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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO, SOCIAIS E

HUMANAS

MONOGRAFIA

OS DESVIOS LINGUÍSTICOS NOS LETREIROS, PLACARES


PUBLICITÁRIOS OU OUTDOORS NOS ARREDORES DA
CIDADE DO LOBITO

ESTUDANTE: Elias Idalino Kuyola

CURSO: ENSINO DO PORTUGUÊS E LÍNGUAS NACIONAIS

ORIENTADOR: David Calivala, Msc.

BENGUELA, 2023
1
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO, SOCIAIS E
HUMANAS

MONOGRAFIA

Para a obtenção do grau de Licenciatura em Ensino do


Português e Línguas Nacionais

OS DESVIOS LINGUÍSTICOS NOS LETREIROS, PLACARES


PUBLICITÁRIOS OU OUTDOORS NOS ARREDORES DA
CIDADE DO LOBITO

ELIAS IDALINO KUYOLA

Benguela, este trabalho foi realizado no Instituto Superior Politécnico


Jean Piaget no período entre Abril de 2022 a Fevereiro de 2023

2
DEDICATÓRIA
Sem a direção dada por Deus, a conclusão deste trabalho não seria possível.
Por causa disso, dedico esta monografia a Ele. Com muita gratidão no coração.

Aos meus pais, que incansavelmente prestaram os devidos apoios, tanto


financeiro e emocional, para que tornassem essa jornada possível. Dedico também este
trabalho, a todos aqueles que de forma directa ou indirecta contribuíram para a
solidificação desta empreitada.

3
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço aos meus pais, meus maiores incentivadores,


que acreditaram em meus sonhos e objectivos. Agradeço à universidade, que
abriu portas para que estes sonhos se tornassem realidade. Agradeço
também ao corpo docente assim como ao meu orientador, que me auxiliaram
nessa caminhada para que esta obra fosse concluída de maneira satisfatória.

4
PENSAMENTO
“Floresça, fale, cante, ouça-se e viva a portuguesa língua, e já onde for, Senhora vá de
si, soberba e altiva!”

(Antônio Ferreira)

5
RESUMO
No presente trabalho trazemos uma abordagem reflexiva sobre os desvios linguísticos
nos letreiros, placares publicitários ou outdoors existentes nos arredores do município
do Lobito. Para tal, foi necessário olharmos para os conceitos de letreiros e placares
publicitários de modo a melhor esclarecermos o contexto da nossa abordagem. Ainda
com o intento de uma boa contextualização, buscamos o conceito de desvio linguístico
que nos remete para toda e qualquer realização linguística – oral ou escrita – à margem
do estabelecido pela norma padrão da língua. Constatamos, na nossa pesquisa, a
existência de vários desvios linguísticos, no domínio da escrita, em vários letreiros e
placares publicitários espalhados pelos arredores da cidade do Lobito, sobretudo,
ligados à concordância nominal, à acentuação gráfica, à pontuação; que, em nosso
entender, interferem de forma negativa no uso do português pelos
habitantes/moradores da cidade do Lobito e arredores. Pelo que, achamos nós que é
necessário que o Estado, as empresas e os professres de Língua Portuguesa se
envolvam, cada um na sua área, de modo a se ultrapassar tal problema.

Palavras-chaves: desvios linguísticos, letreiros, placares publicitários, oralidade, escrita,


concordância nominal, acentuação gráfica, pontuação

6
ABSTRACT
In the present work we bring a reflective approach on the linguistic deviations in the
signs, advertising boards or billboards existing in the surroundings of the municipality of
Lobito. For this, it was necessary to look at the concepts of advertising signs and
billboards in order to better clarify the context of our approach. Still with the intention of a
good contextualization, we seek the concept of linguistic deviation that refers us to any
and all linguistic accomplishments – oral or written – outside what is established by the
standard norm of the language. We verified, in our research, the existence of several
linguistic deviations, in the field of writing, in several advertising signs and placards
scattered around the city of Lobito, above all, linked to nominal agreement, graphic
accentuation, punctuation; which, in our opinion, negatively interfere with the use of
Portuguese by the inhabitants of the city of Lobito and surroundings. Therefore, we
believe that it is necessary for the State, companies and Portuguese language teachers
to get involved, each in their own area, in order to overcome this problem.

Keywords: linguistic deviations, signs, billboards, orality, writing, nominal agreement,


graphic accentuation, punctuation.

7
ÍNDICE
DEDICATÓRIA ................................................................................................................. 3
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... 4
PENSAMENTO ................................................................................................................ 5
RESUMO.......................................................................................................................... 6
ABSTRACT ...................................................................................................................... 7
ÍNDICE ............................................................................................................................. 8
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
CAPÍTULO I: GENERALIDADES SOBRE DESVIOS LINGUÍSTICOS .......................... 14
1.1. Origem e evolução da Língua Portuguesa ........................................................ 15
1.2. Linguagem, língua e fala ................................................................................... 18
1.2.1. Linguagem .................................................................................................. 18
1.2.2. Língua ......................................................................................................... 21
1.2.3. Fala............................................................................................................. 23
1.3. Norma e desvio à norma ................................................................................... 24
1.4. O sistema fonético/fonológico do português ..................................................... 24
1.5. A ortografia do português .................................................................................. 28
1.6. Relação entre fonologia, morfologia, sintaxe e semântica ................................ 30
CAPÍTULO II: ANÁLISE DE ALGUNS CASOS DE DESVIO LINGUÍSTICO E O SEU
TRATAMENTO À LUZ DA GRAMÁTICA NORMATIVA ................................................. 32
CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO ................................................... 39
2.1. Tipo de pesquisa ............................................................................................... 40
2.2. Métodos e técnicas de pesquisa ....................................................................... 41
2.3. População e amostra ........................................................................................ 42
CONCLUSÕES .............................................................................................................. 43
RECOMENDAÇÕES ...................................................................................................... 44
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 45

8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa trazer uma abordagem reflexiva sobre os desvios
linguísticos observados nos letreiros, painéis publicitários, cartazes ou outdoors
espalhados pelas artérias da cidade do Lobito, incluindo a via publica e
estabelecimentos comerciais.

De acordo com a infopédia, um painel publicitário, cartaz ou outdoor, é um painel


de divulgação publicitária colocado no exterior de grandes dimensões, sobretudo em
placas modulares, disposto em locais de grande visibilidade, como à beira
de rodovias ou nas empenas de edifícios nas cidades1.

Segundo a mesma fonte, a palavra outdoor é de origem inglesa e, em inglês,


essa palavra tem um sentido totalmente diferente do significado que a mesma tem em
português. Billboard ou hoarding (hoarding é billboard em ingles britânico) são as
palavras inglesas para qualquer propaganda (painel, letreiro luminoso, letreiro em
parede, muro etc.) exposta ao ar livre ou à margem das vias públicas. Contudo é
importante ressaltar que existem padrões, e nem toda mídia exterior é comercialmente
chamada de outdoor. Painéis rodoviários, empenas, bandeiras, lonas, frontlights,
backlights e totens, são outros exemplos de mídia exterior, popular e erroneamente
chamadas de outdoor.

Actualmente, as empresas, os estabelecimentos, os prestadores de serviços em


todo o mundo, inclusive em Angola e, particularmente, na cidade do Lobito, usam os
letreiros e outdoors com a finalidade de dar a conhecer, informar, anunciar ao público
sobre a existência daqueles, sua localização, seus produtos e serviços. Além deste
objectivo premeditado há, pelo menos, um outro objectivo – muitas vezes ignorado por
quem produz os letreiros e outdoors – que é o de funcionar como factor de
uniformização da língua que, enquanto principal meio de comunicação humana, ocupa
o lugar de maior destaque nos letreiros e outdoors ou painéis publicitários.
Considerando este segundo objectivo implícito, torna-se necessário que se tenha em
atenção a norma padrão da Língua Portuguesa, enquanto língua oficial e veicular em

1 Infopédia. http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/outdoo, consultado a 24 de Agosto de 2022


9
Angola , pois mesmo sem que seja intencional, pela sua dimensão e alcance massivo,
os letreiros e painéis publicitários acabam por influenciar o uso da língua por aqueles
que entram em contacto com estes, resultando no uso correcto ou incorrecto da língua
de comunicação – no nosso caso, da Língua Portuguesa.

Vale lembrar que o uso correcto de uma língua implica, necessariamente, o


recurso à norma padrão dessa mesma língua, ou seja, é necessário que se conheça, se
assimile e se compreenda as regras, os princípios que regem o uso correcto de uma
língua para que se possa usá-la correctamente. A ser assim, no caso da Língua
Portuguesa, é necessário que se estude e se conheça as normas, os princípios para o
seu uso correcto. Caso contrário, continuaremos a assistir aos constantes e, muitas
vezes, perigosos desvios à norma padrão que se têm registado em vários letreiros e
outdoors espalhados pelas artérias da cidade do Lobito.

Estruturalmente, o nosso trabalho está articulado em três capítulos. O primeiro


capítulo é das generalidades sobre desvios linguísticos, onde abordaremos de forma
resumida sobre a origem e evolução da Língua Portuguesa, os conceitos de
Linguagem, língua e fala, o sistema fonético do português, norma e desvio à norma, a
ortografia do português e, por fim, a relação entre fonologia, morfologia, sintaxe e
semântica. No capítulo dois, fizemos a análise de alguns casos de desvios linguísticos
nos letreiros, placares publicitários ou outdoors nos arredores da cidade do Lobito e o
seu tratamento à luz da gramática normativa. No terceiro e último capítulo, abordámos
sobre a metodologia de investigação adoptada, onde apresentamos os tipos de
pesquisa feitas bem como os métodos utilizados na realização da pesquisa.

Desse modo, a nossa pesquisa científica subordina-se ao tema “Os desvios


linguísticos nos letreiros, placares publicitários ou outdoors nos arredores da cidade do
Lobito.” A justificativa do tema deve-se ao facto de a visibilidade dos letreiros e
outdoors alcança um número bastante elevado da população de uma determinada
comunidade e, consequentemente, de falantes de uma determinada língua, incluindo
crianças, jovens, adultos, idosos, homens, mulheres, académicos, não académicos,
profissionais de distintas áreas, entre outros. Ou seja, atinge todos os estractos da
sociedade. Basta que saiamos à rua para estarmos expostos as mais diversas

10
publicidades e informações espalhadas pela cidade e, consequentemente, aos desvios
linguísticos que muitas destas publicidades acarretam. Tal situação é, em nosso
entender, deveras preocupante, pois propicia o uso incorrecto/desviante da língua tida
como oficial, veicular e de escolaridade. Pelo que, entendemos ser pertinente um
estudo de tal fenómeno, de modo a podermos compreendê-la e procurarmos
mecanismos para a sua superação.

Diante do tema a que nos propomos abordar, levantamos como problema de


investigação o seguinte: Que factores estão na base dos desvios linguísticos nos
placares publicitários e outdoors nos arredores da cidade do Lobito?

Para alicerçarmos a nossa investigação, levantamos as seguintes questões de


investigação:

1) Quais são os fundamentos teóricos sobre os desvios linguísticos?


2) Que impacto têm os desvios linguísticos nos placares publicitários e outdoors
nos arredores da cidade do Lobito sobre o uso do português pelos habitantes da
cidade do Lobito?
3) De que forma o desvio ortográfico interfere na compreensão do sentido de uma
expressão ou de um texto?
4) Que estratégias devem ser adoptadas para se acabar com os desvios
linguísticos nos placares publicitários e outdoors nos arredores da cidade do
Lobito?

Em função do problema e das questões científicas levantadas, traçamos os


seguintes objectivos para a nossa pesquisa:

Objectivo Geral

 Compreender os factores que estão na base dos desvios linguísticos nos


letreiros e placares publicitários ou outdoors nos arredores da cidade do Lobito.

Objectivos Específicos

 Apresentar a fundamentação teórica sobre desvios linguísticos;

11
 Reflectir sobre o impacto que têm os desvios linguísticos nos placares
publicitários e outdoors nos arredores da cidade do Lobito sobre o uso do
português pelos habitantes da cidade do Lobito;
 Reflectir de que forma o desvio ortográfico interfere na compreensão do sentido
de uma expressão ou de um texto;
 Propor algumas estratégias que devem ser adoptadas para se acabar com os
desvios linguísticos nos letreiros, placares publicitários ou outdoors nos
arredores da cidade do Lobito.

Segundo Marconi e Lakatos2, o método é o conjunto das actividades


sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o
objectivo – conhecimentos válidos e verdadeiros – traçando o caminho a ser seguido,
detectando erros e auxiliando as decisões do cientista.

Dada a especificidade do nosso trabalho e do rigor científico que a ele se exige,


apoiamo-nos em alguns métodos que nos permitirão alcançar os objectivos
previamente elaborados. Assim, seleccionamos os seguintes métodos de pesquisa:

 Pesquisa bibliográfica

Entende-se por pesquisa bibliográfica a revisão da literatura sobre as principais


teorias que norteiam o trabalho científico. Essa revisão é o que chamamos de
levantamento bibliográfico ou revisão bibliográfica, a qual pode ser realizada em livros,
periódicos, artigo de jornais, sites da Internet entre outras fontes. Consiste na etapa
inicial de todo o trabalho científico ou académico, com o objectivo de reunir as
informações e dados que servirão de base para a construção da investigação proposta
a partir de determinado tema.3

Este método permitir-nos-á o contacto directo com tudo que foi escrito, dito ou
filmado sobre desvios linguísticos, desde gramáticas, publicações avulsas, revistas,
boletins, jornais, livros, pesquisas, monografias, teses, etc., ou seja, recolher, analisar e
compilar toda a informação necessária à realização do trabalho.

2 Maria de Andrade MARCONI e Eva Maria LAKATOS, Fundamentos de Metodologia Científica. 5.ª ed.,
Atlas, São Paulo, 2003, p. 83
3 Ibdem, p. 86

12
 Método Indutivo

Na perspectiva de Marconi e Lakatos4, indução é o processo mental por


intermédio do qual, partindo de dados particulares suficientemente constatados, infere-
se uma verdade geral ou universal não contida nas partes examinadas. Este método
permitir-nos-á, a partir dos dados específicos a partir de um número determinado de
letreiros e outdoors, chegarmos a conclusões mais amplas, mais gerais.

 Método Dedutivo

Contrariamente a indução, a dedução consiste em inferir-se uma verdade


particular, partindo de dados gerais. Este método ajudar-nos-á a perceber melhor o
nosso problema de pesquisa, que é particular, partindo dos conhecimentos e conteúdos
gerais existentes a respeito do mesmo5.

 Método Monográfico.

O método monográfico consiste no estudo de determinados indivíduos,


profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter
generalizações6.

Este método permitir-nos-á obter generalizações sobre os desvios linguísticos,


em função dos elementos recolhidos a partir do trabalho de campo feito nos arredores
da cidade do Lobito.

4 Maria de Andrade MARCONI e Eva Maria LAKATOS, op. Cit., p. 86


5 Ibdem, p. 106
6 Ibdem, p. 108

13
CAPÍTULO I: GENERALIDADES SOBRE DESVIOS
LINGUÍSTICOS

14
1.1. Origem e evolução da Língua Portuguesa

Neste ponto, apoiar-nos-emos na abordagem de Evanildo Bechara7, na obra


“Moderna Gramática Portuguesa, segundo a qual, a língua portuguesa é a continuação
ininterrupta, no tempo e no espaço, do latim levado à Península Ibérica pela expansão
do império romano, no início do séc. III a.C., particularmente no processo de
romanização dos povos do oeste e noroeste (lusitanos e galaicos), processo que
encontrou tenaz resistência dos habitantes originários dessas regiões. Depois do
processo de romanização, sofreu a Península a invasão dos bárbaros germânicos, em
diversos momentos e com diversidade de influências, que muito contribuíram para a
fragmentação linguística da Hispânia: em 409 foi a vez dos alanos, vândalos e suevos;
em 416, dos visigodos. Deste contacto encontramos como resultado a visível influência
germânica, especialmente dos visigodos, no léxico e na onomástica. No século VIII, em
711, voltou a Península a ser invadida pelos árabes, consumando a série de fatores
externos que viriam a explicar a diferenciação linguística do português no mosaico
dialetal que hoje conhecemos; apesar do largo contributo na cultura e na língua –
especialmente no léxico –, a permanência muçulmana não teve força suficiente para
apagar as indeléveis marcas de romanidade das línguas peninsulares. O longo
movimento de Reconquista anti-islâmico, começado já em 718, prolongou-se por
séculos. Já no século X este processo tinha favorecido o nascimento de núcleos
cristãos na parte norte e noroeste da Península, lançando os fundamentos de uma
divisão linguística bem próxima da divisão administrativa: 1– Condado da Galiza
(galego-português); 2– Reino de Leão e das Astúrias (ásturo-leonês); 3– Condado de
Castela (castelhano); 4– Reino de Navarra (basco e navarro-aragonês); 5– Reino de
Aragão e Condado de Barcelos (catalão). Em 1095, Afonso VI concede autonomia à
Província Portucalense, e, em 1139, Afonso Henriques se proclama o primeiro rei de
Portugal. Foi este falar comum à Galiza e ao território portucalense que o processo de
Reconquista propagou em direção ao sul, sobrepondo-se aos dialetos moçárabes aí
correntes. Já com a ajuda de cruzados ingleses, alemães, franceses e flamengos, e sob
a bandeira portuguesa prossegue a reconquista de novas cidades do sul, tomadas aos

7Cf.Evanildo BECHARA, Moderna Gramática Portuguesa, 37.ª ed., Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2009,
p. 11-13
15
muçulmanos: Santarém, em março de 1147 e Lisboa, em outubro do mesmo ano. Até o
séc. XV, segundo Orlando Ribeiro, o Minho ainda não constituía limite linguístico entre
o galego e o português.

O português, na sua feição originária galega, surgirá entre os séculos IX-XII, mas
seus primeiros documentos datados só aparecerão no século XIII: o Testamento de
Afonso II e a Notícia de torto. Curiosamente, a denominação “língua portuguesa” para
substituir os antigos títulos “romance” (“romanço”), “linguagem”, só passa a correr
durante os escritores da Casa de Avis, com D. João I. Foi D. Dinis que oficializou o
português como língua veicular dos documentos administrativos, substituindo o latim.
Entre os séculos XV e XVI, Portugal ocupa lugar de relevo no ciclo das grandes
navegações, e a língua, “companheira do império”, se espraia pelas regiões incógnitas,
indo até o fim do mundo, e, na voz do Poeta, “se mais mundo houvera lá chegara” (Os
Lusíadas, VII, 14). Depois da expansão interna que, literária e culturalmente, exerce
ação unificadora na diversidade dos falares regionais, mas que não elimina de todo
essas diferenças refletidas nos dialetos, o português se arroja, na palavra de indômitos
marinheiros, pelos mares nunca d‘antes navegados, a fim de ser o porta-voz da fé e do
império. São passos dessa gigantesca expansão colonial e religiosa, cujos efeitos, além
da abertura dos mares, especialmente o Atlântico e o Índico, foram, segundo afirmação
de Humboldt, uma duplicação do globo terrestre.

1415 – expedição a Ceuta sob o comando do próprio Rei

1425-1439 – Madeira e Açores

1444 – Cabo Verde, com início de povoamento em 1462

1446 – Guiné

1483-1486 – Angola (primeiros contatos) e colonização de S. Tomé e Príncipe

1498 – Vasco da Gama chega à Índia e passa por Moçambique

1500 – Brasil

1511 – Malaca e Malucas

1512 – Saião e Bornéu

16
1515 – Ormuz

1518 – Colombo

1536 – Damão

1547 – Macau além das ilhas de Samatra, Java e Timor.

Tomado o séc. XIII como início da fase a que Leite de Vasconcelos chamou
português histórico, isto é, documentado historicamente, podemos dividi-lo em períodos
linguísticos, cujas delimitações não conseguem, entre os estudiosos, concordância
unânime. A dificuldade de consenso advém de vários factores: o terem as propostas
fundamento em textos escritos que, como sabemos, mascaram a realidade e as
mudanças linguísticas; o não terem os fenômenos sua data de nascimento e morte; e,
finalmente, constitui elemento perturbador nesta ordem de estudos a influência de
factores estético-literários que, conforme sua orientação conservadora ou progressista,
atrasa ou acelera determinadas tendências linguísticas. Foi o que aconteceu com o
chamado latim literário sob a influência grega; com o português europeu sob o influxo
do Humanismo e Renascimento, e com o português do Brasil, sob a acção iconoclasta
inicial do Modernismo.

Adotaremos aqui a seguinte proposta, incluindo na primeira fase a realidade


galegoportuguesa:

a) português arcaico: séc. XIII ao final do XIV

b) português arcaico médio: 1.ª metade do séc. XV à 1.ª metade do séc. XVI

c) português moderno: 2.ª metade do séc. XVI ao final do XVII (podendo-se


estender aos inícios do séc. XVIII)

d) português contemporâneo: séc. XVIII aos nossos dias.

Ao primeiro período pertencem, além dos textos administrativos de leis, forais e


ordenações, a poesia palaciana encerrada nos Cancioneiros medievais (Ajuda,
Vaticana e Biblioteca Nacional, antigo Colocci Brancuti), as Cantigas de Santa Maria,
algumas vidas de santos (Barlaão e Josafá, S. Aleixo, etc., traduções, em geral, de
textos latinos, que chegaram até nós, quase sempre, em cópias mais modernas), o

17
Livro das Aves, o Fabulário de Esopo, a Demanda do Santo Graal, Corte Imperial, entre
muitas.

Ao segundo período pertencem o Livro da Montaria, de D. João I, Leal


Conselheiro e Livro da Ensinança de Bem Cavalgar toda Sela de D. Duarte, as crônicas
de Fernão Lopes (D. João I, D. Pedro, D. Fernando), de Zurara (Crônica dos Feitos da
Guiné, Crônica da Tomada de Ceuta), a Crônica dos Frades Menores, as crônicas de
Rui Pina, entre muitas outras obras.

Ao terceiro período pertencem as obras históricas de João de Barros, Diogo do


Couto, Fernão Lopes de Castanheda, Damião de Góis, Gaspar Correia, o Palmeirim de
Inglaterra de Francisco de Morais, a Etiópia Oriental de Frei João dos Santos, a obra
literária de Sá de Miranda e o teatro clássico de Antônio Ferreira, a prosa mística da
Imagem da Vida Cristã de Heitor Pinto, os Diálogos de Amador Arrais, os Trabalhos de
Jesus de Tomé de Jesus e a Consolação às Tribulações de Israel, de Samuel Usque, a
Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, Pero Magalhães de Gandavo, mas a todos
excede Luís de Camões que, não sendo “propriamente o criador do português moderno
(...), libertou-o de alguns arcaísmos e foi um artista consumado e sem rival em burilar a
frase portuguesa, descobrindo e aproveitando todos os recursos de que dispunha o
idioma para representar as ideias de modo elegante, enérgico e expressivo.
Reconhecida a superioridade da linguagem camoniana, a sua influência fez-se sentir na
literatura de então em diante até os nossos dias” .

1.2. Linguagem, língua e fala

1.2.1. Linguagem

A linguagem pode se referir tanto à capacidade especificamente humana para


aquisição e utilização de sistemas complexos de comunicação quanto a uma instância
específica de um sistema de comunicação complexo. O estudo científico da linguagem,
em qualquer um de seus sentidos, é chamado linguística.

18
Cunha e Cintra definem a linguagem como “um conjunto complexo de processos
– resultado de uma certa actividade psíquica profundamente determinada pela vida
social – que torna possível a aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer.”8

Segundo estes autores, o termo usa-se também para designar todo o sistema de
sinais que serve de meio de comunicação entre os indivíduos. Desde que se atribua
valor convencional a determinado sinal, existe uma linguagem, ou seja, a linguagem
falada ou articulada.

A linguagem humana enquanto sistema de comunicação é fundamentalmente


diferente e muito mais complexa do que as formas de comunicação das outras
espécies, já que se baseia em um diversificado sistema de regras relativas a símbolos
para os seus significados, resultando em um número indefinido de possíveis
expressões inovadoras a partir de um finito número de elementos.

Segundo Bechara,

“Entende-se por linguagem qualquer sistema de signos simbólicos empregados


na intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e sentimentos,
isto é, conteúdos da consciência. A linguagem se realiza historicamente
mediante sistemas de isoglossas comprovados numa comunidade de falantes,
conhecidos com o nome de línguas, como veremos adiante. Tal conceituação
envolve as noções preliminares do que seja sistema, signo, símbolo e
intercomunicação social.”9

De acordo com os especialistas,

“a linguagem pode ter se originado quando os


primeiros hominídeos começaram a cooperar, adaptando sistemas anteriores
de comunicação baseados em sinais expressivos a fim de incluir a teoria da
mente, compartilhando assim intencionalidade. Nessa linha, este
desenvolvimento pode ter coincidido com o aumento do volume do cérebro, e
muitos linguistas veem as estruturas da linguagem como tendo evoluído a fim
de servir a funções comunicativas específicas. A linguagem é processada em
vários locais diferentes do cérebro humano, mas especialmente na área de

8 Celso CUNHA e Luís F. Lindley CINTRA, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 18.ª ed.,
Edições João Sá da Costa, Lisboa, 2005, p. 1
9 Evanildo BECHARA, op. Cit., p. 16

19
Broca e na Área de Wernicke. Os seres humanos adquirem a linguagem
através da interacção social na primeira infância. As crianças geralmente já
falam fluentemente quando estão em torno dos três anos de idade. ”10

O uso da linguagem tornou-se profundamente enraizado na cultura humana,


além de ser empregada para comunicar e compartilhar informações. A linguagem
também possui vários usos sociais e culturais, como a expressão da identidade,
a estratificação social, a manutenção da unidade em uma comunidade e
o entretenimento. A palavra "linguagem" também pode ser usada para descrever o
conjunto de regras que torna isso possível, ou o conjunto de enunciados que podem
produzir essas regras.

Outra definição vê a linguagem como um sistema formal de signos, regidos por


regras gramaticais que quando combinadas geram significados. Esta definição enfatiza
o facto de que as línguas humanas podem ser descritas como sistemas estruturais
fechados constituídos de regras que relacionam sinais específicos com significados
específicos. Esta visão estruturalista da linguagem foi primeiramente introduzido
por Ferdinand de Saussure, sendo seu estruturalismo fundamental para a maioria das
abordagens da linguística actual. Alguns defensores deste ponto de vista têm defendido
uma abordagem formal para estudar as estruturas da linguagem, privilegiando assim a
formulação de regras abstractas subjacentes que podem ser entendidas para gerar
estruturas linguísticas observáveis. O principal proponente de tal teoria é Noam
Chomsky, que define a linguagem como um conjunto particular de frases que podem
ser gerados a partir de um determinado conjunto de regras.11 O ponto de vista
estruturalista é comumente usado na lógica formal, na semiótica, e em teorias
da gramática formal - mais comumente utilizado nos quadros teóricos da gramática
descritiva. Na filosofia da linguagem, esses pontos de vista estão associados com
filósofos como Bertrand Russell, as primeiras obras de Ludwig Wittgenstein, Alfred
Tarski e Gottlob Frege.

10 https://pt.wikipedia.org/wiki/Linguagem, consultado a 19 de Janeiro de 2023


11 Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Linguagem
20
Ainda outra definição vê a linguagem como um sistema de comunicação que
permite aos seres humanos o compartilhamento de sentidos.12 Esta definição realça a
função social da linguagem e o facto de que o homem utiliza-a para se expressar e para
manipular objectos em seu ambiente. As teorias da gramática funcional explicam as
estruturas gramaticais por suas funções comunicativas, e compreende as estruturas
gramaticais da linguagem como o resultado de um processo adaptativo pelo qual a
gramática foi feita "sob medida" a fim de atender as necessidades comunicativas de
seus usuários.

Este ponto de vista da linguagem está associado ao estudo da linguagem


na pragmática, na linguística cognitiva e interacional, bem como na sociolinguística e
na linguística antropológica. As teorias funcionalistas tendem a estudar gramática como
um fenômeno dinâmico, com estruturas que estão sempre em processo de mudança,
dependendo de como são empregados por seus falantes. Esta visão leva ao estudo
da tipologia linguística, como pode ser mostrado que os processos de gramaticalização
que tendem a seguir trajectórias que são parcialmente dependentes de tipologia.

Em nosso entender, a linguagem humana é única quando comparada com outras


formas de comunicação, tais como aquelas usadas por animais. Ela permite aos seres
humanos produzirem um conjunto infinito de enunciados a partir de um conjunto finito
de elementos. Vale realçar que os símbolos e as regras gramaticais de qualquer tipo de
linguagem são em grande parte arbitrárias. Por isso que o sistema só pode ser
adquirido através da interação social. Ainda, os sistemas conhecidos de comunicação
utilizados por animais, por outro lado, só podem expressar um número finito de
enunciados que são na sua maioria transmitidos geneticamente. A linguagem humana
é também a única que têm uma estrutura complexa projectada para atender a uma
grande quantidade de funções - bem mais do que qualquer outro tipo de sistema de
comunicação.

1.2.2. Língua

De acordo com Cunha e Cintra,

12 Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Linguagem
21
“Língua é um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos.
Expressão da consciência de uma colectividade, a língua é o meio por que ela
concebe o mundo que a cerca e sobre ele age. Utilização social da faculdade
da linguagem, criação da sociedade, não pode ser imutável; ao contrário, tem
de viver em perpétua evolução, paralela a do organismo social que a criou.”13

Língua é um sistema de signos convencionais usados pelos membros de uma


mesma comunidade. Em outras palavras: um grupo social convenciona e utiliza um
conjunto organizado de elementos representativos. Um signo lingüístico é um elemento
representativo que apresenta dois aspectos: um significante e um significado, unidos
num todo indissolúvel. Ao ouvir-se a palavra árvore, por exemplo, reconhece-se os sons
que a formam. Esses sons identificam-se com a lembrança deles que está presente na
memória do indivíduo. Essa lembrança constitui uma verdadeira imagem sonora,
armazenada em seu cérebro - é o significante do signo árvore. Ao ouvir essa palavra, o
indivíduo logo pensa num "vegetal lenhoso cujo caule, chamado tronco, só se ramifica
bem acima do nível do solo, ao contrário do arbusto, que exibe ramos desde junto ao
solo". Esse conceito, que não se refere a um vegetal particular, mas engloba uma
ampla gama de vegetais, é o significado do signo árvore - e também encontra-se
armazenado em seu cérebro. Ao empregar-se os signos que formam língua
portuguesa, deve obedecer-se a certas regras de organização que a própria língua
oferece. Assim, por exemplo, é perfeitamente possível antepor-se ao signo árvore o
signo uma, formando a seqüência uma árvore. Já a seqüência um árvore contraria uma
regra de organização da língua portuguesa, o que faz com que seja rejeitada. Perceba-
se, pois, que os signos que constituem a língua obedecem a padrões determinados de
organização. O conhecimento de uma língua engloba não apenas a identificação de
seus signos, mas também o uso adequado de suas regras combinatórias. Como a
língua é um patrimônio social, tanto os signos como as formas de combiná-los são
conhecidos e acatados pelos membros da comunidade que a emprega.

13 Celso CUNHA e Luís F. Lindley CINTRA, op. cit., p. 1


22
1.2.3. Fala

Individualmente, cada pessoa pode utilizar a língua de seu grupo social de uma
maneira particular, personalizada, desenvolvendo assim a fala. Por mais original e
criativa que seja, no entanto, a fala deve estar contida no conjunto mais amplo que é,
no nosso caso, a língua portuguesa; caso contrário, estaríamos a deixar de empregar a
o português e não seríamos mais compreendidos pelos membros da nossa
comunidade.

Segundo Anabela de Oliveira et al, a fala é, portanto, a realização da língua por


um locutor. Partindo da dicotomia saussuriana que opõe fala a língua, o conceito de fala
visa a comunicação que, por sua vez, remete para o individual, mais ou menos
acidental. Sendo a língua um código interiorizado ou não, ela é um produto que os
indivíduos de uma dada comunidade linguística registam passivamente. Como a língua
se torna fala, o enunciado vai sofrer marcas deixadas pela passagem à enunciação: a
fala é um acto individual de vontade e de inteligência que engendra um mecanismo
psicofísico para exteriorizar combinações do código da língua que o falante utiliza
segundo um pensamento pessoal.14

Assim se chega à linguagem nas suas múltiplas acepções, rejeitando o


postulado língua/fala para destacar a língua e pela comunicação em si mesma. É
através do discurso ou da enunciação, pelos actos de fala que se faz a actualização da
língua e que se estabelece a relação entre fala e pragmática.

De acordo com os mesmos autores, a nível da didáctica a fala implica o locutor e


a situação. A aprendizagem da língua é constituída também pela prática da fala,
visando o uso pessoal da língua, passando também por uma explicação e/ou
sistematização em termos de língua; esta dinâmica permite conhecer o código e as
regras linguísticas assim como as suas aplicações na prática individual. Em termos de
aprendizagem, recomenda-se a interacção dos quatro domínios – as habilidades
básicas: ouvir/falar; ler/escrever. Há, pois, que criar, na sala de aulas, situações
propícias à apropriação da língua, isto é, a prática da fala, pelo recurso a actividades

14Cf. Anabela Dinis Branco de OLIVEIRA et al., Dicionário de Metalinguagens da Didáctica, Porto
Editora, Porto, 2000, p. 348-349
23
para isso programadas; e, porque falar implica ouvir, essas actividades contemplam,
geralmente, o binómio ouvir/falar.15

1.3. Norma e desvio à norma

A norma contém tudo o que na língua não é funcional, mas que é tradicional,
comum e constante, ou, em outras palavras, tudo o que se diz “assim, e não de
outra maneira”. É o plano de estruturação do saber idiomático que está mais
próximo das realizações concretas. O sistema e a norma de uma língua
funcional refletem a sua estrutura.16

Relativamente a este aspecto, Anabela de Oliveira et al, afirmam que a norma é


um padrão de uso esrito e falado adequado às situações formais de comunicação
linguística. Desvio é o afastamento de um fenómeno linguístico ou literário do
respectivo fenómeno considerado como padrão, modelo ou norma.17 Normalmente, a
variante normativa opõe-se às variantes regionais, sociais e estilísticas.

A linguística actual contesta as noções de norma e desvio, porque são


insuficientes, tendo em conta a complexidade do fenómeno linguístico. André Martinet
distingue norma activa e norma passiva, a primeira norma linguística é activa e
imperiosa, a segunda é mais elástica e tolerante.18

1.4. O sistema fonético/fonológico do português

A disciplina que estuda os sons da fala, em sua natureza física e fisiológica,


denomina-se — FONÉTICA. A parte da gramática que estuda os fonemas, isto é,
aqueles conjuntos de traços fônicos com que numa língua se distinguem vocábulos de
significação diferente, chama-se — FONOLOGIA (ou FONÊMICA). Estes dois ramos da
ciência lingüística não se opõem: antes se coordenam e completam. Porque somente
com apoio numa boa descrição fonética é possível depreender-se, com segurança, o
quadro dos fonemas de uma língua.19

15 Anabela Dinis Branco de OLIVEIRA et al, op. cit., p. 348-349


16 Evanildo Bechara, op. Cit., p. 28
17 Anabela Dinis Branco de OLIVEIRA et al, op. cit., p. 120
18 Cf. Anabela Dinis Branco de OLIVEIRA, op. cit., p. 348-349
19 Rocha LIMA, Gramática Normativa da Língua Portuguesa, 49.ª ed., José Olympio, Rio de Janeiro,

2011, p. 45
24
Segundo Lopes et al., os sons apresentam características diferentes na
articulação, dependendo da posição da língua e dos lábios relativamente aos dentes,
aos alvéolos e ao palato, do levantamento ou abaixamento do véu palatino, da vibração
da úvula, das cordas vocais e da existência ou não da ressonância nasal.20

Na Língua Portuguesa os fonemas classificam-se em vogais, consoantes e


semivogais.

As vogais são fonemas sonoros, que se produzem pelo livre escapamento do ar


pela boca e se distinguem entre si por seu timbre característico 21. A corrente de ar
sonorizada que sai da laringe encontra, na faringe, nas fossas nasais e na boca, uma
caixa de ressonância de dimensões e forma variáveis para cada vogal. Esta caixa de
ressonância pode alargar-se ou estreitar-se em virtude dos movimentos dos órgãos que
a constituem, mas sempre a cavidade bucal estará suficientemente aberta para que a
corrente de ar passe por ela sem encontrar empecilho. Classificam-se as vogais de
acordo com quatro critérios conjugados:

a) Quanto à zona de articulação: anteriores, posteriores, média.

b) Quanto ao timbre: abertas, fechadas.

c) Quanto à ressonância nas cavidades bucal ou nasal: orais, nasais.

d) Quanto à intensidade: tônicas, átonas.

As consoantes são fonemas resultantes de um fechamento momentâneo ou de


um estreitamento do canal bucal, que, em qualquer de seus pontos, ofereça obstáculo à
saída da corrente de ar — sonorizada ou não pela vibração das cordas vocais.
Classificam-se as consoantes de acordo com quatro critérios conjugados:

a) Quanto ao tipo de obstáculo oposto à corrente de ar: oclusivas, fricativas,


laterais e vibrantes.

b) Quanto à zona de articulação: bilabiais, labiodentais, linguodentais, alveolares,


palatais e velares.

20 Maria Carmo Azevedo LOPES et al., Da Expressão à Comunicação. Gramática Prática do Português,
Raíz Editora, Lisboa, 2018
21 Idem

25
c) Quanto à ação das cordas vocais: surdas e sonoras.

d) Quanto à ressonância nas cavidades bucal ou nasal: orais e nasais.

Olhando para os dois primeiros critérios, temos:

 Oclusivas

O que as caracteriza é a aproximação completa de dois órgãos da boca — o


que determina a interrupção momentânea da corrente de ar vinda dos pulmões; ao
cessar esse obstáculo em virtude do afastamento rápido de tais órgãos, o ar acumulado
atrás deles sai repentina e violentamente, ocasionando um ruído seco, comparável a
uma pequena explosão. Segundo a região que oferece obstáculo, as consoantes
oclusivas podem ser:

1) BILABIAIS (lábio contra lábio): /p/, /b/, /m/, em vocábulos como,


respectivamente — pala, bala, mala.

2) LINGUODENTAIS (ponta da língua e arcada dentária superior): /t/, /d/, /n/, em


vocábulos como, respectivamente — tão, dão, não.

3) PALATAIS (dorso da língua e palato): /nh/, em vocábulos como banho, pinho.

4) VELARES (raiz da língua e véu do paladar): /k/, /g/, em vocábulos como,


respectivamente, cola, gola.

 Fricativas

Resultam da aproximação incompleta de dois órgãos da boca — o que obriga a


corrente de ar a comprimir-se a fim de passar pela fenda estreitada que assim se forma;
então, o ar escoa ininterruptamente, roçando-se de encontro às paredes desses
órgãos, o que produz um ruído comparável a uma fricção. Conforme a região onde se
dá esse contato parcial, as consoantes fricativas podem ser:

1) LABIODENTAIS (lábio inferior e arcada dentária superior): Ifl, /v/, em


vocábulos com o, respectivamente — fala, vala.

2) ALVEOLARES (ponta da língua e alvéolos, isto é, zona onde os dentes se


encravam na gengiva): Is/, Izl, em vocábulos como, respectivamente — sela, zela.

26
3) PALATAIS (dorso da língua e palato): /x/, /j/, em vocábulos como,
respectivamente — xá, já.

 Laterais

Assim se chamam porque, não obstante haver obstrução da corrente de ar em


determinada região da boca, ele vai, ao mesmo tempo, escoando livremente pelos
lados do canal bucal. Segundo o local onde ocorre essa obstrução, as consoantes
laterais podem ser:

1) ALVEOLARES (ponta da língua e alvéolos): IV, em vocábulos como — lapa,


lua.

2) PALATAIS (dorso da língua e palato): /lh/, em vocábulos como — malha, ilha.

 Vibrantes

Acarretam vibrações da língua (daí o seu nome), decorrentes do contcato


intermitente dela com uma zona da boca. São apenas duas: o /r/ e o /rr/

Na produção do /r/, há uma vibração simples e frouxa da língua, cuja ponta toca
levemente nos alvéolos; na do /rr/, são múltiplas e mais intensas essas vibrações, junto
ao véu palatino. O primeiro, ALVEOLAR, aparece em posição intervocálica (era, caro,
fero); o segundo, VELAR, é o que figura nas demais posições (reza, sorte, guelra, mar)
e, vindo entre vogais, se escreve com a letra “r” dobrada (carro, ferro).

Considerando o terceiro e o quarto critério,temos:

 Surdas e sonoras

Examinemos as consoantes /p/ e /b/. Possuem elas, como vimos, dois


caracteres comuns: ambas são oclusivas e bilabiais. Todavia, são fonemas diferentes,
capazes de distinguir palavras como, por exemplo— pato e bato. O mesmo acontece,
com /k/ e /g/ — ambas oclusivas e velares, porém fonemas distintos, segundo se
reconhece por diferençarem palavras como, por exemplo — cato e gato. A razão é
porque a primeira de cada par se produz sem vibrações das cordas vocais (consoantes
surdas)-, ao passo que a segunda vem acompanhada de vibrações das cordas vocais
(consoantes sonoras).
27
 Nasais

Observemos, aqui, estas três consoantes: /p/, /b/, /mj. Já sabemos que o/p/eo /b/
apresentam dois caracteres comuns (ambos são oclusivos e bilabiais) e se distinguem
por ser surdo um, e sonoro outro. Porém o /b/ e o /m/ reúnem não apenas dois, mas
três traços comuns: são igualmente oclusivos, bilabiais e sonoros. A diferença entre
eles decorre de que o /m/, além de oclusivo, bilabial e sonoro, é, ainda, nasal, isto é, em
sua produção, a corrente de ar ressoa, em parte, na cavidade nasal. Há, em português,
três consoantes nasais: /m/, /n/, /nh/.22

Os fonemas i e u, quando ao lado de uma vogal, formam sílaba com ela. Nas
palavras, por exemplo: vi-da e lu-ta, tais fonemas figuram, nas respectivas sílabas, com
a função de vogal, tanto é certo que recebem o acento silábico; porém, nas palavras,
por exemplo, pai e mau, esse acento recai no a (que é, então, a vogal dessas sílabas),
funcionando, portanto, o i e o u com o valor de qualquer das outras consoantes. Em
razão de seu caráter híbrido, o i e o u, em casos assim, recebem a denominação de
semivogais.23

1.5. A ortografia do português

Para repproduzirmos na escrita as palavras da língua empregamos um certo


número de sinais gráficos chamados letras. O conjunto ordenado de letras de que nos
servimos para transmitir os sons da linguagem falada denomina-se alfabeto. O alfabeto
da língua portuguesa consta fundamentalmente de 23 letras, nomeadamente: a b, c, d,
e, f, g, h, i, j, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u, v, x, z. Além dessas, há as letras k, w e y, que hoje
só se empregam em dois casos24:

a) Na transcrição de nomes próprios estrangeiros e de seus derivados portugueses:


Franklin/frankliano; Wagner/wagneriano; Byron/byroniano.
b) Nas abreviaturas e nos símbolos de uso internacional: K (= potácio), W (= oeste),
kg (= kilograma), w (= watt), km (= quilómetro), yd (= jarda).

22 Rocha LIMA, op. cit., p. 51


23 Ibdem, p. 54
24 Celso CUNHA e Luís F. Lindley CINTRA, op. cit., p. 63

28
Além das letras do alfabeto, servimo-nos, na língua escrita, de certo número de
sinais auxuliares, destinados a indicar a pronúncia exacta da palavra. Estes sinais
acessórios da escrita chamados notações léxicas25, são os seguintes:

1) Acentos
a) Acento Agudo (´)

Recebem acento agudo:

 As vogais tônicas i e u.

Exemplos: íngreme, síntese, útil, úmido.

 As vogais tônicas abertas e semi-abertas a, e e o.

Exemplos: átomo, caráter, sintético, emérito, ótica, sólido.

b) Acento Circunflexo (^)

O acento circunflexo é empregado nas vogais tônicas semi-fechadas a, e e o.

Exemplos: tâmara, sândalo, êxito, efêmero, incômodo, tômbola.

c) Acento Grave (`)

O acento grave é utilizado nas crases (junção do artigo definido a e da


preposição a).

Exemplo: Vou à escola.

2) Sinais Gráficos
a) Apóstrofo (‘)

O apóstrofo é usado para indicar a omissão de um fonema, tal como acontece


em palavras compostas ligadas pela preposição de. Exemplos: gota d’água, pão
d’alho, cabeça d’água.

b) Cedilha (¸)

25 Ibdem, p. 64
29
A cedilha é utilizada com a letra c e sempre antes das vogais a, o e u. Tem som
de ss (2 s) e nunca vem no início das palavras. Exemplos: taça, caçapa, aço, faço,
caçula, açúcar.

c) Hífen (-)

O hífen é usado em palavras compostas, com pronomes oblíquos e para separar


sílabas. Exemplos: abre-alas, pós-moderno, encantei-lhe, amai-vos, a-le-gri-a, sa-ú-de.

d) Til (~)

O til serve para indicar nasalidade e é empregado com as


vogais a e o. Exemplos: sã, sabão, sanções, reflexões.

e) Trema (¨)

O trema, antes usado em algumas palavras com qu e gu, foi abolido com o Novo
Acordo Ortográfico.

A crase também pode ser a junção do artigo definido a e dos pronomes


demonstrativos aquele, aquela, aquilo.

Exemplo: Não sei se devo fazer referência àquela consulta.

1.6. Relação entre fonologia, morfologia, sintaxe e semântica

A Fonologia é o ramo da linguística que estuda o sistema sonoro de um idioma.


Ao estudar a maneira como os fones (sons) se organizam dentro de uma língua,
classifica-os em unidades capazes de distinguir significados, chamadas fonemas. já a
Morfologia pode ser definida como o estudo da estrutura, formação e classificação das
palavras. Por sua vez, a Sintaxe é uma das partes da Gramática na qual são
estudadas as disposições das palavras nas orações, nos períodos, bem como a relação
lógica estabelecida entre elas. A Sintaxe própria de cada língua impede que sejam
realizadas combinações aleatórias entre as palavras.

Em linguística, a semântica estuda o significado e a interpretação do significado


de uma palavra, de um signo, de uma frase ou de uma expressão em um determinado
contexto. Nesse campo de estudo se analisa, também, as mudanças de sentido que

30
ocorrem nas formas linguísticas devido a alguns fatores, tais como tempo e espaço
geográfico.

Para nós, é muito clara a relação entre estas quatro áreas da linguística. Existe
entre elas uma profunda interdependência de modo que a língua, objecto de estudo da
linguística, não sobreviveria sem uma delas, já que a língua começa com um conjunto
de sons – vocálicos e consonânticos – que se agrupam sistemicamente formando
sílabas (fonologia) que virão a dar lugar a palavra cuja formação não é arbitrária, mas
obedece a processos bem definidos, com elementos estruturais específicos (morfologia)
que lhe garantem um sentido, um valor significativo (semântica) e a posibilidade de
fazer parte de estruturas maiores e mais complexas como a oração, as frases – que são
as verdadeiras unidades da fala26 – e o próprio discurso.

26 Celso CUNHA e Luís F. Lindley CINTRA, op. cit., p. 59


31
CAPÍTULO II: ANÁLISE DE ALGUNS CASOS DE DESVIO
LINGUÍSTICO E O SEU TRATAMENTO À LUZ DA GRAMÁTICA
NORMATIVA

32
Neste capítulo faremos a análise linguística, à luz da gramática normativa de
alguns textos contidos em alguns placares espalhados pelas artérias da cidade do
Lobito, cujas imagens temo-las estampadas no nosso trabalho. De realçar que
capturamos várias imagens, todavia, por forma a não sermos repetitivos em relação aos
aspectos gramaticais a serem analisados, selecionamos sete imagens aqui
apresentadas e analisadas.

Imagem 1

Na imagem 1, lê-se: “Para as manhas mais saborosas e saudáveis.”

Constata-se, nesta expressão, que o escrevente esqueceu-se de colocar o sinal


gráfico til (~) sobre a última vogal da palavra destacada, o que lhe altera a pronúncia e
o significado. Acontece ainda que, na ausência do til – sinal que confere o som nasal às
vogais a e o – a última vogal deixa de ser nasal e torna-se oral; e a própria palavra
deixa de ser oxítona e torna-se paroxítona.

Se por um lado temos o vocábulo manhas – que aparece no texto – que é um


substantivo comum abstracto, termo derivado do latim “manea”, que significa: destreza,
habilidade, astúcia, argúcia, etc.; por outro lado, temos o vocábulo manhãs – que devia
aparecer no texto – também substantivo comum abstracto, derivado do latim
“maneana”, que significa: aurora, primeiras horas do dia, período que vai desde o
amanhecer ao meio-dia, princípio. Entretanto, a partir da imagem icónica que aparece
no placar, percebe-se que o termo correcto é manhãs, empregando o til. Assim,
teríamos: “Para as manhãs mais saborosas e saudáveis”

33
Imagem 2

Na imagem 2, chama-nos a atenção, no primeiro momento, a expressão:


“AULAS DISPONÍVEL” que nos remete para o solecismo de concordância em número.
A expressão começa com uma palavra no plural – aulas – e logo a seguir, aparece uma
palavra no singular – disponível. Ou seja, o substantivo aulas não concorda em número
com o adjectivo que o segue, no caso, o adjectivo disponível. Portanto, a forma correcta
seria: Aulas disponíveis.

Lê-se ainda, nessa imagem: AULAS AO DEOMICILIO. Percebe-se que a


intenção do enunciador é de referir-se a aulas dadas em casa. A ser assim, a palavra
correcta é domicílio, que deriva do latim domus, que significa casa. Embora esta
incorrecção não afecte o sentido da ideia, altera-lhe a pronúncia, produzindo cacoépia;
e pode influenciar negativamente outras pessoas relativamente a grafia desta palavra.

Imagem 3

Na imagem 3, lê-se: “Pensos Macio” que também nos remete a uma situação de
solecismo de concordância em número, já que o adjectivo macio – no singular – não
concorda em número com o substantivo pensos – plural – que o antecede. Entretanto,
como sabemos, a norma estabelece que os adjectivos devem concordar em género e
34
número com o substantivo que qualificam – “O adjectivo, quer em função de adjunto
adnominal, quer em função de predicativo, desde que se refira a um único substantivo,
com ele concorda em género e número.” 27Assim, teríamos: “Pensos Macios”.

Imagem 4

Olhando para a imagem 4, compreende-se claramente a ignorância das normas


que regem a Língua Portuguesa por parte do escrevente, desde a mistura de tipos de
letras – maiúsculas e minúsculas – à utilização inadequada de determinados grafemas.
Ou seja, estamos na presença de alguém que escreve como fala que é um processo
falível, no que diz respeito à língua portuguesa.

O texto começa com a expressão estufamo – forma do verbo estufar, na primeira


pessoa do plural, no presente do indicativo; todavia, sem a marca do plural. Além da
ausência do s, marca do plural, tem a questão do significado da mesma palavra.

De acordo com o Dicionário Integral da Língua Portuguesa, estufar significa


cozinhar em fogo lento, guizar, aquecer em estufa. E, não nos parece que seja esse o
processo que ocorre com as cadeiras, sim o da colocação de estofo. Portanto, o verbo
correcto aqui é estofar que significa, segundo o dicionário, cobrir de estofo, alcochoar,
chumaçar, rechear.

Podemos entender a junção das palavras – embora torne o texto confuso –


como uma forma de aproveitar melhor o espaço na placa. Entretanto, nota-se o uso
inadequado do ífen. Ou seja, o escrevente coloca o ífen entre os vocábulos bancos, de
e viatura, criando, assim, arbitrariamente, um neologismo pelo processo de composição

27 Celso CUNHA e Lindley CINTRA, op. cit., p. 273


35
por justaposição; e não o coloca onde realmente devia, isto é, na translinhação do
vocábulo viatura.

Outro aspecto relevante, neste texto é a utilização de i – uma simples vogal – em


vez de e – conjunção coordenativa copulativa ou aditiva, confirmando-se o que
afirmamos anteriormente: o escrevente escreve como fala. Entretanto, a escrita é um
sistema de códigos convencionais que variam de língua para língua, obedecendo as
normas de cada língua, portanto, não compete ao indivíduo decidir a forma como
escreve as palavras, antes deve sujeitar-se às normas que regem a grafia da língua, no
tempo e no espaço. Esta última reflexão aplica-se também a palavra Kadeira, escrita
com k em vez de c. Aqui podemos cogitar uma possível influência da forma como se
escreveu o vocábulo kero, nome atribuído, artística e literariamente, a um
estabelecimento comercial. Todavia, à luz da gramática, o grafema k só se usa com
palavras estrangeiras incorporadas no português e seus derivados, e em abreviaturas e
símbolos de uso internacional. E, claramente, nhenhum destes casos é o da palavra
cadeira.

Imagem 5

Na imagem 5, destaca-se a expressão preseza que simplesmente não existe em


português. Todavia, o contexto leva-nos a crer que a intenção do enunciador está
voltada para o verbo precisar que ao ser transportado para a escrita, sofreu
transformações/metaplasmos fonéticos que a desvirtualizaram. A primeira
transformação prende-se com a troca da consoante c pela consoante s, que assumem,
em algumas circunstâncias, o mesmo valor fonético: /s/. Como se sabe, o s entre vogais
ganha o som de z. Esta troca nos remete ao fenómeno de alteração fonética,

36
especificando, a assimilação, que entende-se como alteração de um som, total ou
incompleto, pela aquisição de traços fonéticos devido à influência de sons vizinhos.
Portanto, tal troca altera automaticamente a pronúncia da palavra.

A segunda transformação prende-se com a utilização da vogal e no lugar da


vogal i (cacoépia), alterando também a pronúncia da palavra. E, finalmente, a troca da
consoante s pela consoante z, afetando a grafia correcta da palavra. Portanto, no texto
aparece a forma /prezeza/, quando a intenção era usar a expressão /pre’ciza/, isto à luz
da fonética.

Imagem 6

Na imagem 6, lê-se: “Repara-se televizor aparelho de musica DVD”. Desse jeito,


entende-se que existe um electrodoméstico que se chama televizor aparelho de musica
DVD. Tal interpretação é provocada pela ausência da vírgula na frase e da conjunção
coordenativa, enquanto elemento de ligação ou conector.

Observa-se também na imagem, na palavra “televizor”, o fenómeno de alteração


fonética, a assimilação, a troca da consoante s pela consoante z, afectando a grafia
correcta da palavra. Aprecia-se também, a ausência do acento gráfico na palavra
“musica”, o que condiciona uma má pronúncia, teríamos como grafia correcta, “música”,
uma palavra proparoxítona quanto a acentuação gráfica.

Como sabemos, Sinais de Pontuação são sinais gráficos que contribuem para a
coerência e a coesão de textos. A vírgula, por exemplo, marca uma pausa de pequena
duração no discurso28. Sua utilização é tão importante que pode mudar o significado
quando não utilizada ou utilizada de modo incorrecto. A vírgula também serve para

28 Celso CUNHA e Lindley CINTRA, op. Cn<-it., p. 640


37
separar termos com a mesma função sintática, bem como para separar o aposto e o
vocativo. Este sinal pode ainda ser usado para substituir conjunções coordenativas.

Já a conjunção coordenativa e serve para ligar palavras, expressões ou frases,


estabelecendo entre elas uma relação paratáctica.

Sendo assim, a expressão correcta seria: Repara-se televisor, aparelho de


música e DVD. Ou, repara-se televisor, aparelho de música, DVD. Neste último caso,
com recurso ao assíndeto, recurso expressivo que consiste na supressão da cópula ou
conjunção copulativa.

Imagem 7

A imagem 7 remete-nos também a uma situação de falta de pontuação. Em


“Caro cidadão não deite o seu lixo ao chão respeite o ambiente e o bem estar; o que
retira a coerência do texto. A expressão “Caro cidadão” é, sintacticamente, um vocativo
e, de acordo com a gramática normativa, separa-se do resto da frase pela vírgula.

Por outro lado, percebe-se que estamos perante duas orações independentes,
até mesmo absolutas. A primeira: Caro cidadão, não deite o seu lixo ao chão. E a
segunda: Respeite o ambiente e o bem-estar. Embora estejam subordinadas ao mesmo
sujeito – tu, têm predicados diferentes – não deite o seu lixo ao chão e respeite o meio
ambiente e o bem-estar, respectivamente. Importatava, portanto, que as mesmas
fossem separadas por um sinal de pontuação que podia ser o ponto e vírgula (por conta
da vírgula que já aparece a separar o vocativo), o ponto final; ou ainda, considerando
que são orações do mesmo nível, uma conjunção coordenativa que as ligasse de forma
coesa e coerente.

38
CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

39
2.1. Tipo de pesquisa

Para Ander-Egg,

“a pesquisa é um procedimento reflexivo sistemático, controlado e crítico que


permite descobrir novos factos ou dados, relações ou leis, em qualquer campo
do conhecimento. A pesquisa, portanto, é um procedimento formal, com método
de pensamento reflexivo, que requer um tratamento científico e se constitui no
caminho para reconhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais”29.

Como sabemos, existem diferentes tipos de pesquisa que são aplicados de


acordo com o objectivo e abordagem que o pesquisador deseja utilizar como método
científico do seu estudo.

Para o presente trabalho, no que toca a finalidade, realizamos uma pesquisa


básica, que é aquela orientada para o aprofundamento de um conhecimento científico
que já foi estudado – os desvios linguísticos. Nossa intenção, enquanto pesquisadores,
é de contribuir com ideias e sugestões para futuros trabalhos sobre o mesmo assunto.
O que nos obrigou a uma revisão bibliográfica e a uma apresentação sistemática das
ideias.

Do ponto de vista da abordagem, optamos pela pesquisa quantitativa,


caracterizada por usar técnicas e ferramentas estatísticas como principal meio de
análise dos dados obtidos em uma pesquisa. Enquanto pesquisadores recolhemos, por
meio de um inquérito por questionário, informações quantificáveis e aplicamo-las em
softwares para análise desses dados de forma objectiva para uma posterior
apresentação com ajuda de tabelas.

Do ponto de vista do objectivo, nossa pesquisa é descritiva que visa esclarecer


ao máximo um assunto que já é conhecido – no nosso caso, a ocorrência dos
solecismos linguísticos – descrevendo tudo sobre ela. Tal pesquisa levou-nos a fazer
uma forte revisão teórica envolvendo o nosso objecto de estudo, e a analisar e
comparar as informações. E, por fim, traçamos as nossas conclusões sobre as
diferentes variáveis analisadas.

29Ezequiel ANDER-EGG apud Maria de Andrade MARCONI e Eva Maria LAKATOS, Fundamentos de
Metodologia Científica. 5.ª ed., Atlas, São Paulo, 2003, p. 155
40
2.2. Métodos e técnicas de pesquisa

Segundo Marconi e Lakatos, o método é o conjunto das actividades sistemáticas


e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objectivo –
conhecimentos válidos e verdadeiros – traçando o caminho a ser seguido, detectando
erros e auxiliando as decisões do cientista.30

Para a elaboração da nossa pesquisa científica, no intuito de alcançarmos os


objectivos preconizados, recorremos aos seguintes métodos de pesquisa:

 Pesquisa bibliográfica: “É uma investigação crítica de ideias, uma análise


comparativa de diversas posições teóricas, de diferentes autores acerca de uma
temática ”. Este método possibilitou-nos estabelecermos uma comparação entre
as opiniões de diferentes autores em relação ao tema em estudo, no sentido de
especificar determinados conceitos e explicar certos fenómenos linguísticos,
usando gramáticas, monografias, revistas e artigos científicos já publicados
sobre desvios linguísticos, placares publicitários e outdoors.
 Dedutivo-indutivo: para Andrade, a indução é um caminho que nos possibilita
particularizar aspectos a observar, partindo do conhecimento particular ao geral.
A dedução possibilita observar os aspectos a estudar partindo do geral para o
particular, levando a conclusão. A indução é o caminho inverso da dedução.

Este método possibilitou-nos obter dados que permitiram uma interpretação


logicamente estruturada, de cada situação e o estabelecimento das possíveis
associações relacionadas ao uso da ética das relações laborais dos colaboradores da
empresa Quatro Rodas do Lobito.

 Inquérito por questionário: segundo Marconi e Lakatos, questionário é um


instrumento de recolha de dados, constituído por uma série ordenada de
perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do
entrevistador.31 Este método permitiu-nos recolher junto dos funcionários da
Empresa Quatro Rodas do Lobito, os dados necessários a nossa pesquisa.

30 Maria de Andrade MARCONI e Eva Maria LAKATOS, op. Cit, p. 83


31 Maria de Andrade MARCONI e Eva Maria LAKATOS, op. Cit., p. 201
41
2.3. População e amostra

Segundo Marconi e Lakatos,

“… universo ou população é o conjunto de seres animados ou inanimados que


apresentam pelo menos uma característica em comum. A delimitação do
universo consiste em explicitar que pessoas ou coisas, fenômenos, etc. serão
pesquisados, enumerando suas características comuns; como, por exemplo,
sexo, faixa etária, organização a que pertencem, comunidade onde vivem, etc .”
32

E “o conceito de amostra é ser uma porção ou parcela, convenientemente


selecionada do universo (população); é um subconjunto do universo”.33

Relativamente à população e amostra, visto que o estudo baseia-se em uma


instituição de ensino, a população em estudo é constituída pelos professores de Língua
Portuguesa e alunos da 10.ª classe do Magistério BG 2013 Cdte. Kwenha do Lobito.
Como amostra, trabalhamos com um grupo de 10 professores, sendo 6 masculinos e 4
femininos; e 20 estudantes, sendo 10 do género masculino e 10 do género feminino.

32 Ibdem, p. 223
33 Idem
42
CONCLUSÕES
Depois de toda pesquisa feita, analisados os resultados, considerndo desde os
aaspectos teóricos aos aspectos práticos ligados ao tema de pesquisa e ao problema
por nós levantado, chegamos às seguintes conclusões:

 Considera-se desvio linguístico qualquer afastamento da norma padrão de uma


língua. Os desvios linguísticos podem ocorrer a nível fonético ou fonológico, a
nível morfológico, sintáctico e semântico, elementos que constituem as diferentes
áreas da linguística. Estes desvios podem ocorrer tanto na oralidade como na
escrita.
 Os desvios linguísticos nos letreiros, placares publicitários ou outdoors nos
arredores da cidade do Lobito podem influenciarde forma negativa o uso do
português pelos habitantes da cidade do Lobito, pois pode levá-los a adoptar tais
desvios e a torná-los, por imitação, parte da sua comunicação habitual quer de
fórum oral ou escrito, considerando que muitos destes letreiros e placares
publicitários ou outdoors são criados por empresas idóneas e de alto prestígio
social.
 O desvio ortográfico interfere na compreensão do sentido de uma expressão ou
de um texto, pois que a escrita incorrecta de uma palavra pode alterar-lhe o
significado, o que pode alterar o sentido completo do discurso, atribuíndo-lhe um
novo contexto ou tornando-o incoerente.

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RECOMENDAÇÕES
Confirmado o problema e as suas implicâncias no contexto comunicativo, sobretudo por
via da escrita; e, com vista a contribuirmos para a solução do mesmo problema,
recomendamos o seguinte:

 Que o Estado, a partir dos órgãos específicos, seja mais exigente com as
empresas relativamente à qualidade da linguagem – imagética e textual – nos
letreiros, placares publicitários ou outdoors que estas empresas produzem e
colocam na via pública;
 Que as empresas prestem mais atenção aos textos escritos nos letreiros e
placares publicitários que colocam à disposição do público;
 Que as empresas desenvolvam a cultura de consultar correctores linguísticos
que possam fazer a revisão dos seus textos anunciativos ou publicitários, antes
de os tornarem públicos;
 Que os professores de língua portuguesa, sobretudo os do I, II Ciclo e do Ensino
Superior, usem os desvios presentes nos letreiros e placares publicitários ou
outdoors como matéria de estudo em sala de aula de modo a prevenir os
alunos/estudantes de tal fenómeno.

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