CAPíTULO
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Classificação e
Diagnóstico de Policitemia
Policitemia refere-se ao aumento na quantidade de he-
mácias no sangue, evidenciado pelo aumento do volume
globular (VG ou hematócrito), pela contagem de hemácias
ou pela concentração de hemoglobina. Como o termo
policitemia implica em aumento na contagem de todas
as células do sangue, inclusive leucócitos, é preferível
utilizar o termo eritrocitose quando houver apenas o au-
mento da contagem de eritrócitos.
A policitemia pode ser relativa ou absoluta. O primei-
ro tipo pode ser decorrente da diminuição do volume plas-
mático ou da redistribuição eritrocitária como, por
exemplo, desidratação e desvio de fluidos corporais. O
segundo tipo se deve à contração esplênica que ocorre
geralmente em animais excitáveis, como gatos e eqüinos.
A policitemia absoluta corresponde ao verdadeiro aumento
da massa eritrocitária e pode ser primária ou secundária.
Policitemia absoluta secundária se deve à produção exces-
siva de eritrócitos devido ao aumento da concentração
de eritropoietina que, por sua vez, é secundário à hipoxia
generalizada, hipoxia renal localizada ou produção exces-
siva de eritropoietina estimulada por uma neoplasia. Consi-
dera-se a policitemia absoluta primária (ou seja, policitemia
vera) um distúrbio mieloproliferativo bem diferenciado,
no qual ocorre eritropoiese independente da concentra-
ção de eritropoietina. Embora a policitemia primária seja
rara, ela é mais comum do que a policitemia secundária.
Em geral, a policitemia primária é diagnosticada pela
e~clusão de policitemia relativa e secundária.
POLlCITEMIA RELATIVA
Policitemia Relativa Causada por
Desvio de Fluidos ou Desidratação
Pacientes com policitemia relativa causada pela redução
do volume plasmático geralmente apresentam aumento
simultâneo do teor plasmático de proteína. Além disso,
geralmente há evidência clínica de desidratação. No
entanto, alguns animais desidratados podem apresentar
concentração plasmática de proteína normal ou diminuída
devido à menor ingestão de proteínas, à diminuição na
síntese protéica no fígado ou à maior perda de proteína ~
pelos rins, pelo trato gastrintestinal ou por lesões cutâneas ~
(ver Capo 26). Além disso, o desvio de fluidos pode ser i3
tão agudo, como em pacientes com doença gastrintestinal .j:>.
aguda ou hipertermia aguda grave, que os sinais clínicos g;
clássicos de desidratação podem não ser evidentes. Após ~
00
o diagnóstico, o tratamento de policitemia relativa se baseia
no controle da doença primária e na reposição de fluidos
e eletrólitos.
Policitemia Relativa Causada por
Aumento Transitório na Massa
Eritrocitária Secundária à Contração
Esplênica
A contração esplênica causa apenas um aumento mode-
rado no VG; geralmente o VG não é superior a 60%. Ge-
ralmente, a policitemia decorrente da contração esplênica
é constatada apenas em animais que normalmente apre-
sentam alto valor de VG, como alguns cães das raças
Poodle, Greyhound e Dachshund. Pode ocorrer contra-
ção esplênica após exercício ou essa contração pode ser
uma resposta à liberação de epinefrina em animais ex-
citados ou que apresentam dor. Não há aumento da con-
centração plasmática de proteína; geralmente no mo-
mento da coleta de sangue são evidentes sinais de medo,
dor ou excitação. Também pode haver leucograma de
estresse, evidenciado por neutrofilia madura e linfocitose;
ocasionalmente, também se constata trombocitose dis-
creta. Policitemia transitória não tem importância clí-
nica; a contagem de hemácias retoma ao normal de-
pois de pouco tempo.

POLlCITEMIA ABSOLUTA'
A policitemia absoluta pode ser secundária ou primária.
Policitemia Absoluta Secundária
Causada por Hipoxia Generalizada ou
a- Hipoxemia (Policitemia Fisiologicamente
~ Apropriada)
~ Nota-se policitemia fisiologicamente apropriada quan-
;2 do a oxigenação tecidual inadequada estimula a produ-
~ ção de eritropoietina que, por sua vez, leva à produção e
a- liberação de eritrócitos, propiciando maior concentração
de oxigênio nos tecidos. Hipoxia generalizada e hipoxemia
(menor pressão arterial de oxigênio - Pa02) podem ser
constatadas em animais com doença cardíaca ou enfer-
midade pulmonar crônica grave. Distúrbios cardíacos con-
gênitos que resultam em desvio de sangue dos pulmões
estão mais associados à policitemia do que à doença
cardíaca adquirida. Doença pulmonar grave também pode
resultar em hipoxemia; porém, deve ser de duração crô-
nica para causar policitemia. Outras causas de hipoxemia
incluem altitude muito elevada, hipoventilação alveolar
e obesidade severa. Nota-se policitemia associada a
hipoxia, sem hipoxemia, em pessoas portadoras de al-
guns tipos raros de hemoglobinemia hereditária; não há
relato desse distúrbio em animais domésticos. Hemoglo-
binopatias crônicas adquiridas (por exemplo, carboxi-
hemoglobinemia secundária à intoxicação por monóxido
de carbono ou metemoglobinemia) também podem pro-
vocar policitemia.
Policitemia absoluta secundária causada por hipoxemia
é diagnosticada mediante a constatação de diminuição da
Pa02 e da saturação de oxigênio. A faixa de normalidade
para PaO? varia em função da altitude. Ao nível do mar,
o valor mínimo do intervalo de referência para Pa02 é
80mmHg e, para saturação de oxigênio, 92%; cerca de
1.800m acima do nível do mar, o valor mínimo de PaO? é
74mmHg. Geralmente, para causar policitemia, a pab2
deve ser inferior a 60mmHg. A obtenção de imagens do
coração e dos pulmões, bem como outros procedimentos
para diagnóstico de doença cardiopulmonar, podem ser
úteis na definição do diagnóstico.
Causada pelo Aumento da Produção
de Eritropoietina (Policitemia
Fisiologicamente Inapropriada)
Nota-se policitemia fisiologicamente inapropriada quando
há o aumento na produção de eritropoietina, na ausência
de hipoxia tecidual generalizada. A produção de eritro-
poietina pode estar aumentada em pacientes com lesões
renais (geralmente neoplasias indutoras de hipoxia renal
localizada). Embora seja raro, também pode ocorrer
aumento na produção de eritropoietina ou de uma substân-
cia semelhante à eritropoietina estimulada por neoplasias
extra-renais. Os animais com policitemia fisiologicamente
inapropriada apresentam saturação de oxigênio e Pa02
normais ou ligeiramente diminuídas. Pode haver hipoxemia
Classificação e Diagnóstico de Policitemia 115
discreta em decorrência da baixa perfusão; em geral, os
pacientes apresentam maior teor sérico de eritropoietina.
É necessário empregar outros procedimentos diagnósti-
cos para avaliar os rins, como técnicas de obtenção de
imagens, biopsia ou citologia por aspiração renal e
urinálise.
Policitemia Absoluta Primária
Policitemia absoluta primária (ou seja, policetemia vera)
é um distúrbio mieloproliferativo bem diferenciado, no
qual ocorre proliferação descontrolada de eritrócitos, ocasio-
nando aumento do hematócrito. Ao contrário da maioria
dos tipos de neoplasias hematopoiéticas, as células eritróides
neoplásicas parecem normais e têm uma seqüência de
maturação normal. No caso de humanos com policitemia
vera, proliferação anormal de neutrófilos e plaquetas ge-
ralmente acompanha a proliferação de hemácias, resul-
tando em leucocitose e trombocitose. Proliferação anormal
de células, exceto de hemácias, raramente é verificada em
animais domésticos; desse modo, em cães e gatos o dis-
túrbio deveria ser denominado eritrocitose primária em
vez de policitemia primária ou policitemia vera. Acredi-
ta-se que a fisiopatologia dessa disfunção envolva a pre-
sença de um clone anormal de precursores eritróides capaz
de proliferar independentemente da concentração de eritro-
poietina ou da hiper-responsividade à eritropoietina. Ge-
ralmente, o distúrbio é diagnosticado pela exclusão de
outras causas de policitemia. A maioria dos casos de poli-
citemia primária em animais domésticos tem sido relata-
da em cães e gatos, mas há alguns relatos em eqüinos,
bovinos e em uma lhama.
ACHADOS ClÍNICOS
Os achados clínicos podem ser secundários à causa pri-
mária de policitemia ou podem ser decorrentes do pró-
prio aumento da população de hemácias. Nos animais
com policitemia relativa, sinais de desidratação ou exci-
tação podem ser clinicamente evidentes. Em animais com
policitemia absoluta secundária causada por hipoxia,
constatam-se sinais clínicos associados a cardiopatia con-
gênita (por exemplo, sopro, cianose) ou com doença
pulmonar (por exemplo, cianose, dispnéia, ruídos pul-
monares anormais). Nos animais com policitemia abso-
luta secundária causada por produção inapropriada de
eritropoietina, geralmente não há evidência de sinais clí-
nicos associados a doença renal.
Os sinais clínicos relacionados à eritrocitose são se-
cundários aos aumentos de volume e de viscosidade
sangüínea. Eles incluem membranas mucosas de colora-
ção vermelho-escura, às vezes com discreta cianose.
aumento da viscosidade sangüínea pode resultar em flu-
°
xo sangüíneo lento e posterior diminuição da perfusão
tecidual e do transporte de oxigênio, bem como hemor-
ragia e trombose. Também é possível constatar sintomas
discretos a graves relacionados ao sistema nervoso cen-
tral devido ao menor aparte de oxigênio no cérebro, como
letargia, ataxia, cegueira ou convulsões. Ocasionalmente
há relato de poliúria e polidipsia, possi velmente induzidas
116 Hematologia das Espécies Domésticas Comuns
por prejuízo à liberação de vasopressina. Espfenomega-
lia é um achado raro em animais domésticos. Pacientes
humanos costumam apresentar esplenomegalia, podem
manifestar prurido generalizado e, eventualmente, desen-
volvem fibrose medular e neoplasia linfóide.
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
Quando houver o aumento de VG, deve-se verificar se o
paciente está excitado ou desidratado e, em seguida, realizar
um segundo hemograma completo para confirmar esse
resultado. Caso também se constate aumento da concen-
tração de proteína total, é provável que a policitemia seja
relativa e decorrente de desidratação e menor volume
plasmático. No entanto, às vezes os animais que apre-
sentam desvio agudo de fluido, como ocorre na doença
gastrointestinal, podem não apresentar aumento de pro-
teína total. Além disso, o teor de proteína total pode estar
diminuído ou normal em animais desidratados que te-
nham menor ingestão e produção de proteína ou maior
perda protéica.
Caso se exclua o diagnóstico de policitemia relativa,
deve-se considerar a possibilidade de policitemia abso-
luta secundária causada por hipoxemia decorrente de
cardiopatia congênita ou doença pulmonar. A hipoxemia
pode ser mais facilmente detectada por hemogasometria
arterial, determinando a PaO? e a saturação de oxigênio.
Caso a Pa02 seja inferior a 60mmHg, é provável que a
hipoxemia seja a causa de policitemia. As imagens ob-
tidas em radiografia torácica e ultra-sonografia fornecem
informações adicionais.
Caso se exclua a possibilidade de hipoxemia, deve-se
considerar a policitemia secundária absoluta causada pelo
aumento da produção de eritropoietina. Neoplasia renal
é a causa mais comum de aumento na produção de
eritropoietina. Nesse caso, indica-se ultra-sonografia re-
nal ou urografia intravenosa. Geralmente o teor sérico
de eritropoietina encontra-se aumentado em animais com
hipoxemia ou com produção inapropriada de eritropoie-
tina, é normal ou diminuído em animais com policitemia
primária (Tabela 9.1). A determinação do teor de eritro-
poietina parece ser mais útil em cães do que em gatos.
Caso se exclua a policitemia secundária causada pela pro-
dução inapropriada de eritropoietina, o diagnóstico pro-
vável é policitemia vera.
Tabela 9.1 - Pressão arterial de oxigênio (Pa02) e teor
de eritropoietina em animais com policitemia
Policitemia Eritropoietina
Relativa Normal Normal
Secundária
Causada por hipoxemia Diminuída Aumentada
Causada por produção Normal Aumentada
inapropriada de
eritropoietina
Primária Normal Normal ou
diminuída
Outros achados laboratoriais não são muito úteis. Os
pacientes humanos acometidos geralmente apresentam
neutrofilia e trombocitose; porém, esses achados são raros
em animais domésticos. Neutrofilia associada a estresse
ou inflamação é o achado mais provável. Geralmente, o
exame de aspirados de medula óssea é normal, exceto a
ocorrência de discreto aumento da celularidade e ligeira
hiperplasia eritróide. A determinação da massa eritrocitária
total por meio de uma técnica de coloração ou de hemácias
marcadas com radioisótopos, ainda que raramente reali-
zada, pode auxiliar na definição do diagnóstico.
TRATAMENTO
° tratamento da policitemia relativa envolve o controle
da doença primária e a correção da desidratação com
f1uidoterapia. ° distúrbio primário também é tratado em
animais com policitemia secundária causada por hipoxemia
ou por produção inapropriada de eritropoietina. Fleboto-
mia pode ser contra-indicada para animais com hipoxemia,
porque a eritrocitose é fisiológica. No entanto, se nesses
pacientes o VG estiver muito alto, a perfusão tecidual
poderá estar prejudicada e a flebotomia será útil.
A policitemia primária é mais tratada, normalmente com
sucesso a longo prazo, por meio de f1ebotomias repetidas
para manter o VG no limite superior de normalidade. É
possível administrar ferro injetável para evitar anemia por
deficiência de ferro. Também existe a possibilidade de
realizar quimioterapia para reduzir a produção de hemácias;
hidroxiuréia oral é o tratamento mais utilizado. A dose e
a freqüência da medicação são variáveis, dependendo da
resposta terapêutica. Uma complicação relatada em gatos
é a ocorrência de metemoglobinemia e anemia de corpús-
culos de Heinz. Como alternativa, em alguns casos, tem-
se utilizado (com êxito) fósforo radioativo. Recomenda-se
a orientação de um oncologista veterinário, verificando as
opções atuais de tratamento.
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