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Tradutores e intérpretes da língua

brasileira de sinais

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 3
INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NA INCLUSÃO: TRADUTOR OU
PROFESSOR? .......................................................................................................... 3
INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS ...................................................................... 9
TRADUTOR OU PROFESSOR?.............................................................................. 11
ALUNO SURDO X INTÉRPRETE X PROFESSOR: PERSPECTIVA NA ÁREA
EDUCACIONAL INCLUSIVA ................................................................................... 15
O PAPEL DO INTÉRPRETE DE LIBRAS ................................................................ 19
ORIENTAÇÃO AOS PAIS ........................................................................................ 20
REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR DO ALUNO SURDO ..................... 21
RESOLUÇÃO DO ENCONTRO DE MONTEVIDÉU................................................. 25
MEDIADOR X INTÉRPRETE: A DIFERENÇA NA FUNÇÃO E NA APRENDIZAGEM
DOS ALUNOS SURDOS ......................................................................................... 28
REGULAMENTO PARA ATUAÇÃO COMO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA
DE SINAIS ............................................................................................................... 29
MODELO COGNITIVO ............................................................................................ 31
MODELO INTERATIVO ........................................................................................... 32
MODELO INTERPRETATIVO .................................................................................. 32
MODELO COMUNICATIVO ..................................................................................... 32
MODELO SOCIOLINGUÍSTICO .............................................................................. 33
MODELO DO PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO ................................................. 33
MODELO BILÍNGUE E BICULTURAL ..................................................................... 34
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ........................................................................... 35
ATUAÇÃO DOS TRADUTORES E INTÉRPRETES DE LÍNGUA DE SINAIS .......... 39
Posturas e decisões no ato interpretativo................................................................. 44
Campos de atuação: relatos de experiências ........................................................... 53
QUANTIFICAÇÃO E INTENSIDADE ....................................................................... 55
CLASSIFICADORES ............................................................................................... 57
INCORPORAÇÃO DE ARGUMENTO ...................................................................... 59
CORES .................................................................................................................... 62
ANIMAIS/NATUREZA .............................................................................................. 64
ESCOLAR ................................................................................................................ 67

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SÉRIES.................................................................................................................... 71
DISCIPLINAS........................................................................................................... 73
FACULDADE / CURSOS ......................................................................................... 75
CORPO HUMANO ................................................................................................... 79
HIGIENE .................................................................................................................... 0
DOENÇAS ................................................................................................................. 1
SEXUALIDADE .......................................................................................................... 3
POLÍTICA .................................................................................................................. 5
PAÍSES ...................................................................................................................... 7
ESTADOS E CIDADES DO BRASIL ........................................................................ 11
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 16

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INTRODUÇÃO

Um dos componentes principais da tarefa do intérprete da Língua Brasileira de


Sinais é a sociabilidade, que demonstra a qualidade da personalidade individual e
deve ser cultivada intensamente. A afinidade social é um conceito psicológico que se
traduz pelo desejo de encontrar-se entre outras pessoas e sentir prazer em
compartilhar a comunicação com elas, o que consideramos fundamental na tarefa
interpretativa.
Uma capacitação linguística adequada às necessidades de uma mediação
interlocutora da cultura dos ouvintes e surdos constitui uma ferramenta relevante,
fornecendo elementos precisos para um desempenho tradutório eficiente e claro nas
línguas envolvidas. Um alto grau de distribuição de atenção e concentração é
fundamental na eficácia da comunicação, estabelecendo, assim, as devidas conexões
da conversação.
Refletir sobre a tarefa do tradutor intérprete de LIBRAS facilita o entendimento
dos pré-requisitos para a atuação profissional do mesmo. Aspectos como o
desenvolvimento da linguagem e do pensamento, o domínio da língua materna falada
e escrita, a fluência na língua de sinais, a empatia, a postura ética, a percepção das
atitudes sociais, a espontaneidade, a receptividade e a imparcialidade são os
adereços que servirão de elementos básicos não apenas na formação profissional,
mas principalmente na atuação diante de dois mundos e duas culturas distintas.
Sendo assim, ser mediador ou facilitador no processo de comunicação com os
surdos resulta em serviços específicos que demandam do profissional intérprete um
envolvimento profundo de elo entre os sujeitos envolvidos. Interpretar é envolverse
não apenas com a língua, mas com o sujeito por trás dela. Requer do intérprete uma
atuação dinâmica que “oferece” ao surdo a ilusão possível de ouvir.

INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NA INCLUSÃO: TRADUTOR OU


PROFESSOR?

A partir da Declaração de Salamanca (1994), o movimento de inclusão tem


como meta não deixar nenhum aluno fora do ensino regular, desde o início da

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escolarização, propondo que a escola é quem deve se adaptar ao aluno. Inclusão,


nesse contexto, implica o compromisso que a escola deve assumir de educar cada
criança. Assim, a proposta de inclusão se propõe a contemplar a pedagogia da
diversidade, ou seja, todos os alunos deverão estar dentro da escola regular,
independentemente de sua origem social, étnica ou linguística.
É essa proposta de educação para todos que insere o intérprete de língua de
sinais na sala de aula, pretendendo, assim, garantir ao surdo a aquisição dos
conteúdos escolares na sua própria língua. Entretanto, para entendermos a
complexidade referente ao trabalho do Intérprete de Língua de Sinais na sala de aula,
é preciso, antes, que esteja claro qual o papel do professor na escola e na vida do
aluno.
Assim sendo, analisemos os papéis desempenhados pelos professores e pelos
intérpretes, questões de produção e reprodução do saber, as quais parecem confluir
e interagir. Trata-se de analisar alguns aspectos da prática educativa diante da
diversidade, em uma escola de massas que tenta sobreviver e funcionar dentro do
complexo contexto linguístico, cultural e socioeconômico que é o contexto brasileiro.
É importante lembrar o fato de que a maioria dos professores que atua na sala
de aula inclusiva obteve uma formação para trabalhar com um público relativamente
homogêneo, falante da língua majoritária, ou seja, que compartilha da mesma língua
do professor. Esses docentes confrontam-se, agora, com um aluno sinalizador,
estrangeiro no seu próprio país, e que não reconhece a grafia do português como a
representação escrita da sua língua natural.
O professor, do Ensino Fundamental ao Superior, tem como objetivo auxiliar e
realizar a mediação entre o aluno e o conhecimento, lidando constantemente com as
questões da aprendizagem, construídas pelos alunos.
[...] minha intenção neste texto é mostrar que a tarefa do ensinante, que é
também aprendiz, sendo prazerosa, é igualmente exigente. Exigente de seriedade, de
preparo científico, de preparo físico, emocional, afetivo. É uma tarefa que requer de
quem com ela se compromete um gosto especial de querer bem não só aos outros,
mas ao próprio processo que ela implica. É impossível ensinar sem essa coragem de
querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência. [...]
A tarefa de ensinar é uma tarefa profissional que, no entanto, exige amorosidade,
criatividade, competência científica, mas recusa a estreiteza científica, que exige a

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capacidade de brigar pela liberdade sem a qual a própria tarefa fenece. (FREIRE,
1997, p. 9-10).
Nesta perspectiva, ser educador é uma atividade profissional que exige
diversos requisitos, entre eles a formação científica em uma dada disciplina. O
educador participa diretamente na vida escolar dos seus alunos. E tem a
responsabilidade de mediar o conhecimento, por meio da interação com os alunos,
assim como escolher uma metodologia de ensino adequada para atingi-los, gerando
motivação e interesse pelo conteúdo trabalhado, sempre voltado para o contexto da
sala de aula. (MARTINS, 2004).
Na busca de resultados, o papel do professor é único e consiste em organizar
situações de aprendizagem para desafiar o aluno a elaborar um novo conhecimento.
A prática educativa, pelo contrário, é algo muito sério. Lidamos com gente, com
crianças, adolescentes ou adultos. Participamos de sua formação. Ajudamo-los ou os
prejudicamos nesta busca. Estamos intrinsecamente a eles ligados no seu processo
de conhecimento.
Podemos concorrer com nossa incompetência, má preparação,
irresponsabilidade, para o seu fracasso. Mas podemos, também, com nossa
responsabilidade, preparo científico e gosto do ensino, com nossa seriedade e
testemunho de luta contra as injustiças, contribuir para que os educandos se tornem
presenças marcantes no mundo. (FREIRE, 1997).
Segundo as ideias de Freire, a função do professor é tornar significativa a
aprendizagem, as trocas de saberes e experiências entre os colegas da sala, durante
todo o processo pedagógico. Sendo a prática educativa algo sério, a atividade de
educador não pode ser exercida por pessoas despreparadas ou, no caso do intérprete
de língua de sinais, que apenas possuem o domínio de uma dada língua dentro da
sala de aula.
Por lidar diretamente com o aluno surdo, para o intérprete é praticamente
inviável a separação dos papéis e ele acaba tomando ações pertinentes ao professor.
Essa facilidade com que o intérprete se coloca como educador pode ser justificada
pela ideia do senso comum de que ensinar é um simples processo de transferência
de conhecimento. Conceito totalmente errôneo, como nos aponta Freire (1987, p.
118): O professor deve ensinar. É preciso fazê-lo. Só que ensinar não é transmitir
conhecimento. Para que o ato de ensinar se constitua como tal, é preciso que o ato

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de aprender seja precedido do, ou concomitante ao ato de aprender o conteúdo ou o


objeto cognoscível, com que o educando se torna produtor também do conhecimento
que lhe foi ensinado.
Ao estender a sua atuação à de educador, esse intérprete pressupõe que tem
o mesmo preparo do professor e está no mesmo pé de igualdade de formação para
ministrar o ensino ao aluno surdo. O intérprete de língua de sinais deve compreender
que, teoricamente, no contexto da sala de aula, a função de ensinar é
responsabilidade do professor da classe e não sua, mesmo que ele possua uma
formação na área relativa ao que está traduzindo, como tem acontecido com alguns
pedagogos que têm atuado como intérpretes. (MARTINS, 2004).
No lastro das ideias desse intérprete, na sala de aula, atuando como tradutor
esse profissional é o “mediador do mediador” e, não, o mediador entre o aluno surdo
e o conhecimento cultural, conhecimento que muitas vezes escapa ao próprio
intérprete. Tal condição, porém, não o isenta de responsabilidade e da participação
na aprendizagem do aluno surdo. (MARTINS, 2004).
Nessa perspectiva, o intérprete de língua de sinais acredita muitas vezes ser
possível não somente realizar uma tradução literal, como também se manter neutro
durante o ato interpretativo. Entretanto, o fato de o intérprete acima não se nomear
professor titular demonstra que é ciente da responsabilidade do professor na sala de
aula e, ao mesmo tempo, abre espaço para se pensar que, não exercendo o papel de
professor titular, de alguma forma ou em algum momento esse intérprete estende a
sua atuação para a de educador, ainda que seja, para ele, na qualidade de “auxiliar”.
Dessa forma, ele se mantém somente como intérprete e não ocupa o lugar do
professor que “sabe” – mas transforma o que ele (intérprete) “sabe” em pistas para
ofertar ao aluno surdo o que supostamente acredita que o aluno não sabe e deseja
aprender. Fato é que, com a presença do intérprete de língua de sinais em sala de
aula, o professor ouvinte pode ministrar suas aulas sem preocupar-se em como
passar esta ou aquela informação por meio de sinais, atuando apenas na língua de
que tem domínio.
E isso não altera em nada a forma como a educação tem sido conduzida. Ou
seja, a escola não se modifica, como se prevê nos documentos de inclusão, em razão
da presença do aluno surdo; ao contrário, esse aluno se “ajusta” ao modelo
educacional vigente. “O desafio criador de se pensar em uma escola para surdos, ou

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em uma escola diferente do que já temos, é fagocitado pela ideia de uma escola que,
devidamente reformada, seja comum a todos. Dito de outro modo mantém a Unidade
– o mesmo.” (SOUZA, 2004, p. 6).
Quando se insere um intérprete de língua de sinais na sala de aula, abre-se,
para o aluno surdo, a possibilidade de apropriar-se do conteúdo escolar na sua língua
natural, por meio de um profissional com competência nesta língua. Supõe-se que
somente o conhecimento da LIBRAS seja suficiente para o aluno apropriar-se do
conhecimento científico/intelectual que o intérprete não possui, que não lhe pertence.
Esse fato já garante o fracasso do intérprete de língua de sinais na sala de aula,
pois, não tendo o conhecimento, não lhe é possível ensinar aquilo que não sabe.
Traduzir é compreender o texto da língua estrangeira; ninguém traduz aquilo que não
compreende. Em nosso caso, intérpretes, os quais têm aprendido a interpretar no
exercício da prática, no que tange à atuação na sala de aula, isso não deveria ocorrer,
pois estamos nos aventurando a ensinar ou a intermediar um conteúdo que não
sabemos.
A inserção do intérprete de língua de sinais na sala de aula não garante que
outras necessidades do aluno surdo, também concernentes à sua educação, sejam
contempladas. A presença do intérprete não assegura que questões metodológicas,
levando em conta os processos próprios de acesso ao conhecimento, sejam
consideradas ou que o currículo escolar sofra ajustes para contemplar peculiaridades
e aspectos culturais da comunidade surda.
Por fim, não há garantia de que o espaço socioeducacional em um sentido
amplo contemple o aluno surdo, pois esse poderá permanecer, de certa forma, às
margens da vida escolar. A presença do intérprete pode mascarar uma inclusão que
exclui. E, sendo esse intérprete generalista, normalmente com uma formação
acadêmica totalmente diferente daquela na qual o surdo está inserido, a aquisição dos
saberes curriculares continua sendo secundária na vida escolar do aluno surdo.
A construção do conhecimento tem caráter social e depende das condições
propiciadas, da qualidade das interações e das relações dialógicas estabelecidas
entre os sujeitos no âmbito da escola. Considerando os alunos surdos, esse
desenvolvimento pode ser dificultado pelas experiências sociais limitadas, em função
da falta de uma língua comum entre os surdos e os colegas ouvintes, entre os surdos

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e os professores, cabendo ao intérprete ser o único interlocutor do aluno surdo incluído


na escola regular.
Por essa razão, os alunos surdos integrados à rede regular de ensino acabam
por estabelecer uma relação desigual também com os demais alunos. Nesse contexto,
a escuta do aluno, por várias razões, não é uma opção pedagógica e política do
professor e o pequeno espaço para diálogo torna-se apenas um instrumento para
cumprir exigências específicas de ensino. Desse modo, nesse espaço, é improvável
que o aluno surdo venha a aprender a dialogar utilizando princípios de argumentação,
desacordo, acordo e cooperação e, tampouco, possa elaborar os saberes valorizados
socialmente.
A criticalidade da pessoa surda continuará acontecendo nos espaços de
educação não formal, como as associações de surdos, encontros desportivos; enfim,
nos encontros de surdos com outros surdos, ainda que alguns intérpretes possam não
reconhecer esses espaços como lugar de formação.
Não podemos, sob hipótese alguma, desmerecer a luta de grupos surdos de
diversos estados brasileiros pelo reconhecimento da sua língua e, posteriormente,
pela aceitação dessa língua no ambiente escolar. Tampouco devemos esquecer o
grande número de surdos que tiveram a coragem de prestar vestibular, nas mais
diversas universidades, para depois lutarem por um intérprete. Não raro, esse
profissional só era disponibilizado para o aluno surdo universitário quando este já
havia cursado alguns semestres ou anos sem ter sua diferença linguística respeitada.
Importante lembrar que somente no Ensino Superior é garantido ao surdo o
direito ao intérprete, pela Lei n° 3.284, de 7 de novembro de 2003. (BRASIL, 2004).
Mas a inclusão dos intérpretes no campo da educação é resultado de lutas travadas
longe das salas de aula, e não o contrário. Primeiro aconteceu a participação política
e, depois, o ingresso do intérprete na escola.
O crescimento dos surdos nas lutas políticas e sociais não pode ser a nossa
única forma de medir o nosso valor, pois a politização dos surdos acontece em
espaços do encontro surdo a surdo. Somos parceiros nessa politização, entretanto os
surdos não são dependentes, mas têm sua autonomia.
Sendo assim, aos intérpretes que atuam na sala de aula não é possível escapar
da ambiguidade professor-intérprete, que está longe de ser solucionada – ou talvez
não –, pois tudo indica que essa será a nomenclatura adotada pelo Ministério da

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Educação para “resolver” a inclusão do aluno surdo na escola regular. Vale ressaltar
que essa questão é também vivenciada pelos tradutores, ou seja, tradutor é também
autor?
Traduzir é também escrever, e escrever numa posição carregada de coerções
discursivas, sociais, históricas que os autores não conhecem – ainda que
conheçam,de sua posição, outras tantas. As ideias não são do tradutor, nem a
organização do original; o público do original e o público da tradução não são seus;
afinal, leem-se “autores”. Mas essas ideias, essa organização, só chegam ao público
da obra traduzida por suas mãos: esse público na verdade não lê o autor, mas sua
“criação” pelo tradutor. Só uma concepção de discurso como puro e simples conteúdo
pode entender que o tradutor não é autor – e há autores que dizem que traduzir é
mais “difícil” que escrever obras originais, para não mencionar criadores que, ao
traduzir, não estiveram à altura de suas criações, ao passo que tradutores “não
autores” mostram plenas capacidades autorais. (SOBRAL, 2003, p. 205206).

INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS

As questões acerca do papel do intérprete educacional mostram que é preciso


intensificar os estudos nessa área, pois é possível observar o quanto essa atuação é
pouco refletida e compreendida, o que determina dificuldades para esse trabalho.
Uma questão central é definir melhor a função do intérprete educacional; figura
desconhecida, nova, que, com um delineamento mais adequado (direitos e deveres
do intérprete, limites da interpretação, divisão do papel de intérprete e de professor,
relação do intérprete com alunos surdos e ouvintes em sala de aula, entre outros),
poderia favorecer um melhor aproveitamento desse profissional no espaço escolar.
A literatura aponta que no contexto escolar, especialmente aquele que envolve
crianças mais novas, é impossível desempenhar um papel estritamente de intérprete
(ANTIA & KREIMEIYER, 2001). O intérprete participa das atividades, procurando dar
acesso aos conhecimentos e isso se faz com tradução, mas também com sugestões,
exemplos e muitas outras formas de interação inerentes ao contato cotidiano com o
aluno surdo em sala de aula.
Todavia, se este papel não estiver claro para o próprio intérprete, professores,
alunos e aluno surdo, o trabalho torna-se pouco produtivo, pois se desenvolve de

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forma insegura, com desconfiança, desconforto e superposições. É preciso


reconhecer que a presença do intérprete em sala de aula tem como objetivo tornar os
conteúdos acadêmicos acessíveis ao aluno surdo. Entretanto, o objetivo último do
trabalho escolar é a aprendizagem do aluno surdo e seu desenvolvimento em
conteúdos acadêmicos, de linguagem, sociais, entre outros.
A questão central não é traduzir conteúdos, mas torná-los compreensíveis, com
sentido para o aluno. Desse modo, alguém que trabalhe em sala de aula, com alunos,
tendo com eles uma relação estreita, cotidiana, não pode fazer sinais – interpretando
– sem se importar se está sendo compreendido, ou se o aluno está aprendendo.
Nessa experiência, o interpretar e o aprender estão indissoluvelmente unidos e o
intérprete educacional assume, inerentemente ao seu papel, a função de também
educar o aluno.
Isso é premente no ensino fundamental, onde se atendem crianças que estão
entrando em contato com conteúdos novos e, muitas vezes, com a língua de sinais,
mas deve estar presente também em níveis mais elevados de ensino, porque se trata
de um trabalho com finalidade educacional que pretende alcançar a aprendizagem.
A questão da falta de um planejamento conjunto, da falta de um trabalho de
equipe e de uma concepção mais clara do que signifique aceitar um aluno surdo em
sala de aula também é trazida pelos intérpretes. Eles se referem a tentar fazer o
melhor possível num espaço adverso e cheio de dificuldades de relação, já que muitas
vezes o professor não assume seu papel diante do aluno surdo, delegando funções a
eles ou propondo atividades que não fazem qualquer sentido para este aluno.
Falam de si mesmos como excluídos do processo educacional, à margem,
buscando fazer, apesar disso, o melhor possível para que o aluno surdo desenvolva
suas potencialidades no espaço escolar. Discussões constantes sobre a tarefa de
cada um no espaço inclusivo, atribuições e trocas de percepções se mostram
essenciais e são um primeiro passo para uma convivência tranquila e que possa trazer
ganhos efetivos ao aluno surdo.
Suas atividades relevam ainda que tanto a escola quanto os professores
conhecem muito pouco sobre a surdez e suas peculiaridades, não compreendendo
adequadamente o aluno surdo, sua realidade e suas dificuldades de linguagem, bem
como, a importância de haver um espaço para atualização do aprendizado de língua

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de sinais por parte dos intérpretes, para discussões sobre o uso adequado dessa
língua no espaço pedagógico.
Esta é uma questão abordada em outras pesquisas e foco de atenção em
muitas experiências inclusivas (NAPIER, 2002). Todavia, no Brasil, esta questão é
percebida pelos intérpretes que realizam este trabalho, mas pouco ou nada é feito
para suprir essa necessidade.

TRADUTOR OU PROFESSOR?

Atualmente, tem-se pensado o trabalho do intérprete de língua de sinais como


um direito conquistado pelos próprios surdos de compreenderem e serem
compreendidos pela comunidade ouvinte ou como resultado dos movimentos das
comunidades surdas frente à sua educação. Todavia, a defesa da presença do
intérprete de língua de sinais em diversos segmentos da sociedade, e mais
especificamente no campo da educação, pode esconder discursos oralistas.
A sociedade majoritária é ouvinte e usuária do português oral, não conhecedora
da língua de sinais, e nem se espera que todas as pessoas na sociedade sejam
fluentes na língua brasileira de sinais. Para possibilitar a comunicação entre esses
dois grupos linguísticos existe o intérprete de língua de sinais. No meio acadêmico, a
prática tradutória escrita é denominada “tradução”, enquanto o termo “interpretação”
é utilizado para a referência à prática tradutória oral.
Diferente do tradutor, o intérprete de língua de sinais é visível, pois a língua de
sinais se apresenta numa modalidade visual-gestual; sendo assim, o ato interpretativo
só pode acontecer na presença física do intérprete de língua de sinais. Segundo Veras
(2002), o intérprete é tradicionalmente aquele que faz uma tradução ao vivo, usando
a voz ou o gesto, de corpo presente, representando como no teatro.
O prefixo INTER, na palavra intérprete, significa o que está entre uma língua e
outra, pondo essas línguas em relação, criando uma afinidade entre elas. Os gestos
da intérprete constroem o sentido do que digo; e ela depende disso que digo para sua
construção, assim como dependo de seus gestos para que esta fala sobreviva.
(VERAS, 2002).
O intérprete de língua de sinais viabiliza a comunicação entre surdos e
ouvintes, identificando-se com o orador, exprimindo-se na primeira pessoa,

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sinalizando e representando suas ideias e convicções, buscando imprimir-lhes similar


intensidade e mesmas sutilezas que as dos enunciados em português oral.
O trabalho do intérprete de língua de sinais consiste em pronunciar, na língua
de sinais, um discurso equivalente ao discurso pronunciado no português oral (ou
vice-versa). O intérprete de língua de sinais trabalha em variadas circunstâncias,
precisando ser capaz de se adaptar a uma ampla gama de situações e necessidades
de interpretação da comunidade surda, situações às vezes tão íntimas quanto uma
terapia, sigilosa como delegacias e tribunais ou tão expostas como salas de aulas e
congressos.
Há vários tipos de interpretação, que podem ser consecutivas ou simultâneas,
sendo essa última a que contribui para a identificação imediata, tanto do intérprete de
língua oral como do intérprete de língua de sinais, por ser mais conhecida na
sociedade. Na interpretação consecutiva, o intérprete senta-se junto à pessoa, ouve
uma longa parte do discurso e, depois, verte-o para outra língua, geralmente com a
ajuda de notas.
Na interpretação, o canal escrito pode servir de apoio à tradução simultânea,
por meio da leitura prévia de resumos das conferências ou palestras a serem
proferidas e/ou confecção de glossários ou, no caso da tradução consecutiva, mais
sistematicamente, pela tomada de notas, taquigráficas ou não. (AUBERT, 1994, p.
63).
Embora, hoje, a interpretação consecutiva tenha sido amplamente substituída
pela simultânea, continua a ser relevante em certos tipos de reuniões, principalmente
em: tribunais, almoço de trabalho, visitas a locais de produção e investigação, ou ainda
quando não existem equipamentos adequados para a realização da interpretação
simultânea. (DELISE; WOODSWORTH, 2003).
No caso do intérprete de língua de sinais, a interpretação consecutiva ocorre
quando este profissional atua em situações de acompanhamento da pessoa surda,
como: consultas médicas, audiências em tribunal, entrevistas de emprego e sala de
aula. Todavia, o mais comum é o intérprete de língua de sinais fazer uso da
interpretação simultânea, ou seja, sinaliza a fala do ouvinte em tempo real,
acompanhando, em frações de segundos, o discurso produzido em português. Nesse
tipo de trabalho não há espaços para pensar frases ou palavras mais apropriadas,
essa, aliás, é a diferença entre ser tradutor e ser intérprete.

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Mesmo quando o intérprete de língua de sinais conhece todas as palavras


apropriadas, o ato interpretativo exige uma reação tão imediata que não há tempo
para pensar: faltam segundos, os sinais certos são lembrados uma frase mais tarde,
quando já não adiantam mais. “Uma reação imediata apenas é possibilitada pela
combinação de conhecimento linguístico das línguas envolvidas e a capacidade e
poder de decisão ultrarrápidos.” (HOFMANN; LANG, 1987, p. 271).
Para realizar essa tarefa é necessário ao intérprete de língua de sinais
conhecer os equivalentes entre as expressões típicas da língua de partida (português)
e as da língua de chegada (sinais), nem sempre vertendo em sinais todas as palavras
pronunciadas pelo ouvinte, mas procurando manter o sentido e buscando os efeitos
produzidos pelo pronunciador do enunciado oral (os mesmos efeitos possíveis por
certos atos linguísticos marcados na prosódia, no corpo etc.).
A construção de frases na Libras possui regras próprias. Se compararmos com
o português, observamos que em Libras não usamos artigos, preposições,
conjunções, porque esses elementos estão “dentro” do sinal. Modos e tempos verbais,
sufixos e prefixos, são produzidos por movimentos das mãos no espaço, em várias
palavras. Seria também impossível pensar em traduzir ao “pé da letra” uma frase
sinalizada, para outra língua qualquer. Por exemplo: em inglês, perguntamos: How old
are you? (“quanto velho você é?”). Em português, corresponde a: “quantos anos você
tem?”. Em Libras, sinalizamos: mão direita em “Y”, tocando de leve com o dedo
mínimo na altura do lado direito do peito, e uma expressão fácil da pergunta.
(VALVERDE, 1990).
Nesse contexto, realizar interpretação para a língua de sinais não significa
sinalizar todas e/ou as mesmas palavras pronunciadas no português pelo ouvinte, ou
seja, ser literal. Assim sendo, é possível afirmar que ser intérprete de língua de sinais
é sinalizar, respeitando a estrutura gramatical da língua de sinais, um discurso
equivalente já dito no português, possibilitando, dessa forma, a compreensão da
mensagem pela comunidade surda. Ao intérprete de língua de sinais é necessário
tomar um tópico qualquer e entender a sua estrutura, estabelecer um vocabulário em
língua de sinais, habilidades essas sem as quais é impossível interpretar.
Isso leva, muitas vezes, a pessoa que pretende atuar como intérprete a
perceber que ela não teria condições de desempenhar profissionalmente essa função.
Não se traduz, afinal, de uma língua para outra, e sim de uma cultura para outra; a

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tradução requer, assim, do tradutor qualificado, um repositório de conhecimentos


gerais, de cultura geral, que cada profissional irá aos poucos ampliando a
aperfeiçoando de acordo com os interesses do setor a que se destine seu trabalho.
(CAMPOS, 1986).
Nem sempre o profissional tem consciência da necessidade de atualização de
assuntos gerais, o que se deve, principalmente, à concepção assistencial de que se o
surdo tiver alguma informação em LIBRAS já lhe é suficiente. Desse modo, é em parte
compreensível que o trabalho do intérprete de língua de sinais ainda esteja
relacionado ao voluntariado. A presença do intérprete de língua de sinais não é
considerada um direito de cidadania e, sim, um ato de benevolência às pessoas ainda
consideradas deficientes.
Por isso, é necessário estar em constante atualização, pois, como a
comunidade surda pouco se beneficia dos meios de comunicação de massa, uma vez
que somente três canais de televisão possuem serviços de legenda oculta e em
horários pré-selecionados, são inúmeras as situações em que o palestrante cita
acontecimentos da atualidade para completar ou significar a sua fala. Assim sendo, o
intérprete de língua de sinais precisa estar pronto a esclarecer, para a sua comunidade
interpretativa, detalhes do assunto tratado pelo palestrante ouvinte. Dessa forma, o
assunto exposto sobrevive na língua de sinais.
Muitas vezes, a fim de estabelecer uma ponte entre as duas culturas a tradução
tem que explicitar conhecimentos que são comuns entre os leitores do original, mas
dos quais não partilham os leitores da tradução, por meio de notas de rodapé,
glossários e outros recursos. (TRAVAGLIA, 2003).
As informações que são acrescidas pelo tradutor, nas notas de rodapé, quase
sempre acontecem, no caso do intérprete de língua de sinais, durante o ato
interpretativo. Nessas situações, o intérprete terá que escolher entre ignorar o
desconhecimento do assunto pela comunidade interpretativa e seguir interpretando
todo o discurso – isto é, todo o discurso que for captado por ele – ou interpretar menos
informações do que está sendo dito e fazer com que a ideia do palestrante seja de
possível compreensão pela comunidade surda, explicitando algumas informações já
dadas como conhecidas pelos ouvintes e acrescentando as novas, figuradas pelo
palestrante.

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O intérprete necessita fornecer pistas suficientes à interpretação e à


reconstrução do sentido na língua de sinais, tendo o cuidado, entretanto, de não
explicar excessivamente, para não restringir a compreensão dos surdos, além da
preocupação em não deixar conceitos totalmente desvinculados, que vão dificultar ou
até impedir o estabelecimento da coerência do discurso na língua de sinais, ou seja,
na língua de chegada.
Durante a interpretação, não raro, o intérprete de língua de sinais é interpelado
pelo surdo, que solicita esclarecimento sobre um sinal desconhecido. Normalmente,
o intérprete faz a opção por explicar o significado do referido sinal ou palavra que
possa ter sido soletrada por meio do alfabeto manual (datilologia).

ALUNO SURDO X INTÉRPRETE X PROFESSOR: PERSPECTIVA NA ÁREA


EDUCACIONAL INCLUSIVA

A inclusão vem tomando força cada vez mais, a realidade é inegável e deve
acontecer. Nessa perspectiva a Educação encontra-se num “duelo” muito particular
entre dois profissionais que atuam diretamente com os surdos. Nesse contexto
inclusivo existem três personagens: os alunos surdos, o intérprete de Libras e o
professor. É importante que sejam definidas com clareza as funções que cada um
destes exerce nesse processo.
O primeiro personagem é o aluno surdo. Esse possui língua e cultura diferente
daquela que o professor está acostumado a lidar. Também, por lei, tem o direito de
ser incluído em sala e escola de ensino comum. Todavia, a discussão não se ateará
nesse personagem, embora seja o principal.
O segundo personagem é o intérprete de Libras. Esse servirá de canal
comunicativo entre os surdos e as pessoas que lhes cercam. Mas que papel ele
exerce em sala de aula? Como deverá ser sua postura em sala de aula? Há éticas
que limitem ou lhes dê direitos? Quem é ele, enfim, na sala de aula? Na escola?
Seu papel em sala de aula é servir como tradutor entre pessoas que
compartilham línguas e culturas diferentes como em qualquer contexto tradutório que
vivenciou ou vivenciará. Ele realiza uma atividade humana e que exige dele
estratégias mentais na arte de transferir o contexto, a mensagem de um código
linguístico para outro.

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Essa atividade tradutória é a produção do seu ofício, requer uma série de


procedimentos técnicos e isso não é fácil (há muitos “sinalizadores” nomeando a si
mesmos como intérpretes e não o são, que incorre na desvalorização da Libras, pois
em nenhuma língua oral as pessoas terminam um curso e começam a interpretar,
porque sabem que existem procedimentos técnicos e exigirá anos de estudo e contato
com a língua e seus usuários, porém em Libras, inconscientemente, a desconsideram
quando agem precipitadamente na área de interpretação ainda não formados).
Tanto no contexto de uma sala de aula ou em uma palestra sobre química seu
papel será o mesmo: traduzir. Sobre sua postura, o intérprete deve se conscientizar
que ele não é o professor, e em situações pedagógicas não poderá resolver, limitando-
se às funções comunicativas de sua área. Manterá a mesma imparcialidade de sua
profissão e desenvolverá uma relação sadia com os surdos e o corpo docente.
Não permitirá que seu contato pessoal com os surdos, que é maior do que a do
professor interfira em sua atuação. O Código de Ética que norteia à carreira pode ser
usado também para essa atuação, considerando o supracitado a despeito de seu
papel, que é traduzir. Entretanto, esse código deixará a desejar em muitos fatos e
necessidades importantes que acontecem nesse novo palco de sua atuação.
Acreditando nisso, faz-se necessária a criação de um código específico (paralelo) para
a área de educação e acoplá-lo ao já existente.
Na falta deste “novo” Código recorramos ao Código de Ética vigente. Para a
última pergunta o intérprete é um “estranho” na sala de aula, um “objeto diferente” é
visto dessa forma e pode ter certeza que assim se sente. Tanto para os alunos (em
geral), para os professores e para os intérpretes é tudo muito recente, quando se viu
estavam todos no mesmo lugar. Por fim, o intérprete de Libras exercerá em sala de
aula e em todas as atividades educacionais somente as Funções Comunicativas
Tradutórias que por si só são exacerbadas.
O terceiro personagem é o professor. Esse será o modelo pedagógico para os
alunos e sua preocupação é voltada para o conteúdo, a disciplina, o saber, o
conhecimento. Como deverá ser seu relacionamento com o aluno surdo? Além de ser
o modelo pedagógico em sala de aula, que mais pode fazer pelo primeiro personagem
neste teatro escolar?
À primeira pergunta sugere-se que seu relacionamento com o aluno surdo seja
o mesmo que tem com os ouvintes. Nesse contexto, ele utilizará o profissional

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intérprete em momentos que sua projeção seja para a turma inteira. O atendimento
que o professor faz individualmente a cada aluno ouvinte será importante do mesmo
modo ao aluno surdo. Para isso, o educador precisa aprender e conhecer a língua
desse aluno, que se referindo ao surdo é a Libras.
Esse contato direto, esse atendimento pessoal entre professor e aluno, é que
irá gerar melhor relacionamento, amizade e comprometimento entre os dois. Isso é
imprescindível! Ninguém pode fazer isso por você, professor! No cenário da inclusão
tudo para todos é “muito novo” e não é incomum equívocos acontecerem. É impossível
usar o intérprete para interpretar textos, será melhor que, para alcançar todos, escreva
no quadro, por exemplo.
Jamais fazer uso do intérprete para funções pertinentes tão somente ao seu
ofício, nesse caso ele poderá contestar sua solicitação. Outro exemplo é pedir ao
intérprete para escrever no quadro aquilo que está oralmente ditando para os alunos
ouvintes. Igualmente, será fundamental o professor, após entender e conhecer a
língua e cultura da comunidade surda, disseminar o motivo de sua presença em sala
de aula e sua participação na escola de ensino comum, objetivando conscientizar os
alunos e outras pessoas, pois se assim não agir será apenas integração e não
inclusão, que dispõe de uma mudança tanto na estrutura da escola, nos sistemas,
quanto na consciência de todos.
Por fim, o professor nesse contexto inclusivo exercerá nas atividades
educacionais as mesmas funções que exerce comumente, as Funções
Pedagógicas, sem qualquer temor. Embora definidas as funções de cada profissional
observa-se certa situação aflitiva entre eles e tais necessitam ser sanadas. O
professor normalmente tem muitas dúvidas ou mesmo desconfiança na tradução que
o intérprete realiza, acreditando ser improvável a concretização da interpretação pelo
simples fato do intérprete não haver feito pedagogia, magistério ou não ter intimidade
com os conteúdos escolar.
O intérprete, muitas vezes, vai além de sua interpretação, interferindo naquilo
para qual não foi lhe dado autoridade. Muitos intérpretes são selecionados para
trabalharem nas escolas de todo o país, porém, nem todos estão em condições
profissionais para atuarem. Outro problema advindo do professor é a desconfiança se
o intérprete na hora da prova está ajudando (dando “cola”) ao aluno surdo. Por sua

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vez, o intérprete mantém uma postura inadequada, a ponto de gerar certo incômodo
não só no professor como na turma.
Muitos acreditam que contratando professores que conhecem Libras poderão
ser utilizados para substituir os verdadeiros profissionais intérpretes. Os
procedimentos técnicos são completamente diferentes. Por isso, foram definidas as
funções comunicativas e pedagógicas. Mesmo que o professor conheça muito bem a
Libras ele é professor, a não ser que tenha experiências profissionais dentro da área
de interpretação, mesmo assim é melhor exercê-las em momentos distintos.
Sem falar que o relacionamento do intérprete não se limita a um professor, mas
a vários. Todas essas situações têm gerado um conflito demasiadamente
desagradável e prejudicial ao desenvolvimento de ambos os profissionais e ao aluno.
O primeiro passo é a confiabilidade. Esta precisa ser desenvolvida entre
ambos, professor e intérprete. Quando se trabalha com insegurança, desconfiança é
extremamente incômodo, entretanto, havendo uma mútua confiança não só o trabalho
é mais bem realizado como o ambiente fica mais agradável. O segundo passo, o
respeito, ele será o limitador entre os dois.
Sabe-se que o direito de um termina quando se inicia do outro e se isso houver
ambos saberão os limites de suas funções. Se comunicativas, comunicativas; se
pedagógicas, pedagógicas. O terceiro, a parceria, profundamente importante para o
desenvolvimento escolar do aluno e ele implica na divisão de conteúdos ministrados
em sala de aula. A interpretação, de um modo geral, rende mais quando o intérprete
tem em suas mãos o texto (refere-se a qualquer mensagem, seja falada ou escrita)
que decifrará caso contrário a interpretação será prejudicada, contudo se previamente
ler o texto, na hora da tradução mobilizará esses conhecimentos armazenados em
sua mente e, portanto, interpretará melhor o conteúdo.
Solicita-se que o professor debata com o intérprete o plano de aula e esclareça
dúvidas, caso ele tenha. De igual modo, o intérprete se preocupará em tomar
conhecimento do texto que será usado em sala de aula ou em qualquer outro evento.
Envolvimento educacional é o quarto passo e de grande importância, ele permitirá que
o professor e o intérprete mostrem um ao outro “a deixa”, objetivando ampliar a
formação dos surdos.
O intérprete sabe os pontos em que os surdos se sentem mais fragilizados e
poderá compartilhar essas informações com o professor. O professor, por sua vez,

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sabe pela correção de exercícios e provas quando o aluno está respondendo bem ou
não aos conteúdos e assim informará ao intérprete. Essa troca entre os dois facilitará
o envolvimento e desenvolvimento educacional dos alunos.

O PAPEL DO INTÉRPRETE DE LIBRAS

A presença do intérprete de LIBRAS x Português e vice-versa, em sala de aula,


tem aspectos favoráveis e desfavoráveis que precisam ser observados.
Aspectos favoráveis:
• O aluno surdo aprende de modo mais fácil o conteúdo de cada disciplina;
• O aluno surdo sente-se mais seguro e tem mais chances de
compreender e ser compreendido;
• O processo de ensino-aprendizagem fica menos exaustivo e mais
produtivo para o professor e alunos;
• O professor fica com mais tempo para atender aos demais alunos; • A
linguagem de LIBRAS passa a ser mais divulgada e utilizada de maneira adequada;
• O aluno surdo tem melhores condições de desenvolver-se, favorecendo
inclusive seu aprendizado da Língua Portuguesa (falada e/ou escrita).
Aspectos desfavoráveis:
• O intérprete pode não conseguir passar o conteúdo da mesma forma que
o professor;
• O aluno não presta atenção ao que o professor regente diz, porque está
atento ao intérprete;
• Há necessidade de pelo menos dois intérpretes por turma porque a
atividade é exaustiva;
• Os demais alunos ouvintes podem ficar desatentos, porque se distraem
olhando para o intérprete;
• O professor regente pode sentir-se constrangido em estar sendo
interpretado;
• O professor não interage diretamente com o aluno.
A integração do aluno surdo é um desafio que deve ser enfrentado com
coragem, determinação e segurança. A decisão de encaminhá-lo à classe de ensino
regular deve ser fruto de um criterioso processo de avaliação. Finalmente, deve-se ter

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clara que essa integração não passa exclusivamente pela sua colocação na turma
com crianças ouvintes. A verdadeira integração implica em reciprocidade.
A criança surda poderá iniciar seu processo de integração na família, na
vizinhança, na comunidade, participando de atividades sociorecreativas, culturais ou
religiosas com crianças e adultos “ouvintes” e dar continuidade a esse processo na
escola especial ou regular, de acordo com suas necessidades especiais. Garantir ao
aluno surdo um processo de escolarização de qualidade é fator fundamental para sua
integração plena.
A língua de sinais é rica e fácil de aprender. Conhecê-la é muito gratificante e
importante para entender as necessidades e manter a comunicação com os surdos.
Diversas igrejas, comunidades e escolas ministram cursos sobre a língua de sinais
com professores preparados. Também é possível aprender por meio da convivência
com os surdos. Este método é agradável, pois os surdos têm enorme prazer e
paciência em ensiná-los.
O intérprete é a pessoa em que o surdo deposita extrema confiança. Os
serviços de interpretação são necessários em:
• Palestras e conferências;
• Entrevistas e trâmites, como trabalho, consultas médicas, audiências
judiciárias, etc.;
• Aulas em que o professor não seja fluente em LIBRAS e nas
universidades;
• Situações em que a interação entre pessoas surdas e ouvintes não
usuários de Língua de Sinais seja intensa, de longa duração e/ou de relevante
importância.

ORIENTAÇÃO AOS PAIS

Busque informações, pesquise e informe sobre tratamentos e terapias. Pais e


familiares de surdos devem procurar ajuda e conselho de pessoas que já passaram
por problemas semelhantes, assim como entidades e associações de surdos e de
profissionais especializados.
Pense bastante antes de tomar cada decisão. A escolha do profissional
adequado para o tratamento, o exame a ser realizado, o método a ser utilizado e a

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compra de determinado tipo de aparelho auditivo – são algumas decisões que não
podem ser mudadas facilmente. A escolha errada pode significar o desperdício de
muitos anos.
Procure descobrir a causa da surdez, pois isso ajudará a planejar as
necessidades de estimulação, além de mostrar quais as chances de outros filhos
nascerem com o mesmo problema. Muitas vezes, é difícil para os pais aceitarem a
criança surda, porém, a união do casal e da família em geral será essencial para a
criança ter uma qualidade de vida melhor.

REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR DO ALUNO SURDO

A presença do intérprete de língua de sinais não é suficiente para uma inclusão


satisfatória, sendo necessária uma série de outras providências para que este aluno
possa ser atendido adequadamente: adaptação curricular, aspectos didáticos e
metodológicos, conhecimentos sobre a surdez e sobre a língua de sinais, entre outros.
A presença de um intérprete de LIBRAS em escolas brasileiras é, sem dúvida,
algo ainda pouco comum. Contudo, a desinformação dos professores e o
desconhecimento sobre a surdez e sobre os modos adequados de atendimento ao
aluno surdo são frequentes. A prática de muitos anos de acompanhamento de
crianças surdas permite afirmar que, infelizmente, a maior parte das inclusões
escolares de surdos é pouco responsável.
A escola se mostra inicialmente aberta a receber a criança (também porque há
a força da lei que diz que a escola deve estar aberta à inclusão), discute suas
características no momento de sua entrada e, depois a insere na rotina, sem qualquer
cuidado especial. Em geral, com o passar do tempo, a criança parece bem, já que não
apresenta muitos problemas de comportamento, e todos parecem achar que está tudo
certo:
a) A escola não se preocupa mais com a questão, porque se preocupar
significaria buscar outras ajudas profissionais (intérprete, educador surdo, professor
de apoio etc.) e a escola pública brasileira, em geral, não conta nem com a equipe
básica de educadores para atender as necessidades dos alunos ouvintes;
b) Os professores, que percebem que o aluno não evolui, mas não sabem
o que devem fazer, por falta de conhecimento e preparo;

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c) Os alunos ouvintes, que acolhem, como podem, a criança surda sem


saber bem como se relacionar com ela;
d) O aluno surdo, que, apesar de não conseguir seguir a maior parte
daquilo que é apresentado em aula, simula estar acompanhando as atividades
escolares, pois afinal todas aquelas pessoas parecem acreditar que ele é capaz;
e) A família, que sem ter outros recursos precisa achar que seu filho está
bem naquela escola.
Ao final de anos de escolarização, a criança recebe o certificado escolar sem
que tenha sido minimamente preparada para alcançar os conhecimentos que ela teria
potencial para alcançar (em muitos casos, termina a oitava série com conhecimentos
de língua portuguesa e matemática, compatíveis com a terceira série). Essa realidade
é gravíssima e tem se repetido no Brasil, a cada ano. Torna-se urgente intervir e
modificar estes fatos.
A presença de um intérprete de língua de sinais em sala de aula pode minimizar
alguns aspectos desse problema, em geral, favorecendo uma melhor aprendizagem
de conteúdos acadêmicos pelo aluno, que teria ao menos acesso (se conhecesse a
língua de sinais, ou pudesse adquiri-la) aos conteúdos trabalhados. Todavia, este
aluno continua inserido em um ambiente pensado e organizado para alunos ouvintes.
Para que este ambiente se torne minimamente adequado às necessidades de
alunos surdos, são necessárias mudanças e adaptações que se encontram distantes
de serem realizadas. O aluno surdo é usuário de uma língua que nenhum
companheiro ou professor efetivamente conhece. Ele é um estrangeiro que tem
acesso aos conhecimentos de um modo diverso dos demais e se mantém isolado do
grupo (ainda que existam contatos e um relacionamento amigável).
A questão da língua é fundamental, pois, sem ela, as relações mais
aprofundadas são impossíveis, não se pode falar de sentimentos, de emoções, de
dúvidas, de pontos de vista diversos. As experiências revelam que a relação do aluno
surdo com os demais se limita a trocas de informações básicas, que são
enganosamente “imaginadas por todos” como satisfatórias e adequadas.
Ele, por não conhecer outras experiências, só pode achar que este ambiente
em que vive é bom: tem amigos, vai à escola todos os dias, é bem tratado e possui
intérprete. Todavia, tudo isso se mostra precário, longe daquilo que seria desejável
para qualquer aluno de sua idade. Outro ponto importante, no que tange às questões

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de desenvolvimento, é que o aluno surdo, como qualquer criança que frequenta o


ensino fundamental, está em processo de desenvolvimento de linguagem, de
processos identificatórios, de construção de valores sociais e afetivos, entre outros.
É na escola que as crianças aprendem ou aperfeiçoam formas de narrar, de
descrever, modos adequados de usar a linguagem em diferentes contextos,
ampliando seu conhecimento linguístico, e experimentam regras de convivência
social, regras de formação de grupo e de valores sociais fundamentais para a
adaptação da vida em sociedade.
É também na escola que emoções e afetos são vividos de forma mais aberta,
menos protegida, propiciando sucesso, insucesso, ciúmes, competição, raiva,
sentimentos importantes de serem conhecidos. Além disso, é nessa etapa da vida que
os processos identificatórios se consolidam e o aluno surdo, sozinho no ambiente
escolar, em sua condição de surdez, pode, por isso mesmo, enfrentar uma série de
dificuldades.
Shaw e Jamienson (1997) discutem que os discursos de sala de aula revelam
papéis sociais e culturais nas interações que podem ser diferentes em muitos
aspectos daquilo que tratam normalmente os discursos familiares. Assim, o discurso
do professor guia a atenção dos alunos para tarefas relevantes, avaliando suas
respostas e sua adequação. Além disso, muito do que é dito para outro aluno em uma
explicação ou discussão é ouvido pelo grupo e constitui um conhecimento adquirido,
ainda que não diretamente voltado para este ou aquele sujeito; neste ambiente, em
que uma pergunta, outro responde e outro ouve, se constroem muitas regras de
conhecimento social e afetivo importantes para o desenvolvimento da criança.
Nesse sentido, crianças surdas possuem estratégias de comunicação muito
peculiares, pois a maioria vem de lares ouvintes que não possibilitam um
desenvolvimento linguístico no patamar das crianças ouvintes. Assim, elas partem de
uma exposição e de estratégias de linguagem diferentes, estando expostas a um
ambiente que usa simultaneamente pistas visuais e auditivas, impondo a elas opções,
dividindo sua atenção.
Em uma sala de aula para alunos ouvintes, isso se reproduz, já que o professor
passa as informações de acordo com aquilo que está acostumado, sendo mais
adequado aos ouvintes que às crianças surdas. Desse modo, a criança surda está
presente, mas está perdendo uma série de informações fundamentais sobre questões

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de linguagem, sociais e afetivas que lhe escapam justamente por sua condição de ser
usuária de outra língua, tendo acesso aos conteúdos apenas pela mediação do
intérprete.
A criança surda tem um interlocutor único que usa uma linguagem filtrada,
escolar e própria para a tradução, sem outros modelos, sem trocas, sem contato com
tudo que circula no meio e/ou ambiente. (TERUGGI, 2003). Trata-se de uma
experiência restritiva em um momento fundamental de seu desenvolvimento, que
precisa ser considerada.
A situação do aluno surdo incluído faz pensar no texto de Platão, “O mito da
caverna”, presente no diálogo “A República”.
(...) homens vivendo numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda a
sua largura, com um amplo saguão de acesso. Os habitantes desta caverna têm as
pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não podem mudar de posição e olham
apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede. Bem em frente da entrada da
caverna existe um pequeno muro da altura de um homem e por trás desse muro se
movem homens carregando sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e
madeira, representando os mais diversos tipos de coisas. E lá no alto brilha o sol. A
caverna também produz ecos e os homens que passam por trás do muro falam de
modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna (...). Se fosse assim, certamente
os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das pequenas
estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco das vozes.
Entretanto, por nunca terem visto outra coisa, eles acreditariam que aquelas sombras,
que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram a única e verdadeira realidade e
que o eco das vozes seria o som real das vozes emitidas pelas sombras (...)

Assim, o aluno surdo, seus companheiros e professores, parecem ver apenas


as sombras e os ecos e não compreendem que as relações escolares poderiam
acontecer de modo diferente. Ainda, seguindo o mito criado por Platão, suponhamos,
agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das correntes que o prendem.
Com muita dificuldade e sentindo-se frequentemente tonto, ele se voltaria para a luz
e começaria a subir até a entrada da caverna. Com muita dificuldade e sentindo-se
perdido, ele começaria a se habituar à nova visão com a qual se deparava.

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Habituando os olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas moverem-se por


sobre o muro e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas
possuem mais detalhes e são muito mais belas que as sombras, que antes via na
caverna e que lhes parece, agora, algo irreal ou limitado.
Suponhamos que alguém o traga para o outro lado do muro. Primeiramente,
ele ficaria ofuscado e amedrontado pelo excesso de luz. Depois, habituando-se, veria
as várias coisas em si mesmas. E, por último, notaria a própria luz do sol refletida em
todas as coisas. Compreenderia, então, que essas e somente estas coisas seriam a
realidade e que o sol seria a causa de todas as outras coisas.
Para ver e saber o que realmente se passa, como podem ocorrer as relações
em uma sala de aula entre alunos surdos e ouvintes, professores e alunos que
vivenciam esta experiência de inclusão precisariam conhecer algo diverso, conhecer
melhor a surdez e sua realidade, de modo a refletirem sobre o que têm vivido. “O mito
da caverna” termina dizendo que: (...) mas ele se entristeceria se seus companheiros
da caverna ficassem ainda em sua obscura ignorância acerca das causas últimas das
coisas. Assim, ele, por amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo
da ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido como
um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade que eles pensam ser
a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles o desprezariam (...)
O texto de Platão pode iluminar alguns pontos das discussões aqui
apresentados. Na situação da escola inclusiva, não são os alunos surdos ou os alunos
ouvintes os responsáveis por voltarem para a caverna e tentarem convencer seus
companheiros de que há outra realidade possível de ser vivida, pois, afinal, são
crianças e seria uma responsabilidade bastante grande.
Mas os profissionais envolvidos neste trabalho, especialmente os intérpretes,
os professores e os pesquisadores conhecem outras realidades, a realidade da
surdez, a realidade escolar, e não podem se calar, sendo responsáveis por conhecer
os limites e os problemas enfrentados nas “cavernas da inclusão”.

RESOLUÇÃO DO ENCONTRO DE MONTEVIDÉU

No ano de 2001 foi realizado um encontro internacional sobre a formação de


intérpretes de língua de sinais na América Latina. Este evento foi realizado em

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Montevidéu, Uruguai, no período de 13 a 17 de novembro de 2001 com o apoio da


Federação Mundial de Surdos. A seguir são apresentadas as principais conclusões e
recomendações feitas por ocasião deste encontro.
Respeitando as características e situação de cada um dos países participantes,
conclui-se em primeiro lugar que é necessário, principalmente:
a) Que a comunidade de pessoas surdas seja consciente da importância
de sua própria língua e dos intérpretes profissionais;
b) Que as associações e federações de pessoas surdas sejam fortalecidas
em todos os aspectos, por si mesmas, e com o apoio de organismos públicos e
internacionais;
c) Que em todos os países se reconheça a Língua de Sinais;
d) Que exista reconhecimento da profissão e titulação do Intérprete de
Língua de Sinais;
e) Que exista reconhecimento da profissão e titulação do Intérprete de
Língua de Sinais.

E, logo, no terreno da capacitação e formação:


• Que se dê importância equivalente à Língua de Sinais e à Língua Oficial
do país;
• Que os programas de formação incluam um estudo sistemático de
ambas as línguas;
• Que se estimule e favoreça a garantia a primeira língua;
• Que se destine maior tempo à investigação linguística com respeito à
Língua de Sinais;
• Que a comunidade de pessoas surdas assuma um papel protagônico
nos processos de investigação, junto com os especialistas;
• Que exista um trabalho conjunto entre intérpretes e pessoas surdas na
formação de futuros intérpretes e de futuros formadores de intérpretes;
• A elaboração, execução e avaliação dos programas de formação devem
ser conceitualmente interculturais e interdisciplinares;
• Que os centros de formação de intérpretes façam o intercâmbio de suas
metodologias e experiências, dinamicamente;

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• Preferivelmente as federações ou associações deveriam, em função de


sua capacidade e interesse, liderar os cursos;
• Que exista uma base de lineamentos gerais para planejar um curso de
Língua de Sinais como, por exemplo:
a) objetivos;
b) conteúdos;
c) tempo;
d) metodologia;
e) atividades;
f) materiais e recursos;
g) avaliação;
h) continuação e prática;
• Que os quatro países que atualmente dispõem de cursos de Língua de
Sinais e de formação de intérpretes (Argentina, Brasil, Colômbia e Uruguai) prestem
seu apoio aos países que ainda não contam com estes cursos (Bolívia, Paraguai,
Chile, Equador, Peru e Venezuela), para o qual cada um dos primeiros quatro
designará duas pessoas, uma ouvinte e outra surda especialista em formação, que
sirvam como, formadores, assessores e consultores dos futuros agentes
multiplicadores de cada um dos seis países. Os critérios para selecionar os agentes
multiplicadores deverão ser desenvolvidos. A Federação Mundial de Surdos designará
um especialista que será o coordenador de todo este processo;
• Os agentes multiplicadores, com a ajuda do especialista coordenador,
contribuirão para o estabelecimento de um programa de capacitação em Língua de
Sinais e outro de Formação de Intérpretes em cada país. Estes programas poderão
aplicar-se de forma sequencial (primeiro um, depois o outro) ou paralelamente (ambos
os programas de uma vez, considerando que, por exemplo, os intérpretes empíricos
sejam os primeiros alunos dos cursos de Formação de Intérpretes). O
acompanhamento deste processo se dará entre os quatro países e o especialista
coordenador;
• Os usuários devem conhecer o código ético pelo qual se rege a
interpretação;
• Que a Federação Mundial de Surdos continue respaldando estes
processos.

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MEDIADOR X INTÉRPRETE: A DIFERENÇA NA FUNÇÃO E NA


APRENDIZAGEM DOS ALUNOS SURDOS

A busca para entender a diferença entre a função de mediador e de intérprete


pode remeter à compreensão sobre se há ou não uma discrepância na aprendizagem
de alunos, nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental. Acredita-se que a
aprendizagem do aluno se constitui, na maioria das vezes, da intervenção do
educador. Essa intervenção, ou também, mediação, pode ajudar na elevação
intelectual do mesmo, promovendo uma elevação no nível de conhecimento e
compreensão desse aluno, fazendo com que algumas dificuldades sejam supridas.
Em se tratando de educação, a aprendizagem plena dos alunos é uma das
maiores metas do educador. Isso não é diferente com o aluno surdo, que necessita
de maiores aparatos pedagógicos para que a aprendizagem ocorra, como a
preparação e formação de seus educadores e até mesmo a formação e função
desempenhada pela pessoa que o acompanha na tradução da língua, entre outros
pontos relevantes.
Para se fazer entender a função do professor, primeiramente se faz necessária
uma retomada geral da formação do mesmo no Brasil, para em seguida discutir a sua
necessidade de conhecimento para atuar com a Educação Especial, apontada como
uma modalidade educacional na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº
9.3949/96).
Em seguida, compreender a formação continuada e a função exercida pelo
professor mediador e intérprete e sua interferência na aprendizagem dos alunos.
Observadas as duas funções, percebe-se que quanto ao apoio permanente há a
preocupação com a aprendizagem do aluno e não somente com a interação social,
como ocorre na função do tradutor/intérprete.
Segundo Góes, “tendo em vista que o ensinar-aprender somente se dá na
dialogia, a qualidade da experiência escolar dos surdos depende das formas pelas
quais a escola aborda a questão da linguagem e concebe a importância ou o lugar
das duas línguas”. (2000, p. 29).

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Pode-se perceber que a presença de um intérprete é de extrema relevância,


não só para a inserção e comunicação social do surdo, mas, também, para a
aprendizagem e desenvolvimento cognitivo do mesmo. Essa forma de educação
chama-se Educação Bilíngue. De acordo com Lacerda (2000, p. 54):
O objetivo da Educação Bilíngue é que a criança surda possa ter um
desenvolvimento cognitivo-linguístico equivalente ao verificado na criança ouvinte e
que possa desenvolver uma relação harmoniosa também com ouvintes, tendo acesso
às duas línguas: a língua de sinais e a língua do grupo majoritário.
A inserção da criança surda no ensino regular exige das autoridades
responsáveis a presença de um tradutor da língua para que o aprendizado significativo
ocorra, proporcionando a esse aluno o direito à igualdade perante a sociedade. Para
Lacerda (2000, p. 55): Quando se opta pela inserção do aluno surdo na escola regular,
essa precisa ser feita com muitos cuidados que visem garantir sua possibilidade de
acesso aos conhecimentos que estão sendo trabalhados, além do respeito por sua
condição linguística e por seu modo peculiar de funcionamento.
Ao exposto acima, fica clara a necessidade de apoio do intérprete da
língua, pois sem ela o aluno surdo se torna incomunicável e não consegue se apropriar
dos conhecimentos necessários. Assim, pode-se dizer que o tradutor da língua é um
dos aparatos principais para a inclusão do surdo no ensino regular.

REGULAMENTO PARA ATUAÇÃO COMO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE


LÍNGUA DE SINAIS

Em alguns estados brasileiros surgiu a necessidade de regulamentar a


atuação do profissional intérprete de língua de sinais. O Estado do Rio Grande do Sul
iniciou a capacitação de seus profissionais intérpretes em 1997 por intermédio de
cursos certificados pela FENEIS/RS e pela UFRGS. Neste Estado, desde 1988 são
realizados encontros sistemáticos para discussão sobre a qualidade da interpretação
e sobre os princípios éticos. Portanto, o Estado do Rio Grande do Sul apresenta um
histórico bastante interessante no sentido de organização deste profissional.
Ao longo da atuação dos intérpretes neste Estado surgiu a necessidade de
uma regulamentação para atuação dos intérpretes, uma vez que foram observadas
restrições comuns que deveriam ser consideradas. A seguir, apresentar-se-á o

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Tradutores e intérpretes da língua
brasileira de sinais

regulamento para a atuação como tradutor e intérprete de língua de sinais, elaborado


pelos intérpretes do Estado do Rio Grande do Sul.
Vale ressaltar que o objetivo da apresentação do mesmo restringe-se à
exposição da experiência deste trabalho, com intuito de contribuir para o
desenvolvimento do profissional intérprete em outros estados brasileiros que não
disponham de nenhum tipo de regulamentação.

MODELOS DE TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO

Traduzir um texto em uma língua falada para uma língua sinalizada ou vice-
versa é traduzir um texto vivo, uma linguagem viva. Acima de tudo, deve haver um
conhecimento coloquial da língua para dar ao texto fluidez e naturalidade ou
solenidade e sobriedade, se ele for desse jeito. Catford (1980) define tradução da
seguinte forma: Tradução pode definir-se como a substituição de material textual
numa língua (LF) por material textual equivalente noutra língua (LM). (...) o termo
equivalente é, sem dúvida, uma palavra-chave (...) Uma tarefa central em teoria de
tradução consiste em definir a natureza e as condições da equivalência de tradução.
Roberts (1992) apresenta seis categorias para analisar o processo de
interpretação, que serão destacadas a seguir por apresentarem as competências de
um profissional tradutor-intérprete:
(1) Competência linguística - habilidade em manipular com as línguas
envolvidas no processo de interpretação (habilidades em entender o objetivo da
linguagem usada em todas as suas nuanças e habilidade em expressar corretamente,
fluente e claramente a mesma informação na língua-alvo). Os intérpretes precisam ter
excelente conhecimento de ambas às línguas envolvidas na interpretação (ter
habilidade para distinguir as ideias principais das ideias secundárias e determinar os
elos que definem a coesão do discurso).
(2) competência para transferência - não é qualquer um que conhece duas
línguas e que tem capacidade para transferir a linguagem de uma para a outra; essa
competência envolve habilidade para compreender a articulação do significado no
discurso da língua-fonte, habilidade para interpretar o significado da língua-fonte para
a língua-alvo (sem distorções, adições ou omissões), habilidade para transferir uma
mensagem na língua-fonte para a língua-alvo sem influência da língua-fonte e

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Tradutores e intérpretes da língua
brasileira de sinais

habilidade para transferir da língua-fonte para a língua-alvo de forma apropriada do


ponto de vista do estilo.
(3) Competência metodológica - habilidade em usar diferentes modos de
interpretação (simultâneo, consecutivo, etc.), habilidade para escolher o modo
apropriado diante das circunstâncias, habilidade para retransmitir a interpretação,
quando necessário, habilidade para encontrar o item lexical e a terminologia
adequada, avaliando-os e usando-os com bom-senso, habilidade para recordar itens
lexicais e terminologias para uso no futuro.
(4) Competência na área - conhecimento requerido para compreender o
conteúdo de uma mensagem que está sendo interpretada.
(5) Competência bicultural - profundo conhecimento das culturas que
subjazem as línguas envolvidas no processo de interpretação (conhecimento das
crenças, valores, experiências e comportamentos dos utentes da língua-fonte e da
língua-alvo e apreciação das diferenças entre a cultura da língua-fonte e a cultura da
língua-alvo).
(6) Competência técnica - habilidade para posicionar-se apropriadamente
para interpretar, habilidade para usar microfone e para interpretar usando fones,
quando necessário.
São várias as categorias apresentadas demonstrando, portanto, a
complexidade do processo em que o profissional intérprete está envolvido. Além de
tais competências, o intérprete de língua de sinais está diante do processamento de
informação simultânea. Assim, apresentar-se-ão algumas propostas de modelos de
processamento no ato da tradução e interpretação.

MODELO COGNITIVO

Três passos a serem seguidos pelo intérprete no modelo cognitivo:


1) Entender a mensagem na língua-fonte;
2) Ser capaz de internalizar o significado na língua-alvo;
3) Ser capaz de expressar a mensagem na língua-alvo sem lesar a
mensagem transmitida na língua-fonte.
O processo pelo qual o intérprete passa apresenta os seguintes passos:

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Mensagem original > Recepção e compreensão > Análise e internalização >


Expressão e avaliação > Mensagem interpretada para a língua-alvo

MODELO INTERATIVO

O modelo interativo aponta os componentes que afetam a interpretação. São


eles:
a) Participantes: iniciador, receptor e o intérprete (e talvez ainda o relay);
b) Mensagem;
c) Ambiente (contexto físico ou psicológico);
d) Interações (os efeitos de cada categoria dependem demais).

Diante de tais aspectos, os intérpretes devem considerar os seguintes


aspectos:
4) Como a mensagem está sendo interpretada (simultânea ou
consecutivamente);
5) O espaço de sinalização que está sendo usado (amplo ou reduzido, de
acordo com a audiência);
6) Fatores físicos (como iluminação e ruídos);
7) Feedback da audiência (movimento da cabeça e linguagem corporal);
8) Decisões em nível lexical, sintático e semântico.

MODELO INTERPRETATIVO

O intérprete deve entender as palavras e sinais para expressar seus


significados corretamente na língua-alvo. Interpretar é passar o SENTIDO da
mensagem da língua-fonte para a língua-alvo.

MODELO COMUNICATIVO

A mensagem é codificada para a transmissão. O código pode ser o português,


a língua de sinais ou qualquer outra forma de comunicação. A mensagem é

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Tradutores e intérpretes da língua
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transmitida por meio de um CANAL e quando é recebida é CODIFICADA. Qualquer


coisa que interfira na transmissão é considerada RUÍDO. O intérprete não assume
qualquer responsabilidade pela interação ou dinâmica de comunicação, adotando
uma posição de mero transmissor.

MODELO SOCIOLINGUÍSTICO

O aspecto fundamental do processo de tradução e interpretação no modelo


sociolinguístico baseia-se nas interações entre os participantes. O intérprete deve
reconhecer o contexto, os participantes, os objetivos e a mensagem. Podem ser
consideradas as seguintes categorias:
• A recepção da mensagem;
• O processamento preliminar (reconhecimento inicial);
• A retenção da mensagem na memória de curto prazo (a mensagem deve
ser retida em porções suficientes para então passar ao próximo passo);
• O reconhecimento da intenção semântica (o intérprete adianta a
intenção do falante);
• A determinação da equivalência semântica (encontrar a tradução
apropriada na língua);
• A formulação sintática da mensagem (seleção da forma apropriada);
• A produção da mensagem (o último passo do processo da
interpretação).

MODELO DO PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO

Os componentes fundamentais do modelo do processo de interpretação são


os seguintes:
9) A análise da mensagem fonte;
10) A composição da mensagem alvo.
Neste modelo consideram-se os seguintes aspectos:
• Habilidade processual (habilidade de compreender a mensagem e
construir a mensagem na língua-alvo);

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• Organização processual (monitoramento do tempo, estoque da


mensagem em partes, busca de esclarecimento);
• Competência linguística e cultural;
• Conhecimento (experiência e formação profissional);
• Preparação;
• Ambiente (físico e psicológico);
• Filtros (hábitos do intérprete, crenças, personalidade e influências).

MODELO BILÍNGUE E BICULTURAL

Neste modelo há uma consideração especial quanto à postura do intérprete e


seu comportamento em relação às línguas e culturas envolvidas. Também, o
intérprete tem a autonomia de definir seu papel com base em cada contexto. Quanto
ao desenvolvimento de pesquisas na área da interpretação, tem-se como objetivo
delinear as características dos bons intérpretes e das boas interpretações. A partir dos
resultados, acredita-se que será possível reexaminar os modelos de interpretação e
contribuir para a formação de intérpretes.

Algumas conclusões a partir destes modelos:

11) Ênfase no significado e não nas palavras;


12) Cultura e contexto apresentam um papel importante em qualquer
mensagem;
13) Tempo é considerado o problema crítico (a atividade é exercida em
tempo real, envolvendo processos mentais de curto e longo prazo);
14) Interpretação adequada é definida em termos de como a mensagem
original é retida e passada para a língua-alvo, considerando-se também a reação da
audiência.

Os intérpretes devem saber:


• As línguas envolvidas;
• Entender as culturas em jogo;

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• Ter familiaridade com cada tipo de interpretação;


• Ter familiaridade com o assunto.

CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

Friedrich (1992) afirma que a história da teoria da tradução começa com o


Império Romano, quando a tradução significava incorporar o assunto da cultura
estrangeira em uma cultura própria de uma língua, sem prestar atenção às
características lexicais ou estilísticas dos textos originais da língua-fonte.
Se no Império Romano a apropriação de conteúdo parecia despertar maior
interesse nos tradutores, durante o período da Renascença, esses exploravam como
as estruturas linguísticas de uma ou de outra língua poderiam enriquecer a sua
própria. Dessa forma, nesses dois períodos, a tradução era vista como uma
exploração rigorosa do original para acentuar as dimensões estéticas e linguísticas de
sua própria língua.
Então, tradutores e escritores, por meio de mudanças, no século XVIII,
começaram a ver outras línguas como iguais e não como formas inferiores de
expressão, em comparação com suas próprias línguas. Segundo alguns estudiosos,
a profissão de tradutor e intérprete é bastante antiga na América. Chegou com
Cristóvão Colombo, há 500 anos, e surgiu da necessidade de comunicação com os
nativos das terras recém-descobertas. Como só havia intérpretes dos idiomas árabes
e hebreus, Colombo trouxe alguns nativos para serem guias e futuros intérpretes.
Assim, descobridores e conquistadores tiveram facilitada sua tarefa com o auxílio
desses intérpretes, que eram chamados “línguas”.
Essas línguas podiam atuar como intérpretes nos julgamentos, junto aos
nativos e até nas “audiências reais”. Para exercer essa função, tinham que jurar que
usariam sua profissão para o bem e com lealdade. Campos (1986, p. 7) diz que,
segundo os dicionários, “tradução é o ato ou efeito de traduzir” e “traduzir vem do
verbo latino traducere, que significa ‘conduzir ou fazer passar de um lado para outro’”
e define, então, que “traduzir nada mais é que isso: fazer passar de uma língua para
outra, um texto escrito na primeira delas.
Quando o texto é oral, falado, diz-se que há ‘interpretação’, e quem a realiza
então é um intérprete. Portanto, percebe-se que na visão do autor a tradução falada

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brasileira de sinais

não seria uma tradução e sim uma interpretação. Cabe ressaltar, ainda, que este autor
defende que nenhuma tradução pode ter a pretensão de substituir o texto original, pois
é apenas uma tentativa de recriação dele. E sempre poderão ser feitas outras
tentativas.
Não se traduz, afinal, de uma língua para outra e, sim, de uma cultura para
outra. A tradução requer, do tradutor qualificado, um repositório de conhecimentos
gerais, de cultura geral, que cada profissional irá aos poucos ampliando e
aperfeiçoando de acordo com os interesses do setor a que se destine o seu trabalho.
(CAMPOS, 1986).
A tradução se orienta por intermédio de dois fatores que são chamados de
equivalência textual e correspondência formal. Isso quer dizer que uma boa tradução
deve atender tanto ao conteúdo quanto à forma do original, pois a equivalência textual
é uma questão de conteúdo e a correspondência formal, como o nome está dizendo,
é uma questão de forma.
A tradução entre línguas diferentes, como um processo de comunicação,
inevitavelmente, tem alguma perda de informação como qualquer situação de
comunicação e pode ser considerada como um fator implícito nesse processo. Para
Frota (1999), “a tradução passa a ser considerada uma reescritura, um texto que
inevitavelmente transforma o documento estrangeiro, não só devido às diferenças
estritamente linguísticas, mas, sobretudo, devido às diferentes funções que o texto
traduzido pode ter na cultura de chegada”.
Portanto, a tradução, segundo a autora desse ensaio, passa por uma situação
de reescrita, devido às diferenças linguísticas, mas, principalmente, devido às
diferenças culturais da outra língua. Já Wyler (1999) parte do pressuposto de que a
tradução é uma interação verbal, cuja forma e tema se encontram ligados às
condições sociais e reagem de forma muito sensível às flutuações dessas condições.
Na visão de Ladmiral (1979, p.15): A tradução é um caso particular de
convergência linguística: no sentido mais amplo, ela designa qualquer forma de
‘mediação interlinguística’ que permita transmitir informação entre locutores de línguas
diferentes. A tradução faz passar uma mensagem de uma língua de partida (LP), ou
língua-fonte, para uma língua de chegada (LC), ou língua-alvo.
Widdowson (1997) considera que a tradução naturalmente nos leva a associar
a língua a ser aprendida com a que já conhecemos e usá-la para explorar e aumentar

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o conhecimento. Ela proporciona a apresentação da língua estrangeira como uma


atividade relevante e significativa comparada à língua materna do aprendiz. Permite,
também, a invenção de exercícios que envolvem a resolução de problemas de
comunicação que exigem conhecimento além do simplesmente linguístico.
Esse princípio naturalmente nos leva a associar a língua a ser aprendida ao
que ele já sabe e a usá-la para a exploração e extensão do seu conhecimento. Ela
propicia a apresentação da língua estrangeira como uma atividade comunicativa
relevante e significativa, comparada à própria fala do aprendiz. Permite a invenção de
exercícios que envolva a solução de problemas comunicativos, problemas que exigem
referência, além da simplesmente linguística, que demanda habilidades linguísticas
somente a tal ponto que eles sejam uma característica de habilidades comunicativas.
(WIDDOWSON, 1997).
Muitos escritores como Humboldt (1992, p. 3-4), destacam que: “Nem toda
palavra de uma língua tem um equivalente exato na outra. Dessa forma, nem todos
os conceitos que são expressos por meio de palavras de uma língua são exatamente
os mesmos que são expressos por intermédio de palavras de outra”. O que significa
que não existe uma palavra equivalente a cada uma das outras na língua estrangeira,
portanto, nem todas as palavras que expressam um conceito em uma língua o farão
em outra. Será preciso entender o significado e então transpor para a língua a ser
traduzida com a estrutura e as palavras que forem necessárias e que não serão,
necessariamente, as do texto original.
Schulte e Biguenet (1992) dizem, de forma resumida, que ler também é traduzir
e, que o processo de tradução se constitui pelo entendimento humano secreto do
mundo e da comunicação social. A língua, por si só, é uma tradução e o ato de recriá-
la, por meio do processo de leitura, constitui outra tradução. Dessa forma, a tradução
funciona como uma forma de revitalização da língua, que pode estimular a criação de
novas palavras na língua traduzida e influenciar as estruturas gramaticais e
semânticas da mesma, portanto, pode ser vista como enriquecimento da língua.
Dryden (1961) destaca que toda tradução pode ser reduzida a três partes: a
metáfrase, a paráfrase e a imitação. A metáfrase é a tradução feita palavra por
palavra; a paráfrase acontece quando o tradutor se mantém na visão do autor, mas
focalizado no sentido e não na tradução termo por termo, e a imitação, na qual o
tradutor, se é que ainda pode ser considerado assim, assume a liberdade de não

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somente variar as palavras e o sentido, mas também de abandoná-los e pegar só


ideias gerais do original e fazer a tradução como quer.
Mas esse autor afirma, também, que o tradutor tem que compreender perfeita
e inteiramente o sentido do autor, a natureza de seu assunto e os termos ou assuntos
tratados e então traduzir, ao invés de traduzir palavra por palavra, o que é bastante
tedioso, confuso, além de correr-se o risco até mesmo de distorcer o sentido do texto,
se não for interpretado corretamente.
Para Schopenhauer, nem toda palavra tem uma equivalente exata em outra
língua. Portanto, nem todas as palavras que expressam um conceito em uma língua
o fazem da mesma maneira na outra. Para certos conceitos, a palavra existe só em
uma língua e, então, é adotada por outras línguas. Durante anos de prática em cursos
de técnica de interpretação, na Língua Brasileira de Sinais, percebe-se que os
cursistas apresentavam dúvidas comuns, tinham dificuldades em entender os
contextos dos sinais, como segue a explicação do autor: Quando estamos
aprendendo a língua visomanual, utilizada pelas comunidades surdas brasileiras, nos
deparamos com um problema, que é entender cada conceito sinalizado. Não podemos
apenas aprender os sinais da LIBRAS e sim adquirir conceitos. Caso contrário, nós
nunca entenderemos o sentido do que é falado por meio das mãos, se primeiro
traduzirmos palavra por palavra na língua portuguesa. Mais difícil que aprender o
sentido dos sinais, ou decorá-los, ou memorizá-los, é aprender como um surdo
aprende, ou seja, entender a mente e o pensamento do sujeito é mais complicado que
entender sua língua. (SCHOPENHAUER (1992, p. 34).
É preciso adquirir o “espírito” da língua estrangeira. “De tudo isso, se torna claro
que novos conceitos são criados durante o processo de aprendizagem da língua
estrangeira para dar significados a novos signos”. E que um número infinito de
nuances, similaridades e relações entre objetos aumentam o nível de consciência de
uma nova língua, o que confirma que nosso pensamento é modificado e inovado por
meio da aprendizagem de cada língua estrangeira, e que o poliglotismo representa,
além de suas vantagens imediatas, um meio direto de educar a mente pela correção
e perfeição de nossas percepções, por intermédio da diversidade e refinamento dos
conceitos.
Schleiermacher (1992) diz que a tradução pode ser feita tanto na direção do
autor quanto na do leitor. Ou o autor é trazido para a linguagem do leitor, ou é levado

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para a linguagem do autor. No primeiro caso, não se faz uma tradução e, sim, uma
imitação ou uma paráfrase do texto original.
No mundo de hoje, a tradução tem uma missão, que muitas vezes é
considerada não produtiva, por estabelecer uma comunicação média e censurada,
mas representa, na verdade, um meio de trocar ideias entre um indivíduo e outro, é
como se fosse um tipo de estação de rádio subterrânea da qual a humanidade se
utiliza para mandar notícias para o mundo, sem esperança de ser ouvida, porque a
interferência dos sinais é muito forte.

ATUAÇÃO DOS TRADUTORES E INTÉRPRETES DE LÍNGUA DE SINAIS

A discussão é ainda polêmica, pois instaura uma nova dinâmica interacional

nas salas de aula (aluno-intérprete-professor), além de trazer à tona o (des)gosto em

relação a inclusão escolar. Ainda que a área da interpretação e tradução de língua de

sinais esteja em processo de construção e legitimação, é fato que a demanda por

profissionais em contextos educacionais é muito maior se comparada a outros

contextos. E aqui amplio dizendo que a formação deste profissional deve ser pensada

tanto para a sua atuação dentro da sala de aula como também para além dos muros

da escola. Assim sendo, faremos um retorno ao debate do profissional inserido em

contextos acadêmicos, mas com a proposta de se pensar outros elementos na

atuação dos tradutores e intérpretes de língua de sinais (TILS): tanto em relação aos

aspectos propriamente relacionados ao ato interpretativo (considerando as posturas,

tomadas de decisões e uso de estratégias) bem como aos aspectos relacionados ao

campo de atuação – ou espaços discursivos (considerando as especificidades e

competências na formação do profissional a partir da análise empírica).

Mas como se configura a história dos TILS? De um modo geral, pode se afirmar

que este profissional se constitui enquanto tal na medida em que os surdos são

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brasileira de sinais

reconhecidos socialmente como grupo linguístico que faz uso da língua de sinais.

Sobre este aspecto Guarinello et alli (2008: 64) afirma que as implicações ao se

oficializar a Libras são de ordem social, subjetiva, cognitiva, terapêutica e educacional.

Todos estes aspectos estão inter-relacionados e põe em cena a figura do intérprete.

Esse reconhecimento cria, portanto, a demanda de profissionais, garantida pela

própria legislação – Lei de Acessibilidade 10.048 de 2000, regulamentada pelo

decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004, em seu artigo 23 – que garante o direito de

os surdos terem intérpretes em espaços sociais diversos, públicos ou privados.

Em contextos familiares em que há indivíduos surdos, é muito comum que um

dos ouvintes funcione como intérpretes. Fora deste contexto, todavia, sabe-se que a

atuação dos intérpretes esteve (está?) extremamente arraigada aos trabalhos

voluntários, especialmente ligados aos contextos religiosos. A este respeito, Lane

(1984: 285) afirma que a religião tem sido uma das forças que ajudaram a perpetuar

as línguas minoritárias “tanto entre surdos como entre os índios”. Ainda que o objetivo

fosse voltado para a educação religiosa, o clero, diferentemente das autoridades

legais, já tinha o entendimento de que a aprendizagem ocorria somente na língua

natural do aprendiz. Desdobra-se daí uma atuação informal e fortemente

assistencialista, visto que a formação de intérpretes de língua de sinais e sua

profissionalização são muito recentes. Quadros (2004: 14-15) ilustra, resumidamente,

alguns fatos que foram fundamentais para constituição dos intérpretes de línguas de

sinais no Brasil:

a) Presença de intérpretes de língua de sinais em trabalhos religiosos iniciados

por volta dos anos 80.

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Tradutores e intérpretes da língua
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b) Em 1988, realizou-se o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de

Sinais organizado pela FENEIS que propiciou, pela primeira vez, o intercâmbio entre

alguns intérpretes do Brasil e a avaliação sobre a ética do profissional intérprete.

c) Em 1992, realizou-se o II Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de

Sinais, também organizado pela FENEIS que promoveu o intercâmbio entre as

diferentes experiências dos intérpretes no país, discussão e votação do regimento

interno do Departamento Nacional de Intérpretes fundado mediante a aprovação do

mesmo.

d) De 1993 à 1994, realizaram-se alguns encontros estaduais.

e) A partir dos anos 90, foram estabelecidas unidades de intérpretes ligadas

aos escritórios regionais da FENEIS. ...

f) Em 2000, foi disponibilizada a página dos intérpretes de língua de sinais

www.interpretels.hpg.com.br. ...

g) No dia 24 de abril de 2002, foi homologada a lei federal que reconhece a

língua brasileira de sinais como língua oficial das comunidades surdas brasileiras. ...

Diante do exposto, o cenário para o reconhecimento e também para a formação

do intérprete acena para uma atmosfera mais positiva. E é disso que nos fala Souza

(2007: 159) quando afirma que entre os intérpretes já era perceptível “um alentador e

sério movimento de discussão de suas funções e de seus papéis”:

a) nos vários e já citados campos de atuação dos intérpretes;

b) em relação à natureza de sua participação frente aos distintos solicitantes

(quer fossem os surdos, as associações e comunidades surdas, empresas,

universidades, etc.);

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c) no que concerne ao estatuto ético-educativo que conferiam, com suas

atuações, à pessoa surda;

d) na ênfase da necessidade de formação universitária do intérprete;

e) bem como da formação de um código de ética que pudesse estabelecer

princípios norteadores para o próprio balizamento do intérprete por seus pares.

Veja-se que todas as discussões e atividades recaem sobre o intérprete. Ainda

que o nome esteja presente na sigla quando dizemos “Tradutor e Intérprete de Língua

de Sinais – TILS”, parece haver um apagamento do tradutor de Libras. Embora alguns

estudiosos na área de Estudos da Tradução fazem como Kade (1968), que tomam o

termo tradução como hiperônimo (isto é, que engloba todas as modalidades), outros

autores se valem da distinção conceitual em que interpretação é o ato de passar um

texto oral de uma língua para outra, ao passo que tradução envolve textos escritos.

No primeiro exige-se “improvisação, rapidez de ritmo, limitação de tempo, pois a

presença do emissor força o intérprete a poucas possibilidades de refletir sobre o texto

da língua de partida” (Ronai, 1987). Há inclusive um debate entre os profissionais

intérpretes de Libras clamando por esta demarcação conceitual. Isto ocorre, a meu

ver, por haver um sentimento de apagamento e marginalização da atividade – e

consequentemente do intérprete de Libras – se a área fica sendo denominada apenas

sob o termo “tradução” (Santos, 2010). Ainda que esta discussão seja pertinente entre

os pares, com vistas à visibilização e legitimação para o entorno científico da atividade

mais recorrente na área da surdez que é a interpretação, é válido ressaltar que a

atividade de tradução também é um campo proeminente nesta área.

Mas em que consistiriam os trabalhos de traduções na área da surdez? As

traduções envolveriam a língua de sinais, a escrita de sinais e a língua portuguesa (ou

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Tradutores e intérpretes da língua
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outras línguas) nos diversos gêneros textuais. Por exemplo, a literatura surda que vem

sendo registrada na sua “oralidade” pode ter sua versão em escrita de sinais ou

mesmo em português escrito. O mesmo para trabalhos e pesquisas realizados por

surdos em língua de sinais que podem ter sua versão em um sistema escrito e vice-

versa. A escrita de sinais ainda está em processo de padronização, mas considerando

o que nos diz o famoso poeta e tradutor Ezra Pound, de que a tradução é uma maneira

de também se estudar o desenvolvimento de uma língua, é nesse sentido que vejo

que a criação de tradição para esse mercado de trabalho venha a fortalecer

diretamente o sistema de escrita, e indiretamente a língua de sinais. Além disso,

traduções com o sistema de escrita de sinais colaboram para que a produção de

materiais seja desenvolvida e mais pesquisada.

De fato, o tradutor e o intérprete – independente do par linguístico em que

atuam, por exemplo, português-inglês ou português-libras – desenvolvem habilidades

distintas na sua profissão. Algumas dessas habilidades perpassam pelos dois campos

de atuação, mas a interpretação cria uma demanda maior para o profissional se

considerarmos que as suas escolhas são feitas no momento e no contexto imediato

das produções linguísticas. Ele(a) não tem a mesma possibilidade que tem o tradutor

quando faz suas opções tradutórias, por exemplo, apoiando-se em outras ferramentas

como: dicionários, enciclopédias, tradutores eletrônicos, bancos de dados, etc. No

campo das línguas de sinais, em que na maioria das vezes o ato interpretativo dá-se

no campo acadêmico e envolve a formação educacional do público surdo, como

proceder levando-se em consideração a complexidade de conteúdos com os quais o

intérprete tem que lidar e muitas vezes desconhece? Como trabalhar a mediação de

conteúdos entre professor e aluno? E a interação aluno surdo-aluno ouvinte? Quais

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Tradutores e intérpretes da língua
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as implicações de determinadas posturas e decisões no ato interpretativo? Este é o

assunto que veremos no próximo capítulo.

Posturas e decisões no ato interpretativo

Interpretar nas salas de aula é apenas uma das inúmeras possibilidades de

atuação. Início essa discussão pensando o contexto escolar, pois tradicionalmente é

nele que se inscreve e se legitima, em certa medida, a atuação dos intérpretes de

Libras. Além disso, considero o ato interpretativo neste cenário o mais complexo de

todos, senão o mais desafiador. Alguns de vocês possivelmente já vivenciaram essa

experiência e devem ter inúmeros casos para relatar.

Conforme apontado por vários autores (Quadros, 2004; Kelman, 2005;

Guarinello et alli, 2008), uma alternativa tem sido se pensar a formação de intérpretes

para a docência. Quadros (2004: 63), por exemplo, menciona que isto já é pensado

pelo MEC com o objetivo de fazer essa formação com profissionais que já sabem

língua de sinais ou mesmo de intérpretes que possam a vir atuar como professores,

através de formação específica, culminando em uma espécie de “dupla-função” para

o profissional. A meu ver, mesmo sem formação e legitimação social desta carreira,

essa demanda já está posta na prática. Por isso torna-se urgente discutir os papéis

do intérprete educacional.

A este respeito, Kelman (2005: 28-29) realizou um estudo objetivando analisar

as diferentes funções do intérprete a partir de entrevistas feitas com algumas

professoras regentes e professoras especializadas de escolas públicas do ensino

fundamental. O que é confirmado na investigação é que o ato interpretativo não é

isolado, isto é, não é função única do intérprete. A pesquisa mostra onze diferentes

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Tradutores e intérpretes da língua
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papéis – papéis estes que foram reconhecidos e atribuídos pelas próprias professoras.

O primeiro trata-se de ensinar a língua portuguesa como segunda língua. Ensinar a

língua de sinais para surdos e também para ouvintes, com o objetivo de facilitar a

comunicação entre o grupo, foram os dois outros papéis. Em seguida, há menção de

que o intérprete é responsável também por fazer a adequação (omissão) curricular,

considerando-se esta ser uma estratégia para que todos caminhem no mesmo tempo

durante a explanação do professor. O quinto papel é o de participar no planejamento

das aulas, visto que há uma necessidade de que o conteúdo seja ministrado da melhor

forma possível.

Integrar-se com a professora regente seria o sexto papel e este complementaria

o anterior. O intérprete também deve orientar as habilidades de estudo dos alunos

surdos, além de estimular a autonomia dos mesmos. O nono papel é o de fazer com

que a integração ocorra a partir do estímulo e interpretação da comunicação entre

colegas surdos e ouvintes. A autora pontua que o intérprete também tem que fazer

uso de comunicação multimodal e, finalmente promover a tutoria na sala de aula.

No estudo de Kelman (2005) não foi possível verificar de quem seria a

responsabilidade de se conferir a avaliação/notas aos alunos. De qualquer forma, o

estudo se apresenta de forma bem especulativa, tendo sido realizado em um curto

período (entre novembro de 2002 e julho de 2003) para que asserções de tamanha

complexidade sejam respondidas. O que nos interessa por ora é refletir a

complexidade em jogo e as tensões com a qual os intérpretes têm que lidar. Nem

todos os intérpretes têm a formação em licenciatura e/ou magistério, e quando têm

lhes falta, por outro lado, a formação específica da área de tradução e interpretação.

Além disso, nem todos os professores regentes lidam facilmente com a presença de

um intérprete mediando saberes.... Afinal, quais posturas o intérprete deve assumir?

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Há éticas que limitem ou que permitam aos intérpretes certos direitos? Vejamos

alguns aspectos descritos por um intérprete de Libras, pensados no contexto da

inclusão:

O primeiro deles é a confiabilidade – esta precisa ser desenvolvida entre


ambos, professor e intérprete. Quando se trabalha com insegurança, desconfiança é
extremamente incomodo, entretanto, havendo uma mútua confiança não só o trabalho
é mais bem realizado como o ambiente fica mais agradável. O segundo é o respeito,
ele será o limitador entre os dois, sabe-se que o direito de um termina quando se inicia
o do outro, e se isso houver ambos saberão os limites de suas funções. Se
comunicativas, comunicativas; se pedagógicas, pedagógicas. O terceiro, a parceria
– profundamente importante para o desenvolvimento escolar do aluno, e ele implica
na divisão de conteúdos ministrados em sala de aula. A interpretação de um modo
geral rende mais quando o intérprete tem em suas mãos o texto (refere-se a qualquer
mensagem seja falada ou escrita) que interpretará, caso contrário a interpretação será
prejudicada, contudo se previamente ler o texto, na hora da tradução mobilizará esses
conhecimentos armazenados em sua mente e, portanto, interpretará melhor o
conteúdo. Solicita-se que o professor debata com o intérprete o plano de aula e
esclareça dúvidas caso ele tenha; de igual modo o intérprete se preocupará em tomar
conhecimento do texto que será usado em sala de aula ou em qualquer outro evento.
Envolvimento educacional é o quarto convidado e de grande importância, pois ele
permitirá que o professor e o intérprete mostrem um ao outro “a deixa”, objetivando
ampliar a formação dos surdos. O intérprete sabe os pontos em que os surdos se
sentem mais fragilizados e poderá compartilhar essas informações com o professor.
O professor, por sua vez, sabe pela correção de exercícios e provas quando o aluno
está respondendo bem ou não aos conteúdos e assim informará ao intérprete. Essa
troca entre os dois facilitará o envolvimento e desenvolvimento educacional dos
alunos.
Fragmento retirado do site http://www.feneis.org.br
Qualquer ato interpretativo envolve um enorme empenho linguístico-

comunicativo por parte do intérprete. Isso porque ele tem que processar a informação

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que é expressa em uma determinada língua (no caso língua fonte), fazendo

adequações e escolhas linguísticas que façam sentido na língua alvo. Além do

domínio linguístico e técnico, o ato interpretativo também requer do profissional

conhecimento histórico, cultural e social. Afinal ele não funciona (como muitos

gostariam de pensar!) como um “decodificador” de palavras em sinais e vice-versa.

Como nos mostra Leite (2005: 74), trata-se de “atores engajados na interação

resolvendo problemas, não apenas de tradução, mas, também problemas de mútuo

entendimento em situações interativas”. O fato de o intérprete – diferentemente do

tradutor – estar presente fisicamente no ato em que ocorre a sua tarefa cria uma

“emergência” em seu desempenho. Podemos dividir a interpretação nas seguintes

modalidades:

- interpretação simultânea;

- interpretação consecutiva;

- interpretação sussurrada.

Em quaisquer processos de interpretação estão relacionados fatores tais como:

memória, tomada de decisões, categorização e estratégias de interpretação, por

exemplo. Assim sendo, cada uma das modalidades supracitadas exige habilidades e

técnicas distintas do intérprete. A este, portanto, cabe o gerenciamento das

informações e dos conhecimentos de modo que possa conduzir seu trabalho da

melhor maneira. Como se vê, interpretar é uma atividade altamente complexa. Mas,

seria possível minimizar tantas pressões e dificuldades? Dito de outra forma, quais

estratégias podem ser utilizadas no ato interpretativo? Vejamos os princípios de

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alguns modelos de processamento, conforme apresentado em Quadros (2004: 75-

78).

O primeiro é o modelo cognitivo, em que temos os seguintes passos:

1) entendimento da mensagem na língua fonte;

2) capacidade de internalizar o significado na língua alvo;

3) capacidade de expressar a mensagem na língua alvo sem comprometer a

mensagem que chega na língua fonte. O processo seria:

Mensagem original > Recepção e compreensão > Análise e internalização >


Expressão e avaliação > Mensagem interpretada para a língua alvo.

No modelo interativo os interlocutores (iniciador, receptor e o intérprete); a

mensagem, o ambiente (contexto físico e psicológico) e as interações entre as

categorias anteriores são elementos que implicam na interpretação. Expandindo para

o contexto da interpretação de língua de sinais, Quadros (2004: 76) considera que são

elementos importantes para se refletir:

1) como a mensagem está sendo interpretada (simultaneamente ou

consecutivamente);

2) o espaço de sinalização que está sendo usado (amplo ou reduzido de acordo

com a audiência);

3) fatores físicos (como iluminação e ruídos);

4) feedback da audiência (movimento da cabeça e linguagem corporal);

5) decisões em nível lexical, sintático e semântico.


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Em seguida a autora menciona o modelo interpretativo cujo foco está

exclusivamente para o sentido da mensagem; e o modelo comunicativo em que o

objetivo está para a transmissão da mensagem enquanto codificação entre línguas.

Neste último o intérprete é visto como transmissor de informações. O quinto modelo

apresentado é o sociolinguístico que conta com: A recepção da mensagem;

processamento preliminar (reconhecimento inicial); retenção da mensagem na

memória de curto prazo (a mensagem deve ser retida em porções suficientes para

então passar ao próximo passo); reconhecimento da intenção semântica (o intérprete

adianta a intenção do falante); determinação da equivalência semântica (encontrar a

tradução apropriada da língua); formulação sintática da mensagem (seleção da forma

apropriada); produção da mensagem (o último passo do processo da interpretação).

(Quadros, 2004: 77).

Ao se analisar a mensagem da língua fonte para se compor a mensagem da

língua alvo, você estaria seguindo o modelo do processo da interpretação que

consiste nos seguintes aspectos: Habilidade processual (habilidade de compreender

a mensagem e construir a mensagem na língua alvo); organização processual

(monitoramento do tempo, estoque da mensagem em partes, busca de

esclarecimento); competência linguística e cultural; conhecimento (experiência e

formação profissional); preparação; ambiente (físico e psicológico); filtros (hábitos do

intérprete, crenças, personalidade e influências).

O último modelo ilustrado é o modelo bilíngue e bicultural em que a postura e

o comportamento do intérprete em relação às línguas e culturas envolvidas passam a

ser um elemento a se considerar; isto é, a necessidade de contato e convívio com a

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comunidade surda com o objetivo de se conhecer o grupo com o qual trabalha. Por

fim, a autora faz algumas considerações com base nos modelos apresentados:

1) Ênfase no significado e não nas palavras;

2) cultura e contexto apresentam um papel importante em qualquer mensagem;

3) tempo é considerado o problema crítico (a atividade é exercida em tempo

real, envolvendo processos mentais de curto e longo prazo);

4) interpretação adequada é definida em termos de como a mensagem original

é retida e passada para a língua alvo considerando-se também a reação da plateia.

Os intérpretes devem saber: as línguas envolvidas, entender as culturas em jogo, ter

familiaridade com cada tipo de interpretação e com o assunto (Quadros, 2004: 78).

No sentido de se compreender como ocorre o processamento de informação

mental, vários modelos descritivos foram desenvolvidos no campo dos Estudos da

Tradução de línguas orais. Por razões de tempo e de escopo deste material, destaco

o autor Daniel Gile e o seu Modelo dos Esforços, desenvolvido no início da década de

80 e que, ao contrário dos estudos anteriores aos anos oitenta, não consistia em

apenas descrever os processos de uma interpretação. Com base em conceitos

emprestados da Ciência Cognitiva, a proposta de Gile busca compreender e explicar

a ocorrência de erros e omissões durante a atuação dos intérpretes. Seu modelo

imprime a ideia de que na interpretação simultânea há uma variedade de “operações

competitivas”, nomeadas pelo pesquisador como “esforços” (daí o nome do modelo)

– estes englobando componentes conscientes, deliberados e exaustivos, resultando

em operações não-automáticas o que quer dizer que impõem ao intérprete uma

capacidade de processamento. (Gile, 1995). As premissas do modelo são as de que

a interpretação:

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1) requer alguma forma de energia mental que estaria disponível ao intérprete

em quantidade limitada, e

2) consome quase toda essa energia mental, muitas vezes, mais do que o que

está disponível, resultando, portanto, em complicações no desempenho. O autor

destaca que há 3 esforços cruciais, podendo eles se sobreporem ou se inverterem no

ato da interpretação:

1 – Escutar e analisar o texto de partida (compreensão);

2 – Produzir o discurso na língua alvo;

3 – Memória de curto prazo para armazenar e recuperar a informação.

Mas, e durante o desempenho, podem ocorrer problemas mesmo se os

esforços são empregados? Certamente que sim. A capacidade de processamento

perderia sua eficiência quando um dos esforços consume maior atenção do intérprete,

deixando os outros esforços com menos “energia”, digamos assim, para funcionar. Se

o intérprete se empenha demais para fazer uma reformulação em um determinado

momento do discurso, há uma sobrecarga tamanha que a sua capacidade de

processamento fica comprometida. Isto significa que os esforços utilizados não

poderiam exceder os limites de capacidade de processamento – o que é um

complicador, pois sabemos que mesmo com estas estratégias o intérprete trabalha

muito perto do nível de sobrecarga de informações. Adiante em seu estudo, Giles

(1999) formula a noção de desencadeadores de problemas – hipótese esta que supõe

que se o intérprete está em seu limite máximo de saturação, até mesmo as pequenas

demandas de atenção poderiam resultar em erros ou omissões em seu desempenho.

Este modelo teórico de processamento nos explica, até certo ponto, porque certos

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erros e/ou omissões ocorrem sem qualquer motivação aparente, comprometendo e

interferindo no ato interpretativo.

Os modelos apresentados, especificamente o Modelo dos Esforços, foram

rapidamente comentados e servem como pano de fundo para o intérprete

pensar/compreender os seus caminhos, desenvolvendo técnicas para realizar o seu

trabalho. O ato interpretativo não é nada simples e inúmeras variáveis estão em jogo.

Para complementar a discussão, vejamos a representação de Lopes (1997) em que

o autor compara as diferenças e similaridades do processo de tradução e de

interpretação:

Língua de Partida Língua de Chegada


Ouvir Processar Discursar
Compreender: Transmitir com clareza o
Tudo que o tradutor que ouviu:
- Vocabulário, terminologia faz, porém sem tempo - Vocabulário,
e fraseologia; - Discurso; para refletir, pesquisar terminologia e fraseologia;
- Pragmática ou experimentar. - Discurso;
- Pragmática
INTERFERÊNCIAS
Ambiente – ruídos do auditório, do equipamento, etc.
Variações de velocidade de fala
Variações de sotaque (nativos e não nativos)
Variações de voz e de eloquência (oradores e “oradores”) Fatores imprevistos

Assumo com o pesquisador que embora o quadro possa ser útil para fins de

comparação, o processo de interpretação apresenta características complexas,

marcado por uma natureza singular e evanescente. Por isso, várias “barreiras”

amplificam o árduo trabalho do intérprete na intermediação do discurso entre dois

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idiomas: bagagem cultural, conhecimento de mundo, formação educacional, dentre

outras. Além do mais, o intérprete precisa ter conhecimento da situação de

comunicação, das expectativas e exigências da audiência, e domínio nas duas línguas

em que transita – afinal, neste último caso, as características morfossintáticas de cada

língua impõem facilidades ou dificuldades no trânsito entre uma e outra. Isto porque

as línguas não são transparentes; nem os seus significados, pois precisam ser

inferidos no contexto. Tanto o tipo de texto como o contexto são fatores relevantes

para a interpretação. E é disso que falaremos a seguir.

Campos de atuação: relatos de experiências

Um dos elementos que o intérprete tem que ter conhecimento é o contexto

discursivo em que desempenhará sua função. Os campos de atuação do interprete

de Libras podem ser inúmeros, e estes imprimem tipos discursivos específicos.

Sabemos que o fato de a interpretação – diferentemente da tradução – ser

caracterizada pela oralidade da língua, não significa afirmar que os discursos são mais

acessíveis. Pelo contrário, muitas vezes os tipos de textos de partida são nebulosos,

tornando o trabalho do intérprete um grande “campo de batalha”. Isto porque o

interlocutor da língua de partida pode transitar em graus textuais distintos na sua

oralidade, inclusive aquela perto da formalidade de um texto escrito ou mesmo valer-

se de textos escritos na íntegra (isto é, há que se lidar desde o discurso oral e

espontâneo, totalmente improvisado, até a leitura de um texto escrito). Assim sendo,

o intérprete terá que driblar certas contingências, isto é, a multiplicidade de gêneros

discursivos em um mesmo evento.

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Quadros (2004: 79) discute sobre a problemática que permeia a vida dos TILS

em que uma demanda seria a “de se passar a mensagem de forma precisa e

apropriada”. A autora menciona que os treinamentos destes profissionais se voltavam

para exercícios em que o foco é no vocabulário e nas frases: “decisões sobre o

significado estão baseadas nas palavras”. Adiante, a autora nos faz lembrar – em

conformidade com pesquisas na atualidade – que estes elementos “como unidades

de significado não correspondem ao entendimento do discurso, significado e interação

entre os participantes dos atos de fala”. Essa variação, portanto, imprime dinamismo,

característica esta inerente da fala. Portanto, o profissional poderá se deparar com os

seguintes tipos discursivos (Quadros, 2004: 80 apud Callow, 1974):

Narrativo – reconta uma série de eventos ordenados mais ou menos de forma

cronológica.

Persuasivo – objetiva influenciar a conduta de alguém.

Explicativo – oferece informações requeridas em determinado contexto.

Argumentativo – objetiva provar alguma coisa para a audiência.

Conversacional – envolve a conversação entre duas ou mais pessoas.

Procedural – dá instruções para executar uma atividade ou usar algum objeto.

Por conta dos fatores tempo e velocidade do discurso na interpretação,

generalizações, omissões, reformulações, compensações, empréstimos,

autocorreções são apenas algumas das marcas presentes no desempenho de muitos

profissionais. Considerando que todo processo interpretativo envolve compreensão

de ordem linguística, semântica, pragmática, cultural e cognitiva, uma estratégia útil é

um trabalho voltado ao conhecimento dos tipos discursivos anteriormente descritos.

Assim, é possível minimizar certas tensões em relação às expectativas do intérprete,

especialmente no sentido de fornecer pistas que o ajudem nas tomadas de decisão

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quanto às escolhas linguísticas, por exemplo. Além disso, tais discursos estão

inscritos em diversos espaços ou campos de atuação dos TILS, a saber: na academia,

na mídia, em conferências, repartições, sistema judiciário, instituições religiosas,

hospitais, etc.

Libras-Foco em Prática

A língua oral é o principal meio pelo qual os seres humanos se comunicam e é


por meio da audição que nós, desde pequenos, adquirimos a capacidade de
aprendizagem e conceitos necessários para convivermos em sociedade, como por
exemplo, a leitura e a escrita, que são indispensáveis para as relações entre pessoas
e também para o próprio desenvolvimento intelectual e cultural do indivíduo.
Nosso objetivo é introduzir conhecimentos teóricos e práticos que possam
orientar os aprendizes e/ou professores a rever suas práticas de atendimento
educacional especializado à luz dos novos referenciais pedagógicos da inclusão,
considerando os aspectos sociais e emocionais, que, de alguma forma, interferem na
aprendizagem e que requerem de nós mudanças de paradigmas.
Dessa forma, o curso de LIBRAS Intermediário, ainda que com conhecimentos
básicos, vem auxiliar o cursista no sentido de facilitar a comunicação visual gestual,
proporcionando discussões e esclarecimentos que nortearão sua práxis.
Pois as pessoas com surdez possuem o potencial. Falta-lhes a base. E a
Língua Brasileira de Sinais é o principal meio que se apresenta para “deslanchar” esse
processo.

QUANTIFICAÇÃO E INTENSIDADE

A quantificação é obtida em LIBRAS por meio do uso de quantificadores como


MUITO, mas incorporar a quantificação, prescindindo, pois, o uso desse tipo de
palavras. Assim, podemos observar nos exemplos com o verbo OLHAR acima que o

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olhar pontual é realizado com apenas um dedo estendido enquanto que os outros dois
sinais são realizados com as mãos abertas, ou seja, com os dedos estendidos. Dessa
forma, esse tipo de alteração do parâmetro Configuração de Mão iconicamente
representa uma maior intensidade na ação (FICAR-OLHANDOLONGAMENTE) ou
um maior número de referentes sujeitos (TODOS-FICAROLHANDO). Essa mudança
de configuração de mãos, aumentando-se o número de dedos estendidos para
significar uma quantidade maior pode ser ilustrada pelos sinais UMA-VEZ, DUAS-
VEZES, TRÊS-VEZES:

UMA-VEZ DUAS-VEZES TRÊS-VEZES

Às vezes, alongando-se o movimento dos sinais e imprimindo-se a ele um ritmo


mais acelerado, obtêm uma maior intensidade ou quantidade. Isso é o que ocorre com
os sinais FALAR e FALAR-SEM-PARAR, exemplificados acima e com os sinais
LONGE e MUITO-LONGE ilustrados abaixo:

LONGE MUITO-LONGE

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Como se pode observar, os mecanismos espaciais utilizados pela LIBRAS para


obter significados e efeitos de sentido distinguem-se daqueles utilizados pela Língua
Portuguesa. Nessa, as formas ou marcas são muito mais arbitrárias e se apresentam
em forma de segmentos sequencialmente acrescentados ao item ou palavra
modificada. Em LIBRAS, ocorre com muita frequência uma mudança interna, isto é,
uma alteração no interior da própria palavra.

CLASSIFICADORES

Como algumas línguas orais e como várias línguas de sinais, a LIBRAS possui
classificadores, um tipo de morfema gramatical que é afixado a um morfema lexical
ou sinal para mencionar a classe a que pertence o referente desse sinal, para
descrevê-lo quanto à forma e tamanho, ou para descrever a maneira como esse
referente é segurado ou se comporta na ação verbal.
Os classificadores em línguas orais como o japonês e o navajo são sufixos dos
numerais e dos verbos, respectivamente.
Em LIBRAS, como dificilmente se pode falar em prefixo e em sufixo porque os
morfemas ou outros componentes dos sinais se juntam ao radical simultaneamente,
preferimos dizer que os classificadores são afixos incorporados ao radical verbal ou
nominal. Assim, nos exemplos abaixo, pode-se observar o classificador V e V, que
respectivamente, referem-se à maneira como uma pessoa anda e como um animal
anda.

ANDAR (para pessoa) ANDAR (para animal)

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O classificador em ANDAR (para pessoa) pode ser utilizado também com


outros significados como ‘duas pessoas passeando’ ou ‘um casal de namorados’ (no
caso das pontas dos dedos estarem voltadas para cima), ‘uma pessoa em pé’ (pontas
dos dedos para baixo), etc. Este classificador é representado pela configuração de
mãos em V, como se segue:

Uma pessoa andando Duas pessoas andando, ou em pé namorando ou


passeando

O classificador C pode representar qualquer tipo de objeto cilíndrico profundo


como um copo, uma caixa, uma urna como no exemplo abaixo do sinal VOTAR:

VOTAR Classificador C

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Outros classificadores podem ser os morfemas representados pelas


configurações de mão B e Y como se segue:

Classificador B Classificador Y

O classificador B refere-se e descreve superfícies planas como mesa, parede,


chão, etc. enquanto que o classificador Y refere-se e descreve objetos multiformes ou
com formas irregulares, porém não planos nem finos. O classificador G1 é que é
utilizado para descrever objetos finos e longos. Inúmeros são os classificadores em
LIBRAS, sua natureza semântica e sua função. Entretanto, apenas mencionamos
alguns a título de ilustração.

INCORPORAÇÃO DE ARGUMENTO

As línguas orais e de sinais apresentam vários casos de incorporação de


argumento ou complemento. Por exemplo, em português, podemos citar o verbo
engavetar que, em uma análise sintático-semântica, poderia ser decomposto em um
verbo básico de o tipo colocar e em um complemento desse verbo que seria um
locativo na gaveta. Assim, podemos dizer “eu coloquei os livros na gaveta” ou “eu
engavetei os livros”. O constituinte na gaveta, um locativo, argumento ou
complemento de colocar, foi incorporado a este verbo e em decorrência disso temos
a outra forma verbal engavetar que prescinde do locativo como complemento porque
já carrega esta informação em seu próprio item lexical. Temos, pois, uma forma lexical
derivada de outra mais básica, porém, desta vez não pelo processo de derivação por

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afixação nem por composição, como discutido acima, mas sim pelo que se chama de
incorporação de argumento.
Em LIBRAS, o processo de incorporação de argumento é muito frequente e
visível devido às características espaciais e icônicas dos sinais. Os três verbos abaixo
ilustram esse tipo de incorporação. O primeiro, o verbo BEBER/TOMAR pode ser
usado sem incorporação em sentenças do tipo:

BEBER CERVEJA (= eu bebi cerveja)

Porém, se o objeto direto do verbo for, por exemplo, café ou chá, o verbo
incorporará este argumento e teremos formas verbais diferentes, como demonstram
as ilustrações a seguir:

BEBER, TOMAR BEBER-CAFÉ CHÁ (segurar x-tipo de objeto)


em
LIBRAS (CI: B A e CI: F)

Outro exemplo de incorporação pode ser ilustrado pelo verbo


ALUGAR/PAGAR-MENSALMENTE em que o verbo PAGAR que normalmente é
articulado sobre a mão de apoio em B passa a ser articulado na mão de apoio (mão
esquerda) em G1, a mesma do sinal MÊS. Assim, uma parte deste sinal incorpora-se
ao sinal PAGAR, substituindo-a. Vejamos o sinal:

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ALUGAR/PAGAR-MENSALMENTE

O mesmo processo de incorporação pode ser também observado no sinal que


deriva do sinal verbal COMER, ao qual se incorpora o objeto direto MAÇÃ:

COMER COMER-MAÇÃ

Que tal conhecermos mais alguns sinais!

Dando continuidade ao curso de Libras vamos aprender os sinais de: cores,


animais/natureza, contexto escolar, corpo humano, higiene, doenças, sexualidade,
política, países, estados e cidades do Brasil.

Após visualizar todos os sinais, você poderá revisa-los utilizando o sumário do


seu curso ou acompanhá-los pelo material impresso.

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CORES

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ANIMAIS/NATUREZA

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ESCOLAR

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SÉRIES

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DISCIPLINAS

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FACULDADE / CURSOS

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CORPO HUMANO

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HIGIENE

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DOENÇAS

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SEXUALIDADE

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POLÍTICA

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PAÍSES

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ESTADOS E CIDADES DO BRASIL

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REFERÊNCIAS

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