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Universidade Estadual de Campinas


Instituto de Estudos da Linguagem

Elementos fonológicos para a classificação genética do Avá-Canoeiro


(Tupi-Guarani)

Mônica Veloso Borges

Exame de Qualificação na Área de Lingüística Histórica


Orientadora: Profa. Dra. Lucy Seki

Banca Examinadora:
Profa. Dra. Lucy Seki (UNICAMP)
Prof. Dr. Frantomé Bezerra Pacheco (FAPESP-USP)
Profa. Dra. Alexandra Aikhenvald (La Trobe University)

Campinas, dezembro de 2004


2

Sumário

1. Introdução 04

2. Breve Histórico do Povo Avá-Canoeiro 07

2.1. Estudos realizados sobre a língua Avá-Canoeiro 11

3. Correspondências fonológicas 13

3.1. Inventários de fonemas 13

3.1.1. Inventário de fonemas do Proto-Tupi-Guarani 13

3.1.2. Inventário de fonemas do Avá-Canoeiro 15

3.1.2.1. Contrastes fonológicos consonantais 16

3.1.2.2. Contrastes fonológicos vocálicos 22

3.1.2.2.1. Vogais orais 22

3.1.2.2.2. Vogais nasais 25

3.1.3. A sílaba 27

3.1.4. O acento 28

3.2. Lista Comparativa 29

3.3. Correspondências fonológicas entre Avá-Canoeiro 46


(AC) e Proto-Tupi-Guarani (*)

3.3.1. Consoantes 46

3.3.2. Vogais 53

4. Considerações sobre as mudanças fonológicas do 60


Proto-Tupi-Guarani ao Avá-Canoeiro: as
consoantes

4.1. Fusão de /p/ e /k/ 60


3

4.2. Fusão da oclusiva palatalizada velar *k à simples 61


*k

4.3. Apagamento de * 62

4.4. Apagamento ou fusão de * 63

4.5. As africadas *ts e *t do Proto-Tupi-Guarani 66

4.6. Fontes do fonema // 69

5. Considerações sobre as mudanças fonológicas do 71


Proto-Tupi-Guarani ao Avá-Canoeiro: as vogais

5.1. As vogais orais 71

5.2. As vogais nasais 74

5.2.1. Desnasalização de vogal final 75

6. À guisa de conclusão 76

Referências Bibliográficas 76

Bibliografia Consultada 81

Elementos fonológicos para a classificação genética do Avá-Canoeiro (Tupi-Guarani)


4

Mônica Veloso BORGES1

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar correspondências fonológicas entre a língua Avá-Canoeiro, pertencente à
família Tupi-Guarani, e o Proto-Tupi-Guarani (reconstruído por Lemle (1971) e Rodrigues & Dietrich (1997)), a partir
de 252 (duzentos e cinqüenta e dois) pares de cognatos, bem como tecer algumas considerações sobre o provável
desenvolvimento histórico daquela língua. Este estudo traz ainda uma breve discussão sobre o acento e sobre os
padrões silábicos da língua Avá-Canoeiro.

1. Introdução

A língua Avá-Canoeiro foi classificada por Lemle (1971) e Rodrigues (1984/1985) como
pertencente à família Tupi-Guarani, do Tronco Tupi, embora desde os primeiros contatos dos Avá-Canoeiro
já se mencionasse tratar-se de um povo de “língua geral”2. O Avá-Canoeiro, juntamente com o Tapirapé, o
Asurini do Tocantins, o Suruí do Tocantins, o Parakanã, o Guajajára e o Tembé, compõe o Ramo IV
daquelas línguas3, segundo a classificação de Rodrigues (1984/1985). É falada atualmente por dez indígenas
aldeados, no Estado de Goiás, próximo aos municípios de Minaçu e Colinas, e no Estado do Tocantins, na
Ilha do Bananal, na aldeia Canoanã, dos índios Javaé4, o que a faz ser apontada como uma língua em
avançado processo de extinção, visto que o próprio povo que a utiliza encontra-se ameaçado de extinção5.
Como mostro em Borges (2004a, 2004e), o Avá-Canoeiro está em extinção devido ao pequeno número de

1
Professora Assistente da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG), pesquisadora do Museu
Antropológico (MA) da mesma universidade e doutoranda em Lingüística Antropológica pela UNICAMP. Agradeço
os comentários do pesquisador Mateus Coimbra de Oliveira à primeira versão deste estudo; ao pesquisador Eduardo
Rivail Ribeiro agradeço os valiosos comentários e sugestões às versões realizadas; à pesquisadora Walkíria Neiva
Praça agradeço os dados do Tapirapé gentilmente cedidos. Ao Prof. Dr. Francisco Queixalos sou grata pelos
comentários acerca do morfema {-a} da família Tupi-Guarani. Aos Profs. Drs. Alexandra Aikhenvald e Frantomé
Bezerra Pacheco agradeço a leitura atenta e os comentários a esse exame de qualificação, todos pertinentes e
certamente acatados, que fizeram com que o texto ficasse muito melhor do que a versão que lhes fora apresentada. De
modo muito especial agradeço à Dra. Lucy Seki pelo estímulo constante à minha pesquisa sobre o Avá-Canoeiro, pelo
incentivo e principalmente pela orientação para fazer este trabalho. As imperfeições e lacunas remanescentes são de
minha inteira responsabilidade.
2
Nimuendajú, em carta enviada a Herbert Baldus, datada do dia 21 de março de 1944, em Belém do Pará (apud
Baldus, 1970: 71), menciona que o Avá-Canoeiro é “um dialeto Guarani”, com base em Couto de Magalhães
(1864/1965).
3
Neste estudo mantenho a grafia dos nomes das línguas e as transcrições utilizadas nos exemplos citados conforme os
trabalhos originais a que tive acesso. Quando necessário, apresento as correspondências.
4
Os Javaé são falantes de Javaé, dialeto da língua Karajá, pertencente à família lingüística Karajá e ao Tronco Macro-Jê.
5
A população Avá-Canoeiro é composta de cerca de vinte e cinco pessoas, embora apenas dez usem o Avá-Canoeiro no
cotidiano: seis em Goiás e quatro no Tocantins. Dentre essas dez, há diversos graus de conhecimento e de uso da língua
(cf. Borges, 2004a). De acordo com depoimentos de habitantes da região de Minaçu, há ainda outros Avá-Canoeiro
perambulando nas imediações, sem terem sido ainda contatados. Entretanto, as várias frentes de atração realizadas não
conseguiram localizar outros indígenas Avá-Canoeiro.
5

falantes, mas também porque a cada dia o português vai ocupando os espaços e as funções outrora destinados
à língua Avá-Canoeiro.
Os estudos realizados sobre essa língua indígena brasileira são raros, sendo que os poucos que há
limitam-se a descrever alguns aspectos fonético-fonológicos ou a apresentar algumas listas de itens lexicais.
O trabalho mais específico sobre o Avá-Canoeiro é a dissertação de mestrado de Paiva (1996), que enfocou a
fonética e alguns aspectos fonológicos da língua de forma preliminar, como alguns processos fonológicos
verificados. Antes desse estudo, contudo, o conhecimento sobre a língua Avá-Canoeiro restringia-se a listas
de itens lexicais coletadas por Couto de Magalhães (1863/1864, publicada em 1957), Harrison (1974) e Toral
(s/d), todas bastante limitadas. Atualmente a língua vem sendo estudada por Borges (2001/2002; 2001; 2002;
2002a, b, c, d, e; 2003a, b, c, d, e; 2004; 2004a, b, c, d, e).
Portanto, observa-se que a língua Avá-Canoeiro foi muito pouco documentada e analisada até o
presente momento, visto que os raros trabalhos realizados são incipientes. Logo, estudos aprofundados sobre
a fonologia e a gramática Avá-Canoeiro estão por ser feitos. No que diz respeito ao povo, à história e à
cultura Avá-Canoeiro, também pouco estudados, podem ser citados os trabalhos de Rivet (1924), Neiva
(1971), Pedroso (1990, 1992, 1994, 2004), Toral (1984/1985), Borges & Leitão (2002, 2003) e Leitão
(2001/2002, 2002).
O objetivo deste trabalho é contribuir para o conhecimento da língua Avá-Canoeiro,
estabelecendo correspondências fonológicas entre essa língua, que faz parte da família Tupi-Guarani, e o
Proto-Tupi-Guarani, a partir de 252 (duzentos e cinqüenta e dois) pares de cognatos, bem como tecer
algumas considerações sobre o provável desenvolvimento histórico daquela língua. A ênfase da comparação
será dada às consoantes. Assim, pretendo contribuir para uma efetiva classificação do Avá-Canoeiro no
grupo das línguas Tupi-Guarani, principalmente no Subgrupo IV, visto que tudo o que se fez até hoje foi
apresentar algumas evidências de parentesco sem se aprofundar nos dados fonológicos dessa língua, outrora
desconhecidos da Lingüística. Portanto, a classificação foi feita, mas o parentesco do Avá-Canoeiro com o
Proto-Tupi-Guarani não foi de fato comprovado. Exceção é o trabalho de Cabral (2004), que, como base em
dados do antropólogo Cristhian Silva (UCB/PG-UnB), coletados na Terra Indígena Avá-Canoeiro (Goiás),
em 2003, forneceu algumas evidências a mais para a classificação do Avá-Canoeiro.
As formas reconstruídas para o Proto-Tupi-Guarani foram extraídas de Lemle (1971), Rodrigues
& Dietrich (1997) e Seki (2000), e os dados do Avá-Canoeiro foram por mim coletados em várias visitas de
campo, entre os anos de 2001 a 2004, na aldeia próxima à cidade de Minaçu, no Estado de Goiás, e em uma
visita à aldeia Canoanã, em julho de 2004. Serão feitas, quando possível, comparações entre itens lexicais do
Avá-Canoeiro e de outras línguas da família Tupi-Guarani, especialmente do Subgrupo IV, embora essa não
seja a meta principal deste estudo. Foram citadas neste trabalho, além do Sateré-Mawé, língua Tupi, as
6

seguintes línguas Tupi-Guarani, com seus respectivos subgrupos, segundo a classificação de Rodrigues &
Cabral (2002):

Tupi

Tupi-Guarani

Ramo I Ramo IV Ramo V Ramo VI Ramo VII Ramo VIII

Guarani Avá-Canoeiro Araweté Parintintin Kamaiurá Wayampi


Tapirapé Asurini do Xingu Émérillon
Asurini do Tocantins
Suruí do Tocantins (Mujetire)
Parakanã
Guajajára
Tembé
Turiwara (extinta)

Para a realização deste trabalho, utilizo o método comparativo, baseando-me nos estudos de Anttila
(1972), Jeffers & Lehiste (1982), Hock (1986) e Crowley (1992). Conforme explica Crowley (1992), há
alguns passos importantes a serem seguidos numa análise com base nesse método. Primeiramente, é preciso
reconhecer os cognatos e separá-los dos não-cognatos. O segundo é buscar as correspondências sonoras
entre os sons da língua pesquisada e os da protolíngua. É somente a partir desses dois passos concluídos que
se poderá entender quais foram os processos que ocorreram no sistema fonológico da protolíngua e buscar
possíveis explicações.
Segundo Jeffers & Lehiste (1982), são duas as hipóteses básicas desse método. Uma delas é a
hipótese do relacionamento genético, que explica similaridades entre palavras pertencentes a diferentes
línguas ou dialetos considerados geneticamente relacionados, os chamados cognatos, que são, de acordo com
Jeffers & Lehiste (1982: 17), “palavras que descenderam de uma mesma palavra na protolíngua”, como nos
exemplos abaixo, extraídos de Crowley (1992: 91).

Tongan Samoano Rarotongan Havaiano


„escondido‟ tapu tapu tapu kapu
„homem‟ taata taata taata kanaka
7

A segunda hipótese é a da regularidade, que postula que as mudanças da protolíngua para as línguas
descendentes são mudanças regulares6 e que podem ser explicadas na maior parte das vezes por meio de
regras e pressupostos como o do condicionamento fonológico, ou seja, sons podem ser alterados ou
apagados por estarem próximos a outros (por exemplo, em Banoni, uma língua da Papua Nova Guiné, as
oclusivas intervocálicas passam a fricativas vozeadas com o mesmo ponto de articulação, assimilando os
traços [+vozeado] e [+contínuo] das vogais)7. Há ainda mudanças que não possuem um condicionamento
fonológico, as chamadas mudanças não condicionadas fonologicamente, por acontecerem
independentemente do contexto em que os sons estão. Esse é o caso da vogal posterior média /o/, que se
tornou /a/ em todos os ambientes em Tapirapé8 (Facó Soares & Leite, 1991: 39).
Assim, comparo formas cognatas do PTG e do Avá-Canoeiro, analisando as
correspondências sonoras existentes entre elas e tentando encontrar para cada som das palavras dessa
língua os correspondentes sonoros originais, de acordo com a posição de cada segmento (início de
sílaba, após consoantes etc.). Com este estudo espero oferecer maiores evidências à classificação da língua
Avá-Canoeiro, buscando entender o que houve com os fonemas do Proto-Tupi-Guarani, por quais mudanças
passou e quais os possíveis ambientes condicionantes dessas transformações. Antes, porém, apresentarei
alguns aspectos sócio-histórico-culturais do povo Avá-Canoeiro, a fim de que o leitor possa conhecê-lo
melhor.

2. Breve Histórico do Povo Avá-Canoeiro

Pedroso (1992, 1994) explica-nos que, devido à carência de dados históricos, não se pode precisar o
contingente populacional dos Avá-Canoeiro, desde que foram inicialmente noticiados em Goiás. Segundo
Toral (1984/1985), a estimativa mais antiga é a de 1824, quando foi apontada por Cunha Mattos (1979) a
existência de trezentos “guerreiros”9. As primeiras informações de que dispomos a respeito desse povo datam

6
Hock (1986) chama a atenção do leitor no sentido de que essa hipótese não deve ser cegamente aceita, já que há muitas
exceções às regras propostas para se explicarem mudanças que ocorrem nas línguas do mundo.
7
Cf. os dados do Banoni (Crowley, 1992: 54):

k> *wakar > baara „raiz‟


p >v *tipi > tsivi „dança tradicional‟

8
Cf. a nota (86) para exemplos do Tapirapé.
9
Cunha Mattos (1979) mostra que havia uma grande divisão dos Avá-Canoeiro em grupos menores, ao longo da Bacia
do rio Tocantins, com grande mobilidade social, o que, segundo Pedroso (1994: 79), “permitia que esses índios se
movimentassem por uma imensa área, que abrangia seus territórios tradicionais e também regiões fora deles”. É o que
8

do século XVIII, época em que frentes agropastoris estabeleceram-se em suas terras10. Na documentação
histórica daquele século, os Avá-Canoeiro foram freqüentemente denominados de “canoeiros”11 ou “índios
de canoa” (cf. Pedroso, 1992; 1994; Toral, 1984/1985; Tosta, 1997).
Consta que de todos os indígenas que habitaram o Estado de Goiás, os Avá-Canoeiro estavam entre
os mais temidos12, porque resistiram e reagiram bravamente tanto à dominação colonizadora que lhes era
imposta, quanto à política indigenista do período, que tinha por propósito a ocupação das terras dos povos
indígenas e seu aliciamento em aldeamentos oficiais. Assim, em alguns momentos o lema era “ou subjugar
os Canoeiros ou ser vencido por elles” (Brasil, 1927, apud Toral, 1984/1985: 298; grifos meus).
Desse modo, os Avá-Canoeiro estavam sempre em constantes conflitos com o colonizador e eram
considerados, inicialmente, “o perigo execrado” (Bertran, 1998: 24), tendo sido designados em livros,
relatórios e documentos oficiais como “ferozes”, “indomáveis”, “temíveis”, “arredios” e “avessos ao contato
e ao processo catequético”, embora detentores de grande inteligência e sagacidade. Segundo Pedroso et alii
(1990), esses conflitos foram intensos, e duraram de 1770 até 1860.
Como afirma Pedroso (1992; 1994), a característica essencial dos Avá-Canoeiro era a belicosidade,
pois jamais aceitavam ser subjugados e, como estratégia, interrompiam a comunicação entre cidades e vilas,
e atacavam e destruíam arraiais, povoados e fazendas, recusando-se a aceitar o contato pacífico e visando a
permanecer autônomos e a manter afastado de suas terras “o inimigo explorador” (Toral, 1984/1985; Pedroso
et alii, 1990). Este vinha em busca de mão-de-obra escrava indígena para o comércio açucareiro nordestino e
para o trabalho nas lavouras e nas minas.
A partir da década de 1860, foram intensas a dispersão e a movimentação dos Avá-Canoeiro na
província, quando foram registrados diversos ataques seus às bandeiras. A fim de coibi-los, e buscando
fomentar a navegação no Rio Araguaia, formaram-se vários aldeamentos oficiais e criaram-se muitos
presídios militares13, que, juntamente com as bandeiras punitivas e os destacamentos volantes, foram
responsáveis pela quase total extinção dos Avá-Canoeiro.
Em suma, as relações hostis entre os não-indígenas e os Avá-Canoeiro, os freqüentes confrontos
entre estes e os colonizadores, e os constantes massacres, chacinas e perseguições sofridos por esses
indígenas trouxeram como conseqüências a dispersão desse povo num vasto território, sua fragmentação em

essa autora chama de “o fenômeno da grande dispersão dos Avá-Canoeiro” (p. 78), sempre em fuga, buscando
esquivar-se da dizimação que o “homem branco” tentava lhes impor.
10
Foi também nesse século que ocorreram a ocupação e o povoamento de Goiás, devido ao descobrimento de minas de
ouro (Palacin, 1994).
11
Conforme Pohl (1976: 213), a designação “canoeiros”, comum no século XIX, provém do tipo de canoa que os Avá-
Canoeiro utilizavam. Para esse autor, elas “são troncos de árvores escavados, nos quais (os Avá-Canoeiro) enfrentam
audaciosa e habilmente até mesmo o caudaloso Maranhão” (grifos meus).
12
Conforme os estudos sobre a história de Goiás, os Avá-Canoeiro, os Kayapó do Sul e os Xavante foram os índios mais
“ferozes” e temidos do Estado (cf. Rocha, 1998).
9

pequenos grupos e, principalmente, a drástica redução de seu contingente populacional ao longo do século
passado (cf. Pedroso et alii, 1990; Toral, 1984/1985). Recentemente o povo Avá-Canoeiro foi estudado por
Leitão (2001/2001, 2002), e nos dias atuais por Silva (2004) e Pedroso (2004).
Em nossos dias esse povo consiste de um reduzido número de indígenas, cerca de vinte e cinco
pessoas aldeadas, o que faz com que seja considerado como fortemente ameaçado de extinção. A maioria
desses indígenas vive na aldeia Canoanã, na Ilha do Bananal, no Estado do Tocantins, desde 1973, quando
foram contatados e instalados pela FUNAI junto ao povo Javaé (Macro-Jê). São quatro os remanescentes do
contato: Tatxia, a mais idosa; seu irmão Tutau; a filha deste, Kawkâma, também chamada de Makaquira; e
seu irmão, Agadmir, também filho de Tutau. Os demais são filhos desta última com pais Javaé e não-
indígena, e seus netos, também frutos de casamentos interétnicos entre Avá-Canoeiro e Javaé.
Dos quatro remanescentes do contato, apenas Tatxia usa o Avá-Canoeiro cotidianamente com todos
os demais indígenas do grupo, inclusive com os filhos de Makaquira, que, embora não falem Avá-Canoeiro,
entendem-no. Assim, são comuns as situações em que Tatxia fala em Avá-Canoeiro e os filhos de Makaquira
respondem em português. As interações entre Tatxia e Tutau são feitas em Avá-Canoeiro. Essas são as
únicas situações de uso dessa língua na aldeia, porque Makaquira e Agadmir só conversam entre si e com os
demais em português. Às vezes falam algumas frases em Avá-Canoeiro com Tatxia e Tutau, ou usam
palavras isoladas dentro de falas em português, mas essas situações são raras. Nessa aldeia o português é a
língua mais usada pelos Avá-Canoeiro, o que é facilmente compreensível, já que vivem numa aldeia em que
as línguas majoritárias são Javaé, Karajá e português; há muitos casamentos interétnicos entre indígenas e
não-indígenas; e, segundo Angélica Typuire14, filha de Makaquira, a mãe não quer mais falar Avá-Canoeiro,
porque mora entre os Javaé e foi muito discriminada, tendo uma atitude negativa com relação ao uso dessa
língua.15 Em decorrência de tudo isso, noto que Makaquira e Agadmir demonstram dificuldades para falar e
entender o Avá-Canoeiro.
Os três filhos mais velhos de Makaquira falam Javaé fluentemente. David é casado com uma Javaé,
com quem tem dois filhos, e em sua casa é usada praticamente somente a língua Javaé, entre o casal, entre os
filhos e entre pais e filhos. Angélica é casada com um Karajá, que fala poucas palavras dessa língua, e Ciele
é casada com um não-indígena. Os filhos mais jovens de Makaquira com pai Tuxá, Cilene, Diego e Brena,
estudam na Fundação Bradesco16, a alguns quilômetros da aldeia, onde passam toda a semana, só voltando
para casa aos finais de semana.

13
Esses presídios eram “um misto de estabelecimento penal, colônia agrícola e estabelecimento militar” (Rocha, 1998:
71).
14
Entrevista de 24 de julho de 2002, realizada na aldeia de Goiás. Cf. a entrevista completa em Borges (2004a: 45-47).
15
A situação de Makaquira é tão séria que ela tem muita resistência inclusive em trabalhar comigo em minha pesquisa de
campo.
16
A Fundação Bradesco possui 40 unidades escolares e internatos em 26 estados da Federação e no Distrito Federal (cf.
www.fb.org.br).
10

Na Terra Indígena Avá-Canoeiro, localizada a aproximadamente oitenta quilômetros da cidade de


Minaçu, vivem, numa área de 38.702, 7171 hectares17, seis pessoas com as quais tenho trabalhado com maior
freqüência: Matxa18, a mais idosa do grupo; Nakwatxa, irmã de Matxa; Tuia, filha de Matxa; Iawi, o único
homem adulto do grupo; e os jovens Trumak e Putdjawa, filhos de Tuia e Iawi19. Esse grupo Avá-Canoeiro
vive próximo ao município de Minaçu, desde 1983, quando foi contatado pela FUNAI20. Desse modo, os dois
grupos Avá-Canoeiro habitam a grande distância uns dos outros e têm pouco contato entre si.
Uma questão que muito me preocupa quanto ao futuro da língua Avá-Canoeiro nessa aldeia é que,
embora esta seja falada por todos os seis Avá-Canoeiro do Tocantins, existe uma comunidade reduzida de
falantes, e o não domínio dessa língua por parte dos não-indígenas com quem convivem na área (cerca de dez
funcionários, entre caseiros, motoristas da Toyota e auxiliares do Posto Indígena) limita suas alternativas de
uso do Avá-Canoeiro, e estimula uma necessidade cada vez maior de emprego da língua portuguesa, o que
pode provocar o desuso da língua Avá-Canoeiro em várias situações comunicacionais, especialmente pelos
dois jovens. Percebo que Trumak e Putdjawa usam quase que somente o português entre si, e também com
Tuia e Iawi. Já com Nakwatxa e Matxa, às vezes Putdjawa fala Avá-Canoeiro, pois elas entendem pouco de
português, e só falam com os dois jovens em Avá-Canoeiro. Trumak, por sua vez, só usa o português, em
todos os contextos observados e com todos os membros do grupo. Raras vezes o ouvi pronunciar um
enunciado em Avá-Canoeiro, e, quando isso acontecia, logo voltava ao português, após uma etapa de
alternância de código21.

17
Informação contida no Programa de Apoio aos Avá-Canoeiro (FUNAI, 2004: 07).
18
A ortografia dos nomes dos indígenas foi mantida como nos registros oficiais a que tive acesso, tais como documentos
da FUNAI, porque a língua Avá-Canoeiro ainda não possui uma ortografia própria, exceto o esboço que realizei em
2003 (cf. Borges, 2003e).
19
De acordo com informações da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), que constam dos cartões de vacinação dos
Avá-Canoeiro, essas são as datas aproximadas de seus nascimentos: Matxa (1939), Nakwatxa (1944), Iawi (1961) e
Tuia (1973). Já dos nascimentos dos jovens se tem certeza: Trumak nasceu em 1987, e Putdjawa em 1989. Em 2004,
os dois jovens tiveram seus nomes trocados para Jatúlika e Nywatxima, respectivamente. Essa troca está sendo
estudada pelo antropólogo Cristhian Silva.
20
Após quase duas décadas de fuga constante, os quatro Avá-Canoeiro adultos apresentaram-se a habitantes regionais,
que imediatamente contataram a FUNAI. Os jovens nasceram depois do contato. Em virtude da construção da Usina
Hidrelétrica de Serra da Mesa ter atingido uma parte da área Avá-Canoeiro, foi firmado um convênio, intitulado
PACTO (“Programa Avá-Canoeiro do Tocantins”), entre a FUNAI e FURNAS (Convênio FURNAS/FUNAI nº 10323,
de 29/06/1992), responsável pela obra. Desse modo, FURNAS assumiu as responsabilidades referentes à manutenção
financeira do grupo, como “forma de compensação” pelos impactos e danos na área Avá-Canoeiro, o que nem sempre
cumpre a contento. Como exemplo disso, pode-se citar o convênio celebrado entre FURNAS e FUNAPE/UFG para
viabilizar um projeto de educação e de revitalização da língua e da cultura Avá-Canoeiro, interrompido por falta de
verbas. Atualmente, está em tramitação uma proposta de convênio substitutivo àquele, intitulado “Programa de Apoio
aos Avá-Canoeiro”, 2004). Em uma única expressão, podemos dizer que os Avá-Canoeiro de Minaçu vivem hoje sob o
que Baines (1993, 1996) chama de “indigenismo empresarial e de resistência” para os Waimiri-Atroari (Estado do
Amazonas), já que o indigenismo oficial alia-se a um modelo de desenvolvimento econômico. Para uma discussão mais
detalhada, cf. Borges (2004a).
21
A situação sociolingüística dos Avá-Canoeiro não é muito distinta da de outros tantos povos indígenas brasileiros. A
respeito do dialeto de Santa Rosa, da língua Tariana (da família lingüística Aruak, falada no Estado do Amazonas), por
exemplo, Aikhenvald (2002) afirma que este não está mais sendo aprendido pelas crianças e há poucas oportunidades
11

Tuia às vezes conversa com os filhos em Avá-Canoeiro, mas é o português que usa na maioria de
suas interações verbais com eles, e às vezes até com Iawi. Este, por seu turno, fala com os filhos apenas em
português. Trumak e Putdjawa, infelizmente, têm revelado, em alguns momentos, uma certa rejeição ao
modo de vida tradicional de seus familiares, sendo fortemente seduzidos pelo modo de vida não-indígena,
com o qual têm convivido cada dia mais de perto. Essa situação fica clara quando se visita com eles a “casa
do Iawi”. A maneira como tratam os adultos e como se comportam na casa aparentemente aponta para esse
sentimento de rejeição. Aquele universo e aquela realidade parecem não lhes envolver. É necessário lembrar
que eu estava presente naquelas interações, e não sei o que ocorre quando os Avá-Canoeiro estão sozinhos,
em sua casa, sem a presença do não-indígena, mas, sem dúvida, o uso crescente do português na reserva, por
um número de pessoas maior que a população do grupo é preocupante22.

2.1. Estudos realizados sobre a língua Avá-Canoeiro

O conhecimento que se tem acerca do Avá-Canoeiro resume-se quase que exclusivamente a listas de
itens lexicais, como as que foram coletadas por Couto de Magalhães, em 1863/1864 (publicada em 1957) 23,
Harrison, em 1974, e Toral (s/d), todas bastante restritas. Em suma, pode-se afirmar que a documentação
dessa língua limita-se a alguns dados coletados e algumas análises preliminares, carecendo-se, por
conseguinte, de pesquisas pormenorizadas.
A lista coletada por Couto de Magalhães (1957: 112-113), a mais antiga, é composta por somente
cinqüenta e um itens lexicais e cinco nomes próprios. A lista de Harrison (1974), por sua vez, traz cento e
sete elementos, sendo a maioria itens lexicais. Há também algumas sentenças formadas por verbos
intransitivos. Por fim, a lista registrada por Toral (s/d) é mais abrangente, incluindo itens lexicais, algumas
explanações relacionadas aos sons do Avá-Canoeiro e um quadro fonético.
Essas listas inserem-se em trabalhos cujo interesse primário não é lingüístico, tanto no corpo mesmo
do texto, quanto como adendos dos trabalhos. É o que ocorre com a lista de Harrison (1974), que
complementa um relatório da visita por ele feita aos Avá-Canoeiro em 1974, e que se constitui

de seu uso nas interações cotidianas, ocorrendo atrito lingüístico, especialmente entre os mais jovens, exatamente como
notei para os Avá-Canoeiro.
22
Em Borges (2004a) relato detalhadamente minha experiência de pesquisa de campo junto ao povo Avá-Canoeiro do
Tocantins, que habita o Estado de Goiás, enfatizando aspectos de sua situação sociolingüística, tais como o regime de
dupla tutela a que estão expostos (FUNAI e FURNAS), escolhas e usos das línguas portuguesa e Avá-Canoeiro,
interferências do Avá-Canoeiro no português falado, empréstimos do português ao Avá-Canoeiro e casos de
alternância de código entre as duas línguas em contato.
23
A partir do vocabulário coletado por Couto de Magalhães, Nimuendajú, em carta enviada a Herbert Baldus, datada do
dia 21 de março de 1944, em Belém do Pará (apud Baldus, 1970: 71) faz algumas considerações interessantes sobre a
língua Avá-Canoeiro. Veja-se também o artigo de Neiva (1971:118-119), em que essa lista é reproduzida.
12

eminentemente de explanações a respeito das condições de saúde e vida dos Avá-Canoeiro, tanto na aldeia
Canoanã quanto na Terra Indígena, em Goiás. Há ainda uma parte dedicada a questões lingüísticas, em que o
autor ressalta alguns traços fonológicos da língua. Posteriormente, entre os anos oitenta e noventa, houve
algumas tentativas de se estudar o Avá-Canoeiro, por parte de professores das Universidades Federal e
Católica de Goiás, as quais, no entanto, infelizmente não obtiveram êxito, não tendo essas pesquisas
avançado além da fase inicial de coleta e transcrição dos dados e análises preliminares.
O estudo mais detalhado sobre a língua Avá-Canoeiro, como anteriormente dito, é a dissertação de
mestrado de Paiva (1996), na qual o autor, fundamentando-se no referencial teórico da Fonologia Gerativa
Padrão, apresentou um inventário dos fones e o quadro fonético, procedeu à identificação dos fonemas e
elaborou as regras fonológicas que explicitam os processos fonológicos evidenciados no corpus observado e,
a partir delas, confeccionou as matrizes fonética e fonológica. Há ainda um capítulo destinado à fonologia
comparada e à inclusão do Avá-Canoeiro na família Tupi-Guarani.
O estudo de Paiva (1996), porém, é bastante incipiente e aborda apenas a variedade da língua Avá-
Canoeiro falada na aldeia Canoanã, deixando de lado a variedade da aldeia próxima a Minaçu24. Ademais,
como adverte o próprio autor, seu trabalho restringiu-se à fonologia do segmento, não envolvendo a
constituição silábica e aspectos supra-segmentais ou traços prosódicos como acento, duração, tom ou
entonação. Some-se a isso o fato de o corpus pesquisado por Paiva (1996) ser bastante reduzido. A

24
Ainda não realizei um estudo aprofundado sobre as diferenças existentes entre as duas variedades do Avá-Canoeiro,
mas algumas distinções já puderam ser notadas, por exemplo, na escolha de alguns alofones:

Distinção observada Avá-Canoeiro falado em Goiás Avá-Canoeiro falado no Tocantins


/j/ realiza-se como uma consoante
fricativa álveo-palatal vozeada [] em [aG] „cachorro‟ [jaG] „cachorro‟
Goiás e como uma semivogal [j] no
Tocantins. Em ambas as variedades /j/ [att] „caracol‟ [jatt] „caracol‟
possui [j] e [] como alofones.
/j/ realiza-se como fricativa álveo-
palatal vozeada [] em Goiás e como [uj] „sapo‟ [duj] „sapo‟
consoante africada álveo-palatal
vozeada [d] no Tocantins. Em
ambas as variedades /j/ possui [] e [au] „papagaio‟ [adu] „papagaio‟
[d] como alofones.
/m/ realiza-se como uma consoante [ma] „coisa‟ [ba] „coisa‟
bilabial nasal [m] em Goiás e como
oclusiva bilabial pré-nasalizada [b] [mõa] „cobra‟ [boja] „cobra‟
no Tocantins; /n/, de igual modo,
realiza-se como nasal alveolar [n] em [mai] „não-indígena‟ [ba] „não-indígena‟
Goiás e como oclusiva alveolar pré-
nasalisada [d] no Tocantins. Na
[ene] „você‟ [ede] „você‟
variedade de Goiás esses alofones
nunca acontecem.
[nep] „teu fígado‟ [dep] „teu fígado‟

Há também distinções na morfologia, como, por exemplo, no uso dos pronomes pessoais independentes (cf. a nota para
o item (102) „ele, esse‟ (ae, aetõ)).
13

exigüidade de dados fez com que essa análise ficasse incompleta, superficial e pouco confiável em muitos
aspectos, tais como no estabelecimento do estatuto das vogais nasais, consideradas, a priori, como
distintivas, a despeito da quase inexistência de dados elucidativos. Pouco conclusivas no estudo de Paiva
(1996) são também as análises que determinam os fonemas e alofones da língua Avá-Canoeiro, pois o
percurso para se chegar a eles apresenta uma série de problemas. Portanto, o conhecimento que se tem acerca
do Avá-Canoeiro é bastante exíguo. Contudo, desde 2001, a língua vem sendo estudada por mim, com vistas
a uma análise mais abrangente de sua fonologia e morfossintaxe Borges (2001/2002; 2001; 2002; 2002a, b, c,
d, e; 2003a, b, c, d, e; 2004; 2004a, b, c, d, e)25.

3. Correspondências fonológicas
3.1. Inventários de fonemas
3.1.1. Inventário de fonemas do Proto-Tupi-Guarani (Seki, 2000)26

O inventário de fonemas consonantais do Proto-Tupi-Guarani compõe-se de 8 oclusivas, divididas


entre simples, labializadas e palatalizadas; 2 africadas; 1 fricativa; 7 nasais, também distribuídas nas séries
simples, labializada e palatalizada; 1 líquida e 2 semivogais. As vogais, por sua vez, são 12, sendo 6 orais e 6
nasais: 4 anteriores, 4 centrais e 4 posteriores. As Tabelas 1 e 2 trazem os fonemas do Proto-Tupi-Guarani.

Tabela 1: Proto-consoantes
bilabiais alveolares álveo-palatais velares glotais
Oclusivas *p *t *k *
desvozeadas
Oclusivas *p *k
labializadas
Oclusivas *p *k
palatalizadas

25
Os dados por mim coletados abrangem listas de palavras (Goiás e Tocantins), diálogos curtos (Goiás), duas histórias
(uma em Goiás e uma no Tocantins) e um relato de viagem à cidade de Minaçu-GO (Goiás). Em Goiás foram gravadas
24 fitas cassete, de 60 minutos cada, e, em Canoanã, 6 fitas, também de 60 minutos cada. No entanto, muitas horas de
gravação são diálogos em português entre mim e os Avá-Canoeiro ou entre eles e os funcionários do posto indígena.
Isso porque minha metodologia de pesquisa sempre foi deixar o gravador ligado e ir coletando com eles os dados à
medida que as situações acontecessem e permitissem, o que se deveu à grande recusa do Avá-Canoeiro em aceitarem
trabalhar com dados elicitados (cf. Borges, 2002; 2004a).
26
A lista de cognatos utilizada neste trabalho foi a de Seki (2000), feita a partir das reconstruções de Lemle (1971) e de
Rodrigues & Dietrich (1997). Estas se diferem pela inclusão da africada /t/ e das séries de oclusivas e nasais
labializadas e palatalizadas nesta última, tendo sido consideradas seqüência de consoantes por Lemle (1971).
14

Africadas *ts *t


desvozeadas
fricativa *

Nasais27 *m *n *

Nasais *m *


labializadas
Nasais *m *
palatalizadas
Líquida *

semivogais *w *j

Tabela 2: Proto-Vogais

Orais Nasais
anteriores centrais posteriores anteriores centrais posteriores
Altas *i * *u * i * *u

Baixas *e *a *o *e *ã *õ

3.1.2. Inventário de fonemas do Avá-Canoeiro (cf. Borges (2003a), (2004))28

A língua Avá-Canoeiro tem 12 fonemas consonantais, sendo 3 oclusivas simples, todas desvozeadas;
1 oclusiva labializada desvozeada; 1 fricativa uvular vozeada; 1 africada álveo-palatal desvozeada; 3 nasais,
1 vibrante simples e 2 semivogais. Possui 6 vogais orais e 6 nasais, sendo 6 altas e 6 baixas, das quais 4 são
anteriores, 4 centrais e 4 posteriores, conforme mostram as Tabelas 3 e 4.

Tabela 3: Consoantes

27
Das consoantes nasais expostas nesta tabela, além de *m, *n e * apenas a labializada *m apresenta uma forma
reconstruída (cf. 24. *kaamema „balaio‟). A outra labializada (*) e as palatalizadas *m e *n não possuem
formas reconstruídas nos trabalhos disponíveis. Por essa razão, *, *m e * não constam da tabela de consoantes
em (3.3.1.). Jensen (1999: 135), por outro lado, afirma que a reconstrução das séries de consoantes palatalizadas e
labializadas é „suficientemente recente‟, razão pela qual não a inclui em trabalhos seus anteriores.
28
Neste trabalho utilizo a proposta de análise fonológica contida em Borges (2003a) e não a de Paiva (1996), por julgar
a primeira mais adequada aos dados disponíveis do Avá-Canoeiro. Para uma comparação entre as duas análises e suas
15

Bilabiais Alveolares Álveo-palatais Velares Uvular


Oclusivas p t k
simples
Oclusivas k
labializadas

Fricativas 

Africadas t

Nasais m n 

Vibrante 
simples
semivogais w j

Tabela 4: Vogais
Orais Nasais
anteriores centrais posteriores Anteriores centrais posteriores
Altas i  u i  u

Baixas e a o e ã õ

A seguir apresento os contrastes entre os fonemas do Avá-Canoeiro.


3.1.2.1. Contrastes fonológicos consonantais29

a) [p] e [t] constraste em ambiente idêntico

/paw/30 [paw]31 „lago‟

/taw/ [taw] „nadar‟

b) [p] e [m] contraste em ambiente análogo

/i-piik/ [pik]32 „pele dele‟

divergências, remeto o leitor ao meu referido estudo, bem como à minha tese de doutorado (Borges, 2004, em
andamento).
29
A análise fonológica aqui apresentada baseia-se nos pressupostos teórico-metodológicos de Pike (1947) e Gleason
(1985).
30
O acento na língua Avá-Canoeiro não é distintivo, como se verá em (3.1.4.).
31
As oclusivas do Avá-Canoeiro realizam-se opcionalmente como aspiradas em início de sílabas.
16

3-pele33

/emieko/ [emieko] „esposa‟

/p/ e /m/ ocorrem em início de sílaba medial tônica precedendo a vogal anterior alta /i/ e
seguindo vogais anteriores.

/ptun/ [ptun] „noite‟

/mtu/ [mtu] „mutum‟

/p/ e /m/ ocorrem em início de palavra, antecedendo a vogal central baixa //.

c) [p] e [w] contraste em ambiente análogo

/pam/ [pm]34 „acabar, terminar‟

/wa/ [w]35 „vermelho‟

/p/ e /w/ ocorrem em início de palavra, antecedendo a vogal central /a/.

/tpw/ [tpw] „rio seco‟

/-uw/ [uw] „sangue‟

/p/ e /w/ aparecem em início de sílaba medial tônica antes da vogal central alta // e seguindo
vogais altas.

32
Em ambas as variedades do Avá-Canoeiro, insere-se opcionalmente uma vogal [] em final de palavras terminadas em
consoante.
33
As abreviaturas e símbolos utilizados neste trabalho foram: > transforma-se em;  apagamento; / barra de ambiente
onde ocorre a mudança; $ fronteira silábica; + fronteira de morfema; # início de palavra fonológica; ___ ambiente em
que a mudança ocorre;  alternância fonológica; acento primário;  acento secundário; C consoante; caus causativo;
CN caso nuclear; compl aspecto completivo; loc caso locativo; N nome; posp posposição; poss possessivo; Pron.
pronome; Pron. indef. pronome indefinido; rec recíproco; rel relacional; refl reflexivo; RV raiz verbal; sg singular;
So sujeito de verbo descritivo; V vogal; V verbo; V. descr. verbo descritivo; V. intrans. at. verbo intransitivo ativo;
V. trans. verbo transitivo; 1 1a pessoa; 2 2a pessoa; 3 3a pessoa.
34
A vogal central baixa nasal /ã/ e a vogal /a/ precedendo consoantes nasais realizam-se foneticamente um pouco mais
alta, ou seja, como [].
35
As aproximantes /w/, // e /j/ do Avá-Canoeiro tornam-se opcionalmente nasalizadas ([w], [] e [j],
respectivamente), quando precedem vogais nasalizadas.
17

d) [t] e [k] constraste em ambiente idêntico

/tui/ [tui] „periquito‟

/kui/ [kui] „farinha, pó‟

e) [t] e [n] constraste em ambiente idêntico

/ete/ [ete] „gostoso‟

/ene/ [ene] „você‟

f) [t] e [] constraste em ambiente análogo

/pta/ [pt] „vermelho‟

/pia/ [pi] „vermelho‟

/t/ e // ocorrem em início de sílaba tônica, antecedendo a vogal /a/ e seguindo vogais altas.

/kuum/ [kuum] „menino‟

/ptun/ [ptun] „noite‟

/t/ e // ocorrem em início de sílaba tônica, precedendo a vogal posterior alta /u/ e seguindo
vogais altas.

g) [k] e [k] contraste em ambiente análogo

/ti+kam/ [tikm]36 „meu seio‟


1poss-seio

/ti+kã/ [tik] „meu dedo‟


1poss-dedo

36
As vogais tornam-se nasalizadas ao precederem consoantes nasais, assimilando, assim, o traço [+nasal].
18

/k/ e /k/ ocorrem em início de sílaba tônica final, antes das vogais centrais baixas /a/ e /ã/ e
depois de /i/.

/o+kti/ [okt]37 „ele cortou‟


3-cortar

/o+ka/ [oka] „choveu‟


3-chover

/k/ e /k/ aparecem em início de sílaba tônica medial, antecedendo // e seguindo /o/.

h) [t] e [t] contraste em ambiente análogo

/tata/ [tata] „fogo‟

/tapaa/ [tap] „pôr-do-sol‟

/t/ e // ocorrem em início de sílaba inicial tônica, antecedendo a vogal central baixa /a/.

/i+katu+te/ [ikatute] „ele é bonito‟


3-ser bonito-ênfase

/watuaja/ [watua] „cagaita‟

/t/ e // ocorrem em início de sílaba medial, precedendo a vogal posterior alta /u/ e seguindo a
central baixa /a/.

i) [t] e [j] contraste em ambiente análogo


/o+jot/ [ojot] „ele foi‟
3-ir

/o+to/ [oto] „ele puxou


3-puxar

/j/ e /t/ encontram-se em início de sílaba medial tônica, seguindo e precedendo a vogal posterior
média /o/.

/jatau/ [jtaw] „grande‟

37
A oclusiva alveolar /t/ realiza-se como palatalizada antes das vogais /i/ e /i/.
19

/tapa/ [tap] „cavadeira‟

/j/ e /t/ ocorrem em início de palavra, antecedendo a vogal central alta //.

j) [] e [k] contraste em ambiente idêntico

/o+a/ [o] „ele caiu, nasceu‟


3-cair, nascer

/o+ka/ [ok] „ele chegou‟


3-chegar

/aa/ [a] „canoa‟

/aka/ [ak] „rio‟

k) [] e [] contraste em ambiente idêntico

/k/ [k] „verde, não-maduro‟

/k/ [k] „dormir‟

Esses exemplos são da variedade de Goiás, porque no Tocantins o verbo „dormir‟ é /ke/ e não
/k/. Nessa última, os fonemas // e // ocorrem em ambientes análogos, como se segue:

/uuwu/ [uuw] „urubu‟

/uuwi/ [uuw] „surubim‟

// e // ocorrem em início de sílaba medial tônica, antecedendo e seguindo a vogal posterior
alta /u/.

/ka/ [ka] „sol‟

/taka/ [taka] „taquara‟


20

Os fonemas // e // aparecem no par de exemplos acima em final de sílaba final tônica e
seguindo a vogal central baixa /a/.

l) [m] e [n] contraste em ambiente idêntico

/o+mano/ [omn] „ele morreu‟


3-morrer

/o+nano/ [onn] „ele ouviu‟


3-ouvir

/-eme/ [eme] „lábio‟

/ene/ [ene] „você‟

m) [n] e []38 contraste em ambiente idêntico

/-men/ [men] „marido‟

/me/ [me] „dar‟

n) [m] e [] contraste em ambiente idêntico

/ni+kam/ [nikm] „teu seio‟


2-seio

/ni+ka/ [nik] „teu osso‟


2-osso

o) [m] e [w] contraste em ambiente idêntico

/i+kam/ [ikm] „seio dela‟


3-seio

/i+kaw/ [ikaw] „gordura, banha dele‟


3-gordura, banha

/-men/ [men] „marido‟

38
A nasal velar // ocorre em final de palavras (cf. (135) *tatati /$ta$ta$ti$/ „fumaça‟) e em início de sílabas mediais
(cf. (232) *uua /$u$u$a$/ „pilão‟). Nunca inicia uma palavra.
21

/wen/ [wen] „vomitar‟

p) [w] e [j] contraste em ambiente idêntico

/kaw/ [kaw] „gordura, banha‟

/kaj/ [kaj] „queimar-se‟

q) [] e [w] contraste em ambiente análogo

/i+pk/ [ipk] „irmã mais nova (ego feminino)‟


3-irmã

/pkaw/ [pkaw] „pomba, rolinha‟

// e /w/ ocorrem em posição tônica em final de palavra, seguindo as vogais centrais // e /a/.

/i+wa/ [iw] „ele é vermelho‟


3-ser vermelho

/pia/ [pi] „vermelho‟

// e /w/ ocorrem em início de sílaba medial tônica, entre as vogais /i/ e /a/.

r) [] e [j] contraste em ambiente análogo

/o+momo/ [omõmo] „ele jogou‟


3-jogar

/o+jopoj/ [oopj]39 „ele alimentou‟


3-alimentar

// e /j/ ocorrem em final de palabra, em posição tônica, seguindo a /o/.

/o+jiwiok/ [oiwik]40 „ele rasgou‟


3-rasgar

39
As vogais médias anterior /e/ e posterior /o/ realizam-se foneticamente como [] e [], nessa ordem, em sílabas
tônicas, evidenciando um processo de abaixamento.
40
As consoantes oclusivas /p/, /t/ e /k/ possuem alofones não-explodidos, respectivamente, [p], [t] e [k], que se
realizam em final de palavra.
22

/o+jok/ [ojok]  [ok] „ele cavou‟


3-cavar

// e /j/ ocorrem em início de sílaba final tônica, precedendo a vogal posterior /o/.

/a+kaj/ [akaj] „eu me queimei‟


1-queimar-se

/o+eja/ [oeja] „ele deixou, abandonou‟


3-deixar, abandonar

// e /j/ ocorrem em final de sílaba tônica final, depois da central baixa /a/.

3.1.2.2. Contrastes fonológicos vocálicos

3.1.2.2.1. Vogais orais

a) [i] e [e] contraste em ambiente idêntico

/ita/ [ita] „pedra‟

/eta/ [eta] „muitos‟

/-kupe/ [kupe] „costas, parte de trás‟

/kupi/ [kup] „cupim‟

b) [] e [a] contraste em ambiente idêntico

/ti+kw/ [tikw] „meu piolho‟


1poss-piolho

/ti+kaw/ [tikaw] „minha gordura, banha‟


1poss-gordura, banha

// [] „água‟

/a/ [a] „eu fui‟


(fusão dos morfemas a- (1ª sg) e a verbo irregular „ir‟)

/ow/ [ow] „verde, azul‟


23

/-owa/ [owa] „face‟

c) [u] e [o] contraste em ambiente idêntico

/-uw/ [uw] „sangue‟

/ow/ [ow] „verde, azul‟

/-o/ [o] „carne‟

/u/ [u] „comer‟

d) [i] e [] contraste em ambiente idêntico

/i+po/ [ipo] „mão dele‟


3-mão

/po/ [po] „espécie de árvore do cerrado‟

/ike/ [ike] „entrar‟

/-ke/ [ke] „lado do corpo‟

e) [] e [u] contraste em ambiente idêntico

/w/ [w] „terra‟

/-uw/ [uw] „sangue‟

/-a/ [a] „dor‟

/a+u/ [au] „eu como‟


1-comer

f) [i] e [u] contraste em ambiente idêntico

/o+jika/ [oika] „ele quebrou‟


3-quebrar
24

/o+juka/ [ouka] „ele matou‟


3-matar

/ti/ [ti] „branco‟

/tu/ [tu] „pulga, bicho de pé‟

g) [e] e [a] contraste em ambiente idêntico

/o+em/ [oem] „ele saiu‟


3-sair

/o+am/ [om] „ele deitou‟


3-deitar

/a+je/ [aje]41 „eu falo‟


1-falar

/a+ja/ [aj] „eu corro‟


1-correr

h) [a] e [o] contraste em ambiente idêntico

/ko/ [ko] „roça‟

/ka/ [ka] „mato, mata‟

/-o/ [o] „carne‟

/a/ [a] „eu fui‟

3.1.2.2.2. Vogais nasais

a) [i] e [i] contraste em ambiente análogo

/apipi/ [apipi] „jaburu‟

/tapiti/ [tapit] „coelho‟

41
A aproximante /j/ realiza-se como [j] ou [] precedendo vogais nasais, e como [j] seguindo vogais nasais.
25

/i/ e /i/ ocorrem em sílaba tônica após a oclusiva bilabial /p/.

b) [e] e [e] contraste em ambiente análogo

/ja+e+pam/ [jaepm] „nós dissemos‟


1pl-dizer-compl

/jaepepo/ [jepep] „panela‟

/e/ e /e/ ocorrem em sílaba pré-tônica, entre a vogal central /a/ e a consoante oclusiva /p/.

c) [] e [] contraste em ambiente análogo

/ti++apa/ [tiap] „meu ouvido‟


1poss-rel-ouvido

/ti++apj/ [tiapj] „meu nariz‟


1poss-rel-nariz

// e // ocorrem em sílaba tônica, seguindo a oclusiva /p/.

d) [a] e [ã] contraste em ambiente análogo

/o+kaj/ [okaj] „ele se queimou‟


3-queimar-se

/i+ãj/ [ij] „dente dele‟


3-dente

/a/ e /ã/ ocorrem em sílaba tônica antecedendo a aproximante /j/.

/ka/ [ka] „mato‟

[-kã] [k] „dedo‟

/a/ e /ã/ ocorrem em sílaba tônica, após a oclusiva velar /k/.


26

e) [u] e [u]42 contraste em ambiente análogo

/tu/ [tu] „vento‟

/mtu/ [mtu] „mutum‟

/u/ e /u/ ocorrem em sílaba tônica final, seguindo a oclusiva alveolar /t/.

f) [o] e [õ] contraste em ambiente análogo

/o+jopoj/ [ojopoj] „ele alimentou‟


3-alimentar

/o+jõpe/ [oõpe] „ele torceu, trançou‟


3-torcer, trançar

/o/ e /õ/ aparecem em sílaba tônica medial, antecedendo e seguindo a vogal posterior /o/.

/titõ/ [titõ] „eu‟

/ti+ko/ [tiko] „minha roça‟


1poss-roça

/o/ e /õ/ ocorrem em final de palavra, em sílaba átona, seguindo consoantes oclusivas.

g) [u] e [õ] contraste em ambiente análogo

/mtu/ [mtu] „mutum‟

/titõ/ [titõ] „eu‟

/u/ e /õ/ ocorrem em final de palavra após a consoante oclusiva /t/.

3.1.3. A sílaba

A língua Avá-Canoeiro possui os seguintes padrões silábicos, simbolizados por (C) V (C):

42
Nos dados obtidos até o momento, o fonema /u/ só ocorre em final de palavras. Em outros contextos tornou-se /u/,
perdendo a nasalidade (cf. 3.3.2).
27

(1) V /$e$tam$/ [etm] „casa, aldeia‟


$V$CVC$

(2) CV /$ne$a$ma$/ [ne++m] „tua vagina‟


$CV$CV$CV$ 2poss-rel-vagina

(3) CVC /$pa$nam$/ [pnm] „borboleta‟


$CV$CVC$

(4) VC /$e$i$/ [ei] „mel‟


$V$VC$

Os padrões V e CV ocorrem em qualquer posição da palavra fonológica, predominando esse último.


Já os padrões CVC e VC só ocorrem como sílabas finais. O mesmo ocorria no Proto-Tupi-Guarani, segundo
Jensen (1999). Assim, o Avá-Canoeiro manteve os mesmos padrões silábicos do PTG e nas mesmas
posições.

3.1.4. O acento

Houve na língua Avá-Canoeiro o deslocamento do acento primário do Proto-Tupi-Guarani para a


esquerda, o que também ocorreu no Asurini do Tocantins (cf. Rodrigues (1984/1985)). Assim, a maior parte
das palavras do Avá-Canoeiro recebe o acento primário nas penúltimas sílabas das raízes, como se segue:

(5) /o+kti/ [okt] „ele cortou‟


3sg-cortar

(6) /o+ka/ [ok] „choveu‟


3sg-chover

A despeito do acento primário do Avá-Canoeiro ter se deslocado para a penúltima sílaba, há muitas
palavras fonéticas oxítonas na língua, o que ocorre exclusivamente quando a última sílaba é pesada, ou seja,
terminada em consoante. É o que ilustram os exemplos abaixo:

(7) $V$CV$CVC$ /a+jepk/ [epk] „eu peguei, agarrei‟


1sg-pegar, agarrar
28

(8) V$CV$CV$CVC$ /o+jiwiok/ [owk] „ele rasgou‟


3sg-rasgar

No entanto, a tendência da língua é tornar essas palavras paroxítonas, por intermédio de um processo
da inserção de []. Assim, as palavras acima realizam-se preferencialmente como se segue:

(7a) $V$CV$CVC$ /a+jepk/ [epk] „eu peguei, agarrei‟


1sg-pegar, agarrar

(8a) V$CV$CV$CVC$ /o+jiwiok/ [owk] „ele rasgou‟


3sg-rasgar

O processo de inserção vocálica também faz com que haja no Avá-Canoeiro palavras fonéticas
proparoxítonas, como as seguintes:

(9) $CV$CVC$ /ka+k/ [kak] „folha, mato‟


mata-verde

(10) $V$CV$CVC$ /wati/ [wati] „nuvem‟

Portanto, o acento primário do Avá-Canoeiro é previsível: as palavras são paroxítonas, exceto


quando a última sílaba é pesada, situação em que podem ser oxítonas, caso não haja inserção de vogal. Essa
inserção pode levar ainda ao aparecimento de palavras proparoxítonas.

3.2. Lista Comparativa

Da lista comparativa abaixo constam, inicialmente, as glosas em português, em ordem alfabética,


seguidas das formas do Proto-Tupi-Guarani (PTG) e do Avá-Canoeiro (AC). Por último vêm as realizações
fonéticas dos itens da tabela. Essas glosas aplicam-se tanto ao português quanto ao Avá-Canoeiro, e, caso
haja alguma especificidade de significado ou de forma ou diferenças entre as duas variedades do Avá-
Canoeiro, sua explicitação segue a forma em Avá-Canoeiro, entre parênteses43. Ressalto que não apresento
todas as formas Avá-Canoeiro correspondentes às do PTG, por não tê-las obtido ainda.44

43
As formas em Avá-Canoeiro utilizadas são nominais, verbais, posposicionais, numerais e pronominais, conforme
discriminadas na coluna 3.
44
Em Borges (2002) e (2004a) apresento em detalhes a situação da pesquisa com os Avá-Canoeiro e a dificuldade de
obter deles dados elicitados. Chamo a atenção do leitor para o fato de que os Avá-Canoeiro possuem a seguinte
situação sociolingüística: os mais jovens falam pouco ou nada da língua Avá-Canoeiro e os mais idosos falam pouco o
português, ou não tem muita paciência para a coleta de dados, o que dificulta meu estudo da língua. No entanto,
29

45
Glosas PTG AC Realizações Fonéticas
1. afiado *aemee, ajme ajme (V. descr.) [aj.m]

2. agarrar, pegar *ptsk jepk46 (V. trans.) [e.pk] 


[e.p.k]

3. água *  (N) []

4. aldeia *ta etam (N) [e.t.m]

5. alimentar *poj jopoj47 (alimentar um animal [jo.poj] 


com a própria boca) (V. trans.)
[o.pj]
6. amarelo *ju juwaj (V. descr.) [ju.waj] 
[ju.Gaj]

7. amarrar *apti apti (V. trans.) [a.p.t]

8. amarrar *pa jok (V. trans.) [j.k.] 

[.k.]

9. andar *ata ata (V. intrans. at.) [a.t]

10. animal doméstico *ema

11. anta *tapii tapi (N) [ta.pi.] 

[ta.pi.l]

12. apoiar *kok kok (V. trans.) (je+kok [kok]


(refl.+RV) „apoiar-se‟ (V.
intrans. at.)) [je.kok]

embora essa lista não esteja fechada, acho que é representativa e traz elementos importantes para a classificação do
Avá-Canoeiro no Subgrupo IV das línguas Tupi-Guarani. Continuarei tentando obter, nas próximas viagens a campo,
os dados necessários para preencher as lacunas dos seguintes cognatos: 4, 10, 13, 17, 22, 23, 24, 28, 36, 44, 46, 52, 60,
63, 68, 69, 70, 72, 74, 75, 79, 84, 85, 89, 92, 103, 106, 109, 111, 112, 114, 117, 118, 144, 148, 156, 160, 165, 175,
178, 179, 190, 194, 198, 200, 201, 205, 210, 211, 212, 215, 226, 227, 228, 234, 241, 255, 256, 257, 259, 260, 261,
262, 263, 267, 269, 273, 277, 291, 294, 308. Apesar dessas lacunas, preferi manter as formas do PTG na lista, a fim de
que o leitor saiba exatamente quais são os dados de que disponho e quais faltam a essa análise.
45
Excepcionalmente na tabela, por questão de espaço, o símbolo (.) significará “fronteira silábica”, em substituição ao
símbolo ($).
46
Poder-se-ia aqui lançar a hipótese de lexicalização do pronome je- „reflexivo‟, através da qual este teria se juntado à
raiz verbal *pk. O mesmo teria acontecido a *upi „subir‟ (cf. 283) e a pk „pegar‟ (cf. 221). Cf. ainda a seção (4.3),
referente à fusão de vogais após a queda das consoantes *ts, * e *.
47
Poder-se-ia aqui levantar a hipótese de que o verbo jopoj seria formado de um pronome jo- „recíproco‟, seguido da
raiz verbal poj. Em outras línguas Tupi-Guarani, como o Kamaiurá, poj é „alimentar‟ e jo- „recíproco‟ (cf. Seki,
2000a). O mesmo poderia ser pensado para jok em (8), em que a raiz seria k. Em Asurini do Tocantins, jo- é
reflexivo e kwát, cognato de k, é „amarrar‟ (cf. Cabral & Rodrigues, 2003). Haveria, assim, um processo de
lexicalização. No entanto, no momento, não disponho de mais dados para averiguar essa hipótese. Fica, portanto,
apenas a observação.
30

13. aquele *pe


14. arranhar *kaãj kaaj (coçar) (V. trans.) [ka.aj]

15. arara (espécie) *aa aaa48 (N) [a.a.]

16. arco *apa apa (N) [.a.pa.]

17. arrebentar *pok


18. árvore * wa (N) [.w.] 

[..]

19. asa *pepo -pepo49 (N) [pe.p]

20. atrás de *tsakpi takwap (posp) [ta.k.w.ap]

21. através *tsupi upi (posp) [u.p]

22. avô *amõj


23. avó *aj

24. balaio *kaamema

48
A hipótese que estou sustentando para o Avá-Canoeiro é a de que em muitos casos, que ainda precisam ser definidos, o
morfema {-a} do caso nuclear (cf. Seki, 2000a) lexicalizou-se, tornando-se parte integrante das palavras, como em
aaa, proveniente de *aa+a (arara+CN) e em kaRa (*ka+a, „buraco‟, em 37), podendo ser seguido inclusive
pelo caso locativo {-pe}, como em kaa+pe (buraco+loc) „no buraco‟, diferentemente do que ocorre em Tapirapé,
em que o morfema {-a} não se encontra lexicalizado (cf. ‘ywykã+ipe ((terra) buraco+loc) „no buraco‟ (dado de
Walkíria Neiva Praça) e esses dois casos não co-ocorrem. Essa lexicalização do morfema {-a} em Avá-Canoeiro
estaria ligada ao deslocamento do acento da última para a penúltima sílaba (cf. (3.1.4.). O que os dados indicam é que
o caso nuclear está deixando de ser rigorosamente marcado pelo {-a} em Avá-Canoeiro, sendo marcado apenas em
alguns argumentos, como se segue (X representa a ausência do CN onde seria esperado):

(a) a+maj tutaw+a „Eu vi o Tutaw‟


1sg-ver nome próprio-CN

(b) jawa+a mae+ka+X o+u „O cachorro comeu o osso‟


cachorro-CN animal-osso-X 3sg-comer

Nesse sentido, o Avá-Canoeiro e o Émérillon compartilham uma característica comum, já que, como demonstram
Queixalos (2001) e Couchili, Maurel & Queixalos (2002), essa última língua também já não apresenta uma marcação
rigorosa do {-a} (cf. at # oike (canoa # ela afundou) „a canoa afundou‟; at # pe-potat (canoa # vocês a querem)
„vocês querem a canoa‟). Segundo Queixalos (2004), haveria um “corolário diacrônico”, em que o Kamaiurá, o
Émérillon e o Wayampi estariam num continuum, representando três estágios sucessivos de evolução do {-a} na
família Tupi-Guarani: o Kamaiurá o teria sempre marcado; o Émérillon teria uma distribuição limitada; e o Wayampi
não o teria. O Avá-Canoeiro estaria junto ao Émérillon a meu ver. Outra língua do Subgrupo IV em que o morfema {-
a} estaria sendo enfraquecido é o Surui (cf. Cabral, 2001).
49
As formas antecedidas por - são inalienáveis, ou seja, só podem ocorrer com o possuidor expresso. Estão nessa
situação partes de um todo, como partes do corpo humano e de animais, e elementos eminentemente ligados ao homem
ou ao animal.
31

25. banha *ka -kaw (óleo, gordura) (N) [kaw]

26. banhar-se *jatsuk jauk (V. intrans. at.) [jawk] 

[aw.k]

27. bater *nupã nupã (V. trans.) [nu.p]

28. bater (dar tapas) *petek


29. besouro *enem enem (N) [e.ne.m]

30. beber *u50 u (V. trans.) [.u]

31. boca *juu -jo (N) [j.] 

[.]

32. boiar *ej wewj (V. intrans.) [we.wj]

33. bom *katu katu (V. descr.) [ka.tu]

34. braço *ja -jwa (N) [.w]

35. branco *ti ti (V. descr.) [ti]

36. brilhar *eap

37. buraco *ka kaa (N) [ka.]

38. cabaça *a a (N) [.a]

39. cabeça *aka -aka (N) [a.k]

40. cabelo *a -ap (N) [ap]

41. cair, nascer *a  (V. intrans. at.) [.]

42. calcanhar *pta -pta (N) [p.t]

43. caminho *ape, pe -ape (N) [a.pe]

44. campo *ju

45. canoa *a a (N) [.a.]

46. cansado *kaneõ

47. capim *kapii kapi (N) [ka.pi]

48. carne *oo -o (N) [o]  []

50
*u é formado pelas raízes // „água‟ e /u/ „ingerir‟.
32

49. casa *ok -ok (N)51 [.k]

50. casca *pe -pe52 (N) [pe]

51. causativo *mo- mo- (caus) [mo]

52. cavar *koj

53. cavar *jook jok (V. trans.) [jok]  [jk] 

[k]

54. cesta *u -ipu (sacola, mala, bolsa, [.p.]


mochila) (N)

55. céu *ak wak (N) [.wak] 

[.ak]

56. chamar *enõj enõj (V. trans.) [e.nõj]

57. chato, plano *pe pep (V. descr.) [pep]  [pe.p]

58. chegar *tsk k (V. intrans. at.) [k]

59. cheirar *etun etun (V. trans.) [e.tun]

60. cheirar bem *tseapem

61. cheirar mal *kati kati (V. descr.) [ka.ti]

62. chifre *ati -ati (N) [a.ti]

63. chupar *pte

64. chuva *aman aman (N) [.m.n]

65. cipó *itpo po (N) [.po]

66. claro, brilhante *en en (V. descr.) [e.n]

67. cobra *moj moj (N) [moj]

68. cobrir *atsoi

69. coçar *ej

70. colar, grudar *mo

51
A palavra mais utilizada para „casa‟ é etam, cognata de *ta „aldeia‟ (n° 4), que passou por um processo de extensão
de significado, nos termos de Hock (1986). Assim, ampliou o significado da palavra etam de „aldeia‟, para „aldeia‟ e
„casa‟, e forma novos sintagmas, como awati -etam (milho rel-casa) „paiol (lit. „casa do milho‟).
52
O que parece estar ocorrendo em Avá-Canoeiro é a extensão dos significados (Hock, 1986) de -piik (n° 225), que
pode ser usado tanto para designar „casca‟ quanto „pele‟. A palavra mais utilizada é -piik, ao invés de -pe.
33

71. comer *u u (V. trans.) [u]

72. companheiro *iu

73. comprido *puku puku (V. descr.) [pu.k]

74. concha *itã


75. concha comprida *itã-puku
76. contas *po po (miçanga, colar) (N) [po..]

77. corda *tam tam53 (arame) (N) [tm]

78. correr *ja ja (V. intrans. at.) []

79. correr (rio) *eka

80. cortar *kti kti (cortar, descascar) (V. [k.t]

trans.)
81. costas *ape -wape (N) [wa.pe]

82. costas, parte de trás *kupe -kupe (N) [ku.pe]

83. cotia *akoti akuti (N) [a.ku.t]

84. coxa *u

85. cozinhar *mõj


86. cupim *kupii kupi (N) [ku.p]

87. dar *mee me54 (V. trans.) [me.]

88. dedo, mão *pã -kã (N) [k]

89. deitado, estar *u

90. deitar *a am (V. intrans. at.) [m]

91. deixar, abandonar *eja eja (V. trans.) [e.ja]  [e.a]

92. demônio *aja

93. dente *ãj -ãj (N) [j]

94. dentro *ppe ppe (posp) [p.pe]

95. desenhar *katia katia55 (V. trans.) [ka.ti..]

53
A palavra mais usada para „corda‟ é tupam.
54
Além deste verbo, há ainda mon, mais usados em ambas as variedades do Avá-Canoeiro.
34

96. dia *a a (N) [a.]

97. dizer *e e (V. trans.) [e]

98. doce, salgado *tsee e (V. descr.) [e]

99. dois *mokõj mokõj (Num) [mo.kõj]

100. dor *at -a (N) [a.]

56
101. dormir *ke ke (no Tocantins); k (em [ke.]

Goiás) (V. intrans. at.) [k.]

102. ele, esse *ae ae (no Estado do Tocantins); [a.e]


aetõ (no Estado de Goiás)57
(Pron.) [a.e.tõ]

103. empregado *emipaj

104. empurrar *moajan

55
Esta raiz verbal também pode ser usada para „escrever‟, ou seja, houve uma extensão do significado de katia (o
que Crowley (1992) chama de „split semântico‟, porque uma palavra adquire um novo significado, relacionado ao
original). Hock (1986: 300) explica que, uma vez que o significado é estabelecido por meio de referência entre o
„mundo real‟ e os signos lingüísticos, qualquer mudança no „mundo real‟, seja ela de natureza social econômica ou
cultural, pode afetar o significado das palavras. Foi esse o caso. A palavra katia, que era usada para desenhar,
passou a ter, além desse significado, o de „escrever‟, quando os Avá-Canoeiro começaram a ter contato com a escrita.
56
Em final de palavras terminadas em consoantes opcionalmente insere-se uma vogal [], como já foi visto
anteriormente, em (3.1.2.1.), ou [], como nesse item. Ainda não está muito claro quando se insere uma ou outra, mas
pelos dados disponíveis até o momento parece que [] insere-se somente após /n/, // e /j/, como em „dormir‟
(variedade do Tocantins) e em „engolir‟, abaixo. No entanto, na maior parte das vezes, após // insere-se [].
57
/ae+tõ/. tõ em Avá-Canoeiro é uma partícula de ênfase que ocorre após verbos ativos e descritivos, como em
a+eu+tõ (1sg+trazer+partícula) „eu trouxe‟ e maw ete+tõ (mingau gostoso+partícula) „o mingau é gostoso‟. O
que parece ter ocorrido em (102) e ainda em (120) e (318) é a lexicalização dessa partícula após ae „ele, esse‟, ti-
„eu, meu‟ e ni- „você, teu‟, que se tornou parte integrante desses pronomes na variedade de Goiás. Assim, para as
três pessoas do singular tem-se:

Canoanã (Estado do Tocantins) Goiás


1a pessoa singular i te ti+tõ
2a pessoa singular ene, ne ni+tõ
3a pessoa singular/plural ae ae+tõ

ti- e ni- marcam o possuidor e também o sujeito de descritivos, o paciente e o objeto de posposição no Avá-
Canoeiro (cf. Borges, 2003d). Para a 2ª pessoa do plural há o pronome pe „você‟ em ambas as variedades. No que se
refere à 1ª pessoa plural, ver mais adiante, no número (191), o cognato de *jane e a nota correspondente.
35

105. engolir *kon mokon58 (V. trans.) [mo.kõ.n]

106. enrolar, envolver *uan

107. ensinar *moe moe (V. trans.) [mo.e]

108. entrar *eke, ike ike (V. intrans. at.) [i.ke]

109. envergonhar-se *ti

110. erguer, levantar *upi upi [u.pi]

111. escarnecer *jaj


112. escorregar *tk

113. esfregar *ktk ktk (V. trans.) [k.tk]

114. espaço *pau

115. esposa *emieko -emieko (N) [e.mi.e.ko] 

[e.mi.le.ko]

116. estar em movimento *eko eko (viver) (V. intrans. at.) [e.ko]

117. estômago *eek

118. estômago, intestino *e, epwe

119. estrela *jattata jatata59 (N) [a..ta.t]

120. eu *ite ite (no Estado do Tocantins); [i.te]


titõ (no Estado de Goiás)60
(Pron.) [ti.tõ]

121. faca *kte ke (N) [k.e]

122. face *oa -owa (N) [o.w]

123. falar *jee je (V. intrans. at.) [e]

124. farinha, pó *kui kui (N) [kuj]

58
O verbo mokon „engolir‟ é um verbo transitivo (ex. pkaw kui o+mokon (pomba arroz 3sg+engolir) „a pomba
engoliu o arroz‟), tanto em Avá-Canoeiro, quanto em outras línguas Tupi-Guarani, como o Kamaiurá (Seki, 2000a),
embora não se possa precisar o significado de kon (Lucy Seki, em comunicação pessoal). Poder-se-ia aqui levantar a
hipótese de que inicialmente o verbo seria kon, que teria passado a mokon por um processo de lexicalização do
causativo mo- (cf. (51)). Para Seki, a formação de mokon no Kamaiurá é claramente mo+kon (causativo+raiz
verbal).
59
Palavra composta, contendo as raízes ja „lua‟ e tata „fogo‟.
60
/ti+tõ/. Cf. também os cognatos para „ele‟ (102) e „você‟ (318), respectivamente, e a nota para aetõ (102).
36

125. fígado *pa -pa (barriga, tripa, bucho) (N) [p.]

126. filho (ego masculino) *a -a (filho (a), filhote) (N) [a..]

127. filho (ego feminino)61 *mem -mem (filho (a), filhote) (N) [me.m.]

128. fino *poi poi (V. descr.) [poj]

129. flecha *u -ap (N) [.a.p]

130. flor *pot pot (N) [p.t.]

131. fogo *tata tata62 (N) [ta.t]


63
132. folha *o ow (N) [ow]

133. frio *o o (V. descr.) [o.]

134. fruta *a a (N) [a]

135. fumaça *tatati tatati64 (N) [ta.ta.ti]

136. fumo *petm petm (N) [pe.t.m]

137. furar *kutuk kutuk (costurar, dar injeção, [ku.tu.k]


fazer cócegas) (V. trans.)

138. galho *akã akã (N) [a.kã]

139. gente, quem *aa awa (N) [a.w]

140. grande *atu -jat-au (alto) (V. descr.) [.a.taw] 


[j.a.taw]

141. grande *tuitsa tuiaw (V. descr.) [tuj.aw]

142. grande *utu uu (V. descr.) [u.]

143. inchar *uu uu (V. intrans. at.) [u.]

144. inchar *uu

61
Essa distinção entre „filho de ego feminino‟ e „filho de ego masculino‟ parece estar sendo perdida no Avá-Canoeiro,
podendo ambas as palavras (-a e -mem) ser utilizadas em ambas as situações, o que corrobora a posição de
Aikhenvald (2002), de acordo com a qual o campo semântico mais afetado no caso de atrito lingüístico é o parentesco.
62
O significado de *tata „fogo‟ foi estendido para „vela‟, na Área Avá-Canoeiro (GO), e para „lâmpada‟, em Canoanã
(TO). Houve, portanto, extensão do significado de tata nas duas variedades, conforme a chegada ou não de energia
elétrica à aldeia. Ressalto que o significado original de „fogo‟ foi mantido, e que tata aparece também na formação de
novas palavras do Avá-Canoeiro, como em tata -aj (fogo rel-semente) „pilha‟.
63
Embora ow signifique „folha‟, a palavra mais usada é kak, composta a partir das raízes ka „mata‟ e k „verde‟.
Designa „folha‟ como termo genérico, bem como „couve‟, „salsa, „cebolinha‟ e outras folhas específicas.
64
Palavra composta contendo as raízes tata „fogo‟ e ti„branco‟.
37

145. ir *tso o (V. intrans. at.) [o]

146. irmã mais nova (ego *kp pk 65 (N) [p.k.]


feminino)
147. irmão (ego feminino) *k kw (N) [k.w]

148. irmão mais novo (ego *


masculino)

149. jaboti *jaoti jaoti (N) [a..t] (em Goiás)

[ja.o. ti] (no Tocantins)

150. jacaré *jakae jakae66 (N) [ja.ka.e]

151. joelho *enpa -pa (N) [.p.]

152. jogar, lançar *momo momo (V. trans.) [mõ.mo]

153. lábio *eme -eme (N) [e.me]

154. lado do corpo *ke -ke (N) [.ke]

155. lago *pa paw (N) [.paw]

156. larva *tok, atok

157. lavar *ej joj (V. trans.) [jj]

158. levantar-se *puam puam (V. intrans. at.) [pu.m]

159. língua *ku -apeku (N) [a.pe.k]

160. liso *tsm

161. lua *jat ja (N) [a.]

162. macaco * kai kai (N) [kaj]

163. machado *j jkwa (N) [.k.wa]

65
Com relação à essa palavra, fica a dúvida quanto ao apagamento da sílaba inicial k, que teria ocorrido nesse caso,
mas não em (147), kw, cuja estrutura segmental e silábica é muito próxima de pk. Outro problema é que a
glotal // teria passado a /k/, o que aparentemente se constituiria num exemplo único da língua. Seria pk de fato
um cognato de *kp? Uma outra possibilidade de análise seria considerar que houve queda de //, fusão dos
dois // e metátese entre as sílabas k e p (CV1 CV2 > CV2 CV1). Segundo Jeffers & Lehiste (1982), a metátese é
a inversão da ordem de segmentos adjacentes em palavras específicas ou em classes de formas que mostram seqüências
específicas de segmentos.
66
Apesar de a palavra jakae existir na variedade de Goiás, a palavra mais usada é tiamon [tmõn], cuja
origem desconheço. Em Canoanã, no entanto, essa palavra parece ser desconhecida, sendo usada apenas jakae.
38

164. mãe *t - (N) []

165. mandar *paj

166. mandioca *maniok maniok (N) [m.ni..k]

167. mão *po -po (N) [p]

168. marido *men -men (N) [me.n]

169. matar *juka juka (V. trans.) [u.k]

170. mato, mata *kaa ka (N) [ka]

171. mau *ai, a aw (V. descr.) [a.w]

172. mel *ei ei (N) [ej.]

173. menino *kuum kuum (N) [ku.um]

174. milho *aati awati (N) [a.wa.ti] 

[a.a.ti]

175. molhado *akm

176. morder *tuu tu (V. trans.) [tu]

177. morrer *manõ mano (V. intrans. at.) [m.n]

178. morro *t

179. morto *eõ

180. mosquito *jatiu tiu (N) [tiw]

181. muitos *tseta eta (Pron. indef.) [e.ta]

182. mulher *kujã kujã (N) [ku.jã]

183. mutum *mtu mtu (N) [m.tu]

184. nadar *ta taw (V. intrans. at.) [.taw]

185. nariz, bico *ti -ti (N) [ti]

186. nariz *-apj -apj (N) [a.pj]

187. noite *ptun ptun (N) [p.tun]

188. noite *ptsa paj (N) [p.a.] 

[p.a.d]

189. nome *e e (N) [e]


39

190. nós exclusivo *oe

191. nós inclusivo *jane jane67 (Pron.) [j.n] 

[t.n]

192. novo *ptsatsu pau (V. descr.) [p.aw]

193. nuvem *ati wati68 (N) [.wa.ti]

194. óleo, banha *jan

195. olho *eta -ea (N) [e.]

196. onça *jawa jawa (cachorro)69 (N) [ja.wa.] 

[a.wa.] 

[a.Ga.]

197. orelha *nami -nami (N) [n.m]

198. orifício, buraco *wj

199. osso *-ka -ka (N) [k]

200. osso retirado do corpo *kawe

201. outro *amõ


202. ouvido *ap-ta -apa (N) [a.p.]

203. ouvir *enu anup (V. trans.) [.nup]

204. ovo *upia -upia (N) [u.pi.]

205. pagamento *ep

67
Ressalto aqui que, como dito anteriormente, não foram encontrados todos os cognatos da lista acima. Esse é o caso do
pronome „nós‟. A única forma que obtive foi jane, cognata de *jane. No entanto, não sei ainda se existe uma outra
forma para „nós‟, que seria provavelmente o „nós exclusivo‟, ou se essa é a única palavra para „nós‟, que teria passado
a ser um „nós‟ genérico, tendo desaparecido, assim, a distinção entre inclusivo e exclusivo. O conhecimento que tenho
da língua no momento ainda não me permite levantar hipótese a favor dessa ou daquela possibilidade. Em todos os
momentos em que jane foi produzida estávamos juntos.
68
Palavra composta contendo as raízes wak „céu‟ e ti„branco‟, com queda da consoante velar /k/ antes da oclusiva /t/,
processo morfofonológico comum ao Avá-Canoeiro, atraves do qual uma consoante cai antes de outra, em juntura
morfêmica.
69
/jawa/ [aGa] em Avá-Canoeiro, diferentemente de outras línguas Tupi-Guarani, como o Tembé (Duarte,
1997) e o Parakanã (Silva, 1999), significa exclusivamente „cachorro‟. Para „onça‟, há outra palavra também oriunda
de *jawa, qual seja: /jawa+ete+ou/ (cachorro+verdadeiro+grande) [aGato]. Assim, houve um
estreitamento do significado (Hock, 1986) de *jawa „cachorro, onça‟ para „cachorro‟, apenas, e, em decorrência
disso, ocorreu em Avá-Canoeiro o surgimento de uma nova palavra para „onça‟.
40

206. pai *u -uw (N) [u.w]

207. panela *jae jae (N) [j.e] 

[.e]

208. panela * jaepepo jae+pepo (panela+asa) [j.e.pe.p]


„panela‟; jae+pep+a
(panela+chato+CN) „prato‟ (lit. [.e.pe.p]
„panela chata‟) (N)

209. papagaio *ajuu ajuu (N) [a.ju.u] 

[a.u.u]

210. passado nominal *pe

211. passar *ka

212. passar *pan

213. passar, atravessar *ata aw (V. intrans. at.) [aw]

214. pássaro *wa wa (N) [w.]

215. pátio da aldeia *oka

216. pato *pek pek (N) [.pk] 


[.pek]

217. pau, árvore *a wa (N) [.w.]

218. pau de cavar *t tapa (cavadeira) (N)70 [t.a.p.]

219. pé *p -p (N) [p]

220. pedra *ita ita (N) [i.t]

221. pegar *ptsk jepk71 (V. trans.) [je.pk] 

[e.p.k]

222. peito *potia -potia (N) [po.ti.]

223. peito *kam -kam (N) [km]

224. peixe *pia pia (N) [pi.]

225. pele *pi -piik (pele, casca) (N) [pi.i.k] 

70
A palavra mais usada nesse caso é poo „enxada‟.
71
Cf. o nº 2 da lista de cognatos.
41

[pi.li.k]

226. pele retirada do corpo *piwe

227. pendente *paj


228. perigoso *pojts

229. perna *etmã -etmã (N) [e.t.m]

230. pesado *potsj poj (V. descr.)72 [po..]

231. pescoço *aju -aju (N) [a.u.]

232. pilão *uua uua (N) [u.u.]

233. pilar, socar *tok ok (V. trans.) [.k]

234. pintado *paa

235. piolho *k -kw (pulga) (N) [kw]

236. pium *piu piu (N) [pi.u]

237. plumagem *tsa73 -aw (pêlo, roupa) (N) [a.w]

238. podre *nem, em nem (fétido) (V. descr.) [ne.m]

239. pombo *pkatu pkau (N) [p.kaw]

240. pôr, colocar *no no (V. trans.) [nõ]

241. pôr junto *ja

242. porco do mato *tajatsu tajau (N) [ta.aw]

243. porto *jãj


244. preto *pitsun pitun74 (V. descr.) [pi.tun]

245. pulga, bicho de pé *tu tu (N) [tu]

246. puxar *ekj ekj (V. trans.) [e.kj]

247. quati *kati kati (N) [ka.ti]

72
Mediante o uso de marcadores de pessoa distintos esse verbo torna-se intransitivo ativo (ex. a+poj (1sg+ser pesado)
„eu engordei‟.
73
Poder-se-ia aqui aventar a possibilidade de *ts ser um prefixo de 3 a pessoa e da forma reconstruída tê-lo incorporado
indevidamente?
74
Embora a palavra pitun seja utilizada, a maior freqüência de uso para indicar a cor preta é para a palavra jakauna
„carvão‟.
42

248. quebrar *ka ka (V. trans.) [ka]

249. queimar-se *kaj kaj (V. intrans. at.) [kaj]

250. queimar *ap ap (V. trans.) [a.p]

251. quente *aku akup (V. descr.)75 [a.kup]

252. querer *tsej -ej (V. trans.)76 [ej]

253. rabo *uwaj -uwaj (N) [u.waj] 


[u.Gaj]

254. rachar *mook mowok (cortar lenha, cabelo; [mo.w.k]


aparentemente usado para
objetos longos) (V. trans.)

255. raiz *apo


256. raspar *pin
257. receber *a  ja  wa

258. rede *ini ini (N)77 [ini]

259. redondo *apua

260. remédio, porção *potsa

261. resina *tsk

262. respirar *ptu

263. rio caudaloso *paanã

264. rio seco *tpa tpw (N) [t.p.w]

265. rir *puka puka (V. intrans. at.) [pu.k]

266. roça *ko ko (N) [ko]

267. saber *kaa, kua

75
Com o uso do morfema causativo mo- o verbo akup torna-se transitivo (ex. a+m+akup  (1sg+caus+ser quente água)
„eu esquentei a água‟).
76
O verbo –ej no Avá-Canoeiro, assim como no Kamaiurá (Seki, 2000a), só ocorre como forma dependente, por
exemplo, em:

(a) /ti++u+ej/ [twej] „eu estou com sede‟


1So+água+beber+querer

77
Para „rede de dormir‟ a palavra utilizada é kaw. O que parece estar acontecendo na língua é a ampliação do
significado desta última.
43

268. sair *tem em (V. intrans. at.) [em]

269. sal78 *juk

270. saliva *en en (N) [e.n]

271. saltar *po po (V. intrans. at.) [po]

272. sangue *uw -uw (N) [u.w] 

[u.]

273. sarar *pea

274. secar *tini tini (V. trans.) [ti.ni]

275. seio *kam -kam (N) [km]

276. semente *aj aj (N) [.j]

277. senhor, dono *ja

278. sentado, estar *in in (V. intrans. at.) [in]

279. sentar-se *apk apk (V. intrans. at.) [a.p.k]

280. sol *ka ka (N) [ka.]

281. soprar *peju peju (V. trans.) [pe.]

282. soprar, tocar instrumento *p p (V. trans.) [p]


de sopro

283. subir *upi jeupi79 (V. intrans. at.) [e.u.pi]

284. sujo *ka ka (V. descr.) [k.]

285. surubim *tuui uuwi (N) [u.u.w]

286. taquara *taka taka (N) [ta.ka.]

287. tatu *tatu tatu (N) [ta.tu]

288. temer *tsi-kje kje (V. intrans. at.) [k.je] 

[k.e] 

[k.de]

78
Para designar o sal os Avá-Canoeiro usam a palavra itai, formada pela raiz ita „pedra‟ e do sufixo diminutivo –i. Toral
(1984: 47) também registra essa palavra.
79
Poder-se-ia lançar novamente a hipótese de lexicalização do pronome je- „reflexivo‟, através da qual este teria se
juntado à raiz verbal upi „subir‟.
44

289. terra * w (N) [.w]

290. terra *j j (N) [.]

291. tio (irmão da mãe) *tut

292. tirar *ok ok (V. trans.) [k]

293. todos *pa pam80 (Pron.) [pm]

294. tostar *kae

295. trançar *pe pe (V. trans.) [pe]

296. trazer *eu eu (V. trans.) [e.u.]

297. três *motsap moapan (Num.) [mo.a.p.n]

298. tucano *tukan tukan81 (N) [tu.kn]

299. um *mojepetei mepenoan (Num.) [me.pe.no.n]

300. umbigo *puã puã (N) [.pu.]

301. unha da mão *pã-pe -kã-api82 (dedo+unha) (N) [k.pi]83

302. unha do pé *ptsãpe -p-api (pé+unha) (N) [p.pi]

303. urina *t -t (N) [t]

304. urinar *kauk kauk (V. intrans. at.) [ka.u.k]

305. urubu *uuu uuwu (N) [u.u.w]

306. urucum *uuku uuku (N) [u.u.k]

307. vento *tu tu (N) [.tu]

308. ver *epak

80
-pam é uma raiz verbal em Avá-Canoeiro, cognata de –pap em Kamaiurá, onde, ao sufixar-se a um outro verbo
“exprime quantificação, indicando que a ação se completou por atingir a totalidade dos objetos, no caso de verbos
transitivos, ou a totalidade dos sujeitos, no caso de verbos intransitivos”, como em o+juka+pap (3+matar+completivo)
„ele matou todos‟ e o+mano+pap (3+morreu+completivo) „morreram todos‟. Em Avá-Canoeiro há o verbo pam
„completar, terminar‟ e o aspecto completivo –pam, como em Kamaiurá, em que –pap funciona como aspecto
completivo e como verbo intransitivo (Seki, 2000a: 133-134). Também em Asurini do Tocantins há o verbo -páp
„acabar‟ e o aspecto completivo –pap (cf. Cabral & Rodrigues, 2003).
81
O Avá-Canoeiro tem ainda uma outra palavra para designar o tucano, qual seja: [aata] (/aatai/).
82
-api em Avá-Canoeiro serve para designar tanto a unha do pé quanto da mão.
83
A primeira vogal de um morfema cai quando o anterior também terminar por vogal.
45

309. verde, azul *o, tso ow (V. descr.) [o.w] 

[o.]

310. verde, não-maduro *k k (cor verde) (V. descr.) [k.]

311. verme *tseoi eoi (N) [e.oj]

312. vermelho *pia pia (V. descr.) [pi.]

313. vermelho *wa wa (V. descr.) [w]

314. vermelho *pta pta (V. descr.) [p.t]

315. vespa *ka kaw (N) [kaw]

316. vir *u, ju ju (V. intrans. at.) [u.] 

[ju.]

317. voar *ee wewe (V. intrans. at.) [we.we] 

[we.e] 

[Ge.Ge]

318. você *ene, ne ene (no Estado do Tocantins); [e.ne] 


nitõ (no Estado de Goiás)84
(Pron.) [ni.tõ]

319. vocês *pe...e pe (Pron.) [pe]

320. voltar *je jwa (V. intrans. at.) [j.w] 


[.w]

321. vomitar *ween wen (V. intrans. at.) [wen]

3.3. Correspondências fonológicas entre Avá-Canoeiro (AC) e Proto-Tupi-Guarani (*)


3.3.1. Consoantes:

Proto-Tupi-Guarani Avá-Canoeiro Exemplos


*p
1) p (*p > p/ #__)85 1) 5. alimentar; 19. asa; 42. calcanhar;
50. casca; 73. comprido; 94. dentro;

84
/ni+tõ/. Cf. também os cognatos para „ele‟ (102) e „eu‟ (120), respectivamente, e a nota para aetõ (102).
85
As regras para as mudanças do Avá-Canoeiro apresentadas neste trabalho foram baseadas em Jeffers & Lehiste (1982)
e Crowley (1992).
46

130. flor; 136. fumo; 158. levantar-se;


167. mão; 188. noite; 192. novo; 219.
pé; 222. peito; 224. peixe; 225. pele;
230. pesado; 239. pombo; 244. preto;
281. soprar

2) 11. anta; 16. arco; 19. asa; 21.


2) p (*p > p/ $__) através; 43. caminho; 82. costas, parte
de trás; 94. dentro; 151. joelho; 155.
lago; 186. nariz; 204. ovo; 216. pato;
250. queimar
*t 1) t (*t > t/ #__)
1) 11. anta; 35. branco; 131. fogo; 135.
fumaça; 141. grande; 242. porco do
mato; 264. rio seco; 286. taquara; 274.
secar

2) 9. andar; 33. bom; 61. cheirar mal;


62. chifre; 80. cortar; 83. cotia; 95.
2) t (*t > t/ $__) desenhar; 119. estrela; 131. fogo; 135.
fumaça; 137. furar; 149. jaboti; 174.
milho; 184. nadar; 220. pedra; 229.
perna; 247. quati; 307. vento
*k 1) k (*k > k/ #__)
1) 14. arranhar; 25. banha; 105.
engolir; 121. faca; 159. língua; 235.
piolho; 248. quebrar; 249. queimar-se;
266. roça; 275. seio; 310. verde, não-
maduro

2) 2. agarrar, pegar; 26. banhar-se; 49.


2) k (*k > k/ __#) casa; 53. cavar; 55. céu; 58. chegar;
221. pegar; 233. pilar, socar

3) 39. cabeça; 73. comprido; 115.


3)k (*k > k/ $__) esposa; 116. estar em movimento; 138.
47

galho; 298. tucano; 306. urucum


* 1)  (* > / #__) 1) 3. água; 18. árvore; 40. cabelo; 41.
cair, nascer; 71. comer; 90. deitar; 134.
fruta

2) 11. anta; 30. beber; 38. cabaça; 47.


capim; 53. cavar; 76. contas; 98. doce,
2)  (* > / $__)
salgado; 124. farinha, pó; 125. fígado;
129. flecha; 133. frio; 151. joelho;
158. levantar-se; 162. macaco; 204.
ovo; 236. pium; 321. vomitar
*p 1) k (*p > k/ #__) 8. amarrar; 88. dedo, mão

*k 1) k (*k > k/ #__) 1) 37. buraco; 95. desenhar; 247.
quati; 280. sol

2) 286. taquara
2) k (*k > k/ $__)

*p 1) p (*p > p/ $__) 308. dado ainda não obtido


(*epak)

*k 1) k (*k > k/ #__) 1) 101. dormir

2) 108. entrar
2) k (*k > k/ $__)

*ts 1) 98. doce, salgado; 181. muitos; 252.


1)  (*ts > / # ___e) querer; 311. verme

2)  (*ts > / # ___) 2) 58. chegar

3)  (*ts > / # ___a) 3) 237. plumagem

4) 145. ir
4)  (*ts > / # ___o)

5) 297. três

5)  (*ts > / o$ ___a)


6)26. banhar-se; 192. novo; 242. porco
do mato
6)  (*ts > / a$ ___u)
48

7)  (*ts > / $ ___) 7) 2. agarrar; 221. pegar

8)  (*ts > / i$ ___a) 8) 141. grande

9) 188. noite; 192. novo


9)  (*ts > / $ ___a)

10) 230. pesado


10)  (*ts > / o$ ___)

11) 20. atrás de


11) t (*ts > t/ # ___a)
12) 244. preto
12) t (*ts > t/ i$ ___u)

13) 21. através


13)  (*ts > / # ___u)

*t
1) t (*t > t/ # ___) 1) 218. pau de cavar

2) 176. morder
2) t (*t > t/ # ___u)

3) 120. eu
3) t (*t > t/ i$ ___e)

4) 77. corda
4) t (*t > t/ # ___a)
5) 142. grande

5)  (*t > / ___ u)

6) 268. sair
6)  (*t > / # ___e)

7) 164. mãe
7)  (*t > / # ___)

8) 285. surubim
8)  (*t > / # ___u)

9) 233. pilar, socar


9)  (*t > / # ___o)
10) 140. grande; 239. pombo

10)  (*t > / a$ ___u)


11) 195. olho

11)  (*t > / e$ ___a)


49

12) 213. passar, atravessar


12)  (*t > / a$ ___a)
13) 65. cipó

13)  (*t > / i$ ___)


14) 100. dor; 119. estrela; 161. lua

14)  (*t > / a$ ___)


15) 121. faca

15)  (*t > / $ ___e)


16) 202. ouvido

16)  (*t > / $ ___a)

* 1) 149. jaboti
1)  (* > / a$___o)
2) 311. verme

2)  (* > / e$___o)


3) 16. arco

3)  (* > / $___)


4) 141. grande

4)  (* > / u$___i)


5) 34. braço; 55. céu; 193. nuvem

5) w (*  > w/ $___a) 6) 147. irmão (ego feminino); 21. pau,


árvore; 289. terra; 307. vento
6) w (*  > w/ $___)
7) 122. face

7) w (*  > w/ o$___a)
8) 139. gente, quem; 174. milho

8) w (*  > w/ a$___a)
9) 32. boiar; 320. voltar

9) w (*  > w/ e$___)
10) 254. rachar

10) w (*  > w/ o$___o) 11) 285. surubim

11) w (*  > w/ u$___i) 12) 305. urubu

12) w (*  > w/ u$___u) 13) 309. verde, azul


50

13) w (*  > w/ o$___) 14) 317. voar

14) w (*  > w/ e$___e) 15) 32. boiar; 317. voar

16) 25. banha; 141. grande; 155. lago;


15) w (*  > w/ #___)
184. nadar; 213. passar, atravessar;
237. plumagem; 264. rio seco; 315.
16) w (* > w/ a___#)
vespa

17) w (* > w/ ___#) 17) 18. árvore; 171. mau

18) w (* > w/ o___#) 18) 132. folha

19) w (* > w/ u___#) 19) 6. amarelo; 206. pai

20) 40. cabelo


20) p (* > p/ a___#)

21) 203. ouvir; 251. quente


21) p (* > p/ u___#)

22) 57. chato, plano


22) p (* > p/ e___#)

23) 129. flecha


23) p (* > p/ ___#)
24) 4. aldeia; 90. deitar; 293. todos

24) m (* > m/ a___#)

*m 1) 67. cobra; 99. dois; 127. filho (ego


1) m (*m > m/ #__) feminino); 152. jogar, lançar; 168.
marido; 183. mutum; 254. rachar

2) 77. corda; 136. fumo; 158. levantar-


2) m (*m > m/ __#) se; 173. menino; 223. peito; 268. sair;
275. seio

3) 115. esposa; 127. filho (ego


3) m (*m > m/ $__) feminino); 152. jogar, lançar; 229.
perna
51

*n 1) 197. orelha; 238. podre


1) n (*n > n/ #__)
2) 64. chuva; 105. engolir; 168.
marido; 187. noite; 244. preto; 278.
sentado, estar; 298. tucano; 321.
2) n (*n > n/ __#) vomitar

3) 29. besouro; 56. chamar; 66. claro,


brilhante; 166. mandioca; 177. morrer;
3) n (*n > n/ $__) 191. nós inclusivo; 203. ouvir; 258.
rede; 274. secar
* 1) 35. branco; 39. cabeça; 61. cheirar
1)  (* > / __#) mal; 78. correr; 135. fumaça; 193.
nuvem; 199. osso; 274. secar; 312.
313. 314. vermelho

2) 232. pilão
2)  (* > / $__)

*m 1) m (*m > m/ $ __) 24. dado não obtido


(*kaamema)

* 1) 37. buraco; 45. canoa; 76. contas;


1)  (* > / ___#) 95. desenhar; 96. dia; 126. filho (ego
masculino); 127. filho (ego feminino);
130. flor; 172. mel; 231. pescoço; 280.
sol; 310. verde, não-maduro

2) 14. arranhar; 16. arco; 209.


2)  (* > / $ ___)
papagaio; 296. trazer; 304. urinar; 305.
urubu; 306. urucum

3) 133. frio
3)  (* > / # ___)

4) 11. anta; 152. jogar, lançar; 189.


nome; 283. subir; 286. taquara
4)  (* > / ___ #)
5) 15. arara; 115. esposa; 173. menino;
214. pássaro; 217. pau, árvore; 224.
52

peixe; 285. surubim; 312. vermelho


5)  (* > / $ ___)

*w 1) 214. pássaro;321. vomitar


1) w (*w > w/ #__)
2) 196. onça; 253. rabo; 272. sangue
2) w (*w > w/ $__)
*j 1) 26. banhar-se; 31. boca; 34. braço;
1) j (*j > j/ #__) 53. cavar; 78. correr; 119. estrela; 149.
jaboti; 161. lua; 163. machado; 169.
matar; 191. nós inclusivo; 208. panela;
316. vir

2) 5. alimentar; 14. arranhar; 56.


chamar; 67. cobra; 93. dente; 99. dois;
2) j (*j > j/ __#) 157. lavar; 186. nariz; 230. pesado;
290. terra

3) 182. mulher; 209. papagaio; 231.


pescoço; 242. porco do mato; 288.
3) j (*j > j/ $__) temer

Em decorrência da fusão das oclusivas labializadas *p e *k (cf. (4.1.)), da fusão das oclusivas

velares *k e *k (cf. (4.2.)), da perda da oclusiva glotal * (cf. (4.3.)) e do apagamento ou fusão de * e *w

(cf. (4.4.)), houve uma redução no sistema consonantal do PTG. Esses apagamentos de consoante deram
origem a vários itens lexicais homófonos, como exemplificado abaixo:

(01) 3. * >  „água‟

(02) 164. *t >  „mãe‟

(03) 233. *tok > ok „pilar, socar‟

(04) 49. *ok > ok „casa‟


53

As demais consoantes do PTG mantiveram-se intactas ou sofreram ligeiras alterações na pronúncia


em Avá-Canoeiro. Por outro lado, houve o surgimento da fricativa uvular vozeada //, explicitado em (4.6.)

(cf. Borges, 2003a). Essa redução do sistema fonológico do PTG ocorreu também nas línguas Tapirapé,
Suruí e Parakanã, que não possuem consoantes palatalizadas e labializadas, exceto a oclusiva velar /k/ (cf.

Leite, 1995; Barbosa, 1993; Gomes, 1991; Silva, 1999).

3.3.2. Vogais:

Proto-Tupi-Guarani Avá-Canoeiro Exemplos


*i
1) i (*i > i/ #__) 1) 120. eu; 220. pedra; 258. rede; 278.
estar sentado

2) 21. através; 47. capim; 83. cotia; 86.


cupim; 124. farinha, pó; 128. fino;
149. jaboti; 162. macaco; 174. milho;
2) i (*i > i/ __#) 197. orelha; 247. quati; 285. surubim;
311. verme

3) 11.anta; 35. branco; 47. capim; 61.


cheirar mal; 86. cupim; 95. escrever;
115. esposa; 135 fumaça; 141. grande;
3) i (*i > i/ C__) 166. mandioca; 172. mel; 180.
mosquito; 193. nuvem; 204. ovo; 222.
peito; 224. peixe; 225. pele; 236.
pium; 244. preto; 274. secar; 283.
subir; 312. vermelho
*
1) 16. arco; 30. beber; 45. canoa; 54.
cesta; 55. céu 155. lago; 193. nuvem;
1)  (* > / #__) 216. pato; 289. terra; 290. terra; 307.
vento; 217. pau, árvore

2) 3. água; 66. claro, brilhante; 100.


54

dor; 133. frio; 161. lua; 163. machado;


164. mãe; 219. pé; 250. queimar; 270.
saliva; 272. sangue; 289. soprar, tocar
2)  (* > / __#) instrumento de sopro; 289. terra; 303.
urina; 309. verde, azul

3) 2. agarrar; 7. amarrar; 16. arco; 18.


árvore; 20. atrás de; 32. boiar; 34.
braço; 38. cabaça; 42. calcanhar; 58.
chegar; 65. cipó; 76. contar; 80. cortar;
94. dentro; 113. esfregar; 119. estrela;
121. faca; 125. fígado; 126. filho (ego
masculino); 127. filho (ego feminino);
3)  (* > / C__)
130. flor; 136. fumo; 146. irmã mais
nova (ego feminino); 147. irmão (ego
feminino); 151. joelho; 154. lado do
corpo; 171. mau; 183. mutum; 184.
nadar; 188. noite; 192. novo; 202.
ouvido; 214. pássaro; 218. pau de
cavar; 221. pegar; 229. perna; 230.
pesado; 235. piolho; 239. pombo; 246.
puxar; 264. rio seco; 276. semente;
279. sentar-se; 284. sujo; 288 temer;
310. verde, não-maduro; 314.
vermelho; 320. voltar; 297. três; 300.
umbigo; 302. unha do pé; 307. vento
*u 1) 89. estar deitado; 142. grande; 204.
ovo; 206. pai; 209. papagaio; 253.
1) u (*u > u/ #__) rabo; 272. sangue; 283. subir; 287.
tatu; 305. urubu; 306. urucum

2) 30. beber; 31. boca; 33. bom; 54.


cesta; 71. comer; 73. comprido; 140.
grande; 142. grande; 176. morder; 192.
2) u (*u > u/ __#) novo; 209. papagaio; 239. pombo;
242. porco do mato; 281. soprar; 287.
tatu; 305. urubu; 306. urucum; 307.
55

vento

3) 6. amarelo; 21. através; 26. banhar-


se; bater; 31. boca; 73. comprido; 82.
costas, parte de trás; 84. coxa; 86.
cupim; 124. farinha, pó; 137. furar;
3) u (*u > u/ C__) 141. grande; 143. inchar; 158.
levantar-se; 169. matar; 173. menino;
176. morder; 182. mulher; 232. pilão;
265. rir; 285. surubim; 298. tucano;
300. umbigo; 304. urina; 305. urubu;
306. urucum

4) 59. cheirar; 187. noite; 203. ouvir;


231. pescoço; 244. preto; 245. pulga,
4) u (*u > u/ __C) bicho do pé; 251. quente; 296. trazer;
316. vir
*e
1) 29. besouro; 56. chamar; 59.
cheirar; 66. claro, brilhante; 91. deixar,
1) e (*e > e/ #__) abandonar; 107. ensinar; 115. esposa;
116. estar em movimento; 153. lábio;
172. mel; 189. nome; 195. olho; 203.
ouvir; 229. perna; 246. puxar; 270.
saliva; 296. trazer; 318. você

2) 1. afiado; 43. caminho; 50. casca;


81. costas; 82. costas, parte de trás; 94.
dentro; 97. dizer; 102. ele, esse; 108.
entrar; 120. eu; 121. faca; 150. jacaré;
2) e (*e > e/ __#) 153. lábio; 154. lado do corpo; 191.
nós inclusivo; 288. temer; 317. voar;
318. você

3) 19. asa; 32. boiar; 57. chato, plano;


87. dar; 98. doce, salgado; 101.
dormir; 115. esposa; 123. falar; 127.
56

filho (ego feminino); 136. fumo; 181.


3) e (*e > e/ C__) muitos; 208. panela; 252. querer; 281.
soprar; 311. verme; 317. voar; 319.
vocês; 320. voltar; 321. vomitar

4) 29. besouro; 168. marido; 216. pato;


238. podre; 268. sair; 321. vomitar
4) e (*e > e/ __C)
5) 157. lavar

5) o (*e > o/ __C)


*a
1) 1. afiado; 7. amarrar; 8. andar; 15.
arara; 39. cabeça; 43. caminho; 64.
chuva; 81. costas; 83. cotia; 96. dia;
100. dor; 102. ele, esse; 126. filho (ego
1) a (*a > a/ #__) masculino); 138. galho; 139. gente,
quem; 140. grande; 171. mau; 174.
milho. 186. nariz; 195. olho; 202.
ouvido; 204. ovo; 209. papagaio; 213.
passar. Atravessar; 231. pescoço; 250.
queimar; 251. quente; 276. semente;
279. sentar-se

2) 9. andar; 34. braço; 38. cabaça; 42.


calcanhar; 119. estrela; 122. face; 125.
fígado; 131. fogo; 134. fruta; 139.
gente, quem; 151. joelho; 169. matar;
2) a (*a > a/ __#) 170. mato, mata; 181. muitos; 188.
noite; 214. pássaro; 217. pau, árvore;
220. pedra; 222. peito; 224. peixe;
232. pilão; 248. quebrar; 265. rir; 284.
sujo

3) 4. aldeia; 11. anta; 14. arranhar; 15.


arara; 16. arco; 20. atrás de; 25. banha;
57

26. banhar-se; 33. bom; 47. capim; 61.


cheirar mal; 95. desenhar; 119. estrela;
131. fogo; 135. fumaça; 141. grande;
3) a (*a > a/ C__) 149. jaboti; 150. jacaré; 161. lua; 162.
macaco; 166. mandioca; 170. mato,
mata; 174. milho; 177. morrer; 191.
nós inclusivo; 192. novo; 193. nuvem;
196. onça; 197. orelha; 207. panela;
208. panela; 237. plumagem; 239.
pombo; 242. porco do mato; 247.
quati; 286. taquara; 287. tatu; 297.
três; 304. urinar

4) 16. arco; 37. buraco; 39. cabeça; 40.


cabelo; 41. cair, nascer; 45. canoa; 55.
céu; 64. chuva; 77. corda; 90. deitar;
91. deixar, abandonar; 95. desenhar;
155. lago; 158. levantar-se; 184. nadar;
4) a (*a > a/ __C) 196. onça; 199. osso; 223; peito; 249.
queimar-se; 253. rabo; 264. rio seco;
275. seio; 280. sol; 286. taquara; 293.
todos; 298. tucano; 312. vermelho;
313. vermelho; 314. vermelho; 315.
vespa

5) 8. amarrar
5)  (*a > / __C)

*o 1) o (*o > o/ #__)


1) 48. carne; 49. casa; 122. face; 132.
folha; 167. mão; 309. verde, azul

2) o (*o > o/ __#) 2) 19. asa; 48. carne; 51. causativo;


65. cipó; 115. esposa; 116. estar em
movimento; 145. ir; 208. panela; 266.
roça

3) 5. alimentar; 12. apoiar; 17.


58

3) o (*o > o/ C__) arrebentar; 53. cavar; 67. cobra; 76.


contas; 99. dois; 105. engolir; 107.
ensinar; 128. fino; 130. flor; 133. frio;
149. jaboti; 152. jogar, lançar; 166.
mandioca; 222. peito; 230. pesado;
233. pilar, socar; 240. pôr, colocar;
254. rachar; 271. saltar; 292. tirar;
297. três; 299. um; 309. verde, azul;
311. verme

4) 83. cotia
4) u (*o > u/ C__)
*i
1) i (*i > i/ __#) 1) 62. chifre; 80. cortar; 185. nariz,
bico; 258. rede

2) i (*i > i/ __#)


2) 7. amarrar; 80. cortar
* 1)  (* > / C__) 1) 186. nariz; 276. semente

*u 1) u (*u > u/ __#) 1) 159. língua; 183. mutum; 236. pium

2) 180. mosquito
2) u (*u > u/ __#)

*e 1) e (*e > e/ __#) 1) 207. panela

2) 208. panela
2) e (*e > e/ C__)

3) 295. trançar
3) e (*e > e/ __#)

4) 301. unha da mão; 302. unha do pé


4) i (*e > i/ __#)

5)  (*e > / __#) 5) 319. vocês

*õ 1) õ (*õ > õ/ __C) 1) 56. chamar; 99. dois

2) 177. morrer; 102. „esse, ele‟, 120.


„eu‟ e 318. „você‟, na variedade de
59

2) o (*õ > o/ __#) Goiás



1) ã (*ã > ã/ #__) 1) 93. dente

2) 27. bater; 88. dedo, mão; 138.


galho; 182. mulher; 229. perna; 300.
2) ã (*ã > ã/ __#) umbigo

3) ã (*ã > ã/ C__) 3) 14. arranhar; 301. unha da mão;


302. unha do pé

O Avá-Canoeiro manteve as doze (12) vogais do PTG, diferentemente do Tapirapé, em que ocorreu a
neutralização do contraste entre *u e *o, que se fundiram em /o/, e *u e *õ, em *õ86. Assim, enquanto no

Avá-Canoeiro há quatro (4) vogais posteriores (/u, o, u, õ/), no Tapirapé há apenas duas (2): /o, õ/ (cf. Facó

Soares & Leite, 1991; Leite, 1995)87. Houve algumas alterações vocálicas menos regulares no Avá-Canoeiro,
que, no entanto, não acarretaram perda ou acréscimo de fonemas ao sistema do PTG. Essas alterações serão
descritas na seção (5).

4. Considerações sobre as mudanças fonológicas do Proto-Tupi-Guarani ao Avá-Canoeiro: as


consoantes

86
Outra distinção entre o sistema vocálico do Avá-Canoeiro e do Tapirapé diz respeito à vogal *o, que se manteve como
/o/ em Avá-Canoeiro, mas passou a /a/ em Tapirapé, perdendo o traço [labial], em todos os ambientes (Facó Soares &
Leite, 1995: 39; Jensen, 1999: 145), como demonstram os exemplos a seguir:

PTG Avá-Canoeiro Tapirapé (dados de Walkíria Neiva Praça, em


comunicação pessoal)
51. *mo- „causativo‟ mo- ma-
67. *moj „cobra‟ moj maj
154. *tso „ir‟ o a
266. *ko „roça‟ ko ka

87
No Guajajára também ocorreu a fusão entre *u e *o, exceto em sílaba final ou em penúltima sílaba precedendo /o/. No
Asurini, *u e *o fundiram-se em /o/, e *u e *õ, em /õ/ (cf. Facó Soares & Leite, 1991). No Avá-Canoeiro há pares
mínimos como:
(1) -o „carne‟ (48. *oo), e u „comer‟ (71. *u); (2) -uw „sangue‟ (272. *uw), e ow „verde, azul‟ (309. *o,
*tso).
60

4.1. Fusão de /p/ e /k/ (*p, *k > k)

A fusão, segundo Crowley (1992), é uma mudança sonora através da qual dois ou mais sons distintos
tornam-se um único, com traços fonéticos de ambos os sons, como ocorreu com o /o/ e o /a/ do Proto-Indo-
Europeu, que se fundiram em /a/ em Alemão (Jeffers & Lehiste, 1982: 65).
Foi o que houve também com as oclusivas labializadas do PTG, a bilabial *p e a velar *k.

Fundiram-se em Avá-Canoeiro, resultando na velar /k/, apenas88, ou seja, mantiveram-se todos os traços

fonéticos de /p/ e /k/ (oclusivos, labializados, desvozeados), exceto o ponto de articulação bilabial. É o

que comprovam os seguintes dados:

(11) 08. *pa > jok „amarrar‟

(12) 88. *pã > -kã „dedo, mão‟

(13) 95. *katia > katia „escrever, desenhar‟

(14) 247. *kati > kati „quati‟

(15) 286. *taka > taka „taquara‟

Outras línguas da família TG, como o Guajájara, o Parintintin e o Wayampi passaram pelo mesmo
processo que o Avá-Canoeiro, como demonstra a tabela seguinte:

(16)
Proto-Tupi-Guarani Guajajára Parintintin Wayampi (do Jarí)
*pá „amarrar‟ ká ká óka

Fonte: Jensen (1999: 141)

4.2. Fusão da oclusiva palatalizada velar *k à simples *k (*k, *k > k)

A oclusiva palatalizada velar *k do PTG fundiu-se, no Avá-Canoeiro, à oclusiva simples a ela

correspondente, qual seja: *k, como nos seguintes exemplos.

(17) 101. *ke > ke „dormir‟ (variedade de Canoanã)

(18) 108. *eke, ike > ike „entrar‟


61

Infelizmente, devido ao fato de a reconstrução existente para o PTG apresentar um único exemplo da
oclusiva palatalizada bilabial *p (cf. (308) *epak) e de eu não ter obtido um cognato para essa palavra no

Avá-Canoeiro, a análise da provável história do *p do PTG para essa língua permanece em aberto.

Outras línguas Tupi e Tupi-Guarani também perderam essas consoantes, como é o caso do Sateré-
Mawé e do Kamaiurá. Em Sateré-Mawé, *k do PTG fundiu-se ao *k como em *ke > ket „dormir‟ e *-

eke > -eke „entrar‟ (cf. Rodrigues & Dietrich, 1997: 274). No Kamaiurá, *p e *k passaram por um

processo de africativização, fundindo-se com a africada alveolar desvozeada /ts/, como em *eke; ike > itse

„entrar‟ e *epak > etsak „ver‟ (cf. Seki, 2000: 573).

4.3. Apagamento de * (* >  )

A oclusiva *, a única consoante glotal reconstruída para o Proto-Tupi-Guarani, desapareceu

totalmente do sistema fonológico da língua Avá-Canoeiro, como demonstram os seguintes exemplos:

(19) 30. *u > u „beber‟

(20) 38. *a > a „cabaça‟

(21) 71. *u > u „comer‟

(22) 76. *po > po „contas, miçanga, colar‟

(23) 124. *kui > kui „farinha‟

Quando essa consoante ocorria entre duas vogais idênticas, houve fusão, restando uma única vogal.
Esse processo ocorreu também devido à queda das consoantes *ts e *, como se segue:

(24) 11. *tapii > tapi „anta‟

(25) 48. *oo > o „carne‟

(26) 53. *jook > jok „cavar‟

(27) 98. *ee > e „doce, salgado‟

(28) 321. *ween > wen „vomitar‟

88
Ainda não foram encontrados cognatos para os exemplos de *p em posição medial.
62

(29) 170. *kaa > ka89 „mato‟

(30) 176. *tuu > tu „morder‟

(31) 16. *apa > apa „arco‟

(32) 307. *tu > tu „vento‟

Um problema que ainda fica sem solução é quanto à natureza das vogais que passam pela fusão.
Haveria alongamento compensatório, ou seja, a glotal teria caído, as vogais se fundido e a vogal resultante
teria ficado mais longa?90 Hock (1986) explica que, na maioria dos casos, a perda de um segmento afeta
somente ele. Contudo, há casos em que essa perda é acompanhada de alongamento do segmento silábico
adjacente, processo chamado alongamento compensatório. Nesse caso a mora do segmento perdido se liga
ao segmento silábico adjacente, fazendo com que ele fique mais longo. Os dados do Avá-Canoeiro de que
disponho no momento não me permitem defender a hipótese de que houve essa „compensação‟ na língua,
porque aparentemente as vogais são mais longas em sílabas tônicas. No entanto, é preciso medir essas vogais
para certificar se houve ou não esse processo, o que ainda não foi feito.
Como vimos, em decorrência dessa mudança, o Avá-Canoeiro perdeu a série „glotal‟, diferenciando-
se de todas as demais línguas do Subgrupo IV, que possuem a oclusiva glotal em seu inventário fonológico
(cf, para o Tapirapé: Leite, 1995; o Asurini do Tocantins: Cabral & Rodrigues, 2003; o Suruí do Tocantins:
Barbosa, 1993; o Parakanã: Silva, 1999 e Gomes, 1991; o Guajajára: Bendor-Samuel, 1972; o Tembé: Eiró,
2001).

4.4. Apagamento ou fusão de * (* >  ) ou (*, *w > w)

A fricativa bilabial * do Proto-Tupi-Guarani inexiste no sistema fonológico do Avá-Canoeiro, o

que resultou de dois processos distintos. Esse proto-fonema ou sofreu apagamento em início de sílaba medial
ou fundiu-se com a semivogal bilabial /w/, em início de sílabas inicial e medial ou no final de palavra
fonológica, ou ainda com as bilabiais /p/ e /m/ em final de palavra fonológica, como nos exemplos abaixo:

89
O apagamento de * e a fusão dos dois *a idênticos, nesse caso, deram origem ao seguinte par de homófonos:
(1) 170. *kaa > ka „mato, mata‟
(2) 248. *ka > ka „quebrar‟
90
Mencionei aqui apenas a queda da glotal //, mas isso teria igualmente ocorrido após a queda de outras consoantes,
como // em „vento‟ (item 307).
63

(33)  (* > / a$___o) 149. *jaoti > jaoti „jaboti‟

(34)  (* > / e$___o) 311. *tseoi > eoi „verme‟

(35)  (* > / $___) 307. *tu > tu „vento‟

(36)  (* > / u$___i) 141. *tuitsa > tuiaw „grande‟

(37) w (*  > w/ $___a) 34. *ja > -jwa „braço‟

193. *ati > wati „nuvem‟

(38) w (*  > w/ $___) 289. * > w „terra‟

(39) w (*  > w/ o$___a) 122. *oa > -owa „face‟

(40) w (*  > w/ a$___a) 174. *aati > awati „milho‟

(41) w (*  > w/ e$___) 32. *ej > wewj „boiar‟

(42) w (*  > w/ o$___o) 254. *mook > mowok „rachar‟

(43) w (*  > w/ u$___i) 285. *tuui > uuwi „surubim‟

(44) w (*  > w/ u$___u) 305. *uuu > uuwu „urubu‟

(45) w (*  > w/ o$___) 309. *o, tso > ow „verde, azul‟

(46) w (*  > w/ e$___e) 317. *ee > wewe „voar‟

32. *ej > wewj „boiar‟

(47) w (*  > w/ #___) 317. *ee > wewe „voar‟

(48) w (* > w/ a___#) 25. *ka > -kaw „banha‟


64

(49) w (* > w/ ___#) 235. *k > -kw „piolho‟

(50) w (* > w/ o___#) 132. *o > ow „folha‟

(51) w (* > w/ u___#) 6. *ju > juwaj „amarelo‟

(52) p (* > p/ a___#) 40. *a > -ap „cabelo‟

(53) p (* > p/ u___#) 251. *aku > akup „quente‟

(54) p (* > p/ e___#) 57. *pe > pep „chato, plano‟

(55) p (* > p/ ___#) 129. *u > -ap „flecha‟

(56) m (* > m/ a___#) 90. *a > am „deitar‟


293. *pa > pam „todos‟

A fricativa bilabial [] ocorre opcionalmente em Avá-Canoeiro, em início de sílabas mediais, como

alofone do fonema /w/, em variação livre91, como demonstram os seguintes exemplos92:

(57) /awatua/ [awatua]  [aatua] „besouro‟

(58) /kawue/ [kawu]  [kau] „coruja‟

O fonema * fundiu-se com *w em início de sílaba medial em Kamaiurá; em início de sílaba final

em Sateré-Mawé e Waiampi (do Jarí); e com *p em final de palavra fonológica em Kamaiurá e Sateré-Mawé,
como se segue.

91
O fonema /w/ possui ainda um outro alofone, que também ocorre em variação livre. É a oclusiva uvular labializada
[G], que ocorre nos seguintes exemplos:
(1) [kaamawaj]  [kaamaGaj] „pássaro (espécie)‟
(2) [j+uwaa]  [j+uGaa] „rabo dele‟
3poss-rabo 3poss-rabo
Nesse último exemplo há uma consonantização do morfema /i-/ de 3ª pessoa, tornando-o [j] antes de vogal.
92
Essa variação livre é um processo bastante comum nas línguas e ocorre, por exemplo, em Ikpeng, da família Karib:
65

(59) * > w/ $____

- Kamaiurá *koj > wkoj „cavar‟ (Seki, 2000: 574)

- Sateré-Mawé *uuu > uuwu „urubu‟ (Rodrigues & Dietrich, 1997: 275)

- Waiampi (do Jari) *ak > wa „céu‟ (Jensen, 1989: 21)

(60) * > p/ __#

- Kamaiurá *o > op „folha‟ (Seki, 2000: 575)

- Sateré-Mawé *pe > pep „chato, plano‟ (Rodrigues & Dietrich, 1997: 273)

A fusão entre * e *w foi completa em Guajajára e em Araweté (Jensen, 1999; Vieira & Leite,

1998).

4.5. As africadas *ts e *t do Proto-Tupi-Guarani

A africada alveolar *ts do PTG desapareceu do sistema fonológico do Avá-Canoeiro, fundindo-se


com a oclusiva /t/ em início de palavra ou de sílaba medial ou dando origem à fricativa uvular //, em início

de palavras, antes de /u/. Em outros casos, foi apagada, tanto em início de palavra fonológica quanto em
início de sílaba medial. É o que demonstram os dados abaixo:

(61) t (*ts > t/ # ___a) 20. *tsakpi > takwap „atrás de‟

(62) t (*ts > t/ i$ ___u) 244. *pitsun > pitun „preto‟

(63)  (*ts > / # ___/u/) 21. *tsupi > upi „através‟

(64)  (*ts > / # ___e) 237. *tseta > eta „muitos‟

(65)  (*ts > / # ___) 58. *tsk > k „chegar‟

(66)  (*ts > / # ___a) 237. *tsa > -aw „plumagem‟

(67)  (*ts > / # ___o) 145. *tso > o „ir‟

(a) /parap/ [arap]  [warap] „dentro de‟ (Frantomé Pacheco, em comunicação pessoal).
66

(68)  (*ts > / o$ ___a) 297. *motsap > moapan „três‟

(69)  (*ts > / a$ ___u) 242. *tajatsu > tajau „porco do mato‟

(70)  (*ts > / $ ___) 221. *ptsk > jepk „pegar‟

(71)  (*ts > / i$ ___a) 141. *tuitsa > tuiaw „grande‟

(72)  (*ts > / $ ___a) 188. *ptsa > paj „noite‟

(73)  (*ts > / o$ ___) 230. *potsj > poj „pesado‟

Por outro lado, a álveo-palatal *t do PTG manteve-se no sistema fonológico do Avá-Canoeiro, em

início de palavra fonológica ou em início de sílaba medial. No entanto, houve algumas modificações. Em
início de sílaba medial, algumas vezes *t foi apagado ou tornou-se //, antes da vogal posterior /u/. Em

início de palavra, *t passou a /t/ antes de /a/. Há também casos em que foi apagado em início de palavra

fonológica ou de sílaba medial.

(74) (*t > t/ # ___) 218. *t > tapa „pau de cavar‟

(75) (*t > t/ # ___u) 176. *tuu > tu „morder‟

(76) (*t > t/ i$ ___e) 120. *ite > ite „eu‟

(77) t (*t > t/ # ___a) 77. *tam > tam „corda‟

(78)  (*t > / $___ u) 142. *utu > uu „grande‟

(79)  (*t > / # ___e) 268. *tem > em „sair‟

(80)  (*t > / # ___) 164. *t > - „mãe‟


67

(81)  (*t > / # ___u) 285. *tuui > uuwi „surubim‟

(82)  (*t > / # ___o) 233. *tok > ok „pilar, socar‟

(83)  (*t > / a$ ___u) 239. *pkatu > pkau „pombo‟

(84)  (*t > / e$ ___a) 195. *eta > -ea „olho‟

(85)  (*t > / a$ ___a) 213. *ata > aw „passar, atravessar‟

(86)  (*t > / i$ ___) 65. *itpo > po „cipó‟

(87)  (*t > / a$ ___) 100. *at > -a „dor‟

(88)  (*t > / $ ___e) 121. *kte > ke „faca‟

(89)  (*t > / $ ___a) 202. *ap-ta > -apa „ouvido‟

Pelos exemplos acima percebe-se que houve split93 com as duas africadas do PTG, tendo sido
diferenciadas em dois fonemas distintos. *ts ou foi apagada ou passou a /t/ ou // em Avá-Canoeiro. *t

também foi apagada ou passou a /t/ ou // nos ambientes descritos. Conforme Hock (1986), muitas

mudanças sonoras afetam a fonologia de uma língua por meio da eliminação de antigos contrastes ou pela
introdução de novos. Isso é o que ocorre, respectivamente, com as fusões e os spits94.
Os fonemas *ts e *t foram totalmente apagados dos sistemas fonológicos das línguas Tembé,

Parakanã, Tapirapé, Asurini do Tocantins e Suruí do Tocantins, ou deram origem a outras consoantes (cf.
Eiró, 2001; Gomes, 1991; Leite, 1995; Jensen, 1999; Barbosa, 1993).95

4.6. Fontes do fonema //96

93
Há split quando um som dá origem a dois ou mais, como ocorreu, por exemplo, do latim ao francês, em que a oclusiva
velar /k/ deu origem a /k/, antes de /o/ e em encontros consonantais com /l/ e /w/; a /s/, antes das vogais anteriores /e,
i/ e a //, antes de /a/ (Anttila, 1972: 61).
94
Conforme Jeffers & Lehiste (1982), split é um termo técnico usado para se referir à troca de um segmento por outros
dois ou mais, em diferentes contextos fonéticos. Fusão, por outro lado, descreve um processo por meio do qual dois
ou mais segmentos são substituídos por um único.
95
Silva (1999) e Praça (1999) têm uma interpretação diferente para os dados do Parakanã e do Tapirapé,
respectivamente, porque consideram /t/ como fonema nessas línguas.
96
Ladefoged & Maddieson (1996: 236) explicam que essa fricativa uvular é marca do dialeto da Nortúmbria, falado no
noroeste da Inglaterra, e do inglês falado em Serra Leoa.
68

A fricativa uvular vozeada // ([+radical]) do Avá-Canoeiro tem sua origem: 1) na vibrante simples

alveolar // ([+coronal]), em início ou final de palavras, ou seja, nas posições de onset ou de coda (* > / #

___; * > / __ #), ou em início de sílabas finais (* > / $__ #); 2) nas africadas *ts e *t, em início de

sílabas iniciais e finais, respectivamente, antes de /u/ (*ts > / # __u; *t > /$ __u), como anteriormente

explicitado. É o que ilustram os exemplos abaixo.

(90) 133. *o > o „frio‟

(91) 130. *pot > pot „flor‟

(92) 76. *po > po „contas, miçanga, colar‟

(93) 54. *u > -ipu „cesta‟

(94) 304. *kauk > kauk „urinar‟

(95) 21. *tsupi > upi „através‟

(96) 142. *utu > uu „grande‟

O aparecimento dessa fricativa no Avá-Canoeiro parece estar fortemente ligado às vogais


[+posterior]97, manifestando um processo de assimilação, já que // é [-posterior] e //, [+posterior]. É antes

da vogal posterior alta /u/ que tanto *ts quanto *t passam a // (cf. (95) e (96), acima). É também em

contigüidade às vogais posteriores //, /a/, /u/ e /o/ que * do PTG dá origem muitas vezes à // do Avá-

Canoeiro, como se segue:

(97)
Glosa Proto-Tupi-Guarani Avá-Canoeiro
310. verde, não maduro *k k

280. sol *ka ka

231. pescoço *aju -aju

133. frio *o o

Assim,
69

(98) *ts, *t, * > / [+posterior]

No entanto, há vários casos em que * do PTG mantém-se como // em Avá-Canoeiro (cf., por

exemplo, na lista de cognatos, (214) e (217) entre // e /a/; (224) antes de /a/; (286) depois de /a/; (173) e

(285), antes e depois de /u/; e (152), depois de /o/). Por outro lado, há casos em que * do PTG passa à

fricativa uvular // em Avá-Canoeiro em contigüidade a vogais [-posterior] (cf. (172), após /i/).

Portanto, a mudança de * do PTG para // em Avá-Canoeiro pode ser considerada uma mudança

esporádica (embora condicionada pelo traço [+posterior] das vogais) e não regular, já que ocorreu muitas
vezes, embora não tenha afetado todos os * da língua em proximidade a vogais [+posterior]. Conforme

Campbell (2001: 17), sporadic changes affect only one or a few words, and do not apply generally
throughout the language; that is, a change is considered sporadic if we cannot predict which words in a
language it will affect.
Sincronicamente, há pelo menos dois casos em que [] alterna com [], em variação livre, após a

vogal anterior /e/:

(99) /mapea/ [mape]  [mape] „papel‟

(100) /o+ke/ [+ke]  [+ke]98 „ele dormiu‟


3sg-dormir

Segundo a Profa. Alexandra Aikhenvald (em e-mail de 16/11/2004), as línguas ameaçadas de


extinção possuem uma série de características diferentes das línguas „saudáveis‟. Uma delas é a variação
livre entre vários fonemas, tal como ocorre em Avá-Canoeiro com o // e o //.

Das línguas do Subgrupo IV somente o Avá-Canoeiro possui essa fricativa uvular vozeada //,

característica que certamente será muito importante para um maior conhecimento desse subgrupo e até para
uma possível revisão e um rearranjo de seus sub-agrupamentos.
Conforme afirma Hamp (1958: 332-333), “the only criterion for genetic proximity consists in the
recognition of a decisive set, whether in number or in structural placement, of shared structural innovations;

97
A abordagem aqui considerada é a de Chomsky & Halle (1968), segundo a qual são [+posterior] vogais como [, a, u,
u, o, ã, õ] e consoantes velares e uvulares.
98
Exemplo referente à variedade de Canoanã. Em Minaçu, como já foi visto, a raiz de „dormir‟ é k.
70

and these must be innovations by addition or replacement, rather than by loss” (grifos meus)99. Assim, se
compararmos as línguas do Subgrupo IV com relação a “inovações estruturais compartilhadas” no inventário
consonantal, perceberemos que o Avá-Canoeiro separa-se do Tapirapé, do Asurini do Tocantins, do Suruí do
Tocantins, do Parakanã, do Tembé e do Guajajára, como se segue:

(101)
Presença do // Ausência do //

Avá-Canoeiro Tapirapé, Asurini do Tocantins, Surui do Tocantins,


Parakanã, Tembé, Guajajára

No momento, o conhecimento de que disponho da língua Avá-Canoeiro ainda é muito incipiente para
propor qualquer revisão da classificação das línguas Tupi-Guarani, nem tampouco é meu objetivo nesse
estudo fazer isso. Contudo, levanto a questão, que deverá ser melhor investigada em trabalhos posteriores.

5. Considerações sobre as mudanças fonológicas do Proto-Tupi-Guarani ao Avá-Canoeiro: as vogais

5.1. As vogais orais

As vogais altas do PTG, *i, *, *u, mantiveram-se idênticas em Avá-Canoeiro, em todas as posições
silábicas, como se segue:

*i

(102) i (*i > i/ #__) 120. *ite > ite „eu‟

(103) i (*i > i/ __#) 149. *jaoti > jaoti „jaboti‟

(104) i (*i > i/ C__) 222. *potia > -potia „peito‟

*

(105)  (* > / #__) 30. *u > u „beber‟

99
Campbell (2001: 170) afirma que uma inovação compartilhada é o único critério aceito para o sub-agrupamento de
línguas. Para esse autor, a shared innovation is a linguistic change which shows a departure (innovation) from some
71

(106)  (* > / __#) 270. *en > en „saliva‟

(107)  (* > / C_) 183. *mtu > mtu „mutum‟

*u

(108) u (*u > u/ #__) 204. *upia > -upia „ovo‟

(109) u (*u > u/ __#) 209. *ajuu > ajuu „papagaio‟

(110) u (*u > u/ C__) 143. *uu > uu „inchar‟

(111) u (*u > u/ __C) 245. *tu > tu „pulga, bicho de pé‟

As vogais médias de PTG, por outro lado, mantiveram-se iguais ou passaram por alguma
transformação. *e permaneceu /e/ no Avá-Canoeiro, à exceção de um único caso (cf. item (157)), em que
passou por um processo de posteriorização, tornando-se /o/, seguido de consoante. O *o manteve-se como
/o/, mas no item (83) tornou-se /u/, em sílaba medial, evidenciando um processo de levantamento vocálico. É
o que os exemplos abaixo confirmam.

*e

(112) e (*e > e/ #__) 59. *etun > etun „cheirar‟

(113) e (*e > e/ __#) 1. *aemee, ajme > ajme „afiado‟

(114) e (*e > e/ C__) 252. *tsej > ej „querer‟

(115) e (*e > e/ __C) 238. *nem, em > nem „podre‟

(116) o (*e > o/ __C) 157. *ej > joj „lavar‟

trait of the proto-language and is shared by a subset of the daughter languages.


72

*o

(117) o (*o > o/ #__) 49. *ok > -ok „casa‟

(118) o (*o > o/ __#) 65. *itpo > po „cipó‟

(119) o (*o > o/ C__) 128. *poi > poi „fino‟

(120) u (*o > u/ C__) 83. *akoti > akuti „cotia‟

A vogal central baixa *a manteve-se em Avá-Canoeiro, exceto em „amarrar‟, em que se tornou //,
antecedendo consoante, como nos exemplos abaixo.

*a

(121) a (*a > a/ #__) 138. *akã > akã „galho‟

(122) a (*a > a/ __#) 125. *pa > -pa „fígado‟

(123) a (*a > a/ C__) 304. *kauk > kauk „urinar‟

(124) a (*a > a/ __C) 253. *uwaj > -uwaj „rabo‟

(125)  (*a > / __C) 8. *pa > jok „amarrar‟

Segundo Facó Soares & Leite (1991), houve mudança de *a para // em Asurini do Tocantins,
Asurini do Xingu, Parakanã e Tapirapé.

5.2. As vogais nasais


73

As vogais nasais centrais do PTG, * e *ã, mantiveram-se no sistema fonológico do Avá-Canoeiro

sem modificações, como indicam os seguintes exemplos:

*

(126)  (* > / C__) 186. *-apj > -apj „nariz‟

*a

(127) ã (*ã > ã/ #__) 93. *ãj > -ãj „dente‟

(128) ã (*ã > ã/ __#) 182. *kujã > kujã „mulher‟

(128) ã (*ã > ã/ C__) 14. *kaãj > kaaj „arranhar‟

As vogais nasais *i, *u e *õ do PTG mantiveram-se idênticas em Avá-Canoeiro, ou sofreram um

processo de desnasalização, como será visto em (5.2.1.).

*i

(129) i (*i > i/ __#) 62. *ati > -ati „chifre‟

*u

(130) u (*u > u/ __#) 236. *piu > piu „pium‟

(131) õ (*õ > õ/ C__) 56. *enõj > enõj „chamar‟

A anterior média *e, por sua vez, manteve-se como /e/ em Avá-Canoeiro, como nos itens (207) e

(208); passou por processo de desnasalização (cf. (5.2.1.)), como no item (295); desnasalizou-se e passou por
74

levantamento, tornando-se /i/ em final de palavra (cf. itens (301) e (302)), ou ainda, foi apagada nessa mesma
posição (cf. item (319)), como confirmam os dados abaixo.

*e

(132) e (*e > e/ __#) 207. *jae > jae „panela‟

(133) e (*e > e/ C__) 208. *jaepepo > jae+pepo „panela‟

(134) i (*e > i/ __#) 209. *pã-pe  > -kã-api „unha da mão‟

(135)  (*e > / __#) 319. *pe...e > pe „vocês‟

5.2.1. Desnasalização de vogal final

Houve tendência à desnasalização das vogais *i ,*e, *u e *õ, em final de palavra, como demonstram

os exemplos a seguir.

(136) i (*i > i/ __#) 80. *kti > kti „cortar‟

(137) e (*e > e/ __#) 295. *pe > pe „trançar‟

(138) u (*u > u/ __#) 180. *jatiu > tiu „mosquito‟

(139) o (*õ > o/ __#) 177. *manõ > mano „morrer‟

6. À guisa de conclusão

Neste estudo vimos que o sistema fonológico consonantal do PTG reduziu-se no Avá-Canoeiro, em
decorrência da perda total da série palatalizada, da africada *ts, da oclusiva glotal * e da fricativa bilabial
75

*. Por outro lado, houve „ganhos‟. A mudança mais marcante parece ter sido o surgimento da fricativa

uvular vozeada //, inexistente nas demais línguas Tupi-Guarani, a partir de *ts, *t, e *, em contigüidade a

vogais com o traço [+posterior]. No entanto, ressalto, essa mudança não afetou todas as palavras da língua
que tinham esse contexto fonológico propício.
As vogais do PTG, por sua vez, mantiveram-se intactas ou passaram por pequenas modificações em
palavras específicas, não caracterizando mudança regular e sistemática. A mudança vocálica mais freqüente
foi a desnasalisação de vogais anteriores e posteriores em final de palavra. Os padrões silábicos
permaneceram (V, CV, CVC, VC) e o acento deslocou-se para a esquerda, fazendo com que as palavras da
língua sejam eminentemente paroxítonas.
No que concerne aos critérios que Rodrigues & Cabral (2002) apontam como classificatórios para o
Subgrupo IV das línguas Tupi-Guarani, o Avá-Canoeiro apresenta os seguintes:
(a) conservação das consoantes finais, com ou sem modificações, diferentemente do que houve com
outras línguas Tupi-Guarani, como, por exemplo, o Guarani (Dooley, 1982) e o Waiampi (do Jarí) (Jensen,
1989);
(b) mudança de *p em k (cf. (4.1)).

Espero que este trabalho, embrionário ainda, venha a contribuir para um maior conhecimento do
Avá-Canoeiro, bem como para a compreensão das relações que se estabelecem entre essa língua e as demais
da Família Tupi-Guarani. Evidentemente, este estudo é apenas um passo inicial para isso, e somente será
possível compreender bem as relações tanto entre o Proto-Tupi-Guarani e o Avá-Canoeiro quanto entre o
Avá-Canoeiro e as demais línguas Tupi-Guarani quando soubermos mais sobre a fonologia e a morfossintaxe
dessa língua.

Abstract: This article aims at presenting phonological correspondences between the Avá-Canoeiro language, which
belongs to the Tupi-Guarani family, and the Proto-Tupi-Guarani, reconstructed by Lemle (1971) e Rodrigues &
Dietrich (1997). 252 pairs of cognates are compared in order to discuss the probable historical development of Avá-
Canoeiro and his membership to the Tupi-Guarani family. This study also presents some discussion about the stress
and the syllables of the Avá-Canoeiro language.

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