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Finan¢as Públicas
FIN CLASS

ed. especial Fábio Giambiagi


FábioGiambiagi e-B/02
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ed. especial Fábio Giambiagi e-B/02
e-B/02
CAPÍTULO 1

Fábio Giambiagi
Trajetória de
Fabio Giambiagi

ed. especial

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TIMELINE

1962 Nascimento. Rio de Janeiro.


Filho de argentinos, nasceu no Brasil, mas logo seguiu
com a família para a Argentina, onde cresceu.

Fábio Giambiagi
1976 Retorno ao Brasil, com 14 anos. Completou aqui o
ensino médio e cursou bacharelado e mestrado em
economia na Faculdade de Economia e Administração
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

1984 Ingresso no Banco Nacional de Desenvolvimento


Econômico e Social (BNDES) por concurso público,
onde segue até hoje, desempenhando funções
diversas em cargos plurais, desde técnico até a
Superintendência de Planejamento, passando por
gerência e chefia de departamento.
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Sua trajetória no BNDES foi interrompida algumas vezes,
quando desenvolveu experiências paralelas. Foi cedido
ao Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) em
três oportunidades, ao Banco Interamericano de Desenvol-
vimento (BID), em Washington, entre 1993 e 1994, e ao Mi-
nistério do Planejamento em Brasília, onde trabalhou como
assessor em 1994 (início da gestão do Governo Fernando
Henrique Cardoso).

Autor de inúmeros artigos técnicos, capítulos de obras, li-

Fábio Giambiagi
vros, organizou obras científicas, sobretudo sobre a econo-
mia brasileira, concedeu entrevistas, participou de progra-
mas em rádio e televisão e enfrentou um desafio especial
no debate público:

“Passei a entender o grande desafio que era comunicar


aquilo que a gente aprendia e o instrumental com qual
a gente lidava na profissão, no debate macroeconômico,
para compartilhar com o grande público. Também passei
a frequentar programas de televisão associadas ao deba-
te sobre economia e me deparei com essa dificuldade que
nós economistas muitas vezes temos de chegar ao grande
público. Procurei tentar vencer o desafio através de uma
linguagem que fosse cada vez mais acessível ao público
de não economistas”.
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Professor em várias cadeiras, inclusive de Finanças Públicas,
lecionou por muitos anos. A partir dessa experiência, publi-
cou a obra “Finanças Públicas Teoria e Prática no Brasil”, em
coautoria com Ana Cláudia Além, inicialmente pela Editora
Campus depois pela Editora Elsevier, vencedora do Prêmio
Jabuti em 2000, livro que trata de múltiplas questões de in-
teresse da cadeira de Finanças Públicas na Faculdade de
Economia.

Fábio Giambiagi
Tem mais de 30
livros publicados

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ASPAS SOBRE
O E-BOOK

Aqui estão algumas das principais questões que, depois de


ter aprendido, passei aos alunos, quando fui professor ou
através dos livros que escrevi. Neste caso para um público
mais amplo, ou seja, a ideia é que você tenha a possibilidade

Fábio Giambiagi
de entender melhor a realidade em que vive. Quando você
lê: ‘dívida pública está em 85 por cento do PIB’, ou ‘o gover-
no aprova reforma da Previdência’, entende o porquê disso?
Quando você lia no jornal tempos, ‘a Grécia quebrou e os
aposentados estão deixando de ser pagos’. Por que que a
Grécia chegou a essa situação? Por que que recentemente a
Argentina chegou a essa situação? Por que o Brasil chegou
nessa situação?

Por meio de um conjunto de aulas o objetivo é que, no fi-


nal, você tenha essa percepção aguçada e, se eu for bem-
-sucedido, a capacidade de entender melhor o noticiário
do dia a dia e ter uma opinião própria sobre as questões
com as quais se depara, lendo jornais, noticiários online,
canais de televisão, debates etc.
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Eu sou Fábio Giambiagi, e essa é a minha Finclass.

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CAPÍTULO 2

Fábio Giambiagi
Conceitos iniciais de
finanças

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Fábio Giambiagi
Neste capítulo vamos discutir ‘Como surgem os governos’:
você verá algumas equações importantes: para que serve
a política fiscal; alguns dos conceitos mais importantes de
gasto público, de déficit público; e dar um breve passeio pe-
los últimos anos nas finanças públicas pelo mundo.

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COMO SURGEM OS
GOVERNOS?

Fábio Giambiagi
Muitas vezes lemos, em artigos regionais, pessoas critican-
do o governo, não estou falando o governo A ou governo B,
o governo do presidente X ou do presidente Y; estou falando
de crítica ao governo como instituição. Isso é uma das diver-
sões favoritas de praticamente todos os povos: falar mal do
governo. Muitas vezes com razão, algumas vezes com certa
incompreensão acerca da natureza do que é um governo e
porque que ele existe.

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Imagine o seguinte: Há um naufrágio de um desses navios
grandes, todo mundo se salva, as pessoas ficam nas boias e
vão parar numa ilha deserta. Duas mil pessoas começam a
se organizar e aos poucos esse conjunto de pessoas vai ter
que se colocar de acordo em relação a algumas questões.
Por exemplo, em caso de litígio quem que vai resolver quem
tem razão? Se eventualmente uma pessoa se exceder, ba-
ter na outra, como a pessoa vai ser presa? E aí, se começa a
desenvolver o raciocínio sobre o aconteceria nessa situação,
entende-se como é que surgem os governos. Porque quem
julgar quem tem razão, no caso de conflito entre as pesso-
as, vai exercer a função de Justiça. O fortão que vai prender
quem está batendo em outras pessoas, vai exercer a função
de polícia. E assim sucessivamente.
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Agregando pessoas, reproduz-se esse tipo de estruturas
que para números grandes de pessoas, que formam uma
nação, são exatamente o Governo. Um governo é uma ins-
tituição que exerce esse tipo de atribuições (atividades ine-

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rentes ao governo), de defesa nacional, de policiamento, de
exercício da justiça e etc.

Um governo é uma institui¢ão que exerce esse


tipo de atribui¢ões (atividades inerentes ao
governo), de defesa nacional, de policiamento,
de exercício da justi¢a etc.

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Vamos pensar em algo mais deração”, corresponderia ao
próximo do dia a dia das pes- país, por assim dizer, com as
soas. Imagine um conjunto suas atividades de represen-
de pessoas que convivem tação por meio do Síndico
num condomínio de prédios. Geral, por meio do conselho
Vamos ter a figura do sín- geral do condomínio.
dico, a figura do conselho,
que de alguma forma fisca- Um país se organiza em tor-
liza as atividades do síndico no desse tipo de estrutura. A

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e a figura de uma espécie organização dos poderes: o
de síndico geral. O síndico Poder Executivo, Poder Le-
do síndico, digamos, seria a gislativo e o Poder Judiciário.
representação do Poder no E temos os três níveis da Fe-
condomínio como um todo. deração, a união, que muitas
O síndico seria uma espécie vezes nas aulas vamos de-
de “Presidente da Repúbli- nominar de Governo Central,
ca”, o conselho do prédio se- os Estados e os Municípios. E
ria uma espécie de “Assem- nessas atividades o Governo
bleia Legislativa do Estado”, como instituição se relacio-
o Estado representado pelo na com o cidadão através da
prédio e o conjunto dos pré- oferta dos serviços que são
dios corresponderia a “Fe- providos pelo Estado.
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NÃO RIVALIDADE E
NÃO EXCLUSÃO

Dois conceitos fundamentais das Finanças Públicas: de não


rivalidade e não exclusão, que estão associados ao que, na
literatura, se conhece como ‘bens públicos’. São bens em
relação aos quais não é possível estabelecer o tipo de com-
petição. Por exemplo, quando duas pessoas vão ao super-

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mercado e um compra uma lata de ervilhas, essa lata de
ervilhas vai ser dele, não vai ser do João ou da Maria. Porque
foi ele que comprou.

Agora quando alguém vai, no Rio de Janeiro, à Quinta da Boa


Vista, ou ao Aterro, não dá para fazer a exclusão pelo pre-
ço, porque caminhar sobre a beleza que é o Aterro do Rio
de Janeiro, pode ser qualquer pessoa. De fato, há milhares
de pessoas caminhando no Aterro ou na praia. São espaços
públicos em que não se pode estabelecer uma barreira ou
uma precificação para dizer: quem paga usufrui, quem não
paga não usufrui. A pessoa não paga e vai à praia. A pessoa
não paga e vai à Quinta da Boa Vista.
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Este é um conceito básico, os bens numa economia na vida
real, vão ser bens tipicamente privados. Usei o exemplo de
uma lata de ervilhas, mas podemos pensar em produto mais
sofisticado como automóveis. E haverá bens que são públi-
cos, como por exemplo, o usufruto de iluminação pública,
da possibilidade de frequentar parques, praias etc. E haverá
bens que poderão ficar numa situação híbrida, que vão ser
bens com graus maiores ou menores da possibilidade de
exclusão ou de rivalidade.

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FALHAS DE MERCADO

Os sistemas econômicos mais evoluídos são aqueles que


combinam melhor o que o mercado tem de melhor e o que
o Estado, o governo, tem de melhor. Outro conceito impor-
tante, que nós economistas aprendemos nas aulas de Finan-

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ças Públicas, é o conceito de ‘falhas de mercado’. A ideia é
que, por mais capitalista que seja uma economia, e hoje de
um modo geral a maioria das economias do mundo são ca-
pitalistas (por mais satisfatório que possa ser em alguns pa-
íses o funcionamento do sistema capitalista no sentido de
reduzir desigualdades, permitir progresso etc), não há como
o mercado não ter o que se chama de ‘falhas de mercado’.
São aspectos em que o mercado, por melhor que funcione,
não consegue dar conta da solução de todos os problemas.

O mercado, por melhor que funcione, não conse-


gue dar conta da solu¢ão de todos os problemas.
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BENS PÚBLICOS

Fábio Giambiagi
Quais são as falhas de mercado?

A primeira, é a existência de bens públicos. A praça é um


elemento público, por onde todo mundo transita e não faz
sentido cobrar acesso a ela. Não faz sentido que o exército
diga: eu protejo uma parte da sociedade do risco da invasão
de um país estrangeiro e não protejo a outra parte da socie-
dade; as Forças Armadas protegem o espaço territorial de
uma nação. A primeira falha de mercado são os chamados
bens públicos.
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MONOPÓLIOS
NATURAIS

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A segunda falha é representada pelos chamados ‘monopó-
lios naturais’, algo que pode mudar em função da tecnolo-
gia. Por exemplo, quando eu era garoto e quando comecei
a estudar economia, entendia-se que no campo das tele-
comunicações havia um monopólio natural, porque era tal
o investimento em capital necessário, que não poderia ser
feito por mais de uma empresa. Inclusive muitas vezes esse
monopólio era exercido pelo próprio Estado, através de uma
empresa estatal, como no Brasil foi a Telebrás.
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VOCÊ SABIA?

A Privatização da Telebrás: Uma profunda reforma no setor


tornou possível a reestruturação das telecomunicações bra-
sileiras. O traço fundamental foi a transformação do mono-
pólio público, provedor de serviços de telecomunicações,
em um novo sistema de concessão pública a operadores
privados, fundado na competição e orientado para o cresci-
mento da universalização dos serviços.

A privatização do Sistema Telebrás ocorreu no dia 29 de ju-


lho de 1998 através de 12 leilões consecutivos na Bolsa de

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Valores do Rio de Janeiro – BVRJ, com a venda, o governo
arrecadou um total de R$ 22 bilhões, um ágio de 63% sobre
o preço mínimo estipulado. Antes da privatização, era ne-
cessário entrar em uma lista de espera de dois a cinco anos
para adquirir uma linha, pagando antecipadamente quase
mil e duzentos reais. Quem precisava de instalação imediata
chegava a pagar valores de um automóvel pela linha.

Após o processo de privatização, houve investimento que


modernizaram e universalizaram a posse de uma linha te-
lefônica fixa ou celular. Porém, houve aumento significativo
nas tarifas dos serviços de telefonia, que chegaram a ficar
mais de 5 vezes mais caras, para pagar esse investimento.
Além de explodirem as reclamações de usuários em relação
aos serviços prestados e aos sistemas de atendimento por
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telefone, o que é justificado pelo aumento do número de


usuários.

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Fábio Giambiagi
Nós sabemos que com a evolução da tecnologia isso não
é mais verdade e hoje esse campo econômico das teleco-
municações é disputado com grande intensidade por um
conjunto de empresas extremamente fortes, em que não se
aplica mais a figura do monopólio.

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EXTERNALIDADES

A terceira falha de mercado são as chamadas ‘externalida-


des’. São situações em que o mercado opera através da pro-
dução de bens ou serviços que chegam à população, mas
que tem efeito sobre outras pessoas.

Quando se compra uma lata de ervilhas, aquilo só vai ter


efeito para o consumidor, não vai ter efeito para a socieda-
de como um todo. Mas quando se fala de algo muito atual,
em 2020 e 2021, como a vacina; quando eu sou vacinado,

Fábio Giambiagi
não estou só me protegendo como também diminui a pos-
sibilidade de contagiar outras pessoas. A vacina da pessoa
“A” exerce aquilo que em economês se chama de ‘externali-
dade positiva’, há uma ação sobre os outros, externa a essa
pessoa, inequivocamente positiva neste caso.

A vacina em uma pessoa "A" exerce aquilo que em


economês se chama de "externalidade positiva",
há uma aa¢ão sobre os outros, externa a essa
pessoa, inequivocamente positiva.
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Como é que os governos
agem diante de episódios
causados pelo mercado? No
caso das externalidades po-
sitivas, incentivando. Exata-
mente por isso muitas vezes
alguns desses bens ou ser-
Assim como existem as ex- viços acabam sendo produ-
ternalidades positivas exis- zidos pelo Estado. É o caso
tem também as externali- típico das vacinas, o benefí-

Fábio Giambiagi
dades negativas. Caso típico cio trazido para a sociedade
de livro ou texto economia: a é tão grande que o próprio
poluição. Há bens que têm Estado diz: ‘vou me encarre-
que ser produzidos, é im- gar de fornecer isso para as
portante que sejam produzi- pessoas de graça, porque há
dos, mas que têm um efeito um interesse da coletivida-
colateral negativo porque de como um todo’. E no caso
há uma poluição ambiental. da externalidade negativa,
Quando se anda de carro, in- entende-se que aquilo é im-
teressa às pessoas por uma portante que seja produzido,
série de aspectos, mas o praticado etc, mas há uma
cano de descarga emite uma penalidade, que vai ser tan-
série de gases que acabam to maior quanto maior for o
sendo um problema para a mal, o elemento negativo
sociedade como um todo. causado por isso.
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MERCADOS
INCOMPLETOS
E FALHAS DE
INFORMAÇÃO

Fábio Giambiagi
Existem outras falhas de às grandes empresas. Pode
mercado menores, como haver algum caso para uma
‘mercados incompletos’ e intervenção estatal, dirigida
‘falhas de informação’. a suprir, seja através de uma
oferta pura e simples, seja
Mercados incompletos, são através de algum tipo de
situações em que, por exem- subsídios.
plo no mercado de crédito,
não é provido adequada-
mente de crédito. Caso típi-
co é o de micro e pequenas
empresas, que às vezes não
conseguem ter o acesso ao
crédito com a mesma faci-
lidade com que ele chega
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E existem as chamadas ‘falhas de informação’, em que o
mercado funciona razoavelmente bem, mas tem que exis-
tir o papel do Estado para zelar por algumas questões. Por
exemplo, no Mercado de Ações, empresas privadas emitem
ações que são compradas por particulares. Mas e se alguém
numa empresa privada souber que no dia ‘X’ vai ser feito um
anúncio que vai valorizar muito as ações? E essa pessoa fala
com um amigo, um ‘laranja’, para comprar ações em nome
dele, porque sabe de antemão que vão ser valorizadas? Isso
é algo completamente inaceitável do ponto de vista ético,
que não pode ser aceito pela sociedade porque beneficia

Fábio Giambiagi
algumas pessoas em detrimento de outras, através de uma
prática irregular.

Para evitar esse tipo de coisas, as chamadas ‘falhas da infor-


mação’, existe a figura de um xerife, como nos filmes antigos.
Quem é o xerife na institucionalidade brasileira? A CVM (Co-
missão de Valores Mobiliários), que se encarrega de definir
uma série de boas práticas que têm que ser seguidas pelo
conjunto, pela empresa e pelo público para que esse Mer-
cado de Ações funcione adequadamente.

O importante é que os governos (se não


existirem, a alternativa é a barbárie),
funcionem. E que o conjunto de Institui¢ões
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que formam o Governo funcionem da melhor


forma para os interesses da sociedade
como um todo.

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CAPÍTULO 3

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Funções do governo e dados
públicos

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Fun¢ões da política fiscal. Para que serve a
política fiscal o que é? A que ela se destina?

FUNÇÃO ALOCATIVA
A primeira função é a chamada ‘função alocativa’. A pala-
vra alocação remete à decisão sobre como os bens serão
colocados à disposição do público. Quando se trata da fun-

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ção alocativa, não necessariamente a responsabilidade pela
provisão de um serviço tem que ser associada à produção
daquele bem ou serviço.

Por exemplo, são funções do Estado aquelas associadas


aos chamados serviços públicos, em que se entende que
é responsabilidade do Estado garantir que o cidadão tenha
acesso a um determinado benefício.

Pergunto: é responsabilidade do Estado que o mercado de


carros abasteça todo mundo de carros? Evidente que não, o
que o Estado quer fazer é evitar que os carros poluam muito,
que haja um espaço nas vias públicas para que eles circu-
lem, sem grandes engarrafamentos etc. Mas produzir carros
definitivamente não é uma responsabilidade do Estado.
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Saúde é responsabilidade do Estado. Se as pessoas não têm
saúde a quem elas apelam? Ao Estado. Nós vimos isso na
pandemia. De quem se cobra a solução para esse proble-
ma dramático do mundo em 2020 e 2021? É do Estado, é
da instituição Governo, vimos isso nos Estados Unidos, na

Fábio Giambiagi
Inglaterra, na Alemanha, no Brasil, etc.

O Estado pode agir seja pela produção (se a escola é públi-


ca a produção daquele serviço é público) ou ele pode tam-
bém agir através da provisão, se encarregando de que as
pessoas recebam a oferta daquele serviço mesmo que ele
seja provido por uma instituição privada.

Se forem atividades que estão associadas a uma cobrança


por parte do público, o Estado continuará tendo um papel
de encarregado para que o setor funcione bem.

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Vamos pensar no que, nós brasileiros, conhecemos bem, por
estar associado a atividades do dia a dia: energia elétrica e
telecomunicações. Os lares precisam ter energia elétrica.
No passado, a energia era provida através de distribuidoras
federais ou Estaduais, de responsabilidade do Estado. No
processo de privatização dos anos 1990, essa provisão pas-
sou a ser privada. Mas o Estado não deixa de ter responsa-
bilidade para que aquilo chegue ao lar das pessoas. Como?
Com a regulação, no caso brasileiro, feita através da ANEEL

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(Agência Nacional de Energia Elétrica). Analogamente, há
todo um sistema regulatório que define as regras de com-
portamento, compromissos e investimento etc, das empre-
sas no campo das telecomunicações.

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FUNÇÃO
DISTRIBUTIVA

A segunda função é a chamada ‘função distributiva’. Quando

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o governo exerce o seu papel discricionário com a legitimi-
dade outorgada pela sociedade através do sistema legado
do processo eleitoral para dizer o seguinte: olha, fulano pro-
duz, mas vai ser de alguma forma penalizado ou punido ou
taxado por isso, e beltrano vai ser de alguma forma benefi-
ciado por alguma política específica.

Quais são os instrumentos clássicos através dos quais se


exerce a política distributiva?

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São os impostos. Se existir uma atividade que por alguma ra-
zão gera externalidades negativas para sociedade, e dese-
ja-se desestimular essa atividade, coloca-se a taxação. Caso
típico: o fumo. Quando compramos um pacote de cigarros,
pagamos uma carga tributária enorme. Isso não só no Brasil,
mas em geral existem tributos na maioria das sociedades,
porque é uma atividade no setor claramente penalizado,
porque se convenciona o mal causado pelo cigarro, pelo

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que aumenta o risco de câncer de pulmão etc.

Ao mesmo tempo se há uma atividade que é benéfica ou


que seja do interesse geral, a alíquota vai ser pequena ou
eventualmente não vai existir. Caso da isenção de produtos
da cesta básica etc.

O outro instrumento é o gasto público em que o governo


age no sentido de favorecer alguém e esse alguém pode
ser uma categoria específica, um agrupamento social espe-
cífico, uma região. No Brasil, por exemplo, as regiões menos
favorecidas no país, casos de Norte e Nordeste, possuem
algumas condições específicas, por exemplo de financia-
mento.
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DESIGUALDADES E
ÍNDICE DE GINI

Como no começo estão as


pessoas mais pobres, na-
turalmente 10% das pesso-
as vão ter menos de 10% da
renda e veremos uma incli-
A desigualdade de um país é
nação da curva que vai se
medida através do chamado

Fábio Giambiagi
assemelhar a uma reta. E à
‘Índice de Gini’. Esse índice é
medida que nos deslocamos
uma representação de uma
para a direita, vão somando-
figura gráfica em que se tem:
-se mais pessoas. Essas pes-
no eixo horizontal o percen-
soas começam a aumentar
tual acumulado da popula-
no meio da distribuição da
ção e no eixo vertical a pro-
classe média. A inclinação
porção acumulada da renda
da curva se modifica, porque
de uma sociedade. À medida
no meio vamos adicionar 1%
que se desloca para a direita
a mais de pessoas e esse 1%
no eixo horizontal, vemos 1%
a mais de pessoas será mais
das pessoas, depois 2% das
do que 1% da renda nacional
pessoas e assim sucessiva-
e assim sucessivamente. E
mente.
quando chegamos aos gru-
pos de maior renda o último
ed. especial

1% vai ter uma fração mui-


to importante da renda e aí
sobe muito a proporção da
renda.

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ÍNDICE DE GINI

Renda

População

Fábio Giambiagi
O índice de Gini é um índice que varia entre 0 e 1. Ele vai me-
dir o coeficiente entre a área sombreada da figura que está
sendo mostrada e o triângulo inferior desse quadrado.

Esse índice vai ser zero numa situação em que tiver uma
perfeita distribuição de renda, em que 10% das pessoas tiver
10% da renda, 20% das pessoas tiver 20% da renda e assim
sucessivamente. Ele vai ser “um”, teoricamente, no caso es-
pecífico de uma pessoa que tem toda a renda Nacional. Ele
vai variar entre 0 e 1.

Índices de Gini mais próximos de zero estão


associados a sociedades mais igualitárias.
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Índice de Gini mais próximos de 1 estão


associados a sociedades com um grau elevado
de iniquidades distributivas, com grande
desigualdade na distribui¢ão de renda.

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Quando no Brasil, por exemplo, na primeira década do sé-
culo XXI, se adotou o “bolsa família”, financiado com o sis-
tema tributário da época. Ele representou uma melhoria na
distribuição de renda, porque era o Estado pegando deter-
minados recursos e alocando para as pessoas de menor
renda, que estavam associadas a uma situação de risco do

Fábio Giambiagi
que se chama de ‘miserabilidade’, se elas não recebessem
esses recursos.

Ao mesmo tempo, houve épocas no passado do Brasil em


que houve processos de desenvolvimento, mas com con-
centração de renda. Isso ocorreu recentemente em outros
países. Às vezes a economia estava crescendo, mas a maio-
ria das pessoas não estava satisfeita, porque aquilo não ia
para a maioria. Aquele crescimento estava concentrado nas
faixas de maior renda. Isso se refletia no Índice de Gini, que
estava aumentando.
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AS PREFERÊNCIAS
DA SOCIEDADE
Agora, qual é a relação de preferências da sociedade? Como
eu falei, isso varia de país para país, de sociedade para so-
ciedade. Por que esta discussão é importante? Vamos pen-
sar em dois casos diferentes: Você ganha R$ 100, seu amigo
ganha R$ 1.000. Temos 2 situações:

Situação 1: Situação 2:
Seu amigo passa a ganhar Seu amigo passa a ganhar
R$ 900 e você passa a ga- R$ 1100 e você passa a ga-

Fábio Giambiagi
nhar R$ 95. nhar R$ 105.

Qual você prefere?

Se escolheu 2, vocês 2 estão ganhando mais, portanto estão


mais ricos. Porém, assim aumentou a desigualdade e o índi-
ce de GINI. Se escolheu 1, vocês 2 estão mais pobres, mas o
índice de GINI diminuiu a desigualdade.

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Agora eu pergunto: se você ganhasse R$100,00 inicialmen-
te, você iria preferir no segundo caso ganhar 95 ou ganhar
105? É natural que haja uma preferência por ganhar 105 e
não 95.

Fábio Giambiagi
O que quero dizer com isso? Quero dizer que há uma mani-
festação política de preferência de muitas sociedades em
favor de um processo de melhor distribuição de renda, o
que é rigorosamente compreensível por razões óbvias. Ao
mesmo tempo, isto não pode ser considerado algo absolu-
to. Nem vai definir qual é a atitude das pessoas com relação
ao seu grau de satisfação com o bem-estar de vida, com os
governos, porque vai depender do contexto.

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e-B/02
FUNÇÃO
ESTABILIZADORA

A terceira função é a ‘função estabilizadora’, é o que se pra-


tica com o exercício das funções de política monetária e de
política fiscal. Para desestimular o ritmo de uma atividade,

Fábio Giambiagi
quando há pressão inflacionária ou para estimular, quando
há uma baixa no nível de atividade.

São esses dois instrumentos, a política fiscal e a política mo-


netária, dos quais o Governo tenta conseguir um resultado
mais próximo do ótimo, em termos de baixa inflação e de
estímulo ao nível de atividade.

Os objetivos e política fiscal estão associados em primeiro


lugar à estabilidade de preços. Deve a ser consistente com
o objetivo do país, de dar uma determinada inflação, prefe-
rencialmente, não muito elevada. ed. especial

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e-B/02
No Brasil nós temos, desde 1999, o regime de metas de
inflação em que o Governo, agora com três anos de ante-
cedência, fixa a meta de inflação para três anos à frente e
procura, com os instrumentos de política monetária, tipica-

Fábio Giambiagi
mente a decisão de taxa de juros e de política fiscal. Orientar
a política do governo, como um todo para procurar alcançar
esse objetivo.

O segundo objetivo, e nós vamos ver nos próximos capítu-


los, é a sustentabilidade da dívida pública. A ideia é que se a
dívida pública crescer indefinidamente acima do crescimen-
to da economia, isso não vai acabar bem. E, em geral, não
acabou nos episódios históricos que conhecemos do Brasil
e de outros países.

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PREVISIBILIDADE
MACROECONÔMICA
O terceiro objetivo é previ- E naturalmente numa situ-
sibilidade macroeconômi- ação de grande instabilida-
ca. Para que um país possa de (pensemos nos vizinhos,
alcançar o progresso é fun- na Argentina, a inflação de
damental que o empresa- 50% ao ano, depois cai para

Fábio Giambiagi
riado faça investimentos. É 40%, depois volta para 45%),
o investimento de hoje que é extremamente difícil to-
assegura a ampliação da mar decisões de longo pra-
capacidade de produção de zo. Não dava para fazer o
amanhã. Quando o tijolo de investimento para comprar
hoje vira a fábrica de ama- uma máquina, um caminhão,
nhã, quando o investimento tomar grandes decisões de
numa máquina de hoje vira a investimento e pedir 100,
ampliação de capacidade de 200, 300 milhões de reais
amanhã. para uma fábrica, para fazer
uma hidrelétrica, para fazer
um mega investimento em
telecomunicações, num país
com muita instabilidade.
Previsibilidade macroeconô-
mica é muito importante.
ed. especial

38
e-B/02
OBJETIVO
DISTRIBUTIVO

Fábio Giambiagi
E há um componente muito importante dos objetivos de
política econômica, e tipicamente de política fiscal, que é o
‘objetivo distributivo’. Qual é a importância disso? Vai depen-
der dos governos e da sociedade. Há sociedades que estão
mais preocupadas do que outras com isso e há governos
que estão mais preocupados do que outros.

ed. especial

39
e-B/02
ESTATÍSTICAS
FISCAIS NO BRASIL

O Brasil, infelizmente, não é um país como os Estados Unidos


que têm séries históricas longas de 100, 150 anos. E particu-
larmente no campo nas Finanças Públicas, seja para nível de
atividade PIB, nós temos séries retroagindo, por exemplo, à

Fábio Giambiagi
década de 1940. Nas Finanças Públicas muitas vezes tem-
-se a impressão de que o Brasil é um país com estatísticas
péssimas. Mas, não é o caso, nós temos estatísticas fiscais
muito, muito boas.

Eu me formei em economia quando estávamos


na idade da pedra em matéria de estatísticas
fiscais. Era absolutamente constrangedor o
que acontecia. Sequer o ministro da economia
sabia como estava a situa¢ão fiscal. E hoje
basta olhar na internet, existem séries
históricas de vários anos. Nós, hoje, temos boas
ed. especial

séries.

40
e-B/02
Qual é o problema? Tempo. Nós temos séries antigas, que
eram muito boas, mas foram descontinuadas e temos séries
muito boas atuais, mas que não existiam, por exemplo, para
a década de 1980. É muito difícil em Finanças Públicas con-
seguir montar uma série homogênea de 40 a 50 anos.

Podemos pensar, por exemplo, o dado da despesa com pes-

Fábio Giambiagi
soal. O governo gasta mais de 300 bilhões de reais com pes-
soal. Hoje existe uma riqueza de informações muito gran-
de, se consegue de forma granularizada saber, para onde
esse gasto está indo no governo federal; para onde esse
gasto está indo em ativos; para onde que esse gasto está
indo para aposentados; para onde esse gasto está indo para
funcionários civis; para onde que esse gasto está indo para
funcionários militares?

Nada disso existia. Essa é uma estatística que começou a ser


desagregada da década de 1990.
ed. especial

41
e-B/02
QUALIDADE DOS DADOS
Uma outra questão muito importante a lembrar é sobre a
qualidade dos dados. Eu me formei em 1983, comecei a

Fábio Giambiagi
trabalhar com tema de política fiscal na altura de 1986 e, à
época, o Brasil tinha um acordo com o Fundo Monetário In-
ternacional [FMI].

ed. especial

42
e-B/02
VOCÊ SABIA?

O FMI promove a estabilidade financeira internacional e a


cooperação monetária. Também facilita o comércio inter-
nacional, promove o emprego e o crescimento econômico
sustentável e ajuda a reduzir a pobreza global. O FMI é go-
vernado e presta contas a seus 190 países membros.

O FMI foi criado em julho de 1944, após o fim da Segunda


Guerra Mundial, e tinha o objetivo, justamente, de mitigar os
efeitos da guerra nos países aliados.

Fábio Giambiagi
Responsabilidades do FMI: A principal função do FMI é asse-
gurar a estabilidade do sistema monetário internacional —
o sistema de taxas de câmbio e pagamentos internacionais
que permite aos países (e seus cidadãos) negociem entre si.

A partir de três atividades básicas do FMI são:

MONITORAMENTO: Como parte desse processo, que ocorre


nos níveis global, regional e nacional, o FMI identifica os ris-
cos potenciais para a estabilidade e recomenda os ajustes
de política apropriados necessários para sustentar o cres-
cimento econômico e promover a estabilidade financeira e
econômica.
ed. especial

43
e-B/02
VOCÊ SABIA?

ASSISTÊNCIA FINANCEIRA: O FMI possui um fundo financia-


do por todos os seus países membros. Nações que sofrem
ou têm o risco de sofrer uma crise relacionada ao balanço
de pagamentos podem emprestar dinheiro deste fundo
para reequilibrar sua situação. É importante citar que, para
conceder um empréstimo, o FMI exige a implementação de
certas políticas e ajustes na economia de um país, o que in-
clui uma lista de metas impostas pela organização.

CAPACITAÇÃO: O FMI fornece assistência técnica e treina-

Fábio Giambiagi
mento para auxiliar no seu desenvolvimento econômico.
Essa lista de treinamentos inclui formulação e implementa-
ção de práticas administrativas, políticas monetárias e ban-
cárias, regulamentações fiscais, gerenciamento de gastos
etc.

Dessa forma o Fundo Monetário Internacional é uma insti-


tuição muito importante no cenário internacional. A organi-
zação não apenas empresta dinheiro em situações emer-
genciais, mas também monitora o panorama econômico
mundial, e tem grande influência nas políticas domésticas
dos países. ed. especial

44
e-B/02
Nos termos do acordo com o FMI, o governo brasileiro pro-
duzia um documento. Era um documento físico chamado
‘Brasil Programa Econômico’, que tinha um compilado de
um conjunto de informações macroeconômicas, entre elas
as informações fiscais. E produzia, não sei exatamente, 500
ou mil exemplares. Aquele documento era disputado a tapa.
Você receber do governo aquele documento, ter o privilégio

Fábio Giambiagi
de receber, era uma qualificação de honra muito elevada.

Felizmente, eu era uma das pessoas que recebia, e me fa-


miliarizei rapidamente, mas eram informações muito ruins
em alguns aspectos: primeiro lugar, eram totalmente irre-
gulares, não eram documentos que saíam todo mês, cada
dois meses, cada três. Saía um e, três meses depois, outro;
depois ficava seis meses sem sair, depois tinha um ano que
tinha dois, depois que tinha três, era muito irregular. Em se-
gundo lugar, a defasagem era muito grande. Às vezes saía
um documento com informações de cinco meses antes, não
servia para nada. Em terceiro lugar, eram informações com
um grau elevado de incerteza.
ed. especial

45
e-B/02
Há uma frase famosa do ex-ministro Pedro Malan, que dis-
se jocosamente que “no Brasil até o passado é incerto”. Ou
seja, se já temos a incerteza em relação ao futuro, temos o
problema que muitas vezes até o passado muda. Ou seja,
o governador fala: ah, o déficit foi tanto. Seis meses depois,
vinha uma revisão e mudava completamente. A gente acha-
va que tinha acontecido uma coisa, tinha acontecido outra
completamente diferente.

Fábio Giambiagi
Hoje as informa¢ões são divulgadas todos os
meses com intervalo de apenas 25, 30 dias;
fechou o mês no dia 26, 27 já sai o resultado do
Tesouro e um dia depois é o resultado do Banco
Central. E as revisões que ocorrem para os
dados antigos são minúsculas, desprezíveis;
houve um grande avan¢o.

ed. especial

46
e-B/02
CAIXA E
COMPETÊNCIA

E por último, nessa parte dos conceitos, cabe chamar a aten-


ção para algumas distinções sobre as categorias contábeis
com as quais a gente vai se deparar.

Fábio Giambiagi
A primeira distinção é o conceito de ‘caixa e competência’.
Por exemplo, os salários do funcionalismo público são pa-
gos tipicamente no começo do mês. No passado era dife-
rente, era pago no final do mês, mas teve um momento nos
1980, se não me falha a memória, passou para o começo do
mês seguinte. No salário de janeiro se recebia no começo
de fevereiro, o salário de fevereiro se recebia no começo de
março etc.

CRITÉRIO DE CRITÉRIO
COMPETÊNCIA DE CAIXA ed. especial

2020 2021

DEZEMBRO JANEIRO

47
e-B/02
O que acontece com o sa- O Tesouro transfere para
lário de dezembro de 2020, o Ministério da Saúde dois
pago em janeiro de 2021? bilhões. Mas o Ministro da
Pelo chamado critério de Saúde, naquele mês em que
competência, entra na con- recebeu a transferência, só
ta como se fosse de dezem- vai gastar 500 milhões. Pela
bro; pelo chamado critério forma com que o gasto era
de caixa, entra na conta no apurado anteriormente, o
mês em que efetivamente gasto que aparecia era de

Fábio Giambiagi
foi gasto, que é janeiro. dois bilhões. Pela forma mais
adequada com que o gasto
E há uma segunda diferença, passou a ser apurado ao lon-
uma nuance, que diz respei- go do tempo, passou a refle-
to ao trânsito entre órgãos tir o momento em que ele é
de governo. Muitas vezes, no efetivamente gasto, na pon-
passado, o Tesouro Nacional ta final da sequência de de-
transferia recursos para o cisões de gasto do governo
Ministério. Aparecia, o recur- federal. Não só houve uma
so, como uma despesa. Só maior riqueza de detalhes,
que o Ministério não gastava como a despesa passou a
imediatamente. ser captada de uma forma
mais apropriada no momen-
to em que ela efetivamente
ocorria.
ed. especial

48
e-B/02
NOTAS SOBRE AS
FINANÇAS PÚBLICAS
INTERNACIONAIS

Fábio Giambiagi
Antes de entrar em uma análise mais específica nos dados
do Brasil, a realidade fiscal dos países é muito díspar. E, de-
finitivamente, o ano de 2020, não pode ser tomado como re-
ferência porque foi um ano, que a gente chama de ‘um pon-
to fora da curva’. Em 2020, de modo geral, todos os governos
do mundo gastaram muito mais do que o normal.

ed. especial

49
e-B/02
DÉFICIT
PRIMÁRIO
Se tomarmos como refe- que tenha perdido um pou-
rência um período de cinco co de peso relativo diante
anos, 2015 a 2019, vamos ver do euro. Outro país que teve
uma realidade bastante dís- um déficit nesse período foi

Fábio Giambiagi
par. Alguns países tiveram o Japão. Também o Japão
o chamado ‘déficit primário’, tem um privilégio compara-
que é o resultado fiscal tiran- tivamente a outros países,
do os juros. porque historicamente, pela
característica da sociedade
Países como os Estados Uni- japonesa, por história etc, o
dos, tiveram déficit primário, governo japonês se endivida
mas é um país que tem faci- a taxas que, para efeitos aqui
lidade de financiamento, de- do Brasil, são inteiramente
finitivamente maior do que ridículas de baixas. É mais
outros países pela possibili- fácil para esses governos
dade de emitir dinheiro, que produzirem déficit.
é a moeda mundial por exce-
lência, que é o dólar. Ainda
ed. especial

50
e-B/02
AJUSTES
EXPRESSIVOS
Os países, por outro lado, que tinham déficit elevado há al-
guns anos, passaram por ajustes expressivos. Casos de Ir-
landa, de Portugal, da Grécia. De modo geral, são países que
gastaram em 2019, antes da pandemia, uma proporção do
PIB claramente menor do que aquelas que gastavam nos
anos de crise.

PAÍS PRIMÁRIO

Fábio Giambiagi
Alemanha 1,9
Bélgica 0,7
Estados Unidos -2,7
Grécia 2,5 (Obs. 2013: -9,6%)
Irlanda 1,4 (Obs. 2012: -4,8%)
Itália 1,3
Japão 2,8
Portugal 1,6 (Obs. 2014: -2,8%)
Reino Unido -0,4
Suécia0 ,8

Fonte: OECD Economi Outlook

Se tomarmos como referência uma realidade mais próxima


do Brasil, o que vamos verificar é que, com algumas exce-
ções (tipicamente Argentina e Venezuela que estão muito
ed. especial

longe de serem considerados bons paradigmas), os outros


países, de um modo geral, tinham uma situação fiscal bas-
tante razoável, relativamente equilibrada, sem grandes de
desequilíbrios de déficit público.

51
e-B/02
Há uma frase, que sintetiza um pouco os dilemas, com os
quais vamos lidar nas próximas aulas, que eu gosto que é do
Anthony Eden, um político britânico, que diz o seguinte: “to-
dos são favoráveis a uma economia no geral e uma des-
pesa no particular”. Quando se fala em controle do déficit
público, todo mundo se diz a favor, que é preciso controlar
o déficit público. Agora quando se fala em cortar despesas
específicas, todo mundo diz não, não, espera aí! Essa despe-

Fábio Giambiagi
sa é importante, essa outra despesa é importante.

E o que os governos têm que fazer? Governos


são entidades de representa¢ão majoritária
da popula¢ão que arbitram conflitos. Há uma
soma de aspira¢ões à obten¢ão de recursos que
excede, em geral, a capacidade da sociedade
de prover os recursos. Os governos tentam
conciliar essa diversidade de interesses da
forma mais apropriada para a sociedade, por
meio dos canais de representa¢ão adequados.
ed. especial

52
e-B/02
CAPÍTULO 4

Fábio Giambiagi
Grandes tendências das
finanças públicas

ed. especial

53
e-B/02
No Brasil, obviamente o ano de 1994 é um divisor de águas
na nossa história, foi ano do plano real, do início da estabili-
zação. A história da economia brasileira é dividida em antes

Fábio Giambiagi
e depois de 1994.

No mundo houve, historicamente como tendência, ao lon-


go de décadas, algumas grandes pressões incidindo sobre
o gasto público e quando se fala nisso está se falando em
pressões sobre a taxação. Se tem mais gasto, tem que re-
solver de uma forma, seja tributando mais as pessoas, a so-
ciedade, seja acumulando mais dívida pública.

ed. especial

54
e-B/02
PREVIDÊNCIA SOCIAL

Talvez a mais importante de todas as pressões para gasto


público seja a Previdência Social. Pense na história do ho-
mem milhares e milhares e dezenas de milhares de anos. O
que aconteceu nos últimos 100 anos é um ponto no tempo,
é a modernidade. A história começou no tempo do homem-

Fábio Giambiagi
-de-Neandertal. Nesse sentido a Previdência é um fenôme-
no moderno, embora para o jovem, 1870 seja a pré-história,
na história da humanidade é um fenômeno moderno.

E o que acontecia no passado? As pessoas trabalhavam e


morriam, morriam cedo. Comparativamente aos parâmetros
que temos hoje, é raro uma pessoa chegar viva aos 70, que
dirá aos 80 anos. Não existia o conceito de aposentadoria, o
conceito de previdência, a pessoa trabalhava, e se eventual-
mente devia muito, era um problema das famílias.

ed. especial

55
e-B/02
À medida que a medicina foi avançando, o homem foi vi-
vendo mais, as pessoas foram vivendo mais e isso se tornou
uma questão social.

Os governos, agindo como caixa de


ressonância das pressões da sociedade,
passaram prestar aten¢ão a algo que até
então desconhecido: a existência de um

Fábio Giambiagi
contingente cada vez maior de pessoas que já
não tinha condi¢ões de permanecer no mercado
de trabalho e tinha que ser abastecidas,
supridas de alguma forma, atendidas porque
as famílias já não davam mais conta.

Surge a figura da Previdência Social como uma das ativida-


des assistenciais dos governos, historicamente associada
à figura do chanceler alemão da época, final do século 19,
[Otto von] Bismarck, e depois foi se espraiando pela Europa,
Estados Unidos, e depois chegou aos países chamados hoje
de emergentes.
ed. especial

56
e-B/02
A proporção de pessoas, com 60 anos ou mais, em relação
ao total da população no mundo em 1950 era 8%, em 2010,
11%. E o Brasil não foi alheio a isso. Esta particularidade se
repete em maior ou menor medida como uma tendência
universal.

Há continentes mais jovens. A África claramente tem um


padrão, no momento, diferente do da Europa, está em pro-
cesso evolutivo da sociedade e tem a demografia diferente.
Uma população muito mais jovem se assemelha ao que era
a população da Europa há cem anos. Essas linhas de ten-
dência ao longo do tempo se repetem mais ou menos em
todos os países, como uma tendência de crescimento.

Fábio Giambiagi
Regi ão
Mundo 8,0 8,6 11,1
África 5,2 5,0 5,3
Ásia 6,7 6,9 10,1
China 7,5 7,9 12,4
Índia 5,4 5,9 7,7
Japão 7,7 12,8 30,7
América Latina e Caribe 5,6 6,7 9,8
Brasil 4,9 6,3 10,2
Uruguai 11,8 14,7 18,4
América do Norte 12,4 15,5 18,6
EUA 12,5 15,7 18,5
Oceania 11,2 11,6 15,2
Europa 11,8 16,0 21,9
ed. especial

Fonte: United Nations/Population Division. http://population.un.org/wpp

57
e-B/02
A SAÚDE PÚBLICA

Uma situação estatisticamente média, que afeta a maio-


ria das pessoas. Quando frequentamos médico, hospital?
Quando somos bebês, vamos ao pediatra uma vez por se-
mana ou a cada 15 dias. Depois eventualmente, alguma ci-
rurgia, passamos um ou dois dias no hospital. Desde os 5
anos até os 70 anos frequentamos pouco o hospital. Natu-
ralmente uma pessoa cinquentona, tem que ir mais ao mé-
dico do que aos 20 anos, mas mesmo assim não é muito. Às
vezes, a pessoa chega aos oitenta, noventa, e aí, tem que

Fábio Giambiagi
passar 15 dias, 20 dias internada.

Se colocarmos num gráfico a vida da pessoa na utilização de


serviços de saúde, vamos ver uma certa incidência de utili-
zação de saúde no começo, primeiro, segundo ou terceiro
ano, depois uma coisa muito próxima do zero e estourando
na fase mais avançada da vida.

ed. especial

5 60 - 70
anos anos

58
e-B/02
E o que que ocorre com a distribuição etária das pessoas
na medida em que a sociedade vai progredindo? Qual é a
proporção com 80 anos e mais que demanda muito mais
serviço de saúde do que a população jovem?

Regi ão
Mundo 0,6 0,9 1,6
África 0,3 0,3 0,4
Ásia 0,4 0,5 1,2
China 0,3 0,6 1,5
Índia 0,4 0,4 0,7

Fábio Giambiagi
Japão 0,4 1,4 6,3
América Latina e Caribe 0,4 0,7 1,4
Brasil 0,3 0,6 1,5
Uruguai 1,4 1,8 3,7
América do Norte 1,1 2,2 3,7
EUA 1,1 2,3 3,6
Oceania 1,0 1,4 2,8
Europa 1,0 2,0 4,2

Fonte: United Nations/Population Division. http://population.un.org/wpp

Em 1950 a proporção de pessoas com 80 anos e mais no


mundo era de 0,6% do total; em 2010, passou a 1,6%. Conti-
nua sendo pequena, mas é da ordem de 3 vezes mais. Isso
significa uma demanda por Serviços Hospitalares, da área
de saúde muito maior do que no passado e essa tendência
ed. especial

vai se manter nos próximos anos como uma tendência pra-


ticamente universal.

59
e-B/02
MUDANÇAS
DEMOGRÁFICAS E
CULTURAIS

No caso e da Previdência, além do aspecto meramente de-


mográfico, associado ao fato de que hoje temos muito mais
idosos, se soma uma circunstância feliz (porque está asso-

Fábio Giambiagi
ciada ao grau de evolução e amadurecimento de uma so-
ciedade da maior participação das mulheres no mercado de
trabalho).

ed. especial

60
e-B/02
Na sociedade de 1900, os aposentados eram poucos e eram,
na enorme maioria, homens. Por quê? Porque para uma mu-

Fábio Giambiagi
lher estar aposentada em 1900 teria que ter começado a
trabalhar na em 1860, 1870. Que proporção das mulheres
trabalhava na época? Uma proporção muito menor que a de
hoje. Na medida em que as mulheres, que são metade da
população, passaram a frequentar mais o mercado de tra-
balho, vimos o reflexo no conjunto de novas aposentadorias
30, 35 anos depois.

ed. especial

61
e-B/02
Pirâmide Etária brasileira e projeções futuras:

Fábio Giambiagi
ed. especial

Medium-variant projections for 2010-2100 are shown as thin coloured lines, and uncertainty is shown in
lighter shades for 95 per cent prediction intervals.

62
e-B/02
Expectativa de vida da população Brasileira:

Fábio Giambiagi
Além do fato de que hoje termos muitos mais idosos aposen-
tados do que no passado, temos uma representação muito
maior das mulheres. No conjunto de homens aposentados
de hoje, nós temos uma taxa crescimento “X” em relação ao
conjunto de homens aposentados de 30 ou 40 anos atrás; e
esse aumento no caso das mulheres é muito maior. Porque
antes idoso não necessariamente significava estar aposen-
tado no caso das mulheres. E hoje no caso das mulheres
idosas, a grande maioria são de aposentadas. Enquanto a
ed. especial

taxa de crescimento das aposentadorias masculinas é X, a


taxa de crescimento das aposentadorias femininas é muito
maior do que X, por causa desse aumento da taxa de parti-
cipação. E isto é um fenômeno universal.

63
e-B/02
OUTRAS PRESSÕES

Além desses efeitos que são menores do que no passado,


em maior ou menor medida mas o fato é que guerras es-
observados em praticamen- tiveram por trás da pressão
te todas as sociedades do em cima do gasto público
mundo, previdência social, em muitos países.
saúde, o componente demo-
gráfico associado ao merca- Basta pensar que queira o
do de trabalho e o gênero exército norte-americano

Fábio Giambiagi
feminino, no caso das apo- da época da guerra civil dos
sentadorias, temos outras Estados Unidos, no século
pressões que historicamen- XIX e o que que é o exérci-
te acabaram fazendo com to dos Estados Unidos hoje?
que os governos gastem Hoje as forças armadas dos
muito mais hoje do que no Estados Unidos são um ins-
passado. O que foi a história trumento de gasto público
da humanidade dos últimos poderosíssimo e o mesmo
200 anos? Imaginemos uma ocorre, de modo geral, em
pessoa que tenha nascido diversas outras potências e
em 1915, ela pegou Primeira mesmo em países que não
Guerra Mundial, a Segunda são potências. As forças ar-
Guerra Mundial, a Guerra Fria madas são um componente
etc. Recentemente nós tive- importante de despesa.
mos as Guerras do Iraque e
ed. especial

do Afeganistão, agora ainda


estamos tendo o drama ter-
rível da Síria. São episódios

64
e-B/02
EDUCAÇÃO

Fábio Giambiagi
Outro elemento importante foi a educação. No Brasil, muitas
vezes nós temos uma certa tendência a olhar para o passa-
do e dizer: no passado a educação pública era melhor. Isto
é verdade, mas em parte está associado a uma característi-
ca diferenciada da educação pública de hoje em relação ao
passado. Porque no passado o Brasil era predominantemen-
te um país com muitos analfabetos, poucas pessoas estu-
davam e hoje, felizmente, a grande maioria dos jovens está
na escola e a maioria das escolas é pública. Este padrão de
massificação do ensino se repetiu historicamente ao longo
de 100, 150 anos na grande maioria das sociedades. ed. especial

65
e-B/02
ASSISTENCIALISMO

Outra força muito presente e o assistencialismo está lá no


capítulo 1 de qualquer Manual de Finanças Públicas: é fun-
ção do Estado prover segurança justiça, policiamento, defe-
sa nacional e zelar pelo despossuídos. Por quê?

Porque se tornou parte do contrato social de uma sociedade

Fábio Giambiagi
civilizada que falar uma obrigação moral no sentido de que
o governo, como representação do espírito de uma socie-
dade como um todo, procure evitar que as pessoas morram
na miséria mais absoluta. Em maior ou menor medida, os
países têm políticas assistenciais.

Nós temos hoje, de maneira geral, como tendência


universal, o gasto público representando uma
parcela bem maior do PIB em rela¢ão ao que se
apresentava há 50 ou 100 anos atrás.
ed. especial

66
e-B/02
ANOS 60 E 70

Grandes tendências fiscais do Brasil até 1994. É importante


dar uma ideia de como evoluíram as instituições associadas
à política fiscal nesse período.

Um ponto de partida pode ser o que na historiografia brasi-


leira é chamado de PAEG, que foi o Plano de Ação Econômica
do Governo, instrumentado pelo governo militar no período
de 1964 - 1967, que hoje é reconhecido como um período de

Fábio Giambiagi
grande modernização do estado brasileiro. Aí foram adota-
das políticas importantes, que criaram as bases para um pe-
ríodo de grande prosperidade do país, particularmente no
período de 68 até 73, e um dinamismo um menor, mas ainda
relevante, de 1974 até 1980. Nesse período modernizou-se
a Receita Federal, criou-se o instrumento da correção mo-
netária, criou-se o Banco Central e adotou-se um plano de
ajustamento fiscal que ordenou bastante as contas públicas.

1970 foi uma década em que gradualmente essa


for¢a fiscal, esse vigor fiscal que tinha
sido refor¢ado nos anos 60, perdeu um pouco
de peso. Houve alguns problemas que foram se
ed. especial

ampliando com o passar do tempo. Dois deles


eram particularmente importantes.

67
e-B/02
Primeiro uma certa multipli- Outro elemento de disfun-
cação de orçamentos. Não cionalidade fiscal era a cha-
existia apenas orçamento mada “conta movimento” do
tradicional. Existiam outros Banco do Brasil, um instru-
instrumentos de ação do go- mento a por meio do qual o
verno através do que se cha- Banco do Brasil agia na prá-

Fábio Giambiagi
mava de orçamento monetá- tica em nome do Banco Cen-
rio, que corria à margem do tral, mas sem prestar contas
Congresso sem um controle e que acabava funcionando
democrático (lembremos como um instrumento de
que era um governo militar, emissão sobre o qual o Ban-
mas existia um Congresso co Central não tinha nenhum
funcionando, havia eleições controle.
para deputado) e havia com-
ponentes importantes do
gasto, que não transitavam
pelo Congresso.
ed. especial

68
e-B/02
E adicionalmente, tínhamos as empresas
estatais que praticamente não prestavam conta
a ninguém e que se tornaram um instrumento
poderosíssimo de gasto público e de política

Fábio Giambiagi
fiscal.

Com o passar do tempo acabou constituindo um arcabou-


ço institucional extremamente complicado para uma boa
gestão fiscal, porque na prática o Ministro da Economia e
do Planejamento tinha muito pouca ingerência sobre o que
fazia o Banco do Brasil ou sobre o que fazia a empresa es-
tatal e, além disso, havia poucos instrumentos de controle,
poucas estatísticas.

ed. especial

69
e-B/02
ANOS 1980

Na crise dos anos 80 no Brasil confluíram a crise da Dívida


Externa, a crise da inflação e a crise das finanças públicas,
um coquetel explosivo, que explica porque o Brasil começou
a se perder e se desviou do caminho de desenvolvimento.
Por exemplo, a Coreia do Sul, era um país muito parecido em
termos de desenvolvimento até a década de 60 ou 70 e de-
pois deslanchou e aqui tivemos um atraso enorme histórico

Fábio Giambiagi
em relação àqueles países, em parte pela desordem que foi
criada nos anos 70.

Nesse contexto, os anos 80 foram anos que passaram para


a historiografia como a “década perdida”. Mas foi importante
em termos de construção institucional ou de reconstrução
da institucionalidade fiscal. Em 1979 se cria a SEST (Secre-
taria Especial de Controle de Empresas Estatais) para botar
ordem naquela situação em que cada presidente de estatal
agia como se fosse dono de uma Capitania Hereditária, sem
prestar contas a ninguém.

ed. especial

70
e-B/02
Em 1986 se põe fim à ‘Conta Movimento’ do Banco Brasil.
Em 1988, com o nova Constituição se redefine a situação
orçamentária, de modo que o conjunto de ação e política
fiscal transite através do chamado OGU (Orçamento Geral
de União), que coloca fim na parafernália de vários orça-

Fábio Giambiagi
mentos.

E um fato fundamental: em 1986 se cria a Secretaria do Te-


souro Nacional. Quando você investe num negócio chamado
“tesouro direto”, este é o resultado de uma evolução institu-
cional, que começou em 1986, quando se cria a Secretaria
de Tesouro que passa a ser um instrumento para ordenar o
caixa da gestão pública. Todos os recursos passam por aí
e o governo passa a ter pleno controle estatístico sobre o
processo.

ed. especial

71
e-B/02
INTRODUÇÃO
DAS MODERNAS
ESTATÍSTICAS NO
BRASIL

Fábio Giambiagi
Em 2021 estamos falando sobre uma longa história com
alguma dificuldade para estabelecer séries longas de po-
líticas fiscal. De um modo geral poderíamos falar sobre um
período aproximadamente 30 anos de expansão fiscal. Nós
tivemos uma relativa contenção naquele período inicial dos
anos 80. Na linha do tempo, a economia brasileira se expan-
de bastante até 1980. Em 1981 entra numa grande crise. O
período de 1981 a 83 foi um período de recessão. Em 1983,
com o pedido de empréstimo ao Fundo Monetário Interna-
cional, e o Brasil teve que se ajustar, porque a situação fiscal
tinha fugido do controle.
ed. especial

72
e-B/02
Além do ajustamento tradicional esse período do FMI (1983-
84) foi um período chave para nossas estatísticas porque foi
um período em se criam as modernas estatísticas fiscais. O
Fundo Monetário veio, não apenas com os recursos dos em-
préstimos, mas com um componente de assistência técnica
que ajuda na tentativa de colocar ordem na casa. Até então,
mesmo o Ministro da Economia não tinha a menor ideia do

Fábio Giambiagi
que estava acontecendo com a política fiscal.

A frase de epígrafe que sintetiza muito do que visto aqui,


de autoria de Margaret Thatcher: “se tem alguém receben-
do sem trabalhar, tem alguém trabalhando sem receber”.
Essa frase admite dupla interpretação. Por um lado, pode
ser vista como uma manifestação de enorme insensibilida-
de social, mas encerra um componente que é importante
para levar em conta na análise finanças públicas. Políticas
distributivas e assistenciais são componente chave do Con-
trato Social de uma sociedade moderna, mas essas políticas
têm um custo e é importante que haja financiamento ade-
quado para isso.
ed. especial

73
e-B/02
CAPÍTULO 5

Fábio Giambiagi
Finanças públicas no Brasil

ed. especial

74
e-B/02
Vamos ver aqui o que aconteceu com as Finanças Públicas
no Brasil nas últimas três décadas. Há dois anos importan-
tes nessa história: um é o ano de 1994, que é um divisor de
águas pelo lançamento do Plano Real pela estabilização etc,
e outro é o ano de 1997, em que se iniciam as estatísticas fis-
cais do governo federal da forma em que aparecem hoje no
site do Tesouro Nacional.

VOCÊ SABIA?

Plano Real: O plano real foi a maior medida econômica re-

Fábio Giambiagi
alizada no Brasil e o principal objetivo era acabar com a hi-
perinflação que assolava o país. A idealização do projeto, a
elaboração das medidas do governo e a execução das re-
formas econômica e monetária contaram com a contribui-
ção de vários economistas, reunidos pelo então Ministro da
Fazenda Fernando Henrique Cardoso.

As principais medidas adotadas foram:


- Desindexação da economia;
- Privatizações;
- Equilíbrio Fiscal;
- Abertura econômica;
- Contingenciamento;
- Políticas monetárias restritivas;
ed. especial

Os resultados podem ser vistos no gráfico a seguir, que mos-


tra a inflação antes e depois do plano real.

75
e-B/02
Fábio Giambiagi
Fonte: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/planoreal

ed. especial

76
e-B/02
PRÉ-HISTÓRIA

Embora a estatística oficial documentada na internet hoje


seja de 1997 em diante, as estatísticas que a Secretaria de
Política Econômica fazia antes eram muito parecidas, em
termos de consistência da base de apuração estatística,

Fábio Giambiagi
com as de hoje. E aí, dá para reconstituir séries voltando a
1991.

Em muitos casos vou me referir a séries


históricas, por exemplo a série de 1991 até
2020. Um belo período de 30 anos documentado
na história de nossas Finan¢as Públicas.

ed. especial

77
e-B/02
DIVISÕES DO
GASTO PÚBLICO

Ao observar os dados dos cia e outras despesas, aquilo


gastos públicos (disponíveis que no jargão fiscal se cha-

Fábio Giambiagi
no site do tesouro nacional) ma de OCC, “outra despesa
aparece a seguinte decom- de custeio e capital”.
posição: receita, transferên-
cias por repartição de re- Vou começar pelo geral
ceita, receita líquida (que é e depois falar dos quatro
o resultado a receita bruta grandes agregados: trans-
menos essas transferências), ferências, gasto com pesso-
e depois despesas. E essas al, INSS e finalmente “outras
despesas desagregadas despesas”.
em três grandes categorias:
pessoal, INSS ou previdên-
ed. especial

78
e-B/02
Divisão do gasto público:

Fábio Giambiagi
Quando se compara as receitas com as despesas ou as re-
ceitas líquidas com as despesas tirando essas transferên-
cias, se chega ao resultado agregado.

O Brasil tinha um grande desequilíbrio até 1998. Em 1999, o


ajuste fiscal foi reforçado ao longo dos anos seguintes e se
manteve em maior ou menor medida até os primeiros anos
da década de 2010. A partir daí a situação foi se deteriorando
e o que era uma situação mais confortável, se tornou uma
situação crescentemente complicada em termos fiscais.
ed. especial

79
e-B/02
DÉFICIT PÚBLICO

Antes de nos aprofundarmos é preciso entender os grandes


agregados. O que é o déficit público? É o que na terminolo-
gia oficial é conhecido como Necessidade de Financiamen-
to do Setor Público, NFSP. As necessidades de financiamen-
to do setor público são iguais à despesa de juros e ao déficit
primário, que é o resultado da diferença entre receitas e
despesas tirando juros.

Resultado primário do governo federal:

Fábio Giambiagi

Se o resultado primário for superavitário, a despesa de ju-


ros se desconta desse resultado primário superavitário e um
ed. especial

déficit que vai ser um pouco menor do que a despesa de


juros. Se além da despesa de juros houver déficit primário,
teremos um déficit que vai ser maior do que a despesa de
juros.

80
e-B/02
RECEITA
TRIBUTÁRIA

O Brasil experimentou uma alta da receita tributária ao lon-


go dos últimos 30 anos, mas com algumas oscilações. Nós
tínhamos uma receita claramente insuficiente e quando
vem 1999, o Brasil bateu na trave da moratória, do calote,
estávamos numa situação muito complicada, um contexto
em que o governo tinha grandes dificuldades para se finan-
ciar, os detentores de títulos públicos cobrando juros muito

Fábio Giambiagi
elevados e um de risco de insolvência grande. Ou o governo
decretava o calote ou apertava o cinto.

Foi exatamente o que fez e houve um duplo componente:


um ajustamento do gasto naquele ano e um ajustamento
da receita muito significativo. Esse movimento em parte já
tinha sido iniciado antes, mas se acentuou naquele contexto
e tivemos muitos anos com nível de receita muito elevado,
em função da pressão por mais gastos, ou seja, não adian-
ta criticar o nível de receita se não se olhar para o lado do
gasto.

Quando se diz hoje que o Brasil tem uma carga tributária


da ordem de grandeza de 35% do PIB, muito maior do que
a carga tributária da ordem de 25% do PIB de 20 e 30 anos
atrás, não é porque simplesmente o governo tem uma com-
ed. especial

pulsão maior por tributar, é simplesmente porque hoje o ní-


vel de gasto é muito maior do que o do passado.

81
e-B/02
DESPESA DE
JUROS

Durante muito tempo a despesa de juros foi o principal agre-


gado da despesa total, incluindo juros. Qual é a função da

Fábio Giambiagi
despesa de juros? É fácil de entender.

A despesa de juros, de um modo muito


simplificado, pode ser entendida como um
resultado da multiplica¢ão de dois itens:
1) taxa de juros
2) dívida do passado.
Taxa de juros no ano, multiplicado pela
dívida no final do ano anterior.
ed. especial

82
e-B/02
E o que o Brasil teve depois A cada decisão do COPOM,
de 1994? Um período his- havia um debate importan-
tórico de pouco mais de 20 te na sociedade. Se aquelas
anos de uma taxa de juros decisões foram certas ou
real extremamente elevada. não, ficará para debate dos
Não cabe aqui discutir as ra- historiadores.
zões disso. Hoje as decisões
são tomadas no chamado O fato é que o Brasil, naque-
COPOM (Comitê de Política le contexto, o fiscal muito
Monetária), que se reúne oito complicado, substituiu o que
vezes por ano e define a taxa era uma anomalia, que foi a
SELIC¹, que vai ser a base de altíssima inflação (porque
toda a estrutura de juros do um país evidentemente não
país e toda a decisão do CO- pode considerar normal ter

Fábio Giambiagi
POM está acompanhada de uma inflação de 30% ou 40%
certo grau de controvérsia. ao mês como tínhamos até
Nos últimos tempos, menos 1994), por uma outra anoma-
do que no passado. lia que foi ter uma taxa de
juros real média de mais de
A taxa de juros que, recen- 10% durante um período de
temente nas decisões do um pouco mais de 20 anos.
COPOM, foi de 2% ao ano, já
chegou a ser de mais de 40%
ao ano. E obviamente quan-
do um governo toma a deci-
são de botar a taxa de juros
em 40%, imagine o grau de
controvérsia que isso gera.
ed. especial

 A Taxa Selic é a taxa básica de juros da economia. Constitui instrumento de


política monetária do Banco Central visando o controle da inflação e influencia
as taxas de juros do país (Fonte: Banco Central).

83
e-B/02
Por que a taxa de juros foi elevada nesse período? Para com-
bater a inflação, para combater o temor dos investidores em
relação ao que poderia acontecer com a dívida pública.

O fato é que a taxa de juros foi muito elevada, com algumas


tendências de altos e baixos; tivemos uma dívida pública re-
lativamente elevada, infelizmente, mais elevada hoje do que
no passado. Se havia uma taxa de juros elevada multiplicada
por uma dívida que também era elevada, não tinha como a

Fábio Giambiagi
despesa de juros não ser alta.

Uma despesa de juros que, ainda hoje, com


a taxa de juros caindo bastante, tem sido
da ordem de 400 bilhões de reais é uma
quantidade para ninguém botar defeito, ainda
que no passado recente tenha sido maior.

ed. especial

84
e-B/02
TRANSFERÊNCIAS
NA FEDERAÇÃO

As transferências para estados e municípios são componen-


tes importantes da despesa total do governo federal. Re-
centemente tem sido dada ordem de 4% do PIB. Já foram
menores no passado. E aumentaram em função de dois
componentes.

Fábio Giambiagi
Por um lado, o aumento da receita, porque como as
1 transferências são uma proporção da arrecadação do
imposto de renda e do IPI, em boa parte, uma parte
disso vira aumento de transferências dos estados aos
municípios.

Outro componente foi o aumento da proporção das


2 transferências, principalmente para os municípios.
Porque é um parâmetro institucional e o congresso ao
longo do tempo foi fazendo pequenas modificações
em função de mudanças constitucionais aprovadas
pela maioria do Parlamento (que ampliaram as trans-
ferências principalmente para municípios).
ed. especial

85
e-B/02
E alguns componentes específicos tiveram aumento de im-
portância, por exemplo os Royalties, que estavam definidos
na Constituição, desde a sua origem em 1988, mas que na
época não eram muito representativos. Porque os Royal-
ties se aplicam basicamente a petróleo e o petróleo não era
uma fonte de receita tão importante. A Petrobrás não pro-
duzia tanto em 1988, como passou a produzir posteriormen-
te. E hoje se produz mais com um preço do petróleo maior,

Fábio Giambiagi
com uma taxa de câmbio de referência maior para definição
do preço do petróleo, e isso gera maiores receitas com pe-
tróleo, parte das quais são transferidas para os municípios,
onde se dá o processo de extração. E alguns municípios são
mais favorecidos do que outros.

Hoje essas transferências automáticas são da ordem de


3/4 das transferências totais por repartição de receita. Te-
mos um componente importante associado à transferência
entre Royalties e outros componentes, cada um não muito
importante, que no seu conjunto têm uma certa expressão.
Somando, o conjunto dá os quase 4% do PIB de transferên-
cias a estados e municípios.
ed. especial

86
e-B/02
Na classificação contábil do Tesouro Nacional temos: recei-
tas brutas, transferências por repartição de receita, receita
líquida (que é receita bruta menos transferências), e aí em-
baixo tem uma despesa total. Tirando essas transferências
prestadas aos municípios.

Esta despesa aumentou muito ao longo do tempo. Se con-


siderarmos o total incluindo transferências a estados e mu-

Fábio Giambiagi
nicípios, estamos falando de uma despesa total que era da
ordem de 14% do PIB em 1991, que passa a ser de 24% do PIB
em 2016, quando, não por coincidência, o país adota o cha-
mado “teto do gasto público”, que diz o seguinte: o gasto
tal a partir 2016 não poderá e aumentar por um período de
dez anos.

De um total de despesas da ordem de 24% do PIB em 2016,


se retirarmos as transferências a estados e municípios, so-
bram 20% do PIB. Em 1991 essas despesas eram de 11% do
PIB. Estamos falando de algo que praticamente dobrou de
importância relativa em relação ao PIB. ed. especial

87
e-B/02
DESPESA COM PESSOAL
A primeira das três grandes rubricas de despesa, é a despe-
sa com pessoal. Esta despesa de fato aumentou, mas pouco
em relação ao começo da série. Em 1991, a despesa era de
3,8% do PIB e atualmente é da ordem de 4,4% do PIB. Teve
altos e baixos e aumentou menos do que outras rubricas de
gasto.

Fábio Giambiagi
Algumas estatísticas evoluíram ao longo do tempo e essa
é uma delas. Temos como saber qual é o total da despesa
1991 e como saber qual é a despesa total com pessoal hoje.
Mas não tem como saber a desagregação da despesa no
começo da série em 1991. Tem como saber como se decom-
punha a partir de 1995. Podemos fazer uma comparação en-
tre 1995 e 2019.

ed. especial

88
e-B/02
Gasto com pessoal Governo Central (%PIB)

Fábio Giambiagi
Fonte: Ministério do Planejamento (antigo), Secretaria de Política
Econômica e Secretaria do Tesouro Nacional

Por que que falo em 2019? Porque 2020 é um ponto fora da


curva, não tanto em termos de despesa com pessoal, mas
nas Finanças Públicas como um todo. Talvez o melhor parâ-
metro de comparação para comparar com o passado seja
2019.
ed. especial

89
e-B/02
A CONSTITUIÇÃO
DE 1988 E OS INATIVOS

Quando se olha para 1995 (a despesa com pessoal aumen-


tou muito significativamente na primeira metade dos anos
90), vemos uma razão muito clara: a Constituição de 1988

Fábio Giambiagi
definiu regras de aposentadoria que permitiram que um
conjunto grande de antigos funcionários públicos se apo-
sentassem com rendas generosas, no chamado RJU (Re-
gime Jurídico da União). Entre 1991 e 1994/95, houve uma
explosão de aposentadorias no setor público que, em linhas
gerais, dobrou a importância em relação ao PIB do que se
gastava com chamados inativos do Governo Federal. Era da
ordem de 1% do PIB, em 1991, e passou a ser da ordem de
2% do PIB, em 1995.

A estatística apresentada abaixo só começa em 1995, sim-


plesmente porque não existiam dados com este grau de
desagregação para 1991. Só consigo identificar este grau de
desagregação a partir 1995 (e sei que entre 91 e 95 a despe-
sa aumentou muito).
ed. especial

90
e-B/02
Não quero negar a importância do que ocorreu antes, mas
entre 1995 e 2019 não foi esta a expansão do gasto públi-
co. Porque se olharmos na decomposição desta despesa
vamos ver dois grandes agregados, por um lado a despe-
sa com funcionários ativos, ou seja, aqueles estão na ativa,
estão trabalhando, vão ao trabalho todo dia e os chamados
inativos.

Ativos 2,66 2,82 2,51 2,39 2,29


Inativos 0,91 1,99 2,09 1,77 1,93
Transferências para Pgto. Pessoal 0,23 0,33 0,23 0,17 0,09

Fábio Giambiagi
Total 3,80 5,14 4,83 4,33 4,31

Fonte: Ministério de Planejamento (antigo), Secretaria de Política Econômica


e Secretaria do Tesouro Nacional

Quem são os inativos? São aqueles que trabalharam no go-


verno federal ou seus beneficiários, no caso dos pensionis-
tas, quando houve o falecimento do cônjuge titular do bene-
fício original. Dois grandes agregados.

No caso dos ativos a despesa caiu de 2,66% para 2,29% do


PIB entre 1995 e 2019; no caso dos inativos aconteceu algo
similar, a despesa caiu 2,14% para 1,93% do PIB.

As grandes categorias desses agregados são basicamente


três: funcionários públicos civis do poder executivo; funcio-
ed. especial

nários públicos dos poderes legislativo e judiciário e milita-


res.

91
e-B/02
ATIVOS E INATIVOS
Podemos pegar cada um dos dois agregados, ativos e inati-
vos, e colocar um zoom para ver o que aconteceu.

Vejamos, os funcionários ativos: civis do Poder Executivo


entre 1995 e 2019, a despesa caiu (de 1,68 para 1,37% do PIB);
no caso das funcionárias do Legislativo e do Judiciário au-

Fábio Giambiagi
mentou, mas pouco em relação ao PIB (entre 0,40 e 0,47%
do PIB) e a dos militares caiu (de 0,55 para 0,40%).

ed. especial

92
e-B/02
Vejamos os inativos: entre os civis antigos do Poder Execu-
tivo caiu (de 1,35 para 0,98% do PIB); no caso dos inativos do
Legislativo e Judiciário aumentou proporcionalmente muito,
mas pouco em relação ao PIB (de 0,14 para 0,22% do PIB)
e no caso dos militares aumentou um pouco (de 0,65 para
0,69% do PIB).

Fábio Giambiagi
ed. especial

Fonte: Ministério de Planejamento (antigo), Secretaria de Política Econômica


e Secretaria do Tesouro Nacional

93
e-B/02
A DESPESA
PREVIDENCIÁRIA

Fábio Giambiagi
Por que esta questão é importante? Precisamos entender a
importância relativa dos itens que se alteraram, dentro do
conjunto. O total aumentou muito e o gasto público com
pessoal não aumentou, o que aumentou foi a despesa pre-
videnciária.

A despesa do INSS hoje é da ordem de 9% do PIB e era de


2,5% do PIB em 1988, quando foi sancionada, na época nova
Constituição, com uma série de efeitos claros de impacto
sobre a despesa previdenciária, especificamente.

ed. especial

94
e-B/02
Evolução dos gastos com Previdência

Fábio Giambiagi
Fonte: Ministério de Planejamento (antigo) e Secretaria do Tesouro Nacional

Na despesa do INSS nós temos três grandes causas desse


aumento:

1. o baixo crescimento da economia;

2. o aumento real do salário mínimo desde 1994, que afeta


dois em cada três benefícios previdenciários do INSS;

3. a relativa generosidade da legislação ou da Constituição


em relação a parâmetros internacionais.
ed. especial

95
e-B/02
MUDANÇAS NA
CONSTITUIÇÃO
DE 1988
Há três itens que merecem uma atenção maior.

O primeiro é a figura da aposentadoria por tempo de contri-


buição. A maioria dos países tem a regra de aposentadoria

Fábio Giambiagi
com base em idade determinada. Ou um pouco antes, mas
respeitada uma idade mínima e com alguma perda. Aqui no
Brasil, a Constituição de 1988 consagrou a figura da aposen-
tadoria por tempo de contribuição, homens com 35 anos de
tempo de contribuição. Se o homem começou a trabalhar
aos 18 anos, aos 53 anos - se ele tivesse mantido a contri-
buição - já poderia se aposentar. É uma idade precoce por
qualquer parâmetro internacional de comparação.

Em segundo lugar, as aposentadorias rurais. Em 1988 a nova


Constituição dispôs que o piso previdenciário passa a ser de
um salário mínimo. Antes ele era de meio salário-mínimo. Da
noite para o dia dobra.
ed. especial

96
e-B/02
Quem trabalha na cidade quando se aposenta vai ao pos-
to do INSS e recebe o benefício um ou dois meses depois.
Quem trabalha no meio rural, ia ao posto do INSS, que fica
a 200 ou 300 quilômetros, para ganhar uma aposentadoria
baixíssima; muitas pessoas simplesmente esqueciam e não

Fábio Giambiagi
faziam isso. Quando a aposentadoria passa a ser baixa - e
não baixíssima - aquilo passa a ser um valor interessante. O
número de aposentados rurais em 3 anos, por idade, dobra.
E o que que acontece ao longo do tempo com salário míni-
mo? Dobra.

Uma despesa que era pequena, mas não


irrelevante, se torna oito vezes maior.

ed. especial

97
e-B/02
Não estou entrando em considerações de mérito. Há justifi-
cativas sociais para isso.

Último ponto, benefício e por gênero. A mulher se aposenta


com 30 anos de contribuição. No limite, se uma pessoa co-
meça a contribuir aos 16 anos, pode se aposentar no limite
aos 46 anos. É uma idade extremamente precoce em rela-
ção ao padrão mundial.

Fábio Giambiagi
Contingente de mulheres aposentadas por tempo de
contribuição (milhares de benefícios)

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social


ed. especial

98
e-B/02
OUTRAS DESPESAS
A despesa das “outras des- Além disso, houve rubricas
pesas” merece um olhar que sugiram e outras que
com lupa. Porque foi uma existiam e deixaram de exis-
despesa em que acontece- tir. Essa despesa é uma des-

Fábio Giambiagi
ram duas coisas ao longo do pesa que pode ser mexida
tempo. em momentos de arrocho,
por exemplo. Há outras que
Houve uma granularização, não podem ser mexidas.
uma especificação crescen-
te ao longo do tempo, nas As “outras despesas” são
estatísticas do Tesouro Na- uma miríade de diversas
cional. Ao longo dos anos despesas: o bolsa-família
1990 depois mais ainda na está aí, o seguro-desempre-
década de 2000 e mais ain- go, as despesas com bene-
da na década de 2010, o Te- fícios assistenciais do LOAS,
souro Nacional, com grande despesas com saúde, des-
competência dos seus téc- pesas com educação, des-
nicos, foi fazendo sucessivas pesa com créditos extraordi-
desagregações. nários.
ed. especial

99
e-B/02
DESPESAS
DISCRICIONÁRIAS

Parte dessas despesas acabam sofrendo a incidência do

Fábio Giambiagi
ajuste, as chamadas ‘despesas obrigatórias’. Se houvesse de
cortar 1% do PIB, era cortado nas chamadas ‘despesas dis-
cricionárias’ que é o que sobrou.

Essas despesas discricionárias eram da ordem de 2% do PIB,


e hoje estão se aproximando de 1% do PIB, um corte drás-
tico. O gasto público aumentou. E além disso houve uma
proporção cada vez maior da despesa, que foi associada a
componentes obrigatórios.

Hoje, o Ministro da Economia, na verdade, só tem controle


sobre uma parcela pequena do orçamento. Todo o debate
fiscal se faz em torno de um componente pequeno do gran-
de agregado das despesas.
ed. especial

100
e-B/02
EPÍGRAFE

Termino o capítulo citando uma frase do ex-presidente ar-


gentino Juan Domingo Perón, de uma carta que escreveu
há 60/70 anos para o Presidente do Chile:

Meu caro amigo: Dê ao povo tudo o que for possível. Quando

Fábio Giambiagi
lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá os
resultados. Todos irão lhe apavorar com o espectro de um co-
lapso econômico. Mas tudo isso é uma mentira. Não há nada
mais elástico do que a economia que todos temem tanto por-
que ninguém entende.

- Juan Domingo Perón

Representa o padrão com os quais sucessivos governos fo-


ram se endividando de uma forma irresponsável. A dívida
pública foi aumentando, aumentando. E a questão da dívida
pública aumentar se relaciona com o fato de: alguém vai pa-
ed. especial

gar essa dívida no futuro!

101
e-B/02
CAPÍTULO 6

Fábio Giambiagi
Endividamento público

ed. especial

102
e-B/02
Para que você possa entender melhor as questões
que costumam aparecer todo dia no noticiário,
particularmente nos últimos meses e anos,
quando nos acostumamos a ver manchetes que
dizem que "a dívida pública alcan¢a 65% do PIB,
depois 70% do PIB, depois 80% do PIB, e agora
chegando a 90% do PIB" e onde isso vai parar?

Fábio Giambiagi
Essas histórias em geral não acabam bem e no Brasil já tive-
mos, no passado, episódios traumáticos dos quais talvez o
mais famoso tenha sido o Plano Collor, em 1990, que alguns
devem lembrar ou pelo menos ter ouvido falar. Nós esta-
mos numa trajetória que inspira cuidados. Certamente não
dá para jogar a toalha, mas é uma história que certamente
preocupa.

Um país que tem uma dívida bruta que há poucos anos (dez
anos atrás) era de aproximadamente 50% do PIB e hoje tem
dívida bruta do governo que se aproxima de 90% do PIB,
está nos dizendo que tem alguma coisa errada.
ed. especial

103
e-B/02
ARGENTINA E GRÉCIA
COMO ALERTA

Lembramos de algumas E outro grande caso recen-

Fábio Giambiagi
histórias de endividamento te, que acompanhamos pelo
público muito acentuado de noticiário foi o da Grécia.
outros países, por exemplo Num contexto institucional
a Argentina, que conseguiu e nacional completamente
a proeza de decretar quatro diferenciados, pelo fato de
grandes calotes (“The Four”, pertencer à área do Euro,
termo técnico) em quatro houve uma combinação en-
décadas, um por década, tre esforço do país e contri-
evidentemente o risco de buição do resto da União Eu-
estarmos a percorrer um ca- ropeia para conseguir tirar o
minho como o da Argentina, país da crise.
não é nulo e tem que nos
preocupar.
ed. especial

104
e-B/02
VOCÊ SABIA?

Crise na Grécia (2008-2016)

Na Grécia, após forte deterioração do ambiente fiscal e ma-


croeconômico devido a crise de 2008 e 2009, e com um alto
endividamento público, aumentou-se o risco de calote da
dívida soberana Grega. Com isso, agências de risco rebaixa-
ram a nota da dívida soberana grega. Algumas consequên-
cias desse cenário econômico:

- Aumento das taxas de juros soberanas da Grécia;


- Bancos Internacionais pararam de investir nos títulos do

Fábio Giambiagi
governo grego, o que dificultava o financimaneto das ativi-
dades;
- Grande retirada dos depósitos bancários levaram a restri-
ções de liquidez;
- 25% de queda no PIB entre 2008 e 2016;
- Desemprego aumentou em 16%, atingindo 27% da popula-
ção geral;
- Taxa de desemprego de 60% da população até 25 anos;
- Redução de, aproximadamente, 26% da renda per capita
da população grega;
- Grande fuga de mão de obra especializada e subinvesti-
mentos maciço, geram atrasos econômicos de dificeis de
mensurar;

A resolução da crise grega levou oito anos, três programas


ed. especial

de ajuste econômico, grande reestruturação da dívida e três


rodadas de recapitalização bancária.

105
e-B/02
Redução PIB per capita - Grécia

Fábio Giambiagi
Fonte: tradingeconomics.com | World Bank

No Brasil, não teríamos esse tipo de ajuda externa.

O objetivo é que você tenha condi¢ões de


entender, não apenas o que aconteceu com dívida
pública no Brasil ao longo dos últimos anos
ed. especial

como, também chegar a uma conclusão própria


sobre o que o país terá que fazer no futuro para
sair da situa¢ão difícil que enfrenta.

106
107
CAPÍTULO 7

A dívida pública

ed. especial Fábio Giambiagi e-B/02


e-B/02
Uma coisa muito importante é lembrar sempre
que o déficit é a diferen¢a entre o que o
governo gasta e o governo recolhe de impostos
e contribui¢ões.

Fábio Giambiagi
Vamos assumir, por hipótese, que o Brasil comece hoje, não
tem déficit, não tem dívida inicialmente e no primeiro ano
passa a ter um déficit de 10. O governo tem que se endivi-
dar para financiar esse déficit, para cobrir a diferença entre
o que gastou e o que arrecadou. No final do primeiro ano a
dívida vai ser 10. No segundo ano, por hipótese, o déficit cai
para 5. Além da dívida que tinha no começo do segundo ano
de 10 por conta do déficit do primeiro ano, vamos incorporar
a necessidade de financiamento de déficit no segundo ano,
de 5. A dívida passa de 10 para 15 (simplificando apenas para
o melhor entendimento).
ed. especial

108
e-B/02
PREMISSAS

O primeiro conceito fundamental para levar em conta é o


seguinte:

A dívida pública nada mais é do que o resultado


da acumula¢ão de déficits nos anos anteriores
no Brasil, desde que o Pedro Álvares Cabral
chegou ao Brasil.

Fábio Giambiagi
O segundo conceito é o da dívida líquida do setor público.
Por exemplo: uma pessoa vai ao banco, pega um emprésti-
mo para comprar um carro. Existe uma diferença de tempo
entre o momento em que a pessoa recebe o empréstimo e o
momento em que ele executa o segundo movimento. A pes-
soa recebeu o empréstimo do banco, e antes de comprar
o carro alguns dias depois, faz uma aplicação. Se ela fizer
uma aplicação maior, não é muito razoável considerar que a
sua situação financeira se agravou por conta do empréstimo
que pediu ao banco.

A ideia do conceito da dívida líquida do setor público é jus-


tamente fazer um paralelo com essa situação de empresas,
de pessoas, de famílias, de ter uma variável que desconte
os ativos financeiros das dívidas financeiras e, assim, refletir
ed. especial

melhor o grau de vulnerabilidade da dívida. Do total de dí-


vidas, o governo tem diferentes tipos de papéis, diferentes
tipos de compromissos, que se deduzem alguns ativos fi-
nanceiros.

109
e-B/02
DÍVIDA LÍQUIDA
DO SETOR PÚBLICO

E o que aconteceu com a dívida líquida do setor público,


desde que ela é documentada? Na História Moderna, nossa
estatística remonta ao começo da década de 1980, quando
em 1983, foi negociado um acordo com o FMI. No contexto,
além do suporte financeiro do dinheiro do fundo dos em-
préstimos em dólar e etc, tivemos uma assistência técnica
que foi muito importante para estruturar a contabilidade pú-

Fábio Giambiagi
blica brasileira.

Naquele momento uma das estatísticas, a partir 1983, retro-


age ao ano de 1981. É possível ter uma série da dívida líquida
do setor público no Brasil desde 1981. São 40 anos de esta-
tísticas fiscais com uma qualidade que foi sendo aprimorada
ao longo do tempo.

A estatística da dívida líquida do setor público teve altos e


baixos ao longo do tempo, aumentou muito na primeira me-
tade dos anos 1980 (época de crise da economia). Medindo
a relação entre a dívida e o PIB, quando o PIB encolhe o co-
eficiente aumenta e no período de três anos 81, 82, 83 o PIB
encolheu, passamos por uma recessão dramática.
ed. especial

110
e-B/02
Adicionalmente, tivemos déficits importantes e uma pressão
cambial que jogou para cima a importância relativa da dívida
externa. O fato é que entre o começo da década de 1980 e
meados da década, a dívida aumentou muito, alcançando
níveis da ordem de 55% do PIB, em 1984/85.

Fábio Giambiagi
Fonte: Banco Central

No começo da década houve uma recessão horrorosa e de


1985 em diante, a economia teve um período de crescimen-
to. Na relação entre a dívida e o PIB, quanto maior o cres-
cimento do denominador, menor é a relação. E no período,
uma grande aceleração inflacionária corroeu a importância
relativa da dívida herdada do passado.
ed. especial

111
e-B/02
Se a dívida herdada do pas-
sado é corroída pela inflação,
pode haver déficit e na ver-
dade não pressionar tanto a
dívida (que se deprecia pela
aceleração inflacionária). Por
exemplo, se a inflação for de

Fábio Giambiagi
10%, uma dívida inicial nomi-
nal de 100, depois vai valer
10% a menos.
Na primeira metade dos
anos noventa, essa relação
dívida/PIB continuou caindo
por conta de fenômenos si-
milares aos da segunda me-
tade dos anos e1980, e em
1994 temos um divisor de
águas.

ed. especial

112
e-B/02
A HISTÓRIA SE DIVIDE
EM ANTES E DEPOIS
DE 1994

Fábio Giambiagi
Ainda que a inflação baixa tenha durado por duas ou três
décadas depois, uma economia que funcione com 20% de
inflação ao ano (como no começo da estabilização) é uma
economia completamente diferente do que estava funcio-
nando, com a inflação de 40 ou 50% ao mês, como antes do
Plano Real. Deixa de existir a possibilidade de a dívida ante-
rior ser corroída pela inflação e os déficits passam a pressio-
nar severamente a dívida. A dívida passa a subir fortemente
e nós temos um período de 8, 10 anos em que a dívida au-
menta fortemente até voltar a cair com o ajuste fiscal, que
ocorreu no segundo governo Fernando Henrique e que foi
mantido no governo Lula.
ed. especial

113
e-B/02
Depois, a relação entre a dívida líquida e o PIB volta a cair.
Cai para 30% do PIB, até 2013/2014, quando a economia in-
gressa numa nova crise, de retração da economia, recessão
em alguns anos e fortes déficits; a dívida líquida volta a au-
mentar fortemente.

Fábio Giambiagi
Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI)

ed. especial

114
e-B/02
COMPOSIÇÃO
DA DÍVIDA

A história da dívida líquida ao longo desses


30/40 anos, se assemelha a um W. Sobe, cai, sobe,
e depois volta a cair.

Fábio Giambiagi
Para entender a composição dessa dívida, primeiro temos
que ressaltar que no corte entre dívida externa e dívida in-
terna, há uma clara diferenciação ao longo do tempo.

Quando me formei em 1983, a dívida pública era essencial-


mente externa, como em outros países da América Latina
que que não têm mercados desenvolvidos de colocação de
títulos públicos, etc. O Brasil já tinha marcado títulos públi-
cos internos, mas o grosso da dívida pública, até então, era
externa e isso significava que quando havia uma pressão so-
bre a taxa de câmbio, a dívida externa em dólares, passava a
valer muito mais na moeda na época.
ed. especial

115
e-B/02
A outra distinção é que a dívida interna era essencialmen-
te dívida das empresas estatais. No começo dos anos 80 a
maior parte do déficit era de empresas estatais. Hoje isso se
tornou irrelevante, a dívida líquida do setor público e a dívida

Fábio Giambiagi
das estatais é algo ínfimo.

O grande problema fiscal brasileiro era representado pe-


las empresas estatais tanto em termos de fluxos, de déficit,
como em termo de estoque da dívida.

Um destaque para a distin¢ão entre os


conceitos de fluxo e de estoque.

ed. especial

116
e-B/02
FLUXO
E ESTOQUE

Fábio Giambiagi
Fluxo é o que acontece ao
longo de um período, nas
variáveis macroeconômicas
anuais e estoque é uma va-
riável que se refere a um ins-
tante no tempo. Não faz sen-
tido falar em PIB do dia; é um quantidade de moeda no dia
conceito meio estranho, IBGE 31 de janeiro de 2021 foi de
divulga o PIB do trimestre, o tantos bilhões. Analogamen-
PIB do ano. Estoque se refe- te, a dívida pública, se refere
re a um dia, a base monetá- à posição de final de novem-
ria no dia 31 de dezembro de bro, final de dezembro, final
2020 foi de tantos bilhões, a de janeiro.
ed. especial

117
e-B/02
INFLAÇÃO

A infla¢ão é o resultado da compara¢ão de


médias de pre¢os.

Vamos pensar no tomate. Suponhamos que a média do pre-


ço do tomate em janeiro foi 2,96, mas no dia 31 o tomate
custava 3,02. Em geral, o leigo entende que a inflação de

Fábio Giambiagi
janeiro compara o preço de final de janeiro com o preço do
final de dezembro, e não é assim.

O primeiro ponto a resgatar é que há uma diferença de apro-


ximadamente 15 dias entre a média da colheita e o final. Se
um produto custa 100 no primeiro dia e 200 no último, a mé-
dia vai ser em torno de 150; não é estritamente isso, porque
é exponencial ao longo do tempo. Se o preço no final foi 200,
mas a média foi 150, tem uma defasagem de 15 dias asso-
ciada ao próprio processo de construção do índice.

ed. especial

118
e-B/02
Veja a diferen¢a entre o mundo em que a gente
vive hoje e o mundo real daquela época. Não havia
o desenvolvimento tecnológico e mecanismos
computacionais de hoje, Big Data etc...

Note a dificuldade quando se tinha, por exemplo, uma infla-


ção de 40% ao mês e colocar a SELIC em 42%. Dá uma taxa

Fábio Giambiagi
de juros real de mais de 1% real no mês. Mesmo ajustada
pela inflação, uma taxa real de 1% ao mês é altíssima, em
termos anuais, mas a inflação era divulgada com atraso.

Nessa época, fazíamos coisas que hoje parecem malucas,


ficar horas no banco para fazer uma aplicação financeira. As
pessoas recebiam o salário e tinham que aplicar naquele
dia, senão poderia haver uma corrosão no poder de compra
do dinheiro.

Hoje, vivemos uma inflação anual da ordem de aproxima-


damente 3%. A inflação que o Brasil tem no ano, era inflação
de um dia no começo de 1990, do final do governo Sarney. É
extremamente difícil conduzir a política monetária e a políti-
ca fiscal nessas circunstâncias.
ed. especial

119
e-B/02
CAPÍTULO 8

Fábio Giambiagi
A dívida pública no mundo

ed. especial

120
e-B/02
O que aconteceu nos últimos anos com a dívida
pública pelo mundo?

NA REGIÃO
DO EURO
Começando pela área do Euro. Como resultado da crise de
2008, a maioria dos países europeus tiveram problemas fis-
cais sérios. A partir 2012/2013 muito desses países, mesmo

Fábio Giambiagi
aqueles em situação mais complicada, passaram por ajus-
tes fiscais importantes. A dívida pública, agregada da área
do Euro, cedeu aproximadamente dez pontos entre o final
da década de 2010 e 2012/2013. 95% do PIB para 85%.

ed. especial

Fonte: OECD Economic Outlook

121
e-B/02
Quando se pensa em países, juros, e de como o governo
individualmente considera- consegue administrar, sem
dos, temos uma disparidade grandes traumas.
muito grande e é muito di-
fícil definir qual é uma regra Alguns países europeus por
de bolso, um parâmetro em conta de problemas que
relação à dívida e o PIB, que, se acentuaram na crise de
ultrapassado, se torna extre- 2008 e suas consequências,
mamente perigoso. Um país tiveram dívidas superiores a
pode ter uma dívida de mais 100% do PIB, e passaram por

Fábio Giambiagi
de 100% do PIB e viver numa necessidades de ajustamen-
boa; e um país pode ter pro- to bem significativas, casos
blemas enormes com dívi- como a economia da Grécia,
das de 50% do PIB. O que vai que esteve muito presen-
definir o grau de risco em re- te no noticiário da primeira
lação ao que se espera que metade da década de 2010;
aconteça ao longo do tem- e Portugal, que tem sido nos
po, pensando 5, 10, 20 anos últimos anos, um exemplo
à frente. de sucesso, de país que tinha
uma dívida elevada e passou
Há países que têm uma dí- a cair em função do ajusta-
vida elevada, que se apro- mento fiscal. Outro país que
xima de 200% do PIB, como teve um caso importante de
o Japão, que é algo preocu- dívida foi a Irlanda e também
pante; mas não chega a ser um exemplo muito bem-su-
ed. especial

dramático, pela caracterís- cedido e ajustamento fiscal


tica da economia japonesa, que levou a um declínio da
pelo nível de histórico extre- dívida nos últimos anos.
mamente baixo das taxas de

122
e-B/02
AMÉRICA LATINA

Antes da crise de 2020, os países da América Latina tinham


uma dívida bruta claramente maior do que a média do mun-
do, e do que a média de outras economias emergentes. No
contexto latino-americano a dívida pública do Brasil, parti-

Fábio Giambiagi
cularmente, é maior do que a média do conjunto dos países
da América Latina.

Em compara¢ões internacionais, o Brasil não


está bem na foto

ed. especial

123
e-B/02
A nossa dívida aumentou, inclusive, o parâmetro oficial de
dívida. Cabe chamar a atenção a tecnicalidades: a forma
como a dívida bruta é apurada no Brasil, é diferente das
comparações internacionais, ou seja, a estatística de dívida
bruta do Brasil apurada pelo FMI no quadro comparativo de
países, é maior do que a dívida bruta do Brasil informada nas

Fábio Giambiagi
estatísticas domésticas brasileiras, pelo Banco Central.

Temos uma dívida que é maior do que a dos países


da América Latina e, além disso, uma dívida
em compara¢ão internacional maior do que a
dívida registrada aqui. Não chega a ser algo
dramático, que coloque o Brasil às portas de
um calote, mas é algo que certamente inspira
cuidados em rela¢ão ao futuro.
ed. especial

124
e-B/02
O PROBLEMA
DA DÍVIDA
A dívida em si não é um pro- pequena empresa que está
blema. Quando eu era pro- no Simples, uma empresa
fessor de Finanças Públicas, unipessoal, ter uma dívida
costumava fazer a meus de 10 milhões de reais pode
alunos a seguinte pergunta: ser astronômico e para os
suponha que uma empresa valores com os quais empre-
tenha uma dívida de 10 mi- sa opera; ao passo que para
lhões de reais e uma em- uma grande empresa como
presa B uma dívida de 100 uma Petrobras, uma Vale,

Fábio Giambiagi
milhões de reais. Qual é a uma dívida de 100 milhões,
empresa em pior situação? e não vou dizer que são tro-
A única resposta que cabia cados, mas é escassamente
dar é: essa pergunta não faz relevante em relação ao pa-
sentido. Porque para uma trimônio das empresas.

ed. especial

Essa mesma dinâmica vale para países. A dívida aumen-


tar não é um grande problema, desde que o PIB e a recei-
ta também estejam aumentando, preferencialmente a uma
proporção maior.

125
e-B/02
Agora se a dívida vai acima do PIB todos os anos, ou seja,
todo ano a dívida aumenta 5, 10% quando o PIB aumenta 2,
3%, a dinâmica tende a ser explosiva. Como é que acabam
essas histórias?

Essas histórias acabam de uma das seguintes maneiras:

• Primeira alternativa: o país se ajusta, caso do Brasil em


1999 (bateu na trave do calote da dívida pública), mas se
ajustou e conseguimos vencer as dificuldades sem calote e
aumentando o resultado o primário. É a melhor situação, é

Fábio Giambiagi
dolorosa, custa, o governo tem que aumentar imposto, tem
que cortar gastos, tem que fazer um mix que as pessoas não
gostam, mas é melhor do que uma situação de dar calote,
de ter uma aplicação que num dia vale 100, no outro dia vale
50.

• Segunda alternativa: um calote, a Grécia deu o calote; re-


centemente Argentina deu calote; o Brasil no passado deu
calote. Definitivamente é uma situação traumática e indese-
jável.

• Terceira alternativa: espécie de calote implícito, através


da inflação. O governo não consegue financiar e começa a
rodar a maquininha da emissão, que torna menor o piso das
dívidas anteriores. O Brasil teve a hiperinflação de 40, 50,
ed. especial

80% ao mês, em 1994; estabilizou a economia, mas demo-


ramos 30 anos para chegar a uma inflação menor do que a
inflação maluca.

126
e-B/02
Ainda é muito elevado em termos internacionais uma infla-
ção em torno de três por cento, mas é uma conquista his-
tórica da sociedade brasileira. Seria um verdadeiro pecado
para o país voltar ao passado.

Às vezes, os países conseguem se livrar dos problemas pas-


sados através da inflação. Argentina, por exemplo, experi-
mentou um período de grande crescimento na década de

Fábio Giambiagi
2000. Em 1999, enquanto o Brasil saia de sua crise, a Argen-
tina estava entrando em crise, essa situação que se arrastou
até 2001, quando decretou o calote da dívida e houve uma
grande explosão inflacionária, circunstâncias bastante dra-
máticas. Mas como consequência, houve uma fase de infla-
ção que acabou tornando menor as dívidas em termos reais
herdados do passado. Aquilo é terrível para quem sofre o
calote, mas por outro lado acaba criando as condições em
determinadas circunstâncias para poder sair da crise. Tudo
depende do quê que o governo faz nessas circunstâncias,
para saber se reconquista a confiança e cria condições di-
ferentes, ou se repete práticas e ingressa em um círculo vi-
cioso.
ed. especial

127
e-B/02
Vou encerrar com o Conselheiro Saraiva, que fez um discur-
so na Câmara de Deputados, em 1860! Não é 1960! Não é
2010! Há mais de 150 anos, ele disse:

Por mais que me custe expor-me a ser tido por homem de


pouco juízo, eu não hesitaria em alistar-me ao número de lou-
cos que nutrem a grande e generosa ambição de ver o país
cortado por caminhos, por vias férreas, por canais, embora

Fábio Giambiagi
tudo isso nos desequilibrasse o orçamento e nos fizesse de-
ver dezenas de milhares de contos de réis. Por muito tempo a
nossa escola há de ser toda como menos sensata por aqueles
que elevam a prudência à ordem de primeira virtude. Quero
pertencer à escola dos loucos, porque tenho a certeza de que
a dos prudentes nada fará senão trazer o expediente em dia.

- Conselheiro Saraiva

Quando meus alunos, nas palestras, perguntam por que o


Brasil tem uma dívida pública da ordem de 90% do PIB? A
resposta é: porque o Brasil ao longo de décadas, de alguma
forma, frequentou a escola dos loucos.
ed. especial

128
e-B/02
CAPÍTULO 9

Fábio Giambiagi
Composição da dívida
pública - 1

ed. especial

129
e-B/02
Vamos ver um conjunto de elementos fundamentais para
entender a dinâmica da dívida pública e detalhes de sua
composição.

O primeiro ponto é entender como a dívida pública é com-

Fábio Giambiagi
posta.

Além da distinção entre a dívida externa e dívida interna,


a dívida líquida do setor público nas estatísticas oficiais
(divulgadas na internet pelo Banco Central) é decompos-
ta em dívida do governo central, dívida de estados e mu-
nicípios e dívida de empresas estatais.

Como a dívida líquida, na dívida bruta descontam-se alguns


ativos que na estatística de dívida líquida entram com sinal
negativo, no sentido de que abatem do total da dívida.

ed. especial

130
e-B/02
DÍVIDA MOBILIÁRIA DO
GOVERNO CENTRAL

Quais são os principais elementos da dívida do governo


central? O mais importante de todos é a Dívida Mobiliária
do Tesouro Nacional. São os famosos títulos públicos, que
muitos podem ter na sua carteira de investimentos através
do tesouro direto.

Fábio Giambiagi
ed. especial

Fonte: Banco Central

131
e-B/02
E entre os ativos do Governo Federal, alguns particularmen-
te importantes: as Reservas Internacionais, o maior depois o
Fundo de Amparo ao Trabalhador (ativos que estão na mão
do conjunto dos Trabalhadores, em função da acumulação
de recursos do PIS/PASEP); e também os empréstimos que
foram concedidos ao BNDES e em menor medida à Caixa
Econômica Federal.

Fábio Giambiagi
ed. especial

Fonte: Banco Central

132
e-B/02
É importante esclarecer que na contabilidade do setor pú-
blico consolidado na hora de consolidar, podem haver ativos
e passivos que se anulam. Quando há relações de endivida-
mento intragovernamentais o que aparece como ativo num
caso, vai aparecer como passivo do mesmo valor em outro.

Fábio Giambiagi
É um elemento importante da contabilidade pública, porque
são dívidas dos estados e municípios para com o Tesouro
Nacional. Na década de 1990, os estados e alguns municí-
pios tinham uma dívida com o mercado. No final dos anos
90, o mercado passou a ter receio que os estados dessem
calote. Então, o governo central federalizou as dívidas. Na
contabilidade pública uma dívida que era dos estados e, em
menor medida, dos municípios, para com o mercado se tor-
nou uma dívida dos estados e dos municípios em relação ao
Tesouro Nacional.

ed. especial

133
e-B/02
A dívida externa do setor público. No começo da década de
1980 a dívida pública era fundamentalmente externa e isso
continuou sendo a verdade durante alguns anos.

Fábio Giambiagi
Fonte: Banco Central

A dívida externa líquida continuou sendo positiva durante


muitos anos. Significava que quando havia uma desvaloriza-
ção cambial, a dívida externa passava a pesar mais do que
antes da desvalorização.

Quando houve uma desvalorização grande da moeda na-


cional em 1983, a dívida pública subiu. Quando na crise de
98/99 houve a desvalorização, a dívida externa pública
também aumentou.
ed. especial

134
e-B/02
OS ANOS 2000

O ciclo das commodities o Brasil se beneficiou muito do di-


nheiro entrando no país e inteligentemente o governo brasi-
leiro e o Banco Central começaram a acumular reservas. As
reservas passaram de 100 bilhões até 300 bilhões de dóla-
res e a dívida bruta não aumentou tanto. Chega um momen-
to em que as reservas internacionais ultrapassam a dívida.

Fábio Giambiagi
OC: Operações Compromissadas Fonte: Banco Central

Essa mudança que ocorreu na segunda metade da primeira


década do século atual mudou completamente o panora-
ma fiscal. O que que acontece quando a dívida externa lí-
quida do setor público é negativa e há uma desvalorização,
ed. especial

é que a dívida externa líquida cai. Foi o que aconteceu em


2008. Tivemos uma crise internacional dramática. No final
de 2008, o dólar disparou. Não tinha mais dólar entrando. A
dívida líquida caiu.

135
e-B/02
Naquele período do governo Lula e depois Dilma, como re-
ação diante da crise de 2008 o governo, num primeiro mo-
mento, injetou grande dose de recursos do BNDES. Anun-
ciou que iria emprestar ao BNDES 100 bilhões de reais. Com
o passar dos anos acabou sendo muito mais.

Fábio Giambiagi
A cada momento, em que o governo emprestava recurso
ao BNDES, a dívida mobiliária aumentava, e aumentava um
ativo importante do Tesouro Nacional. Havia uma diferença
fundamental: enquanto o governo emprestava ao BNDES na
taxa de juros de longo prazo, se endividava na taxa SELIC. À
época era mais elevada. Criava um diferencial de juros que
acabava sendo um fator oneroso e que pressionava contra
juros, com o resultado do déficit público.

Com o passar dos anos, os recursos emprestados ao BN-


DES foi aumentando e esse componente do ativo (que ini-
cialmente era irrelevante), até meados da década de 2010,
se tornaram extremamente expressivos, chegando à ordem
de 10% do PIB.
ed. especial

136
e-B/02
OS GRANDES ATIVOS
DO GOVERNO FEDERAL

Quais são os três grandes ativos do Governo Federal são:

os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o


1 FAT, dependendo do ano são 4 a 5% do PIB.

2) os empréstimos ao BNDES e, em menor medida, à


2 Caixa Econômica Federal, que eram irrelevantes até

Fábio Giambiagi
2017, e se tornaram de quase 10% do PIB e posterior-
mente.

3) E finalmente o ativo das reservas internacionais,


3 que dependendo do volume da acumulação de re-
servas e da própria a cotação cambial, que era muito
pouco relevante até o começo dos anos 2000, se tor-
nou algo expressivo.

Com o passar do tempo o mercado passou a deixar prestar


atenção no conceito de dívida líquida e passou a se orientar
pelo conceito de dívida bruta, em função de uma certa con-
fusão contábil associada à interpretação do que aconteceria
esses recursos.

E aí a dívida bruta que era de pouco mais de 50% do PIB, em


ed. especial

2013, aumentou a ponto de se tornar e da ordem 90% do PIB,


recentemente.

137
e-B/02
PAPÉIS DA
DÍVIDA PÚBLICA

A dívida pública é composta por um conjunto de três ou


quatro tipos de papéis predominantes.

O mais importante durante muito tempo foi a chamada a


LFT - Letra Financeira do Tesouro (Tesouro SELIC), um título

Fábio Giambiagi
público indexado à própria taxa SELIC.

O segundo o tipo de papel são as chamadas LTNs (Tesouro


prefixado). São papéis prefixados, papéis com uma cotação
definida no ato da compra para a quitação. E esses papéis
prefixados, definidos já no lançamento com uma taxa de
juros nominal, são dois de tipos: as LTNs, as Letras do Te-
souro Nacional, prefixados de prazo relativamente curtos; e
em contraste com os títulos de prazo curto, temos os títulos
mais longo que são as Notas do Tesouro Nacional (Tesouro
prefixado com juros semestrais), de três, quatro, cinco, dez
anos. ed. especial

138
e-B/02
E finalmente temos os papéis indexados a índices de pre-
ços que são as chamadas Notas do Tesouro Nacional Série
B (Tesouro IPCA+), títulos em que quando a inflação aumen-
ta, automaticamente é incorporada. E rendem uma taxa de
juros reais definida no momento do leilão.

Fábio Giambiagi
Vamos fechar esse capítulo com uma frase da autoria do
político norte americano Phill Gramm:

Equilibrar o orçamento é como ir para o céu. Todos querem ir,


mas ninguém quer fazer o que precisa ser feito para chegar lá.

- Phill Gramm
ed. especial

139
e-B/02
CAPÍTULO 10

Fábio Giambiagi
Composição da dívida
pública - 2

ed. especial

140
e-B/02
Vimos anteriormente que a dívida de hoje é igual à dívida de
ontem mais o déficit de hoje, de uma forma muito simplifi-
cada.

Só que na realidade contábil apareceram alguns ruídos. Al-


gumas coisas estavam perturbando as estatísticas.

Fábio Giambiagi
Na época da inflação muito elevada bancos fizeram em-
préstimos muito difíceis de se recuperar. Após a estabiliza-
ção as circunstâncias mudaram. O Banco do Brasil tinha em-
préstimos que não seriam honrados, mas estava ganhando,
como todo o setor financeiro, muito dinheiro à custa daque-
las pessoas que deixavam o dinheiro mofando sem receber
nada e permitiam, aos bancos, aplicar o dinheiro. Quando
veio a estabilização, essa fonte de recursos secou. O Banco
do Brasil se viu numa situação muito difícil, porque deixou
de ter as receitas e ficou com empréstimos problemáticos.

ed. especial

141
e-B/02
Dois ou três anos depois da
estabilização, o governo fez
uma injeção de recursos,
mas o banco passou por
uma revolução. Hoje é uma
instituição exemplar com Só que no momento em que
ações muito bem cotadas o governo não faz isso (a in-
em bolsa em função de um jeção de dinheiro para capi-
trabalho de aprimoramento talizar o banco), o que que

Fábio Giambiagi
sucessivo ao longo de di- acontece com a macroeco-
versos governos, decisões e nomia?
trabalho exemplar de diver-
sas diretorias. A rigor nada. Quando o go-
verno capitalizou o Ban-
co do Brasil, simplesmente
acontece uma transferência
contábil sem nenhum efei-
to real naquele momento na
economia. Aumentou a dívi-
da, mas não teve uma con-
trapartida associada àquilo
que se pretende medir com
o déficit público.
ed. especial

142
e-B/02
PRIVATIZAÇÕES E
EFEITOS PATRIMONIAIS

Por outro lado, foi uma época de grandes privatizações. O


governo vendia empresas, recebia recursos. A explicação,
no sentido macroeconômico, completamente diferente do

Fábio Giambiagi
que quando o governo enxuga recursos na economia. As
privatizações reduziam a dívida sem ter também impacto
sobre o déficit.

Pelas modifica¢ões contábeis introduzidas,


a dívida de hoje passou igual à dívida de
ontem mais os déficits de hoje, mais os ajustes
patrimoniais que poderiam ser positivos ou
negativos.
ed. especial

143
e-B/02
Esses efeitos patrimoniais passaram a ser capturados pela
estatística de dívida sem necessariamente estarem vincula-
dos à existência de um déficit.

Fábio Giambiagi
Fonte: Banco Central

Esses efeitos patrimoniais explicam porque no segundo go-


verno Fernando Henrique (1998 – 2002), apesar do ajuste fis-
cal, a dívida aumentou em torno de 20% do PIB.
ed. especial

144
e-B/02
A ECONOMIA
CAPITALISTA

Questões presentes no debate, que acabam definindo as


posições dos políticos e que estão presentes no debate
eleitoral, precisam ser esclarecidas agora.

Vejamos uma visão completamente equivocada de parte


da sociedade sobre como funciona um sistema capitalista.
Vou citar uma pergunta de uma prova dada aos alunos no
último ano do Ensino Fundamental de uma das melhores

Fábio Giambiagi
escolas do Rio de Janeiro, para se ter uma ideia de como
alguns equívocos estão presentes no ensino desde a mais
tenra idade. Eis a questão:

QUESTÃO:

Até os dias atuais, muitos países ainda sofrem com as con-


sequências dos empréstimos que tomaram no passado no
mercado internacional. Consequências muito graves, pois
ao pagar dívida e os juros, restam a esses países poucos re-
curos para aplicar em saúde, educação e saneamento. Nes-
sas condições, é difícil realizar o desenvolvimento econômi-
co e social. A dívida externa torna-se um grande obstáculo
ed. especial

para os países pobres. Cite dois obstáculos que essa dívida


externa produz.

145
e-B/02
Aprende-se subliminarmente, em primeiro lugar, que a dí-
vida é um problema; em segundo lugar, que pagar juros é
um problema; em terceiro lugar, que idealmente as dívidas
deveriam ser perdoadas.

Fábio Giambiagi
Isto é um completo absurdo, destrói as bases de
funcionamento de uma economia capitalista.
Uma economia capitalista funciona na base do
crédito.

Quantas pessoas podem se dar ao luxo de comprar uma


casa própria pagando à vista? Pouquíssimas. Como é que as
pessoas compram a casa própria? Dão a entrada e se endi-
vidam.

ed. especial

146
e-B/02
Como esse financiamento
é obtido? A pessoa vai um
banco solicita recursos. Será
que quem fornece os re-
cursos vai fazer o emprésti-
mo se acreditar firmemente
que vai levar a calote? Tem
que pensar na quantidade crédito. O mercado imobiliá-
de transações na vida real rio, de automóveis, de gela-
da economia, que deixaria deiras colapsaria; a econo-

Fábio Giambiagi
de ser feita se não existisse mia colapsaria. O crédito é a
base do funcionamento de
uma economia que funciona
normalmente.

O crédito está associado a uma palavra-chave:


confian¢a. Confian¢a de que essa dívida será
honrada. ed. especial

147
e-B/02
OS JUROS
DA DÍVIDA

Havia uma ideia difundida de que porque o Brasil já pagou


juros durante muitos anos, a dívida externa deveria ser per-

Fábio Giambiagi
doada. O juro é o pagamento de um capital financeiro, pelo
empréstimo.

Outra modalidade de utilização de capital é o aluguel. É o


pagamento pela utilização de um capital imobiliário.

Quem acredita que pelo fato de ter pago juros durante mui-
to tempo a dívida deve ser perdoada, por analogia teria que
acreditar no seguinte raciocínio absurdo: que se o inquilino
pagou o aluguel durante dez anos, no final desse período
deveria ser o proprietário do apartamento.
ed. especial

148
e-B/02
DÍVIDA TEM QUE
SER HONRADA

Fábio Giambiagi
Agora, há situações que fo- Algo similar ocorre com as
gem ao controle e que terão dívidas públicas. As dívidas
que ser tratadas com solu- dos governos têm que ser
ções excepcionais. Isso va- honradas. Pode haver situ-
lerá para as pessoas, valerá ações que o país passa por
para os países. um colapso, o PIB cai, pode
haver circunstâncias onde
Se uma pessoa vai o banco um calote da dívida pública
para obter um crédito, obtém se torna inevitável. No caso
o crédito com a intenção de que vimos da Argentina,
pagar e depois fica desem- com seus quatro calotes em
pregada, acaba numa con- tempo relativamente curto,
dição financeira muito ruim, ao invés de se ajeitar, repete
é completamente diferente sistematicamente o mesmo
daquela situação que tinha erro.
ed. especial

em mente.

149
e-B/02
ORIGEM DA DÍVIDA

A ideia reproduzida por aí de que ninguém sabe


como surgiu a dívida é um equívoco

Fábio Giambiagi
As estatísticas fiscais brasileiras são de uma enorme trans-
parência. Elas são auditadas. Quem se dedica a estudar o
assunto, basta olhar os sites oficiais do Tesouro (sobre o flu-
xo de déficit) e do Banco Central (sobre a evolução da dívi-
da), vai entender exatamente a dívida.

O que não dá é tomar medidas que geram déficits enormes


e depois dizer que não sabe de onde surgiu essa a dívida.

A dívida de hoje nada mais é do que o resultado


da acumula¢ão de déficits do passado.
ed. especial

150
e-B/02
EVITAR PROBLEMAS
DO PASSADO

Fábio Giambiagi
Para evitar problemas do passado temos que ajustar o défi-
cit público.

O Brasil ele tinha um déficit público da ordem de 10% do PIB,


em 2015. Ao longo dos anos seguintes, entre 2015/2019 o
déficit público foi caindo na proporção de 1% do PIB por ano.
De 10 para 9, de 9 para 8, e chegamos a 2019 com déficit da
ordem de 6% do PIB.

Esperava-se que continuasse.

ed. especial

151
e-B/02
PANDEMIA

Em 2020, o Brasil e o mundo enfrentaram uma situação ines-


perada, absolutamente inevitável aumentar o gasto e au-
mentar a dívida. E aí por conta disso a dívida terá dado salto

Fábio Giambiagi
de aproximadamente 15% do PIB.

OK! Tinha de ser dado o auxílio emergencial, tinha de ser


dado o apoio aos estados e municípios. Agora não dá para
aumentar a dívida em 15% do PIB todo ano. O déficit tem que
ser ajustado.

Nós vamos encarar 2021, com um déficit público muito ele-


vado.

O déficit terá que cair e como é uma discussão em aberto,


terá que passar pelo debate democrático. Terá que ocorrer
sob pena de a relação dívida-PIB continuar aumentado. ed. especial

152
e-B/02
PARADOXO

Estamos hoje numa situação curiosa, porque temos uma in-


flação em torno de 3%, mas ao mesmo tempo continuamos
com aspectos da institucionalidade da época da hiperinfla-
ção.

Fábio Giambiagi
Temos a LFT, uma expressão institucional da hiperinflação. É
o jeitinho brasileiro extremamente inteligente que os gover-
nam da época encontraram para ter condições de proteger
o investidor e evitar que ele migrasse para aplicações em
dólar. Quando o investidor nacional migra para aplicações
em dólar, o país tem um problema, porque a economia aca-
ba sendo dolarizada e o governo perde condições de sobe-
rania, perde condições de controle sobre o próprio destino.

Aconteceu um pouco na Argentina com a economia muito


dolarizada. O cidadão típico de classe média da Argenti-
na poupa em dólar, em notas físicas, num cofre físico. Uma
aberração em relação a como funciona o mundo de hoje, o
mundo moderno. O mundo de aplicações é através de ins-
trumentos via celular.
ed. especial

153
e-B/02
SAÍDAS

Fábio Giambiagi
Temos que, gradativamente, migrar para outra situação, re-
duzindo o déficit e ao mesmo tempo alongando a dívida, co-
locando papéis de mais longo prazo.

ed. especial

154
155
CAPÍTULO 11

Epílogo

ed. especial Fábio Giambiagi e-B/02


e-B/02
Temos condições de juntar as duas pernas, do que vimos ao
longo deste e-book, de juntar fluxo com estoque, déficit e
dívida.

Chegamos a uma frase bem-humorada do Ricardo Haus-


mann, economista:

Fábio Giambiagi
A dívida pública se assemelha a uma gravidez indesejada. Ela
é, geralmente, a consequência não desejada e defasada de
atos praticados com outro fim por mais de uma pessoa.

- Ricardo Hausmann
ed. especial

156
e-B/02
Se queremos que o Brasil no futuro tenha uma dívida que
seja diferente do passado, teremos que ter no futuro uma
atitude diferente em relação às questões fiscais.

Muitas vezes o que acontece em um período é o resultado

Fábio Giambiagi
de eventos que aconteceram em anos anteriores.

Medidas positivas tomadas por governos, por vezes acabam


como medidas negativas para o longo prazo. Acabam ge-
rando surtos de popularidade para os governos, mas muitas
vezes criam problemas que estouram anos depois.

O que o Brasil vai ser em 2030/40 vai depender


muito das decisões nacionais, que serão
tomadas nos próximos anos.
ed. especial

157
e-B/02
ENCRUZILHADA
O Brasil está entrando hoje numa encruzilhada.

Nosso atraso não é irreversível. Não estamos como alguns


países muito pobres na América Central e na África, onde é
muito difícil ser otimista para o futuro, porque enfrentam ad-
versidades estruturais grandes.

Fábio Giambiagi
Ao mesmo tempo o país errou muito nos últimos anos.

A crise de 1980, foi um pouco parte de erros dos anos glorio-


sos dos anos 1970 que não foram devidamente vistos. Pare-
cia que o Brasil estava começando a se arrumar na década
de 90 e na primeira década do século atual.

O Brasil tomou decisões muito erradas que


tiveram como consequência a crise dos anos
recentes ed. especial

158
e-B/02
É importante refletir sobre isso, ter consciência sobre as de-
cisões que terão que ser tomadas, que são decisões difíceis,
mas que terão que ser negociadas como tudo tem que ser
negociadas numa democracia. Mas sempre tomando deci-
sões que possam ser explicitadas e defendidas olhando nos
olhos do eleitor.

Em 1994, o Brasil adotou o Plano Real, a URV. Quando foi


concebida parecia coisa de maluco. Isso foi explicado, a po-

Fábio Giambiagi
pulação entendeu e no dia trinta de junho de 1994, os preços
foram transformados da moeda da época, em Reais.

Se explicou para mais de 190 milhões de brasileiros, muitos


deles sem nenhuma educação financeira, como é que deve-
ria ser feito. Em 1999, o Brasil fez um ajuste fiscal dramático,
batemos na trave do calote. Conseguiu se explicando, utili-
zando a didática.

É disso que precisamos, expor os problemas,


ter um diagnóstico adequado, ter uma proposta
de solu¢ão e o mais importante de tudo: ter um
norte, explicar para as pessoas
ed. especial

159
e-B/02
DESAFIO DE
COMUNICAÇÃO
Me dediquei por mais de 25 anos à causa da Reforma da
Previdência. Com poucos colegas, debatemos o assunto,
parecíamos pregadores no deserto.

Um antigo ministro da Previdência, que acabou se tornando


meu amigo, me disse uma coisa que ficou gravada. Ele dis-
se, Fábio, por mais complexo que seja o problema nunca
subestime a capacidade de compreensão da maioria das
pessoas.

Fábio Giambiagi
A autoridade tem que ter a capacidade de
transformar temas complexos em palavras
adequadas de uma forma que possam ser
compreendidos pela popula¢ão.

Se a população compreender a natureza do problema, isso


terá sido meio caminho andado para que possa ser aprova-
da a solução para o encaminhamento da questão.

Eu sou Fábio Giambiagi e essa foi a minha Finclass.


ed. especial

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e-B/02
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pela Lei 9.610 de 19/02/1998.

Nenhuma parte deste guia poderá ser reproduzida ou


transmitida sem autoriza¢ão prévia da marca FinClass.

Fábio Giambiagi
FINCLASS

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ed. especial

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