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Os Tantras Budistas - as Escrituras

do Vajrayana
Tantra, continuum, é o nome dado às escrituras esotéricas do
Budismo Vajrayana e do Hinduísmo. Em ambos os casos, essas
escrituras são marcadas por um grande simbolismo, tornando-se
essencial que seus ensinamentos sejam transmitidos e estudados
apenas com a ajuda de um professor qualificado.

Os eruditos tibetanos costumam atribuir os tantras ao próprio Buda


Shakyamuni. Alguns afirmam que eles foram transmitidos em um dia
de lua cheia, um ano após o despertar de Shakyamuni. Outros autores
afirmam que os tantras foram transmitidos um mês antes de o Buda
manifestar o parinirvana (isto é, de falecer e alcançar a liberação final).

Segundo os tantras budistas, é possível atingir a iluminação em um


período de tempo relativamente curto através da transformação das
emoções negativas (apego, ódio, ignorância, etc.), ou mais
precisamente, revelando a sua verdadeira natureza. Os tantras de
Guhyasamaja e Heruka Chakrasamvara, por exemplo, trabalham com
a transmutação do desejo, enquanto o tantra de Yamantaka trabalha
com a transmutação do ódio.

O tantra propõe incorporar todas as ações, todos os pensamentos,


todas as emoções, no caminho. Nada em si é puro ou impuro, bom ou
ruim, mundano ou transcendente; as coisas só aparecem para nós
destes modos por causa das idéias pré-concebidas. No sistema do
tantra, qualquer ação até mesmo andar, comer, defecar ou dormir
pode ser incorporada ao caminho espiritual.

(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

De acordo com a tradição, os tantras foram abertos pela primeira vez


para o rei Indrabodhi [de Uddiyana]. Um dia, o rei estava na sacada de
seu palácio quando avistou o Buddha voando com o seu séqüito de
arhats. O rei Indrabodhi perguntou a seu ministro quem eram esses
extraordinários seres e se aceitariam um convite para almoçar em seu
palácio. O rei então ofereceu uma bela refeição ao Buda, que por sua
vez lhe deu um ensinamento sobre a renúncia aos apegos mundanos.
O rei ouviu com atenção, mas ao final perguntou se o Buda poderia
oferecer um ensinamento que não requeresse a renúncia aos seus
deveres de soberano, seus prazeres ou sua riqueza. "Sou um rei",
disse ele, "e centenas de milhares de súditos dependem de mim. Não
posso abandonar minhas responsabilidades." O Buddha, em sua
onisciência, reconheceu que o rei Indrabodhi tinha karma para praticar
o Budismo Esotérico e, algum tempo mais tarde, abriu a mandala de
Guhyasamaja para ele, aparecendo no céu como a deidade e séqüito
e concedendo iniciação e ensinamentos. O rei praticou tão bem que
tanto ele quanto seus súditos atingiram a iluminação.

(Chagdud Khadro, Práticas Preliminares do Budismo Vajrayana)

[O] verdadeiro significado da palavra [tantra] é "continuidade", no


sentido de que apesar de todos os fenômenos serem vazios, ainda
assim eles continuam a se manifestar. Todos os métodos tântricos
trabalham com esta continuação, tomando a vacuidade de todos os
fenômenos — com a qual os sutra trabalham — como sua premissa
básica.

(Chögyal Namkhai Norbu, The Crystal and the Way of Light)

Os tantras são baseados no conhecimento e aplicação da energia.


Sua origem não é encontrada nos ensinamentos orais de um mestre,
como é o caso dos sutras ensinados por Shakyamuni, mas sim da
manifestação na visão pura de um ser realizado. Um manifestação
pura surge através da energia dos ensinamentos em seu aspecto sutil
e luminoso, enquanto nossa visão kármica é baseada em seu aspecto
grosseiro ou material. Portanto, para receber este tipo de transmissão,
é necessário ter a capacidade de perceber a dimensão sutil da luz. [...]

Para explicar as origens dos Tantras, podemos tomar como exemplo o


mais conhecido, o Kalachakra, o qual se considera ter sido transmitido
pelo próprio Buda Shakyamuni. É claro, porém, que esse tantra não
poderia ter sido transmitido pelo Buda em seu aspecto físico, pois a
divindade Kalachakra é representada em união com sua consorte, um
forma conhecido como pai-mãe (tib. yab-yum), enquanto o próprio
Buda era um monge. Isto mostra como a transmissão de um tantra
não vem pelo contato de uma natureza comum, mas sim através da
dimensão pura da transformação, que é perceptível apenas por
aqueles indivíduos que possuem capacidade suficiente. Mandala de
Kalachakra

(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

Enquanto o ensinamento básico do budismo Mahayana refere-se ao


desenvolvimento da sabedoria, o conhecimento transcendente, os
ensinamentos básicos do tantra estão ligados ao trabalho com a
energia. A energia é descrita no Vajramala Kriyayoga Tantra como
"aquilo que habita no coração de todos os seres, a simplicidade que
existe por si mesma, o que mantém a sabedoria. Essa essência
indestrutível é a energia da grande alegria e permeia tudo, como o
espaço. Este é o corpo dhármico da não-fixação". De acordo com
esse tantra, "Esta energia é o sustentáculo da inteligência primordial
que percebe o mundo dos fenômenos; é a energia que impulsiona
tanto os estados iluminados quanto os estados confusos da mente. É
indestrutível, no sentido de estar constantemente em marcha. É a
força motriz da emoção e do pensamento no estado confuso, e da
compaixão e da sabedoria no estado iluminado". [...]

A sabedoria tântrica traz o nirvana ao samsara. Isso pode parecer um


pouco chocante. antes de alcançar o nível do tantra, tentamos
abandonar o samsara e nos esforçamos par alcançar o nirvana. mas,
no fim, temos de compreender a inutilidade de nos esforçarmos e
então, nos tornamos completamente unos com o nirvana. Para captar
realmente a energia do nirvana e nos tornarmos unos com ele,
precisamos de uma parceria com o mundo ordinário. Por isso, a
expressão "sabedoria ordinária" é muito usada na tradição tântrica.

(Chögyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism)

Os métodos tântricos permitem lidar diretamente com as delusões e


emoções conflitantes. De fato, as delusões que devem ser
abandonadas e os diversos tipos de qualidades espirituais que
precisam ser cultivadas são vistas como os dois lados da mesma
moeda, ao invés de serem dois tipos de experiência completamente
opostos. Por isso, o sistema tântrico também pe chamado "tradição
esotérica" — não por conter alguma coisa que precise ser mantido em
segredo, mas sim porque a prática do tantrismo requer que o
praticante tenha certos atributos. Em um certo sentido, é preciso ter
alguma habilidade para praticar o tantra, senão sua prática não trará
nenhum benefício. Os ensinamentos tântricos são mantidos em
segredo até certo ponto — não porque o seu conteúdo não deva ser
revelado, mas sim porque muitas pessoas são incapazes de
compreendê-los. [...] O objetivo da prática tântrica é atravessar o
abismo entre o consciente e o inconsciente, o sagrado e o profano, e
todas as outras dualidades.

(Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism)

O tantra é um caminho de transformação da não-iluminação


[ignorância] e das emoções como a essência búddhica e as virtudes
búddhicas. Mas isto não é uma transformação de algo em outra coisa,
de ferro em ouro, como alguns eruditos recentemente entenderam; é
transformar, purificar ou aperfeiçoar algo que está maculado para o
seu próprio estado verdadeiro. [...] [O]s sutras e tantras não diferem
quanto à visão da vacuidade, a verdade absoluta, mas suas
diferenças estão na visão das aparências, a verdade relativa.

(Tulku Thondup, The Practice of Dzogchen)

Apesar de o resultado último ser o mesmo, isto é, a iluminação, a


diferença entre o Sutra e o Tantra está nos métodos de prática. O
Vajrayana tem mais métodos de prática, centenas e milhares de
diferentes divindades para subjugar incontáveis máculas através de
meditações, recitação de mantra e visualizações. A visualização é
para purificar o corpo. A recitação de mantra é para purificar a fala. A
meditação sobre a essência última da divindade é para purificar a
mente. Dentro de uma sessão de prática, você envolve toda parte do
seu corpo e isto é um método muito profundo. Se você oferecer um
pedaço de fruta com sinceridade, você pode acumular muitos méritos.
Através da visualização, pode-se criar oferendas infinitas, isto é,
mandalas e incontáveis universos aos infinitos buddhas. A quantidade
de méritos que se pode acumular é vasta e incontável. [...]

Muitas pessoas têm dúvidas sobre se o Vajrayana é buddhismo ou


hinduísmo. Parece racional pensar que o budismo esotérico foi
influenciado pelo hinduísmo porque, quando comparados, eles se
parecem. Antes do budismo, já existia o hinduísmo na Índia. [...] A
aparência do Vajrayana é similar à do hinduísmo, mas cada aspecto
tem um significado simbólico. [...]

Por exemplo, o puja [cerimônia] do fogo realmente era um ritual hindu.


De fato, todas as práticas rituais foram adaptadas de rituais hindus,
exceto a filosofia e a meditação. Estes rituais foram adaptados para o
ambiente e para as pessoas. Os hindus realizam o puja do fogo para
agradar os deuses e até mesmo sacrificar animais no fogo. [...] [No
buddhismo isto nunca é feito, pois o Vajrayana] converteu cada
substância como um símbolo de nossos próprias máculas, tais como o
ódio. O fogo simboliza a sabedoria, que queima e supera as máculas,
para que possamos compreender a natureza da mente.

(Shangpa Rinpoche, Introduction to Vajrayana)

[Resumidamente, os tantras budistas diferem dos tantras hindus] tanto


na ação quanto na filosofia. Em termos de ação, o tantra budista é
baseado na motivação de bodhichitta [a mente altruísta que visa
alcançar a iluminação para beneficiar a todos os seres], enquanto o
tantra hindu não [tem esta motivação]. Em termos de filosofia, o tantra
budista é baseado na teoria do anatman, ou não-eu, enquanto o tantra
hindu é baseado na teoria de um eu verdadeiramente existente
[atman]. Outras yogas, como exercícios de respiração e práticas com
chakras [centros de energia do corpo] e nadis [canais de energia do
corpo] têm muitas similaridades e diferenças sutis.

(Dalai Lama, When the Iron Bird Flies)

Sem bodhichitta, os ensinamentos sobre a visão e a meditação, por


mais profundos que possam parecer, não serão de qualquer utilidade
para atingir o estado búddhico perfeito. As práticas tântricas como o
estágio de geração, o estágio de perfeição e assim por diante, quando
praticadas dentro do contexto da bodhichitta, conduzem ao estágio
búdico completo em uma única vida. Mas sem bodhichitta eles não
são diferentes dos métodos dos hereges. Os hereges também têm
muitas práticas que envolvem meditação sobre divindades, recitar
mantras e trabalhar com canais e energias; eles também se
comportam de acordo com o princípio da causa e efeito. Mas é
unicamente por não tomarem refúgio ou não fazerem surgir a
bodhichitta que eles são incapazes de atingir a liberação dos reinos do
samsara.

É por isto que o Geshe Kharak Gomchung disse, "De nada adianta
tomar todos os votos, desde os de refúgio até os samayas tântricos, a
menos que a sua mente tenha renunciado às coisas deste mundo. De
nada adianta ensinar constantemente o Dharma aos outros, a menos
que você possa pacificar o seu próprio orgulho. De nada adianta fazer
progresso se você relega os preceitos do refúgio ao último lugar. De
nada adianta praticar dia e noite a menos que você combine isto com
a bodhichitta."

(Patrul Rinpoche, The Words of My Perfect Teacher)

As aparências exteriores dos tantras buddhistas parecem-se em um


grau muito acentuado com as dos tantras hindus, mas na realidade há
uma semelhança muito pequena entre eles, tanto na maneira subjetiva
ou nas doutrinas filosóficas inculcadas neles ou nos princípios
religiosa. Isto não é para ser admirado, já que os objetivos e objeções
dos buddhistas são grandemente diferentes daqueles dos hindus. [...]
O desenvolvimento no tantra feito pelos budistas e a extraordinária
arte plástica desenvolvida por eles não deixou de criar também uma
impressão na mente dos hindus, que prontamente incorporaram
muitas idéias, doutrinas, práticas e deuses originalmente concebidos
pelos buddhistas para a sua religião. A literatura, que segue pelo
nome de tantras hindus, surgiu quase imediatamente depois que as
idéias budistas tinham se estabelecido. [...] O tantra buddhista
influenciou grandemente a literatura tântrica hindu, e por isto é
incorreto dizer que o budismo era uma conseqüência do shivaísmo.
Isto é sustentar, de outro modo, que os tantras hindus eram uma
conseqüência do Vajrayana.

(Benoytosh Bhattacharyya, Introduction to Buddhist Esoterism)

A influência do budismo tântrico sobre o hinduísmo foi tão profunda


que até presentemente a maioria dos eruditos ocidentais trabalham
sob a impressão de que o tantrismo é uma criação hindu que foi
retomada pelas escolas budistas posteriores, mais ou menos
decantes. Contra este ponto de vista falam a grande antigüidade e o
desenvolvimento consistente das tendências tântricas no budismo. Já
anteriormente, os antigos mahasanghikas tinham uma coleção
especial de fórmulas mântricas no seu Dharani Pitaka, e o Manjushri-
mula-kalpa, que de acordo com algumas autoridades remonta ao
século I, contem não apenas mantras e dharanis, mas também várias
mandalas e mudras. Mesmo que a data do Manjushri-mula-kalpa seja
incerta, parece provável que o sistema do budismo tântrico estava
cristalizado numa forma definitiva no fim século III, como podemos ver
no bem conhecido Guhyasamaja Tantra.

Declarar o buhismo tântrico como um lançamento do shivaísmo só é


possível para os que não têm conhecimento em primeira mão da
literatura tântrica. Uma comparação dos tantras hindus como os do
budismo (que estão preservados principalmente em tibetano e que por
isto ficaram desconhecidos pelo indologistas) mostra não somente
uma assombrosa divergência de métodos e objetivos, apesar das
suas semelhanças externas, mas também provam a prioridade
histórica e espiritual e a originalidade dos tantras budistas.

Shankara Acharya, o grande filósofo hindu do século IX, cujos


trabalhos formam o fundamento de toda a filosofia [monista ou Advaita
Vedanta] do shivaísmo, adotou as idéias de Nagarjuna e de seus
seguidores em tão grande extensão que os hindus ortodoxos
suspeitaram que ele era um devoto secreto do budismo. De modo
similar, os tantras hindus também assumiram o encargo dos métodos
e princípios do budismo tântrico e os adaptaram aos seus próprios
objetivos (assim como os budistas tinham adaptado os antigos
princípios e técnicas do yoga aos seus próprios sistemas de
meditação). Este ponto de vista não é somente sustentado pela
tradição tibetana e confirmado pelo estudo da sua literatura, mas
também foi verificado pelos eruditos indianos depois de uma
investigação critica dos textos mais antigos do budismo tântrico em
sânscrito e do seu relacionamento histórico e ideológico com os
tantras hindus. [...]

A principal diferença é que o budismo tântrico não é shaktismo. O


conceito hindu de Shakti, do poder divino, do aspecto criativo feminino
do deus supremo (Shiva) ou de suas emanações não desempenham
nenhum papel no budismo. Enquanto nos tantras hindus o conceito de
poder (sânsc. shakti) forma o foco de interesse, a idéia central do
budismo tântrico é prajna, conhecimento, sabedoria. Para o budista,
shakti é maya, a própria força que cria ilusões da qual somente a
sabedoria prajna pode nos libertar. Por isto, o objetivo do budista não
é adquirir forças, ou se unir às forças do universo, nem se tornar seu
instrumento ou tornar-se seu senhor, mas pelo contrário, ele tenta se
libertar dessas forças que, desde a eternidade, o mantêm prisioneiro
do samsara.

(Lama Anagarika Govinda, Foundations of Tibetan Mysticism)

Outro tipo de escritura tântrica, utilizado particularmente pela escola


tibetana Nyingma, é chamado de tesouro (tib. terma / gter ma) —
manuscritos, relíquias, objetos, elementos naturais ou lembranças,
guardados em locais secretos ou na mente dos reveladores de
tesouros (tib. tertön/ gter ston).

[Os termas] são escrituras que foram deliberadamente escondidas e


descobertas em sucessivos momentos apropriados por mestres
realizados, através do seu poder iluminado. Os termas são
ensinamentos que representam uma profunda, autêntica e poderosa
forma tântrica do treinamento buddhista. Centenas de tertöns, os
descobridores dos tesouros de Dharma, encontraram milhares de
volumes de escrituras e objetos sagrados, escondidos na terra, na
água, no céu, nas montanhas, nas rochas e na mente. Praticando
estes ensinamentos, muitos de seus seguidores alcançaram o estado
de iluminação completa, o estado búdico. Várias escolas do budismo
no Tibet têm termas, mas a escola Nyingma tem a tradição mais rica.

(Tulku Thondup Rinpoche, Hidden Teachings of Tibet)

Os ensinamentos tântricos geralmente apresentam a mente em vários


níveis. O nível mais grosseiro da mente estaria relacionado às
faculdades dos sentidos e às emoções. O nível sutil estaria
relacionado aos ventos (sânsc. prana) de energia do corpo. Já o nível
mais sutil estaria relacionado à mente inata fundamental de clara luz.
Este nível extremamente sutil seria a verdadeira natureza da mente,
união indissociável de vacuidade e lucidez.

[Os tantras] descrevem as várias categorias da mente ou consciência,


das mais grosseiras às mais sutis. Os estados sutis da mente são
mais poderosos e efetivos quando aplicados na prática espiritual. O
nível mais grosseiro da consciência percebe as coisas pelos olhos,
ouvidos, nariz, língua e corpo. [...] A não ser em estados
extraordinários de meditação, a consciência mais sutil ou profunda
manifesta-se quando estamos morrendo. Os níveis mais sutis de
consciência também aparecem de maneira resumida quando
começamos a dormir, terminamos um sonho, espirramos, bocejamos
e durante o orgasmo.

(Dalai Lama, Como Praticar)

A fim de reconhecer estes níveis mais sutis da mente, os tantras


apresentam quatro níveis ou modos de entendimento. O primeiro
deles é o sentido literal das palavras. O segundo é o sentido geral
quanto aos procedimentos práticos e yogas meditativas. O terceiro é o
sentido secreto ou oculto, que lida com os ensinamentos esotéricos. O
quarto é o sentido absoluto ou último, que se refere à mente
fundamental inata de clara luz, à união das verdades relativa e
absoluta, e à da união da sabedoria da vacuidade com o grande
êxtase.

Os métodos tântricos procuram extrair dos três venenos da mente


desejo (apego), ódio (raiva, aversão) e ignorância (desconhecimento)
os seus respectivos antídotos os meios hábeis, a compaixão e a
sabedoria. Por exemplo, uma mente tomada pelo veneno do desejo
faz uma grande concentração sobre o seu objeto de anseio, e essa
própria concentração será utilizada como o antídoto para o desejo. De
maneira semelhante, o veneno da raiva carrega uma grande energia,
e essa poderosa energia será utilizada como antídoto para a raiva.
Finalmente, o reconhecimento da natureza vazia do veneno da
ignorância origina o seu antídoto, a sabedoria.

O cultivo desses antídotos é um pré-requisito para se começar a


prática Vajrayana: a qualidade do método ou meios hábeis (sânsc.
upaya) para se renunciar aos apegos do samsara; a qualidade da
compaixão (sânsc. karuna) para se gerar a mente da iluminação
(sânsc. bodhichitta), que visa trazer benefícios a todos os seres
sencientes; e a qualidade da sabedoria (sânsc. prajna), que
compreende perfeitamente a vacuidade (sânsc. shunyata), a
verdadeira natureza dos fenômenos. A compreensão dos
ensinamentos dos sutras é indispensável para compreender os
ensinamentos dos tantras.

Muitos de nós desejamos praticar o caminho tântrico com a esperança


sincera de atingir a iluminação completa o quanto antes possível. Para
nos tornarmos completamente iluminados através da prática do tantra,
entretanto, há algumas preliminares essenciais que precisamos
praticar primeiro. Para ser verdadeiramente qualificado para praticar o
tantra, precisamos cultivar os três caminhos — renúncia, bodhichitta (a
mente altruísta da iluminação) e a sabedoria que realiza a vacuidade.

(Da introdução de Geshe Tsultrim Gyeltsen em Illuminating the Path to


Enlightenment)

Sem o livre espírito de renúncia, [o praticante] ficará muito


constringido para ser capaz de manter as disciplinas tântricas, por
causa do desejo sensual e dos impulsos biológicos excessivos. Este
pré-requisito de renúncia é particularmente importante nos tantras
superiores, que são expressados com imagens sexuais. [...] [A
segunda qualidade,] a grande compaixão da bodhichitta, é necessária
para transformar a prática em uma causa de onisciência. Novamente,
como muitas imagens das yogas dos tantras superiores são violentas,
um praticante não saturado com grande compaixão pode ter
facilmente uma idéia errônea. A terceira qualidade, um compressão
correta da doutrina da vacuidade, é fundamental para a prática
tântrica. Cada prática é começada, estruturada e terminada com uma
meditação sobre a vacuidade. [...] Apesar de se dizer que o Vajrayana
é um caminho rápido quando praticado corretamente sobre um base
espiritual adequada, ele é perigoso para os espiritualmente imaturos.
Este tipo de perigo é um dos motivos pelos quais o Vajrayana deve
ser praticado sob a supervisão de um mestre vajra adequado.

(Dalai Lama, The Path to Enlightenment)

A importância de meditar sobre a vacuidade é universal entre as


escolas do buddhismo tibetano. Na escola Nyingma, a prática do
Dzogchen (particularmente as práticas de Trekchö e Tögal) incluem
um processo preliminar que é descrito como encontrar a origem, a
permanência e a dissolução da natureza da mente. A meditação sobre
a vacuidade acontece no contexto desta busca. De modo similar, os
ensinamentos Kagyü sobre o Mahamudra falam sobre a
"unidirecionalidade", "transcendência de elaborações conceituais",
"sabor único" e "além da meditação". Neste contexto,
unidirecionalidade refere-se ao cultiva da permanência calma [sânsc.
shamatha], onde a primeira parte do cultivo da transcendência de
elaborações conceituais é realmente a meditação sobre a vacuidade.
O ensinamento Sakya sobre o seltong sungjug refere-se à não-
dualidade e à união da profundidade e claridade — profundidade
refere-se aos ensinamentos sobre a vacuidade, claridade refere-se à
natureza da mente. Na Gelug, precisamos cultivar a sabedoria da
vacuidade em conjunção com a experiência de êxtase no contexto da
prática de cultivo da sabedoria que é a união indivisível de êxtase e
vacuidade. Em todas as quatro escolas, a vacuidade que é ensinada é
aquela que Nagarjuna apresentou em sues Fundamentos do Caminho
do Meio. A apresentação da vacuidade de Nagarjuna é comum tanto
ao Paramitayana quando ao Vajrayana. No Vajrayana, entretanto,
uma prática única coloca ênfase específica sobre o cultivo da
experiência subjetiva da sabedoria da vacuidade; a vacuidade que é o
objeto é comum tanto ao sutra quanto ao tantra.

(Dalai Lama, Illuminating the Path to Enlightenment)

A moralidade da liberação individual [sânsc. pratimoksha] é praticada


principalmente ao se evitarem ações físicas e verbais que prejudiquem
os outros. Esta prática é chamada de "individual" porque fornece um
meio para que as pessoas possam se mover para além da rotina
repetitiva de nascimento, envelhecimento, doença e morte, que os
buddhistas chamam de existência cíclica ou samsara. A moralidade da
consideração pelos outros [sânsc. bodhichitta] — chamada moralidade
dos bodhisattvas (seres essencialmente preocupados em ajudar os
outros) — é praticada principalmente ao não deixar a mente cair no
egocentrismo. Para os praticantes da moralidade do bodhisattva, o
ponto essencial é evitar a auto-indulgência, mas também evitar as
ações nocivas do corpo e da fala. A moralidade do tantra [sânsc.
samaya] está centrada em técnicas específicas do corpo e da mente
para ajudar os outros. Ela fornece um meio para evitar e, assim,
transcender nossa percepção limitada de nossos corpos e mentes, de
modo que possamos nos perceber irradiando sabedoria e compaixão.
(Dalai Lama, Como Praticar)

Nos tantras buddhistas, existe a identificação do universo com a


dimensão pura da mandala; todos os pensamentos são atividades da
mente iluminada; todos os sons são mantras; todos os gestos são
mudras; todos os seres são budas. Por causa dos tantras, o Vajrayana
também é conhecido como Veículo do Tantra (sânsc. Tantrayana), em
contraste com o Hinayana e o Mahayana, que formam o Veículo do
Sutra (sânsc. Sutrayana). O Hinayana, o Mahayana e o Vajrayana são
vistos como caminhos sucessivos até a iluminação.

Protegermo-nos dos hábitos prejudiciais através da remoção de suas


causas é a abordagem do Hinayana ou veículo individual. Transformar
as aflições — as tendências negativas ou auto-referentes — em
atitudes positivas e altruístas baseadas no amor e na compaixão é,
em sua maioria, a abordagem Mahayana ou veículo universal.
Simplesmente reconhecer a natureza das aflições e através dela nos
liberarmos delas, transmutando-as assim que surgem, é
primariamente o método Vajrayana ou veículo adamantino.

A abordagem hinayana envolve manter disciplina perfeita e cessar o


comportamento de um modo que causa mal a si mesmo e aos outros.
Isto protege o praticante de obstáculos e distrações e permite a
meditação unidirecionada. A abordagem Mahayana envolve praticar a
compaixão para todos os seres assim como meditar sobre a
vacuidade profunda. Estes dois são feitos simultaneamente. Sobre a
base do estado altruísta da mente, ou bodhichitta, praticamos as seis
perfeições — generosidade, ética, paciência, perseverança
entusiástica, meditação e sabedoria. A abordagem do Budismo
Esotérico é um modo de transmutação que purifica todas as atividades
— emoções, ilusões impuras — e nos permite rapidamente alcançar a
iluminação com as meditações dos estágios de geração e completude.

(Kalu Rinpoche, Luminous Mind)

[Segundo o Budismo Esotérico,] no primeiro giro da roda [do Dharma],


em Varanasi, ele [o Buddha] ensinou as Quatro Verdades Nobres
comuns tanto ao Hinayana quanto ao Mahayana. No segundo, em
Rajagriha, ou Pico do Abutre, ele expôs os ensinamentos Mahayana
sobre a verdade absoluta — a verdade vazia de características e além
de todas as categorias conceituais. Estes ensinamentos estão
contidos no Prajnaparamita Sutra em Cem Mil Linhas. O terceiro giro
da roda, [realizado] em vários tempos e lugares diferentes, foi
devotado aos ensinamentos últimos do Vajrayana, ou veículo
adamantino.

(Do comentário de Dilgo Khyentse Rinpoche em The Heart Treasure


of the Enlightened Ones)

O caminho da moderação [Hinayana] é praticado externamente;

O espírito de bodhisattva [Mahayana] é praticado internamente;

Os métodos esotéricos do mantra [Vajrayana] são praticados


secretamente.

(Lama Je Tsongkhapa)

No tantra, as três jóias (sânsc. triratna) do refúgio externo — Buda,


Dharma e Sangha — são reinterpretados como as "três raízes" do
refúgio interno — o Lama, o Yidam e a Dakini. O mestre (sânsc. guru,
tib. bla ma) ou Lama, representado o Buda, é o detentor da linhagem e
das bênçãos, que confere as iniciações, as transmissões orais e os
ensinamentos. O professor principal de um praticante do Budismo
Esotérico é chamado mestre raiz (sânsc. mula-guru, tib. rtsa ba'i bla
ma / tsawe lama).

Dakini A divindade escolhida (sânsc. ishta-devata, tib. yi dam) ou


Yidam, o arquétipo meditacional com o qual se mantém um
compromisso (sânsc. samaya, tib. damtsig / dam tshig), é a
corporificação das sabedorias búdicas que representam a experiência
direta do Dharma nos estágios da sadhana.

Finalmente, a Dakini (tib. khandroma / mkha' 'gro ma), um ser feminino


de aspecto irado, representa a companhia da Sangha, a manifestação
da mente iluminada que ajuda a atingir as quatro atividades
iluminadas (pacífica, incrementadora, magnetizadora e irada). Às
vezes elas são associadas também aos protetores do Dharma (sânsc.
dharmapala, tib. chökyong / chos skyong).
Os três corpos (dharmakaya, sambhogakaya e nirmanakaya) são
considerados os objetos do refúgio secreto.

A palavra "refúgio" denota um lugar de segurança ou proteção. Em


essência, o voto de refúgio implica assumir o compromisso de nos
direcionarmos sempre de modo a não causarmos mal aos outros. Não
é que, ao tomarmos refúgio, o Buda ou algum outro ser iluminado
estenda uma varinha mágica e, de repente, somos transportados para
além da dor e da insatisfação. Antes, nós asseguramos nossa própria
proteção ao lidarmos com a raiz do sofrimento, que reside em nossos
próprios pensamentos e ações nocivos. Se o reduzirmos através do
uso disciplinado do corpo, fala e mente, evitamos suas conseqüências
kármicas negativas e, assim, eliminamos as causas do sofrimento. [...]

Nós tomamos refúgio nas Três Jóias o Buda, o Dharma e a Sangha. O


Buda é semelhante a alguém que andou por uma certa estrada e, pelo
fato de ter alcançado o destino final, conhece o percurso e é capaz de
nos mostrar o caminho. A estrada em si é o Dharma. E aqueles com
quem viajamos, aqueles que nos oferecem apoio e em quem
confiamos, formam a Sangha. Ao tomar refúgio, seguimos os passos
daqueles que nos precedem no caminho da iluminação. [...]

[No Budismo Esotérico, a palavra refúgio] possui três aspectos. Até


agora discorremos sobre o seu significado externo. Ela também traz
significados interno e secreto [...]. Na tradição Vajrayana, as fontes
internas de refúgio são as Três Raízes o lama, o yidam e a dakini. Diz-
se delas que são a fonte das bênçãos, da realização espiritual e da
atividade iluminada, respectivamente.

O lama ou mestre espiritual é a raiz das bênçãos, no sentido de que


ele transmite o conhecimento, os métodos e a sabedoria que nos
capacitam a alcançar a liberação. O yidam ou divindade meditativa
escolhida é a raiz da realização, no sentido de que, por meio de nossa
prática somos capazes de compreender a natureza da mente. Através
do métodos da divindade meditativa, somos capazes de compreender
e consumar a dakini, o princípio feminino da sabedoria que propicia a
atividade iluminada.

O objeto secreto de refúgio nada mais é do que a verdadeira natureza


da mente, a essência de todo ser, a natureza búdica em sua
perfeição. Essa natureza possui duas facetas: a primeira,
dharmakaya, a natureza absoluta da mente que está além dos
conceitos ordinários, pode ser comparada ao sol; a segunda, rupakaya
ou corpo da forma, pode ser comparada à irradiação brilhante do sol,
que ocorre naturalmente e sem esforço. Essa irradiação, que se
manifesta para benefício dos outros, possui dois aspectos: o
sambhogakaya a manifestação de forma pura, perceptível aos
grandes praticantes , e a manifestação nirmanakaya, que aparece
para benefício daqueles que são incapazes de perceber a expressão
do sambhogakaya.

No budismo Esotérico, ao recorrermos a objetos de refúgio externo,


interno e secreto, purificamos karma nos níveis externo, interno e
secreto, simultaneamente. É como se, em vez de cortar com uma
lâmina, cortássemos com três.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Buddhista)

As escolas "novas" do budismo tibetano (Sakya, Kagyü e Gelug)


dividem os tantras em quatro categorias, de acordo com a
classificação do Vajrapanjara Tantra. As três primeiras categorias são
chamadas de "tantras inferiores" por serem práticas preparatórias para
a quarta categoria, o "tantra superior":

•Tantras de Ação (sânsc. Kryia-tantra): são os mais antigos (séculos


II-VI) e foram os primeiros a seres traduzidos para o chinês (a partir do
século III). Nesta classe, estão os textos que enfatizam o
vegetarianismo, ritos e atividades externas de limpeza e purificação,
como o Arya-manjushri-mulakalpa, o Subahu-paripriccha Sutra e o
Aparimia-ayurjnana-hridaya Dharani.

•Tantras de Atuação (sânsc. Charya-tantra, Ubhaya-tantra, Upaya-


tantra, Upa-tantra): inclui apenas alguns textos, que surgiram a partir
do século VI, como o Maha-vairochana-bhisambodhi Tantra. Nesta
classe, as atividades externas (vegetarianismo, ritos, atividades
externas de limpeza e purificação, gestos simbólicos ou mudras) e
internas (meditação ou yoga) são enfatizadas igualmente, com
destaque para as práticas meditativas sobre o dhyani-buddha
Vairochana.
•Tantras de União (sânsc. Yoga-tantra): enfatizam a yoga interna, isto
é, as práticas meditativas. Os tantras desta categoria também
enfatizam uma dieta vegetariana. Os textos desta classe estão ligados
ao buddha Vairochana (Sarva-durgati-parishodhana Tantra) e ao
bodhisattva Manjushri (Manjushri-nama sangiti).

•Tantras de União Superior (sânsc. Anuttara-yoga-tantra): enfatizam a


prática de yoga interna superior. Esta classe é subdividida em três
categorias:

1.Tantras Superiores de União (sânsc. Yogottara-tantra), Tantras de


Habilidade (sânsc. Upaya-tantra) ou Tantras Pai (sânsc. Pitri-yoga):
são associados ao buddha Akshobhya e à sua consorte, Mamaki.
Nesta categoria, estão o Guhyasamaja Tantra e o Yamantaka Tantra.

2.Tantras de Sabedoria (sânsc. Prajna-tantra), Tantra das Praticantes


de Yoga (sânsc. Yogini-tantra), Tantras Absolutos de União (sânsc.
Yoga-anuttara-tantra ou Yoganinuttara-tantra) ou Tantras Mãe (sânsc.
Maitri-tantra): também estão associados ao buddha Akshobhya e sua
consorte, porém em seus aspectos irados (sânsc. heruka) e
acompanhados por dakinis. Os principais textos desta categoria são o
(Heruka Chakra-)Samvara Tantra, o Hevajra Tantra, o Kalachakra
Tantra, o Samvarodaya Tantra e o Chanda-maharoshanasa Tantra.
Muitos buddhas e textos desta categoria são semelhantes as
divindades e textos hindus ligadas a Shiva.

3.Tantra de União Não-dual (sânsc. Advityaya-yoga-tantra): esta é


uma categoria especial em que, às vezes, é classificado o Kalachakra
Tantra.

A palavra tantra quer dizer "continuidade". A continuidade do


desenvolvimento ao longo do caminho e a continuidade da experiência
de vida ficam cada vez mais transparentes. Cada insight torna-se uma
confirmação. O simbolismo inerente ao que percebemos torna-se
naturalmente importante, como se fosse algo que jamais tivéssemos
conhecido antes. O simbolismo visual, o simbolismo sonoro dos
mantras e o simbolismo mental das sensações, da energia — tudo
torna-se relevante. Descobrir um novo modo de olhar a vivência não
se torna um esforço. nem um poder excessivo; é um processo natural.
[...]
O tantra pai é associado à agressividade ou aversão. Ao se
transmutar a agressividade, vive-se uma energia que contém uma
tremenda força. Nenhuma confusão pode participar disso; a confusão
é repelida automaticamente. É chamada de ira-vajra, já que é o
aspecto adamantino da energia. O tantra mãe é associado à sedução
ou apego e é inspirado pela sabedoria discriminativa. Cada aspecto do
universo ou da vida é visto como contendo uma beleza própria. Nada
é rejeitado, nada é aceito; porém, o que quer que percebamos tem
suas qualidades próprias. Como não há rejeição nem aceitação, as
qualidades individuais das coisas tornam-se mais claras e é mais fácil
nos relacionarmos com elas. [...] O tantra [não-dual] da união implica
transmutar a ignorância no espaço que tudo permeia. Na ignorância
comum, tentamos manter nossa individualidade, descobrindo o
ambiente que nos cerca. Porém, na tantra da união não há
subsistência da individualidade. É a percepção de todo o ambiente
espacial, oposto ao espaço congelado da ignorância. Para transmudar
a aversão, o apego e a ignorância, é preciso estar apto à comunicação
direta e completa com a energia, sem estratégias.

(Chögyam Trungpa, The Mith of Freedom and the Way of Meditation)

A escola tibetana Nyingma inclui também os ensinamentos da Grande


Perfeição (sânsc. Ati-yoga, tib. Dzogchen/ rDzogs chen). Por isso, ela
classifica os tantras de forma um pouco diferente:

Tantras Externos: correspondem aos três tantras inferiores que foram


citados anteriormente • Tantras de Ação (sânsc. Kryia-tantra)

• Tantras da Atuação (sânsc. Charya-tantra)

• Tantras de União (sânsc. Yoga-tantra)

Tantras Internos: correspondem respectivamente aos três tantras


superiores (Tantras Pai, Tantras Mãe e Tantra Não-dual) • Tantras de
Grande União (sânsc. Maha-yoga Tantra)

• Tantras de Suprema União (sânsc. Anu-yoga Tantra)

•Tantras da Grande Perfeição (sânsc. Ati-yoga Tantra)


As escolas japonesas Shingon (chin. Mi-tsung) e Tendai (chin. T'ien-
t'ai) centralizam suas práticas nos tantras de Ação e de Atuação,
tendo o dhayni-buddha Vairochana como divindade principal de suas
meditações esotéricas. A tradição oral (jap. kûden) das escolas
Shingon e Tendai são chamadas respectivamente de Tômitsu e
Taimitsu. Na escola Shingon, os ensinamentos da tradição Tômitsu
são considerados os mais elevados; na escola Tendai, os
ensinamentos da tradição Taimitsu tornaram-se profundamente
interconectados com os ensinamentos do Sutra do Lótus do Dharma
Maravilhoso (sânsc. Saddharma Pundarika Sutra). As linhagens
japonesas não regulamentadas são genericamente chamadas de
Zômitsu.

Os mestres realizados, que "importaram" os tantras de várias


dimensões para o mundo humano, transmitiram a dimensão pura da
transformação através da mandala. Esta transmissão toma lugar a
cada vez que um mestre confere a iniciação de um tantra a um
discípulo. Durante a iniciação, o mestre descreve a imagem de uma
mandala a ser visualizada e, em particular, a divindade em que o
praticante tem de se transformar. Então, visualizando a dimensão da
transformação, o mestre confere a autorização [empowerment] para a
prática, transmitindo o som natural do mantra específico da divindade.
Após o discípulo receber a iniciação, e assim tendo sua primeira
experiência de transformação na visão pura, ele estará pronto para
aplicar isto como o caminho, através da visualização e da recitação do
mantra. Por estes meios, o praticante do tantra tenta transformar a
visão impura comum na visão pura da mandala da divindade. Todos
os tantras são baseados no princípio da transformação, trabalhando
com o conhecimento de como a energia funciona. O próprio
significado da palavra tantra "continuação" se refere à natureza da
energia do estado primordial, que se manifesta sem interrupção.

(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

É comum que o treinamento espiritual adquira maior eficácia quando


transmitido na forma de instruções secretas, guardado como um
tesouro secreto e praticado em segredo, e confiando-se
exclusivamente no mestre. O principal objetivo do treinamento é
tornar-nos receptivos, e não limitar-nos ou isolar-nos. Todavia,
especialmente no início, precisamos reunir as nossas energias e
desenvolver a nossa concentração. O segredo pode ajudar-nos a
fazer isso. Se usamos o que aprendemos nas conversas casuais
travadas à mesa do jantar ou como uma mercadoria, um instrumento
para atingir objetivos mundanos, arriscamo-nos a dispersar a nossa
energia e a nossa inspiração. Quando mantemos o treinamento em
segredo, a energia concentrada se desenvolve com maior eficácia, do
mesmo modo como um motor de propulsão reúne forças para erguer
um foguete para fora do campo de gravidade da Terra, pois o
combustível é consumido sob grande pressão, em vez de escapar
sem controle.

(Tulku Thondup, O Poder Curativo da Mente)

A meditação tântrica é dividida em várias etapas, partindo das


contemplações mais básicas para as mais profundas:

• práticas preliminares (sânsc. purvagama, tib. ngöndro / sngon 'gro):


as preliminares externas são as quatro contemplações que levam a
renunciar ao samsara: a preciosidade do nascimento humano, a
impermanência, o karma e o sofrimento. As preliminares internas são
o refúgio, a bodhichitta, a purificação através da prática de
Vajrasattva, a acumulação de mérito pela oferenda de mandalas, e a
acumulação de sabedoria através da união com a mente do mestre
(sânsc. Guru Yoga, tib. Lame Nenjor / bLa ma'i rNal 'byor). Às vezes
há práticas adicionais, como o Chö (tib. bCod), que visa cortar o
apego ao falso ego, e o P'howa (tib. 'pho ba), a transferência de
consciência na hora da morte.

•estágio de geração (sânsc. utpatti-krama, tib. kyerim / bskyed rim):


nesta fase, seguindo as instruções de uma liturgia (sânsc. sadhana)
tântrica, desenvolve-se a visão iluminada, treinando a mente através
da visualização criativa. O ambiente é visualizado como sendo a terra
pura da mandala, desenvolvendo-se a imagem vívida de si mesmo
como sendo a divindade meditacional, com todas as marcas físicas de
um buddha e todas as qualidades mentais de um ser iluminado.
Através da repetição do mantra da divindade, todos os sons passam a
ser percebidos como a fala iluminada, assim como todos os
pensamentos se tornam a concentração da divindade. O objetivo
deste estágio é desenvolver os próprios poderes imaginativos a tal
ponto que aquilo que é visualizado se torne real. Inicialmente, o
processo é um pouco artificial, mas as visualizações correspondem à
experiência dos seres iluminados. Adotando os novos hábitos de
percepção, pode-se diminuir os hábitos comuns da percepção
grosseira baseada na ignorância, apego e ódio e, em seu lugar,
colocar um nível de percepção mais sutil baseada na sabedoria,
compaixão e meios hábeis.

•estágio de perfeição (sânsc. nishpanna-krama, tib. dzogrim / rdogs


rim): uma vez que a visão búddhica tenha se tornado uma experiência
vívida, o estágio de perfeição completa o processo, trabalhando com
as energias sutis do corpo através de yogas avançadas.

O desfecho da prática tântrica segue as particularidades de cada


escola: na linhagem Nyingma, é a Grande Perfeição (sânsc. Atiyoga,
tib. Dzogchen / rDzogs chen); na linhagem Sakya, é a finalização do
Caminho e Fruto (tib. Lamdre / Lam 'bras); e nas tradições Kagyü e
Gelug, é a Grande Marca ou Grande Sinal (sânsc. Mahamudra, tib.
Gyachenpo). Porém, a realização final de cada um desses sistemas é
o mesmo: a liberação total do sofrimento, a iluminação completa, o
despertar total.

A característica especial do Vajrayana é a percepção pura. Através de


uma iniciação transmitida por um mestre tântrico, vemos e realizamos
o mundo como uma terra pura, e os seres como iluminados. Com o
poder ou sabedoria transmitida na iniciação, e com os extraordinários
meios hábeis dos canais, energias e essências do corpo-vajra, os
tantristas geram a experiência da grande união do êxtase e da
vacuidade, e este atingimento leva a mente, à força, ao ponto de
realização. Nas práticas tântricas, nada há a ser refreado ou
destruído, mas sim a ser transformado como o combustível de
sabedoria, a grande união do êxtase, da claridade e da própria
vacuidade. No Mahayana comum, os praticantes transmutam a vida
diária em treinamento espiritual através da atitude correta, o
pensamento de beneficiar os outros. Assim a vida do dia-a-dia é
transformada em prática meritória, a causa da iluminação. No tantra,
porém, transmutamos tudo na sabedoria em si, que é o resultado ou
meta do caminho. Deste modo, o Vajrayana é conhecido como o
veículo do resultado, pois ele toma o próprio resultado como o
caminho do treinamento.

(Tulku Thondup Rinpoche, Hidden Teachings of Tibet)

De acordo com o Vajrayana, deve-se combinar os meios hábeis — o


estágio de geração — com o aspecto da sabedoria — o estágio de
perfeição. O estágio de geração requer visualização — criar a imagem
de um ser divino —, preces, confissões, oferendas e as outras
sessões sessões da prática de sadhana. O estágio de perfeição
envolve o reconhecimento da natureza da mente, olhando para quem
visualiza, assim levando a natureza búddhica à experiência prática. O
estágio de geração é necessário porque, bem agora, somos seres
normais, e um ser normal é não-iluminado, instável na realização da
natureza búddhica. Não temos poder completo por nós mesmo, então
pedimos a ajuda dos buddhas e bodhisattvas. Ao oferecer [a prece
dos] sete ramos, por exemplo, purificamos nossos obscurecimentos,
removendo aquilo que nos impede de otger o insight verdadeiro. O
aspecto da sabedoria é a natureza da nossa mente. Tanto os meios
hábeis quanto a sabedoria são necessários.

(Tulku Urgyen Rinpoche, Repeating the Words of the Buddha)

[O estágio de geração] consiste na visualização gradual da mandala,


começando com a sílaba semente da divindade principal e então as
sílabas dos quatro elementos. Quando a criação imaginária da
mandala está completa, enquanto se mantém a visualização de si
mesmo transformado na forma da divindade central, recita-se o
mantra. Neste fase, trabalha-se um grande parte com a faculdade
imaginativa da mente, tentando desenvolver ao máximo a capacidade
de visualizar. A segunda fase, o estágio de perfeição, focaliza a
visualização da mandala interna dos centros [sânsc. chakra] e canais
[sânsc. nadi] de energia, e na concentração sobre as sílabas do
mantra, que giram sem interrupção ao redor da sílaba semente
central. O final da sessão da prática, tanto a mandala externa quanto a
interna são integradas na dimensão pura do corpo, fala e mente
iluminados do praticante. O resultado final da prática é que a visão
pura manifesta-se sem depender mais da visualização, tornando-se
parte da própria claridade natural. Assim, realiza-se o estado de
reintegração total da visão pura com a impura, o Mahamudra, o
grande símbolo em que o samsara e o nirvana estão
indissoluvelmente unidos.

(Tulku Urgyen Rinpoche, Rainbow Painting)

As mandalas [diagramas] nos são dadas para podermos nos


identificar com nossas emoções específicas, que têm a possibilidade
de se transmutar em sabedoria. Às vezes, praticamos a visualização
dos yidams [divindades meditacionais]. Quando começamos a
trabalhar com eles, entretanto, não os visualizarmos imediatamente.
Começamos com uma consciência da vacuidade e, em seguida,
desenvolvemos a sensação da presença daquela imagem ou forma.
Depois recitamos um mantra que tenha uma ligação com essa
sensação. Para enfraquecer a força do ego, precisamos estabelecer
um elo entre a presença imaginária e o observador de si mesmo, o
ego; o mantra [invocação] é esse elo. Após a prática do mantra,
dissolvemos a imagem ou a forma em certa cor de luz apropriada ao
yidam específico. Finalmente, terminamos a visualização com uma
nova conscientização da vacuidade. A idéia toda é que esses yidams
não devem ser encarados como "deuses" externos que nos salvarão,
mas como expressões de nossa verdadeira natureza. Nos
identificamos com os atributos e com as cores de certos yidams e
ouvimos o som que vem do mantra, e só então começamos a
compreender que nossa verdadeira natureza é invencível. Nos
identificamos completamente com o yidam.

(Chögyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism)

Alguns de vocês podem perguntar, "Por que precisamos deste


processo de purificação? Por que precisamos de métodos e práticas
se o fundamento e resultado reais já são perfeitamente puros?" A
pergunta é também a resposta. Assim que vocês conhecerem sua
natureza verdadeira, perfeita, quando quer que isto seja — talvez hoje
à noite, ou de manhã —, vocês não precisarão mais praticar ou ficar
preocupados com os objetos e métodos de purificação. Vocês não
precisarão ficar preocupados com o processo de purificação porque já
estarão em um estado desperto puro, primordial. Até então, você
continuarão a ter muitos e muitos pensamentos e conceitos
perturbadores. Até que estas perturbações sejam pacificadas, vocês
farão um favor a vocês mesmos se contarem com o processo da
prática, encontrando o objeto a purificar e atingindo o resultado.

(Gyatrul Rinpoche, Generating the Deity)

Na antiga Índia, o tantra era praticado em segredo, mas no Tibet a


maioria dos tantras são praticados sem muita restrição. Os
professores observam que a prática do tantra depende da devoção
aos ensinamentos, de modo que a devoção qualifica uma pessoa a
receber as instruções. A Índia nunca foi totalmente devotada ao
buddhismo, mas o Tibet foi um país inteiramente buddhista; então não
havia a mesma necessidade de segredo e diferenciação na
autorização para o estudo dos tantras.

(Tulku Thondup, Masters of Meditation and Miracles)

Luminosa, monges, é a mente; e ela é maculado por máculas


vindouras. Luminosa, monges, é a mente; e ela é liberada das
máculas vindouras.

(Pabhassara Suttas, Anguttara Nikaya I.49-50)

A mente é vazia de mente, pois a natureza da mente é a clara luz.

(Ashta-sahasrika-prajna-paramita Sutra)

Todos os seres são buddhas, mas isto é escondido por máculas


adventícias. Quando suas máculas são purificadas, seu estado de
Buddha é revelado.

 Ler obras espirituais nos faz evoluir espiritualmente.

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