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Princípio da Legalidade

Princípio nullem crimen, nulla poena sine lege:


Função, sentido e fundamentos

Para evitar a possibilidade de uma intervenção estadual arbitrária ou excessiva, a prevenção do crime só se torna
eficaz se se restringir a intervenção estadual a certos limites estritos:

Submete-se a intervenção penal a um rigoroso princípio da legalidade: cujo conteúdo essencial se traduz em não
haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa

Só a lei pode ser fonte de Direito Penal, estabelecendo-se uma reserva relativa da AR no artigo 165º1/c) CRP - Só
a AR ou o Governo munido de autorização legislativa têm competência em matéria penal

- Este princípio só é afastado pelo art-29º2: exceção à reserva de lei

O princípio da legalidade da intervenção penal possui uma pluralidade de fundamentos:

Fundamentos externos:

Ligados à concepção fundamental de Estado

1. Princípio Liberal

Toda a atividade intervencionista do Estado na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas tem de
ligar-se à existência de uma lei e mesmo entre nós, de uma lei geral, abstrata e anterior - 18º/2/3 CRP

2. Princípio democrático e Princípio da Separação de Poderes



Para a intervenção penal, só se encontra legitimada a instância que represente o povo como titular último do
ius puniendi; exigência de lei formal emanada do Parlamento ou por ele competentemente autorizada - art
165º1


Fundamentos Internos:

Natureza especificamente jurídico-penal

1. Prevenção geral

Não pode esperar-se que a norma cumpra a função motivadora do comportamento da generalidade dos
cidadãos se eles não puderem saber, através de lei anterior, por onde passa a fronteira que separa os
comportamentos criminalmente puníveis dos não puníveis.

A prevenção especial positiva ou de ressocialização, no seu entendimento atual, confirma a exigência do
princípio de legalidade: o comportamento que indica a perigosidade não é apenas sintoma ou índice de
carência de socialização, tem de ser co-fundamento e limite da intervenção penal.

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2. Princípio da Culpa

Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode exceder em caso algum a medida da culpa. 

A culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável.

Princípio Nullum crimen sine lege - Não há Crime sem Lei

Este princípio (não há crime sem lei anterior que como tal preveja uma certa conduta) significa que, por mais
socialmente nocivo e reprovável que seja um comportamento, o legislador tem de o considerar como crime -
descrevendo-o e impondo-lhe uma sanção criminal - para que ele possa ser punido como tal.

Quaisquer esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redação funcionam sempre contra o


legislador e a favor da liberdade - por mais evidente que se revele ter sido intenção do agente punir também
outros comportamentos

Professor Figueiredo Dias faz 2 precisões:

1. Um agente não é criminoso se não for como tal considerado por uma sentença passada em julgado

2. Existe um razoável preço a pagar para que possa viver-se numa democracia que proteja minimamente o
cidadão do arbítrio, da insegurança e dos excessos.

Princípio Nulla poena sine lege - Não há pena/sanção criminal/medida de segurança sem lei

Este segmento de princípio tem expressa consagração jurídico-constitucional- Art 29º3 CRP e legal - Art 2ºCP

Na interpretação desta fórmula existem algumas dificuldades:

- No que toca às penas, esta exigência de uma lei anterior corresponde à doutrina internacionalmente
dominante.

- Quanto às medidas de segurança já não funciona assim. 



Pensava-se que o seu fundamento de estrita prevenção especial deveria conduzir a que pudesse aplicar-se a
medida de segurança vigente ao tempo da aplicação, porque isso seria apenas um sinal de um entendimento
legislativo melhor para o agente (mais favorável).

Tal concepção foi recusada pela CRP e pelo art 2º/1 CP - alargou-se o princípio de legalidade às medidas de
segurança, com âmbito análogo àquele que ele tradicionalmente assume para as penas.


Consequências/Efeitos do Princípio da Legalidade em 5 planos:

1. Plano do âmbito ou extensão

2. Plano da fonte

3. Plano da determinabilidade

4. Plano da proibição da analogia

5. Plano da retroatividade

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Plano do Âmbito de Aplicação:

O princípio da legalidade não abrange toda a matéria penal mas apenas aquela que se traduza em fundamentar ou
agravar a responsabilidade do agente.

Se o princípio abrangesse a exclusão ou atenuação da responsabilidade poderia começar a funcionar contra a sua
teleologia e razão de ser.

Ex: O princípio abrange toda a matéria relativa ao tipo de ilícito ou ao tipo de culpa, mas já não abrange a matéria
relativa às causas de justificação ou de exclusão de culpa.

Esta restrição é aplicável a todos os restantes âmbitos.

Plano da Fonte:

Relacionado com a exigência de lei formal: só uma lei da AR ou por ela competentemente autorizada pode definir
o regime dos crimes, das penas e das medidas de segurança.

Problemas:

1. Em rigor, o conteúdo do princípio da legalidade só deveria cobrir a atividade de criminalização ou de


agravação, não a de descriminalização ou atenuação.

O que deveria permitir considerar que o governo possui a competência concorrente com a da AR para
descriminalizar ou atenuar a responsabilidade criminal

RESPOSTA DO TC:

Resposta negativa - contrária à posição de Figueiredo Dias

Interpretou a “definição de crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos” no sentindo de
abranger tanto a função de criminalização (ou maior criminalização) como a de descriminalização (ou menor
criminalização).

2. Saber se a exigência de legalidade no plano da fonte deverá abranger só a lei penal stricto sensu ou deverá
abranger também a lei extra-penal, na medida em que esta venha a ser chamada pela lei penal à
fundamentação ou agravação da responsabilidade criminal.

- Para esta fundamentação ou agravação serve-se muitas vezes a lei penal de procedimentos de reenvio para
ordenamentos jurídicos não penais (administrativo, civil etc). Nestes ordenamentos não vale um princípio de
legalidade equivalente ao que aqui se considera e onde, por isso o Governo e a AP têm competência geral,
pelo menos mais lata do que em matéria penal, para legislar.

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Normas Penais em Branco:

Exemplo prático:

Art 277º/a) CP - crime por omissão


A ponte que caiu, sobre os dois rios, em Portugal, em 2001
Foram acusados vários engenheiros por não terem procedido à manutenção da ponte
Quem, no âmbito da construção civil, violar normas legais regulamentares ou técnicas e criar perigo para a vida,
integridade física e património é punido
Era preciso ver que normas regulamentares e técnicas é que tinham sido violadas
Os engenheiros foram acusados da violação da chamada regra do enrucamento - quando o pilar perde o solo tem
de se voltar a calça-lo e a garantir a sua sustentabilidade - supostamente não cumpriram esta regra
Vem prevista nos livros de engenharia civil - regras técnicas - regras da profissão

Definição de Norma Penal em Branco:

Norma que tem a pena (estatuição) e apenas parte da previsão (tem o crime, o comportamento criminoso)
A outra parte da previsão há de estar numa outra base normativa
Grande questão é saber o que é que tem de estar na norma penal em termos de previsão para que esta seja
constitucional

Que problemas é que suscita uma norma penal em branco?


Uma lei tem de ser estrita, certa, escrita e prévia

Lei prévia:

Aplicação da lei no tempo

Lei estrita:

1. Tem a ver com a reserva de lei relativa da AR - é um certo tipo de lei art 165º/d) CRP

Lei penal tem de ser feita pela AR ou pelo Governo através de autorização da AR
2. Proibição da analogia - se a CRP diz que só a AR é que pode criar crimes então, por definição, a contrario, está a
dizer que o tribunal não pode ter uma atividade criativa de definição de crimes 

Art 1º CP - A aplicação analógica é criativa e inovadora porque na verdade aquela norma não se aplica àquele
caso concreto - aplicamos analogicamente porque consideramos que aquele caso é parecido com os que estão
na lei - há uma inovação - aplicação a casos que não estão lá previstos

Lei certa:

Relaciona-se com a sua determinação e precisão - art 29º/2


A norma penal em branco também pode suscitar problemas de lei certa - temos que conjugar várias normas que
não vêm identificadas no preceito normativo

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Lei escrita:

Por definição as leis são escritas


Casos de normas incriminadoras que não sejam escritas?
- Art 29º/2 - é possível a incriminação de comportamentos através dos princípios gerais de direito internacional
commumente reconhecidos - casos muito excecionais de crimes contra a humanidade praticados por um
determinado regime que tinha uma lei interna que permitia a prática desses crimes - ex: regime de Hitler

Questão da sua inconstitucionalidade ou constitucionalidade:

- Reserva de lei

- Tipicidade - art 29º/3 - normas penais devem descrever expressamente

- Principio da culpa:

Diz que o agente só pode responder por um crime e portanto ser sujeito a uma pena se puder ser
pessoalmente censurado por esse comportamento - se tiver culpa - apenas existe responsabilidade subjectiva
em direito penal, ao contrário do que se passa em direito civil 

A culpa tem 2 dimensões: 

1. O agente conhecer ou pelo menos ter condições para conhecer que o seu comportamento é ilícito - caso
contrário não pode ser censurado 

Se a norma penal não for certa, pode por em causa as condições para que o agente normal perceba o que é que
é o lícito e o que é que é proibido 

A norma penal em branco pode afetar a consciência da ilicitude por não ser certa - afetar as condições que a
pessoa tem para ver o que é certo e errado 

2. Capacidade de determinação pela norma - ninguém é capaz de se sacrificar para não praticar determinados
ilícitos 

Ex: falsificar um cheque com uma arma apontada à cabeça

Questão terminológica:
Prof. Matos Viana:

Uma norma penal em branco é toda a norma que tem a estatuição e só tem parte da previsão
Há NPB que são constitucionais e outras que são inconstitucionais
Há outros autores que reservam a expressão NPB para aquelas que o MT considera inconstitucionais - assumem
que elas são sempre inconstitucionais

Critérios para averiguar a inconstitucionalidade:

Art 277º é inconstitucional?

A ideia essencial é:

Quando o 165º/d) diz que a AR define o crime o que se está a dizer é que tem de definir os elementos essenciais e
o núcleo essencial do crime
O critério autónomo de ilicitude - que nos permite perceber qual o comportamento proibido e permitido - tem
de estar na norma penal
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Temos de ver qual o critério
De tal forma que, a norma complementadora apenas vem concretizar, detalhar ou quantificar aquilo que já está
previsto na norma penal
Se, pelo contrário, a norma complementadora vier inovar e for ela a estabelecer o critério para distinguir o proibido
do permitido - o essencial do crime não estava previsto na norma penal - viola a CRP - assim o essencial do crime já
não é definido pela AR
Se olharmos para a norma complementadora e tivermos uma reação de surpresa está tudo estragado !
Não podemos esperar surpresa porque já deveríamos saber o que é o crime porque já lemos a norma penal em
branco - quando vamos ver a norma complementadora ficamos com uma ideia mais precisa mas não pode ser uma
surpresa
Conclusão: Critério autónomo de ilicitude tem de estar na norma penal em branco

O que é que é o critério essencial e autónomo de ilicitude?

O que é que tem de estar verdadeiramente na norma penal em branco?


- O bem jurídico protegido - perceber claramente qual o bem que se pretende proteger
- Qual é que é a ação desvaliosa - qual o comportamento que se fizermos pode levantar problemas
- Desvalor do resultado - é o evento espacio-temporal que é dissociado do comportamento mas que é uma
consequência desse comportamento 

Ex: eu dou um tiro e alguém morre - a morte é um evento que é espacio-temporalmente dissociado do
comportamento - mas é consequência do comportamento 

Grande parte dos crimes são crimes de resultado - implicam que exista este evento externo desvalioso 

Aquilo que se exige nos crimes de resultado é que esse resultado esteja previsto na norma penal - sempre que o
crime for de resultado, é na norma penal em branco que esse resultado tenha de estar descrito 

Há crimes de mera atividade, que não são de resultado - logo, não implicam efeito externo - neste caso não é
exigível o resultado expresso na norma penal em branco.

Os crimes de perigo abstrato são crimes de mera atividade


Crimes de perigo concreto são crimes de resultado - o resultado é o crime concreto 


Determinabilidade do tipo legal ou tipo de garantia:

Neste plano, (o tipo é formado pelo conjunto de elementos cuja fixação se torna necessária para uma concreta
observância do princípio da legalidade) importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos
de que dependa em concreto uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente
determináveis os comportamentos proibidos e sancionados.

Considerar crime a “opinião publica” tornaria supérfluo um grande número de incriminações dos códigos penais
mas não cumpriria minimamente as exigências inerentes ao princípio da legalidade.

A lei penal fundamentadora ou agravadora de responsabilidade tem de ser uma lei certa e determinada.

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