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A linguagem não tem limites?

 
By ​Rodrigo Gurgel​ -18 December, 2015

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“tudo o que

pode ser dito, pode ser dito claramente; mas nem tudo o que pode ser entendido pode ser dito.” —

Ludwig Wittgenstein

Parcela dos escritores contemporâneos acredita que a linguagem não tem

limites, que é possível dizer tudo, bastando, com relativo esforço, realizar

algumas acrobacias linguísticas.

Trata-se de um tipo de soberba, sem dúvida, acreditar que a linguagem é

completamente maleável, submissa e pode ser utilizada para expressar,

sempre com sucesso, qualquer idéia, qualquer cena, qualquer estado

psicológico.

Escritores que tratam a linguagem com tal desprezo costumam acreditar que

a passagem da idéia à escrita ocorre de forma automática, como se escrever


fosse, na verdade, psicografar. Esse comportamento revela não só

imaturidade e despreparo, mas principalmente ignorância.

“[…] É impossível

escrever algo legível sem lutar constantemente para apagar a própria personalidade.” — George

Orwell​[Não, não se trata de ousadia estética, ainda que muitos vistam essa

fantasia — e saiam alardeando, de bar em bar, as suas teorias, compostas

depois da leitura de um ou dois livros de Roland Barthes.]

Repito: ignorância. E no seu estado bruto: desconhecimento e incultura, em

virtude da falta de estudo e experiência.

Alguns talvez não sejam ignorantes, mas sofrem de ingenuidade excessiva —

e não seria exagero colocar parte da culpa desse infantilismo nas faculdades

de Letras e seus programas monomaníacos, nos quais imperam as

pagininhas de xerox de meia dúzia de embolorados estruturalistas.

Construir uma linguagem, uma prosa, que seja, como dizia ​George Orwell​,

“uma vidraça” — é bom explicar aos apressados: transparente como uma

vidraça — é trabalho cansativo e tortuoso, do qual, tenham certeza, jamais


participa algum espírito desencarnado, ansioso por sussurrar no ouvido do

escritor a forma mais adequada de expressão.

Como costumo dizer a meus alunos da ​Oficina de Escrita Criativa​, repetindo

Ludwig Wittgenstein​, “tudo o que pode ser dito, pode ser dito claramente;

mas nem tudo o que pode ser entendido pode ser dito”. Em outras palavras,

a linguagem é um código que tem limites — portanto, a clareza precisa ser

reconquistada a cada linha, a cada parágrafo.

George Orwell estava certo: “Escrever um livro é uma luta horrível e

exaustiva, como um prolongado ataque de uma enfermidade dolorosa”. E

sua lição atinge exatamente os escritores cegados pela arrogância: “[…] É

impossível escrever algo legível sem lutar constantemente para apagar a

própria personalidade”.

“Tudo o que pode ser dito, pode ser dito claramente; mas nem tudo o que pode ser entendido pode ser

dito.” — Ludwig Wittgenstein

Ter consciência dos nossos limites intelectuais e dos limites que a linguagem

nos impõe é o primeiro passo para alcançar a clareza de idéias e, portanto,


de expressão. Não que o aperfeiçoamento constante seja impossível — ao

contrário, a autossuperação é uma necessidade —, mas sem perder a

consciência de que o código linguístico não é servil, não se amolda e não se

submete a todas as formas de vaidade.

Colocar-se despojado de presunção diante da linguagem e do trabalho de

escrever amplia a nossa lucidez, a nossa acuidade para o que é relevante, a

nossa perspicácia.

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