ouilomícron- 2 A, 848, C, E Os lipídeos mais medidos são triglicerídeos e colesterol.
VLDLa 12 8100, C, E A análise da lipoproteína sérica é menos comum em
LDLa 27 8100 medicina veterinária; desse modo, raramente se deter-
HDL,b 23 A, C, E mina ou interpreta as alterações no teor sérico de lipo-
HDL/ 33 A, C, E proteínas.
HDL3a 35 A,C O teor de colesterol é parte do perfil bioquímico sérico
de rotina. A determinação da concentração sérica de tri-
a Gatos e cães glicerídeos é um procedimento menos comum em medi-
b Cães
cina veterinária. Os teores de triglicerídeos e de colesterol
c Gatos
podem ser obtidos por espectrofotometria. Conforme
HDL" HDL2 e HDL3 são três diferentes frações de lipoproteína descrito anteriormente, a concentração sérica de lipopro-
de alta densidade; LDL = lipoproteína de baixa densidade;
teínas pode ser medida por várias técnicas, sendo a ele-
VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa.
troforese e a ultracentrifugação os métodos mais
Reimpresso de Watson TDG, Barrie J. Lipoprotein metabolism empregados para fracionamento e quantificação de lipo-
and hyperlipidaemia in the dog and cat: A review. J Small
proteínas do soro sangüíneo.
Anim Pract 1993;34:479-487.

ANORMALIDADES DO
o colesterol, a HDL é removida da circulação pelos METABOLISMO DE LlPíDEOS
hepatócitos. Algumas apoproteínas do HDL são transfe-
ridas para quilomícrons e VLDL no curso do metabolis- Disfunção da produção e/ou do metabolismo de lipídeos
mo normal; essas aproproteínas (por exemplo, apoproteína pode ser causada por inúmeras doenças. Não é comum,
ClI) favorecem a ativação da enzima lipase nos tecidos mas pode ser uma causa primária de doença. As anorma-
periféricos. lidades do metabolismo de lipídeos que resultam em con-
centração anormal de lipídeos no sangue serão discutidas
a seguir.

Fígado Hiperlipidemia
Hiperlipidemia (aumento da concentração sérica de tri-
glicerídeos, colesterol, ou de ambos) pode advir de pro-
AGCL+ Glicerol L1~-c-o-le-st-e-ro-I--->'~
cessos fisiológicos ou patológicos. Hiperlipidemia pato-
+--;;.L-----"Lipoproteinas Tecidosque lógica pode ser uma doença primária ou um distúrbio
secundário a várias doenças. Hiperlipidemia primária é
V", ~ :~~:~:::';: causada por anomalias genéticas, enquanto a hiperli-
pidemia secundária acompanha outras doenças primá-
rias, nas quais a fisiopatologia inclui algum grau de in-
terferência no metabolismo normal de lipoproteína. Estas
Ouilomícrons __ -+
últimas geralmente incluem distúrbios endócrinos ou me-
/ tabólicos; no entanto, doenças infecciosas e inflamató-
rias que provocam disfunções metabólicas secundárias
também podem alterar o metabolismo de lipídeos. AFigura
28.5 apresenta um algoritmo para avaliação de animais
Figura 28.4 - Os quilomícrons oriundos do trato intestinal e
as lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) proveni-
com hiperlipidemia.
entes dos hepatócitos transportam triglicerídeos no sangue; A hiperlipidemia nem sempre causa lipemia, caracte-
ambos liberam esses triglicerídeos nas células adiposas e nos rizada por turvação macroscópica e coloração branca a ':S
00
miócitos. Esse processo é favorecido pela lipoproteína lipase rósea (aspecto leitoso) do soro ou do plasma (Fig. 28.6). B;
(LPL) presente na superfície das células endoteliais desses Em geral, a lipernia se deve ao maior teor de quilomí- ;j
tecidos. Após liberar seus triglicerídeos, os quilomícrons e a crons ou de VLDL na corrente sangüínea. Caso seja .j>.
Q.,
VLDL remanescentes podem ser removidos pelos hepatócitos
provocada apenas por quilomícrons, essas substâncias ~
ou podem acumular colesterol, tornando-se lipoproteínas de
costumam flutuar na parte superior da amostra de soro -O
baixa densidade (LDL). Preferencialmente, as lipoproteínas
de baixa densidade deixam a corrente sangüínea e atingem
refrigerado IOh após a coleta, resultando numa camada
os tecidos que produzem esteróides, nos quais o colesterol é de material semelhante a creme na parte superior e soro
utilizado na síntese desses esteróides. As lipoproteínas de baixa claro na parte inferior. Caso a lipemia seja causada ex-
densidade também podem ser removidas pelos hepatócitos. clusivamente por VLDL, não se forma a camada cremo-
Avaliação laboratorial dos Lipídeos 399

Hiperlipidemia

.
Hipertriqinliceridemi
rcer: erma e h''perco
/1 estero I~
em Ia Apenas hipercolesterole-
ou apenas hipertriqliceridernia mia
~
1
Amostra pós-prandial?
Excluir:
Hipotireoidismo
Hiperadrenocorticismo
S
l"m 1
Não ~
Hiperlipidemia
patológica
Sindrome nefrótica

1 ---+ Nega1tiva

I
Obter nova
amostra após
12h de jejum
I Excluir causas secundárias:

1
j possivel hiperColeste-\
\ rolem Ia primaria

1. Hipotireoidismo
Histórico e sinais clínicos
Negativa para Realizar testes de triagem para função
causa secundária ~ da tireóide

1 2. Diabetes melito
Histórico e sinais clínicos
Hiperlipidemia
primária Medir glicose sangüinea e insulina sérica

1
Schnauzer miniatura?
3. Hiperadrenocorticismo
Histórico e sinais clínicos
Realizar testes de triagem para função
adrenocortical
/ \
s~m

HiPerliPidemia
familiar
!Não

lI
4. Pancreatite
Histórico e sinais clínicos
Medir atividade sérica de amilase e lipase

5. Doença hepática com colestase


Histórico e sinais clínicos
Medir atividade sérica de ALP e
Reconsiderar causas concentrações sérica e urinária de
secundárias bilirrubina
ou
hiperlipidemia 6. Sindrome nefrótica
primária em outras Histórico e sinais clínicos
raças Medir teor de nitrogênio da uréia sangüínea
e concentrações de creatinina, proteina
total e albumina
Medir concentração uriná ria de proteína
(se aumentada, avaliar proteina/creatinina
urinária)

Figura 28.5 - Algoritmo para avaliação de animais com hiperlipidemia.

sa e o soro permanece turvo. Na lipemia causada por ambos Hiperlipidemia em Eqüinos


(quilomícrons e VLDL), nota-se uma camada cremosa,
com o soro um tanto turvo. Doenças como inanição e enfermidades crônicas resul-
tam em balanço energético negativo e provocam aumen-
Hiperlipidemia Fisiológica to marcante do teor sérico de triglicerídeos em eqüinos
miniatura, pôneis e asnos. A hipertrigliceridemia parece
Em pequenos animais, a causa mais comum de hiperli- decorrer de excessiva liberação hepática de triglicerídeos
pidemia é a hiperlipidemia pós-prandial provocada pelo na forma de VLDL devido à mobilização de AGCL do
aumento da concentração de quilomícron circulante. Ge- tecido adiposo e ao processamento hepático dessesAGCL,
ralmente, a hiperlipidemia pós-prandial tem início 1 a mais do que da menor depuração de VLDL pelos tecidos
2h após a refeição, atinge valor máximo em 6 a 8h e periféricos. O grau de hipertrigliceridemia é moderado
pode persistir até 16h depois da ingestão do alimento na maior parte dos eqüinos miniatura, pôneis e asnos,
que continha gordura. A hiperlipidemia pós-prandial torna mas pode ser acentuado (por exemplo, aumentos acima
o soro macroscopicamente turvo e com aparência bran- de 20 vezes) em alguns animais. A hiperlipidemia pode
ca a rósea (lipêmico). Esse aspecto leitoso pode interfe- ocasionar grave acúmulo de lipídeos no fígado, com risco
rir na análise laboratorial de vários componentes do soro de morte. Comumente os animais acometidos também
dosados na rotina. Os triglicerídeos respondem pela maior apresentam hiperlipemia; animais obesos e fêmeas em
parte da hiperlipidemia, mas a concentração de colesterol final de prenhez parecem mais suscetíveis. Doença he-
também pode estar ligeiramente elevada. Para evitar pática preexistente, hiperadrenocorticismo ou adminis-
hiperlipidemia pós-prandial, os animais mono gástricos tração de glicocorticóides exógenos parecem predispor
devem ser submetidos ajejum de, no mínimo, 12h antes ao desenvolvimento dessa síndrome. Eqüinos de tama-
da coleta de amostras de sangue para análise de lipídeos. nho normal também podem desenvolver hipertrigli-
Como os ruminantes recebem dieta com baixo teor de ceridemia em conseqüência de balanço energético
gordura e continuamente absorvem nutrientes, não é negativo, mas isso raramente provoca as complicações
necessário mantê-los emjejum antes da coleta de sangue. observadas em eqüídeos pequenos.
400 BioquímicaClínica Aplicada aos PrincipaisAnimais Domésticos

ceratopatia lipídica). Ao contrário de outras espécies que


apresentam hiperlipidemia de jejum, não se verificou
pancreatite simultânea nos gatos acometidos.

Hiperlipidemia Secundária
Hipotireoidismo. Cerca de dois terços dos cães ,com hi-
potireoidismo apresentam hipercolesterolemia. E menos
comum notar aumento da concentração sérica de trigli-
cerídeos. O mecanismo de ocorrência desses aumentos
não é conhecido.
Diabetes melito. Geralmente cães e gatos com diabe-
tes melito descompensada têm hipertrigliceridemia. A con- ::=;
centração sérica de colesterol também pode estar elevada ~
nesses cães; é comum ocorrer quilomicronemia. A me- ~
nor produção de insulina promove maior mobilização de ~
AGCL do tecido adiposo; estes são removidos pelo fíga- ~
o.
Figura 28.6 - Amostra de soro lipêmico. O aspecto da lipemia do, transformados em triglicerídeos e retomam ao san- :b
pode variar de turvo a opaco e de branco a róseo (leitoso). gue sob a forma de VLDL. Como a síntese de lipase
A cor rósea decorre de hemólise discreta, comum em soro depende, em parte, da ação da insulina, a atividade des-
lipêmico.
sa enzima diminui no tecido periférico, resultando em
menor remoção de triglicerídeos do sangue, tanto de VLDL
quanto de quilomícrons.
Hiperlipidemia Patológica Hiperadrenocorticismo. É possível notar hipercoles-
teroJemia em cães com hiperadrenocorticismo, mas o
Pode ser uma doença primária ou um distúrbio secundá- mecanismo de desenvolvimento é desconhecido.
rio a várias doenças. Pancreatite. Animais com pancreatite podem apresentar
aumento das concentrações de triglicerídeos e de colesterol
Hiperlipidemia Primária. A hiperlipidemia primária no soro. A causa da hiperlipidemia concomitante à pan-
pode acometer cães da raça Schnauzer miniatura e pro- creatite não está esclarecida, mas em alguns casos pode
vavelmente advenha de uma anomalia hereditária da estar relacionada a diabetes melito ou doença hepática
lipoproteína lipase ou da apoproteína CU, necessária para com colestase, que são secundárias à pancreatite. Além
a ativação da lipase por quilomícrons e VLDL. Geral- disso, hiperlipidemia pode ser mais um fator predispo-
mente, os animais acometidos são de meia-idade ou mais nente de pancreatite do que uma conseqüência dessa en-
velhos. Em cães, nota-se aumento dos teores de triglice- fermidade. À medida que o sangue com alto teor de lipídeos
rídeos, colesterol e quilomícrons no soro. A hiperlipidemia passa pelos capilares do pâncreas, a lipase pancreática
crônica pode resultar em distúrbios secundários, até pode hidrolisar esses lipídeos e originar AGCL, que le-
pancreatite e convulsões. Em outras raças de cães, inclu- sam o endotélio capilar e/ou as células acinares pancreá-
sive Brittany e Spaniel e em cães mestiços, há relato de ticas, acarretando maior liberação de enzimas pancreáticas.
hiperlipidemia primária com envolvimento hereditário Essas enzimas, por sua vez, causam lesão pancreática
desconhecido. adicional, culminando com pancreatite aguda clinicamente
Em cães das raças Doberman pinscher e Rottweiler, evidente. Esse distúrbio pode ser responsável pela asso-
há relato de hiperlipidemia primária caracterizada por ciação entre ingestão de alimentos com alto teor de gor-
hipercolesterolemia e concentração sérica de triglicerí- dura e início de pancreatite aguda.
deos normal. Cães com hipercolesterolemia e teor sérico Doença hepática. Pode ocorrer aumento da concen-
de triglicerídeos normal sempre devem ser examinados, tração sérica de triglicerídeos e de colesterol em animais
investigando-se doenças primárias como hipotireoidismo, com doença hepática, principalmente quando houver
hiperadrenocorticismo e síndrome nefrótica. colestase. O fígado é a principal via de excreção do co-
Em gatos, há relato de hiperlipidemia de jejum pri- lesterol; portanto, hipercolesterolemia pode decorrer de
mária, condição hereditária de característica autossôrni- menor absorção hepática do colesterol do sangue e me-
ca recessiva. Esse distúrbio se deve à menor atividade da nor excreção de colesterol na bile. É possível que o fíga-
lipase ou à incapacidade dessa enzima em se ligar nor- do afetado também produza e secrete uma lipoproteína
malmente ao endotélio capilar. A baixa atividade da lipase anormal, com alto teor de colesterol, no sangue. O me-
nos tecidos periféricos resulta em menor remoção de canismo da hipertrigliceridemia não é conhecido, mas
lipídeos do sangue. Os gatos acometidos apresentam maior pode estar relacionado à anormalidade na síntese hepa-
concentração sérica de triglicerídeos, colesterol e quilo- tocelular de apoproteína e, conseqüentemente, disfun-
mícrons, além de hiperlipidemia de jejum, anemia, ção no metabolismo de Iipoproteínas.
xantomas (depósitos de lipídeos na pele ou em outros Síndrome nefrótica. Hipercolesterolemia é um achado
tecidos), disfunção de nervos periféricos em razão de seu comum em cães e gatos com nefropatia acompanhada de
deslocamento pelos xantomas e distúrbios oculares (por perda de proteína. Não é habitual esses animais apresen-
exemplo, lipemia retinalis, lipídeos na câmara anterior, tarem aumento da concentração sérica de triglicerídeos.
Avaliação Laboratorial dos Lipídeos 401

A combinação de hipoalbuminemia, proteinúria, hiper- AGCL


colesterolemia e edema ou ascite é denominada síndrome
nefrótica. O mecanismo que provoca o aumento da con- 1 ~-oxidação

centração sérica de lipídeos não é conhecido. Supõe-se


que a perda de albumina ou de outros fatores que ini- Acetil-CoA
bem, em parte, a síntese hepática de VLDL resulte em
maior produção hepática desse lipídeo. Essa teoria pode oxa,o\e7 ~

explicar o aumento da concentração de triglicerídeos, pois


a VLDL tem alto teor de triglicerídeos e baixo conteúdo Citrato Síntese de trigli-
de colesterol; porém, não permite explicar o mecanismo de cerídeos
aumento da concentração sérica de colestero!. A anor- 1 Oxidação Lipogênese Síntese de

malidade do metabolismo de lipoproteínas relacionada Ciclo TCA ~COlesterol


à excreção urinária patológica de apoproteína é o meca-
nismo mais provável da alteração do teor sangüíneo de Acetoacetil CoA
lipídeos associado a essa síndrome.
Uso de medicamentos. Tem-se observado aumento da 1 Cetogênese
concentração sérica de triglicerídeos em cães com linfomas
Acetoacetato
tratados com doxorrubicina.

Hipolipidemia Acetona ~-hidroxibutirato

A forma mais comum de hipolipidemia em animais é a


hipocolesterolemia. O fígado é o principal órgão de sín- Figura 28.7 - Durante períodos de deficiência de energia há
maior mobilização da reserva de gordura, resultando em li-
tese de colesterol; a hipocolesterolemia está mais associada
beração de grande quantidade de ácidos graxos de cadeia
a doenças hepáticas, como enfermidade do parênquima longa (AGCL) no fígado. Os hepatócitos metabolizam esses
hepático e/ou cirrose, que determinam insuficiência he- AGCL por ~-oxidação, com produção de grande quantidade
pática. Em algumas formas de insuficiência hepática, a de acetilcoenzima A (acetil-CoA). que pode ser metabolizada
menor síntese de colesterol pode ocasionar menor con- por diversas vias. Uma importante via metabólica é a combi-
centração de colesterol no sangue (hipocolesterolemia). nação da acetil-CoA com o oxaloacetato (OAA) para formar
Caso também haja colestase concomitante, poderá ocor- citrato que, então, poderá ser oxidado e originar energia no
rer um equilíbrio entre a menor síntese de colesterol e ciclo do ácido tricarboxílico (TCA). Quando ocorre produção
excessiva de acetil-CoA, pode haver quantidade insuficiente
sua menor excreção, resultando em teor sérico de colesterol
de OAA para essa via metabólica. Assim, a acetil-CoA deve
normal.
ser metabolizada por vias alternativas, uma delas envolven-
A síndrome da má digestão ou da má absorção, com do a produção de acetoacetato e, subseqüentemente, ace-
insuficiência das células acinares do pâncreas ou doença tona e ~-hidroxibutirato; todos eles são cetonas. Esseprocesso
00 <inflamatória do intestino delgado, pode provocar hipo- pode produzir excesso de corpos cetônicos e aumentar a
~ trigliceridemia. Doença inflamatória do intestino acompa- concentração sangüínea de cetonas (cetose).
;:!i nhada de linfangiectasia pode ocasionar não apenas
:;; enteropatia com perda de proteína, mas também perda
J; patológica de lipoproteínas. Há relato de hipotrigliceri- tidade de oxaloacetato), a acetil-CoA pode ser desviada
S; demia em cães com shunt portossistêrnico experimental- para ressíntese de triglicerídeos e síntese de colesterol
mente induzido, necrose hepática induzida por tetracloreto ou pode induzir à cetogênese.
de carbono e hepatotoxicose causada por dimetilni- Deficiências de nutrientes que atuam como co-fato-
trosamina. res ou coenzimas no metabolismo oxidativo podem im-
pedir o metabolismo de lipídeos. Por exemplo, CoA e
proteína transportadora de acil são oriundas do ácido
Cetose pantotênico; a carência desse ácido promove exacerbação
Durante o período de inanição, a taxa de mobilização de dos distúrbios metabólicos que influenciam, especialmente,
gordura da reserva adiposa periférica excede a capaci- as funções do fígado e do sistema nervoso central. Par-
dade metabólica do fígado em oxidar essa gordura ou ticularmente, os gatos têm necessidade dietética de alto
em reagrupar os triglicerídeos em lipoproteínas para sua teor de ácido pantotênico, talvez devido ao seu desen-
liberação no músculo. Assim, podem ocorrer distúrbios volvimento evolutivo como carnívoro, que deve meta-
metabólicos que prejudicam o controle desse excesso de bolizar grande quantidade de lipídeos. Caso o teor de
lipídeos. Em condição normal, os AGCL removidos do niacina seja inadequado, a quantidade produzida de nico-
sangue pelos hepatócitos sofrem ~-oxidação e originam tinamida-adenina dinucleotídeo (NAD) pode ser insufi-
moléculas de acetil-CoA, muitas das quais se combinam ciente para o controle dos produtos gerados pela oxidação
com o oxaloacetato para formar citrato (Fig. 28.7). O da acetil-CoA. Os gatos não sintetizam niacina a partir
citrato, por sua vez, é metabolizado no ciclo do ácido do triptofano; desse modo, esses animais também têm
tricarboxílico. Caso a lipólise provoque a formação de grande necessidade dietética dessa vitamina. Em rumi-
quantidade excessiva de acetil-CoA (em relação à quan- nantes, teor inadequado de propionato ou vitamina B 12
402 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

(que atua como coenzima para a metilmalonil CoA mutase) jejum, os gatos acometidos parecem mobilizar quanti-
pode induzir à deficiência de oxaloacetato e à incapaci- dade excessiva de AGCL do tecido adiposo, excedendo
dade para formar citrato a partir da acetil-CoA. Defi- a capacidade do fígado em transformar AGCL em trigli-
ciência de compostos lipotrópicos, necessários para o cerídeos e em secretar lipoproteínas ricas em triglicerídeos.
processamento de fosfolipídeos para sua saída do fíga-
do, pode ocasionar acúmulo anormal de lipídeos no fí-
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