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CAPíTULO
28
Avaliação laboratorial
dos Lipídeos
o
:::b lomícrons são secretados nas células epiteliais, penetram
1; nos linfáticos do intestino delgado e, eventualmente, atin- Células do
O
APopLteínas (\ epitélio do
gem a corrente sangüínea através do dueto torácico. Os
triglicerídeos dos quilomícrons circulantes são extraídos TrigliC;rídeos U intestino
delgado
mobilizam as reservas de gordura ao converter triglice- das apoproteínas. Essa combinação resulta na formação
rídeos em AGCL e glicerol. Em seguida, os AGCL re- de lipoproteínas. As apoproteínas desempenham impor-
sultantes atingem a corrente sangüínea, tornando-se tante função na absorção da molécula de lipoproteína em
disponíveis aos outros tecidos. Os triglicerídeos produ- vários locais do metabolismo. Diferentes classes de
zidos na glândula mamária são secretados no leite. apoproteínas são denominadas por letras, de A a E e as
subclasses são identificadas com um número romano ou
Colesterol arábico após as letras (por exemplo, A-IV, B48).
As lipoproteínas podem ser fracionadas e identificadas
Colesterol é uma forma específica de lipídeo presente por diversos métodos, inclusive eletroforese (fracionamento
apenas em tecidos animais. Quando a dieta contiver te- em função da carga elétrica) e ultracentrifugação
cido animal, o colesterol poderá ser sintetizado ou ab- (fracionamento em função da densidade relati va hidratada).
sorvido no intestino. Seu principal local de síntese é o As frações de lipoproteína identificadas por eletroforese :s
fígado. Como não é hidrossolúvel, ele é transportado no são denominadas CXI, CX2' ~I e ~2; aquelas identificadas :
sangue ligado à proteína. Esse complexo colesterol-pro- por ultracentrifugação são denominadas lipoproteína de ~
teína é um tipo de lipoproteína (discutido a seguir). O densidade muito baixa (VLDL), lipoproteína de baixa den- ';:
colesterol é utilizado por órgãos como córtex adrenal, sidade (LDL), lipoproteína de densidade intermediária (IDL) 8::
ovários e testículos, para produção de horrnônios este- e lipoproteína de alta densidade (HDL). Quilomícrons ~
róides. Ele também representa importante componente também são lipoproteínas de densidade mais baixa do que
de membranas celulares. O colesterol sintetizado no fí- aquela da VLDL. Há relato de concentrações de lipopro-
gado pode ser convertido em ácidos biliares ou excretado teínas determinadas por centrifugação baseada no gradiente
de modo inalterado na bile. Portanto, o fígado é um im- de densidade para várias espécies (Tabelas 28.1 e 28.2).
portante órgão de síntese, catabolismo e excreção de Relata-se que a lipoproteina de alta densidade é a prin-
colesterol. cipal em gatos; os conteúdos de triglicerídeos e de colesterol
foram quantificados em cães e gatos (Tabela 28.3). As pro-
Lipoproteínas porções relativas de lipideos e proteínas, bem como das
apoproteínas presentes em lipoproteínas, são variáveis. As
Lipoproteínas não representam uma classe diferenciada
porcentagens dos conteúdos de proteínas e os tipos de
de lipídeos, mas sim moléculas de proteína combinadas
apoproteínas em diferentes tipos de lipoproteínas de cães
com alguns lipídeos já discutidos. Como estes não são
e gatos estão resumidos na Tabela 28.4.
hidrossolúveis, não podem ser transportados, a menos
A gordura digerida é absorvida como ácidos graxos e
que estejam ligados a uma proteína. Colesterol e trigli-
monoglicerídeos, convertidos em triglicerídeos e incor-
cerídeos circulantes estão ligados a proteínas denomina-
porados nos quilomícrons nas células do epitélio do in-
testino delgado. Os quilomícrons atingem a corrente
Corrente sangüínea Endotélío Célula adíposa
,... sangüínea e liberam seus triglicerídeos nos tecidos peri-
féricos, como músculos e tecido adiposo. Do mesmo modo,
I os triglicerídeos sintetizados no fígado são incorporados
}<
na VLDL, que chega à corrente sangüínea e pode ser
I J depurada pelos tecidos muscular e adiposo (Fig. 28.4).
Glicerol
Triglicerídeos LPL-X Glicerol
+
A lipoproteína lipase separa os triglicerídeos em quilo-
+
(de quilomícrons
J \ Monoglicerídeos r---: Monoglicerideos ----to Triglicerídeos mícrons e a VLDL em monoglicerídeos e ácidos graxos
\ I
'>.
ou VLDL) +
que poderão, assim, penetrar em miócitos e adipócitos.
X AGCL
I:", Os quilomícrons contêm grande quantidade de apoproteína
Glicose I) GlrerOI
Glicose ------.. AGCL B48; a VLDLcontém alto teor de apoproteína B 100. Essas
(monogástricos)
X
apoproteínas facilitam a remoção de quilomícrons e de
Acetato ( I
(ruminantes)
Acetato~ VLDL da circulação devido à interação com receptores
específicos nas células endoteliais.
LI Os resíduos de lipoproteínas que contêm alto teor de
triglicerídeos (quilomícrons e VLDL) podem ser depu-
Figura 28.3 - No tecido adiposo, os triglicerídeos são sinteti- rados pelo fígado ou podem sofrer alteração no seu con-
zados do glicerolou de monoglicerídeos combinados com ácidos teúdo de proteínas e acumular colesterol. Neste último
graxas de cadeia longa (AGCL).Essas moléculas podem ser caso, há formação de IDL e LDL. As lipoproteínas de
oriundas dos triglicerídeos do sangue, que são incorporados baixa densidade são preferencialmente depuradas da
aos quilomícrons ou à VLDL.Lipoproteína lipase (LPL)presente circulação pelos tecidos, como córtex adrenal e gônadas,
na superfície das células endoteliais do tecido adiposo trans- que utilizam colesterol na síntese de hormônios esteróides.
forma esses triglicerídeos em glicerol, monoglicerídeos e AGCL O fígado e o intestino também produzem HDL, que
que, em seguida, podem penetrar nas células adiposas. Em
monogástricos, o glicerol e os AGCLtambém podem ser sin- contém baixo teor de triglicerídeos. As lipoproteínas de
tetizados da glicose presente na célula adiposa. Em ruminan- alta densidade se ligam ao colesterolliberado de tecidos
tes, os AGCLpodem ser sintetizados do acetato, também extra-hepáticos. Essa reação é catalisada pela enzima
presente na célula adiposa. lecitina-colesterol aciltransferase. Após sua ligação com
Avaliação Laboratorial dos Lipídeos 397
Vacasb
2 semanas após o parto 3,4 29,7 184,4
4 semanas após o parto 4,1 133,2 280
Cãob
Normal 7,2 3 10,8 36,4 30 134
Com linfoma 29,7 24 21,6 42,7 30 134
a Dados de Dimski DS, Buffington CA, Johnson SE, Sherding RG, Rosol TJ. Serum
lipoprotein eoneentrations and hepatie lesions in obese eats undergoing weight
1055. Am J Vet Res 1992;53: 1259-1262.
b Dados de Ogilvie GK, Ford RD, Vail DM, Walters LM, Babineau C, Fettman MJ.
Alterations in lipoprotein profiles in dogs with Iymphomas. J Vet Intern Med
1994;8:62-66.
Col = eolesterol; HDL = lipoproteína de alta densidade; LDL = lipoproteína de baixa
densidade; TG = triglieerídeo; VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa.
398 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos
ANORMALIDADES DO
o colesterol, a HDL é removida da circulação pelos METABOLISMO DE LlPíDEOS
hepatócitos. Algumas apoproteínas do HDL são transfe-
ridas para quilomícrons e VLDL no curso do metabolis- Disfunção da produção e/ou do metabolismo de lipídeos
mo normal; essas aproproteínas (por exemplo, apoproteína pode ser causada por inúmeras doenças. Não é comum,
ClI) favorecem a ativação da enzima lipase nos tecidos mas pode ser uma causa primária de doença. As anorma-
periféricos. lidades do metabolismo de lipídeos que resultam em con-
centração anormal de lipídeos no sangue serão discutidas
a seguir.
Fígado Hiperlipidemia
Hiperlipidemia (aumento da concentração sérica de tri-
glicerídeos, colesterol, ou de ambos) pode advir de pro-
AGCL+ Glicerol L1~-c-o-le-st-e-ro-I--->'~
cessos fisiológicos ou patológicos. Hiperlipidemia pato-
+--;;.L-----"Lipoproteinas Tecidosque lógica pode ser uma doença primária ou um distúrbio
secundário a várias doenças. Hiperlipidemia primária é
V", ~ :~~:~:::';: causada por anomalias genéticas, enquanto a hiperli-
pidemia secundária acompanha outras doenças primá-
rias, nas quais a fisiopatologia inclui algum grau de in-
terferência no metabolismo normal de lipoproteína. Estas
Ouilomícrons __ -+
últimas geralmente incluem distúrbios endócrinos ou me-
/ tabólicos; no entanto, doenças infecciosas e inflamató-
rias que provocam disfunções metabólicas secundárias
também podem alterar o metabolismo de lipídeos. AFigura
28.5 apresenta um algoritmo para avaliação de animais
Figura 28.4 - Os quilomícrons oriundos do trato intestinal e
as lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) proveni-
com hiperlipidemia.
entes dos hepatócitos transportam triglicerídeos no sangue; A hiperlipidemia nem sempre causa lipemia, caracte-
ambos liberam esses triglicerídeos nas células adiposas e nos rizada por turvação macroscópica e coloração branca a ':S
00
miócitos. Esse processo é favorecido pela lipoproteína lipase rósea (aspecto leitoso) do soro ou do plasma (Fig. 28.6). B;
(LPL) presente na superfície das células endoteliais desses Em geral, a lipernia se deve ao maior teor de quilomí- ;j
tecidos. Após liberar seus triglicerídeos, os quilomícrons e a crons ou de VLDL na corrente sangüínea. Caso seja .j>.
Q.,
VLDL remanescentes podem ser removidos pelos hepatócitos
provocada apenas por quilomícrons, essas substâncias ~
ou podem acumular colesterol, tornando-se lipoproteínas de
costumam flutuar na parte superior da amostra de soro -O
baixa densidade (LDL). Preferencialmente, as lipoproteínas
de baixa densidade deixam a corrente sangüínea e atingem
refrigerado IOh após a coleta, resultando numa camada
os tecidos que produzem esteróides, nos quais o colesterol é de material semelhante a creme na parte superior e soro
utilizado na síntese desses esteróides. As lipoproteínas de baixa claro na parte inferior. Caso a lipemia seja causada ex-
densidade também podem ser removidas pelos hepatócitos. clusivamente por VLDL, não se forma a camada cremo-
Avaliação laboratorial dos Lipídeos 399
Hiperlipidemia
.
Hipertriqinliceridemi
rcer: erma e h''perco
/1 estero I~
em Ia Apenas hipercolesterole-
ou apenas hipertriqliceridernia mia
~
1
Amostra pós-prandial?
Excluir:
Hipotireoidismo
Hiperadrenocorticismo
S
l"m 1
Não ~
Hiperlipidemia
patológica
Sindrome nefrótica
1 ---+ Nega1tiva
I
Obter nova
amostra após
12h de jejum
I Excluir causas secundárias:
1
j possivel hiperColeste-\
\ rolem Ia primaria
1. Hipotireoidismo
Histórico e sinais clínicos
Negativa para Realizar testes de triagem para função
causa secundária ~ da tireóide
1 2. Diabetes melito
Histórico e sinais clínicos
Hiperlipidemia
primária Medir glicose sangüinea e insulina sérica
1
Schnauzer miniatura?
3. Hiperadrenocorticismo
Histórico e sinais clínicos
Realizar testes de triagem para função
adrenocortical
/ \
s~m
HiPerliPidemia
familiar
!Não
lI
4. Pancreatite
Histórico e sinais clínicos
Medir atividade sérica de amilase e lipase
Hiperlipidemia Secundária
Hipotireoidismo. Cerca de dois terços dos cães ,com hi-
potireoidismo apresentam hipercolesterolemia. E menos
comum notar aumento da concentração sérica de trigli-
cerídeos. O mecanismo de ocorrência desses aumentos
não é conhecido.
Diabetes melito. Geralmente cães e gatos com diabe-
tes melito descompensada têm hipertrigliceridemia. A con- ::=;
centração sérica de colesterol também pode estar elevada ~
nesses cães; é comum ocorrer quilomicronemia. A me- ~
nor produção de insulina promove maior mobilização de ~
AGCL do tecido adiposo; estes são removidos pelo fíga- ~
o.
Figura 28.6 - Amostra de soro lipêmico. O aspecto da lipemia do, transformados em triglicerídeos e retomam ao san- :b
pode variar de turvo a opaco e de branco a róseo (leitoso). gue sob a forma de VLDL. Como a síntese de lipase
A cor rósea decorre de hemólise discreta, comum em soro depende, em parte, da ação da insulina, a atividade des-
lipêmico.
sa enzima diminui no tecido periférico, resultando em
menor remoção de triglicerídeos do sangue, tanto de VLDL
quanto de quilomícrons.
Hiperlipidemia Patológica Hiperadrenocorticismo. É possível notar hipercoles-
teroJemia em cães com hiperadrenocorticismo, mas o
Pode ser uma doença primária ou um distúrbio secundá- mecanismo de desenvolvimento é desconhecido.
rio a várias doenças. Pancreatite. Animais com pancreatite podem apresentar
aumento das concentrações de triglicerídeos e de colesterol
Hiperlipidemia Primária. A hiperlipidemia primária no soro. A causa da hiperlipidemia concomitante à pan-
pode acometer cães da raça Schnauzer miniatura e pro- creatite não está esclarecida, mas em alguns casos pode
vavelmente advenha de uma anomalia hereditária da estar relacionada a diabetes melito ou doença hepática
lipoproteína lipase ou da apoproteína CU, necessária para com colestase, que são secundárias à pancreatite. Além
a ativação da lipase por quilomícrons e VLDL. Geral- disso, hiperlipidemia pode ser mais um fator predispo-
mente, os animais acometidos são de meia-idade ou mais nente de pancreatite do que uma conseqüência dessa en-
velhos. Em cães, nota-se aumento dos teores de triglice- fermidade. À medida que o sangue com alto teor de lipídeos
rídeos, colesterol e quilomícrons no soro. A hiperlipidemia passa pelos capilares do pâncreas, a lipase pancreática
crônica pode resultar em distúrbios secundários, até pode hidrolisar esses lipídeos e originar AGCL, que le-
pancreatite e convulsões. Em outras raças de cães, inclu- sam o endotélio capilar e/ou as células acinares pancreá-
sive Brittany e Spaniel e em cães mestiços, há relato de ticas, acarretando maior liberação de enzimas pancreáticas.
hiperlipidemia primária com envolvimento hereditário Essas enzimas, por sua vez, causam lesão pancreática
desconhecido. adicional, culminando com pancreatite aguda clinicamente
Em cães das raças Doberman pinscher e Rottweiler, evidente. Esse distúrbio pode ser responsável pela asso-
há relato de hiperlipidemia primária caracterizada por ciação entre ingestão de alimentos com alto teor de gor-
hipercolesterolemia e concentração sérica de triglicerí- dura e início de pancreatite aguda.
deos normal. Cães com hipercolesterolemia e teor sérico Doença hepática. Pode ocorrer aumento da concen-
de triglicerídeos normal sempre devem ser examinados, tração sérica de triglicerídeos e de colesterol em animais
investigando-se doenças primárias como hipotireoidismo, com doença hepática, principalmente quando houver
hiperadrenocorticismo e síndrome nefrótica. colestase. O fígado é a principal via de excreção do co-
Em gatos, há relato de hiperlipidemia de jejum pri- lesterol; portanto, hipercolesterolemia pode decorrer de
mária, condição hereditária de característica autossôrni- menor absorção hepática do colesterol do sangue e me-
ca recessiva. Esse distúrbio se deve à menor atividade da nor excreção de colesterol na bile. É possível que o fíga-
lipase ou à incapacidade dessa enzima em se ligar nor- do afetado também produza e secrete uma lipoproteína
malmente ao endotélio capilar. A baixa atividade da lipase anormal, com alto teor de colesterol, no sangue. O me-
nos tecidos periféricos resulta em menor remoção de canismo da hipertrigliceridemia não é conhecido, mas
lipídeos do sangue. Os gatos acometidos apresentam maior pode estar relacionado à anormalidade na síntese hepa-
concentração sérica de triglicerídeos, colesterol e quilo- tocelular de apoproteína e, conseqüentemente, disfun-
mícrons, além de hiperlipidemia de jejum, anemia, ção no metabolismo de Iipoproteínas.
xantomas (depósitos de lipídeos na pele ou em outros Síndrome nefrótica. Hipercolesterolemia é um achado
tecidos), disfunção de nervos periféricos em razão de seu comum em cães e gatos com nefropatia acompanhada de
deslocamento pelos xantomas e distúrbios oculares (por perda de proteína. Não é habitual esses animais apresen-
exemplo, lipemia retinalis, lipídeos na câmara anterior, tarem aumento da concentração sérica de triglicerídeos.
Avaliação Laboratorial dos Lipídeos 401
(que atua como coenzima para a metilmalonil CoA mutase) jejum, os gatos acometidos parecem mobilizar quanti-
pode induzir à deficiência de oxaloacetato e à incapaci- dade excessiva de AGCL do tecido adiposo, excedendo
dade para formar citrato a partir da acetil-CoA. Defi- a capacidade do fígado em transformar AGCL em trigli-
ciência de compostos lipotrópicos, necessários para o cerídeos e em secretar lipoproteínas ricas em triglicerídeos.
processamento de fosfolipídeos para sua saída do fíga-
do, pode ocasionar acúmulo anormal de lipídeos no fí-
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