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UNIDADE II - DIREITO PRIVADO

AULA 5 - DIREITO CIVIL: ASPECTOS RELEVANTES PARA AS CIÊNCIAS


CONTÁBEIS - PARTE 2
INTRODUÇÃO

Na aula passada foram apresentadas importantes questões ligadas a pessoa


natural. Você estudou alguns termos utilizados pelo Direito Civil para designar as fases
pelas quais passam uma pessoa. Além disso, agora, já sabe quem pode
ou não praticar atos na vida civil; vale dizer que a contratação de pessoa
incapaz pode gerar a invalidade do próprio ato, e que o Estatuto da Pessoa com
Deficiência (EPD) alterou regras do CC/2002 com o intuito de garantir maior
autonomia a estas pessoas na vida privada.

Dar-se-á sequência ao exame do Livro I da parte geral do CC/2002, através da


análise de questões implicadas com a extinção da personalidade. Nesta aula são
abordados os principais aspectos dos Direitos da Personalidade, aqueles que incidem
sobre nós, em razão da nossa condição de seres humanos. A noção de domicílio, sua
importância e seus diversos tipos; as pessoas jurídicas (empresas, fundações etc.) que,
com vida própria, também são sujeitos de direitos e obrigações e são representadas por
quem a lei determina, também são objeto de estudo.

Em seguida, passar-se-á para o Livro II da parte geral do CC/2002, que se ocupa


dos bens, isto é, dos “objetos do Direito”. O Direito Civil os classifica segundo uma
terminologia bastante específica. Desta forma, bem jurídico, formalmente, é tudo aquilo
sobre o que recai o poder do sujeito de direitos. Esse bem pode assumir valor material,
palpável, como o dinheiro, um imóvel etc, ou valor imaterial, como os direitos autorais.

Reitera-se novamente a importância da consulta à parte geral do CC/2002 1, em


especial, dos artigos citados ao longo das próximas páginas, para facilitar a
compreensão dos institutos jurídicos e desenvolvimento desta aula.

1
O Código Civil de 2002 (CC/2002) é a LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002 . Está disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm.
1) - EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE

O art. 6o do CC/2002 dispõe: "a existência da pessoa natural termina com a


morte". Logo, a morte produz efeitos jurídicos: acarreta o fim da personalidade e dos
direitos a ela ligados como o nome, a imagem, a privacidade, etc. Caso a pessoa
falecida, chamada de "de cujus", tenha deixado bens ocorrerá a transmissão da herança.

Durante muito tempo a morte foi constatada de forma natural: com o cessar das
funções respiratória e circulatória de forma definitiva. Atualmente, entende-se que a
verificação da morte está relacionada com a ausência de atividade cerebral,
considerando que procedimentos e equipamentos médico-hospitalares podem prolongar
artificialmente a vitalidade de outros órgãos do corpo humano. Assim, é a morte
encefálica, constatada inequivocamente pela equipe médica, que marca o fim da
personalidade, ainda que alguns órgãos sejam mantidos artificialmente2.

A substituição da parada cardiorrespiratória pela ausência de atividade cerebral


como critério de constatação da morte foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico
pela lei 9.434de 19973, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano para fins de transplante e tratamento. De acordo com o art. 3o: " a retirada post
mortem de tecidos, órgãos e partes do corpo humano destinada a transplante, deverá ser
precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos
não participantes das equipes de remoção e transplante". Logo, para o nosso
ordenamento jurídico, não há mais vida em corpo humano com morte encefálica, que se
converteu em cadáver.

Eutanásia

A eutanásia é um assunto ainda muito polêmico. A expressão vem do grego e


significa boa morte ou morte doce. Atualmente, é utilizada para abranger situações
diversas que precisam ser analisadas com cuidado a fim de se evitar equívocos. Por
exemplo, o paciente consciente e maior de idade, informado sobre a importância da
realização de determinado tratamento médico e o recusa, ainda que esta possa levá-lo ao

2
LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 114.
3
LEI Nº 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do
corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm
óbito, não pratica eutanásia. Não há dúvida de que a vontade do paciente (do indivíduo)
deve ser respeitada, pois esse é o campo da autonomia e da necessidade de respeitar o
consentimento informado do paciente, dois importantes princípios da bioética.

O princípio da autonomia reconhece o direito de a pessoa decidir, livre de


pressões externas, sobre a sua submissão ou não a determinada terapia ou tratamento
médico. Assim, pode inclusive rejeitar toda e qualquer espécie de tratamento. Ter
autonomia significa autogovernar-se, fazer escolhas, ter liberdade para decidir acerca de
seu comportamento.

O princípio do consentimento esclarecido (ou informado) requer que o


médico, antes de qualquer intervenção terapêutica ou cirúrgica, esclareça ao paciente os
benefícios e riscos correspondentes, bem como informe acerca de alternativas ao
tratamento proposto, possibilitando, assim, que a pessoa enferma escolha o tratamento
que reputar mais conveniente.

A decisão quanto a seguir ou não um tratamento pertence ao paciente. Integra


sua autonomia corporal, que não pode sofrer interferência do Estado ou de qualquer
outra pessoa. Submeter a tratamento forçado a pessoa que tem total higidez mental é
conduta inaceitável diante das normas constitucionais. Desta forma, o Direito protege a
opção da pessoa por tratamentos menos invasivos e dolorosos, aceitando também sua
consciente decisão de não receber tratamento algum, ainda que a recusa leve ao óbito.
Neste caso, não há eutanásia.

Verifica-se outra hipótese, quando o paciente já em etapa terminal, decide pela


suspensão do tratamento ao qual estava sendo submetido para o prolongamento artificial
de sua vida. Ainda que a descontinuidade ao tratamento resulte no óbito, a vontade
consciente e informada do paciente deve ser considerada. Há, aqui, a chamada
ortotanásia ou eutanásia passiva. O projeto de lei n. 3002/2008 tem por objetivo
regulamentar a ortotanásia, assim entendida como: "a suspensão de procedimentos ou
tratamentos extraordinários, que têm por objetivo unicamente a manutenção artificial da
vida de paciente terminal, com enfermidade grave e incurável"4.

Utiliza-se o termo distanásia para referir a morte lenta, com grande sofrimento,
em que os potenciais benefícios do tratamento médico são nulos ou tão pequenos ou
4
Projeto de lei 3002/2008. Regulamenta a prática da ortotanásia no território nacional brasileiro.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=386610
improváveis que não superam os seus potenciais malefícios. É importante ressaltar que
a vida é um direito do paciente e não um dever, não existindo razão jurídica capaz de
impedir a interrupção do tratamento que preserva artificialmente a dolorosa
sobrevivência do paciente. Não somente a vida deve ser digna, a morte também5.

E por fim, há a situação que provoca ainda mais debates nos campos moral,
ético e jurídico porque o paciente demanda a participação do médico para produzir a
morte, que não ocorrerá naturalmente. Ainda assim, se o paciente é maior, está
consciente e informado sobre as consequências de sua decisão, a vontade do paciente
deve ser respeitada. Já houve casos desta natureza no Direito Norte Americano, em que
o médico respondeu criminalmente por auxílio ao suicídio. Mas é preciso destacar que,
na ausência de lei sobre o assunto, "a avaliação jurídica da conduta do médico
dependerá da inequívoca caracterização da intenção e iniciativa do paciente, de
circunstâncias outras como a duração e a seriedade do acompanhamento clínico
efetuado pelo médico, para evitar-se a banalização de uma decisão drástica, que precisa
ser bastante refletida"6.

Testamento Biológico (Vital)

Trata-se de instrumento jurídico novo também relacionado com a necessidade de


respeitar a autonomia privada da pessoa. Testamento biológico é o documento através
do qual a pessoa expressa, antecipadamente, a recusa a certos e eventuais tratamentos
médicos, com o intuito de abreviar sua existência caso fique, por exemplo, em "estado
vegetativo", impossibilitada de manifestar vontade.

Não há lei autorizando ou proibindo que documento desta natureza seja


elaborado. No entanto, a doutrina jurídica defende o direito de autodeterminação do
paciente em relação a utilização ou não de futuros tratamentos médicos a serem
empregados quando a eventual doença retire a possibilidade de discernir ou manifestar
vontade no momento em que a decisão precisa ser tomada. Por exemplo, é possível que
uma pessoa antes de submeter-se a cirurgia muito delicada, elabore testamento
biológico determinado que no caso de parada cardíaca, não deseja que os médicos

5
SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2014. p.53.
6
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação,
2018p. 118.
tentem reanimá-la por mais de cinco minutos, pois sabe que após esse tempo, caso
recupere os batimentos cardíacos, as sequelas são, normalmente, graves.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução 1995/2012


trazendo importantes contribuições neste debate, ao tratar das diretivas antecipadas de
vontade de pessoas que se submetem a atos e práticas médicas. Define-as da seguinte
forma: "o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente,
sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que
estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade". E
complementa: "as diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro
parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares". "O médico registrará,
no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente
comunicadas pelo paciente"7.

O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade


do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com
os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica. Assim, percebe-se o predomínio da
autonomia privada do paciente que, atualmente, ocupa posição muito diferente na
relação médico-paciente, quando comparado com passado remoto, em que o paciente
era sujeito totalmente passivo e objeto da intervenção médica.

Comoriência

Você estudou que a morte acarreta a extinção da personalidade. O instituto da


comoriência está relacionado com o evento morte. Está regulado no art. 8 o do CC/2002:
"se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se
algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos".

Trata-se da "presunção de morte simultânea de pessoas reciprocamente


herdeiras"8. A comoriência só tem relevância quando as pessoas falecidas têm relação
de parentesco entre si. Ocorre nos casos de desastres, como os acidentes aéreos e
automobilísticos envolvendo membros de uma mesma família, sendo difícil apurar
quem morreu antes ou depois. Assim, se mãe e filha morrem em razão de um mesmo

7
Resolução CFM 1995/2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2012/1995
8
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. São Paulo: Editora Saraiva Jur, 2018. p. 267.
acidente, não sendo possível prova médico-legal sobre a ordem real dos falecimentos, o
Direito vale-se da presunção que ambas morreram simultaneamente. Os atestados de
óbito de ambas consignarão o mesmo horário do falecimento. E, entre elas, não se
estabelecerá relação sucessória.

Neste caso, a herança será partilhada entre os herdeiros de cada qual,


considerando a ordem de vocação hereditária estabelecida no art. 1.829 do CC/2002: "a
sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência
com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da
comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo
único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge
sobrevivente; IV - aos colaterais. Em virtude de decisão judicial, onde está escrito
cônjuge, lê-se também companheiro.

Declaração de Morte Presumida

A morte pode ser presumida, em duas situações: em virtude da ausência e sem a


declaração de ausência. O art. 7o do CC/2002 elenca as duas situações nas quais há
morte presumida sem declaração de ausência em razão do altíssimo grau de
probabilidade da morte, nos quais o corpo da pessoa não é encontrado: I - quando for
extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida (tragédias naturais ou
provocadas por acontecimentos humanos ou por falha de equipamentos); II - se alguém,
desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o
término da guerra.

Para tanto, o perigo de vida deve ser configurado como de probabilidade


extrema, além da prova de esgotamento das buscas possíveis, de acordo com os meios e
tecnologia disponíveis. O juiz, convencido da presunção da morte e da inutilidade de
novas buscas, decidirá fixando a data provável do falecimento, de acordo com as
informações colhidas e laudos periciais. Esta data deve ser a da ocorrência do fato, e
não a do encerramento das buscas. É importante ainda destacar, que a sentença judicial
produz o mesmo efeito da certidão de óbito, inclusive para a abertura da sucessão
(inventário e partilha) dos bens deixados pela pessoa que teve a morte presumida
reconhecida.

Ausência

É a presunção de morte da pessoa física, para fins civis, em virtude de


desconhecimento de seu paradeiro, após longo tempo e cujas circunstâncias levam a
fundadas dúvidas sobre a continuação da sua existência. É o fato de a pessoa não estar
presente em seu domicílio mais a carência de notícias por muito tempo 9. Assim como a
comoriência e a declaração de morte presumida, a ausência também tem forte conotação
patrimonial. Ou seja, no caso de a pessoa desaparecida ter patrimônio, é preciso dar um
destino aos bens. O ordenamento jurídico não admite a existência de patrimônio sem um
titular (um dono). A ausência se desdobra em três etapas distintas e sucessivas:

1) - curadoria dos bens do ausente. É preciso que alguém (curador) administre os bens
da pessoa que desapareceu. Trata-se de mero administrador e não representante legal
para cuidar da pessoa, como é o caso dos relativamente incapazes. Transcorrido um ano
da arrecadação dos bens (ou três anos, se o ausente tiver deixado administrador), os
interessados podem requerer a abertura da sucessão provisória.

2)- abertura da sucessão provisória. Os bens do ausente passam ao patrimônio dos


herdeiros, mas ainda não de modo definitivo. Por isso, os herdeiros devem inclusive
apresentar garantias suficientes para assegurar a restituição dos bens, caso o ausente
retorne. Nesta etapa ainda há expectativa quanto ao reaparecimento da pessoa.

3)- sucessão definitiva do ausente. Após dez anos do trânsito em julgado da sentença
que concedeu a abertura da sucessão provisória, os interessados podem requerer a
abertura da sucessão definitiva e a suspensão das garantias prestadas anteriormente.
Neste momento, os bens se consolidam no patrimônio dos herdeiros.

Veja que os prazos são longos, porque ao contrário das hipóteses que autorizam
a declaração de morte presumida, não há motivo que leve à crença no falecimento do
ausente logo no início da ação judicial declaratória de ausência.

Apesar da forte conotação patrimonial, conforme destacado, há alguns efeitos


existenciais que motivam os interessados a pedirem a declaração de ausência, tais como:
9
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p. 133.
- a situação dos os filhos menores de idade de pais declarados ausentes que são
colocados sob tutela (art. 1728 CC/2002);

- o rompimento do casamento do cônjuge do ausente. Conforme art. 1.571, § 1o do


CC/2002: "o casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo
divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente". Sobre
o fim do casamento é importante lembrar que a via mais rápida e fácil, atualmente, para
o cônjuge do ausente é o ajuizamento da ação de divórcio, pois não é necessário
aguardar o prazo longo da ação declaratória de ausência ou declarar motivos.

Caso o(a) cônjuge do(a) ausente opte pela ação de divórcio, em virtude do
desaparecimento, o ausente será citado por edital, não se apresentará em juízo, mas o
magistrado proferirá o divórcio à revelia (sem a presença do cônjuge).

2) - DIREITOS DA PERSONALIDADE

O Código Civil de 1916 não continha capítulo sobre os chamados direitos da


personalidade. Houve resistência quanto ao reconhecimento da importância desta
categoria no passado, mas, atualmente, em razão da consagração da dignidade humana
no texto constitucional, é pacífico que tais direitos constituem o conjunto de atributos
da pessoa, considerado como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico 10.
São direitos considerados essenciais para a condição humana, pois estão diretamente
relacionados ao nosso modo de ser.

São os nossos bens imateriais. Todos temos garantido o direito à integridade


pessoal, quer no aspecto físico, quer no aspecto moral, no que diz respeito à honra, à
privacidade, à imagem e o bem-estar, etc. (Vide Artigo 5º, X da CF/88). O desrespeito a
esses direitos gera no campo civil a necessidade de ressarcimento (indenização).

O CC/2002, no artigo 11, estabelece: (...) "os direitos da personalidade são


intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária".

10
TEPEDINO, Gustavo. A Fundamentos do Direito Civil - Teoria Geral do Direito Civil - Vol. 1. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 2020, p. 147.
A referência sobre a impossibilidade do exercício de algum direito sofrer
limitação voluntária, conforme transcrição acima do art. 11, é considerada anacrônica e
superada, pois a realidade cotidiana tem demonstrado o aumento de contratos
celebrados nos quais as pessoas concordam com certas limitações voluntárias aos
direitos da personalidade, como é o caso dos contratos de licenciamento do uso da
imagem celebrados por artistas, atletas, pessoas famosas.

É também a situação verificada, por exemplo, com participantes de reality


shows, que celebram contratos tendo por objeto não somente a imagem, mas a
privacidade, a intimidade. Percebe-se, assim, que a indisponibilidade (ser titular de um
direito, mas dele não poder dispor através de uma relação contratual) e a
irrenunciabilidade (impossibilidade de abrir mão do direito do qual se é titular) foram
de certa forma relativizadas. Seguem outras características dos direitos da
personalidade:

extrapatrimonialidade - como a função dos direitos da personalidade é proteger a


condição humana, as situações jurídicas subjetivas existenciais nos seus mais genuínos
aspectos e manifestações, tais direitos não são suscetíveis de avaliação econômica. O
nosso nome, a nossa vida, o nosso corpo não podem ser avaliados monetariamente, por
exemplo.

generalidade - significa dizer que a todas as pessoas são assegurados tais direitos, pois
visam a garantir dignidade a todos.

efeito geral - se traduz na eficácia "erga omnes": sua observância se impõe a toda a
coletividade. Explicando melhor: somos titulares dos direitos à vida, nome, honra,
imagem, privacidade, etc e também temos a obrigação de respeitar esses mesmos
direitos alheios.

não taxatividade - o CC/2002 não elenca todos os direitos da personalidade, o rol é


exemplificativo. Nada impede que outras manifestações da personalidade humana sejam
merecedoras de proteção. Por isso, alguns autores utilizam a expressão: elasticidade.

imprescritibilidade - esses direitos podem ser exercidos a qualquer tempo, ainda que
não tenham sido invocados por logo período de tempo.
Encerra-se aqui o estudo dos institutos jurídicos relacionados à pessoa física que
estão na parte geral do CC/2002. A seguir passe-se ao exame da pessoa jurídica,
também sujeito do direito.

3) - PESSOA JURÍDICA

Pode ser definida como a entidade a que a ordem jurídica atribui personalidade
distinta daquela de seus membros instituidores, sendo o termo personalidade aí
compreendido no sentido de aptidão para ser titular de direitos e obrigações, como você
estudou em aula anterior. Nesta direção, é consenso na doutrina jurídica que sua
utilidade principal está na distinção entre o seu patrimônio e os patrimônios de seus
integrantes, que, em regra, não respondem pelas obrigações contraídas pela pessoa
jurídica.

Esta regra está no art. 49-A do CC/2002: "A pessoa jurídica não se confunde
com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores". Parágrafo único: "A
autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e
segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular
empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício
de todos".

No entanto, o art. 50 do CC/2002 traz as exceções, pois contempla as situações


específicas nas quais o juiz pode afastar a personalidade jurídica da pessoa jurídica para
alcançar diretamente o patrimônio de seus sócios ou administradores beneficiados direta
ou indiretamente pelo abuso em relação a personalidade, que não pode servir para a
prática de abusos, fraudes e outros ilícitos. Os parágrafos do art. 50 trazem algumas
hipóteses que configuram abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou confusão patrimonial.

"§ 1º: Desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de


lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º: Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os


patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações
do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos
sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III
- outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º: O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão


das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica".

Os últimos dois parágrafos fazem as seguintes ressalvas: "§ 4º: A mera


existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste
artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º: Não
constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da
atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Quanto à titularidade de direitos e ao cumprimento de obrigações da pessoa


jurídica de direito privado, afirma-se que decorrem logicamente da personalidade que a
ordem jurídica lhe reconhece por ocasião de seu registro. Essa titularidade de direitos e
cumprimento de obrigações estendem-se a todos os campos do direito. As pessoas
jurídicas podem exercer todos os direitos subjetivos, não se limitando à esfera
patrimonial. Têm direito à identificação, sendo dotadas de uma denominação, de um
domicílio e de uma nacionalidade. Além disso, as pessoas jurídicas são representadas
por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus
diretores.

Classificação das pessoas jurídicas

O art. 40 do CC/2002 classifica as pessoas jurídicas em: a) - pessoas jurídicas


de direito público e b) - pessoas jurídicas de direito privado. As pessoas jurídicas de
direito público podem ser de direito público externo, como são os Estados estrangeiros e
os organismos internacionais, ou podem ser de direito público interno, como são a
União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, suas autarquias,
incluindo associações públicas e, ainda, as demais entidades de caráter público criadas
por lei.

O art. 44 subdivide as pessoas jurídicas de direito privado em: 1) - associações;


2) - sociedades; 3) - fundações ; 4)- organizações religiosas; 5) - partidos políticos;
6) - empresas individuais de responsabilidade limitada, conhecidas também como
EIRELIs, criadas pela Lei 12.441, de 201111.

1) - associações - o art. 53 do CC/2002 define as associações como "a união de pessoas


que se organizem para fins não econômicos". A redação do dispositivo merece crítica e
reparo, na medida em que as associações eventualmente desempenham atividade de
caráter econômico. A proibição é a repartição desse resultado obtido (lucro) entre os
seus integrantes. São exemplos as associações de moradores e esportivas (clubes).
Imagine que um clube vende o uniforme utilizado pelas equipes de futebol, vôlei e
natação. O valor da venda somente pode ser reinvestido na associação, não pode ser
dividido entre os associados.

2) - sociedades - são constituídas em razão da obtenção de lucro (animus lucrandi) que


deve ser dividido entre os sócios, como as sociedades LTDA e S.A.. É preciso que
sejam pluripessoais - constituídas por mais de um sócio e que apresentem a chamada
affectio societatis - estado de cooperação entre os sócios para a realização do interesse
comum, ou seja, da própria sociedade.

3) - fundações - o elemento mais importante (material) em uma fundação é o


patrimônio. Por isso, é definida como a afetação de bens em torno de uma finalidade
comum. Conforme o art. 62 do CC/2002, os fins deverão ser: assistência social; cultura,
defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; educação; saúde; segurança
alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e
promoção do desenvolvimento sustentável; pesquisa científica, desenvolvimento de
tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de
informações e conhecimentos técnicos e científicos, promoção da ética, da cidadania, da
democracia e dos direitos humanos; atividades religiosas.

4) - empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI) - Trata-se de uma


espécie autônoma de pessoa jurídica. Não pode ser considerada sociedade em razão de
sua composição unipessoal, ou seja, uma única pessoa é titular do capital social. De
acordo com o art. (980-A do CC/2002), através de um EIRELI o titular de uma empresa
desenvolve sua atividade com um patrimônio separado do seu próprio e somente o
patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de
11
LEI Nº 12.441, DE 11 DE JULHO DE 2011. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código
Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12441.htm
responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação,
com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.

Em que pese o legislador ter optado por elencar separadamente as organizações


religiosas e os partidos políticos, atentando para as peculiaridades destas modalidades
de pessoa jurídica, cabe pontuar que os partidos políticos, os sindicatos, as associações
religiosas possuem natureza associativa, aplicando-lhes o CC/2002, além de,
eventualmente, suas próprias leis de regência 12. Sobre a liberdade de associação, o
art.5º, XX da CF/88 estabelece: "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou
permanecer associado". A liberdade de associação é também um direito fundamental.

As pessoas jurídicas de direito público serão estudadas mais à frente quando


abordarmos os temas pertinentes ao Direito Constitucional e ao Direito Administrativo.
A seguir passa-se ao exame do domicílio das pessoas físicas e jurídicas.

4) - DOMICÍLIO

A noção de domicílio não é importante apenas para o Direito Civil, mas para o
Direito em geral. É normalmente definido como a sede jurídica da pessoa 13. O domicílio
da pessoa natural, conforme o art. 70 do CC/2002: " é o lugar onde ela estabelece a sua
residência com ânimo definitivo". Há dois elementos neste conceito: a residência e a
intenção de ali permanecer. O primeiro é o elemento externo; o segundo é o elemento
interno e psíquico.

A residência é a moradia habitual da pessoa. Não é qualquer residência que


configura domicílio, mas apenas aquela caracterizada pela intenção de definitividade ou
caráter de permanência, ainda que tal intenção possa se alterar no tempo. De modo
didático a doutrina gradua os conceitos: moradia (local da habitação), residência
(moradia permanente) e domicílio (residência com ânimo definitivo).14

Toda pessoa tem domicílio, já que na ausência de residência fixa, a lei determina
como domicílio "o local onde for encontrada" (art. 73 CC/2002). De outro lado, é

12
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p. 162.
13
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. São Paulo: Saraiva Jur, 2018. p. 280.
14
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p. 172.
possível que a pessoa tenha mais de um domicílio - hipótese de pluralidade. Verifica-se
quando a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva,
considerando-se domicílio seu qualquer delas (art. 71 CC/2002).

De acordo com a legislação civil, o domicílio comporta ainda a seguinte


classificação:

Voluntário - como a própria expressão sugere, domicílio voluntário é aquele


livremente escolhido pela pessoa. É a regra geral, pois as pessoas escolhem seus
respectivos domicílios, conforme a conveniência ou a oportunidade/possibilidade.

Necessário ou legal - é o imposto por lei em razão de circunstâncias especiais. O


domicílio da criança e do adolescente, por exemplo, em virtude do exercício da
autoridade parental, necessariamente, é o dos seus pais (seus representantes legais). Da
mesma forma, o servidor público civil ou militar tem domicílio necessário: é onde
exercer suas funções. O domicílio da pessoa presa é o lugar onde cumpre a pena (art. 76
do CC/2002). Note que o domicílio necessário não precisa ser exclusivo. É o caso, por
exemplo, do servidor que tem duas matrículas em lugares distintos, exercendo em dois
lugares suas funções.

Domicílio profissional - está contemplado no art. 72 do CC, que dispõe: "É também
domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde
esta é exercida". Complementa o § único: "se a pessoa exercitar profissão em lugares
diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem".
Há neste caso uma análise finalística da relação. Por exemplo, uma pessoa mora no Rio
de Janeiro com a família, mas trabalha em Seropédica, na UFRRJ. Para qualquer
questão pertinente à atuação profissional, o domicílio é Seropédica.

Domicílio da pessoa jurídica - é comum que as pessoas jurídicas tenham um centro


onde suas atividades estão concentradas. Segundo o art. 75 do CC/2002, em relação às
pessoas jurídicas de direito privado, o domicílio é o lugar onde funcionarem as
respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu
estatuto ou atos constitutivos. Em relação às pessoas jurídicas de direito público, o da
União, é o Distrito Federal; dos Estados e Territórios, as respectivas capitais; do
Município, o lugar onde funcione a administração municipal.
Domicílio especial - ampara-se no art. 78 do CC/2002, que autoriza a escolha (eleição)
de domicílio em contratos escritos para o exercício de direitos e o cumprimento de
obrigações deles decorrentes. É bastante comum encontrar como uma das cláusulas
finais de um contrato, a seguinte fórmula: "as partes elegem o foro da cidade do Rio de
Janeiro para dirimir controvérsias oriundas deste contrato". Significa dizer que as partes
contratantes, utilizando a autonomia contratual, elegeram o Rio de Janeiro como o
lugar para resolver qualquer problema decorrente do contrato.

A seguir há o exame dos bens, cujos dispositivos legais estão localizados no livro II
da parte geral do mesmo Código.

5) - DOS BENS JURÍDICOS

Em sentido amplo, bem é tudo aquilo desejado pelo homem a fim de atender a
seus interesses15. Quando esses bens são regulados pela ordem jurídica, tornam-se
qualificados, sendo considerados bens jurídicos. A doutrina civilista, normalmente,
utiliza os termos bens e coisas como sinônimos. Coisa ou bem é noção que contempla
tanto os objetos materiais (uma casa, por exemplo) quanto os imateriais (direitos
autorais) sobre os quais recaem interesses juridicamente protegidos. É comum
diferenciar as pessoas dos bens, dizendo que as pessoas têm dignidade e são sujeitos de
direitos; os bens são objeto do direito e têm valor econômico.

Uma primeira questão merece destaque: a que diz respeito a necessidade de um


tratamento jurídico diferenciado aos animais. Se, por um lado, não são titulares de
direitos ou obrigações - não são sujeitos de direitos como as pessoas; de outro lado, a
legislação civil brasileira pode ser considerada defasada ao continuar considerando os
animais como bens móveis suscetíveis de movimento próprio (ou semoventes - art. 82
CC/2002).

Alguns países reformaram suas leis e, sem elevar os animais a sujeitos de


direitos, outorgaram-lhes proteção especial. Reconheceram que são destinatários de
relações afetivas; exprimem a realização de um interesse existencial do ser humano,
merecedor de proteção privilegiada.
15
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo Ltda, 1955. p.
151.
No Brasil, há o PL 27/201816, que teve origem na Câmara dos Deputados e visa
acrescentar dispositivos à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a
natureza jurídica dos animais não humanos. Esse projeto de lei tem o objetivo de
proibir que animais sejam juridicamente tratados como coisas, criando uma natureza
jurídica específica para eles. Pelo projeto, os animais passam a ter natureza jurídica
sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, os quais devem gozar e obter
tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.

São reconhecidos como seres sencientes, termo que


une sensibilidade e consciência. Isso significa que os animais não humanos, assim
como o homem, sentem dor e emoção e estão sujeitos ao sofrimento. Lembre que o
termo senciente pode referir-se também a experiências positivas, como prazer e
felicidade17.

Caso o referido projeto seja transformado em lei representará um avanço


civilizatório, pois em benefício de todos é importante a melhor convivência possível
com os animais. Além disso, haverá maior segurança jurídica para punir pessoas por
maus-tratos em relação aos animais.

O CC/2002, no que diz respeito à regulamentação dos bens, praticamente nada


alterou em relação ao CC/1916, sendo neste aspecto bastante criticado. Limita-se a uma
abordagem puramente estrutural, classificando os bens em diferentes espécies, com
poucas regras sobre cada uma delas.

Antes de passar para a classificação dos bens, é importante destacar que não há
conceito unívoco de patrimônio, pois depende da circunstância em que se insere. Mas,
grosso modo, compreende o conjunto de coisas atuais, futuras, corpóreas ou
incorpóreas, além dos créditos e débitos que estejam sob a titularidade ou
responsabilidade de alguem.

Fato é, que o patrimônio é a garantia dos credores e responde pelas dívidas da


pessoa, inclusive derivadas de responsabilidade civil. Patrimônio bruto congrega o
16
PL 27/2018. Acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a
natureza jurídica dos animais não humanos. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/
materias/-/materia/133167
17
SCHEFFER, Gisele Kronhaidt. PL 27/2018:Um avanço pela metade na proteção aos animais.
Disponível em: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/744421958/pl-27-2018-um-avanco-
pela-metade-na-protecao-aos-animais
ativo e o passivo de uma pessoa. Patrimônio líquido é o que resulta de positivo entre o
ativo e o passivo18.

Principais classificações dos bens

1)- Bens Imóveis e Móveis

Esta distinção é considerada como a "mais natural" e a primeira contemplada


pelo CC/2002. Bem imóvel é aquele que não pode ser removido de um lugar para o
outro sem destruição. É o caso de um terreno ou uma casa. Bem móvel é aquele que
possui movimento próprio (caso dos animais, lembrando que é uma posição defasada do
CC/2002) ou que pode ser removido de um lugar para outro por força alheia, sem
alteração da sua substância ou destinação econômico-social. O CC/2002, assim como o
anterior, conferem aos bens imóveis maior proteção ao exigirem mais formalidades para
a transmissão desta categoria de bens, exigindo em boa parte dos casos a realização de
escritura pública.

2) - Bens Fungíveis e Infungíveis

Bens fungíveis "são aqueles que não se identificam pela individualidade, mas
pela quantidade e qualidade (são aqueles que se pesam, medem e contam); enquanto os
infungíveis têm individualidade própria".19 O art. 85 do CC/2002 definiu da seguinte
forma: "são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie,
qualidade e quantidade". Percebe-se, assim, que os bens fungíveis possuem entre si uma
relação de equivalência, por isso comportam substituição. Quando uma empresa compra
1 tonelada de café, o que deseja e sabe que receberá é: café (espécie), 1 tonelada
(quantidade) e da qualidade convencionada no contrato de compra e venda.

Bens infungíveis são aqueles que podem ser individualizados, o que impede que
outros bens da mesma natureza sejam entregues em substituição e a obrigação (o
contrato) seja cumprido. Quando uma obra de arte é arrematada em um leilão, o
comprador somente aceitará receber a obra de arte efetivamente comprada.

É oportuno lembrar que esta classificação somente pode ser realizada


considerando-se o caso concreto. Uma animal, por exemplo. Quando se trata de um
cavalo comprado para contribuir com o arado da terra, é fungível, pois qualquer cavalo
18
LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 203
19
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva. 2019. p. 126
pode realizar essa atividade. Mas, quando alguém compra o cavalo ganhador do Grande
Prêmio do Brasil, este é infungível.

3) - Bens Consumíveis e Inconsumíveis

Consumíveis são os bens móveis cujo uso importa na destruição imediata de sua
substância, como por exemplo, os alimentos, sendo também considerados tais aqueles
destinados à alienação. Neste último caso, a doutrina jurídica chama de
"consumibilidade jurídica", como se verifica com os livros destinados à venda em uma
livraria. Inconsumíveis são os bens cuja utilização se prolonga no tempo, pois são de
uso constante, como os eletrodomésticos.

Os conceitos de fungibilidade e consumibilidade são distintos. A ideia de


fungibilidade considera a relação entre bens de mesma natureza, por isso é possível a
sua substituição. A consumibilidade leva em consideração a destinação do bem. O
agricultor que leva a leilão, a maior abóbora já colhida, tem, em suas mãos, um bem
infungível. E será considerado consumível por estar sendo levado à venda
(consumibilidade jurídica).20

4) - Bens divisíveis e indivisíveis

Considerando o aspecto jurídico são divisíveis os bens que podem ser


fracionados sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou
prejuízo do uso a que se destinam, conforme a redação do art. 87 do CC/2002.

Desta forma, são indivisíveis aqueles que não comportam o fracionamento. Em


acréscimo o art. 88 estabelece: " os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se
indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes". Exemplo de um bem
legalmente indivisível é o muro que separa terrenos limítrofes. Uma biblioteca
(conjunto de livros), um conjunto de quadros podem ser considerados bens indivisíveis
por vontade das partes, pois embora partilháveis, através de testamento, o testador
determina que sejam mantidos em sua integridade como conjunto.

5) - Principais e Acessórios

20
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p. 188.
Ao contrário das demais, esta classificação considera os bens reciprocamente.
Assim, bem principal é aquele que existe "sobre si, abstrata ou concretamente";
enquanto bem acessório é "aquele cuja existência supõe a do principal (art. 92 CC). O
verbo "existir" na definição legal precisa ser melhor explicado: "existir, neste caso, quer
dizer preencher os seus fins, preencher a sua função econômica. As rodas de um veículo
podem existir separadamente do veículo, mas dizemos que elas são acessórios do
veículo porque não preenchem o seu fim senão ligadas a ele.21

6) - Bens Públicos e Particulares

A legislação civil define os bens públicos como aqueles do domínio nacional


pertencentes às pessoas jurídicas de direito público (art. 98). E repete a tripartição que já
constava no CC/1916, dividindo os bens públicos em: de uso comum do povo, tais
como rios, mares, estradas, ruas e praças; de uso especial, tais como edifícios ou
terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual,
territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; dominicais, que constituem o
patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou
real, de cada uma dessas entidades. Todos os outros são particulares, seja qual for a
pessoa a que pertencerem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Você pôde perceber que a extinção da personalidade comporta a análise de


importantes institutos jurídicos, alguns ainda polêmicos e pendentes de maior regulação,
como é o caso da eutanásia e do testamento biológico. Compreendeu também a
importância da proteção aos direitos da personalidade.

Com a criação de pessoas jurídicas de direito privado são desenvolvidas


atividades empresariais e é possível acumular capital de forma organizada. Todas as
pessoas têm um domicílio, definido de acordo com as regras estabelecidas pelo Código
Civil.

21
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p. 191.
Em um segundo momento, você aprendeu sobre os bens jurídicos, que podem
ser materiais (uma casa, um carro, um boi) ou imateriais. Aprendeu ainda a distinguir as
diversas espécies de bens jurídicos, sejam móveis ou imóveis (carros ou
apartamentos), divisíveis ou indivisíveis (cereais ou obras de arte).

A próxima aula, última desta unidade II, será dedicada aos aspectos mais
relevantes sobre a nova teoria contratual e as relações de consumo.

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