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ENTENDENDO O ESG
FINCLASS

ed. especial Fábio Alperowitch


FábioAlperowitch e-B/06
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ed. especial Fábio Alperowitch e-B/06
e-B/06
Fábio Alperowitch
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ed. especial

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CAPÍTULO 1

Introdução

ed. especial Fábio Alperowitch e-B/06


e-B/06
OLÁ,
Meu nome é Fábio Alperowitch, sou sócio fundador da Fama
Investimentos, que fundei junto com Maurício Levine, em
1993; e vou contar um pouco de como cheguei até aqui.

Estudei Administração de Empresas, na FGV e decidi fazer

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um estágio em uma multinacional na área financeira; não
tinha nada a ver com mercado financeiro, era a Procter &
Gamble. Quando fazia o estágio, meu melhor amigo da
faculdade, o Maurício, se juntou à empresa e começamos
a conviver bastante. Estudávamos de manhã na faculdade,
trabalhávamos à tarde e decidimos olhar cada vez mais o
que a gente gostava bastante, que era investimentos.

Seguíamos as empresas, observávamos, o problema é


que não tínhamos dinheiro. Em maio de 1992, decidimos
convencer as pessoas, que trabalhavam conosco, a cada
um dar um pouco de dinheiro, iríamos fazer uma carteira de
investimentos. Conseguimos convencer vinte pessoas, cada
um deu 500 dólares. Conseguimos 10.000 dólares sobre
gestão e entre maio de 1992 e maio de 1993 fizemos a nossa
administração de portfólio lá.
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FAMA INVESTIMENTOS
Eu tinha 20 anos, o Maurício tinha 21 e os resultados foram

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fantásticos. Obviamente com a nossa arrogância de 20 anos
de idade, achávamos que era super fácil e que a nossa vida
seria supertranquila e decidimos pedir demissão e sermos
gestores de recursos ao invés de seguir uma carreira em
uma multinacional.

Pedimos demissão em maio de 1993 e fundamos a Fama


Investimentos. Estávamos no último ano da FGV. Fomos para
casa, porque não tínhamos escritório e tivemos o primeiro
choque de realidade. Tínhamos 10.000 dólares sob gestão
com 2% de taxa de administração ao ano, 200 dólares por
ano, menos de 20 dólares por mês de faturamento.
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Não tínhamos absolutamente nenhum orçamento para
comprar pesquisa, nem um tipo de informação. Lembrando
que em 1993 não existia internet. Pior, quando tentávamos
operar em corretoras, operávamos em Discount Brokers,
corretoras que dão preços mais baixos. Não tínhamos

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dinheiro para operar em corretores que davam algum tipo
de relatórios, chamadas Research Brokers. Éramos órfãos de
informação.

Estou contando um pouco dessa história porque foi


fundamental na formação do nosso DNA. Porque sem
internet, sem acesso à informação e sem acesso a relatório, a
gente só tinha uma alternativa, sair em busca de informação
no mundo real. O nosso dia-a-dia era, enfim, de funcionários;
só tínhamos nós dois, fazíamos as análises, as operações,
varríamos o chão, fazíamos absolutamente tudo.

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COMO NOSSAS
ANÁLISES ERAM
FEITAS
Para fazer as análises, tínhamos que passar o dia inteiro em
supermercados, em feira, conversando com pessoas do

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mundo real. Passávamos cerca de 5, 6 horas, por exemplo,
pesquisando o mercado de leite, então, ficava eu no cor-
redor que vendia leite perguntando para cada consumidor
que fosse comprar um pacote: por que você escolhe aquela
marca de leite? Por que você é fiel à marca? Por que esse é
o mais barato? Por causa da disposição na gôndola? Por que
a embalagem é mais bonita? Perguntava o que tinha levado
o consumidor a tomar a decisão de compra.

Lógico que sabíamos que era estatisticamente irrelevante


irmos a São Paulo, em 5 ou 6 supermercados para analisar
uma marca que fosse nacional. Mas isso dava para gente
bastante insight de informação, de marca, de consumidor
e de tomada de decisão. Foi parte importante da nossa for-
mação de analistas, esse é o primeiro ponto.
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O segundo ponto importan- soas de escalão intermedi-
te é que não éramos aceitos ário, supervisores, gerentes,
para fazer reunião com em- funcionários muitas vezes
presas e muito menos com sem cargo de liderança e
bancos ou corretoras. Quan- conversávamos longamente
do tentávamos marcar uma com elas, para entender um
reunião, obviamente pelo pouco mais sobre a empre-
nosso tamanho, não éramos sa. Então, conseguíamos ter
aceitos. A gente pegava uma uma visão holística sobre a
lista telefônica que hoje é empresa, como um todo e
peça de museu, e ligávamos de diversos departamentos,

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para várias pessoas que tra- uma visão das pessoas com
balhavam na empresa até um pouco da visão do pro-
que alguém falasse conos- duto, que para nós era bas-
co. Geralmente eram pes- tante importante.

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No primeiro dia da Fama, a gente se fechou no meu quarto,
que era o escritório e, depois de muita conversa, escreve-
mos um documento que chamamos de Os Dez Mandamen-
tos da Fama. O primeiro Mandamento:

Nós não compramos a¢ões, compramos empresas.

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Pode parecer uma sutileza, mas isso dá para nós uma per-
cepção completamente diferente sobre o mundo de inves-
timentos. Porque quando a gente compra uma ação, ela não
tem personalidade, você compra uma ação a 20 e vende a
30, você teve lucro e acabou, mas se está comprando uma
empresa, ainda que compre uma fração desprezível do ca-
pital da empresa (0,0000001%), está se tornando sócio de
alguém. E se estou me tornando sócio de alguém, quero sa-
ber de quem sou sócio. Se essa pessoa é ética, íntegra, se
trata bem os funcionários, como trata o meio ambiente, se
paga impostos corretamente, o que produz, se está produ-
zindo algum produto que faz mal para outras pessoas. Tudo
isso passou a ser relevante, desde o primeiro dia.

Esse, para nós, foi um embrião do ESG. É importante contex-


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tualizar com a história do embrião da Fama.

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NOSSOS
PRINCÍPIOS
O primeiro princípio é o tipo de empresa que compramos.
As empresas em que investimos precisam estar alinhadas

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com nossos valores pessoais. A gente só investe em empre-
sas de alta qualidade e que respeitem os direitos humanos,
o meio ambiente, a ética e que estejam calcadas em bons
princípios de governança.

O segundo princípio é em relação à pesquisa e research


(análises), gostamos de acessar o mundo real, desde lá de
trás, gostávamos de visitar supermercados, lojas, consu-
mir o próprio produto e essa é uma tônica que prevalece
até hoje. Hoje temos mais recursos, recebemos relatórios,
temos acesso às empresas, mas desde o momento que a
gente começou a ter acesso aos top management (pessoas
de liderança das empresas), a nossa visão piorou ao invés
de melhorar.
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Em quase 30 anos, nunca vi um CEO dizer que o produto é
ruim, que as margens vão piorar, que a empresa tem pro-
blema de crescimento. Eles não vão falar isso. Não vão falar
porque têm vieses ou porque vão esconder dos analistas ou
do mercado. As percepções mais reais e verdadeiras que te-
mos sobre a empresa nunca vêm da liderança da empresa.
Vêm das pessoas de outros níveis da empresa ou dos outros
stakeholders (partes interessadas). O que prevalece até hoje
é tentarmos entender a empresa não pelas lideranças, mas
de concorrentes, fornecedores, clientes, funcionários, etc.

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Esse é um processo de pesquisa longo, e já que demora,
somos investidores de longo prazo; tem empresa na nossa
carteira que está há mais de 15 anos. Só faz sentido investir-
mos tanto tempo no processo de análise se ficar investido
por muito tempo.

Realmente acreditamos num processo de investimento que


seja bastante robusto, calcado em muita pesquisa qualita-
tiva, em que a gente consiga ter uma real noção de quem
são os empresários, de qual é a cultura corporativa, qual é o
posicionamento da empresa, a qualidade da companhia, os
princípios.

E por princípios digo sobre o que a empresa está calcada,


como direitos humanos e questões ambientais, fundamen-
tais para o processo de tomada de decisão e aí, sim, decidi-
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mos nos tornar sócios.

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MITIGANDO
OS RISCOS

Administramos um único
portfólio; entendemos até
por uma questão de gover-
nança que queremos ter um
Outro ponto fundamental, alinhamento total com os
sempre gostamos muito de nossos investidores, esta-
diversidade, principalmente mos expostos a exatamente

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de debate de ideias. Maurí- o mesmo portfólio sempre,
cio e eu temos papéis com- podem existir veículos dife-
pletamente diferentes den- rentes, até porque existem
tro da Fama; sou, e sempre fundos exclusivos, mas eles
fui, o construtor de teses de têm sempre, exatamente o
investimentos e o Maurício mesmo portfólio.
é, e sempre, foi o destruidor
de teses de investimentos. Atualmente, administramos
Apreciamos a diversidade, o 2,8 bilhões de reais, sobre-
contraditório, ter uma pes- tudo de investidores estran-
soa que só procura as ques- geiros, 80% dos nossos in-
tões positivas e constrói tese vestidores são estrangeiros;
e outra que olha os riscos e a maioria dos investidores
tenta destruir as teses, faz não institucionais, são fun-
o processo de investimen- dos de pensão, endowments
to mais sólido. Tentamos, o (universidades), family offi-
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tempo todo, mitigar riscos e ces, mas a gente também


já conseguimos evitar vários está disponível nas platafor-
problemas. mas de varejo.

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INSTITUTO FAMA
Em 2010, abrimos o Instituto Fama, para canalizar todas as
causas sociais; apoiamos oito causas ambientais. Uma par-
cela importante dos nossos resultados é anualmente de-
positada no Instituto. Em 2011, nos tornamos signatários do
PRI (Princípios para o Investimento Responsável) e segui-
mos esses princípios. Em 2019, nos tornamos signatários do

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CDP (em inglês, Carbon Disclosure Project), que trata sobre
transparência sobre as emissões de carbono. Em 2020, nos
tornamos signatários do Pacto Global e seguimos os princí-
pios constantes no Pacto das Nações Unidas e no mesmo
ano nos tornamos uma empresa do Sistema B (B Corpora-
tion), que é um conjunto das empresas mais sustentáveis do
mundo. Existem pouquíssimas aceitas, são poucas gesto-
ras e a Fama é uma delas. Também em 2020, produzimos o
primeiro inventário de carbono do portfólio de uma gestora
brasileira. Jamais havia acontecido no Brasil, não só fizemos
o reporte de carbono, como também temos carbono nega-
tivo no nosso portfólio e isso é bastante relevante, isso está
totalmente alinhado com a nossa maneira de ser e pensar. ed. especial

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A Net Zero Asset Managers são 29 assets gigantescas como,
Fidelity, Rubicon, Generation e tantas outras que se com-
prometeram a ter os portfólios descarbonizados até 2050;
nós somos os fundadores da iniciativa e somos os únicos da
América Latina. Estamos bastante ativos nessa agenda de
ESG (em inglês, Environmental, Social and Governance).

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Na minha vida privada, também sou bastante ativo, nas-
ci com esse DNA, participo ativamente de sete ONGs, das
quais três eu fundei; ONGs de vários os tipos, direitos huma-
nos, cachorros; também sou membro do conselho de ONGs
de conservação ambiental como WWF; sou do conselho do
Capitalismo Consciente Brasil; conselheiro do GRI, que tra-
ta de reporting de sustentabilidade para empresa de capi-

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tal aberto e assim sucessivamente. A nossa vida dentro da
Fama e vida privada também, estão completamente ligadas
à ESG.

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CAPÍTULO 2

O novo capitalismo

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Temos visto muito nos jornais, podcasts, lives, de um ano pra
cá, muita coisa sobre ESG e parece que é um conceito novo,
um conceito da moda, mas não é nem novo e nem da moda.
Quero contextualizar e trazer um pouco do processo históri-
co e também dizer por que estarmos falando muito hoje, por

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que não é novo e por que vai ficar, de repente, cada vez mais
presente nas nossas vidas.

Vou voltar um pouquinho para a década de 1990, quando


comecei minha carreira profissional, comecei a Fama em
1993 e era, por coincidência, a época mais hostil do capita-
lismo, era muito comum a gente ouvir frases como, “quero
amassar o fornecedor”, porque a lógica naquele momento
era buscar o lucro, passando por cima de qualquer coisa,
inclusive por cima dos seus princípios. Você podia buscar
qualquer artifício para aumentar os resultados e vou dar al-
guns exemplos.
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Como eu falei, “amassar os fornecedores”, era uma práti-
ca normal, as empresas iam até os fornecedores e pediam
muito desconto, pediam mais prazos, deixavam de pagar na
data de vencimento, era absolutamente normal, e se o for-
necedor as quebrava, arrumavam outro fornecedor. Essa era
a norma de se fazer, as grandes empresas faziam isso com

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os fornecedores pequenos, tiravam vantagem do tamanho
para aumentar os lucros frente aos pequenos fornecedores.

Com os colaboradores era a mesma coisa, era supernormal,


no final de cada ano, as empresas demitirem 2%, 3%, 4% da
força de trabalho e exigirem que o restante que permane-
ceu na empresa, aumentasse a produtividade. A ideia era
mandar uma pequena porcentagem embora e exigir, dos
funcionários que permanecessem, aumentar a produtivida-
de, no ano seguinte fazia a mesma coisa e no próximo ano
também até que esgotava totalmente a capacidade física e
mental dos funcionários.
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Com os clientes também. Qual era a lógica com os clientes?
As fábricas buscavam as matérias primas mais baratas e um
produto que durasse menos, não tinha problema, vendia-
-se assim mesmo. Se o produto quebrasse, melhor ainda,

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porque os consumidores voltavam para comprar outro mais
rápido. Se consumidor tinha que enfrentar filas gigantescas
para ser atendido, o problema era dele e não da empresa,
porque a empresa está aumentando o lucro.

Essa era a forma comum das empresas serem administra-


das nos anos 90. Além disso, dentro do mercado de capitais,
existiam várias operações de fusões, aquisições, etc., e os
direitos dos minoritários não eram respeitados. Os privile-
giados eram os próprios acionistas, em detrimento dos acio-
nistas minoritários.

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A lógica era a seguinte: eu olho para o meu umbigo e não
olho para mais ninguém. Eu olho para o shareholder (acio-
nistas) e não olho para os stakeholders (partes interessadas),
não olho para fornecedores, clientes, meio ambiente, cola-
boradores, governos, concorrentes, para mais ninguém.

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O problema dessa lógica é que se olhar a curto prazo, ela
até dá algum resultado. Algumas empresas começaram a
questionar sobre a sustentabilidade do modelo a longo pra-
zo. Começaram a se perguntar, se eu não estabeleço uma
relação de confiança com meu fornecedor, se quebro o meu
fornecedor, como vou conseguir ter uma cadeia de supri-
mento que funcione? A hora que eu precisar, ele não estará
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lá; a hora que eu esgotar a capacidade do meu funcioná-


rio, não tenho mais produtividade, então preciso mudar meu
modelo de ser.

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A NOVA DINÂMICA DE
STAKEHOLDERS

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Algumas empresas começaram a questionar aquele mo-
delo anterior (shareholder) e fazer um modelo exatamente
contrário (stakeholder); começaram a estabelecer uma boa
relação com os fornecedores, começaram a ter ambientes
favoráveis para os colaboradores, produtos e níveis de ser-
viço melhores para os clientes e assim sucessivamente.

Curiosamente, as empresas que estavam deixando um pou-


co de dinheiro na mesa – as, começaram a ter mais dinheiro.
É um paradoxo, porque se você deixa mais dinheiro na mão
do fornecedor, do colaborador, do cliente, também porque
está dando um produto melhor, então deveria sobrar menos
lucro e sobrou mais. ed. especial

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Foi a origem de um novo modo de pensar, aquele modo de
capitalismo anterior, capitalismo shareholder, que olhava só
para si mesmo. É um processo, não é um interruptor de liga
e desliga, mas muitas empresas começaram a perceber o
capitalismo de stakeholder.

Só que para esse tipo de capitalismo de fato acontecer, pre-


cisa mudar toda uma cultura corporativa e cada vez mais
empresas começam a entrar nessa nova forma de capita-

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lismo em que todos os processos decisórios passam a con-
templar as diferentes partes interessadas, ou seja, os dife-
rentes stakeholders.

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A ORIGEM DO ESG
O ESG dialoga muito com a mudança na forma de pensar,

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na essência. O ESG, como sigla, surge em 2005, mas o inves-
timento responsável, pessoas que levam em consideração
as questões socioambientais, existe há séculos e, quando
falo em século, não estou exagerando, existem há mais de
100 anos mesmo. Existem fundos que tratam dessas ques-
tões ambientais desde os anos 60, o nosso próprio fundo é
de 1993 e já traz essa questão. A nomenclatura é diferente,
antes chama-se Investimento Responsável e era uma no-
menclatura ruim, porque Investimento Responsável é um
conceito muito abstrato, pode significar muitas coisas; no
fundo não é nada, é muito difícil definir o que é responsável.

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Quando em 2004, 2005, surgiu o acrônimo ESG, ficou muito
mais fácil de explicar as três letrinhas, ESG - Environmental
Social and Governance, ou seja, Ambiental Social e Gover-
nança. Estão claros os três pilares, é fácil de falar em qual-
quer língua; o conceito ficou muito mais claro e passou a ser
disseminado mais fortemente desde então, mas o conceito
já é bastante antigo.

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Investimentos responsáveis As questões de diversida-
existem há muito tempo, de também são presentes
essa transição de capitalis- na Europa, afinal você anda
mo de shareholder para ca- uma hora e está em um país,
pitalismo de stakeholder co- mais uma hora e está em
meça a partir dos anos 1990, outro país, é acostumado a
anos 2000; de 2004 para trabalhar numa empresa em

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2005, começa a nomencla- que tem cinco, oito línguas
tura ESG e aí acontece uma diferentes, pessoas total-
coisa bastante curiosa. mente diferentes, esse “cho-
que cultural” é totalmente
A Europa dialoga muito bem normal na Europa.
com as questões de ESG na-
turalmente, porque a educa- Um dos conceitos relevantes
ção ambiental faz parte do do ESG é a questão de diver-
currículo escolar desde a in- sidade. Nos países nórdicos
fância em grande parte dos (a Holanda é guiada mais
países Europeus, as pessoas para o social), esses concei-
já estão acostumadas a lidar tos couberam muito bem.
com questões ambientais.
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O ESG NO BRASIL
O Brasil, em geral, em muitas coisas, espelha mais um mo-
delo americano, a gente ouve mais músicas americanas, vê
mais filmes americanos e nosso modelo de investidor tam-
bém é mais americano, nós lemos mais autores americanos,
no mundo de investimentos, a gente replica mais o modelo
deles do que o modelo europeu.

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Enquanto o ESG foi se desenvolvendo na Europa, o Brasil fi-
cou muito para trás no debate e para piorar, infelizmente no
Brasil, tanto a questão de direitos humanos, quanto a ques-
tão ambiental, no mercado financeiro, foram ideologizadas.
O que é um absurdo, porque direitos humanos e meio am-
biente não tem ideologia, não faz menor sentido ideologizar
essas questões, mas o mercado financeiro acabou fazendo
isso nos últimos 30 anos.

No mercado financeiro, quando tentavam


tratar de questões de direitos humanos
ou de meio ambiente já definiam como papo
ideológico e negavam as ideias, então o
mercado financeiro não teve esse debate
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durante muito tempo.

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O que aconteceu, foi uma Justamente por Trump ser
história interessante e foi um tão vocal e contrário à ESG,
paradoxo, foi que nos EUA o os bolsões Califórnia e Nova
ESG também não foi muito York, que praticavam ESG,
popular como havia sido na começaram a sentir a neces-
Europa, tinha um bolsão na sidade de serem mais vocais
Califórnia, um em Nova York, e começaram a gritar sobre
onde essas questões flores- as práticas de ESG. Justa-

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ciam, mas no geral não era mente quando veio a eleição
muito desenvolvido. do Trump, esses bolsões,
apoiados um pouco pela in-
Até que veio a eleição do Do- fluência europeia e um pou-
nald Trump, a eleição dele co de mídia, fez com que
trouxe um conceito interes- ESG tomasse mais corpo a
sante, porque o Trump foi partir de 2017, nos EUA.
eleito numa agenda antiam-
biental e antissocial. Quan-
do foi eleito, falava de muro
com o México, de desfazer
os acordos de políticas am-
bientais do Obama, de sair
do acordo de Paris.
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A partir desse momento, no Brasil, acontece um fenômeno
muito parecido, a gente tem a eleição de 2018, com uma
característica parecida com a eleição americana. Acaba
acontecendo um debate de direitos humanos e ambiental

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levados para um segundo plano. Quem reagiu mais alto foi
a mídia; falo porque sempre fui interessado no tempo, prin-
cipalmente social e ambiental, e não conseguia encontrar
notícias da área ambiental, por exemplo, em jornais mains-
treaming, nos jornais principais no Brasil até 2019. Quando
queria me informar sobre questões ambientais, tinha que
recorrer à mídia especializada. Hoje você pode abrir qual-
quer jornal de grande circulação e todo dia vai ter notícia de
sustentabilidade, todo dia vai ter notícias ambientais. Mudou
o foco da mídia e isso veio a partir da eleição de 2018.

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Aconteceram alguns eventos relevantes para o desenvol-
vimento do ESG no Brasil. Em janeiro de 2019, houve o de-
sastre do rompimento da represa de Brumadinho; em julho
e agosto ocorreram as queimadas da Amazônia; e no final
do ano teve o vazamento de óleo nas praias do Nordeste.
São três eventos que ganharam muito destaque e com todo
aquele contexto, o assunto começou a ficar efervescente

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em 2019.

Em janeiro de 2020, houve dois grandes eventos. Primeiro,


pela primeira vez na história, o Fórum Econômico de Da-
vos trouxe os cinco maiores riscos, que foram ambientais, e
trouxe uma luz muito grande para o tema. Logo depois veio
a famosa carta do Larry Fink, que é o CEO da BlackRock,
maior gestora do mundo, 8 trilhões de dólares sob gestão e
essa foi a gota d’água para realmente o assunto explodir no
mundo. Tudo isso, em janeiro de 2020, e logo depois vem a
Pandemia de Covid-19, e o assunto foi para segundo plano.
Demorou tanto para o ESG ganhar dimensão no Brasil, du-
rou um mês e acabou.
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Existia também uma outra corrente de pessoas, na qual me
incluo, que acreditavam que era exatamente contrário, jus-
tamente pelo fato da Covid ter aparecido, o ESG ia ganhar
um impulso adicional.

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No momento do surgimento da Covid, as manchetes iriam
ser dominadas pela pandemia, mas logo depois o ESG ia ga-
nhar um impulso, porque no final das contas, a Covid traria
um holofote muito grande para duas coisas: a primeira é a
Ciência, porque o brasileiro infelizmente é um dos povos do
mundo que menos segue ciência; a segunda é a questão
social, as empresas começaram a pensar um pouco mais
sobre seu papel, começaram a questionar se era só a venda
de produtos e serviços, ou se tinham algum papel a mais
dentro da responsabilidade, que é cuidar dos colaborado-
res, cuidar das comunidades no entorno. A pandemia de Co-
vid-19 trouxe esses questionamentos de fato.
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Assim que a pandemia começou a sair um pouquinho do
destaque principal dos jornais, o ESG voltou a ganhar no-
toriedade. Parece, agora, que no Brasil para onde quer que
se olhe, a gente convive com ESG. Parece que é uma novi-
dade, mas quero desmistificar esse conceito, porque bas-
tante antigo, os conceitos existem há muito tempo; só está
ganhando corpo no Brasil e eu também queria desmistificar

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que seja algo da moda; muito pelo contrário, o ESG, a partir
desse momento, só tende a ficar mais fortalecido.

Estamos ainda no meio de mais uma transição geracional.


A geração Z, os nascidos no final dos anos 90 e anos 2000,
tem os propósitos do ESG muito fortes. São consumidores
discretos, estão começando a vida profissional ou, ainda, são
estudantes e exercem pouca influência no mundo dos ne-
gócios. À medida que o tempo for passando essas pessoas
vão se tornar consumidores mais relevantes, vão calcar po-
sições nas carreiras e vão ter maior poder de consumo, vão
herdar fortunas, vão passar a investir de acordo com as con-
vicções e valores pessoais, vão entrar em políticas públicas,
vão passar a ser, por exemplo, analistas de investimentos.
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Estamos no início de uma res; vão estabelecer preços
transição e o capitalismo de maiores, gerar mais valor e
stakeholder vai ganhar uma perpetuar os negócios a lon-
forma bastante grande. O go prazo. As empresas que
ESG, no final das contas é continuam centradas ne-

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um enorme filtro de qualida- las mesmas, eventualmente
de, as empresas que estão não vão conseguir encon-
contemplando os stakehol- trar talentos, vão começar a
ders em seus processos de- definhar. As empresas que
cisórios, são empresas que continuarem na lógica de
vão ter menos demanda de não preservarem as relações
funcionários e com isso vão com fornecedores e clientes,
conseguir estabelecer tam- vão perder marketing share,
bém uma relação mais sau- vão perder preferência na
dável na cadeia de valor. Vão cadeia de fornecimento e
conseguir ter uma fortaleza provavelmente vão perder
de marca e uma fidelidade mercado.
maior com os consumido- ed. especial

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ESTUDO DE
CASO: RENNER
Vou falar de uma empresa inserida no contexto de capitalis-
mo de stakeholder. É uma empresa que você, com certeza,

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conhece. A Renner.

O exemplo é maravilhoso, porque aconteceu no começo da


Covid-19, quando a pandemia se espalhava rapidamente.
Não houve muito tempo de reação.

Já participei do conselho de administração de várias empre-


sas; o processo decisório segue mais ou menos um rito e
geralmente o CEO traz um assunto, chama uma reunião do
conselho, apresenta o plano, o conselho delibera, aprova ou
desaprova, questiona; mas tudo isso leva um tempo porque
o CEO se municia, faz alguma apresentação, geralmente um
PowerPoint com muitas páginas, e o conselho tem que de-
liberar, toma tempo.
ed. especial

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Na escalada da Covid não tinha tempo, e a Renner, do dia
para a noite, muito antes de qualquer prefeito ou governa-
dor decretar lockdown, foi a primeira varejista do Brasil a
decretar que todas as lojas, fossem em ruas ou shoppings,
deveriam fechar.

Imagino como a decisão deve ter sido difícil, porque uma

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loja fechada significa faturamento zero, faturamento zero
significa custos, porque tem salário, aluguel e etc., um me-
gaprejuízo. Mas era inconcebível na cultura da Renner, no
capitalismo de stakeholder, estar no meio de uma pandemia
e ter lojas abertas, os clientes ou os colaboradores podendo
ser contaminados no ambiente da Renner.

A Renner tomou a decisão de fechar todas as lojas e quando


faz isso, automaticamente pensa na reação de todos funcio-
nários. Imagina se você trabalhasse na Renner e visse um
anúncio de que amanhã todas as lojas estariam fechadas,
já iria pensar em perder o emprego e que iria sofrer, ter difi-
culdade em alimentar a família, iria ficar estressado, enfim,
seria um caos.
ed. especial

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Então, a Renner, já no segundo parágrafo, dizia que todos os
empregos estavam preservados e demissões só ocorreriam
por justa causa. Naquele momento, estava refletindo clara-
mente uma preocupação com os colaboradores, tanto do
ponto de vista da contaminação, quanto do ponto de vista
de emprego e, logo depois, também fez mais um comuni-

Fábio Alperowitch
cado dizendo que iria privilegiar os fornecedores locais em
detrimento dos fornecedores estrangeiros, porque os forne-
cedores também iriam ter prejuízo em razão dos fechamen-
tos das lojas. A Renner também estava garantindo para eles
que iriam se manter vivos.

A Renner é um belo exemplo de que a cultura está o tem-


po todo contemplando os stakeholder como um todo, é um
excelente exemplo de empresa bem-sucedida que cresce,
que tem margens altas, que eleva os lucros todo ano. É uma
empresa que persegue resultados financeiros, o ESG está
presente (a cultura de capitalismo de stakeholder) e que
isso não contrasta com perseguir resultados financeiros. ed. especial

36
e-B/06
Muitas pessoas ainda acreditam que ESG e resultados finan-

Fábio Alperowitch
ceiros são incompatíveis; muito pelo contrário, muitas em-
presas que praticam ESG e capitalismo de stakeholders, têm
inclusive resultados mais sólidos, perenes e estáveis do que
aquelas que olham apenas para si mesmas. A gente enten-
de que investir nas empresas que praticam ESG e que es-
tejam inseridas na filosofia de capitalismo stakeholder seja
um atalho para buscar mais retorno financeiro incorrendo
menos riscos.

ed. especial

37
e-B/06
CAPÍTULO 3

Fábio Alperowitch
Como o meio ambiente impacta
o valor das empresas?

ed. especial

38
e-B/06
Durante muito tempo as empresas se preocupavam com
as questões ambientais apenas do lado da conformidade,
precisavam de uma licença ambiental, por exemplo. Preo-
cupavam-se em fazer o mínimo necessário para conseguir a
licença ambiental e não serem multadas.

Para os analistas financeiros, nem era preocupação porque

Fábio Alperowitch
as multas ambientais, se ocorressem, eram tão pequenas e
desprezíveis, não haveria motivos para gastar tempo tentan-
do entender algo que, se acontecer um dia, vai representar
0% da receita, então não vale a pena o tempo perdido. Es-
tou falando em top management, não se preocupavam com
questões ambientais, do lado do mercado financeiro tam-
bém não, e o assunto era totalmente periférico.

O mundo está mudando de maneira bastante rápida. O


planeta está mudando e esse alerta mobiliza muita gente.
Quando falo “muita gente” significa a mídia, os investidores
etc e trazendo muitas pressões para as empresas, e tam-
bém os reguladores estão tendo que mudar a forma de en-
carar o problema.
ed. especial

39
e-B/06
Durante séculos as empresas usaram os recursos naturais
como se fossem inesgotáveis, então usaram água, ar, terra
livremente, nunca pagaram por eles. Vamos pensar até do
ponto de vista capitalista, se você tem uma matéria-prima
que é grátis, vai usá-la, não vai precificar e vai usar sem ne-
nhum cuidado.

Essa foi a lógica, as empresas foram formatadas desse jeito


porque não tinham que pagar a matéria-prima. A partir da
Revolução Industrial, começou-se a acumular emissões de
Carbono, a Terra começou a aquecer e chegamos a uma si-
tuação bastante grave. Nós temos um pouco menos de 10

Fábio Alperowitch
anos para tomar medidas relevantes para reverter o aque-
cimento do planeta; se não for feito o planeta se torna ina-
bitável.

Não é o meu objetivo, aqui, entrar em uma


palestra científica, mas precisamos entender
um pouco da lógica das empresas, os seus
papéis e do mundo de investimentos.

Não estamos debatendo a existência ou não do Papai-Noel;


é engraçado porque muitas vezes, no Brasil, discute-se mu-
danças climáticas e isso não é para ser discutido. Mudança
climática é um fato, deveríamos estar discutindo quais são
ed. especial

as consequências das mudanças climáticas e o que deveria


estar sendo feito, isso é um ponto pacífico e tem que ser
tratado.

40
e-B/06
Já que existe a mudança cli- poluidoras, vão ter que mu-
mática, cada vez mais o go- dar consideravelmente da-
verno, os reguladores e etc qui para a frente. As finanças
estão preocupados com o delas vão ser severamente
uso abundante dos recursos afetadas.
naturais. As empresas pre-

Fábio Alperowitch
cisam ser responsabilizadas Emissão de Carbono é algo
pelo que estão usando. bastante relevante, mas não
é só a emissão de Carbono.
Como já foi dito, as empresas O mundo está hoje bastan-
e os investidores olhavam lá te focado nisso, mas temos
atrás, para a área ambiental, vários desafios ambientais. A
só do ponto de vista de con- água fica cada vez mais es-
formidade, não se interessa- cassa; a perda de biodiversi-
vam, a multa era irrelevante. dade pode ser um risco até
Hoje, não é mais o caso. As maior do que mudança cli-
empresas e suas finanças, mática.
principalmente as grandes
ed. especial

41
e-B/06
EMISSÃO DE CARBONO
No Brasil, não estamos acostumados a falar sobre Carbono,
parece uma coisa muito abstrata, mas é importante lembrar
que em ⅔ do PIB mundial o Carbono já é regulado, isso sem
contar EUA.

Os EUA agora com a entrada do (Joe) Biden, muito provavel-


mente, vai aumentar o percentual; então a esmagadora par-

Fábio Alperowitch
cela do PIB mundial já tem Carbono regulado. O Brasil não
pode ser considerado uma ilha isolada do planeta, essa rea-
lidade vai acontecer aqui queiramos ou não.

Uma empresa que seja altamente poluidora vai precisar se


responsabilizar pela poluição, pelo CO2 que despeja no meio
ambiente. Terá que tomar duas atitudes, a primeira é reduzir
as emissões e para isso vai ter que investir muito dinheiro em
tecnologia; a segunda é neutralizar as emissões e para isso
vai precisar comprar créditos de Carbono para compensar
suas emissões.

Seja na redução das emissões, seja na neutralização, as fi-


nanças são impactadas. Não se fala mais sobre a conformi-
dade das empresas, com uma multa ambiental que é des-
prezível em relação ao valor das companhias. O valor das
ed. especial

companhias será sensivelmente modificado. O olhar para as


questões ambientais terá de ser diferente, não dá mais para
ignorá-las.

42
e-B/06
Vou dar um exemplo do ponto de vista numérico, vamos fa-
lar de uma empresa que todo mundo conhece, a Petrobras.

A Petrobras emite por ano 62 milhões de toneladas de Car-


bono. Obviamente, é um exercício hipotético, isso não vai
acontecer do dia para a noite, mas vale como exercício para
que a gente possa entender o tamanho da dimensão do
problema.

Fábio Alperowitch
Vamos supor que a Petrobras amanhã decidisse se tornar
Carbono neutro, a partir de amanhã vai querer compensar as
emissões de Carbono e querer comprar créditos de Carbo-
no para poder compensar os 62 milhões de toneladas. Hoje
o Carbono tem preços diferentes em vários lugares do mun-
do, mas vamos colocar aqui uma média de 30 dólares, esta-
mos falando de 1 bilhão e 800 milhões de dólares por ano, a
5 reais por dólar, estamos falando de 9 bilhões de reais por
ano que a Petrobras teria que pagar.

Se estivermos falando no presente, quer dizer que basica-


mente 40% do valor de mercado da Petrobras iria evaporar
do dia para a noite.
ed. especial

43
e-B/06
40% não é um valor desprezível, mas pode piorar, porque dei
o exemplo de um Carbono a 30 dólares, e o Banco Central
inglês, há duas semanas, comentou que o preço de equilí-
brio do Carbono é 100 dólares. A mesma conta feita a 100
dólares, evapora o valor de mercado da Petrobras.

De novo, é uma conta hipotética, a Petrobras não vai querer


se descarbonizar do dia para a noite, não vai querer fazer
100% de neutralização de uma vez. O exercício é para colo-
car a dimensão da questão.

Fábio Alperowitch
As empresas precisam sim se preocupar. O fluxo de caixa
da Petrobras, que a gente projeta para 2030 provavelmen-
te, será diferente daquele fluxo de caixa de quando a gente
aplica a questão do Carbono. Justamente, muitas empresas,
inclusive grandes petroleiras do mundo, já estão mudando
seus modelos de negócio.

A British Petroleum, por exemplo, ela já se rebatizou para


BP, ao invés de British Petroleum, inclusive já está cada vez
menos dependente de petróleo. A Shell, há pouco tempo,
já se comprometeu a reduzir a produção de petróleo entre
1% e 2% ao ano, todos os anos até 2050. A Shell informou
aos acionistas que o pico de petróleo foi em 2019, porque
em 2020 foi a pandemia e, a partir de agora, a produção de
Petróleo vai cair entre 1 e 2% ao ano.
ed. especial

44
e-B/06
A Total S.A francesa, também já mudou o nome para Total
Energy, porque é a empresa que mais está instalando esta-
ções de recarga de bateria no Reino Unido para carros elé-
tricos e assim sucessivamente. Existe uma série de países
que já estão banindo carros a combustíveis fósseis, vários
deles a partir de 2030, 2035, 2040, alguns a partir de 2025.

Vamos até fazer uma suposição, imagine que Brasil fosse


banir a venda de carros a gasolina em 2030, você compraria
um carro a gasolina em 2029 ou em 2028? Sabendo que ele

Fábio Alperowitch
iria ser banido em 2030 e teria uma grande desvalorização?
Provavelmente não. A redução de consumo começa já, mui-
to provavelmente a gente vai ver uma mudança fundamen-
tal no mercado de petróleo a partir desses próximos anos.

Outras empresas que não mudarem os modelos serão bas-


tante oneradas. Vamos supor que a Petrobras não mude seu
modelo de negócios, continue com o modelo atual. Não sei
o quanto ela vai querer se descarbonizar em 2030, mas pro-
vavelmente vai querer se descarbonizar. Algo precisa estar
contemplado na conta de fluxo de caixa ou de múltiplo, o
que quer que seja na avaliação em 2030. Se ela não quiser
fazer absolutamente nada, provavelmente não será aceita
comercialmente. Comercialmente, empresas estão deixan-
do de aceitar as que não se comprometem com questões
ambientais.
ed. especial

45
e-B/06
INTENSIDADE
DO CARBONO
Imagine o seguinte: nós, investidores, queremos empresas
que crescem, é natural, quanto mais uma empresa cresce,
mais carbono vai emitir. O fato de uma empresa emitir mais
carbono, não necessariamente é ruim e emitir menos carbo-

Fábio Alperowitch
no, não necessariamente é bom.

O importante é olhar algo que se chama


Intensidade de Carbono.

Você pode dividir a quantidade de emissões por alguma


outra métrica. Por exemplo, vamos supor uma empresa de
aço, que está em um ano produzindo X toneladas e no ano
seguinte 20% a mais. Se de um ano para o outra cresceu
a emissão de Carbono em 30%, a Intensidade de Carbono
piorou porque a produção cresceu em 20%. Agora, se ela
cresceu 10% em emissão de Carbono, mas a produção dela
cresceu 30%, o aumento da emissão de Carbono, não foi
ruim, melhorou a intensidade.
ed. especial

46
e-B/06
Do ponto de vista de Gestão de Carbono, essa empresa foi
boa. Mas o assunto é “traiçoeiro”, o planeta não quer saber se
você fabricou mais aço ou menos aço, se tiver mais Carbono
emitido, o planeta vai aquecer mais. De qualquer maneira a
cobrança em relação às empresas precisa ser de redução

Fábio Alperowitch
de emissões brutas e compensações das emissões, apesar
da empresa estar crescendo, precisa ter responsabilidade
em relação às emissões. São três coisas diferentes, a em-
presa pode ser irresponsável ou responsável na intensida-
de, e precisa também ser responsável em relação ao pla-
neta. Cabe a nós, investidores que têm essa pegada ESG, se
engajar com as companhias cada vez mais transparentes e
responsáveis para que a gente possa viver em um planeta
habitável.

ed. especial

47
e-B/06
MERCADO DE
CRÉDITOS DE
CARBONO

Fábio Alperowitch
Acho que vale a pena abrir um pouquinho a compreensão
para explicar um pouquinho como funciona o crédito de
carbono e o mercado de carbono. O carbono está virando
investimento também, o carbono vai virar uma classe de ati-
vo.

EXISTEM VÁRIAS MANEIRAS DE GERAR UM CRÉDITO DE


CARBONO.

A maneira mais comum são as florestas; existe uma certifi-


cadora que vai até a floresta, analisa e define que a flores-
ta tem capacidade gerar toneladas de crédito de carbono;
está longe de uma área de desmatamento. Portanto, a flo-
resta está certificada e os proprietários da área conseguem
vender os créditos que podem ser comercializados.
ed. especial

48
e-B/06
EXISTEM DOIS MERCADOS DE CARBONO, O REGULADO E O
VOLUNTÁRIO.

O mercado regulado são os países que obrigam as empre-


sas a pagarem uma taxa pelo carbono que emitem. O merca-

Fábio Alperowitch
do voluntário são as empresas que se sentem responsáveis
pelas questões ambientais e, voluntariamente, demonstram
interesse em ter operações livres de carbono, portanto com-
pram créditos de carbono para se descarbonizar.

Os créditos de carbono podem ser comprados no mercado


voluntário, livremente, entre os detentores de créditos e as
empresas que querem se descarbonizar; também são toke-
nizados e podem ser vendidos em bolsas, por exemplo. Es-
tão, cada vez mais, virando uma classe de ativos, são cota-
dos, negociados e têm se valorizado bastante, subiram mais
do que 100%. A demanda tem sido cada vez mais crescente.
ed. especial

49
e-B/06
Voltando à questão ambiental, dentro do ESG, as empresas
cada vez mais precisam tirar a parte ambiental da área de
conformidade e entender que a questão ambiental é uma
área relevante, não só do ponto de vista de risco, mas tam-
bém de oportunidades de negócios. Existem empresas que
ganham muito dinheiro com crédito de Carbono, por exem-
plo a Duratex, Klabin e Suzano. Elas vão fazer muito dinheiro
vendendo, são negativas em Carbono. Significa que geram
mais carbono do que consomem. Vão ganhar muito dinheiro
quando esse mercado estiver desenvolvido aqui.

Fábio Alperowitch
ed. especial

50
e-B/06
Outras maneiras de ganhar dinheiro com o lado ambiental:

Fábio Alperowitch
a substituição de plástico por papel também é uma tendên-
cia. A Klabin, por exemplo, é uma empresa que está bastante
atenta à substituição de plástico por papel. É uma tendência
que vem há alguns anos e tem conferido à Klabin um cres-
cimento adicional de alguns pontos percentuais. Só obser-
var a mudança no comportamento do consumidor e, muitas
vezes, regulatória, para olhar mais para a frente e entender
que a companhia tem bons anos de crescimento pela frente.

ed. especial

51
e-B/06
RESPONSABILIDADE
SOBRE RECURSOS
NATURAIS
Em resumo, a gente está saindo de uma Era em que as em-
presas usavam os recursos naturais livremente e por ser
grátis, nunca se preocuparam, para uma Era em que exis-

Fábio Alperowitch
te uma pressão muito grande de investidores, reguladores,
consumidores e etc para que se preocupem e não só isso,
que os recursos sejam onerados.

Você, investidor, precisa estar atento, não pode mais olhar


para as empresas e interpretá-las com a visão passada. O
que vai prevalecer daqui para frente são as empresas tendo
responsabilidade sobre os recursos naturais. As empresas
terão que pagar por isso, seja via carbono, mercado de car-
bono regulado ou outras formas de mercado, até mesmo
o mercado consumidor e esses custos vão aparecer mais
cedo ou mais tarde.

É o que precisa cada vez mais estar presente


nas análises de investimento e de fluxo de
ed. especial

caixa, porque vai evidenciar o valor das a¢ões


mais cedo ou mais tarde; espero que mais cedo.

52
e-B/06
VOCÊ SABIA?

Por meio do mercado de criptomoedas (tokens) é possível


negociar créditos de Carbono. Uma opção para negociação
é o token MCO2 da MOSS.

O que são créditos de Carbono?

Fábio Alperowitch
São certificados digitais emitidos por empresas e projetos
ambientais, que podem ser negociados para reduzir a emis-
são de gases de empresas ou indivíduos. A definição padrão
de um crédito de Carbono é:

1 crédito de Carbono = 1 tonelada de emissão de CO2 evita-


da.

O conceito para a criação dos créditos de carbono era para


as empresas que possuem um alto nível de emissão de Car-
bono e não são capazes de reduzir a emissão, pudessem
comprar de outras empresas/projetos que conseguem ge-
rar esses créditos.
ed. especial

53
e-B/06
Assim, cria-se o estímulo tanto por parte das empresas po-
luentes, em reduzir suas emissões para não ter custos ele-
vados pelas emissões, tanto para outras empresas investi-

Fábio Alperowitch
rem em gerar créditos de Carbono e aumentar as receitas
com as vendas.

Algumas das formas de gerar crédito de Carbono são a


substituição de combustíveis fósseis por energias renová-
veis, campanhas de consumo consciente ou pela contribui-
ção na diminuição do desmatamento. Como citado no início
do texto, qualquer pessoa/empresa pode negociar créditos
de Carbono por meio de criptomoedas como o token MCO2.

ed. especial

54
e-B/06
CAPÍTULO 4

Fábio Alperowitch
A importância das
questões sociais

ed. especial

55
e-B/06
Fábio Alperowitch
As questões sociais impactam as empresas de uma maneira
mais negativa e de uma mais positiva. Os aspectos sociais
contribuindo negativamente para as companhias e também
contribuindo positivamente, vou dar exemplos dos dois la-
dos.

ed. especial

56
e-B/06
DIREITOS HUMANOS
Quando falamos, por exemplo, de trabalho escravo, natu-
ralmente, nosso modelo mental é pensar o que existia no
Brasil, no século 19, de trabalho forçado etc. Acreditamos
que não existe mais, mas existe a escravidão moderna, in-

Fábio Alperowitch
felizmente mais frequente do que imaginamos, em alguns
setores de atividade, como por exemplo, construção civil ou
agricultura, e em alguns outros lugares do mundo.

Não só isso, mas acredito que os direitos


humanos precisam ser bastante observados
nas companhias e de diversas formas.

Trabalho infantil é outra questão, existem setores em que


ele é bastante utilizado, como por exemplo, mineração e
confecção. As questões de direitos humanos precisam ser
observadas.
ed. especial

57
e-B/06
DIVERSIDADE
E INCLUSÃO
Do lado positivo existe a diversidade e a inclusão nas em-
presas que tomam decisões melhores. Vários estudos aca-
dêmicos mostram que empresas que tomam melhores
decisões, têm equidade de gênero, colocam a mulher em
cargos de liderança (pouco presentes ainda). Empresas bra-
sileiras têm índices baixos de mulheres em conselhos de
administração e diretoria, em cargos de liderança. Ter equi-
dade racial e inclusão de pessoas com deficiências, pessoas
trans, pessoas LGBT em geral.

Fábio Alperowitch
Já está mais do que comprovado que empresas que pro-
movem a diversidade e inclusão são empresas que têm um
ambiente de melhores processos decisórios e, portanto,
performam melhor e têm melhor chance de ter um desem-
penho operacional melhor.

ed. especial

58
e-B/06
Acredito que olhar simplesmente as métricas de percentual
de mulheres em cargos de liderança, por exemplo, que são
métricas mostradas nos relatórios de sustentabilidade, é in-
suficiente. Mais do que a métrica em si, é importante como
tratam a questão da inclusão e da diversidade, ter a minoria
presente não é suficiente, existe uma frase que é bastante

Fábio Alperowitch
comum nesse que é “Não basta ser convidado para a fes-
ta, tem que ser convidado para dançar”.

Você estar dentro da empresa, não é suficiente, você preci-


sa de fato participar da companhia. Nós buscamos compa-
nhias que tenham, de fato, diversidade e inclusão exercidas.

Do lado positivo, voltando, acho que precisamos encontrar


empresas que tenham essa cultura corporativa e que pro-
mova constantemente a inclusão em todos os aspectos.
Estou me referindo não só à companhia por dentro, mas
também em seus fornecedores, peças publicitárias para os
clientes e assim sucessivamente. ed. especial

59
e-B/06
Em 2020, quando a Natura fez a campanha de Dia dos Pais,
com o Thammy Miranda como garoto propaganda, ela to-
mou uma decisão bastante corajosa. Por mais que tenha fei-
to o certo, ela sabia que naquele momento, estava tomando
uma decisão que seria bombardeada nas redes sociais por
uma série de consumidores que não aceitariam Thammy

Fábio Alperowitch
Miranda, sendo o garoto-propaganda de Dia dos Pais. Por
outro lado, a Natura ganhou uma legião de consumidores,
que são abertos com a questão de respeito à diversidade e
inclusão.

Vou falar hipoteticamente, se estivesse numa reunião da Na-


tura, para o lançamento de um Shampoo e entrasse na sala
de reunião dez homens héteros e um olhasse para a cara do
outro, a reunião estaria acabada. Como fazer a reunião para
o lançamento de um produto, sendo que são todos iguais,
não tem diversidade, como deliberar? A própria cultura da
empresa seria refratária a uma situação.

O lado positivo é que a cultura, mais do que as


métricas, deveria ser observada.
ed. especial

60
e-B/06
O segundo exemplo é o da Magalu. A empresa, em 2020,
foi bastante audaciosa e correta ao lançar um programa
de trainee para negros e também foi cancelada nas redes
sociais por muitas pessoas; teve até gente querendo abrir

Fábio Alperowitch
processo judicial, falando em racismo reverso (que é uma
barbaridade).

A Magalu, não é de hoje, respeita as questões sociais e vem


promovendo sempre as questões de respeito a direitos hu-
manos. Trouxe uma onda muito positiva, a atitude de um
programa, se não me engano 25 trainees (que do ponto de
vista até da Magalu é um número pequeno), fez outras em-
presas terem atitudes semelhantes.

Quando as empresas vêm para a sociedade e se expõem


dessa maneira, criam ondas bastante positivas, e acho que
a gente vai ver cada vez mais presente na sociedade as em-
presas com menos medo de mostrar sua cultura de inclusão
de forma explícita.
ed. especial

61
e-B/06
CONDIÇÕES
DE TRABALHO
Vamos voltar um pouco para os Direitos Humanos, uma par-
te um pouco mais triste.

Fábio Alperowitch
Muitas vezes nós, consumidores, compramos um produto,
vendo só dois atributos, a qualidade e o preço. Se pego uma
camiseta, quero saber o preço, toco para saber a qualidade,
vejo a etiqueta, sei que é de algodão (poucas vezes o con-
sumidor quer saber como o produto foi feito).

Essa é uma realidade que cada vez mais está mudando, as


empresas também precisam estar atentas. No exemplo da
camiseta, o setor de confecção é bastante crítico, o trabalho
infantil ou análogo a escravidão é bastante comum.

As empresas responsáveis precisam auditar seus forne-


cedores porque existem as confecções, a terceirização, a
quarteirização; não é fácil ter um programa de auditoria res-
ponsável.
ed. especial

62
e-B/06
É responsabilidade das empresas auditar os fornecedores
e ter possibilidade de auditar os terceirizados e quarteiriza-
dos.

E é responsabilidade dos investidores


questionar as empresas.

Fábio Alperowitch
O fato de uma empresa produzir uma camiseta a um preço
baixo para ser competitiva, é motivo de questionamento dos
investidores, não do lado positivo porque a empresa pode
ter uma margem alta, mas do ponto de vista negativo de
como a empresa pode ter conseguindo produzir a preços
tão baixos garantindo os direitos trabalhistas da cadeia de
produção.

Quero um pouco de atenção nesse ponto, porque muitas


vezes parece contraditório. Parece que o investidor ESG
está buscando menos lucro, mas é o contrário. Estamos
buscando mais lucros, porém buscamos um lucro que seja
sustentável e a longo prazo. O que adianta uma empresa ter
um resultado que seja produzido com trabalho que não seja
adequadamente remunerado ou que tenha sido feito com
mão de obra infantil?
ed. especial

63
e-B/06
É função do investidor ques-
tionar as empresas. Infeliz-
mente, as empresas não são
muito explícitas nas viola-
Os consumidores em algum ções de Direitos Humanos,
momento se revoltarão e as obviamente não estará nos
empresas os perderá. Preci- relatórios de sustentabilida-

Fábio Alperowitch
samos entender a sustenta- de. Acho que o mais rele-
bilidade como perenidade vante para os investidores é
também, além da questão buscar aquilo que não está
de responsabilidade social. nos relatórios. Essa ques-
tão é uma que entendemos
As empresas precisam ter como fundamental, que
a responsabilidade com os pode ser vista como risco da
consumidores, e eu, consu- companhia ou uma alavanca
midor, entenderei que aque- de valor também.
le produto foi executado de
forma justa e bem remune-
rada, seja ele uma camiseta,
um prédio, um produto agrí-
cola.
ed. especial

64
e-B/06
VOCÊ SABIA?

Um estudo realizado pela companhia McKinsey & Company


sobre o estado da diversidade corporativa na América Lati-
na, obteve os seguintes resultados:

Fábio Alperowitch
Em empresas que adotam a diversidade, os funcionários
têm maior probabilidade de ter mais liberdade, tanto em
termos de identidade quanto de maneiras de trabalhar.

Empresas percebidas como comprometidas com a diver-


sidade têm 11% mais probabilidade de relatar que podem
“ser quem são” no trabalho, além de tenderem a ter menos
funcionários que expressam sentir-se como “estranhos” no
ambiente de trabalho.

Da mesma forma, os funcionários de empresas que adotam


a diversidade relatam níveis muito mais altos de inovação e
colaboração do que seus pares em outras empresas. ed. especial

65
e-B/06
Esses funcionários têm probabilidade:

- 152% maior de afirmar que podem propor novas ideias e


tentar novas formas de fazer as coisas;

- 77% maior de concordar que a organização aplica ideias


externas para melhorar a performance;

- 76% maior de afirmar que a organização faz uso do feedba-


ck de clientes para melhor atendê-los;

Fábio Alperowitch
- 72% maior de reportar que a organização melhora consis-
tentemente sua forma de fazer as coisas; e

- 64% maior de afirmar que colaboram compartilhando ideias


e melhores práticas.

Por fim, o estudo reafirma que existe uma relação positiva


entre diversidade e performance financeira. As empresas
com pontuações mais altas no Índice de Saúde Organizacio-
nal têm probabilidade 59% maior de superar a performance
financeira de seus pares.

Para maiores informações sobre esses estudos, acesse:

DIVERSIDADE IMPORTA
ed. especial

66
e-B/06
CAPÍTULO 5

Fábio Alperowitch
Como avaliar a governança
de uma empresa?

ed. especial

67
e-B/06
Governança é um problema, sobre o qual nós, brasileiros,
viramos especialistas. Quando converso com clientes eu-
ropeus e americanos, as principais questões são sociais ou
ambientais. Aqui, é governança, porque o tempo todo exis-
tem problemas de governança. Por um passado difícil, de
operações até bizarras no Brasil, nos anos 1990, aprende-
mos a lidar com governança.

Fábio Alperowitch
Quando falamos de ESG o lado ambiental e social são “no-
vidades” para grande parte dos investidores do mercado fi-
nanceiro, mas governança não é novidade e, apesar de sem-
pre lidarmos com a questão, está longe de ser resolvida.

Nos anos 90 tivemos uma sucessão de operações muito crí-


ticas de governança. Foi uma série de operações que lesou
acionistas minoritários e levou a consequências, por exem-
plo, o nascimento do IBGC (Instituto Brasileiro de Governan-
ça Corporativa), e também o surgimento do novo mercado
no ano 2000. Estamos falando de praticamente 30 anos em
que nós, brasileiros, convivemos com operações críticas
dentro do mercado de capitais, que continuam presentes
com uma constância bastante grande.
ed. especial

68
e-B/06
SURGIMENTO DO
NOVO MERCADO
Com o surgimento do novo Os últimos dez escândalos
mercado, grande parte dos de governança corporativa
investidores abaixou a guar- que aconteceram no Brasil,

Fábio Alperowitch
da, no sentido de mostrar foram em empresas do novo
que estavam num ambiente mercado, e a crítica não pode
regulatório um pouco mais ser feita pura e simplesmen-
tranquilo, e as empresas te ao novo mercado. É im-
que estavam no novo mer- possível que um ambiente
cado praticavam a boa go- regulatório consiga resolver
vernança. Ao investir nessas todos os problemas. Acho
empresas, haveria mais re- que as mentes que querem
laxamento nas questões de transgredir sempre vão ser
governança. Mas não foi o mais eficientes do que as
que aconteceu. leis. Os investidores preci-
sam continuar com a guarda
alta e os agentes fiscaliza-
dores precisam seguir fisca-
lizando as companhias que
transgridam.
ed. especial

69
e-B/06
PROCESSOS
DECISÓRIOS
Se engana quem pensa que os problemas de governança
têm a ver só com ética. Os problemas de governança têm
muito a ver com os processos também; existem empresas
que têm ética, mas não têm governança. Muitas vezes as
empresas são bagunçadas, não têm um processo decisório
correto, as decisões são atabalhoadas, não têm instâncias
de decisão, não têm fórum de discussão, não têm um pro-
cesso em que as decisões possam ser tomadas da maneira

Fábio Alperowitch
mais clara e objetiva. Se as decisões não são bem tomadas,
as empresas falham e acabam sendo atropeladas por ou-
tras companhias que tomam boas decisões.

A boa governança vai além da questão ética, a ética está


acima do ESG, ela supera tudo. A governança tem mais a
ver com os processos, a ética deve permear toda e qualquer
organização e todos os indivíduos em qualquer momento e
inclusive os processos de governança.

As empresas deveriam estar muito bem organizadas, preci-


sam contar com fóruns em que as decisões possam ocorrer
de forma em que de um lado sejam naturais, que o processo
criativo não seja tolhido; por outro lado que elas não sejam
totalmente centralizadas e possam ter um pouco do contra-
ditório e fiscalizatório.
ed. especial

Precisam ter instâncias diferentes, quem decide não pode


fiscalizar ao mesmo tempo.

70
e-B/06
CONFLITO DE
INTERESSES

Fábio Alperowitch
As empresas e os investidores deveriam tomar cuidado com
os conflitos. Exemplo, um conselho de administração que é
excessivamente familiar, a questão não é ser familiar (exis-
tem famílias maravilhosas com pessoas geniais), a questão
é o quanto a família conseguirá ser independente para dis-
cordar um do outro. Existe uma relação pessoal que vai con-
seguir se sobrepor à relação sanguínea?

Quando é chamado um amigo para um conselho de admi-


nistração, ele é independente? Ele é independente no pa-
pel, porque não tem vínculo profissional ou familiar, mas o
quanto, de fato, é independente e vai discordar das deci-
sões e assim sucessivamente.
ed. especial

71
e-B/06
As hierarquias que se formam dentro das organizações,
quanto estão preparadas para conviverem com o contradi-
tório? São um top down, quase uma monarquia absolutista.

As boas práticas de governan¢a corporativa

Fábio Alperowitch
precisam gerar algum tipo de debate e gerar
algum tipo de contraditório e assim as melho-
res decisões são tomadas e preservadas.

Nós acreditamos que as organizações vencedoras são bem


estruturadas do ponto de vista de governança. Eventual-
mente, a governança é atropelada, às vezes, os mais jovens
que têm grandes ideias, acabam não tendo a governança
bem estruturada.

Quando as estruturas de governança são muito bem defi-


nidas, acabam a longo prazo gerando boas decisões. ed. especial

72
e-B/06
ESTUDOS DE CASO DE
GOVERNANÇA
Queria dar alguns exemplos aqui, um positivo e um negativo.

Fábio Alperowitch
Uma empresa em que acreditamos que a governança fun-
ciona muito bem é a Localiza. Tem um conselho muito forte,
uma diretoria muito forte, e mais do que isso, um proces-
so muito forte, com os comitês bem estabelecidos em que
a cultura também é bastante forte e o processo realmente
funciona.

No histórico da Localiza, vemos que já passou por aquisi-


ções, já passou por sucessão, já passou até por desafios de
disrupção.

Em 2016, o Uber chegou ao Brasil e muito gente pensou que


a Localiza iria acabar e ela conseguiu tomar decisões muito
bem estruturas e foi ao longo do tempo crescendo e mos-
trando o seu valor.
ed. especial

73
e-B/06
Com todos os desafios, que se mostraram num setor nada
óbvio (poucas empresas de locação de veículos no mundo
inteiro foram bem-sucedidas), a maioria das empresas teve
grandes problemas financeiros, algumas faliram ou estão
com seríssimas dificuldades. E, de repente, uma empresa
brasileira se destaca até do ponto de vista global. A Locali-

Fábio Alperowitch
za tem crescido absolutamente e com retornos financeiros
muito fortes.

Eu diria que o segredo é a boa governança, e as boas deci-


sões que têm sido tomadas.

O exemplo contrário que é o IRB, que em tese é uma empre-


sa do novo mercado, que tem os principais bancos do Bra-
sil como acionistas. Os minoritários poderiam esperar que
fosse uma empresa organizada e no ano passado viu-se de
tudo, até fraudes contábeis, números maquiados, um monte
de problemas de governança; apesar de todos os predica-
dos que a empresa tinha. O sobrenome é pouco importante,
estar no novo mercado, a lista de acionistas é pouco impor-
tante; o que importa, realmente, são os processos.
ed. especial

74
e-B/06
DICAS DE GOVERNANÇA
Se eu tivesse que dar alguma dica do que observar nas
questões de governança, diria que não e tão fácil assim,
porque o novo mercado, por exemplo, já traz uma lista de
boas práticas da boa governança e não por isso as empresas
do novo mercado praticam a boa governança. Por exemplo,

Fábio Alperowitch
para estar no novo mercado você tem que ter uma classe de
ações, dar direito de tag along, ter uma parcela relevante de
conselheiros independentes, entre tantas outras práticas. E
mesmo com todo esse checklist feito, várias empresas do
novo mercado, não atenderam os critérios das boas práticas
de governança.

Mais do que o checklist em si, é importante observar quem


são as pessoas por trás das decisões e como são as estru-
turas. Entender porque cada pessoa está no conselho de
administração, por exemplo, um ex-ministro, por exemplo,
nada contra ex-ministros, mas será que, de fato, estará en-
volvido nas discussões do dia a dia da empresa ou foi cha-
mado por conta do nome e currículo? Algo para ser questio-
nado sobre cada um dos nomes dentro do conselho.
ed. especial

75
e-B/06
A busca do contraditório é ção dos executivos, se está
fundamental. Se no conse- alinhada com o sucesso da
lho de administração existe empresa ou não; se é exces-
pouca diversidade ou muita siva em relação ao sucesso
afinidade com os controla- da empresa de curto prazo.
dores, haverá um potencial
problema; precisamos bus- Imagine um pacote de re-
car nos conselhos de admi- muneração excessivamente
nistração pessoas que se dependente do sucesso de
posicionem, mesmo que de curto prazo da empresa; se

Fábio Alperowitch
formas contrárias, que te- a empresa performar super
nham experiências diferen- bem no próximo ano ou dois,
tes. o CEO fica multimilionário e
se não der certo pede um
Observar se nas minutas das emprego em outro lugar.
reuniões de conselho de
administração sempre vo- Basicamente são essas as
tam em unanimidade? Seria dicas:
estranho um conselho que
Buscar ver se existe o con-
está junto há 3 anos, foram
traditório, entender as mo-
20 reuniões e sempre votam
tivações para cada uma das
por unanimidade. Que con-
peças nos conselhos e co-
selho é este, concorda em
mitês e entender os alinha-
tudo? A busca do debate é
mentos das remunerações;
fundamental, tentar enten-
não é fácil porque não são
der se os comitês funcionam
ed. especial

os indicadores que estão ex-


e se existem pessoas exter-
plícitos, precisa de pesquisa.
nas ou não; tentar entender
como é feita a remunera-

76
e-B/06
VOCÊ SABIA?

Durante o ano de 2020, antes do crash de março (COVID), a


IRB Brasil Resseguros (IRBR3) estava passando por alguns
problemas de governança, que afetavam as suas cotações
no mercado.

Fábio Alperowitch
Em fevereiro de 2020, a gestora Squadra divulgou uma carta
para seus cotistas levantando alguns pontos que os faziam
suspeitar de uma fraude contábil nos balanços divulgados
pela companhia.

Se existe uma fraude contábil nos balanços divulgados pela


companhia, todas as análises feitas no mercado estão er-
radas, toda a precificação da empresa no mercado está er-
rada, era um fato relevante que havia sido levantado pela
ed. especial

Squadra.

77
e-B/06
Ainda em fevereiro, foi publicada no jornal Estadão afirman-
do que a companhia de Warren Buffett triplicou sua posição
em IRB. O mercado ficou animado com a informação, com a
ações apresentando uma grande valorização nas cotas. No
dia seguinte à publicação da notícia, o presidente do conse-
lho de administração da IRB renuncia ao cargo. Uma saída

Fábio Alperowitch
repentina que fez aumentar a desconfiança com relação a
companhia, mas com o aval de Buffett a companhia seguia
em alta. Após essas notícias A Berkshire Hathaway, compa-
nhia presidida por Warren Buffett, emitiu o seguinte comu-
nicado:

“Foram publicadas recentemente matérias na imprensa


brasileira de que a Berkshire Hathaway é uma acionista do
IBR Brasil Re. Essas matérias são incorretas. A Berkshire Ha-
thaway não é acionista do IRB atualmente, nunca foi acionis-
ta do IRB e não tem intenção de se tornar um acionista do
IRB”
ed. especial

78
e-B/06
Após esses fatos a companhia passou por uma grande rees-
truturação, e os principais executivos foram substituídos. A
Resseguradora revisou balanços anteriores, corrigiu distor-

Fábio Alperowitch
ções, e reduziu o lucro de 2018 e 2019.

Em mensagem aos acionistas, o presidente do conselho de


administração e CEO interino, disse:

“Tomamos medidas para recuperar nossa credibilidade, afe-


tada por manipulações de dados contábeis e pela divulga-
ção de informações inverídicas sobre a base acionária da
empresa e estamos aprimorando os controles e a governan-
ça interna.”

ed. especial

79
e-B/06
CAPÍTULO 6

Fábio Alperowitch
Como analisar o ESG de
forma integrada?

ed. especial

80
e-B/06
Vou falar de forma mais integrada sobre ESG dentro da aná-
lise de investimento.

A grande maioria das pessoas faz uma análise financeira tra-


dicional. Vamos imaginar que uma empresa pelos múltiplos
ou pelo fluxo de caixa descontado tenha uma variação jus-
ta de 10 bilhões de reais. Considere os ativos ou passivos,
ambientais ou sociais, hipoteticamente a empresa tem um
passivo ambiental de potenciais despesas com neutraliza-

Fábio Alperowitch
ção de carbono de 1 bilhão de reais ou potenciais passivos
sociais de 500 milhões de reais. 10 bilhões menos 1 bilhão e
menos 500 milhões, portanto o valor justo da empresa, con-
siderando as questões ESG, passa a ser 8 bilhões e meio
ao invés de 10 bilhões. Essa é a maneira mais usual, não é a
maneira que eu costumo adotar.

A maneira que costumo adotar é não separar a empresa das


questões ESG, é integrando as questões ESG nas minhas
premissas. Vou explicar melhor.

Quando pego uma empresa para fazer a modelagem finan-


ceira, que preciso projetar, por exemplo, a receita, o custo e
etc., para saber o quanto a empresa vai gerar de lucro ou de
caixa nos próximos 30 anos, hipoteticamente, eu vou consi-
derar também nessas projeções as questões ESG.
ed. especial

81
e-B/06
Um exemplo, vamos supor que o setor de frigoríficos cresce
2% ao ano e tem uma margem de 10%, então um analista
que olha da forma tradicional vai a partir desse momento
colocar um crescimento de 2% ao ano, considerar uma mar-
gem estável de 10%, fazer o fluxo de caixa e vai chegar no
preço justo.

No meu modelo, de múltiplas fontes, olho para o mundo e

Fábio Alperowitch
vejo que ele está ficando cada vez mais vegano, pelo menos
o mundo ocidental, a população americana nos últimos 10
anos saiu de 1% para 6% de veganos; no Brasil o número de
veganos também tem crescido embora não tenha uma es-
tatística muito confiável.

O fato do mercado ter crescido de 2% ao ano, se continuará


crescendo dessa forma, no mínimo vou ter que mudar a mi-
nha projeção para olhar o mercado ocidental e o mercado
oriental (embora a China continue carnívora), não sei se os
millennials vão continuar comendo carne como a minha ge-
ração come. Preciso ver a projeção de receita considerando
os hábitos do consumidor. ed. especial

82
e-B/06
O segundo ponto é que a indústria de frigoríficos se apoiou
bastante em desmatamento, diretamente ou seus fornece-
dores. O desmatamento agora está muito mais complicado,
existe um olhar das ONGs, das mídias, dos clientes, dos va-
rejistas, dos consumidores. Não é mais tão fácil desmatar
como era antes, a operação é mais complexa, as compa-
nhias que continuam desmatando vão ter mais dificuldade
de achar mercado.

A pecuária tende a se tornar mais cara e intensiva, as em-

Fábio Alperowitch
presas também vão ter que gastar mais dinheiro com o ras-
treamento do gado, que não faziam antes, e tem que ser
incorporado no custo.

O processo produtivo é um grande emissor de gás metano,


um gás poderoso no efeito estufa, muito mais intenso que
o gás carbônico. Durante muitos anos não foi taxado, mas
em alguns momentos o setor frigorífico precisou pagar pe-
las emissões, ou as empresas terão que ter um investimen-
to muito grande para reduzir as emissões, controlando, por
ed. especial

exemplo, a alimentação do gado ou vão ter que neutralizá-


-las e isso deve comprometer relativamente suas margens.

83
e-B/06
Além disso, também devemos ver o que envolve a água.
Consome-se no processo produtivo 15 mil litros de água e
boa parte volta ao meio ambiente. Água é uma matéria-pri-
ma que deve ficar cada vez mais cara e o processo vai ficar
cada vez mais oneroso.

Fábio Alperowitch
Retirado de
www.svb.org.br/vegetarianismo1/meio-ambiente
ed. especial

84
e-B/06
Existem mercados, principalmente o europeu, que têm exi-
gido cada vez mais certificações das frigoríficas, para ter
certeza da origem do gado e isso significa que algumas em-
presas devem perder mercado e outras devem ter um curso
adicional para desbravar novos mercados ou eventualmen-
te provar que os produtos vêm de áreas livres de desmata-
mento.

A operação deve ficar mais complexa nos próximos 10 anos,


do que foi nos últimos 10 anos. Os próximos anos, seja do
ponto de vista do crescimento, pela adoção de veganismo,
dos consumidores da geração Z; seja por conta da comple-

Fábio Alperowitch
xidade da operação, seja por causa da operação ser onera-
da pelo pagamento de gás de efeito estufa, o setor deve ter
margens diferentes daquelas que a gente vê atualmente.

ed. especial

85
e-B/06
Integrar os fatores ESG na análise, significa olhar para o
mundo como ele é e como será, e fazer as projeções de
acordo com a interpretação do mundo como será a partir
desta data.

Ao integrar os fatores ESG, estou incorporando questões

Fábio Alperowitch
socioambientais nas análises financeiras do valuation das
companhias.

Posso dar um exemplo positivo, ao integrar o ESG no valua-


tion de uma empresa pode criar uma opcionalidade positiva.
Vemos uma tendência grande de substituição de plástico
por papel. Nas nossas premissas deve conferir para a Klabin
um crescimento nos próximos 20 anos de no mínimo dois
pontos percentuais ao ano, além do que a Klabin poderia
crescer. Os 2% conferem à Klabin um crescimento marginal
muito interessante.

ed. especial

86
e-B/06
Ainda em relação a Klabin, ela é uma empresa que seques-
tra carbono do meio ambiente; significa que nas atividades
normais as empresas emitem carbono. Pelo fato da Klabin
ter áreas florestais gigantescas, o balanço entre o que emite

Fábio Alperowitch
versus o que sequestra resulta num saldo negativo.

Até então esse sequestro de Carbono não significava nada,


porque o mercado de carbono no Brasil é inexistente, não
representava para Klabin um cash flow positivo. Em algum
momento o saldo de Carbono passará a virar dinheiro. O
mercado se desenvolvendo no Brasil, a Klabin poderá ser
uma vendedora e também uma exportadora de créditos de
Carbono a serem gerados.

Os créditos têm se valorizado ao longo do tempo e pode ser


uma opcionalidade interessante no valuation da Klabin.

ed. especial

87
e-B/06
Além disso é bastante interessante uma área de pesquisa e
desenvolvimento que a Klabin tem de vários produtos, den-
tro da companhia, em substituição da celulose. Um exem-
plo simples, e até um mercado teoricamente pequeno, mas
já existe empresa de carne vegetal explodindo na bolsa. A

Fábio Alperowitch
Klabin, já tem sorvete de celulose, o mercado não é grande,
mas o centro de pesquisa avançado que pesquisado múlti-
plos produtos que podem ser feitos da celulose.

Certamente temos um embrião de novos produtos que não


podem ser precificados nesse momento, mas à medida que
o tempo passa, serão precificados com mais de clareza. As
questões ambientais não são negativas; podem ser positi-
vas ao integrar o modelo ESG. Em alguns casos uma perda
de valor considerável e em outros casos, um ganho de va-
lor considerável. O mais importante é que a empresa esteja
atenta, assim como os analistas e investidores.
ed. especial

88
89
CAPÍTULO 7

Greenwashing

ed. especial Fábio Alperowitch e-B/06


e-B/06
Um tema superimportante, que requer um cuidado,

Fábio Alperowitch
que é o greenwashing. Washing, basicamente é vender
de uma maneira, querer parecer de uma maneira, mas
essencialmente ser de outra.

Isso é um risco enorme, especificamente nesse momento,


e no Brasil mais do que nunca. Gostaria de chamar atenção
que agora é o momento em que devemos nos preocupar,
principalmente nos próximos 2 ou 3 anos.

ed. especial

90
e-B/06
SUSTENTABILIDADE
Durante muitas décadas, os brasileiros, infelizmente, não
trataram de questões ambientais e de direitos humanos,
são temas supercomplexos e no mercado financeiro, foram
ignorados; não estamos preparados para tratar desses as-
suntos.

Fábio Alperowitch
Pouquíssimos estavam atentos às questões que aparece-
ram com intensidade. Imagine um assunto complexo e, de
repente, todo mundo sente a necessidade de falar sobre ele.

Acontecem duas coisas: Superficialidade


e Reducionismo.

Superficialidade porque ninguém, ou pouca gente, conse-


gue falar com substância e reducionismo porque existem
muitas facetas e discutem-se poucos temas. Até há pouco
tempo, uma empresa com fundo se mostrar como sustentá-
vel, não valia nada para o mercado financeiro.
ed. especial

91
e-B/06
Quando uma empresa escrevia um relatório de sustentabi-
lidade com coisas maravilhosas que fazia, ela estava dialo-
gando com fornecedores, colaboradores, clientes e o intuito
era um reforço da cultura interna. Eventualmente os consu-
midores percebiam a empresa um pouco melhor, iam tal-
vez pagar mais caro pelos produtos, os colaboradores iam
ter mais orgulho de trabalhar na empresa, os fornecedores
talvez tivessem mais vontade de fornecer para aquela com-

Fábio Alperowitch
panhia; mas não era importante para os investidores que a
empresa fosse ou não sustentável. Quem escrevia os relató-
rios não estava mirando no mercado financeiro.

O mercado financeiro, que não entende do assunto, se tor-


nou leitor e, além disso, chegou num ponto em que empre-
sas que se mostram hoje como sustentáveis, que merecem
um prêmio dos investidores. E as empresas que se mostram
como não sustentáveis, são canceladas pelos investidores,
são excluídas do portfólio.

Por essa razão, as empresas querem se mostrar sustentá-


veis. Se até há um ano, empresas não tinham o menor inte-
resse de mostrar o lado de sustentabilidade para os investi-
dores, agora fazem questão de mostrar.
ed. especial

92
e-B/06
em que você é obrigado a
mostrar todas as contas, no
relatório de sustentabilida-
de você escolhe o que quer
Como citei anteriormente, mostrar e o que não quer.
os investidores ainda enten-
dem muito pouco sobre sus- A tendência natural do ser
tentabilidade, são muito su- humano é querer mostrar
perficiais, perguntam pouco, o que é bom e esconder o
são pouco críticos e as em- que é ruim, as empresas na-
presas ainda controlam toda turalmente irão fazer isso.
a narrativa. Os relatórios serão grandes
peças de ficção, porque vão

Fábio Alperowitch
Estamos vivendo e vamos vi- ser relatórios maravilhosos,
ver, os próximos 2 ou 3 anos, e os investidores em geral
uma situação bastante crí- são poucos preparados para
tica, todas as empresas vão ter uma avaliação crítica,
querer mostrar que são sus- vão olhar os relatórios com
tentáveis e é muito fácil ter números positivos e atitu-
um relatório de sustentabi- des bacanas, vão achar que
lidade lindo e bem estrutu- as empresas são ótimas em
rado, bem diagramado, vão questão de sustentabilidade
colocar uma criança sorrin- e se transforma num mar de
do correndo num campo de rosas.
lavanda.

As empresas sempre vão ter Relatório


aspectos positivos e o que
importa não é o que está no
relatório e sim o que não está
ed. especial

lá. O relatório de sustentabi-


lidade é seletivo, ao contrá-
rio de relatórios financeiros

93
e-B/06
OS PROBLEMAS DO
GREENWASHING?
Greenwashing é quando uma empresa vende uma imagem
falsa. Um exemplo hipotético para ilustrar e depois entro em
casos mais práticos. Vamos imaginar uma empresa que seja
altamente poluente e que precisaria de múltiplos milhões
de dólares para reduzir a poluição. A empresa investe 5 mi-
lhões de reais para proteger 10 espécies de tartarugas em

Fábio Alperowitch
extinção, (nada contra as tartarugas). Para mostrar uma fa-
ceta de proteção das tartarugas e esconder a questão da
poluição é mais tranquilo gastar meia dúzia de milhões de
reais protegendo as tartarugas e não gastar absolutamente
nada para resolver um problema crítico.

ed. especial

94
e-B/06
Quando a empresa divulga o relatório, o mercado fica ex-
tasiado com as tartarugas e não tem a capacidade crítica
de questionar sobre a poluição que está sendo produzida.
Quando é um exemplo muito gritante, como esse, é fácil
de identificar o problema, mas no mundo real as coisas são
mais sutis. Infelizmente o mercado ainda não está prepara-

Fábio Alperowitch
do para fazer a análise crítica e separar quem, de fato, está
comprometido com questões socioambientais e aqueles
que estão sim fazendo algum tipo de greenwashing. Nos
próximos anos vamos conviver com empresas que patroci-
nam ações bastante positivas, mas nas questões mais críti-
cas não endereçam os problemas.

A MINHA DICA DE ATUAÇÃO:

Não é fácil, principalmente para quem não é da área ou não


tem muita experiência no assunto, mas existe um conceito
no mundo de sustentabilidade que se chama Matriz de Ma-
terialidade. ed. especial

95
e-B/06
ESTUDO DE CASO
Quando vamos, por exemplo, a uma loja de roupas, não
adianta pergunta sobre emissões de CO2, claro que é
importante, mas em uma loja de roupas prefiro perguntar
qual é a origem do produto, se os fornecedores foram
auditados, se existe trabalho análogo à escravidão ou infantil
e tratamentos de químicos etc. Para mim é mais relevante

Fábio Alperowitch
do que emissão de CO2, nas lojas. Quando observo uma
mineradora, não quero perguntar sobre diversidade e
mulheres em cargos de liderança, é claro que é importante,
mas eu prefiro perguntar sobre segurança nas barragens.

Cada setor tem desafios completamente diferentes, alguns


que o mercado automaticamente classifica como não
problemáticos só porque não são grandes emissores de
CO2 e isso não é verdade.

No início, disse que o mercado é muito reducionista com


ESG, por serem as questões socioambientais extremante
complexas. Duas temáticas foram ressaltadas: Carbono
e equidade de gênero. Não que não sejam importantes,
ambas são, mas não adianta reduzir a isso, não são só esses
os temas para todas as empresas e setores, são temas
ed. especial

diferentes para cada empresa e cada setor e a crítica deve


ser feita de forma diferenciada para cada um.

96
e-B/06
Os laboratórios clínicos, por exemplo, têm vários desafios,
o descarte dos exames de sangue é um deles. Vamos até
o laboratório, coletamos o sangue, mas não pensamos no
que acontece com o pouquinho de sangue. O descarte é
bem complicado, as seringas e agulhas também. Quando
fazemos um raio x, existe um material radioativo e não nos
questionamos para onde vai, precisa ser armazenado por
muito tempo e isso pode ser contaminado. Os seus dados
que estão ali, por eventuais questões de saúde e de todos
os pacientes, também precisam ser armazenados com cui-

Fábio Alperowitch
dado e tudo isso é muito mais importante do que quanto de
CO2 um laboratório emite.

As empresas sabem do problema e contornam muito bem


as situações, o controle da narrativa está com as compa-
nhias, esse é o primeiro ponto.

O segundo ponto: é muito fácil para as empresas fazerem


compromissos futuros, porque a hora em que fazem com-
promissos para um futuro distante, não são cobradas no cur-
to prazo. Em inglês se chama pleds, a empresa faz o com-
promisso, por exemplo, dizendo que vai tornar-se Net Zero
em 2050 (significa que ela vai tornar-se neutra em emissões
de Carbono em 2050) e isso torna-se um compromisso mui-
to relevante, as empresas passam a seguir arduamente a
meta e o relógio está ligado, estamos em 2021, temos 29
anos pela frente e a empresa passar seguir essa meta a par-
ed. especial

tir de amanhã.

97
e-B/06
Para outras empresas isso começa a ser uma licença que
comprou para transgredir por 28 anos, jogando o problema
para frente e isso não será problema do CEO atual, será ou-
tro que estará ali liderando a companhia e o problema será
dele; a empresa agrada, por hora, aos investidores e não
tem pressão.

É típico de greenwashing, empresas que

Fábio Alperowitch
deixam os investidores felizes, mas não
adotam nenhuma a¢ão para irem atrás dos
compromissos.

Outra questão bastante comum que tem confundido alguns


investidores, é a diferença entre redução e neutralização
de emissões CO2. Reduzir emissões é o que as empresas
devem perseguir. Neutralizar emissões não ajuda o plane-
ta, mas para o mercado já é suficiente, então as empresas
falam que neutralizam emissões, tiram a pressão total do
mercado. Empresas que são pouco engajadas com as ques-
tões ambientais geralmente adotam discursos que podem
ser protelados, jogam os problemas lá para frente e estão
sempre mirando os assuntos mais quentes, no caso agora:
ed. especial

Carbono e equidade de gênero.

98
e-B/06
Geralmente as empresas que fazem algum tipo de washing
atacam essas questões. Ninguém vai fazer washing falando

Fábio Alperowitch
sobre gestão de resíduo, porque o mercado não está preo-
cupado com isso, nem com economia circular ou com ou-
tras vertentes do ESG.

O holofote do mercado está em Carbono e empoderamento


feminino e é nisso que as empresas focam no greenwashing.

O investidor deve tomar cuidado com as empresas que têm


esses discursos, mas tem pouca prática principalmente
considerando a Matriz de Materialidade.

ed. especial

99
e-B/06
CAPÍTULO 8

Fábio Alperowitch
Índices e fundos ESG
são confiáveis?

ed. especial

100
e-B/06
Fábio Alperowitch
São dois tópicos importantes, embora diferentes; vou dar
uma volta, mas vou chegar ao ponto. Vou falar dos índices
ESG, das minhas críticas a eles (que não são poucas) e dos
fundos ESG e alguns cuidados que são relevantes para in-
vestir neles.

ed. especial

101
e-B/06
RELATÓRIOS DE
SUSTENTABILIDADE
Para falar sobre relatório de sustentabilidade preciso falar
sobre relatórios financeiros. O balanço de uma empresa, se
você já abriu um, não é muito diferente se estiver em di-
ferentes países. Você vai ver muita semelhança ou pratica-

Fábio Alperowitch
mente as mesmas contas, não existe um reporte financeiro
sem receita, custo, depreciação, despesa de vendas, em-
bora a contabilidade local tenha nuances. A contabilidade é
padrão no mundo inteiro. O relatório financeiro é completa-
mente compreensível.

Quando vamos para o mundo da sustentabilidade não acon-


tece o mesmo. O relatório de sustentabilidade para come-
çar é optativo, é voluntário, a empresa emite o relatório se
quiser; tem empresas que emitem e outras que não emitem.

Aquelas que emitem, as informações são seletivas, então as


empresas escolhem as informações que entram no relató-
rio. Algumas colocam por exemplo, o inventário de carbono,
mas não colocam o consumo de água; colocam percentual
de mulheres dentre os colaboradores, mas não o percentual
de negros. É totalmente opcional.
ed. especial

102
e-B/06
Existem as empresas que vão Além disso, os dados finan-
escolher os melhores dados ceiros são necessariamente
para mostrar e os piores para auditados, os dados de sus-
esconder. Porém tem tam- tentabilidade não necessa-
bém as que são super trans- riamente são auditados; al-
parentes mostram os dados guns auditam e outros não.
negativos, por exemplo, no Não existe uma certeza de
relatório de 2018 da Natura, que aqueles dados sejam

Fábio Alperowitch
mostraram 23 ou 28 casos reais e por último, os dados
de fraude ou aceite de su- não são parametrizados,
borno ou corrupção entre os significa que eu posso pe-
funcionários. gar duas empresas do mes-
mo setor e o mesmo tipo de
Você pode pensar que a Na- dado pode ser medido para
tura foi a empresa mais cor- a empresa A de um jeito e
rupta do Brasil, mas na reali- para a B de outro.
dade não é a mais corrupta,
e sim a mais transparente. O
Itaú dá transparência sobre
números de casos de assé-
dio moral ou sexual, quantas
empresas fazem isso? Guar-
de essa informação.
ed. especial

103
e-B/06
Vou dar um exemplo, se você vai a uma loja que tem o en-
cantômetro (dispositivo para medir o índice de satisfação do
consumidor), faz uma compra e se ficou satisfeito, aperta o
botão do sorrisinho, se não, aperta o botão da carinha triste.
Vamos pensar o seguinte, o lugar de colocar o encantôme-
tro, faz toda diferença na nota que o cliente vai dar. Se o
dispositivo estiver no caixa, o resultado pode ser diferente.
Se alguém o tratou mal e você foi embora, se entrou na loja,
achou o produto caro e foi embora, você não teve a oportu-
nidade de apertar o botão. Se você chegou até o caixa signi-

Fábio Alperowitch
fica que achou o produto que queria, está com o preço ade-
quado, provavelmente foi bem atendido, então a tendência
de você apertar o positivo é grande.

PRODUTO

ed. especial

DADO POSITIVO

104
e-B/06
Só de o dispositivo estar no caixa, a loja pode ter uma nota
alta; se o dispositivo estiver na porta pode capturar todos os
insatisfeitos e a loja teria dados mais negativos.

ENTRADA

Fábio Alperowitch
PRODUTO

Em um relatório de sustentabilidade, um dado muito impor-


tante que é o NPS (Índice de satisfação dos consumidores).
Não tem um padrão, tem loja que coloca o dispositivo na
porta, outra que coloca no caixa; é um problema comparar
essas empresas.

É complicado determinar se uma empresa é ou não ESG, ou


sustentável, com base em um relatório de sustentabilidade
voluntário, com contas optativas, que não são auditados e
os dados não são parametrizados.
ed. especial

105
e-B/06
ÍNDICES ESG

Os índices ESG coletam os dados dos relatórios de susten-


tabilidade de várias empresas do mundo inteiro, levam para
um banco de dados central e comparam empresas do mes-
mo setor. Ali classificam as empresas e dão notas; aquelas

Fábio Alperowitch
que ficam com notas maiores são as empresas considera-
das boas, as com notas piores são consideradas ruins.

Se tem empresas que não publicam notas, que escondem


os dados ruins, se tem empresas que foram transparentes
com os dados ruins, como os índices podem ser bem feitos?

Sou bastante cético com os índices de ESG, porque no final


das contas, eles são construídos de uma forma quantitativa,
e acredito em um ESG de uma forma totalmente qualitativa.

Perceber o ESG de forma puramente quantitativa é uma


aproximação complicada. Esse é o ponto número um. O
ponto número dois é que eu acredito que o ESG seja muito
regional, ele não é global.
ed. especial

106
e-B/06
ÍNDICES
QUANTITATIVOS
Vou dar um exemplo, uma locadora de carros no Brasil

Fábio Alperowitch
versus uma locadora de carros nos EUA. No Brasil, temos
o biocombustível, o etanol, que polui 27% menos do que
a gasolina ou o diesel que é usado nos EUA. Os carros de
uma locadora brasileira geralmente são pequenos e pouco
emissores, os carros para alugar nos EUA, geralmente são
grandes portando grandes emissores; não dá para compa-
rar.

Os shoppings centers no Brasil não


são centros de varejo, são centros de
entretenimento. ed. especial

107
e-B/06
Você vai ao shopping no Brasil e encontra lojas, mas tam-
bém encontra praça de alimentação gigantes, cinemas e
um monte de outros centros de lazer. Nos EUA a quantidade
de lazer em percentual é muito menor do no Brasil, portanto

Fábio Alperowitch
se produz menos lixo lá do que aqui.

A empresa menos sustentável nos EUA produz menos lixo


do que a mais sustentável no Brasil, porque a atividade é
diferente.

Não adianta comparar locadora no Brasil com locadora nos


EUA, shoppings no Brasil com Shoppings nos EUA e ainda
colocar tudo em uma miscelânea quantitativa porque não
funciona. Por isso sou bastante descrente com os índices
quantitativos de sustentabilidade, que são feitos de forma
puramente quantitativa.

ed. especial

108
e-B/06
ÍNDICES
QUALITATIVOS

Fábio Alperowitch
Existem os índices que são feitos de forma qualitativa; em
tese, índices melhores, mas eles precisam se atualizar por-
que a sustentabilidade não é estática, caminha com o tem-
po também. Dá muito mais trabalho.

Os índices não podem ser replicados de uma forma global,


eles têm que ser muito mais regionais. Embora os índices
cumpram um papel interessante, apesar de ser bastante
cético, se tivesse que investir na Coreia do Sul em empre-
sas sustentáveis, por não ter nenhuma referência sobre as
empresas na Coreia do Sul, pelo menos iria ter a referência
dos índices. Não é algo em que acredito piamente, tenho
bastantes críticas em relação aos índices ESG.
ed. especial

109
e-B/06
FUNDOS ESG
Os fundos ESG são um capítulo à parte, porque ESG, na mi-
nha avaliação, é uma ferramenta muito relevante para medir
qualidade e reduzir riscos. Ao incorporar o ESG na análise,
automaticamente você vai selecionar as melhores empre-

Fábio Alperowitch
sas e evitará os grandes riscos. Não faz muito sentido ter
dois fundos. Por que você vai ter um fundo ESG e um fun-
do não ESG? Só faz sentido ter um fundo ESG. Por que ter
um fundo ESG? A gestora quer correr mais riscos? A gestora
quer render menos?

As gestoras que têm fundos ESG e não ESG, provavelmente


têm os fundos ESG por conta de questões comerciais e não
por questões filosóficas. Aqueles que realmente entendem
que ESG sabem é uma prática que reduz risco e aumenta
retorno, e incorporam o ESG em definitivo em todos os seus
produtos. Não faria sentido lógico não ter o ESG em todos
os produtos porque não quer ter investimento em empresas
que correm mais risco e têm menor qualidade. Esse é um
ponto.
ed. especial

110
e-B/06
O segundo ponto é que eu Nos últimos anos apareceu
acho que vale a pena não uma onda grande investido-
olhar especificamente o fun- res que procuram ESG, tanto
do da gestora, mas a gestora na Europa, nos EUA e está
em si. A gestora é pratican- começando no Brasil. Mui-
te da filosofia ESG? Quanto a tos gestores têm se aten-
gestora está alinhada às prá- tado e querem abrir fundos
ticas ESG? ESG para capturar esse flu-
xo de investidores. Imagine
Existe uma expressão no se essa onda não fosse ESG,
mundo de sustentabilida- fosse de biotecnologia ou de

Fábio Alperowitch
de que se chama walk the investir em educação, será
talk (falar e andar), que quer que estariam abrindo hoje
dizer: praticar o discurso, a produtos ESG ou estariam
pessoa faz aquilo que fala? abrindo produtos de biotec-
Ou só fala? Porque de nada nologia ou educação?
adianta falar do ponto de vis-
ta comercial e não exercer o A gente precisa entender se
que fala; se não fica muito o DNA das casas é realmen-
vazio. te ESG ou se está ESG. Este é
o ponto principal para os in-
vestidores, na minha opinião.
Precisa entender se a casa é
ou se ela está e isso é funda-
mental.
ed. especial

111
e-B/06
CAPÍTULO 9

Fábio Alperowitch
Processo de investimento
da FAMA

ed. especial

112
e-B/06
Primeiro, somos investidores de muito longo prazo, têm em-
presas que estão no nosso portfólio há quinze anos, outras
há 10 anos. É um período normal, porque o nosso horizonte
de investimento é longo e não existe problema em gastar
um bom tempo no período de pesquisa.

Fábio Alperowitch
Se o nosso tempo de investimento fosse de seis meses ou
um ano, não faria sentido passar seis meses investigando
uma empresa para investir só por três, seis meses ou um
ano. Como vamos passar 10 anos investindo, faz sentido
gastarmos seis meses, um ano investigando uma empresa
antes de alocar nosso capital. Esse é um primeiro ponto, fa-
zemos isso de uma forma muito lenta e responsável.

ed. especial

113
e-B/06
Segundo ponto, a empresa que procuramos precisa ter duas
características, gostamos de bons negócios, de empresas
de alta qualidade que estejam também dentro dos pilares
ESG. Para entender se são bons negócios e que estão nos
pilares ESG, precisamos ter uma visão holística sobre a com-
panhia, não adianta olhar apenas para os balanços, precisa-
mos saber se, por exemplo, a empresa está inserida dentro
de uma cultura de stakeholder, se a empresa contempla os

Fábio Alperowitch
seus múltiplos stakeholders nos processos decisórios.

A única maneira de fazer isso, é conversar com os stakehol-


ders; não adianta chegar para o setor de relações com in-
vestidores ou para o CEO e perguntar se ele considera os
stakeholders nas decisões. Para me certificar, é preciso con-
versar com todos eles.

O nosso processo envolve conversar com fornecedores,


clientes, colaboradores de diferentes áreas das compa-
nhias, concorrentes, comunidades que são afetadas pela
companhia, com o poder público em determinados setores
e com pares no exterior se for necessário.

Falar com muita gente, para nós, é essencial.


ed. especial

114
e-B/06
TESE DE
INVESTIMENTO
O interessante da Fama (nunca vi em outro lugar e, para nós,
funciona desde o início), é que temos um processo que busca

Fábio Alperowitch
o contraditório. O Mauricio Levi (o outro fundador da Fama),
tem um papel totalmente diferente do meu. O meu papel
é construir tese de investimento. Busco o entendimento da
companhia, o que a empresa faz, como são os processos
decisórios, qual é a visão do stakeholder, ESG. Faço junto do
meu time de analistas. O Maurício não participa de absolu-
tamente nada disso, não participa das reuniões semanais,
não participa dos nossos diálogos, relatórios, das nossas
evoluções em relação às empresas, ele mal sabe quais são
as empresas que estamos analisando. Quando chegamos a
uma determinada etapa do processo, aí sim, ele é chamado
para reunião e o seu objetivo é destruir as teses de investi-
mento.
ed. especial

115
e-B/06
Por que agimos assim? Vamos supor que estejamos anali-
sando uma empresa e descobrimos que é frágil em gover-
nança, por que vamos investir numa empresa frágil em go-
vernança? Eu não quero investir, então vou descartá-la, meu

Fábio Alperowitch
analista vai gastar tempo com outra empresa. Aí descobri-
mos que a outra empresa tem um problema com o modelo
de negócios, tem pouca barreira de entrada e é bastante
suscetível à competição, então não vou querer investir, des-
carto e vou buscar uma nova candidata. O que significa?

Quando o Maurício entra, eu já estou enviesado, porque se


em algum momento da etapa eu achasse que a empresa
é frágil, que não tem governança, que não é aderente aos
princípios ESG ou se não tem qualidade, eu já teria, junto da
minha equipe, raquetado a empresa.

ed. especial

116
e-B/06
Se ela chegou ao comitê significa que todos nós de certa
forma gostamos da empresa, já temos um viés pró-empre-
sa, por isso precisamos de alguém que venha com uma vi-
são externa, completamente limpa, com olhos frescos para
olhar para a empresa e para o processo analítico e começar

Fábio Alperowitch
a questionar tudo; as premissas, as eventuais falhas no pro-
cesso, com quem a gente conversou ou deixou de conversar,
se a gente considerou aspectos regulatórios, tecnológicos e
enfim, toda a sorte de riscos. Geralmente, nessas reuniões
as teses não são aprovadas, o analista sai com uma série de
lição de casa para fazer porque, por mais que a gente seja
dirigente em um processo, existem coisas que não enxer-
gamos e o Mauricio traz esse ângulo de destruição de tese.

Fazemos uma nova reunião e se as questões foram bem res-


pondidas, a empresa passa a ser chancelada como ‘investí-
vel’. Se as questões não foram bem respondidas, a empresa
é descartada e o processo volta à estaca zero.
ed. especial

117
e-B/06
Quando a empresa é chan- O relevante é essa agenda
celada como ‘investível’, a de criação de valor de longo
decisão de colocá-la ou não prazo. Se a empresa vai ter
no portfólio cabe a mim e um bom resultado no próxi-
ao Maurício. Para colocar no mo trimestre ou semestres,
portfólio precisamos analisar é pouco relevante. Se vamos
a questão de momento, de investir em uma empresa por
preços, das outras empresas 10 anos, é impossível que ela
que já estão no portfólio; não nos surpreenda por 40 tri-

Fábio Alperowitch
pode ser só boa, tem que ser mestres consecutivamente.
boa e melhor do que aque- Sempre vai haver um mo-
las que já estão no portfólio. mento em que a competição
Nós montamos o portfólio da vai ficar um pouco mais feroz
maneira que achamos mais ou que a empresa vai come-
adequado, balanceando ris- ter algum tipo de erro, ou um
co e retorno. A gente olha a circunstância de mercado,
bastante a parte financeira, a que vai tornar aquele perío-
parte de negócios e integra do de resultado um pouco
o ESG a tudo, buscando um pior.
portfólio que seja balance-
ado em todas as questões.
Tornamos o processo mais
robusto possível buscando
um horizonte de investimen-
to de longo prazo.
ed. especial

118
e-B/06
Temos que entender, por um lado, esses períodos de resul-
tados um pouco piores da companhia. Por outro lado, sem-
pre olhar para o longo prazo e pensar que são apenas perío-
dos ruins (e todos esses períodos ruins tornam-se desculpas
para olhar a longo prazo), em alguns momentos você pode
ser atropelado por mudanças tecnológicas, disrupções, etc.,
e quando perceber o problema já foi. Vem um resultado

Fábio Alperowitch
ruim, você pensa no longo prazo, vem um segundo e você
pensa a mesma coisa e uma hora percebe que a empresa
realmente mudou, mas aí as ações já caíram 70% e você já
perdeu.

Para evitar esse tipo de coisa, o Maurício tem um papel fun-


damental de ser o questionador no monitoramento das in-
vestidas, ele mantém um clima “tenso”, no sentido de ques-
tionar o tempo todo, para saber se a empresa está aderente
àquilo que programamos como tese de investimentos da
companhia ou não. E qualquer desvio de rota que a empre-
sa tenha, precisamos entender rapidamente se foi algo cir-
cunstancial ou estrutural.
ed. especial

119
e-B/06
ESTUDO DE CASO:

Fábio Alperowitch
LOCALIZA HERTZ
Vou dar o exemplo de uma companhia que está no nosso
portfólio há bastante tempo, mas demorou muito para en-
trar, porque a empresa tinha um modelo de negócios dife-
rente daquilo que inicialmente tínhamos percebido. É a Lo-
caliza, hoje é uma das nossas maiores posições.

ed. especial

120
e-B/06
Durante muito tempo entendemos que o modelo de negó-
cio da Localiza era pouco sustentável a longo prazo. Está-
vamos errados. Achávamos que a Localiza era muito de-
pendente da venda de usados e ganhava pouco dinheiro
na atividade de locação. O grande diferencial era comprar
os carros novos com desconto e conseguir vendê-los muito

Fábio Alperowitch
bem. A atividade de compra com benefício fiscal e o comér-
cio de carros era o que dava de fato o ganho para a Localiza.
Enquanto tínhamos essa percepção do modelo de negócio,
não investimos na empresa, a empresa crescia e ganhando
dinheiro, mas não era o tipo de empresa que queremos no
portfólio, porque o modelo de negócio era frágil.

Ficamos alguns anos monitorando e conversando com a


empresa, até que tivemos um estalo e entendemos que es-
távamos errados, os ganhos da Localiza advinham de múlti-
plas fontes diferentes. A empresa tinha uma vantagem, mui-
to grande na compra de ativo, mas também tinha vantagem
na sua principal “matéria-prima” que é o custo financeiro. ed. especial

121
e-B/06
Quando se compara a Localiza com os pares, ela tem o
menor custo financeiro e isso é muito relevante para uma
empresa de locação. Tem outra vantagem que é o giro do
ativo, consegue ter uma taxa de locação muito melhor do
que os pares e de fato consegue vender melhor os carros
usados. Não porque é sorte ou competência de momento,
mas porque tem uma capilaridade enorme, uma vantagem
competitiva enorme. Se sobrava, hipoteticamente, um Gol
branco, em Porto Alegre e faltava em João Pessoa, existia

Fábio Alperowitch
maleabilidade para trazer o carro de um lugar para o outro.
Quanto mais crescia, mais competitiva ficava, mais desconto
conseguia nas montadoras, melhor o custo financeiro do fi-
nanciamento, melhor ficava o giro de ativo e melhor ela con-
seguia vender seus carros usados.

Além disso, a governança era tão boa que os processos


decisórios conseguiram fazer dos desafios, no curto prazo,
oportunidades. A vinda do Uber para o Brasil, por exemplo,
que poderia ser um grande desafio, fez o contrário. A Uber
não ganhou dinheiro no Brasil, quem ganhou foi a Localiza.
A queda da taxa de juros estrutural, no Brasil, nos últimos
tempos fez com que a Localiza ganhasse ainda mais mer-
cado e que as pessoas e as empresas também passassem
cada vez mais a alugar carro ao invés de comprar.
ed. especial

122
e-B/06
A empresa vem crescendo cada vez mais forte e tirando as
empresas menores do caminho. Faz de uma forma bastante
responsável e quando integramos o ESG nessa perspectiva,
vemos uma coisa muito interessante. Quando se fala de ESG
geralmente as pessoas pensam em combustível, mas não é
só o combustível; a maioria da frota é flex e incentiva os con-
sumidores a usarem etanol. Mais que 50% das lavagens são

Fábio Alperowitch
a seco e o número tem crescido, o consumo de água está
despencando ano após ano, é uma empresa que tem sido
muito responsável no uso de água e vai ficar cada vez mais
porque esse percentual de lavagem a seco tem crescido.

O uso de painéis solares nas lojas da Localiza também é


uma realidade na esmagadora maioria das lojas. Do lado so-
cial, ela também cumpre um papel interessante, tem alguns
programas de mão de obra de refugiados, são super legais,
muitas horas de treinamento.

Vemos uma empresa performando muito bem financeira-


mente, super bem do ponto de vista socioambiental, e com
uma governança exemplar.
ed. especial

123
e-B/06
CAPÍTULO 10

Fábio Alperowitch
O que esperar do futuro?

ed. especial

124
e-B/06
Quero concluir de maneira reflexiva. Quando falamos de
ESG e de uma abordagem nova, queria mostrar um pouco
do que aconteceu ao longo do tempo. Não há tanto tem-
po, talvez há um século, várias empresas que conhecemos
hoje, cresceram muito com o trabalho escravo; alguns ban-
cos como JP Morgan, por exemplo, já escreveram cartas se

Fábio Alperowitch
desculpando por terem financiado o trabalho escravo no
passado.

Quando eu era menor, costumava andar de avião e tinha


lugares para fumantes, era absolutamente normal, era cor-
riqueiro, as pessoas fumavam no avião, no carro. A socie-
dade muda em velocidade e às vezes não percebemos. De
repente, olhamos para trás e as coisas mudaram considera-
velmente, só que no meio da mudança a gente não percebe.
Seria absurdo aceitar uma pessoa fumando ou alguém em
trabalho escravo, mas era absolutamente comum em algum
momento do passado. Hoje parece meio bizarro fumar den-
tro de um avião ou de um ambiente fechado. ed. especial

125
e-B/06
Assim como muitas coisas que são praticadas ainda, hoje
em dia são bizarras e isso vamos perceber daqui a 10 ou
20 anos. Empresas que usam recursos naturais e que não
pagam por eles, vamos achar estranho, mas era normal nos

Fábio Alperowitch
anos 2020. Ou empresas que não se posicionavam em rela-
ção às questões de diversidade, inclusão, a sociedade fala-
va pouco, vamos também achar bizarro.

Vou contar uma história que aconteceu recentemente co-


migo.

Um colega de faculdade mandou uma mensagem para mim


por e-mail e disse que queria conversar comigo. Eu o chamei
para vir até o escritório, e fiquei pensando o que poderia ter
acontecido, tínhamos perdido contato, mas era uma pessoa
que não podia ter tido problema financeiro.

ed. especial

126
e-B/06
Quando ele chegou, sentou ali na mesa de reunião e falou:
“Fábio, invisto há uns 5, 6 anos em um fundo de ações, sem-
pre estive satisfeito, nunca questionei absolutamente nada,
e hoje tive uma reunião... Tenho bastante dinheiro investido
e descobri hoje, depois de todos esses anos, que a segunda
maior posição deles é a JBS. Eu quase vomitei, porque eu
sou vegano! Me senti muito mal, boa parte do lucro que tive
nesses últimos anos foi financiando uma atividade em que
não acredito. Realmente estou precisando de ajuda, sei que
você tem uma gestora que lida com isso e vim aqui para

Fábio Alperowitch
saber o que posso fazer para ficar um pouco melhor comigo
mesmo?!”.

Conversei com ele, fizemos as contas do quanto a posição


da JBS (que tinha subido bastante) contribuiu para o portfó-
lio dele, e aquele valor ele doou para uma ONG que defende
causas animais.

ed. especial

127
e-B/06
Estou contando a história racista. Não querem investir
porque é cada vez maior o em uma empresa que ganhe
número de pessoas que vai dinheiro com trabalho infan-
querer investir os recursos til ou análogo à escravidão,
de acordo com seus valores ou poluindo o meio ambien-
pessoais. Cada vez mais as te. Esse dinheiro, talvez para

Fábio Alperowitch
pessoas investirão o patri- muitos investidores e cada
mônio alinhado com o que vez mais na nova geração, é
acreditam. Não querem in- um dinheiro que não serve.
vestir e ter o lucro pelo lucro.
Não querem investir numa O questionamento começa
empresa que não tem cui- a acontecer de uma forma
dado com a segurança, que cada vez mais constante.
abrem o jornal e veem que Então essa provocação vai
morreu um trabalhador ou transformar a indústria do in-
centenas de trabalhadores vestimento.
em um acidente. Não que-
rem investir em uma em-
presa que tenha tido um ato ed. especial

128
e-B/06
Neste momento fala-se muito do ESG e muitos podem achar
que é mimimi, mas é muito importante a gente entender as
grandes transformações nas empresas. Aquelas que não se
atentarem perderão consumidores, serão literalmente atro-
peladas, elas ficarão para trás.

Fábio Alperowitch
Os investidores precisam entender que o mundo está mu-
dando e que as empresas precisam se responsabilizar por
seus atos, pelos recursos naturais que usam e pelas ques-
tões sociais que provocam.

O ESG é sobre recursos naturais, sobre a natureza e sobre


direitos humanos. No final das contas, as empresas bem-su-
cedidas no futuro, são aquelas que contemplam seus múlti-
plos stakeholders com toda responsabilidade.

ESG é ter responsabilidade e ganhar dinheiro de uma for-


ma ética e ser sustentável e perene a longo prazo.

Meu nome é Fabio Alperowitch e essa foi a minha Finclass. ed. especial

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e-B/06
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pela Lei 9.610 de 19/02/1998.

Nenhuma parte deste guia poderá ser reproduzida ou


transmitida sem autoriza¢ão prévia da marca Finclass.

Fábio Alperowitch
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ed. especial

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