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Introdução

Terapeutas DBT sabem: há uma forte influência do Zen-Budismo na


criação e desenvolvimento da Terapia Comportamental Dialética. A
criadora da DBT, Marsha Linehan, praticou e aprendeu Zen por
décadas, a ponto de tornar-se uma Mestra Zen (Rōshi[6]). Esta prática
informou e influenciou aspectos importantes do tratamento, e esta
influência é o objeto de discussão do presente ensaio. Do Zen surgiram
as habilidades centrais de mindfulness, as estratégias de aceitação (1/3
a 1/2 do tratamento, dependendo do ponto-de-vista), estratégias de
validação, habilidades de aceitação da realidade (aceitação radical,
entre outras) e até mesmo as estratégias dialéticas e visão dialética de
mundo. Como Linehan escreveu e disse inúmeras vezes, havia a
necessidade de equilibrar as estratégias de mudança
comportamental, provindas da análise do comportamento e terapias
cognitivo-comportamentais, com uma abordagem de aceitação. Para
criar esse outro polo de intervenções e estratégias, Linehan praticou e
estudou durante anos práticas de aceitação. Por qual via,
principalmente? Pela prática do Zen[7].
Quando pensei pela primeira vez em escrever este texto, meu objetivo
era mostrar que a influência do Zen era histórica, distante, e que de
certa forma, nada tinha a ver com a prática da DBT como é feita
atualmente. Para minha surpresa, após reler a literatura principal e
conversar com Randy Wolbert, estou convencido exatamente do
oposto: o impacto da prática pessoal de meditação de Marsha é grande
demais para separarmos a questão em “uma influência histórica” ou
“influência no desenvolvimento” versus a prática corrente da DBT.
Ao mesmo tempo, é importante deixar muito claro que terapeutas DBT
não usam o Zen de qualquer maneira durante o curso do tratamento, a
grande maioria não é treinada em meditação Zen-Budista e nem é
praticante de Zen (cabe até uma pergunta: será que terapeutas DBT e
psicoterapeutas em geral praticam Zen, são budistas, são ateus, tem
alguma religião?). Nem se exige de maneira alguma que terapeutas
DBT tenham qualquer tipo de prática espiritual ou religiosa. Deixar
isso explícito também é objetivo deste texto. Agora, que os terapeutas
DBT devem (ou deveriam?) praticar mindfulness, espero que também
fique claro.
Para complicar ainda mais o assunto, Marsha Linehan é uma
professora Zen (uma Rōshi) e conduzia até recentemente retiros Zen
intensivos com duração de dias, nos quais pessoas se juntavam (uma
boa parte, terapeutas DBT) para a prática intensiva de meditação Zen
(“zazen”) e outras práticas.
Por ser este um assunto espinhoso, cheio de sutilezas e complexidades,
há críticas (em grande parte válidas, na minha opinião) sobre a
possibilidade de se misturarem assuntos como religião e psicoterapia,
decidi conversar com Randy Wolbert Rōshi, sucessor de Marsha
Linehan na condução da prática Zen da Empty Cloud Sangha[8], a
comunidade/linhagem específica a que pertence Marsha Linehan.
Acredito que Randy esteja na posição perfeita para esclarecer estas
questões, já que além de um Rōshi e aluno Zen de Marsha por mais de
uma década, ele também é um terapeuta DBT certificado e Treinador
DBT da Behavioral Tech, a empresa americana encarregada de
conduzir o treinamento original em DBT criado por Marsha, há cerca
de 20 anos.

Aqui estão algumas passagens da entrevista, que considero mais


importantes para discutir essas questões.

Entrevista com Randy Wolbert, Rōshi


Alexandre: “é esperado que terapeutas DBT saibam que o Zen teve
uma grande influência no desenvolvimento do tratamento. Ao mesmo
tempo, muitos podem estar se perguntando qual foi exatamente essa
influência. Você pode comentar essa questão?”
Randy: “claro. Bem, a principal dialética[9] na DBT é entre aceitação
e mudança. Mudança, claro, tem a ver totalmente com a terapia
comportamental [Behavior Therapy]. Marsha estava procurando algo
para equilibrar o tratamento para o lado da aceitação. Ela procurou
várias práticas que estavam disponíveis e em primeiro lugar pensou em
usar prece contemplativa cristã (uma prática do misticismo cristão).
Mas ela pensou que se começasse a falar de Deus e de Jesus, algumas
pessoas iam ficar muito animadas com isso e outras ficariam muito… E
ela era uma cientista e queria ser levada a sério. Então ela pediu
conselhos para alguns amigos que disseram para averiguar a
possibilidade do Zen. Isso era no começo da década de 1980 e não
havia muito de Zen por aí, ainda mais em países do ocidente. Ela
encontrou um monastério no Monte Shasta na Califórnia e foi até lá. E
ela disse que encontrou o que estava procurando assim que chegou e
que Zen tem tudo a ver com aceitação radical e a prática de meditação é
algo que em si mesmo se direciona à aceitação. E ela ficou convencida
de que se ela conseguisse ensinar seus clientes a meditar, eles iriam
melhorar mais rápido.
A: “então a influência exata é sobre o polo da aceitação e como ela usou
a prática do Zen para desenvolve-lo na terapia.”
R: “sim. Se ela tivesse começado a desenvolver o seu tratamento
alguns anos mais tarde, talvez… Esse era o mesmo momento em que
Jon Kabat-Zinn estava desenvolvendo Mindfulness-Based Stress
Reduction (MBSR), e a maioria dos tratamentos baseados
em mindfulness são baseados na meditação vipassana. A DBT é um
pouco única nesse sentido, de que ela usou a prática do Zen.”
A: “devido a essa influência importante, podemos dizer que a DBT é
budista, ou a DBT é Zen, ou que terapeutas DBT usam o Zen na
terapia?”
R: “bem, a questão sobre o Zen é que Zen é uma prática. A palavra
‘Zen’ significa ‘meditação’ em japonês. E a prática principal do Zen,
o zazen… za significa sentar-se, e zen meditação, então significa
meditação sentado. Então na DBT temos a expectativa de que as
pessoas vão aprender todos esses elementos da meditação, que são na
verdade as habilidades centrais de mindfulness [core mindfulness
skills] e as habilidades de aceitação da realidade. O Zen tem muitas de
suas raízes no Budismo. Também tem raízes do Taoísmo e no
Confucionismo. Sobre se o terapeuta usa Zen na terapia, é assim: toda
a DBT tem marcas do Zen, então é impossível dizer ‘ok, vamos fazer
DBT sem nada de Zen aqui, vamos extrair isso’. As pessoas não estão
cientes de que algumas das coisas que estão ensinando e fazendo na
DBT vieram do Zen, por exemplo várias habilidades, coisas como
validação por exemplo, tem muito, muito a ver com a prática do Zen.
Mas você pode dizer que a DBT não é budista. Você não precisa
acreditar em nada para ser terapeuta ou paciente de DBT. Marsha e
Willigis falavam repetidamente que o Zen é uma prática[10], não uma
religião, então você pode acreditar no cristianismo e praticar Zen,
acreditar no judaísmo e praticar Zen, acreditar na religião muçulmana
e praticar Zen[11].”
A: “então minha terceira questão é por quê tantos terapeutas DBT vão
para retiros Zen nos EUA (aliás, isso é verdade ou é uma impressão que
tenho?)”
R: “sua impressão é incorreta. Quando você olha para o número de
terapeutas DBT digamos, nos EUA, quer dizer, tem milhares de
pessoas que se dizem terapeutas DBT. Muito, muito poucas realmente
vão para retiros Zen. E no começo, quando Marsha fazia esses retiros,
ela nem os chamava de retiros Zen. Ela apenas chamava de retiros
de mindfulness. O que ela queria fazer era criar a oporturnidade para
que os terapeutas DBT pudessem se cuidar, e é isso que um retiro faz. É
realmente, como dizemos, terapia para o terapeuta. Então quando
Marsha estava liderando esses retiros tinha um monte de gente que
queria participar apenas porque era a Marsha e queriam conhecê-la e
eu vou te dizer, algumas pessoas ficaram totalmente, tristemente
desapontadas quando chegaram lá e descobriram que era um retiro de
silêncio e que elas não ouviriam a Marsha falar o dia inteiro.”
A: [risos]
R: “sabe, eu tenho visto as mesmas pessoas nos retiros por 10 ou 15
anos e algumas pessoas vão apenas a um retiro e você nunca mais as
vê. E tudo bem! Apenas queremos oferecer a oportunidadade para as
pessoas virem. E dentro disso existe um grupo de pessoas que querem
praticar mais seriamente, se tornar alunos e esses são os que manterão
a linhagem viva em algum momento.”
A: “achei suas respostas bem interessantes, e elas me levam a uma
outra questão: sobre o treinamento de mindfulness para terapeutas
DBT. Então o retiro tem a função de ‘terapia’ e cuidado para os
terapeutas. Também tem a função de ser treinamento de mindfulness?
R: “a questão sobre mindfulness é que, comparando [mindfulness]
com o lado oposto da terapia comportamental, mindfulness tem uma
natureza muito experiencial e queira você ou não um retiro Zen vai te
dar uma experiência de mindfulness. Nesse sentido, sim, você terá a
experiência da prática de mindfulness. Em relação a estar apto a
ensinar essas habilidades, Marsha não requeria que seus alunos ou
outras pessoas treinadas por ela tivessem sua própria prática
de mindfulness no começo, mas depois ela começou a pedir isso. Ela
disse que os melhores professores são os que usam as habilidades eles
mesmos, não apenas as habilidades de mindfulness, mas todas as
habilidades. Seus pacientes vão se beneficiar muito mais de alguém que
use as habilidades ele mesmo do que de alguém que está lendo elas em
um livro.”
A: “eu sei que no mundo da pesquisa e ensino em mindfulness existe
esse critério de corporificar a prática [embodiment; ver nota 12]. E eu
percebo que quando ensinamos habilidades da DBT que somos
treinados a praticar intensamente [isso é muito mais efetivo em relação
aos clientes compreenderem e praticarem por si mesmos]. Você acha
que existe uma maneira ótima de treinar os terapeutas em habilidades
de mindfulness?
R: “pode haver várias maneiras. Você provavelmente terá que
encontrar a sua. Se você quiser praticar Zen, quer dizer, que são as
habilidades centrais de mindfulness da DBT, tudo começa com Zazen.
É praticar, ter instruções sobre a prática e então como fazer para torná-
la uma parte da sua rotina diária. Se você praticar diariamente, será
impossível não estar muito mais atento [mindful] sobre o resto da sua
vida. Como dizemos, você mergulha nesses momentos de presença
[drop into those moments of mindfulness], quando você subitamente
está presente… os nossos cérebros estão a todo momento indo para
diferentes lugares. Temos esses narradores internos que estão sempre
comentando sobre tudo e a gente simplesmente para de prestar
atenção no que está acontecendo, e então de repente você tem a
oportunidade de mergulhar [drop into] no presente momento. Então
eu acho que a melhor coisa é conseguir que as pessoas pratiquem
regularmente. O estudo que fizemos com a Karina [Solovieff; ver nota
13] e o Miguel mostrou que as pessoas que faziam parte do grupo
experimental [e tinham aulas e eram ensinadas, versus apenas breves
instruções por escrito] tinham muito mais chance de ter praticado
regularmente. Portanto eu certamente recomendo algum tipo de
treinamento em mindfulness baseado em Zen [Zen-based mindfulness
training]. Mas acima de tudo, eu recomendo que as pessoas
pratiquem.”
A: “você quer dizer praticar mindfulness e portanto se as pessoas
praticassem de outra forma, por exemplo aprendendo em grupos
MBSR e mantivessem uma prática regular serviria à mesma função. O
que você acha disso?”
R: “sim. Práticas como o Zen não são para todo mundo e às vezes as
pessoas têm mais sucesso com outras práticas. Eu sou a favor de
qualquer coisa que faça as pessoas praticarem [mindfulness]
regularmente. Mas como estamos falando de DBT, como uma parte
central veio do Zen, por quê não dar uma chance[14]? Marsha sempre
perguntava para as pessoas se elas queriam aprender mindfulness por
razões espirituais ou psicológicas. Você pode querer praticar por uma,
outra ou ambas. Para propósitos psicológicos, 5 minutos de prática
diária vai te dar todos esses benefícios[15]. Se, por outro lado, você
quiser embarcar em uma jornada mais espiritual, então você tem que
fazer coisas… provavelmente ir a retiros, ter um(a) professor(a).”
A: “ok. Para terminar esse ponto: ficou claro que é importante que o
terapeuta DBT pratique mindfulness. Você falou bastante sobre isso.
Para poder ensinar as habilidades de maneira hábil. Por outras razões
também?”
R: “apenas que você pode ter uma vida melhor. Quero dizer, as razões
que a Marsha colocou nas metas da prática de mindfulness [16]. Como
diminuir o sofrimento, aumentar a alegria, ter mais controle sobre sua
mente, ver a realidade como ela é. É assim, quem não iria querer isso?
Então a questão, novamente, é praticar um pouco diariamente, 5
minutos por exemplo. Agora, quando eu tive essa discussão com
Marsha uns anos atrás, quando ela estava escrevendo a segunda edição
do Manual do Treinamento de Habilidades, sobre as metas da prática
de mindfulness, eu disse: ‘Marsha, mas a meta da prática
de mindfulness é praticar mindfulness’ e ela disse ‘eu sei, mas se eu
não colocar isso aqui as pessoas não vão querer praticar[17].’”
A: “então a importância da prática é a mesma para terapeutas e
clientes, as pessoas que estão em terapia DBT, com desregulação
emocional, você diria que é pelas mesmas razões, exceto ensinar as
habilidades de mindfulness?”
R: “sim.”
A: “ok, eu tenho apenas mais algumas perguntas. Você acha que as
pessoas confundem essas coisas, por exemplo, pensar que a DBT é
budista ou então por exemplo, terapeutas confundindo as coisas e
usando práticas do Zen, algum ritual ou algo estranho ou bizarro
durante uma sessão de terapia?”
R: “é mais o problema oposto, em que as pessoas vêem as habilidades
centrais de mindfulness e elas sabem que têm que ensina-las porque é
parte do currículo, mas elas apenas… não tem outro jeito de dizer isso
senão dizer que elas fazem um trabalho meia-boca.”
A: “eu já vi isso acontecer.”
R: “quer dizer, é a mesma coisa com as habilidades de aceitação da
realidade, em particular aceitação radical, estar disposto [willingness],
e direcionar a mente [turning the mind]. As pessoas fazem realmente
um trabalho ruim ensinando essas habilidades se elas não as praticam.
Mas quado você tem essa experiência, é muito mais fácil falar sobre
ela.”
A: “sim. Certo, para finalizar, você pode comentar sobre essa fato
interessante: Marsha foi uma cientista. Marsha foi uma Rōshi Zen.”
R: “o fato é que Marsha era uma cientista e queria verificar as coisas
que ela aprendeu experiencialmente através da prática do Zen, e ela
queria verificar isso cientificamente, o que faz muito sentido. O Dalai
Lama é famoso por dizer que se a ciência comprovar que qualquer
parte de suas crenças espirituais ou religiosas não é verdadeira, então é
hora de arranjar novas crenças espirituais ou religiosas[18]. Pat Hawk,
um dos professores [Zen] de Marsha disse que a chave para lidar com o
sofrimento é ter a capacidade de manter duas coisas que aparentam ser
realmente opostas na mente ao mesmo tempo sem tentar resolver o
dilema. Eu acho que essa é a conexão entre a ciência e o Zen. É assim,
você tem duas coisas, mas você não precisa tentar resolver isso.”
A: “muito bem. Muito obrigado pelas suas respostas.”

Notas finais
1: Ao discutir tópicos especialmente difíceis e complexos, como a
influência da prática Zen na DBT, uma nota de esclarecimento faz-se
necessária. Minha intenção aqui não é explicar e falar sobre Zen-
Budismo per se, mas aprofundar a discussão sobre a história do
desenvolvimento da DBT e a influência que esta prática teve na criação
do tratamento. Me encontro em uma posição difícil; embora acredite
que esteja em uma ótima posição para contribuir para a discussão, por
ser tanto um terapeuta DBT e trainer-in-training da
BehavioralTech/DBT Brasil como um aluno de Zen da Empty Cloud
Sangha, quero deixar claras as minhas limitações como um praticante,
um aluno iniciante, por mais que alguns anos tenham se passado desde
que iniciei a prática. Dizer que sei o que é o Zen seria, no mínimo,
arrogante, e uma exposição clara da minha completa ignorância sobre
o assunto. Portanto, qualquer coisa que eu traga sobre isso serão os
comentários do professor (Rōshi) Randy Wolbert, ou citarei fontes
apropriadas ao traduzir termos e evitarei tentar explicar conceitos,
achando melhor deixar para os professores, mestres, acadêmicos, que
citarei quando apropriado. Devido à necessidade de explicar nomes e
termos do Zen ou aprofundar alguma discussão que seja tocada
superficialmente no texto, me darei ao luxo de possivelmente ser
redundante, repetitivo e me alongar nessas notas. Pode ser uma boa
ideia ler o texto e a entrevista de uma vez antes de se deter nelas. Junto
aos comentários relevantes sobre aspectos do texto e referências da
literatura, estas notas se propõe a definir alguns termos japoneses que
inevitavelmente serão utilizados nesse texto que se referem ao Zen,
começando pelo próprio termo “Zen” na nota abaixo.
2: Zen significa: “escola do budismo surgida na China do sVI d.C. e
levada para o Japão no sXII, onde granjeou grande importância
cultural até os dias atuais, caracterizada pela busca de um estado
extático de iluminação pessoal (satori), equivalente a um rompimento
deliberado com o pensamento lógico, obtido por meio de práticas de
meditação sobre o vazio ou reflexão a respeito de absurdos, paradoxos
e enigmas insolúveis (koans); zen-budismo”. (Dicionário Oxford
Languages). O mesmo dicionário traz, como segunda definição:
“adjetivo. Muito tranquilo e confiante.” Vemos aqui o uso informal e
corriqueiro do termo Zen, incorreto do ponto de vista da
prática/religião, que se deu a partir da inserção da cultura japonesa e
da prática do Zen no ocidente (EUA, inicialmente). A palavra em língua
japonesa “Zen” é uma tradução do termo em chinês “ch’an”, que é uma
tradução do sânscrito “dhyana”, que significa “meditação”. (Dumoulin,
1963). Dhyana: “Hinduísmo, Budismo, Jainismo: Meditação.
(Dicionário Merriam-Webster, disponível em: https://www.merriam-
webster.com/dictionary/dhyana). Tanto meditação
quanto mindfulness serão melhor definidos na parte 2 desta série. Para
um estudo aprofundado da história do Zen-Budismo, ver Dumoulin,
1963. Para uma introdução ao Zen pelo próprio Zen, ver Suzuki, 2019.
3: Mindfulness: o termo mindfulness tem inúmeras definições (Tatton-
Ramos, 2016). Vou escolher aqui 3 delas, úteis para este artigo. Na
parte 2, aprofundarei a definição do ponto de vista da DBT. (1) “a
prática de estar atento [aware] do seu corpo, mente e sentimentos no
momento presente, dita capaz de criar um sentimento de calma.”
(Cambridge Dictionary; tradução livre pelo autor). ( 2)
“Mindfulness tem a ver com a qualidade da consciência ou a qualidade
da presença que uma pessoa traz à vida cotidiana. É uma forma de ela
viver desperta, com os olhos bem abertos. Em termos de um conjunto
de habilidades, a prática de mindfulness é o processo intencional de
observar, descrever e participar na realidade no momento, com
efetividade (i.e., usando meios hábeis) e de modo não julgador.”
Linehan, 2018b, p. 148. (3) “(…) prestando atenção de uma forma
específica: intencionalmente, no presente momento, sem julgamentos.”
Kabat-Zinn, 2013, p. xxvii.
4: Frase retirada de um conhecido texto do Mestre Eihei Dogen (1200-
1253), celebrado como o fundador da escola Soto Zen (“Soto-shu”).
Existem inúmeras traduções deste antigo texto. A que usei, de um
braço da escola Soto no Brasil, liderada pela Monja Coen Rōshi, está
disponível aqui: https://www.zendobrasil.org.br/wp-
content/uploads/2021/03/Fukanzazengi_site.pdf. O intuito de colocar
esta afirmação aqui, de que “Zazen [meditação sentada, sentar-se
em zen, principal prática do Zen-Budismo] não é meditação passo a
passo”, vem para ilustrar a ideia da diferença importante (não
abordada novamente neste texto) entre mindfulness, meditação, e
meditação no Zen Budismo (zazen).
5: Linehan 2021, p. 275-276. Tradução livre da passagem feita por
mim.

6: Rōshi (老師): “velho professor” (old teacher; old master). (Em É um


termo honorífico em japonês utilizado para se referir a um professor
altamente venerável. Fonte: Encyclopedia Of Buddhism. Disponível
em: https://encyclopediaofbuddhism.org/wiki/R%C5%8Dshi.
7: A história do desenvolvimento da DBT e da prática Zen por Marsha,
de sua integração na DBT, é contada de maneira passageira no manual
da DBT (Linehan, 1993) e nos manuais de treinamento de habilidades
(Linehan, 2018a; Linehan, 2018b). É também contada de maneira
muito mais detalhada, incluindo todo o treinamento psicológico,
comportamental, científico e prática do Zen em sua autobiografia,
ainda não traduzida para o português (Linehan, 2021).

8: A Empty Cloud Sangha (do alemão, Leere Wolke) é a comunidade


ou escola Zen a que pertencem Marsha Linehan e Randy Wolbert,
criada por Willigis Jäger na Alemanha, após ter aprendido e praticado
Zen no Japão. Nas linhas seguintes exporei um pouco da história dessa
comunidade de praticantes e desta linhagem Zen de Marsha, e dessa
forma quero mostrar que a origem desta prática não vem apenas do
“Zen norte-americano.” Marsha praticou Zen por décadas sob
orientação de Willigis Jäger (1925-2020). Willigis foi um monge
católico beneditino, cuja prática espiritual era focada na prece
contemplativa, ou seja, na parte mística do Cristianismo. Sua prática e
ensinamento espiritual é considerado “transconfessional”, ou
“interreligioso” (ou seja, uma prática baseada em aspectos espirituais,
mas não tanto institucionais-religiosos, o que inclusive o levou a
receber sanções da Igreja Católica). Willigis aprendeu e praticou Zen
(também considerado uma escola mística dentro do Budismo) com um
professor japonês (Yasutani Rōshi) no Japão e com um mestre chinês
(Jing-Hui). A escola criada por Yasutani Haku’un Rōshi (1885-1973) é
a Sanbô-Kyôdan, a partir de duas escolas Zen muito tradicionais (Soto
e Rinzai). Yasutani foi um professor controverso no Japão; fez duras
críticas aos praticantes de sua época (de que haviam perdido o espírito
da prática e apenas dedicavam-se a rituais vazios) (ver o artigo por
Paul D. Jaffe, de 1993, disponível
em http://www.thezensite.com/ZenEssays/HistoricalZen/Yasutani_R
oshi.html). Portanto, fundou uma escola à parte, que seria a Sanbô-
Kyodan, pequena no Japão, porém que espalhou-se pelo ocidente, uma
das características principais tendo sido a diminuição da separação
entre praticantes monges e leigos (nomes importantes como Robert
Aitken Rōshi pertencem a esta linhagem). Ver: http://www.sanbo-
zen.org/index.html. Assim sendo, apesar de Marsha Linehan ter
passado alguns meses em um monastério na California (Shasta Abbey)
na década de 1980, onde ela praticou e aprendeu Zen foi na Alemanha,
com um professor (Willigis) que praticou e estudou Zen por anos no
Japão e China. Acredito ser correto localizar aí mesmo a origem da
prática Zen de Marsha, e não no que se tornaria o Zen americano. Ver
também o site da Fundação Willigis Jäger, abaixo nas referências.
9: Dialética: “Filosofia: em sentido bastante genérico, oposição,
conflito originado pela contradição entre princípios teóricos ou
fenômenos empíricos.” (Dicionário Oxford Languages). Na DBT,
dialética é o nome da visão básica de mundo sobre a qual se apóia a
teoria da personalidade borderline, da desregulação emocional,
desenvolvida por Marsha Linehan ao criar a DBT nas décadas de 1970
e 1980. Segundo esta visão, a realidade é sistêmica: as coisas são
interdepententes e existe uma relação importante da parte com o todo
(princípio da interdependência e totalidade); além disso, os fenômenos
também são polares, as polaridades (“tese”e “antítese”) eventualmente
se integrando (“síntese”) e criando novamente outras polaridades. Uma
das noções que permeia toda a DBT é esta de que coisas aparentemente
opostas podem coexistir e serem verdadeiras ao mesmo tempo
(Linehan 1993, p. 39-45).
10 Aqui acredito que possa haver uma discussão profunda entre os
estudiosos e mestres sobre se Zen é uma religião ou uma prática. A
própria visão da Sanbô-Kyôdan é esta professada por Randy, Marsha e
Willigis (todos professores dessa linha). Para uma discussão desta
questão pelo atual abade dessa linhagem (Yamada Ryôun Rōshi),
ver https://ssl.sanbo-zen.org/artikel-1_e.html. Ao mesmo tempo,
assim como em outras tradições do Budismo, no Zen há alguns
conceitos e práticas que são professados: as Três Jóias, os quatro selos
do Dharma, as Quatro Nobres Verdades, etc. A prática é enfatizada
com o “objetivo” de libertar-se do sofrimento, alcançando o estado de
“nirvana”. De fato, alcançar um estado de transcendência ou libertação
do sofrimento me parece ser um objetivo religioso, mas como está
descrito na nota 16, o aluno que começa a praticar o Zen é
frequentemente orientado a abrir mão de alcançar qualquer coisa. Não
desejo me estender nesse ponto, porém noto que há uma interessante
dialética aí. Para mais conceitos importantes do Budismo na prática
específica do Zen, ler Aitken, 1982, além das outras referências citadas
neste ensaio.

11 Algo que Randy não disse, mas acredito que valha a pena adicionar:
é possível também ser ateu e praticar Zen. Recentemente tive o prazer
de compartilhar vários dias de um retiro da Empty Cloud Sangha com
um grande amigo e colega de profissão que é ateu. Essa ideia de que
Zen pode ser praticado por pessoas de qualquer religião aparece em
diversos lugares. Conferir este texto do Zen Center of Georgia
(https://www.zen-georgia.org/ZenFaq.php). Diversos praticantes
cristãos (especialmente monges católicos) praticaram Zen. O próprio
Willigs Jäger, professor da Marsha, é um exemplo. Conferir também,
por exemplo: d’Ors, 2021, e no vasto trabalho de Monja Coen esse tema
aparece diversas vezes (ver www.zendobrasil.org).

12 Trata-se de um dos critérios de avaliação de professores/instrutores


de intervenções baseadas em mindfulness (MBI), o MBI-TAC
(Mindfulness-Based Interventions Teaching Assessment Criteria).
Corporificar (embody) significa “habitar a prática de mindfulness. Isso
é transmitido através do corpo do(a) professor(a), em termos de sua
expressão física e não-verbal.” (MBI-TAC, 2021, p. 30; tradução livre
do inglês; disponível
em: https://mbitac.bangor.ac.uk/documents/MBITACFullPAGESFIN
AL6.7.21.pdf). Uma observação pessoal: talvez essa característica, de
“corporificar” as habilidades de mindfulness, e não só elas, mas todas
as habilidades e estratégias da DBT, seja uma das que se sobressai
quando aprendemos e observamos terapeutas e treinadores
(professores) de DBT experientes: eles têm, na minha visão, uma
“qualidade” ou “um jeito” diferente quando ensinam não
só mindfulness, mas também aceitação radical, estratégias dialéticas, a
“dança” característica realizada nas interações com pacientes
(comumente denominada por Marsha e depois dela “movimento,
velocidade e fluxo”).
13 Karina Solovieff é psicóloga, aluna Zen de Randy e a diretora da
Empty Cloud Sangha Latinoamérica. Ela participou de um dos últimos
retiros com Marsha Linehan nos EUA, e tem a importante tarefa de
manter a comunidade de prática Zen nesta linhagem viva na América
Latina. Ver https://ecsanghalatin.wixsite.com/emptycloudlatam. O
estudo que Randy cita ainda não foi publicado.

14 Randy destaca a importância de desenvolver uma prática regular


de mindfulness, e faz um convite a que se conheça e pratique o Zen
como forma de atender a isso. A conclusão aqui não é que a maneira
correta ou ideal de aprender mindfulness seja através dessa prática, o
que fica claro quando Randy afirma que “…Eu sou a favor de qualquer
coisa que faça as pessoas praticarem regularmente.”
15 Alguns estudos que mostraram tais resultados (esta não pretende
ser uma nota compreensiva sobre pesquisa): Lam, Sterling, Margines,
2014; Tang et al, 2007). Este artigo da American Psychological
Association resume os efeitos positivos para a saúde da prática
de mindfulness: https://www.apa.org/monitor/2012/07-08/ce-
corner#:~:text=The%20researchers%20concluded%20that%20mindfu
lness,decreases%20anxiety%20and%20negative%20affect.
16 Linehan, 2018a, p. 45.

17 Essa é uma afirmação (e até uma instrução) comum na prática


de mindfulness, que provavelmente tem origem na prática meditativa
budista. Ver, p. ex., Kabat-Zinn, 1994, p. 16: “Então, na prática de
meditação, a melhor maneira de chegar a algum lugar é abrir mão de
querer chegar a qualquer lugar.” Uma afirmação retirada do website de
um monastério Zen no Japão (antaiji.org) diz: “Praticamos Zen sem
adições ou modificações. Zazen é praticado apenas pelo propósito de
praticar zazen. Para quê serve isso? A resposta é fácil: para nada!”
(tradução livre do inglês. A maior parte do site é escrita em japonês e é
necessário traduzir com a ferramenta do google. Disponível
em: https://antaiji.org/en/).
18 Existe ampla documentação desse tipo de afirmação pelo 14º Dalai
Lama tibetano. “Aprendemos a partir da ciência que afirmações da
literatura Budista se referindo a uma terra plana ou ao sol e lua tendo o
mesmo tamanho e distância da terra são errôneas. Entre os estudiosos
do Budismo, Chandrakirti criticou mestres que expressaram tais visões
e eu me considero seu aluno.” Disponível
em: https://www.dalailama.com/news/2020/buddhism-science-and-
compassion. Vale a pena destacar que o Dalai Lama é o líder religioso
do Budismo tibetano, que faz parte do budismo Vajrayana (uma
transformação do budismo Mahayana, quando trazido da Índia para o
Tibete; o Zen faz parte do budismo Mahayana).

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