Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Editorial .......................................................................................................................... 8
Direito Ambiental Global....................................................................................................................... 8
Priscila Pereira de Andrade
Direito Global: Uma teoria adequada para se pensar o direito ambiental? ................10
Arnaud Van Waeyenberge
“Complex is beautiful”: What role for the 2015 Paris Agreement in making the
Effective Links within the Climate Regime Complex?.................................................21
Sandrine Maljean-Dubois e Matthieu Wemaëre
El soft law como fuente del derecho internacional: reflexiones desde la teoría de
la complejidad................................................................................................................244
Rafael Sanz e André Folloni
O civilizador gentil das Américas: considerações em torno da obra The Hidden His-
tory of International Law in the Americas: Empire and Legal Networks, de Juan Pablo
Scarfi..............................................................................................................................278
Cicero Krupp da Luz
Resumo
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
actors in parallel with the hybrid action between public de geração de riqueza.
and private, the methodology is used of DAG for the
Como alternativa temos o desenvolvimento de uma
improvement of such governance. This challenge can
modalidade de produção energética que resultaria em
be overcome or at least improved through the creation
baixas emissões de GEE, igual ou próximo a zero, de-
of new trans-governmental institutions capable of ga-
nominada energia renovável. Tal modalidade já exis-
thering environmental concerns, supporting investment
te, contudo, é bastante incipiente e obstaculizada por
in the energy sector, and technological transfer and re-
barreiras econômicas, tecnológicas e pelo forte lobby da
gulatory approximation. In this sense, the formulation
poderosa indústria tradicionalmente estabelecida: a de
of environmental public policies effectively goes throu-
combustíveis fósseis.
gh the strengthening of participatory democracy throu-
gh organized civil society and judicial control, passing Dessa indústria, duas organizações fortes dificultam
an important precedent that is the Urgenda Case in the a promoção de energias renováveis: a Organização dos
Netherlands. Produtores de Petróleo – OPEP e a Agência Interna-
cional de Energia (IEA em inglês), sendo a última uma
Keywords: Global Administrative Law; Public policy;
espécie de clube dos países ricos que dificultam, subs-
Global warming; International Public Law; Global go-
tancialmente, a promoção de energias renováveis.
vernance; New institutions; Energy sector; organized
civil society; Participatory democracy; Jurisdictional Dessa forma, o Direito Internacional Público mos-
control. trou-se insuficiente por meio do multilateralismo no
comércio internacional em conseguir desenvolver o
comércio de energias renováveis, pois dependia, dire-
tamente, da atuação individual dos Estados para que
1. Introdução utilizassem mecanismos legais e regulatórios para que
viabilizassem esse nicho mercadológico.
A metodologia empregada pelo Direito Administra-
tivo Global (DAG) pode ser aplicada para o controle e Assim, busca-se estabelecer uma governança glo-
efetividade das políticas ambientais globais. Tendo em bal de energias renováveis, mas que se encontra, ain-
da, bastante fragmentada. Tal fragmentação poderia ser
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
juntamente às Organizações Internacionais, os únicos tem por característica a cooperação entre entidades de
sujeitos de direito, capazes de atuar, formalmente, no aparatos diferenciados, mas não a estrutura fechada da
direito internacional. Todavia, observa-se uma necessi- organização jurídica dos Estados soberanos, regendo-se
dade de revisão dessas possibilidades, sobretudo diante por deliberações de outros organismos internacionais.
de desafios transnacionais, em que as fronteiras entre o
Em relação à atuação dessas diversas instâncias eco-
internacional e o nacional já não existem mais. Sendo
nômicas e sociais internacionais, é possível delimitar
necessária uma coordenação multinível e complexa en-
cinco fontes de DAG: 1) Administração formada por
tre o internacional, regional e nacional.
organizações internacionais formais (mediante trata-
O DAG parte da noção de governança global opera- dos-base dos organismos internacionais); 2) As redes
da por mecanismos de regulação que se dão nos diver- intergovernamentais informais de funcionários da re-
sos espaços nacionais, transnacionais e internacionais, gulação doméstica oficial; 3) As autoridades domésticas
de forma a gerar uma atividade reguladora transgover- que executam no âmbito interno dos governos a regu-
namental. Tem-se, nessa perspectiva, o acolhimento lação global do regime dos tratados, dos acordos de re-
internacional de diversos padrões regulatórios que, na conhecimento mútuo ou standards cooperativos; 4) A
medida em que vão sendo adotados por diversos paí- Administração por via de acordos intergovernamentais
ses, cria o ambiente propício para a formação de uma emanados dos novos atores dos regimes transnacionais
dimensão global da atuação administrativa. O conjunto híbridos (público-privado); 5) A Administração de ins-
de fatores descritos acima é denominado espaço admi- tituições privadas com funções reguladoras (os atores
nistrativo global. puramente privados)2.
Alguns atributos que condicionam a formação do O que temos, por conseguinte, para a construção de
DAG alicerçado num espaço administrativo global são: uma conceituação do DAG, é a percepção dos estudio-
a) o declínio da estrita dicotomia entre o direito interno sos da área de que a realidade das relações quer entre
e o internacional; b) realização de funções administra- pessoas, quer entre instituições, no contexto internacio-
tivas com base em diversas interações complexas entre nal, atingiu tal grau de integração e complexidade e tal
representantes dos governos e instituições não governa- amplitude de trocas e intercâmbios desde o fenômeno
1 KRISCH, Nico; KINGSBURY, Benedict. Introdução: gov- 2 KRISCH, Nico; KINGSBURY, Benedict. Introdução: gov-
ernança global e direito administrativo global. RDA – Revista de ernança global e direito administrativo global. RDA – Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 261, p. 13- 32, 2012. p. 15. Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 261, p. 13- 32, 2012. p. 15.
124
lacionados pelos interesses globalizados, seara do Di- ao longo dos anos, principalmente na clássica normati-
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
reito Internacional clássico. Nessa linha de intelecção, zação comando controle.
percebe-se que essas citadas esferas tradicionais já não
Desse modo, em razão da ínfima legislação do direi-
conseguem responder, efetivamente, à enorme dimen-
to internacional público, a respeito das energias reno-
são das relações globalizadas.
váveis como instrumento de combate à diminuição de
A metodologia do DAG traz a possibilidade de uma emissões de gases de efeito estufa e a sua difícil discus-
regulação para o setor energético, com maior flexibi- são no âmbito multilateral, surge a Agência Internacio-
lidade e formas inovadoras de controle social com a nal de Energias Renováveis.
participação direta ou indireta dos Estados. Podem ser
incluídos instrumentos econômicos, de persuasão, de 3.1. A criação da Agência Internacional de
autorregulação e de corregulação. Vale ressaltar que o Energias Renováveis – IRENA
papel do Estado e da legislação nacional não é dispen-
sável, no sentido que ela continuará sendo aplicada, mas Com a dificuldade em articular a negociação do
dentro da cadeia regulatória que vai além do nacional tema “energias renováveis” no âmbito das Conferências
com efeitos no regional e até mesmo no global. Nessa das Partes, bem como por meio da Agência Interna-
perspectiva, deve ser apresentado o cenário de gover- cional de Energia (do inglês IEA), durante a Rio+10
nança de energia renováveis que se encontra bastante em Johanesburgo, alguns países passaram a debater a
fragmentado, mas passível de tratamento na perspectiva possibilidade de se criar uma nova instituição. Criou-
dessas redes e conexões do DAG. -se uma coalizão liderada pela Alemanha, que fundou
a Coalizão de Energias Renováveis de Johanesburgo
(JREC em inglês), que tinha como escopo a promoção
3. A Fragmentação da governança global internacional em energia renovável. Essa coalizão resul-
tou na Conferência de Energias Renováveis de Bonn, na
de energias renováveis
Alemanha no ano de 2004, gerando uma série de outras
conferências, tais como de Pequim (2005), Washington
A construção do Direito Internacional Ambiental
(2008) e Déli (2010)7.
pouco avançou em direção às Energias Renováveis,
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
Agência internacional de energia renovável (IRENA) gética, podendo os países livremente promover acordos
possui, em sua visão e como missão, dar suporte aos entre si, contando com o auxílio e expertise de orga-
países para a transição para as energias renováveis, por nizações internacionais e instituições financeiras, assim
meio de uma cooperação tanto em nível global, como como o auxílio para parcerias público-privadas13.
regional e nacional, no decurso de transferência tecno-
Apesar dos esforços, tem-se pouca informação a
lógica e no aconselhamento em relação a financiamen-
respeito dos resultados efetivos de tal tal parceria, pois
to10. Todavia, isto não seria operacionalizado diretamen-
a última e única notícia foi um memorando de 2008
te, sendo importante a participação do setor privado e
saindo de Bruxelas, capital da UE, com um anúncio de
da sociedade civil organizada, mas sem efetivamente
uma contribuição inicial de 400 mil Euros, mas oficial-
demonstrar a forma de participação e a capacidade em
mente14 não se tem mais nenhuma informação sobre
influenciar as decisões tomadas pelos membros11.
reuniões anuais efetivas entre os membros, conforme
Não obstante, ainda não se sabe até que ponto a previsto, e se outros países aderiram à parceria.
nova instituição será capaz de influenciar o desenvol-
Deve ser salientado que a IPEEC surgiu dentro da
vimento das energias renováveis em nível global, tendo
estrutura da Agência Internacional de Energia, que con-
como pontos positivos os diversos documentos dispo-
ta, apenas, com membros da OCDE, ou seja, do fe-
níveis gratuitamente em seu portal a respeito do merca-
chado clube dos países ricos. Mas, talvez, ainda exista
do como um todo, da mesma maneira que a capacidade
a possibilidade de realização de um acordo por meio
em compilar informações do seu desenvolvimento pelo
da IRENA, principalmente a respeito de financiamen-
mundo, como a retração do mercado de combustíveis
to, compartilhamento de desenvolvimento tecnológi-
fósseis, geração de emprego na área, conquanto, é difí-
cos, flexibilização da propriedade intelectual em uma
cil aferir o nível de efetividade das políticas ambientais
perspectiva mais uníssona e não tão fragmentada e in-
globais por meio dessa nova agência que ainda procura
dividualista. Todavia, novas parcerias e ações de cola-
o seu espaço. Todavia, outras alternativas acabam sur-
boração para fortalecimento da governança energética
gindo como a International Partnership of Energy Efficiency
somente serão possíveis a partir do apoio de Estados
Cooperation – (IPEEC).
desenvolvidos e do comprometimento com acordos
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
seu impacto nas políticas públicas ambientais no âmbito cessidades de redução de gases de efeito estufa, fazendo
interno? Uma política voltada para o mercado interno levantamento da eficiência energética por meio de polí-
prejudicará ainda mais a esparsa governança global? Ou ticas públicas estaduais e municipais19. Em seguida, ela-
colaborará para uma maior transferência tecnológica, bora relatório com um roteiro sobre os dados de ganho
aproximação regulatória, boas práticas de governança e de produção energética por fontes de energia limpa e
expansão do financiamento do âmbito nacional para o redução de emissões antrópicas20.
global?
Destarte, é difícil mensurar de que forma a políti-
No âmbito externo, poderá haver um esfriamento ca local dialoga com o Direito Administrativo Global,
para a formação de um novo Protocolo substituindo o mas é notório que existem bastante incentivos fiscais e
de Kyoto, que até então o Acordo de Paris tinha poten- econômicos tanto pela União21e também pelos Estados
cial para tal, ainda assim, o primeiro nunca foi ratificado para a transição para uma energia limpa e eficiente, o
pelos EUA e, da mesma forma, conseguiu entrar em que nos leva a uma reflexão de que forma uma auto-
vigor. Por outro lado, o próprio Acordo de Paris não nomia energética local poderá colaborar, de forma su-
trata, diretamente, de Energias Renováveis15. plementar, aos padrões regulatórios regionais e globais.
Internamente, é difícil mensurar o impacto da renún-
cia, considerando-se que os estados norte-americanos
são bastante autônomos em relação ao poder central 4. Instrumentos para o enfrentamento dos
e é um dos setores econômicos que mais crescem no desafios para a efetividade da governança
país1617. Para se ter uma ideia, o investimento em desen-
global de energias renováveis
volvimento tecnológico tem colhido frutos, com a que-
da dos custos de produção, o setor de energia renovável
A mitigação de mudanças climáticas e as políticas
nos EUA gera em torno de 2,2 milhões de empregos se
públicas para o desenvolvimento de energias renováveis
levar em consideração toda a cadeia produtiva, apenas,
estão intrinsecamente interligadas e, apesar do cresci-
em 2015, gerou cerca de 769 mil empregos, mais que as
mento nos últimos anos, a indústria ainda é incipiente,
gigantes do mercado daquele país tais como Exxon e
possuindo diversos gargalos com características ineren-
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
da União Europeia, possuem mercados privatizados por meio de múltiplas facetas de participação27, via ins-
devido à política de liberalização ocorrida nas últimas trumentos de democracia participativa.
décadas23.
Isto é, o ambiente clássico do Direito Internacional
Apesar disso, algumas medidas necessitam ser toma- Público passa a ter o ingresso de novos elementos para
das para que haja um real avanço em direção às energias a formulação de normas cogentes, oferecendo maior
renováveis. Iniciativas nacionais podem apoiar tal estra- transparência e legitimidade em relação à elaboração de
tégia com início em reformas legislativas, regulatórias e normas e procedimentos de tomadas de decisões pelos
governamentais no sentido de trazer maior efetividade organismos internacionais, preenchendo as lacunas da
para políticas de desenvolvimento e uso de tais recur- regulação a nível global28.
sos. Não existe uma fórmula única, tendo em vista as
A participação pode ser considerada um elemen-
características de cada país, mas é possível afirmar que
to de boa governança e fortalecimento das estruturas
os mercados por si só são incapazes de fazê-lo24.
democráticas29, um exemplo de regulação jurídica com
A julgar pelas características afetas a cada país, al- direito a participação da sociedade civil organizada que
guns padrões podem ser alcançados, são eles: acabar oferece espaço para formulação de políticas públicas
com incentivos da indústria que utilizam combustíveis ambientais é a Convenção Aarhus30.
fósseis, fomentar a pesquisa e o desenvolvimento para
criação de propriedade intelectual para uma transição 4.1. A Convenção Aarhus
para um mercado de energias renováveis, com eficiência
energética focada em política energética25. A Convenção Aarhus é um novo tipo de Convenção
É possível admitir que não existe um elo entre as Ambiental, reunindo direitos ambientais e proteção de
políticas ambientais e a consequente estruturação de direitos humanos, reconhecendo a obrigação de garan-
energias renováveis, pode-se reconhecer que a principal tia de recursos para as presentes e futuras gerações. Para
causa seja a fragmentação da Governança Global Ener- isso, estabelece que desenvolvimento sustentável deve
gética, bem como a existência de multistakeholders para ser alcançado com o envolvimento de todas as partes,
com o desenvolvimento sustentável no âmbito global, interligando governos, prestação de contas (accountabili-
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
namarca, como um tratado da Comissão Econômica mento chave de participação do público ocorreu na
das Nações Unidas Para a Europa (United Nations Eco- Holanda, a despeito do Estado Holandês não obedecer
nomic Commission for Europe – UNECE32). Sendo assim, às metas de redução de emissões de gases de efeito estu-
esse instrumento jurídico pode ser invocado pela socie- fa estabelecidos pelo Protocolo de Quioto, motivo pelo
dade civil organizada caso envolva questões ambientais qual cidadãos holandeses, representados pela Fundação
no âmbito da União Europeia. Urgenda, ingressaram com medida judicial em desfavor
do Estado Holandês para que tais metas fossem aten-
Tal procedimento se deu pela série de diretivas eu-
didas36.
ropeias a respeito do assunto, que culminaram em um
tratado para garantir maior robustez jurídica da temática
no contexto europeu, do mesmo modo que se abriu a 4.2. O Caso Urgenda
possibilidade de desdobrar aos não membros desde que
seja membro das Nações Unidas33. O controle jurisdicional é uma ferramenta eficaz
para arrefecer as tomadas de decisões a respeito de po-
O contexto da convenção que apresenta instrumen-
líticas públicas ambientais em que não se utilizou ou foi
tos de democracia participativa está diretamente relacio-
ignorado os instrumentos de democracia participativa.
nado com três pilares, são eles: 1) Acesso a Informação;
Nesse diapasão, quando o Estado é negligente para com
2) Participação Pública nas Tomadas de Decisões; 3)
os seus próprios compromissos ambientais assumidos,
Acesso à Justiça34.
seja por meio de normas vinculativas ou não, poderá o
Desse modo, em relação à metodologia do Direito cidadão individualmente, ou pela sociedade civil organi-
Administrativo Global, deve-se partir da utilização de zada, utilizar o controle jurisdicional para que consiga
elementos tradicionais do Direito Internacional Públi- demonstrar ao seu Estado a importância de tais com-
co, associados a elementos novos, como as múltiplas promissos.
facetas de participação do público para a formulação
Dessa forma, a Fundação Urgenda, representada
de regulação ambiental35. Isto demonstra a mudança de
por 900 cidadãos holandeses, ingressou com ação em
paradigma do contexto global das tomadas de decisões
desfavor do governo holandês após as tentativas infru-
a respeito de políticas públicas ambientais.
tíferas pelas vias administrativas por meio da troca de
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
de Quioto, estabeleceu como meta de redução dos gases volvidos fazerem um esforço extra para criarem políticas
de efeito estufa em 17%. Ficando, portanto, com uma de redução de GEE a fim de garantir um ambiente ade-
meta inferior à estabelecida internacionalmente pela quado para a presente e futura gerações, bem como dos
UNFCCC aos países desenvolvidos39. Esse descumpri- princípios análogos insculpidos no parágrafo 2 do artigo
mento por parte do governo holandês corroborou para 193 do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
o ingresso da ação coletiva.
Em relação à proporção de emissões de GEE, a
Em síntese, a discussão jurídica versava acerca da corte alegou que todas as emissões contribuem para o
violação dos direitos humanos previstos nos artigos 2º aumento de concentração de CO2 e não importa se é
e 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos; do somente um país, pequeno ou grande, reforçando que a
dever de cuidar, previsto no Código Civil Holandês; e Holanda pertence ao Anexo I e deverá tomar medidas
do Princípio de Não Cometer Dano previsto no art. 21 preventivas nessa direção. Ademais, o custo efetivo para
da Constituição da Holanda, assim como o disposto no atingir a meta de redução de emissão entre 25-40% não
UNFCCC e Protocolos associados. Também mencio- é impossível, tampouco inaceitável.
naram de maneira indireta a Convenção Aarhus, sem
Em relação à separação de poderes, o tribunal decidiu
utilizá-lo na fundamentação jurídica da petição40. Já o
que, quando o poder executivo comete uma ilegalidade,
governo holandês alegou a falta de interesse de agir da
cabe ao poder judiciário rever os atos judicialmente, a fim
Urgenda, por não possuírem legitimidade para repre-
de manter um equilíbrio entre os três poderes. Com base
sentar os cidadãos de outros países, além do argumento
nisso, a corte não deve regulamentar de que forma serão
da interferência indevida no poder discricionário e na
implantadas as medidas de redução de GEE, mas apenas
divisão dos três poderes, questionando, inclusive, a falta
que devem atingir a meta mínima de 25%, pois cabe ao
de força vinculativa das metas de redução estipuladas
poder judiciário exigir tão somente a aplicação da lei41.
em acordos climáticos.
Sendo assim, foi estabelecido um importante prece-
As alegações do governo holandês não foram re-
dente na Holanda, quando ingressaram com uma ação
cebidas. Inclusive, as relacionadas à impossibilidade de
coletiva por meio da Fundação Urgenda, propagando
Urgenda poder representar cidadãos de outros países
para outras ações da mesma natureza pela Europa, tais
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
moção, não por ser um ramo jurídico, mas baseadas em de decisões são centralizadas, ficando toda a proteção
entidades híbridas entre público-privadas e até mesmo jurídica ao jugo de vontades políticas momentâneas.
as privadas podem ser capazes de associar as entidades
Com o advento da participação do público quando da
no estabelecimento de uma real governança das ener-
elaboração de normas ambientais, fomentadas pela Con-
gias renováveis.
venção Aarhus, por possibilitar e dar voz, ou a menos
Por conseguinte, a “fragmentação” das energias re- conhecimento, sobre as tomadas de decisões em assuntos
nováveis deu-se pelo isolamento nas negociações mul- ambientais, dando capacidade ao cidadão, organizado ou
tilaterais nas Conferências das Partes sobre o Clima, não, a participar nas tomadas de decisões. Apesar disso, é
tendo em vista que a negociação por via diplomática um instrumento que precisa de ajustes, porquanto é um
torna demasiadamente difícil a criação de instrumentos Tratado criado dentro do contexto da UE.
jurídicos com efeitos vinculados. Dessa maneira, órgãos
Ainda assim, poderá ser um padrão regulatório a ser
intergovernamentais como a IRENA podem colaborar
seguido tanto pelos países individualmente como por
para uma voz uníssona em meio a interesses dissonan-
entes privados quando da criação de suas normas pri-
tes individualistas.
vadas, tal panorama é o desenvolvimento do método
Ainda não é possível obter muitas previsões relativas do Direito Administrativo Global dentro das políticas
à retirada dos EUA do Acordo de Paris, mas tem cum- públicas ambientais, influenciando o padrão regulatório
prido com sua palavra em afirmar que criaria regras pró- de energias e desenvolvendo uma governança global de
prias relativas à mitigação de mudanças climáticas, com energias renováveis.
arcabouço jurídico que se expandiu para entes federa-
Enfim, um eficiente canal do cidadão para com o
tivos que, dificilmente, terão efeitos retroativos nesse
Estado é o controle jurisdicional, como o Caso Urgen-
sentido. Talvez a estratégia seja desenvolver os próprios
da, vai obrigar os Estados a respeitarem mais os pró-
mercados para, posteriormente, utilizar da propriedade
prios acordos, sem torná-los meras normas programáti-
intelectual adquirida pelo desenvolvimento tecnológi-
cas a serem cumpridos em um futuro que nunca chega,
co conquistado pelo setor energético, por conseguinte
enquanto o aquecimento global não dilata o prazo para
adquirindo vultosos royalties com a propriedade inte-
suas consequências nefastas.
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
energy-revolution-is-upon-us>, acesso em 18/06/2017. 17/09/2017.
Clean Power Generates American Jobs and Business MENDES, Joana. Administrative Law Beyond the Sta-
Competitiveness, disponível em <https://www.bsr. te: Participation at the Intersection of Legal Systems In:
org/en/our-insights/blog-view/clean-power-gene- CHITI, Edoardo; MATTARELLA, Bernardo Giorgio
rates-american-jobs-and-business-competitiveness>, (ed). Global Administrative Law and EU Administrati-
acesso em 18/06/2017. ve Law New York: Springer, 2011.
DANWITZ, Thomas Von. Regulation and Liberaliza- Letter to the Government, disponível em <http://
tion of the European Electricity Market - A German www.urgenda.nl/documents/Staat-der-NL-Engels1.
Market View. The Energy Law Journal. pdf>, acesso em 02/10/2017.
Final Draft Translation. Summons in the Case: Urgenda Office of Energy Efficiency & Renewable Energy, di-
Foundation v. Kingdom of the Netherlands, Regarding sponível em <https://energy.gov/eere/office-energy-
the failure of the Dutch State to take sufficient actions efficiency-renewable-energy>, acesso em 17/09/2017.
to prevent dangerous climate change (Version 25 of
PATTERBERG, Phillip; Widerberg. Transational mul-
june 2014).
tisakeholder partnerships for sustainable development:
GRAAF. Thijs Van. Fragmentation in Global Energy Conditions for success. The Royal Swedish Academy of
Governance: Explaining the Creation of Irena. Global Sciences. Published online: 23 july 2015.
Governmental Politics 13:3, August 2013, by the Mas-
Protocolo de Quioto à Convenção Sobre Mudança do
sachusetts Institute of Technology.
Clima. Editado e traduzido pelo Ministério de Ciência
GUNNINHAN, Neil. Confronting Challenge of Ener- e Tecnologia com o apoio do Ministério das Relações
gy Governance. Transnational Environmental Law, volu- Exteriores da República Federativa do Brasil.
me 01, 1, pp 119-135 doi:10.1017/S2047102511000124.
Renewable energy generation in the US dramatically
How EU action could save Earth from climate disaster: exceeds 2012 predictions. <https://arstechnica.com/
Roger Cox at TEDxFlanders, disponível em <https:// science/2017/05/renewable-energy-generation-in-the-
www.youtube.com/watch?v=Ofzi2Lfje7U>, acesso em us-dramatically-exceeds-2012-predictions/ >, acesso
SILVA, Alice Rocha da; AZEVEDO, Othon Pantoja Oliveira de. O desafio do estabelecimento da governança energética com base no modelo do Direito Administrativo Global: estudo de caso das
rope - UNECE. Convenção Sobre o Acesso a Infor- second edition, 2014, p. 15.
mação, a Participação do Público no Processo de To-
Urgenda, disponível em <http://www.urgenda.nl/en/
mada de Decisões e o Acesso à Justiça no Domínio do
climate-case/>, acesso em 01/10/2017.
Ambiente. Aarhus, Dinamarca, 25 de junho de 1998.
VARELLA. Marcelo Dias. Direito Internacional
UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION
Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003,
FOR EUROPE Convention on Access to Information,
pp. 22-28.
Public Participation in Decision-making and Access to
133
Para publicar na Revista de Direito Internacional, acesse o endereço eletrônico
www.rdi.uniceub.br ou www.brazilianjournal.org.
Observe as normas de publicação, para facilitar e agilizar o trabalho de edição.