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Pressupostos macroeconómicos da reforma

estrutural do sistema tributário:


perspetivas na tributação das empresas
Gilberto Luther*

Resumo
Com o presente artigo pretende analisar-se os principais elementos
de uma futura revisão do sistema de tributação das pessoas coletivas no
âmbito da Reforma Tributária em curso em Angola. Considerando que
uma reforma duradoura e adequada depende da correta consideração das
diversas condicionantes relativas à tributação dos lucros das empresas,
é, nesta sede, efetuado um levantamento e análise das melhores práticas
internacionais a este respeito e principais critérios de decisão, assim se
recolhendo e adaptando os casos de sucesso à situação específica do país.
Não obstante a análise levada a cabo, o presente artigo pretende
ser, mais do que um ponto de chegada com soluções finais, um elemento
dinamizador das discussões a este respeito, fomentando o necessário e
enriquecedor debate que nesta fase se pretende.

1. A Reforma Tributária em curso


Angola encontra-se, atualmente, num profundo e avançado processo
de Reforma Tributária, cujos objetivos se centram na diversificação da
receita tributária e na redução da dependência relativamente à receita
petrolífera, na promoção da competitividade fiscal e na simplificação

*  Administrador da Administração Geral Tributária (AGT). Mestre em Direito.


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e modernização dos procedimentos tributários em Angola, de modo a


transformar o sistema fiscal angolano, modernizando-o e adaptando-o
à realidade atual.
De facto, tendo em conta a elevada dependência do país da receita
petrolífera, em particular no que concerne à receita tributária petrolífera,
para a construção do Orçamento Geral do Estado e para fazer face à des-
pesa do Estado no cumprimento das suas múltiplas funções, verificava-se,
em 2010, que a mesma representava a maior fonte de receitas do Estado,
representando cerca de 70% da receita tributária total, tornando, assim,
o financiamento do Estado muito permeável às flutuações dos preços
do petróleo nos mercados internacionais e às crises petrolíferas, como a
que se verificou em 2008.
De forma igualmente relevante, verificava-se uma forte concentração
das receitas tributárias não petrolíferas nas grandes empresas e, em par-
ticular, em Luanda, com um elevado número de empresas em situação
de incumprimento das suas obrigações fiscais, assim se evidenciando a
injustiça na repartição do esforço tributário entre os diversos contribuin-
tes, com a quase totalidade da receita concentrada num número muito
reduzido de contribuintes.
Por sua vez, o sistema legislativo fiscal angolano, ainda fortemente
influenciado pelo sistema fiscal pré-independência – caraterística evi-
denciada pelo facto de alguns dos diplomas mais importantes, como o
código de imposto industrial, remontarem ainda ao início da década de
70 ou até a décadas anteriores –, apresentava-se totalmente desfasado da
realidade económica, social e tecnológica do país, o que gerava diversos
constrangimentos na correta aplicação da lei, que dependia, muitas vezes,
da bondade interpretativa da Administração Tributária e dos contribuintes
para fazer aplicar, a uma determinada situação, regras fiscais pensadas
num contexto muito distinto, resultando muitas das vezes em interpre-
tações corretivas ou ab-rogantes.
A título ilustrativo do que aqui se descreve, observe-se a circunstân-
cia de o sistema fiscal angolano não ter, à data de início da Reforma,
preocupações evidentes de política fiscal internacional, nomeadamente
para alívio dos fenómenos de dupla tributação, verificados no âmbito
do investimento internacional, que adquiriram uma «acuidade crescente
depois da generalização do imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares e coletivas» (MACHADO, 2015: 119).
Por último, as carências verificadas no seio da Administração Tribu-
tária, tanto em termos de recursos humanos, como de recursos físicos e
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tecnológicos disponíveis, criavam um sério obstáculo ao desenvolvimento


das atribuições que lhe são tradicionalmente confiadas, dificultando
sobremaneira o cumprimento dos seus objetivos.
Para extinguir tais deficiências e apoiar a implementação de uma
Administração Tributária mais eficaz e eficiente, conforme definido no
Decreto Presidencial n.º 155/10, de 28 de julho, bem como nas Linhas
Gerais do Executivo para a Reforma Tributária (LGERT), foi constituído
o Projeto Executivo para a Reforma Tributária (PERT), que desenvolveu
a sua missão através da sua Unidade Técnica Executiva para a Reforma
Tributária (UTERT), a qual, por sua vez, se encontrava estruturada em
diversos domínios da Reforma, incluindo os seguintes: (i) Domínio
da Reforma da Administração Tributária, (ii) Domínio da Reforma do
Sistema Tributário, (iii) Domínio da Reforma da Justiça Tributária, (iv)
Domínio de Recrutamento e Formação Especializada, (v) Domínio das
Tecnologias de Informação e Comunicação; e (vi) Domínio da Comu-
nicação e Marketing Institucional.
Hoje, resultado deste esforço de Reforma a que assistimos, e do
qual fazemos parte, «existe um equilíbrio no peso relativo das receitas
patrimoniais e das receitas tributárias no total das receitas do Estado
angolano. Segundo os dados do Orçamento Geral do Estado para 2014,
previa-se que a receita patrimonial, proveniente quase só de rendimentos
de recursos minerais (partilha da produção de petróleo) representasse
34,5% da receita total da República Angolana, e que a receita tributária
ascendesse a 30,57% da receita total» (MACHADO, 2015: 11).

2. As diversas fases do processo de Reforma Tributária


Atendendo aos seus objetivos, anteriormente identificados, o PERT
configurou a sua missão em quatro fases distintas.
A primeira e a segunda, que decorreram, essencialmente, em 2011,
destinaram-se à revisão, a curto prazo, da legislação, com o objetivo de
aumento de receita tributária não petrolífera, de validação de medidas
a médio prazo e de lançamento das atividades no terreno, com o recru-
tamento e a formação de novos técnicos. Como principais conquistas
nestas fases, deve assinalar-se a introdução de mecanismos cirúrgicos de
fomento económico e redução de encargos fiscais – o Pacote Predial – ao
mesmo tempo que se reviram os mecanismos de cobrança de impostos
com impacto na arrecadação, destacando-se, pelo seu caráter inovador
em Angola, o Regime Simplificado de Execuções Fiscais. Ainda a este
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respeito, mas na vertente de reforço das competências humanas da Admi-


nistração Tributária, as primeiras fases de Reforma concentraram-se no
reforço dos quadros técnicos, com o objetivo de rejuvenescer e fortalecer
a espinha dorsal da Administração.
A terceira fase, desenvolvida entre 2012 e 2014, destinou-se ao forta-
lecimento da Administração Tributária, nomeadamente com o lançamento
das atividades de Expansão da Reforma por todo o país e com a realização
de inúmeras horas de formação nas diversas componentes. Do ponto de
vista legislativo, esta terceira fase ficou marcada como uma das mais
produtivas da Reforma, com a revisão de base da maioria dos impostos
vigentes no sistema fiscal angolano, assim se preparando, desde logo, a
Reforma Estrutural que se lhe segue.
Por fim, uma quarta, última e decisiva fase destinou-se à concreti-
zação e implementação da reforma estrutural de toda a legislação fiscal
atualmente vigente e à consolidação das políticas e procedimentos em
todas as Repartições Fiscais e Estâncias Aduaneiras do país, assim se
estabelecendo a posição da Administração Tributária angolana como uma
organização de referência, quer em Angola quer ao nível internacional.
Tendo em conta o andamento previsto dos trabalhos, foram já lança-
dos os estudos preliminares da Reforma Estrutural do sistema fiscal, a
qual, no que à temática aqui escolhida concerne, se concentra na análise
exaustiva das melhores práticas internacionais em matéria de tributação
do rendimento, consumo e património, procurando adequá-las à realidade
angolana.
Nesta medida, os trabalhos desenvolvidos caraterizaram-se, em pri-
meiro lugar, pela análise dos objetivos de receita a atingir para fazer
face à despesa fiscal prevista, tendo em conta os programas de desen-
volvimento social e económico, para passar, em seguida, à análise dos
principais elementos técnicos das futuras propostas de revisão do atual
sistema tributário.

3. A diversidade tributária ideal para Angola


Como ponto de partida prévio para os estudos de revisão da legis-
lação e de definição das grandes opções técnicas para o sistema fiscal
angolano, é importante atentar em considerações macroeconómicas de
previsão do crescimento da economia e de definição do peso relativo de
cada setor de tributação, no montante total de arrecadação, considerando
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a capacidade contributiva de cada setor e o impacto da tributação na


indução de comportamentos económicos dos agentes.
De facto, preenchendo o sistema fiscal funções, essencialmente, de
financiamento do Orçamento Geral do Estado, um sistema fiscal adequado
apenas poderá ser corretamente implementado se devidamente compreen-
didas as implicações macroeconómicas do mesmo e a sua contribuição
para satisfação das necessidades estatais de receita.
Olhando para a atual distribuição das receitas tributárias por tipo de
imposto – em que se constata que a tributação dos rendimentos das empre-
sas tem uma elevada importância, em contraposição com a tributação do
consumo e do rendimento das pessoas singulares – deve refletir-se sobre
qual será o caminho desejável para a evolução da diversidade de receitas.
Sendo natural a atual predominância das receitas provenientes da
tributação de pessoas coletivas – na medida em que são as entidades
mais formalizadas e em relação às quais o controlo é mais fácil – a
verdade é que a tendência internacional, incluindo nos países da mesma
geografia, se apresenta distinta, o que reflete, desde logo, um maior grau
de formalização nas respetivas jurisdições e uma maior abrangência da
base tributária, em particular no que respeita à tributação do consumo.
Por outro lado, torna-se evidente o peso que a tributação do consumo
apresenta nos demais modelos – quer em países em que se verificaram
fenómenos de rápido crescimento económico quer em países comparáveis
da região (África do Sul e Moçambique), ou nos países da OCDE –, sendo
a principal fonte de receitas tributárias, assim se libertando o rendimento
das empresas e das famílias para fomento do próprio consumo e, logo, da
própria economia. Tendo em conta a tendência apresentada, a reforma da
tributação do consumo para um eventual imposto do tipo de IVA deverá
levar em devida linha de conta as necessárias diferenciações entre os
variados tipos de consumo e, particularmente, as dificuldades inerentes
à implementação de sistemas de tributação sobre o valor acrescentado,
os quais ainda hoje levantam questões significativas em algumas das
economias mais desenvolvidas do mundo e com administrações mais
preparadas, quer do ponto de vista de recursos humanos quer do ponto
de vista de recursos físicos.
Por outro lado, haverá também que ponderar qual o equilíbrio dese-
jável entre a tributação do rendimento de pessoas coletivas e de pessoas
singulares, nomeadamente pesando os imperativos de eficiência e neces-
sidade de receita subjacentes à tributação das empresas e os de justiça
e equidade do sistema fiscal subjacentes à tributação de indivíduos. Na
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verdade, considerando que a tributação das empresas é um mero artifício


desenvolvido pelo legislador fiscal para garantir a arrecadação de receita
sem ter de aguardar pela distribuição do rendimento empresarial aos
sócios – já que poderia ser necessário esperar indefinidamente para exercer
o poder tributário – deverá ter-se em consideração se será desejável a
manutenção da atual preponderância daquela fonte de receita fiscal, ao
invés do que se passa nos países mais desenvolvidos.
Por último, deverá ainda levar-se em linha de conta o peso dos impostos
sobre o património, principalmente no caso particular de Angola, bem
como a importância dos impostos sobre a importação, em particular num
contexto de cada vez maior integração económica regional no âmbito da
SADC, com a pretensão da redução dos entraves ao comércio interna-
cional entre parceiros regionais.

4. Os motores da arrecadação de impostos sobre o rendimento


das pessoas coletivas
Definida a ambição para o crescimento da receita tributária proveniente
da tributação dos rendimentos das empresas, há, também, a considerar
as diversas variáveis que influenciam a arrecadação tributária.
Em primeiro lugar, haverá que considerar o impacto direto que o
crescimento da economia tem sobre o aumento da arrecadação. De
facto, o simples crescimento do Produto Interno Bruto tem, na sua
base, o crescimento da atividade económica – onde se inclui a atividade
empresarial –, refletindo-se no crescimento do lucro tributável global
e, logo, no aumento da receita fiscal. Contudo, deve notar-se que este
é um crescimento quase artificial, na medida em que não é um reflexo
direto das melhorias no processo fiscal, mas tão-somente o resultado do
crescimento da economia.
Como tal, qualquer avaliação do impacto decorrente das medidas
implementadas no âmbito da Reforma Tributária, quer de medidas legis-
lativas quer de medidas conducentes à melhoria da atuação da Admi-
nistração Tributária, deverá ser descontado daquilo que é o crescimento
natural da economia e que não reflete, de facto, um diferencial positivo
de arrecadação decorrente das alterações introduzidas.
Contraposto a este, temos o crescimento decorrente da formaliza-
ção da economia e da melhoria da fiscalização, que, não resultando
diretamente da revisão da legislação aplicável, resulta da melhoria dos
processos fiscais, aumentando o nível de adesão voluntária (no caso da
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formalização da economia) e coerciva (no caso da fiscalização) às normas


e regulamentos fiscais.
Já no que respeita às variações induzidas pelas alterações legislativas
a introduzir no sistema, as mesmas podem ter – e têm, por regra – um
efeito negativo sobre o crescimento da receita tributária, nomeadamente
quando estamos perante sistemas de tributação relativamente elevada.
Em qualquer caso, o sistema sempre poderá ser ajustado quanto a estas
variáveis – taxas e elementos da base tributável – para maior ou menor
aproximação dos objetivos fixados.
A este respeito ainda, diga-se que, tendo em conta os objetivos de
receita fiscal não petrolífera expectáveis para os anos vindouros, a ambição
sempre será a de reforço da arrecadação, também por via da tributação dos
rendimentos de empresas, embora se pretenda que o crescimento daqui
decorrente seja menos acentuado que o crescimento da arrecadação em
outros setores como o consumo, assim se alterando a distribuição do peso
da receita tributária não petrolífera pelos diferentes tipos de impostos.
Como tal, importa analisar, no contexto atual, as principais caraterísticas
de um sistema moderno de tributação das empresas e, em particular, a
sua adequação à política fiscal angolana definida no âmbito da reforma
de modernização, simplificação, aumento da eficiência e da eficácia e
reforço da arrecadação. Nesta medida, os aspetos fiscais a seguir analisados,
não esgotando o elenco de tópicos a abordar na definição de um sistema
fiscal deste género, deverão ser entendidos como os aspetos nucleares e
que identificam decisivamente a orientação seguida pelo legislador fiscal
angolano para evolução do seu sistema tributário.

5. As principais questões na definição de um sistema de tributa-


ção de empresas
A revisão geral de um sistema de tributação das empresas como
aquele que se encontra em estudo em Angola assenta, de acordo com
a experiência internacional recolhida, num conjunto comum de temas,
reconduzidos a 14 tópicos essenciais, que aqui se elencam:
1 – Redução da taxa nominal de imposto: a revisão da taxa é, natu-
ralmente, uma medida de alta visibilidade – desde logo pela carga psico-
lógica que a mesma acarreta – pese embora a mesma seja, na tributação
das empresas, um fator com uma importância deveras reduzida. Quer
isto dizer que o montante de imposto a pagar por um determinado con-
tribuinte é mais influenciado pelas deduções e acréscimos fixados para
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cálculo da matéria coletável, ou seja, pela base tributável, do que pela


taxa de imposto que se venha a aplicar no fim;
2 – Definição do modelo de tributação dos lucros das empresas:
está aqui em causa a opção pela tributação de base territorial ou a sua
extensão a rendimentos obtidos no estrangeiro por empresas sedeadas
no estrangeiro;
3 – Redefinição da política fiscal internacional: considerando que a
base do atual sistema fiscal angolano remonta a várias décadas atrás,
não é de espantar que o mesmo seja quase totalmente estranho a ele-
mentos de política fiscal internacional, desde logo porque, no momento
da sua conceção, tais preocupações não eram as mais importantes para
os legisladores da época;
4 – Desenvolvimento do regime de eliminação da dupla tributação
económica: como anteriormente referido, sendo o regime de tributação
de empresas um mecanismo essencialmente artificial, a posterior tri-
butação dos sócios, no momento da distribuição dos lucros, representa
uma situação de dupla tributação que ainda não está acautelada no atual
sistema fiscal;
5 – Revisão do regime de reporte de prejuízos: também essencial
para a tributação das empresas – porquanto a sua vida económica não é
repartida em ciclos anuais, como o é, por facilidade de administração, a
atividade fiscal – é a possibilidade de reportar, pelo menos para exercícios
fiscais posteriores, eventuais prejuízos ocorridos em exercícios anteriores,
assim mitigando o efeito da referida anualização dos períodos tributários;
6 – Revisão do regime de neutralidade fiscal: estando a economia
angolana em crescimento, é também expectável que se comecem a formar
grupos económicos relevantes, os quais, revestindo-se da complexidade
natural dos grandes grupos económicos, estão sujeitos às normais vicis-
situdes da vida societária, nomeadamente a fusão com outras entidades,
a entrada de novos sócios ou o destaque de ramos de atividade, apenas
para dar alguns exemplos. Na medida em que estas atividades ocorram
dentro de um mesmo grupo económico, deverá ser ponderada a possi-
bilidade de as mesmas se realizarem sem tributação de eventuais mais-
-valias latentes, uma vez que a operação teve apenas como objetivo a
«rearrumação» económica de um grupo preexistente;
7 – Revisão do regime de tributação de grupos de sociedades: não
obstante a sua introdução em Angola, com a publicação do Estatuto dos
Grandes Contribuintes, as primeiras experiências de aplicação do regime
e a sua maior disseminação por entre os contribuintes angolanos implicam
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que se dê, com esta revisão, especial atenção a este tema, nomeadamente
no sentido de o compatibilizar com a lógica do novo sistema de tributação
dos rendimentos das empresas;
8 – Revisão do regime simplificado para empresas de menor dimen-
são: considerando os objetivos inerentes à Reforma, de alargamento da
base tributável e de inclusão no sistema formal do elevado número de
empresas informais, é essencial desenvolver um regime cujas obrigações
sejam adequadas à estrutura menos complexa dos contribuintes;
9 – Concretização do regime de mais e menos-valias: não obstante
existirem já regras sobre mais e menos-valias em Angola, haverá que
densificar os regimes fiscais aplicáveis à realização deste tipo de rendi-
mentos, nomeadamente através da possibilidade do seu reinvestimento
no negócio, mantendo os ganhos no processo produtivo;
10 – Alargamento da política de preços de transferência: sobre esta
questão, deve também garantir-se que, após a sua expressa inclusão no
Estatuto dos Grandes Contribuintes, sejam levadas a cabo as alterações
e adequações necessárias e decorrentes da experiência recolhida na
aplicação do regime, de forma a efetivar o controlo de operações entre
entidades relacionadas, em particular no caso de operações entre entidades
residentes e entidades não residentes;
11 – Estudo do regime de subcapitalização: tendo em conta as possi-
bilidades de planeamento fiscal existentes em torno da utilização de juros
– nomeadamente entre entidades relacionadas, em que a concessão de
crédito pode ser facilitada por via das relações especiais existentes entre
as entidades – e a pretensão de que as empresas se capitalizem por via
de capitais próprios e não tanto por dívida, é crucial ponderar a adoção
de regimes de subcapitalização ou regimes afins, como é, aliás, regra
na grande maioria dos países com sistemas fiscais mais desenvolvidos;
12 – Simplificação dos pagamentos provisórios: atentando agora às
questões inerentes à simplificação do imposto, é crucial garantir a redução
das obrigações dos contribuintes, nomeadamente ao nível do pagamento
do imposto, sem, contudo, prejudicar a correta aplicação do mesmo ou
prejudicar a sua eficácia;
13 – Revisão do regime de retenção na fonte: numa perspetiva de
simplificação, mas também numa perspetiva de garantia de arrecadação,
é crucial desenvolver o sistema de retenções na fonte, partindo da disci-
plina contida no código do imposto industrial e estudando um eventual
alargamento da mesma e revisão das taxas de retenção;
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14 – Revisão do alcance dos benefícios fiscais ao investimento: por


último, tendo em conta a unificação do imposto, agregando rendimentos
prediais e de capitais, e a existência de benefícios fiscais ao investimento
privado, haverá que garantir que os referidos benefícios não se passem
a aplicar a outros tipos de rendimentos (nomeadamente os prediais e de
capitais) que antes não se encontravam incluídos na matéria coletável
de imposto industrial.

Passemos, então, a ver alguns destes temas com maior detalhe.


•  A redução da taxa nominal de imposto
Embora esta seja, como se disse, uma medida politicamente vistosa, a
verdade é que o seu verdadeiro impacto é muitas vezes desconsiderado,
porquanto é invisível para a maior parte dos contribuintes. De facto, para
efeitos de apuramento do encargo tributário a suportar pelo contribuinte,
que é aquilo que efetivamente tem reflexo na riqueza disponível, findo o
procedimento de pagamento de impostos, o que importa é a taxa efetiva
de imposto e não a taxa nominal de imposto. Na verdade, esta taxa – a
nominal – não considera o outro facto da operação de apuramento do
imposto a pagar: a matéria coletável.
Assim, se a taxa for muito elevada, mas a base tributável do imposto
for muito reduzida, o encargo tributário pode ser bem mais pequeno do
que aquele suportado por um contribuinte com uma taxa nominal de
imposto significativamente mais reduzida, mas com uma base tributável
mais alargada.
Embora seja evidente que a taxa nominal de imposto em Angola
é elevada (mesmo considerando já a recente revisão do código do
imposto industrial), a taxa efetiva, sendo superior à maioria dos países,
encontra-se menos desfasada, tornando-se necessário um ajuste menor
do que aquele que poderia parecer resultar da simples análise das taxas
nominais de imposto.
A dificuldade da análise reside precisamente em saber qual o ponto
ótimo para fixação da taxa, balanceando os objetivos de atração e manu-
tenção de investimento e a tributação justa dos lucros realizados em, ou
através de, Angola.
Logo, para além do efeito psicológico da determinação da taxa de
imposto a um nível – nominal – que se compare positivamente com as
taxas dos demais países da região e comparáveis, o verdadeiro desafio
do legislador angolano reside na definição de uma taxa de imposto que,
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conjugada com as regras para apuramento da matéria coletável, garanta um


equilíbrio ótimo entre a capacidade contributiva das empresas angolanas,
em particular num contexto internacional cada vez mais competitivo, e
as necessidades de arrecadação do Estado para financiamento dos seus
programas.
•  Lucros mundiais vs. territorialidade
Outra discussão muito em voga na atualidade prende-se com saber
qual o modelo de tributação que um Estado deve seguir, no que respeita
ao exercício da sua competência tributária sobre factos ocorridos fora do
território nacional. De facto, sendo ponto assente que os factos ocorridos
em território nacional são, por definição, aí tributáveis, o mesmo já não
se passa com os ocorridos no estrangeiro, quer porque os Estados adotam
uma política tributária focada nos factos ocorridos no território nacional
quer por razões de praticabilidade administrativa, que levam os Estados
a prescindir dos direitos de tributação sobre rendimentos auferidos no
estrangeiro, por serem de difícil controlo e tributação.
No fundo, esta discussão – a de tributação dos rendimentos obtidos
no estrangeiro ou limitação aos rendimentos obtidos no país – reflete a
posição de determinado país como favorecendo a neutralidade na impor-
tação de capitais ou a neutralidade na exportação de capitais.
Então, um país que favoreça a neutralidade na importação de capitais,
desenhará o seu sistema fiscal para que as suas empresas que operem
no estrangeiro fiquem, em relação a essas operações desenvolvidas no
estrangeiro, na mesma situação fiscal que as demais empresas que aí
operem (incluindo as nacionais desses países), ao passo que um país que
favoreça a neutralidade na exportação de capitais desenhará o seu sistema
fiscal para que as suas empresas, independentemente de operarem no
estrangeiro, estejam em situação fiscal comparável com aquela aplicável
a empresas que operem exclusivamente nesse país.
Tomando como exemplo uma empresa angolana que invista na África
do Sul, o sistema angolano isentará os rendimentos obtidos na África
do Sul, caso o mesmo siga o princípio da neutralidade na importação de
capitais, ao passo que tributará os rendimentos auferidos na África do Sul,
concedendo, eventualmente, um crédito de imposto pelos impostos pagos
na África do Sul, no caso de se defender o princípio da neutralidade na
exportação de capitais. No primeiro caso, a empresa angolana ficará em
situação comparável às empresas a operar na África do Sul, visto que
aqueles rendimentos não serão tributados em Angola, ao passo que, no
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segundo caso, a empresa ficará em situação comparável às das empresas


a operar em Angola, na medida em que a tributação dos rendimentos
estrangeiros em Angola (com eventual concessão do crédito de imposto)
deverá neutralizar a tributação no estrangeiro.
Como tal, um país que favoreça a neutralidade na importação de capi-
tais adotará sistemas de tributação territorial com isenção de tributação
sobre os rendimentos obtidos no estrangeiro, ao passo que um país que
favoreça a neutralidade na exportação de capitais adotará sistemas de
tributação com base no lucro mundial.
Não obstante, verifica-se, atualmente, que muitos Estados tradicional-
mente defensores do princípio da neutralidade na exportação de capitais têm
recentemente incorporado, nos seus sistemas fiscais, elementos próprios
da neutralidade na importação de capitais, como sejam as caraterísticas
de territorialidade, promovendo o país enquanto centro de investimento
no estrangeiro (veja-se os casos da Holanda e Luxemburgo, que são
considerados como grandes centros para a criação de empresas, cuja ati-
vidade é, precisamente, a gestão de negócios e empresas no estrangeiro).
Assim, embora o sistema de lucros mundiais esteja mais alinhado
com os princípios de justiça e eficiência do sistema fiscal, a introdução
de caraterísticas territoriais facilita a repatriação de dividendos, aumen-
tando a liquidez e riqueza no país, e, ao mesmo tempo, a competitividade
fiscal das empresas.
Contudo, pese embora esta distinção clássica, a verdade é que são
poucos os países que assumem uma postura purista em relação a este
tema, optando, a maioria dos países, por modelos híbridos, tentando
conjugar o melhor dos dois sistemas, na incessante busca pela perfeição.
•  Política fiscal internacional
Intimamente ligada ao tema anterior, surge a questão da política
fiscal internacional, que se reveste de extrema importância nos dias de
hoje, em que uma grande parte das relações comerciais se efetua a nível
transnacional, com a consequência de aplicação de dois ou mais regimes
fiscais, e da necessidade, por um lado, de controlo dessas operações e, por
outro, de eliminação das consequências negativas das mesmas, nomeada-
mente, no âmbito fiscal em particular, da dupla tributação internacional,
«vista como uma ameaça à eficiente afetação internacional de recursos
e ao crescimento económico internacional» e «considerada uma barreira
à livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais à escala
global» (MACHADO, 2015: 119).
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Assim, as discussões nesta matéria giram, tipicamente, em volta de


qual o método a utilizar para eliminar a dupla tributação (o método do
crédito ou o da isenção), questão esta que está relacionada com a escolha
do sistema de tributação, pois os países mais propensos a um método
de tributação pelos lucros mundiais adotam, regra geral, o método do
crédito ordinário (ou seja, o montante do crédito a conceder é limitado
ao montante de imposto que se pagaria em Angola se o rendimento fosse
apenas aqui tributado), ao passo que os países de cariz eminentemente
territorial adotam, geralmente, o método da isenção para eliminação da
dupla tributação.
Por outro lado, são também discutidos os métodos de tributação de
entidades não residentes, quer no caso em que não haja estabelecimentos
estáveis – situação em que se discute qual a melhor forma de tributar os
rendimentos obtidos à distância, no país, e se esses rendimentos devem,
sequer, ser tributados – quer no caso em que haja estabelecimentos está-
veis – situação em que a discussão se situa mais ao nível da eventual
tributação dos lucros repatriados pelo estabelecimento estável à casa
mãe, como se de dividendos se tratasse.
•  A eliminação da dupla tributação económica
Ainda na decorrência dos temas de tributação internacional, terá de
se considerar a adoção de um verdadeiro regime de eliminação da dupla
tributação económica (ou seja, aquela que acontece entre a sociedade que
distribui dividendos que já foram sujeitos a imposto sobre os lucros, e
os sócios que recebem esses dividendos, sendo tributados por eles em
sede de imposto sobre os rendimentos).
Desde logo, importa distinguir o fenómeno de dupla tributação eco-
nómica do fenómeno de dupla tributação jurídica ou internacional.
Existirá dupla tributação económica quando o mesmo rendimento for
sujeito a um mesmo imposto (ou de natureza similar) por mais do que
uma vez, ainda que as entidades tributadas sejam distintas. O exemplo
paradigmático desta situação é, como se referiu, a dupla tributação que
ocorre na tributação de dividendos, podendo a mesma ocorrer num con-
texto nacional ou num contexto internacional.
Por outro lado, existirá dupla tributação jurídica quando o mesmo
sujeito passivo for tributado mais do que uma vez, pelo mesmo rendi-
mento, através de um mesmo imposto (ou de natureza similar). O exem-
plo paradigmático desta situação é o da dupla tributação internacional,
em que um determinado rendimento é auferido no estrangeiro, sendo aí
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tributado (por regra, por via de retenção na fonte) e depois novamente


no Estado da entidade que aufere o rendimento, assumindo-se que este
tenha uma política de tributação pelos lucros mundiais, a qual, como se
referiu, é a regra.
Frisando, em particular, o tema da dupla tributação económica, importa
referir, desde já, que, se é prática habitual os países disporem de regimes
desta natureza, será já mais difícil identificar grandes tendências, visto
que os países adaptam os regimes em causa às políticas comerciais de
cada um, tornando-os, às vezes, complexos de mais.
Não obstante o método específico que se escolha, haverá, desde logo,
que analisar se o regime abrange apenas dividendos ou também mais-
-valias (como tem sido prática mais recente, sendo disso exemplos o
Reino Unido, Portugal e a África do Sul), assim eliminando arbitragens
entre formas equivalentes de remuneração dos acionistas. De facto, sendo
os regimes de eliminação da dupla tributação económica pensados para
eliminar o excesso de tributação sofrido pelos acionistas na remuneração
dos seus investimentos, um regime deste género será verdadeiramente
abrangente apenas se estiver apto a cobrir todas as formas disponíveis
para aquele efeito – remuneração dos acionistas –, podendo tal efeito ser
conseguido quer por via da distribuição de dividendos quer por via da
alienação de participações sociais, gerando mais-valias, correspondendo
a dividendos implícitos não distribuídos.
Para além da definição do âmbito do regime, é importante realizar
uma análise detalhada das condições de acesso, que não deverão ser,
particularmente no caso de Angola, tão flexíveis que dificultem em
demasia o controlo, permitindo a utilização abusiva dos regimes, nem
tão restritivas que firam de morte o regime.
•  A dedução de prejuízos fiscais
Sendo o fracionamento da atividade das empresas uma imposição
artificial, justificada com base na necessidade de controlo (o que se
entende), a verdade é que a situação líquida das empresas só pode ser
corretamente aferida pela comparação da sua situação no início da ativi-
dade e no fim da atividade, independentemente do número de exercícios
fiscais que tenham, entretanto, ocorrido, e das variações correspondentes
que tenham sido verificadas entre exercícios.
Assim, e em pura teoria, não deveriam existir quaisquer limitações à
dedução de prejuízos fiscais, quer em anos anteriores ao da verificação
PRESSUPOSTOS MACROECONÓMICOS DA REFORMA ESTRUTURAL
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO: PERSPETIVAS NA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS 133

dos prejuízos quer em anos posteriores para que a realidade económica


da empresa fosse inteiramente refletida no seu resultado fiscal.
Contudo, imperativos de praticabilidade impõem quase sempre
diversos limites. Desde logo, a primeira discussão a ter nesta sede é a
de saber se o reporte de prejuízos é admitido apenas em anos futuros
ou também em anos passados, o que implicaria «ressuscitar» a situação
fiscal desses anos passados, ajustando-a com os novos dados. Tendo
em conta que a possibilidade de abertura de anos fiscais já encerrados
implicaria uma estrutura administrativa complexa e com elevado grau
técnico, tal possibilidade é negada na maioria dos países, apenas sendo
possível em alguns dos sistemas fiscais mais desenvolvidos (veja-se o
caso dos EUA, Reino Unido e Singapura).
A segunda derivada deste problema prende-se com a determinação do
período em que se permite a dedução dos prejuízos fiscais. Para o efeito,
o legislador deve levar em conta os ciclos económicos médios em cada
país, podendo assim determinar, com maior precisão, qual o período de
tempo em que é expectável a realização de prejuízos, proibindo-se o seu
reporte a partir dessa data, também como medida de combate à fraude
e à evasão fiscal.
No caso particular de Angola, embora o regime já exista, será impor-
tante fazer uma revisão do mesmo, nomeadamente quanto ao período
de reporte dos prejuízos e quanto às demais condições acessórias, de
caráter vinculativo.
•  A neutralidade fiscal
Adicionalmente, na luta pela competitividade fiscal que hoje em dia
é uma realidade em muitos dos Estados modernos, deverá também ser
considerado um novo regime de neutralidade fiscal, através do qual as
operações de transferência de ativos que tenham associados ganhos de
capital não realizados (mais-valias latentes) não serão, após a aprovação
da revisão ao imposto industrial, tributadas em sede de imposto sobre o
rendimento das empresas, mantendo-se o valor contabilístico dos bens,
para que a referida mais-valia possa ser tributada no momento em que
seja efetivamente realizada.
A este respeito, podemos ver que a grande maioria dos países dispõe
de um regime idêntico ao existente em Angola, embora o seu âmbito de
aplicação seja, por vezes, distinto.
134 GILBERTO LUTHER

De facto, o que está na base deste regime é a pertinência de confe-


rir relevância fiscal a operações de reorganização interna que visam a
melhoria ou racionalização das estruturas societárias.
Tomando o exemplo de uma empresa de média dimensão que, ao longo
do tempo, se vai expandido, tanto em termos de atividade comercial, como
em termos de âmbito geográfico, a questão que se coloca aos gestores é
a de saber se não será mais eficiente que as atividades da empresa sejam
levadas a cabo através de estruturas separadas, por exemplo, autonomi-
zando estruturas específicas em função de espaços geográficos autónomos
ou de unidades de negócio independentes. Considerando-se, por exemplo,
porque a referida empresa desenvolveu uma nova área de negócio, que
faz sentido autonomizar essa estrutura numa nova sociedade com auto-
nomia em relação à anterior – o que pode acontecer por simples razões
de gestão ou até por razões de isolamento de riscos inerentes às diversas
atividades prosseguidas – haverá que transferir todos os elementos afetos
a esta nova área de negócio da anterior empresa para a nova empresa.
Estando em causa, entre outros, a transferência de bens que fazem parte
do ativo imobilizado da empresa inicial, e que estas operações implicam,
tradicionalmente, uma contrapartida para os sócios da sociedade cindida
(regra geral, a atribuição de participações sociais na nova sociedade),
esta operação consubstancia a realização de mais-valias (ou de menos-
-valias, conforme o caso), que apresentam relevância fiscal, sendo, por
regra, tributadas como se de quaisquer outras mais-valias se tratasse.
Contudo, estando aqui em causa uma operação de reorganização
empresarial justificada por imperativos de eficiência económica, é
comummente entendido que estas operações não devem ser consideradas
do ponto de vista fiscal, diferindo-se a tributação para um futuro evento
de alienação dos ativos em causa.
Assim sendo, este regime não se apresenta como um regime de
benefício fiscal típico consubstanciado em isenção de tributação, mas
mais propriamente como um regime de diferimento de tributação para
o momento em que o ativo seja efetivamente transmitido para fora do
grupo económico relevante.
Importa também levar em consideração, na estruturação de um regime
deste tipo, que o diferimento da tributação anteriormente referido apenas
deverá ocorrer se se mantiverem os valores contabilísticos dos referidos
bens nas novas empresas. Ou seja, de modo a que o Estado mantenha os
direitos de tributação – novamente se refere que este não é um regime
de isenção, mas apenas de diferimento da tributação – os bens do ativo
PRESSUPOSTOS MACROECONÓMICOS DA REFORMA ESTRUTURAL
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO: PERSPETIVAS NA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS 135

imobilizado deverão manter, na nova empresa, o valor contabilístico


que tinham na anterior empresa. E isto porque, estando aqui em causa a
tributação de mais-valias, as quais são calculadas com base no valor con-
tabilístico dos bens, a atualização do seu valor poderia levar à ocultação
da mais-valia entretanto criada, assim se perdendo irremediavelmente os
direitos de tributação do Estado sobre essa mais-valia.
Por último, deverá ser estudada a abrangência do regime. Em regra,
o mesmo, importando o diferimento da tributação, apenas se aplica à
tributação de mais-valias em sede de imposto sobre o rendimento das
empresas, e não à isenção de todos os demais impostos potencialmente
aplicáveis (por exemplo, impostos sobre o consumo, sobre o património,
ou sobre atos específicos).
•  Simplificação das obrigações para microempresas
Quando comparado com outros países – quer da região quer de referên-
cia internacional – Angola apresenta ainda, como sabemos, uma elevada
taxa de informalidade, ou seja, de atividade económica que se situa fora
do setor formal do país e, logo, do controlo da Administração Tributária.
Pese embora estejamos a falar de pequenos negócios e de pequenos
comerciantes, a verdade é que o número de empresários informais jus-
tifica a adoção de medidas específicas para, por um lado, captar valor
fiscal perdido na informalidade e, por outro, tornar a economia mais
transparente, mais competitiva e mais acessível a todos.
Neste sentido, foram já dados alguns passos pelo legislador angolano,
que, para além do regime específico para pequenas empresas previsto no
código do imposto industrial, ainda que desfasado da realidade atual, veio
recentemente introduzir a Lei das Médias, Pequenas e Microempresas,
que simplifica muito as obrigações fiscais destes contribuintes, facilitando
a sua inclusão no sistema e, paralelamente, prevendo variadas isenções
ou reduções de tributação a esses mesmos contribuintes, como forma
de os atrair para o sistema formal, sem que dessa adesão resultem con-
sequências penalizadoras ao nível das contribuições devidas ao Estado.
No âmbito da reforma estrutural do sistema de tributação das empresas,
o que está em cima da mesa é, precisamente, a articulação do regime
geral de imposto com estes regimes especiais de tributação de pequenas
entidades.
De facto, demonstra a experiência internacional que os Estados ado-
tam, regra geral, uma de três configurações:
136 GILBERTO LUTHER

  (i) Os Estados mais desenvolvidos adotam, geralmente, um regime


geral tendencialmente único, aplicável a todas as empresas, assumindo
que o nível de desenvolvimento é de tal ordem que qualquer empresa
consegue cumprir com os requisitos exigidos nesse regime (veja-se o
caso dos EUA, do Reino Unido e de Singapura);
 (ii) Por outro lado, a maioria dos países, reconhecendo diferenças
no seu tecido empresarial que justificam a adoção de regimes de redu-
zida complexidade, têm adotado um regime alternativo – um regime
simplificado – para as empresas de menor dimensão, em que se mitigam
as exigências ao nível contabilístico, facilitando, assim, o processo de
apuramento e pagamento dos impostos (veja-se o caso de Portugal, Brasil
e Nigéria);
(iii) Por sua vez, alguns destes Estados referidos anteriormente ado-
tam ainda um terceiro nível de regulamentação aplicável ao setor mais
informal da atividade económica (regra geral com reduzida literacia),
o qual se afasta das exigências contabilísticas tradicionais, assentando,
a maior parte das vezes, no pagamento de montantes de imposto fixo,
consoante o tipo de atividade desenvolvida (veja-se os casos do Brasil,
Moçambique, África do Sul e Gana).
•  Limites à dedutibilidade de juros
No que respeita às regras sobre dedutibilidade ou não dedutibilidade
de juros, as autoridades fiscais dos diversos países têm-se debatido com
um problema existencial: o de que os juros, sendo normalmente consi-
derados como um custo dedutível na esfera da entidade que procede ao
seu pagamento, têm sido utilizados como meio de planeamento fiscal,
nomeadamente em situações em que a entidade financiadora se localiza
em zonas de tributação privilegiada, ou se encontra isenta de imposto,
ou consegue deduzir esses juros recebidos contra eventuais prejuízos
fiscais acumulados, assim se gerando situações de «dupla não tributação».
Por outro lado, a crise financeira mundial, sentida a partir de 2008,
tornou evidentes as fragilidades de uma economia fortemente baseada
em financiamento de terceiros – através de dívidas – por oposição a uma
economia financiada com base em capitais próprios.
Tendo isto em consideração, a questão que se coloca, no âmbito da
reforma estrutural, é precisamente a de saber que modelo fiscal é o mais
adequado, no caso de Angola, para proteger o país de tais consequências
negativas.
PRESSUPOSTOS MACROECONÓMICOS DA REFORMA ESTRUTURAL
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO: PERSPETIVAS NA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS 137

A tendência mundial tem sido a de introdução de regimes de subcapi-


talização, que são, no fundo, normas antiabuso, que excluem a dedutibi-
lidade de juros incorridos com uma entidade relacionada, quando sejam
ultrapassados determinados rácios de dívida/capital, que tentam espelhar
o nível de endividamento que seria viável se o mesmo fosse contraído
junto de uma entidade com a qual não existem relações especiais.
Mais recentemente, em resultado da crise financeira sentida a nível
global, vários países abandonaram a lógica da limitação à dedutibilidade de
juros como norma antiabuso, passando a adotar uma lógica de promoção
do financiamento com recurso a capitais próprios. Para o efeito, foram
introduzidas, principalmente nos países europeus, regras destinadas a
evitar a dedutibilidade de juros em excesso dos critérios utilizados na lei
(os critérios utilizados atualmente são uma percentagem do EBITDA ou
um montante fixo de juros dedutíveis). Sendo esta também uma possibi-
lidade, não deixa de ser anacrónico que estes regimes, por terem limites
muito elevados, sejam praticamente inócuos para pequenas empresas que,
por via da sua reduzida dimensão, deixam de ter, na prática, quaisquer
limites ao seu endividamento.
•  Simplificação das obrigações dos contribuintes
Por último, há que abordar um aspeto essencial de qualquer sistema
fiscal, que, não respeitando diretamente à tributação, tem idêntico
impacto nos contribuintes, sendo, aliás, um dos fatores muito utilizados
por diversas entidades para medir o nível de atratividade de um sistema
fiscal: a simplificação das obrigações. A este respeito, e como sublinhado
pelo Banco Mundial no seu relatório Doing Business para 2014, Angola
encontra-se ainda bastante abaixo no ranking de países mais favoráveis
ao desenvolvimento de atividades económicas, principalmente no que
respeita à rubrica «pagamento de impostos».
O facto de uma empresa ter de proceder a múltiplos pagamentos de
impostos durante o ano e ter, ainda, de o fazer, em regra, presencialmente,
na Repartição, através do preenchimento da Declaração de Liquidação de
Impostos e do correspondente Documento de Arrecadação de Receitas,
colocam Angola numa posição indesejável e que urge melhorar.
É por isso que, para além do já lançado, em modo experimental, Portal
do Contribuinte, e que já conta com alguns pagamentos efetuados por
essa via, deverá ser considerada a necessidade de redução dos encargos
administrativos que impendem sobre os contribuintes, facilitando, assim,
138 GILBERTO LUTHER

também, a tradicionalmente difícil relação entre contribuintes e Admi-


nistração Tributária.

6. Conclusões
Não obstante os elementos aqui apresentados não serem estanques,
devendo ser devidamente ponderados, quer quanto à sua oportunidade
quer quanto à sua adequação à realidade angolana, assim se avaliando as
corretas opções para o desenvolvimento da economia angolana, estas são
algumas das considerações que quisemos trazer à discussão, esperando
ter salientado a extrema importância de uma reforma estrutural do sis-
tema tributário angolano, de modo a podermos acompanhar o progresso
mundial e podermos desenvolver e diversificar a nossa economia da
forma mais produtiva possível, para bem da nossa nação e de todos os
cidadãos, na direção de uma Angola cada vez mais transparente, mais
justa e economicamente mais estável.

Bibliografia
MACHADO, Jónatas E. M., COSTA, Paulo Nogueira da, e MACAIA, Osvaldo – Direito
Fiscal Angolano – segundo a Reforma de 2014, Coimbra Editora, Coimbra, 2015.
PROJECTO EXECUTIVO PARA A REFORMA TRIBUTÁRIA – Legislação elementar,
2.ª edição, Casa das Ideias – Divisão Editorial, Luanda, 2014.
SALDANHA SANCHES, J. L., e TABORDA DA GAMA, João – Manual de Direito
Fiscal Angolano, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, Coimbra, 2010.
XAVIER, Alberto – Direito Tributário Internacional, 2.ª edição atualizada, Almedina,
Coimbra, 2011.

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