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As línguas
TUPI
faladas dentro e fora
da Amazônia
Marci Fileti Martins
(Organização)
Rio de Janeiro
Museu Nacional
2017
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Reitor
Roberto Leher
Museu Nacional
Diretora
Claudia Rodrigues Ferreira de Carvalho
Editor
Ulisses Caramaschi
Editores de Área
Adriano Brilhante Kury, Ciro Alexandre Ávila, Claudia Petean Bove,
Débora de Oliveira Pires, Guilherme Ramos da Silva Muricy, Izabel
Cristina Alves Dias, João Alves de Oliveira, João Wagner de Alencar Castro,
Marcela Laura Monné Freire, Marcelo de Araújo Carvalho, Marcos Raposo,
Maria Dulce Barcellos Gaspar de Oliveira, Marília Lopes da Costa Facó
Soares, Rita Scheel Ybert, Vânia Gonçalves Lourenço Esteves
Normalização
Leandra de Oliveira
Diagramação e Arte-final
Lia Ribeiro
Produção e Secretaria
Antonio Carlos Moreira
ISBN - 978-85-7427-069-2
2017
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Museu Nacional
Sumário
Apresentação ............................................................................................. 5
Resumo
Abstract
This article has as its purpose the analysis of some morphosyntactic contexts in
which the suffix {-har} can occur in Tenetehára. What is observed is that this affix,
besides creating nominalizations starting with simple bases, can join complex
structures, such as postpositional phrases. One theoretical question which the
behavior of the suffix {-har} brings to the present analysis has to do with the Weak
Lexicalist Hypothesis of Chomsky (1970), according to which the word formation
1
Ricardo Campos de Castro é bolsista de pós-doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP). Processo 2017/09615-9. O autor desenvolve suas pesquisas no
Instituto de Estudos da Linguagem – IEL. Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail
para contato: ricardorrico@uol.com.br.
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Eu gostaria de registrar meus agradecimentos aos pareceristas anônimos da Comissão de
Publicações do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujas críticas
contribuíram para o aperfeiçoamento deste artigo. Os erros e as inconsistências que persistem são
de minha inteira responsabilidade. Parte desta investigação (incluindo os exemplos apresentados
neste artigo) foi desenvolvida durante trabalho a campo realizado na Terra Indígena Araribóia (nas
aldeias Lagoa Quieta e Barreirinha) entre os anos 2010 a 2017. Adicionalmente, gostaria de
agradecer o importante apoio do povo indígena Tenetehára que tem me ajudado no levantamento
dos dados linguísticos que compõem esta pesquisa, em especial a Cíntia Maria Santana da Silva
(Haizumor Guajajára), Pedro Paulino Guajajára e Raimundo Alves de Lima Guajajára.
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A Língua Tenetehára faz parte, consoante Rodrigues (1984,1985), do Ramo IV da Família Tupí-
Guaraní e pertence ao tronco linguístico Tupí.
processes can occur both in the component and in the syntactic component.
However, as a result of this investigation, it is proposed that there is formation of
syntactic words in Tenetehára. Therefore, the relevant data from the Tenetehára
language give support to the Weak Lexicalist Hypothesis.
Keywords: Generativism. Lexicalism. Derivation. Nominalization.
1 Introdução
QUADRO 2
Segundo paradigma de concordância:
prefixos relacionais
Pessoas Raiz iniciada Raiz iniciada Traço
gramaticais em consoante em vogal distintivo
1ª/2ª ø- r- [+PESSOA]
3ª i- h- [-PESSOA]
FONTE: Camargos, 2010, p. 27
De acordo com Castro (2007), nota-se que, via de regra, a língua Tenetehára
disponibiliza o sufixo nominalizador {-har}, o qual, de modo geral, afixa-se a verbos
transitivos. Essa nominalização resultará em um sintagma nominal que denota o
agente da predicação não nominalizada.
No exemplo (1a), figura o verbo transitivo zapo “fazer”, que seleciona dois
argumentos nucleares, a saber: o DP sujeito awa “o homem” e o DP objeto wyrapar
“o arco”. Após a sufixação do morfema {-har} em (1b), o verbo transitivo passa a se
comportar como sintagma nominal, o qual semanticamente se refere ao sujeito
agente do predicado transitivo inicial. Curiosamente, o DP objeto wyrapar passa a
exercer a função de complemento da predicação nominalizada, conforme segue:
No dado em (2a), ocorre o predicado transitivo zapi “atirar” que seleciona dois
argumentos nucleares: o DP sujeito awa “o homem” e o DP objeto zàwàruhu “onça”.
Já em (2b), esse predicado recebe o morfema {-har}, cuja função é a de nominalizar
o predicado verbal. Nessa linha de investigação, o novo sintagma nominal,
semanticamente, refere-se ao sujeito agente do verbo transitivo original. Finalmente,
o DP objeto zàwàruhu, em (2b), passa a exercer a função de complemento da
predicação nominalizada, como pode ser visto a seguir:
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Abreviaturas utilizadas neste trabalho: ABS: Caso absolutivo; ARG: argumento; C:
prefixo que marca adjacência ao complemento CAUS: morfema causativo; CIRC: modo
circunstancial; EP: epentético; FUT: futuro; INTS: intensificador; LOC: caso locativo; N:
nominalizador de argumento nuclear; NC: prefixo que marca não adjacência ao
complemento; NEG: negação; NOML: nominalizador; NPR: nome próprio; PAST: passado.
Com o intuito de confirmar a análise acima, é fornecido mais um dado. Em
(3a), ocorre o verbo transitivo zuka “matar”, o qual seleciona dois argumentos
nucleares: o DP sujeito awa “o homem” e o DP objeto zàwàruhu “onça”. Depois da
sufixação do nominalizador {-har} em (3b), o verbo transitivo passa a exibir
comportamento de um sintagma nominal, que semanticamente se refere ao sujeito
agente do predicado transitivo inicial. Adicionalmente, o DP objeto zàwàruhu, em
(3b), exerce a função de complemento da predicação nominalizada, como indicam
os seguintes dados:
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O núcleo causativo vº, nessas construções, é motivado, uma vez que esse núcleo pode ser
preenchido pelo morfema {mu-}, conforme o seguinte exemplo:
kwarer i-mu-zàn-har
menino 3-CAUS-correr-NOML
“Aquele que faz o menino correr”
(5a) i-katu màg
3-bom manga
“A manga é boa”
(6a) ywate
alto
“lá em cima”
(6b) ywate-har
alto-NOML
“Aquilo que é do alto” (= O celeste)
(7a) mewe
devagar
“devagar”
(7b) mewe-har
devagar-NOML
“Aquele que (anda) devagar” (= O lerdo)
(8a) kwehe
passado
“Faz tempo”
(8b) kwehe-har
passado-NOML
“Aquele que é do passado” (= Os antigos)
Tomando por base a teoria de checagem (cf. Chomsky, 1995), assumo que a
construção de sintagmas posposicionais na língua Tenetehára possui um traço-N
forte, o qual obriga o complemento a se mover, em sintaxe visível, para checar Caso
oblíquo em Spec de PP. A concordância entre o DP movido he py “meu pé” e o
núcleo Po é evidenciada pelo acionamento do prefixo {r-} no núcleo do sintagma
posposicional.
Mais uma vez, defendo a hipótese de que os especificadores são submetidos
a movimento motivados pelo traço EPP, já os movimentos dos núcleos são
requeridos tendo em vista o componente fonológico.
Note que no exemplo (10a), ocorre o sintagma posposicional ywy r-upi “pela
terra”. Por outro lado, em (10b), o sintagma posposicional recebe o morfema {-har},
cuja função é a de nominalizar a estrutura, resultando no sintagma nominal ywy r-
upi-har “aquilo que (anda) pela terra”. Finalmente, a estrutura sintagmática final
passa a ser um complexo nominalizado que se refere à entidade relacionada ao
lugar indicado pelo sintagma posposicional inicial, conforme se pode notar por meio
dos seguintes dados:
(10a) ywy r-upi
terra C-por
“Pela terra”
Vê-se que, no exemplo (11a), figura o sintagma posposicional ka’a ø-pe “para
o mato”. Adicionalmente, em (11b), o morfema {-har} é adjungido a essa estrutura,
resultando no sintagma nominal ka’a ø-pe-har “aquilo que (vai) para o mato”. A
estrutura sintagmática final é um complexo nominalizado que se refere à entidade
relacionada ao lugar indicado pelo sintagma posposicional inicial, conforme estes
exemplos:
“Para o mato”
2.2.1 Kamaiurá
(13a) ikue
ontem
"Ontem"
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De acordo com Seki (2000), o sufixo de caso “locativo” {-ip}, representado em (14a) e (14b) pelo
alomorfe /-p/, uma vez que o radical termina em uma vogal, exprime locação espacial, temporal e de
direção.
2.2.2 Asurini do Xingu
(16a) kare
hoje
“Hoje” (PEREIRA, 2009, p. 163)
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Conforme Pereira (2010, p. 102), neste caso é comum a queda da consoante coronal inicial e a
mudança de mudança de t para r em contextos em que o t vier antes do morfema {-a}.
wara “o que é da roça” faz referência ao tempo apontado pelo advérbio inicial,
conforme se pode notar a seguir.
2.2.3 Parakanã
(19a) ywate
para cima
“Para cima, em cima” (SILVA, 2003, p. 167)
(19b) ywate-war-a
alto-NOML-ARG
“Avião” (= Aquilo que é do alto) (SILVA, 2003, p. 167)
(20a) ka’a-pe
mato-em
“No mato” (SILVA, 2003, p. 83)
(20b) ka’a-pe-war
mato-em-NOML
“Morador da selva” (SILVA, 2003, p. 105)
QUADRO 3
Nominalizadores de circunstância e agente em quatro línguas da
família Tupí-Guaraní
nominalizador
Língua √ mato posposição
de circunstância
Verbo transitivo
(22a) u-pyhyk ko awa pira a’e
3-pegar este homem peixe ele
“Este homem pegou o peixe”
Como pode ser notado, tanto sintagmas nominais simples, como em (21),
quanto sintagmas nominais complexos, como em (22), podem receber as marcas de
tempo nominal, o que demonstra que o sufixo {-har}, de fato, transforma predicações
verbais em predicados nominais.
As nominalizações de advérbios e de posposições também permitem a
marcação de tempo nominal passado e futuro. Nos exemplos (23a) e (23b), figuram
os nomes xe-har-kwer “aquele que foi daqui” e xe-har-ràm “aquele que será daqui”
advindos do advérbio de lugar xe “aqui”. Já nos dados em (24) ocorrem os nomes
he ø-py r-ehe-har-kwer “aquilo que era do meu pé” e he ø-py r-ehe-har-ràm “aquilo
que será do meu pé” derivados do sintagma posposicional he ø-py r-ehe “do meu
pé”. Nos dois processos de nominalização, podem ser vistas as marcas de tempo
nominal, conforme fora exposto anteriormente.
(23a) xe-har-kwer
aqui-NOML-PAST
“Aquele que foi daqui” (= Ex-morador daqui)
(23b) xe-har-ràm
aqui-NOML-FUT
“Aquele que será daqui” (= Futuro morador daqui)
3 Proposta Teórica
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Conforme Everett (1999, p. 26), “[...] existem três posições teóricas em vista da controvérsia sobre a
relação entre morfologia e sintaxe: (i) todas as palavras são formadas no léxico (um componente pré-
frases inteiras na língua Wari, semelhante ao processo de nominalização de PPS do
Tenetehára, mostrado anteriormente. Chomsky (1970) defendeu a Hipótese
Lexicalista Fraca, segundo a qual algumas palavras podem ser formadas na sintaxe.
Depois disso, Halle (1973), Di Sciullo e Williams (1987) e outros autores
postularam que todas as palavras são formadas no léxico, sendo eles o componente
gerativo das palavras, não importando se são flexionadas ou derivadas. A literatura
pertinente refere-se a essa visão como Hipótese Lexicalista Forte. Em suma, tendo
em conta os dados de nominalizações de PPs em Tenetehára, a hipótese que se
defende neste trabalho é a de que o lugar da morfologia não é antes, nem tão pouco
depois da sintaxe, mas se coloca com a sintaxe, ao longo da derivação.
4 Considerações Finais
Dada a circunstância de que existem línguas como o Wari, que verbaliza toda
a oração; e como o Tenetehára, que permite nominalizar sintagmas posposicionais,
propõe-se que a formação de palavras em Tenetehára não parece ser um fenômeno
restrito à morfologia. Por essa razão, as nominalizações de constituintes complexos
em Tenetehára e as orações verbalizadas em Wari são evidências necessárias que
se possui para sustentar a Hipótese Lexicalista Fraca. A busca de respostas mais
sólidas para essa investigação constitui um importante objetivo para o
desenvolvimento de pesquisas futuras. Contudo, temporariamente, a resposta a
essa questão é que há formação de palavras no componente sintático da gramática.
Como resultado da análise, propõe-se, acompanhando Castro (2007), que há
palavras sintáticas em Tenetehára. Em suma, nessa linha de investigação, a
Hipótese Lexicalista Fraca de Chomsky (1970) pode ser corroborada, uma vez que
os dados do Tenetehára evidenciam a formação de palavras também no nível
sintático.
REFERÊNCIAS
CAMARGOS, Quesler Fagundes; CASTRO, Ricardo Campos. Paralelismo entre DP
e CP a partir das nominalizações na língua Tenetehára. Revista da Anpoll, [S.l.], v.
1, n. 34, p. 393−434, 2013.
sintático); (ii) uma parte da formação de palavras é lexical e o restante é sintático; (iii) toda formação
de palavras é sintática”.
______. Para onde foram os adjetivos em Tenetehára? 2010. 60f. Monografia
(Bacharel em Linguistica) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas
Gerais. Belo Horizonte, 2010.
DUARTE, Fábio Bonfim. Negação e movimento do verbo na língua Tembé. In: ATAS
do 1º Encontro Internacional sobre Línguas Indígenas da Anpoll. Belém:
Universidade Federal do Pará, p. 374−384, 2002.
______. O que difere uma língua ergativa de uma língua nominativa? Revista
estudos da linguagem, volume 20, número 2, p. 269-308, 2012a.