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Para uma nova gastronomia, uma nova escola

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By Infood

Estamos vivendo um dos momentos mais felizes na história da gastronomia nacional. E


o presente nos chama para fazer parte deste momento. A culinária finalmente está se
reconhecendo como um pilar importante para a proteção e disseminação da cultura
nacional. Profissionais das diversas esferas desta área tão rica, enfim, estão entendendo
que cozinhar é também um ato histórico, político e cultural.

Ao perceber suas responsabilidades, cozinheiros e cozinheiras buscam suas origens,


suas histórias, seu passado. E, sendo em território nacional, esse movimento de
autoconhecimento torna-se uma verdadeira revolução. Essa cultura perpassa nossos
ancestrais indígenas, africanos e europeus. Posteriormente os imigrantes italianos,
japoneses, alemães, poloneses, árabes, espanhóis…

Atrelado a esse conhecimento sobre nossas origens, faz-se necessária a


responsabilidade com pessoas que nos possibilitam degustar o passado, com receitas e
tradições que remontam todo o trajeto até o hoje. Estas pessoas atualmente vivem um
processo de extinção, pautadas pelas novas diretrizes da alimentação moderna, que
distanciou produtores de consumidores e criou demandas onde não havia necessidade.

Como era
Quando entrei na gastronomia profissional, não tínhamos muitos objetivos a longo prazo.
Cozinheiros e cozinheiras procuravam chefes de cozinha em busca da técnica, do
aprendizado, da experiência… Nossa cabeça voltava-se para o procedimento. E, nas
rodas de conversa, sentados em latas de gordura vegetal, restaurantes estrelados,
chefes inovadores, equipamentos, utensílios e sonhos profissionais misturavam-se em
assuntos que nos levavam longe, 2 minutos depois da mise en place completa e 10
minutos antes das portas do restaurante abrir.

Recebíamos insumos que só conhecíamos pelos livros, cursos ou nota fiscal do


entregador. Tempos estranhos…Hoje isso é coisa do passado.

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Acredito sinceramente que nos preparamos para justamente o presente que vivemos.
Pois desta vida onde muitos começaram na pia e foram para o fogão, o que ficou foi a
experiência do fazer. Mas faltava alguma coisa, e nós sabíamos disso. E agora,
encontramos o que faltava, que é a responsabilidade com quem nos permite cozinhar: os
produtores.

Responsabilidades
E todo nosso mundo se voltou para o início da cadeia. Fomos até lá para conhecermos o
produto e encontramos um tesouro. Pessoas incríveis, com trajetórias de vidas
memoráveis, que lutam diariamente para sobreviver. Engolidas por uma realidade que
até então se importava mais com o resultado do que com o processo, baseada em uma
monocultura agrícola voltada para o lucro.

Somos guardiões destas famílias e destas histórias. Somos o elo da mesa com o campo
e o mar. Estar na cozinha é só uma das formas de expressão. Não somos meros
fazedores de comida boa. As técnicas são estruturais dentro da cozinha profissional,
mas sem a História, a gastronomia se transforma em um produto simplório e estéril.

Diariamente provamos fatos físicos, químicos e biológicos dentro de uma cozinha. Não
havíamos ainda entendido nosso papel antropológico. Agora entendemos. Um(a)
cozinheiro(a), antes de mais nada é um(a) contador(a) de história. Das muitas narrativas
que envolvem a representatividade do alimento na cadeia produtiva, sendo um agente
modificador de economias locais, apresentando novas possibilidades de hábitos
alimentares de forma sustentável e responsável.

Uma nova escola


E para uma nova gastronomia, faz-se necessário uma nova escola. Cursos que
promovam amplas discussões sobre as áreas pertinentes à gastronomia. Os processos
produtivos e seus entraves, as leis e suas consequências. Precisamos transformar as
escolas de gastronomia em ambientes de profundas reflexões para promovermos
significativas revoluções. Quebrando o sistema de ensino fordista, de pensamentos
compartimentalizados.

Inserir o aluno no seu contexto social e promover possibilidades de mudança, por saber
seu futuro papel na cadeia produtiva é uma das grandes responsabilidades da educação
em gastronomia. Chega de somente alimentar o mercado com a necessidade de uma
força de trabalho especializada. O aluno e o professor precisam sair da sala de aula.
Tomar para si a responsabilidade do seu entorno, promovendo o mapeamento para
compra de produtos regionais (objetivando suas aulas práticas) e parcerias para aulas
de campo. Fazendo o aluno conhecer e valorizar a produção dos alimentos. Esta
medida, além de promover a economia local, transforma instituições de ensino em
patrocinadores de cultura alimentar. Afinal, esta responsabilidade é de todos.

Texto: Gustavo Guterman


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*Gustavo Guterman é Pós Graduado em Gestão em Segurança dos
Alimentos pelo SENAC SP, Graduado em Gastronomia no centro de
formação internacional Alain Ducasse Formation, Técnico em Cozinha pelo
SENAC RJ. Experiência no mercado profissional, em cozinhas nacionais e
internacionais, atuando como cozinheiro e chefe de cozinha em renomados
estabelecimentos do segmento de alimentação e bebidas. Atualmente atua
como coordenador de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense. Professor
nos cursos de Gastronomia e Hotelaria na citada instituição, exercendo
consultorias e palestras na área. É também autor do blog (e página)
Guterman Gastronomia, que tem por objetivo a divulgação de ideias, artigos e
noticias sobre o mundo da gastronomia.
https://gutermangastronomia.wordpress.com
https://www.facebook.com/pg/gutermangastronomia/

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