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São Luís
2018
ANAIS DO
III SIMPÓSIO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM
CULTURA E SOCIEDADE DO PGCult – III SIICS
São Luís
2020
Copyright © 2020 by EDUFMA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
Prof. Dr. Natalino Salgado Filho
Reitor
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Esnel José Fagundes
Profa. Dra. Inez Maria Leite da Silva
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha
Profa. Dra. Andréa Dias Neves Lago
Profa. Dra. Francisca das Chagas Silva Lima
Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire
Prof. Me. Cristiano Leonardo de Alan Kardec Capovilla Luz
Prof. Dr. Jardel Oliveira Santos
Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi
REVISÃO
Profa. Dra. Ana Caroline Amorim Oliveira
Profa. Dra. Conceição de Maria Belfort de Carvalho
Profa. Dra. Larissa Lacerda Menendez
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha
Profa. Dra. Zilmara de Jesus Viana de Carvalho
PROJETO GRÁFICO
Sansão Hortegal Neto
III Simpósio Internacional Interdisciplinar em Cultura e Sociedade do PGCult (5.:2020: São Luís, MA).
Anais do III Simpósio Internacional Interdisciplinar em Cultura e Sociedade do PGCult; [recurso eletrônico] /
Organizadores: Ana Caroline Amorim Oliveira, Conceição de Maria Belfort de Carvalho, Larissa Lacerda
Menendez, Luciano da Silva Façanha e Zilmara de Jesus Viana de Carvalho. — São Luís: EDUFMA, 2020.
2270 p.
CDU 1.001.1
CDD 100.001
ORGANIZADORES
Ana Caroline Amorim Oliveira
Conceição de Maria Belfort de Carvalho
Larissa Lacerda Menendez
Luciano da Silva Façanha
Zilmara de Jesus Viana de Carvalho
COORDENAÇÃO GERAL
Profa. Dra. Conceição de Maria Belfort de Carvalho – UFMA
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha – UFMA
Profa. Dra. Zilmara de Jesus Viana de Carvalho – UFMA
COMISSÃO ORGANIZADORA
Profa. Dra. Ana Caroline Amorim Oliveira
Prof. Dr. Antonio Cordeiro Feitosa
Prof. Dr. Arkley Marques Bandeira
Profa. Dra. Conceição de Maria Belfort Carvalho
Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei
Profa. Dra. Fernanda Areias de Oliveira
Prof. Dr. Flávio Luiz de Castro Freitas
Prof. Dr. João Batista Bottentuit Junior
Prof. Dr. José Ribamar Ferreira Júnior
Profa. Dra. Juciana de Oliveira Sampaio
Profa. Dra. Klautenys Dellene Guedes Cutrim
Profa. Dra. Larissa Lacerda Menendez
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha
Profa. Dra. Márcia Manir Miguel Feitosa
Prof. Dr. Marcelo da Silva
Profa. Dra. Mônica Teresa Costa Sousa
Profa. Dra. Sandra Maria Nascimento Sousa
Profa. Dra. Sannya Fernanda Nunes Rodrigues
Profa. Dra. Thelma Helena Costa Chahini
Profa. Dra. Zilmara de Jesus Viana de Carvalho
COMISSÃO CIENTÍFICA
Profa. Dra. Conceição de Maria Belfort Carvalho
Profa. Dra. Custodia Alexandra Almeida Martins – Universidade do Minho Portugal-
Prof. Dr. João Batista Bottentuit Junior
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha
Profa. Dra. Zilmara de Jesus Viana de Carvalho
Profa. Dra. Klautenys Dellene Guedes Cutrim
MONITORES
Adriana Soares Carvalho
Adriane Castro Silva
Alexandre Moura Lima Neto
Ana Beatriz Silva Rêgo
Ana Laura Caldas Diniz
Ana Luiza Caldas Diniz
Ana Paula Rodrigues do Nascimento
Anael Correa Martins
Andresson Rafhaell de Souza Nunes
Antonio Joao Goncalves Filho
Áurea Simone Costa S Dourado
Bianca Malena do Nascimento Cordeiro
Camila Cutrim Lins de Freitas
Clara Suane de Souza Nogueira
Cláudia da Silva
Daniel Cutrim Mendonça
Daniele Silva Lima
Daphne Jardim Sampaio
Dauriana Cristina dos Santos Pereira
Denise Aroucha Furtado
Eduardo Mohana Silva Ferreira
Elayne de Araújo Pereira
Elisangela Amorim Sa
Enaire de Maria Sousa da Silva
Epha Ellen Nunes Silva
Francisco Alves de Sousa Neto
Gabriel Oliveira Nojosa
Grazielle Caldas Dutra
Habynikawa Adriana
Hudson Vinicius Pereira Silva
Isabele Ferreira da Silva
Ivailson Bentes de Alencar Filho
Jaynara Lima Silva
Jhonathan Derick dos Anjos Viana
João Matheus Nascimento Rodrigues
José Lucas do Nascimento Araújo
Josinete de Fatima Pereira Passos
Karoliny Costa Silva
Keila Helena Garcez Abreu
Klisman Lucas de Sousa Castro
Larissa Cristina Costa Rodrigues
Leonardo Passos Ribeiro.
Lidia Cristina costa nunes
Luciana da Conceição Cunha Diniz
Luciana Sirqueira Viana
Maya Santos Santana
Marcia Regina Pereira Barros
Maria Luiza Girão Ferreira
Mickael dos Santos Costa
Natália Dequeixes Muniz
Nayane de Jesus Carneiro Silva
Naysa Christine Serra
Paloma Coelho Ribeiro
Rayilson da Silva Marques
Rosangela dos Santos Pinheiro
Samary Pinheiro Coelho
Scalithe Sousa Casanova
Solange Marreiros da Silva
Sonayra dos Santos Carneiro
Stephanne Fernanda Silva Conceição
Suellen Souza Pereira
Susanne Caldas Azevedo
Tamara Santos
Taynara Martins Silva
Téssia Luana Castro Guimarães
Thaíse Heilane Freitas Câmara
Thaynara Valessa Louzeiro Carvalho
Valdemir Ferreira Fernandes
Vitória do Lago Nascimento
Vivianne Morais Pacheco
Yasmin Ferreira do Nascimento
PESSOAL TÉCNICO-ADMINISTRATIVO
Roberto Araújo
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Os conteúdos dos Trabalhos completos do III SIICS são de inteira responsabilidade dos autores.
Sumário
Os conteúdos dos Trabalhos completos do III SIICS são de inteira responsabilidade dos autores.
Eixo 1: Arte,
Tecnologia e Educação
Organizadora do Eixo: Profa. Dra. Larissa Lacerda
Menendez
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Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir a (in) visibilidade da cultura afrodescendente
no currículo escolar, tecendo análises acerca da cultura dos negros em livros didáticos. Para tanto,
situamos a questão em seu contexto histórico, trazendo reflexões sobre a herança cultural deixada
pelos africanos escravizados para a sociedade brasileira. A metodologia empregada foi a pesquisa
bibliográfica, buscando autores que versam sobre a temática, além de análises de livros didáticos
de História, utilizados nas redes pública e privada de ensino. A pesquisa demonstrou que a cultura
afrodescendente, quando apresentada, é apontada de forma superficial, marcada por ocultamentos
e estereótipos, o que foi verificado na maioria dos materiais pesquisados.
Palavras-chave: Cultura Afrodescendente. História. Livro didático.
Abstract: The purpose of this article is to discuss the (in) visibility of Afro-descendant culture in
the school curriculum, making analyzes about the culture of blacks in textbooks. To do so, we
situate the issue in its historical context, bringing reflections on the cultural heritage left by
enslaved Africans to Brazilian society. The methodology used was bibliographic research, looking
for authors who deal with the theme, in addition to analyzes of history textbooks, used in public
and private education networks. The research demonstrated that the Afro-descendant culture,
when presented, is pointed out in a superficial way, marked by concealments and stereotypes,
which was verified in most of the researched materials.
Keywords: Afro-descendant culture. History. Textbook.
INTRODUÇÃO
importante avanço na luta dos negros pela igualdade racial e contra o racismo, na medida em que
colabora para frear o processo de apagamento da cultura afrodescendente no âmbito escolar. Desse
modo, não só os sistemas de ensino são convidados à observância dessa lei, mas também as
editoras incumbidas pela venda e/ou distribuição de livros didáticos para as escolas públicas e
privadas de todo o Brasil.
Diante dessa premissa, inquieta-nos o questionamento se, após quase 20 anos da
promulgação da Lei 10.639/03, os livros didáticos já se encontram adequados às exigências desse
dispositivo e como a cultura afrodescendente está sendo representada (ou silenciada) nesses
materiais.
Para a realização desta pesquisa, fruto de um trabalho acadêmico de uma disciplina do
curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), selecionamos livros
didáticos da área de História, do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, que foram recentemente ou
estão sendo utilizados em escolas públicas e privadas da cidade de Pinheiro (MA).
O presente trabalho está organizado em duas partes principais. A primeira discute a
formação e diversidade da cultura nacional, com grande influência das matrizes africanas que, a
partir de inúmeras reinvenções, se transformou nas idiossincrasias brasileiras, ou seja, adquiriu
singularidades marcantes que definem a identidade cultural do país. A segunda parte apresenta
análises de livros didáticos de História, de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, utilizados em
escolas públicas e privadas da cidade de Pinheiro (MA), sobre as representações ou silenciamentos
das manifestações culturais de origem afrodescendentes nesses materiais. Por fim, tecemos
algumas considerações finais.
O estudo demonstrou que os livros, quase em sua totalidade, acabam por invisibilizar as
questões afrodescendentes, trazendo visões distorcidas sobre o negro ou, simplesmente, não
apresentando qualquer menção às contribuições desses povos à formação da sociedade e cultura
brasileira.
No século XVI, não havia população suficiente em Portugal para levar à frente a
ocupação da colônia. Foi através da importação maciça de africanos que os lusitanos
conseguiram defender o território da cobiça de outras potências coloniais, que também
tinham planos para ocupar e explorar as riquezas tropicais aqui encontradas.
(Albuquerque e Fraga Filho, 2006, p.42).
Como se vê, sem a participação do negro africano, os lusitanos não teriam condições de
estender a povoação no país. Por essa razão, alguns estudiosos arriscam dizer que o Brasil é uma
extensão do continente africano, um pedaço da África fora dos seus limites territoriais.
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p.39):
Os números não são precisos, mas estima-se que, entre o século XVI e meados do século
XIX, mais de 11 milhões de homens, mulheres e crianças africanos foram transportados
para as Américas. Esse número não inclui os que não conseguiram sobreviver ao processo
violento de captura na África e aos rigores da grande travessia atlântica. A maioria dos
cativos, cerca de 4 milhões, desembarcou em portos do Brasil. Por isso nenhuma outra
região americana esteve tão ligada ao continente africano por meio do tráfico como o
Brasil. O dramático deslocamento forçado, por mais de três séculos, uniu para sempre o
Brasil à África.
1
Vale ressaltar que essa afirmativa sobre a ocupação das terras brasileiras pelos povos africanos não desconsidera a
presença da população nativa indígena no país.
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fazendas, engenhos e outros locais para onde eram conduzidas e designadas ao trabalho escravo.
“Dali por diante teriam que conviver com o trauma do desenraizamento das terras dos ancestrais
e com a falta de amigos e parentes que deixaram do outro lado do Atlântico” (Albuquerque e Fraga
Filho, 2006, p.65).
Sobreviver virou um dos maiores desafios dos africanos neste país. Mas preservar suas
raízes culturais se tornou uma das maiores formas de resistência. Como afirma Albuquerque e
Fraga Filho (2006, p.46), “o fato de ter vindo de uma mesma região, falar a mesma língua e
pertencer a uma mesma nação foi fundamental para a sobrevivência dos africanos no Brasil. Desse
modo, eles puderam reconstruir redes de amizade, famílias e comunidades”. Ou seja, esses novos
laços de amizade e parentesco, firmados a partir da luta pela sobrevivência após o desenraizamento
de suas origens, possibilitaram a preservação e/ou recriação cultural, fortemente presentes na
identidade nacional, gerando as idiossincrasias brasileiras: “a multiplicidade de povos e etnias
para aqui transportadas por força do tráfico fez do Brasil um espaço privilegiado de convergência
de tradições africanas diversas que ainda hoje continuam, umas mais que outras, a moldar e colorir
culturalmente o país” (Albuquerque e Fraga Filho, 2006, p.46).
Dessa forma, os africanos e seus descendestes moldaram muitos dos aspectos culturais
mais marcantes deste país, a exemplo das religiões de origem afro, palavras agregadas à língua
portuguesa, artes plásticas, músicas e danças, literatura popular, culinária, moda e muito mais.
Em relação à religião, a resistência se fez por meio do sincretismo religioso. Como o
colonizador impôs a sua religião cristã católica, para continuarem praticando seus cultos religiosos
originais e evitarem punições por conta disso (os cultos afros eram estritamente proibidos naquele
período), os africanos encontraram pontos de convergências entre os seus orixás e os santos
católicos. Verger (1997, p.26) apud Romão (2018, p.364) explica algumas dessas aproximações:
Pode parecer estranho, à primeira vista, que Xangô, deus do trovão, violento e viril, tenha
sido comparado a São Jerônimo, representado por um ancião calvo e inclinado sobre
velhos livros, mas que é frequentemente acompanhado, em suas imagens, por um leão
docilmente deitado a seus pés. E como o leão é um dos símbolos de realeza entre os
iorubás, São Jerônimo foi comparado a Xangô, o terceiro soberano dessa nação.
A aproximação entre Obaluaê e São Lázaro é mais evidente, pois o primeiro é o deus da
varíola, e o corpo do segundo é representado coberto de feridas e abscessos.
Iemanjá, mãe de numerosos outros orixás, foi sincretizada com Nossa Senhora da
Conceição, e Nanã Buruku, a mais idosa das divindades das águas, foi comparada a
Sant’Ana, mãe da Virgem Maria.
[...] para conseguir preservar sua cultura e suas crenças, o negro foi obrigado a buscar
dois caminhos: a “aceitação” do que era imposto pela igreja católica, miscigenando com
o que era compatível com sua cultura, como também, os que conseguiam fugir, através
da manutenção de seus ritos nas sociedades clandestinas por ele formadas, chamadas de
quilombos.
Como se vê, não houve aceitação por parte dos escravizados, o que ocorreu foi um
movimento de adaptações e pequenas concessões para que continuassem a professar e perpetuar
sua fé religiosa. Embora existam muitas religiões de origem afro, as mais conhecidas são o
Candomblé e a Umbanda, com adeptos em praticamente todas as regiões brasileiras.
Outra forma de resistência dos africanos e seus descendentes está relacionada à capoeira,
uma prática de origem angolana que mistura música, luta e dança. Essa arte, segundo a
historiografia, estava relacionada a uma forma de defesa pessoal, uma vez que os escravizados
eram proibidos de usar qualquer tipo de arma ou meio de defesa que pudesse pôr em risco a vida
dos seus senhores. Contudo, “essa prática se dava de maneira clandestina, pois, uma vez que ela
era utilizada como arma de luta, os senhores-de-engenho passaram a coibi-la veementemente,
submetendo a terríveis torturas todos aqueles que a praticassem” (Mello, 1996, p. 32).
Já no período pós-abolição, a capoeira foi oficialmente proibida no Brasil pelo Código
Penal de 1890, dispositivo que legalizou o caráter desordeiro e criminoso para os seus praticantes.
Desse modo, essa prática só foi liberada no governo Vargas, nos anos de 1930, sendo declarada
em 2008 como Patrimônio Cultural Brasileiro e em 2014 como Patrimônio Cultural da
Humanidade. “Após terem perseguido, condenado e deportado seus praticantes – pois os capoeiras
foram considerados como vadios, vagabundos e desordeiros durante mais de um século – a
capoeira tornou-se então um dos ícones da identidade brasileira” (Zonzon, 2011, p.132).
Outro aspecto cultural se refere à linguagem.
Palavras do nosso cotidiano como farofa, samba, moleque, dengo, neném, quitanda,
bagunça, batucar, carimbo, cachaça, cafuné, fungar, jiló, macumba e muitas outras, são todas de
origem africana, o que tornou o português brasileiro tão distinto do português europeu.
No que se refere às artes, a contribuição africana é bastante expressiva. Segundo Silva
(2014), é possível observar na música brasileira a presença forte dos batuques, das batidas e do
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gingado, sendo o samba a principal influência da música africana no Brasil, dando origem ao
samba enredo, samba de breque, samba canção e à bossa nova.
Primitivo, inconveniente, pernicioso e selvagem eram alguns dos adjetivos usados pela
imprensa, por políticos e intelectuais para defini-lo [o entrudo]. Tal incômodo com o jogo
da molhação se explicava pelo risco de que os “moleques”, a “ralé”, o “zé-povinho”,
termos que designavam negros e pobres, extrapolassem os limites da brincadeira e se
julgassem em pé de igualdade com os senhores, damas e senhoritas brancas.
(Albuquerque e Fraga Filho, 2006, p.226).
O entrudo, muito praticado entre os negros e que acontecia todo mês de fevereiro das
últimas três décadas do século XIX, incomodava a elite branca da época. Por essa razão, passou a
ser reprimido por meio de circulares, decretos e punições, como multas e prisões. Toda essa
mobilização por parte das autoridades, tinha por fim convencer os seus praticantes a abandonar
essa forma de diversão que aos poucos foi sendo sufocada pela introdução de desfiles
carnavalescos nos moldes europeus.
Além do samba e do carnaval (que são mais conhecidos/difundidos no país), na dança
temos o Frevo, Maracatu, Bumba meu boi, Coco, Moçambique, dentre outras manifestações que
se destacam em diferentes regiões do Brasil.
O Frevo “teve origem na capoeira, cujos movimentos foram estilizados para evitar a
repressão policial. O nome vem da ideia de fervura (pronunciada incorretamente como ‘frevura’)”
(Silva, 2014, p.30). O Frevo, tombado como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, é o símbolo
do carnaval pernambucano.
O Maracatu “é propriamente um desfile carnavalesco, remanescente das cerimônias de
coroação dos reis africanos. A tradição teve início pela necessidade dos chefes tribais, vindos do
Congo e de Angola, de expor sua força e seu poder, mesmo com a escravidão”. (Silva, 2014, p.30).
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006) Os maracatus tradicionais de Recife eram e ainda são
chamados de “nações africanas”, uma referência às tradições trazidas ou inventadas pelos
africanos. Apesar de todas as críticas por parte das autoridades administrativas e religiosas, as
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nações de Maracatu recifenses fazem parte das festividades urbanas e rurais, desde meados do
século XIX.
O Bumba meu boi, folguedo de forte influência africana, é a manifestação máxima da
cultura popular do Maranhão, sendo mais apresentado no período das festas juninas.
[...] em que os grupos se apresentam por convite dos donos das festas realizadas em
louvor a São Benedito (santo católico, de pele negra, filho de escravos etíopes, viveu na
Itália no século XVII e foi trazido para a América como exemplo de obediência e
representação dos santos negros) como forma de agradecimento a graças alcançadas. As
festas são realizadas em noites de luar onde são brindadas com comidas típicas e bebidas
(refrigerante, cerveja e cachaça). (Pacheco, 2014, p.69).
A brincadeira de Tambor de Crioula elege São Benedito como seu padroeiro, dito santo
dos pretos. Apesar de não haver registros sobre suas origens, fica clara a relação de sincretismo
religioso ao adotar uma divindade católica para justificar e conseguir permissão para sua
existência no período escravocrata.
Em reconhecimento ao valor histórico, cultural e identitário, em novembro de 2007, o
Tambor de Crioula do Maranhão recebeu do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) a titulação de Patrimônio Cultural do Brasil.
A arte material também é muito vasta, incluindo artesanatos, indumentária, técnicas de
fabricação de instrumentos musicais e utensílios de cozinha como panelas de barro, colheres de
pau, etc.
Faz parte da cultura afrodescendente o uso de penteados como os dreadlocks, da cultura
rastafári; o cabelo black power; os trançados, com balangandãs, turbantes, dentre outros.
Originalmente, os penteados africanos
[...] sempre foram carregados de simbologia. Podiam indicar o status da pessoa, estado
civil, identidade étnica, região geográfica, religião, classe social, alguns eram usados para
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atrair pessoas do sexo oposto e contavam até detalhes sobre a vida pessoal do indivíduo.
Ainda hoje é possível ver essa relação em certos clãs tradicionais, onde se pode identificar
o status das pessoas pelo tipo de penteado. (Blum, Emiliano, Cássia, s/a, p.03).
Hoje em dia, esses penteados são muito usuais, principalmente por exercer uma função de
identificação étnica, auto aceitação e de fortalecimento do combate ao racismo.
No tocante à literatura popular de origem africana, esta é rica e vasta, contendo uma série
de contos e lendas que enriquecem o folclore brasileiro e retratam micro histórias cotidianas
marcadas pela identidade étnica afrodescendente: “A literatura dos contos afro-brasileiros, assim
como outros documentos e arquivos, preserva as características de um determinado povo, bem
como seu espaço, dialogando com as várias vertentes e tradições das diásporas” (Cajé, 2017, p.08).
Em relação à culinária, os africanos também deixaram valiosas contribuições para os
hábitos alimentares brasileiros. “Os exemplos básicos partem do acarajé, mungunzá, quibebe,
farofa, vatapá, entre tantos outros. Estes, originalmente eram usados como comidas de santo, ou
seja, comidas que eram oferecidas às divindades religiosas cultuadas pelos negros” (Silva, 2014,
p.31). Outros pratos típicos foram incorporados ao cardápio brasileiro: “o angu, o cuscuz, a pamo-
nha e a feijoada, nascidas nas senzalas e feitas a partir das sobras de carnes das refeições que
alimentavam os senhores” (Silva, 2014, p.31). O uso do azeite de dendê, leite de coco, temperos
e pimentas, também faziam parte da alimentação dos africanos nas senzalas. Além disso, os
traficantes de escravos também trouxeram da África a conhecida banana, um dos maiores produtos
de exportação do Brasil na atualidade.
Além das manifestações apresentadas até aqui, a cultura brasileira carrega consigo muitas
outras reinvenções e ressignificações de artefatos africanos, dadas pelos negros escravizados e
seus descendentes, a exemplo da Dança do coco, Dança do caroço, Dança do lelê, Festa do divino,
Maculelê, Jongo, Congada, Carimbó, Cacuriá, dentre outros.
Diante do exposto, salta-nos a dúvida sobre a visibilidade ou não dessas contribuições
africanas à cultura brasileira nos espaços escolares, em especial, nos seus currículos. Para uma
discussão acerca dessa questão, apresentamos adiante uma análise de como a cultura
afrodescendente tem sido representada nos livros didáticos de História, tomando por base
materiais recentes, utilizados nas redes pública e privada de Ensino Fundamental.
que ponto esse dispositivo tem sido atendido, tanto nas práticas escolares cotidianas como nos
livros didáticos que refletem a política educacional e, de certo modo, definem parte dos currículos
escolares.
Nesta parte do trabalho, trazemos análises de alguns livros didáticos da rede pública e
privada de Ensino Fundamental, especificados nos quadros que seguem:
O livro A, 7º ano do EF, aborda temáticas que vão da Alta Idade Média com início do
Feudalismo até a Colonização Inglesa, Francesa e Holandesa na América. Os capítulos 12 e 13
dedicam-se a explanar a conquista e exploração portuguesa no Brasil Colônia.
O capitulo 12, intitulado A CONQUISTA E A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA
PORTUGUESA, aborda o processo de colonização portuguesa, destacando “a aventura europeia
nas terras que viriam a ser chamadas de Brasil” (Livro A, p.227). Trata do poderio do império
português, principalmente em relação aos continentes africanos e asiáticos. Destaca o papel de
Pero Vaz de Caminha na expedição de Pedro Alvares Cabral ao desembarcar em terras brasileiras,
da relação mantida entre colonizadores e os povos nativos (índios), da exploração do pau-brasil e
sua importância para o comércio europeu. Aborda ainda a forma como Portugal dominou política
e ideologicamente o Brasil, dando ênfase aos governos-gerais, capitanias hereditárias, câmaras
municipais e à atuação dos padres jesuítas na propagação da fé católica. Em nenhuma linha desse
capítulo existe qualquer referência aos negros africanos aqui escravizados.
O capítulo 13, intitulado O NORDESTE AÇUCAREIRO, menciona o sucesso da
produção açucareira, a forma de produção e a grande influência dos “Senhores do açúcar”. As
páginas 250 e 251 demonstram o lucrativo comércio de escravos, os maus tratos e as precárias
condições em que eram transportados. As páginas 252 e 253 abordam, de maneira muito sucinta,
como se deu a resistência escrava, destacando estratégias como furtos, assassinatos de feitores,
suicídios, fugas e formação de quilombos.
O Livro A não menciona qualquer tipo de contribuição africana à cultura brasileira.
O Livro B, 7º ano do EF, dedica o capitulo 10 - ESCRAVIDÃO, RESISTÊNCIA E A
DIÁSPORA AFRICANA à exposição das características da escravidão moderna, a escravidão
como modo de produção presente na história desde a antiguidade, bem como as rotas do tráfico
de escravos pelo Atlântico.
As páginas 222 a 224, com o subtítulo ESCRAVIDÃO: OPRESSÃO E RESISTÊNCIAS,
apenas endossa a exploração da mão de obra africana pelos portugueses: “o escravo africano era
importante moeda de troca nas relações comerciais de portugueses com diversos reinos africanos,
como o Congo. Esse escarvo-mercadoria, agora em mãos lusitanas, era trocado mais uma vez por
grandes somas de metais preciosos” (Livro B, p. 222). Cita ainda a formação dos quilombos, com
destaque ao Quilombo dos Palmares, porém, passa uma imagem estereotipada sobre a luta dos
quilombolas, mencionando o seu líder Zumbi como pertencente “a uma elite quilombola” e
causador de conflitos que vieram a vitimá-lo como também todo o seu quilombo.
Mais uma vez não encontramos referência a qualquer tipo de manifestação cultural deixada
pelos africanos e seus descendentes.
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O Livro C, 5º ano do EF, dedica duas páginas à abordagem acerca dos negros no Brasil,
intitulada OS NEGROS E A ESCRAVIDÃO. A primeira menciona o negro como escravo e
condenado a maus tratos, como se não esboçassem qualquer tipo de reação: “Eles vinham em
navios denominados de negreiros [...] sem condições de higiene, maltratados e mal alimentados.
Os que sobreviviam eram vendidos nos mercados como qualquer mercadoria e, de lá, seguiam
para onde os levassem seus senhores” (Livro C, p.63).
A página seguinte (64) cita: “Algumas contribuições dos negros foram”. Logo em seguida,
apresenta o seguinte quadro:
Dos três livros utilizados na rede privada, aqui analisados, apenas o Livro C demonstra,
em um único quadro e de maneira muito resumida, algumas contribuições dos negros para a
cultura brasileira.
A religião dos africanos era vista pelos católicos como feitiçaria. Assim, para evitar a
perseguição da Igreja, os escravos negros passaram a associar cada divindade do
Candomblé a um santo católico. O sincretismo, portanto, teria sido uma forma de os
escravos negros preservarem, ao menos em parte, as suas tradições. (Livro D, p.219).
Entretanto, essa é a única citação, outras formas culturais afrodescendentes não são
mencionadas nesse livro.
O Livro E, 6º ano do EF, explora as fontes históricas, cultura e patrimônio dos antepassados
primitivos, das civilizações antigas, intercalando com algumas questões das sociedades atuais.
No capítulo 2, denominado de CULTURA, PATRIMÔNIO E TEMPO, há algumas
referências sobre patrimônios naturais, materiais e imateriais brasileiros. No entanto, ao abordar
exemplos de patrimônios culturais, há uma única menção às contribuições de origem africana, em
um pequeno trecho: “entre os exemplos de bens culturais de matriz africana está o Tambor de
Crioula do Maranhão” (Livro E, p.32). Outra abordagem pode ser encontrada na página 45 ao
apresentar um texto complementar que aborda o frevo como uma expressão artística brasileira,
porém sem mencionar que o mesmo tem origem afrodescendente.
De um modo geral, no Livro E não demonstra as manifestações culturais deixadas pelos
africanos e seus descendentes no Brasil.
O Livro F, 8º ano do EF, trata-se de um material da mesma coleção e mesmo autor do
Livro E. Nessa edição, o autor dedica o primeiro capitulo, intitulado AFRICANOS NO BRASIL:
DOMINAÇÃO E RESISTÊNCIA, à reflexão acerca da escravidão africana anterior aos europeus,
o tráfico de escravos pelo Atlântico, bem como as formas de resistência negra ao sistema
escravocrata.
Além de tratar sobre as mazelas da escravidão, o Livro F avança ao tratar desse assunto,
dando ênfase aos movimentos de resistência negra: “Eles resistiam praticando religiões de origem
africana, jogando capoeira, promovendo festejos, como o congado, o reisado, o jongo e fundando
irmandades” (Livro F, p.21). Aborda ainda outras formas de negação ao sistema como rebeliões,
fugas e formação de quilombos.
Em relação às culturas, a página 21 ilustra uma roda de capoeira (logo abaixo da citação
anterior) e a página 31 traz um texto complementar para interpretação no qual é abordada a
comercialização do acarajé pelas mulheres (em especial as baianas), destacando a origem africana
desse prato típico.
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A página 17, no último parágrafo, menciona que os africanos trouxeram consigo a força
de trabalho e a sua cultura: “E, o que é importante dizer, essas culturas africanas marcaram
profundamente nossos modos de viver, pensar e sentir” (Livro F, p.17). No entanto, o assunto
encerra e nada mais é dito, descrito ou ilustrado sobre essas culturas trazidas pelos africanos ao
Brasil.
De maneira geral, o livro F também silencia a maioria das culturas afrodescendentes.
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Numa análise geral, tanto dos materiais utilizados em escolas privadas quanto em escolas
públicas, é possível verificar uma ênfase às formas de repressão e obediência do escravizado,
invisibilizando as lutas sociais dos negros e o papel de protagonistas da sua história e da formação
da sociedade brasileira.
Segundo Alberti (2013, p.40), “a escravidão deve ser estudada para que se perceba seu
papel vital na criação do racismo”. Esse autor chama a atenção de educadores para a necessidade
de discorrer sobre a escravidão dos negros em um contexto em que o aluno possa refletir e romper
com a ideia de que os negros são escravos, enfatizando que estes têm os mesmos direitos de
qualquer cidadão. Na sala de aula o preconceito, o racismo e a discriminação podem acontecer
por conta de abordagens errôneas sobre a escravidão, o que pode ocasionar baixo autoestima nos
meninos e meninas negras.
Os livros utilizados na rede privada apresentam maiores problemas, uma vez que
demonstram o caráter desumano da escravidão e enfatizam o poderio europeu sobre as terras e
povos conquistados. De outro modo, os livros usados na rede pública, mesmo de maneira muito
tímida, mencionam alguns exemplos de como os negros foram conquistando espaços na sociedade
por meio de suas lutas.
Contudo, trazendo para o foco maior desta pesquisa, verificamos que as poucas vezes em
que uma cultura de matriz africana é mencionada nos livros pesquisados, isso se deu de forma
estritamente reduzida, simplista, descontextualizada e esporádica. De acordo com Silva (2001, p.
51), “o livro didático apresenta o passado histórico e a cultura do povo negro sob forma reduzida
e conveniente, quando não consegue invisibilizá-los completamente”.
Nesse sentido, é possível inferir que o atendimento à Lei 10.639/03 caminha em passos
lentos, pois os esforços somados, em especial pelas editoras de livros didáticos, para a inclusão da
história e cultura afro-brasileira no ensino básico, ainda se encontram deficientes, ocasionando
ocultamentos e invisibilidades das contribuições afrodescendentes para a sociedade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificamos, nos livros pesquisados, que existe a predominância de uma visão branca em
relação à escravidão no Brasil e no mundo, deixando de lado o protagonismo negro, bem como a
resistência cultural que é marcante na sociedade brasileira, mas que raramente é apresentada nos
materiais analisados. Dos 6 livros examinados, em apenas 2 foi possível encontrar menções sobre
a presença da cultura afrodescendente, porém, de forma superficial, resumida ou fora de contexto.
Dessa forma, percebemos a maneira como o negro é representado no livro didático e a
invisibilidade das suas formas culturais. Foi possível concluir que há silenciamentos e segregações
das culturas afrodescendentes no livro didático de História, mesmo se tratando de livros
atualizados e que deveriam estar em conformidade com as recomendações da Lei 10.639/03.
Há, portanto, a necessidade urgente de rever certos paradigmas acerca da construção dos
currículos escolares na atualidade. Importa analisar o que as escolas e seus educadores têm feito
para desmistificar determinados posicionamentos, bem como se há observância quanto a
implementação da Lei 10.639/03 em suas práticas. Desse modo, é imperioso refletir e rediscutir
as matrizes curriculares e escolher materiais didáticos que respeitem e contemplem a diversidade,
sem visões limitadas ou preconceituosas sobre os grupos sociais e étnicos que formaram a cultura
e sociedade brasileira.
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Abstract:This study aims to analyze the most democratic way of choosing school administrators
in Brazilian public schools that is capable of effectively democratic management, as well as being
able to provide quality education. For this purpose, we search authors, researchers and official
documents, analyzes and data that can substantiate the statements and conclusions made here.
Throughout the course of analysis it is evident that the most common ways of selecting school
managers in the country also have limits and possibilities to provide democratic management and
consequent quality education; mainly the processes considered more democratic of choice of
school principals. It stands out, against all predictability and some studies already carried out in
the country, that meritocracy when associated with direct election makes the process of choosing
managers more democratic. Therefore, it is believed that compliance with Goal 19 of the current
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National Education Plan may be the most democratic way to choose the school manager and also
enable democratic management and quality education in Brazilian public schools.
Keywords: Democratic choice, Democratic management, Quality education, Education.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, depois de duas décadas de regime totalitário, a sociedade vem buscando a
democratização das instituições públicas e, dentre elas, destaca-se de modo mais enfático a parir
da década de 80 a democratização da escola. O que é compreensível, dada a sua importância
estratégica para a formação de uma país que se quer cada vez mais próspero e constituído em
bases democráticas.
Onde não parece haver consenso é na forma como se pretende democratizar a escola
pública brasileira. Daí de muitos defenderem que, para que a escola seja democrática basta que o
político escolha o diretor da escola, pois este foi escolhido pela maioria da população. Se esquece,
no entanto, que a democratização da escola não diz respeito apenas a escolha do gestor escolar,
está atrelada também a participação da comunidade escolar no dia a dia da própria gestão da
escola. Valendo frisar que na escolha do diretor de escola pelo executivo não tem nada de
democrático, pelo contrário, é autoritário por não respeitar o desejo da comunidade escolar.
A democratização de uma escola parte da autonomia, de compartilhar o rumo das decisões
tomadas pela equipe pedagógica e, também administrativa, fundamentando-se em regras que dão
representatividade na liderança e na coordenação de supervisão das tarefas no alcance de
resultados positivos. Coisa que a nomeação de gestores não é capaz de promover. Pelo contrário,
é justamente por esta confusão do que seja democracia que se observa muitos dos problemas
enfrentados pelas escolas públicas brasileiras.
Tais problemas, poderiam ser resolvidos se ao invés de se promover práticas clientelistas
o conjunto dos sistemas públicos de ensino levassem em consideração aspectos meritocráticos
associados a eleição direta como critérios de escolha daqueles que coordenam o espaço
pedagógico da escola.
Tal preocupação que se verifica em se resolver os problemas promovidos pela péssima
qualificação dos gestores que são escolhidos para a função por meio da indicação se dá porque se
tem compreendido cada vez mais que um mau gestor, que não tenha legitimidade, influencia
negativamente no processo ensino-aprendizagem.
Sendo assim, a fim de se neutralizar tal influência negativa é que documentos oficiais como
a LDB e o PNE têm proposto uma outra forma de se escolher os indivíduos que gerem e pensam
o espaço escolar, pois percebem que o desempenho e empenho destes influenciam na promoção
ou não da escola de qualidade. Nessa perspectiva Figueiredo e Peres (2017, p. 09) comentam,
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Para que uma escola seja então democrática e autônoma é necessário que possa eleger o
gestor escolar e tenha alguns mecanismos de participação da comunidade no cotidiano da escola.
De nada adianta, pois, ser democrática só a escolha. Como prever a Meta 19 do PNE é preciso
garantir mecanismos de participação efetiva da comunidade na gerência do cotidiano da escola.
Destaca-se a formação do colegiado escolar, a participação em reuniões nas assembleias, a
formação do grêmio estudantil, a associação de pais e mestres, o conselho de classe, o conselho
escolar, o plano de desenvolvimento da escola e o projeto político-pedagógico, como instâncias
significativas para a promoção da gestão democrática nas escolas brasileiras.
É nessa perspectiva de democratização da sociedade em todas as suas instâncias, pois, que
Paro (2003) defende a eleição direta como elemento propiciador de condições para a gestão
democrática e o ensino de qualidade,
[...] defesa da eleição como critério para a escolha de diretores escolares está baseada
em seu caráter democrático [...] À medida que a sociedade se democratiza, e como
condição dessa democratização, é preciso que se democratizem as instituições que
compõem a própria sociedade. Daí a relevância de se considerar a eleição direta, por parte
do pessoal escolar, alunos e comunidade, como um dos critérios para a escolha do diretor
de escola pública (PARO, 2003, p. 26).
Este trabalho tem assim como objetivo analisar os diversos tipos de provimento à função
de diretor escolar, propondo o modo mais democrático de escolha de tais gestores. Verifica-se
ainda, até que ponto o processo de escolha de gestor escolar influencia na qualidade escolar e na
construção da gestão democrática. Tentar-se-á identificar se a Meta 19 do PNE, que está em vigor,
tem os elementos necessário para que se construa uma gestão de fato democrática e uma escola
de qualidade.
A pesquisa aqui realizada classifica-se da seguinte forma, segundo a taxionomia de Vergara
(2014): quanto aos fins, em exploratória por se investigar na literatura clássica e atual elementos
que respondam de forma clara e segura à pergunta feita no problema real; quanto aos meios em
bibliográfica por se fazer uso de livros, revistas, periódicos, hipertextos, dentre outros meios para
compor o estudo do problema. E quanto à abordagem classifica-se em qualitativa por se precisar
analisar o problema de modo crítico e aprofundado.
De acordo com Dourado (2001 apud Drabach, 2013) há pelo menos cinco formas de se
escolher o gestor escolar no Brasil: por indicação, por carreira, por concurso, por lista tríplice ou
sêxtupla, e por eleição direta. Paro (2003) analisa que as formas mais usais podem ser sintetizadas
em apenas três tipos: a nomeação, o concurso e a eleição.
À livre nomeação por autoridade do estado, sem outros requisitos que não a vontade do
agente que indica, na hierarquia governamental ou burocrática do próprio Estado,
chamarei simplesmente de nomeação. A escolha a partir de um plano de carreira tem
significado quase sempre a exigência de concurso de títulos ou de provas, mas nada
impede que se pense numa carreira que exija também algum processo eletivo entre seus
requisitos para a escolha do diretor. Por isso chamarei o segundo tipo simplesmente de
escolha por concurso, para descriminá-lo do terceiro, que chamarei por escolha por
eleição, em que se incluem todas as variações que preveem a manifestação da vontade
das pessoas envolvidas na vida da unidade escolar [...] seja mediante voto direto, seja por
representação, seja ainda pela escolha uninominal ou pela escolha de listas plurinominais.
(PARO, 2003, p. 13-14)
Neste trabalho comentar-se-á os três tipos sintetizados por Paro, indicando-se os limites e
possibilidades de cada forma de provimento da função de gestor escolar para a partir daí se refletir
sobre o modo mais democrático de acesso a função de diretor que seja capaz de tornar a gestão
mais democrática e o ensino seja de maior qualidade.
2.1 A nomeação.
A primeira e mais difundida forma de provimento de gestor escolar é a nomeação, que
segundo o “Relatório do 1º ciclo de monitoramento das metas do PNE: Biênio 2014-2016”,
corresponde no geral a 45,6% do total das formas de provimento de gestores escolares no Brasil.
Esse dado revela algo preocupante para aqueles que desejam uma gestão democrática e
uma escola de qualidade como preconizam os documentos oficiais, como a Constituição Federal
no seu artigo 206 e a LDB de 1996 no seu artigo 3º.
Os defensores deste tipo de provimento veem ao longo dos anos encontrando cada vez mais
dificuldades de justificar a eficácia deste processo uma vez que os dados educacionais são baixos
e o clima dentro do estabelecimento escolar é de constantes disputas entre gestor e comunidade
escolar. Assim, a alegada facilidade de se ter acesso as estruturas burocráticas do estado e com
isso a teórica facilidade de se trazer benefícios a escola tem esbarrado na própria dinâmica que
esse tipo de provimento impõem à função do gestor que acaba tendo com o executivo não uma
função de parceiro institucional, mas uma relação de submissão por este ter lhe possibilitado o
acesso à função de diretor.
Isso ocorre porque, segundo Paro (2003), a forma como é feito o provimento do gestor ao
posto estar diretamente relacionado ao modo com este irá agir dentro do estabelecimento
educacional. Paro afirma,
[...] a forma como é escolhido o diretor tem papel relevante – ao lado de muitos outros
fatores – seja na maneira como tal personagem se comportará na condução de relações
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mais ou menos democráticas na escola, seja em sua maior ou menor aceitação pelos
demais envolvidos nas relações escolares, seja, ainda, na maior ou menor eficácia com
que promoverá a busca de objetivos, seja, finalmente, nos interesses com os quais estará
comprometido na busca desses objetivos (PARO, 2003, p. 7-8).
A falta de aceitação pela comunidade escolar desses gestores que são nomeados levando-
se em conta apenas aspectos políticos é um dos principais problemas ocasionados por essa forma
de provimento. Aliado a isso, como seu compromisso é com a estrutura política do estado, sua
gestão é marcada por uma postura autoritária que atrapalha principalmente o trabalho dos
professores, que têm enfrentado uma verdadeira guerra contra os desmandos e falta de
qualificação daqueles que são responsáveis, ou pelo menos deveriam ser, pela gerência do espaço
escolar e, também, por ajudá-los (teoricamente) no processo ensino-aprendizagem, dando o apoio
pedagógico e material necessário para que estes possam desenvolver suas atividades com maior
qualidade dentro e fora da sala de aula.
Oliveira e Carvalho (2018, p.13) afirmam, a partir da análise dos dados quantitativos da
Prova Brasil das edições 2007, 2009 e 2011, que a influência da liderança do gestor sobre o
conjunto da comunidade escolar reflete no desempenho escolar. Em suas conclusões “verificou-
se que a escola ter um diretor que foi indicado para o cargo tem uma relação negativa com os
resultados de aprendizagem nos três anos analisados”.
Esse ambiente de perseguição e de falta de qualidade gerencial no espaço escolar e
educacional é fruto de uma cultura de apadrinhamento e de retribuição de favores eleitorais que
acabam colocando pessoas no comando das escolas e nas coordenações pedagógicas sem nenhum
critério técnico só com a intenção de que estes possam “ajudar” seus “padrinhos”, na maioria
políticos. Como aponta Mendonça (2000)
[...] interferência política no ambiente escolar que esse procedimento enseja permitiu que o clientelismo
político tivesse na escola um campo fértil para seu crescimento. [...] A indicação como mecanismo de escolha do
diretor não pode por esses motivos ser compreendida como democratizadora nem como propiciadora de modernização
administrativa e burocrática (MENDONÇA, 2000, p. 130-131).Como fruto dessa cultura generalizada no
país, criticada por Mendonça (2000), cria-se, por um lado, um ambiente hostil entre gestão e
professores, que na maioria das vezes não se vêm representados pela pessoa que está na direção
da escola ou na coordenação pedagógica por esta não ter uma qualificação condizente com o corpo
docente que ela “lidera”, e, por outro lado, cria-se um ambiente desmotivador por não se dá ao
corpo docente a possibilidade de, através de seu empenho, desempenho e qualificação, poderem
acessar os cargos de comando dentro da estrutura administrativa das secretarias de educação.
Em estudo intitulado “gestão escolar, liderança do diretor e resultados educacionais no
Brasil”, Oliveira e Carvalho (2018) analisaram que ainda existe e é grande o número, por exemplo,
de gestores escolares sem formação superior que, obviamente, influência na qualidade pedagógica
da gestão e consequentemente do ensino. Chama a atenção no estudo realizado para o percentual
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de gestores sem curso superior na Bahia que em 2007 era de 40%, enquanto a média nacional era
de 10,6%.
É muito triste, pois, ver que por essa prática politiqueira se tem menosprezado a
experiência e o mérito dos professores em detrimento da manutenção de grupos políticos que
confundem o que é público com o que é privado. É comum vermos por aí, em qualquer município
de qualquer estado, por exemplo, professores com anos de experiência sendo colocados em
funções que os diminuem em quanto profissionais que dedicaram anos de suas vidas a ensinar.
Que triste e degradante para o orgulho profissional de um professor é, após anos de magistério, se
ver colocado para “escanteio” cuidando de uma pequena biblioteca de uma escola, quando este
tem qualificação e experiência para estar no comando, liderando professores inexperientes e/ou
quando este pode pensar as políticas educacionais dentro das secretarias.
Silveira (2016) corroborando com a discussão apresentada aqui, vai mais longe e assevera
que tal prática tem afastado a gestão escolar dos interesses da comunidade.
O diretor elevado ao cargo por livre indicação política – cargo de confiança e
comissionado - executa as funções de acordo com as prioridades encaminhadas pelo
patrono – aristocracia clientelista – e de sua responsabilidade, o que se opõe ao perfil da
gestão democrática. Inibe a participação da comunidade na definição do representante ao
cargo de diretor – sem lhe ter reconhecido a liderança – assim como inibe a legitimação
política do processo. Centraliza o poder e o domínio no dirigente, distanciando-se dos
interesses da comunidade (SILVEIRA, 2016, p. 2).
Embora haja muitos apelos por parte dos docentes para que a seleção dos gestores possa ocorrer
de forma mais burocrática (no sentido weberiano), ou seja, de forma mais racional, primando pelo
mérito em detrimento de conluios políticos partidários, infelizmente, pouco se tem avançado no
Brasil, como aponta o relatório do 1º ciclo de monitoramento das metas do PNE: biênio 2014-
2016, citado anteriormente.
2.2 O concurso
A segunda forma de provimento que se passa a apresentar é o concurso público; ele
representa, segundo o relatório de monitoramento das metas do PNE, 7,6 % dos processos de
escolha de gestores escolares em todo o país. Esta forma de provimento leva em consideração o
mérito do candidato em detrimento da vontade política dos mandatários do poder, e, é igualmente
controversa. Traz ganhos e limitações para a promoção da gestão democrática assim como para
desenvolvimento da educação de qualidade.
Paro é um dos autores críticos a essa proposta que tem agradado cada vez mais a
educadores em grande parte do país; na cidade de São Paulo, por exemplo, “em 1991, em consulta
feita entre os professores e especialistas da rede municipal, [...] cerca de 81% dos docentes
preferiram a escolha pela via do concurso” (PARO, 1996, p. 8).
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A crítica do autor sobre essa forma de provimento se baseia nos mesmos aspectos negativos
do provimento clientelista que tem predominado na seleção de gestores no Brasil com a nomeação
pelo executivo para a função de gestor escolar. Na visão do autor, o compromisso do gestor
concursado continua sendo com o Estado e não com a comunidade, o que gera um clima
desfavorável para a promoção da educação de qualidade (como apontado por Carvalho e Oliveira,
acima citados) uma vez que a lógica da gestão segue um viés autoritário e desarticulado com os
interesses da comunidade. Além disso, Paro aponta um outro aspecto prejudicial do concurso que
não é notado pela nomeação: o aspecto político da gestão fica escamoteado desarticulando a
mobilização da comunidade escolar para a melhoria do gerenciamento dos recursos escolares.
Nos sistemas em que o diretor é nomeado, seu compromisso político é com quem está no
poder, porque foi quem o nomeou; nos sistemas em que ele é concursado, seu
compromisso é também com quem está no poder, pois o concurso isolado não estabelece
nenhum vínculo do diretor com os usuários mas sim com o Estado que é quem o legitima
pela Lei. Mas há uma diferença importante: quando há a nomeação pura e simples, o
aspecto político fica à mostra, provocando, especialmente em períodos de
democratização da sociedade, descontentamento e mobilização dos prejudicados no
sentido de superar a situação; mas, nos casos em que há a ocorrência do concurso como
critério exclusivo de escolha, há o agravante de que o aspecto político fica escamoteado,
com maior tendência de acomodação e de crença na justificativa meramente técnica para
os problemas da escola (PARO, 1996, p. 8.)
experiência com esse tipo de provimento, reconhece essa problemática ao admitir que é difícil
exonerar ou demitir um diretor inapto e acrescenta outra limitação do concurso que é a sua
incapacidade de avaliar a capacidade de liderar do candidato; de acordo com a Secretaria no “[...]
concurso não se mede a parte prática, o desempenho como diretor, sua liderança, etc”
(DOURADO & COSTA, 1998, apud SILVA, 2007, p. 160).
Até a aparente promoção de uma seleção democrática que esta forma parece representar é
duramente criticada por vários autores, incluindo Vitor Henrique Paro (2003). De acordo com os
críticos, se por um lado essa forma abre a possibilidade para que qualquer professor (ou outro
graduado) possa se candidatar à vaga de gestor de uma determinada escola, por outro lado ela
submete mais uma vez a escola a um papel meramente secundário, cabendo a ela receber o gestor
aprovado em concurso, que não passou pelo crivo clientelista, é verdade, mas igualmente não foi
escolhido pela escola.
Na verdade, o sistema de escolha do diretor por concurso público é democrático apenas
do lado do candidato ao cargo. Este, enquanto aprovado e convocado pela Secretaria de
Educação, escolhe, dentro às várias unidades escolares disponíveis, aquela que mais lhe
interessa. Nesse processo, o diretor escolhe a escola, mas nem a escola nem a comunidade
podem escolher o diretor (PARO, 2003, p. 25).
2.3 A eleição
A eleição é a segunda forma de provimento mais comum no país, segundo análise do
relatório de monitoramento das metas do PNE (biênio 2014-2016), correspondendo a 21% do total
de escolhas feitas nas redes públicas de ensino brasileiras. É considerada por muitos teóricos como
a forma mais democrática para se escolher o gestor escolar, uma vez que, a comunidade escolhe
o gestor que irá comandar o processo administrativo e pedagógico da escola. Esta forma daria
autonomia e protagonismo a comunidade escolar ao passo que possibilitaria um ambiente
favorável a implantação da gestão democrática nas escolas que experimentem esse tipo de seleção.
No entanto, ela igualmente tem seu limites e possibilidades para que se consiga efetuar de
forma harmônica uma escolha democrática de gestores aliada a uma efetiva gestão democrática
desses gestores. E é aqui que alguns críticos encontram argumentos para não se efetivar a eleição
como forma de provimento à função de diretor nas escolas brasileiras, pois, segundo os críticos a
essa proposta, ela não garante a gestão democrática; como salienta Paro (2003, p. 28) “é
interessante observar a persistência de argumentos que tentam desmerecer a eleição sob a alegação
de que ela, sozinha, não garante a democracia na escola”.
Se é verdade que ela sozinha não garante a gestão democrática, como de fato não garante,
esses mesmos críticos não podem por isso desprezar essa forma de provimento e valorizar a
nomeação, o que constantemente ocorre. Principalmente os ideólogos que representam os políticos
mais conservadores tendem a desmerecer a eleição em beneficio da livre indicação, que como
visto só tem dado resultados ruins ao ensino, bem como a gestão democrática. Nem mesmo os que
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defendem o concurso para diretor podem usar esse argumento, uma vez que, como visto, é mais
difícil haver gestão democrática com essa forma do que com a eleição.
Um dos principais argumentos usados por quem defende a eleição, é a de que a eleição
resolveria as limitações do concurso uma vez que esta possibilita aferir a capacidade de liderança
do gestor, coisa que a outra forma não consegue avaliar. Em relação a esse ponto, Paro (2003, p.
32) afirma:
Ao diretor, para exercer suas funções, não bastam as habilidades de um bom professor.
Além delas, é preciso que ele apresente legitimidade diante do pessoal escolar e dos
usuários da escola. E legitimidade não se mede por concurso, mas pela livre manifestação
da maioria.
Além disso, como já apontado, Oliveira e Carvalho (2018, p. 14) destacam a partir dos
dados das provas Brasil que nas gestões democráticas “a liderança do diretor favorece um clima
institucional adequado para um trabalho pedagógico mais eficaz, o que, por sua vez, é propício
para o bom desempenho dos alunos”.
Desse modo, o diretor passa a ter o compromisso de fazer uma gestão para a comunidade
escolar e não para o estado, muito menos para “os padrinhos políticos”, como ocorre na nomeação
e no concurso para diretor. Esse modo de se escolher o gestor escolar de fato possibilita uma
construção muito mais favorável para a gestão democrática do que as duas outras formas aqui
apresentadas.
Outra qualidade apontada por seus defensores e que é um defeito no concurso, é a
possibilidade de a escola ter o controle da permanência ou não de seu diretor. Enquanto o concurso
acomoda o diretor no cargo, na eleição a comunidade tem a possibilidade de tirar o diretor da
função até antes do término do mandato se este não estiver fazendo uma boa gestão, ao mesmo
tempo que blinda-o contra os interesse políticos do executivo que não poderá demiti-lo só porque
este possa não ser alinhado ao seu espectro político-ideológico.
Apesar de todas essas qualidades, a eleição não é capaz de amenizar as tenções políticas
partidárias vistas na sociedade; muitas vezes, pode ela mesma potencializar tal divisão o que pode
ser um problema para a melhoria do ensino bem como a gestão democrática. Isso se deve ao fato
de haver a possibilidade de que os grupos políticos vitoriosos e derrotados nas eleições políticas-
partidárias buscarem na figura do diretor uma forma de promoverem seus projetos de poder. Desse
modo, a estrutura política pode ser usada para eleger este ou aquele gestor. Assim, se o diretor “A”
ganha a eleição e é o preferido do executivo o candidato “B” pode não reconhecer o resultado das
eleições e procurar meios de dificultar a gestão do vitorioso. A esse respeito, Paro (2003, p. 77)
assinala,
Mas a partidarização das eleições não se restringe à dicotomia entre os interesses dos
governantes e os interesses do pessoal escolar, posto que também os usuários podem-se
deixar envolver por características partidárias da luta política, por ocasião da eleição de
diretores. Ao temor de que as eleições podem-se constituir em ocasião para exercício de
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Calaça (1993 apud PARO, 2003, p. 77-78) ilustra igualmente como funciona os problemas
para a democracia e a gestão democrática trazidos pela partidarização das eleições nas escolas ao
mostrar os resultados das eleições realizadas em Goiânia, em que
[...] alguns candidatos patrocinados por vereadores distribuíram santinhos, calendários e
camisetas e prometeram favores em troca de votos. Inserem-se, também, nessa lógica, o
poder do presidente de Associações de moradores ao tentar impor nomes de partidários
na tentativa de legitimá-los através do crivo das urnas.
No entanto, embora reconheçam a possibilidade de se fazer nas eleições escolares uma extensão
das eleições políticas, os defensores da eleição direta alertam que é preciso superar a
partidarização das eleições nas escolas, pois como bem lembra Góes (1992 apud PARO, 2003, p.
78) “uma eleição de diretor de escola não é uma eleição partidária, político-partidária. Uma eleição
de diretor de escola não é uma eleição de entidade, nem uma eleição sindical”. Embora possa
acontecer. É preciso, pois, pensar numa forma de não deixar que a partidarização contamine o
processo de escolha do diretor da escola.
Além da divisão da escola a eleição pode favorecer o aparecimento do corporativismo, que
igualmente é prejudicial para o desenvolvimento do tipo de gestão que se deseja e ganhou força a
partir da constituição de 1988, que é a gestão democrática.
O corporativismo pode ser ruim, dentre outras coisas, por criar uma animosidade
desnecessária entre grupos de servidores e o governo, além de possibilitar a criação de algum tipo
de proteção para grupo de servidores que possam faltar com suas obrigações, prejudicando assim
na qualidade final do produto oferecido a comunidade escolar.
A comunidade, quando elege um indivíduo para ocupar um cargo diretamente ligado aos
seus interesses como profissional ou como usuário dos serviços que lhe são prestados,
coloca nesse mesmo indivíduo uma série de expectativas sobre o seu desempenho. Corre-
se o risco, ao nosso, ver, de um corporativismo pernicioso que não se coaduna com a
ocupação de um cargo público. (MENDONÇA, 1987 apud PARO, 2003, p. 77)
Ao discutir sobre os limites da eleição direta para diretor de escola, Paro (2003) observa
que a prática clientelista não fora superada na sua totalidade, embora tenha diminuído bastante
nos sistemas que experimentam esse modelo de escolha. Criou-se no entanto, um novo tipo de
clientelismo, onde as trocas de favores não são mais propostas em uma relação extramuro da
escola, mas sim, dentro da própria unidade de ensino como mostra Holmesland et al. (1989 apud
Paro, 2003, p. 98) a partir de depoimentos de diretores escolares eleitos através do voto direto:
“[...] os professores que acabam colocando o diretor, muitas vezes, querem vincular o voto que
deram a uma benevolência no trato”.
A fim de superar os vícios da eleição partidária na escola, Paro (2003) propõem algumas
medidas que, dentre outras coisas, visam minimizar a polarização dentro da escola, tornando-se
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assim a eleição para diretor um processo de união entre toda a comunidade escolar e não de
divisão.
Uma dessas providências pode ser o estabelecimento de regras mínimas para o
desenvolvimento da campanha. Assim, além de se exigir que as candidaturas só se façam
a partir da apresentação, por parte dos candidatos, de programas ou plataformas mínimas
de gestão da escola, pode-se estabelecer uma forma de campanha em que seja proibida a
propaganda desordenada, que inclusive costuma conturbar o andamento normal das
atividades didáticas na escola. (PARO, 2003, p. 79)
Embora se concorde com o autor nas medidas apresentadas para que práticas clientelistas
e corporativista possa ser desassociadas da eleição direta, chama-se a atenção para o fato de que,
para que isso ocorra, é preciso que haja um processo burocrático, imparcial e previsível de se
selecionar os professores que poderão concorrer a função de gestor escolar em um determinado
período. Tal processo teria que levar em conta experiência e formação como critério para se
colocar pares ou trios de professores ao escrutino da eleição direta.
Mais do que isso, essa maneira de seleção mista cumpriria a Meta 19 do Plano Nacional
de Educação e tornaria o processo de escolha de gestor mais democrático, bem como, possibilitaria
de fato à gestão democrática na escola pública brasileira.
Embora ainda não cumprida, como visto, a meta entende que princípios meritocráticos
devem ser levados em conta no processo de escolha do gestor escolar associada a consulta pública
a fim de que o processo de escolha se torne mais democrático.
Já as suas estratégias trazem subsídios concretos para que a gestão do diretor escolhido
pela forma mista possa ser de fato democrática e não só uma possibilidade para que ocorra.
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Destacam-se como foco dessa proposta as seguintes estratégias da Meta 19 do PNE (BRASIL, Lei
13.005/2014):
19.1) priorizar o repasse de transferências voluntárias da União na área da educação para
os entes federados que tenham aprovado legislação específica que regulamente a matéria
na área de sua abrangência, respeitando-se a legislação nacional, e que considere,
conjuntamente, para a nomeação dos diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de
mérito e desempenho, bem como a participação da comunidade escolar;
19.4) estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento
de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se-lhes, inclusive, espaços
adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação
orgânica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representações;
19.5) estimular a constituição e o fortalecimento de conselhos escolares e conselhos
municipais de educação, como instrumentos de participação e fiscalização na gestão
escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação de conselheiros,
assegurando-se condições de funcionamento autônomo;
19.6) estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos (as) e
seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares,
planos de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação dos pais na
avaliação de docentes e gestores escolares;
19.7) favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira
nos estabelecimentos de ensino;
Como visto nas estratégias o plano prever condições para que a participação da
comunidade não seja apenas na escolha do diretor de escola, mas que ela se dê na gestão da própria
escola, como prever também a Constituição Federal e a LDB ao definirem que a forma de gestão
escolar brasileira tem que ser democrática.
Chama-se aqui a tenção para o fato de que os elementos meritocráticos a serem observados
para se escolher o gestor escolar, devam ser observados dentro da própria escola que o candidato
à função de diretor exerça o seu cargo de professor. Pois nada adiantará se os candidatos vierem
de outras localidades e exerçam outros cargos e tenham outra formação que não seja a de professor.
A esse respeito, embora adepto da eleição direta, Paro (2003) dá contribuições importantes ao
enaltecer a experiência no cargo de professor como algo importante para que alguém possa exercer
a função de gestor.
[...] É preciso considerar o papel da experiência docente como pré-requisito para o
exercício da direção de uma escola. [...]. Os diretores, em geral, reconhecem grande
importância na experiência anterior de professor e, embora não se deva absolutizá-la, ela
deva fazer parte, juntamente com uma formação profissional formadora da competência,
como pré-requisito para a candidatura à eleição de diretor. (PARO, 2003, p. 87)
conhecimento prévio do trabalho daquele profissional. A nova formação que deverá compor o
perfil do professor proposta por Paro (2003) em contraposição a ideia de se formar na academia
pessoas especificamente para serem gestoras, reforça o entendimento aqui exposto de que, para se
ser gestor é preciso que se leve em conta elementos meritocráticos como experiência e formação.
[...] todos, [...], devem ter acesso aos conteúdos e aos métodos mais adequados para
utilizar os recursos da escola na busca de seus fins. Esta concepção é compatível com
uma formação do diretor que coincide com a formação do próprio professor, ou seja, todo
professor deve ter acesso a um tipo de formação que o habilite, não apenas a prestar
concurso para professor na rede pública, mas também, após certo período de experiência
no magistério a candidatar-se para o cargo de diretor. (PARO, 2003, p. 86-87)
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto em todo percurso crítico-analítico, quanto mais democrático é o processo de
escolha do diretor de escola, tanto mais democrática é a sua gestão. Evidenciou-se assim, que nas
escolas onde se escolhe o diretor por nomeação ou por concurso, a gestão tende a ser mais
autoritária e centralizada em aspectos burocráticos/ administrativos. O que por sua vez prejudica
a qualidade do ensino, pois os aspectos pedagógicos tendem a ser deixados de lado.
Outro fator influenciador do resultado do ensino que não é contemplado nem na nomeação
nem concurso é a liderança. Esta, como visto a partir dos estudos de Oliveira e Carvalho,
influencia positiva ou negativamente no rendimento escolar. Assim nas escolas em que o processo
de escolha do diretor é democrático a tendência é que a liderança que ele exerce sobre o conjunto
da comunidade escolar estimule bons resultados educacionais. Agora, quando devido ao processo
de escolha, ele não consegue exercer uma liderança positiva sobre os demais membros da
comunidade a tendência, como se observou, é que se reproduza resultados educacionais
insatisfatórios.
É por isso que se buscou então apontar durante toda a trajetória deste trabalho possíveis
caminhos que pudessem tornar o processo de escolha de diretor mais democrático e que
igualmente fosse capaz de tornar a sua gestão democrática. Percebeu-se a partir das informações
e dados apresentados, que os elementos meritocráticos como formação, experiência tanto a de
tempo de serviço na área de educação, quanto a experiência docente em uma dada escola em que
se pretenda concorrer a vaga de diretor, é importantíssima para que o processo seja democrático
para os candidatos. Por outro lado, observou-se também que os elementos meritocráticos devem
ser pré-requisitos a candidatura, mas para se concluir o processo é preciso que a comunidade
escolar escolha aquele que ela achar mais bem preparado para desempenhar a função de gestor de
sua escola.
Desse modo, entende-se que se valoriza o professor e se dá a comunidade escolar condições
efetivas de decidirem o melhor programa de gestão para a sua escola. Tira-se também a escola da
divisão político partidária e seus malefícios, coisa que o processo “puro” de eleição direta não é
capaz de resolver. Por fim, a proposta de escolha mista aqui defendida para se escolher o gestor
escolar, está em conformidade com documentos oficiais, principalmente a Meta 19 do PNE.
REFERÊNCIAS
BRASIL. DIRED. Relatório do primeiro ciclo de monitoramento das metas do PNE: biênio
2014-2016. Brasília, 2016.
FERNANDES, Sarah. O que acontece na sua escola com as novas Competências? Saiba como
as propostas vão transformar gestão, formação de professores, avaliação e PPP. In BNCC na
prática: aprenda tudo sobre as competências gerais. Nova Escola. p. 6-10. Disponível em <
https://novaescola.org.br/bncc/conteudo/103/faca-o-download-do-livro-sobre-as-competencias-
gerais-em-pdf > acesso em 01 abr. 2019.
MENDONÇA, Erasto Fortes. A gestão democrática nos sistemas do ensino brasileiro: a intenção
e o gesto. In: Reunião Nacional da ANPEd, 23, Caxambu, Anuário – GT Estado e POLITICA,
2000.
Oliveira, Ana Cristina Prado; CARVALHO, Cynthia Paes. Gestão escolar, liderança do diretor e
resultados educacionais no Brasil. Revista brasileira de educação, v. 23, p. 12, 2018.
PARO, Vitor Henrique. Eleição de diretores: a escola pública experimenta a democracia. 2. ed.
São Paulo: Xamã, 2003.
SILVEIRA, Carmem Lucia Albrecht da. A gestão escolar nos municípios Rio-Grandenses.
UFPR – Curitiba, 2016
VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios em Administração. 15. ed. São Paulo:
Atlas, 2014.
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Abstract: The Mass School and the Teaching of Philosophy: reflections about philosophical
didactics. The following venture seeks to discuss and reflect on the problem of the massification
of public school, which came with the process of democratization of high school and its
relationship, from now on, with philosophy. Going through the concept and importance of
philosophy and its teaching. Soon after, he reflects on the teaching of philosophy and the
challenges that orbit in its surroundings. And finally, we have made the final considerations on
the subject.
Keywords: Democratization. Teaching. Philosophy. Teaching.
1 INTRODUÇÃO
Desde a década de 80, a sociedade brasileira vem passando por um processo político-sócio-
cultural que chamamos de redemocratização, no qual parcelas da estrutura social, camadas
populares que antes não eram inseridas no seio da sociedade com direitos garantidos, agora passam
a experimentar tal sensação.
A escola também é afetada por essas mudanças. Até a década de 70, o ensino secundário era
restrito às camadas mais abastadas da sociedade, entre elas, destacam-se a classe média e a elite.
Com o limiar de um novo cenário, classes como a trabalhadora e a popular, passam a ser incluídas
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2 O que é a filosofia?
Grosso modo, podemos dizer que a Filosofia é um ramo do conhecimento responsável por
construir conceitos, que nos ajudam a partir do processo hermenêutico-interpretativo a buscar
entendimento acerca do mundo, da realidade.
Poderíamos inicialmente dizer que a Filosofia é conhecida como “a arte de criar conceitos”,
como propagada em vários escritos de Deleuze como em “Diferença e Repetição”. São eles, os
conceitos criados pela filosofia acerca da realidade que nos ajudam a interpretá-la, a compreender
seus fenômenos.
De acordo com Chauí (2000), a Filosofia epistemologicamente não é considerada uma ciência.
Nem se encaixa dentro de nenhum ramo do conhecimento imposto pelo método científico
moderno. Mas é uma reflexão crítica, sistemática, profunda, radical acerca da realidade. Isso inclui
também reflexões, interpretações sobre os diversos ramos do conhecimento que compartilham da
tentativa de entender a realidade e seus fenômenos.
Para Aranha (1990), a filosofia está presente em todos os cenários epistemológicos, prestando
um grande serviço através da reflexão crítica, colocando em questão os fundamentos e a ação
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provindos daí. Neste sentido, a filosofia é um constante perguntar pelos fundamentos da realidade,
pelos vários ramos do conhecimento que se prestam também a desvelar a realidade.
Partindo deste ponto de vista, fica subtendido que o ensino de filosofia tem uma importante
colaboração para a construção e reconstrução de valores, construção e reconstrução de conceitos
que podem colaborar com uma sociedade que tenha como princípios fundamentais de
funcionamento a igualdade, a fraternidade e a liberdade.
De acordo com a compreensão de Aspis (2004), O surgimento da filosofia vem como uma
possível saída, uma compreensão acerca da realidade que ajudaria o ser humano a responder suas
inquietações e resolver seus problemas concretos. Neste sentido, as aulas de filosofia têm a
intenção de apresentar processos criteriosos, filosóficos para que assim os estudantes consigam
fazer julgamentos, questionamentos que correspondam com a veracidade da realidade. Não
somente questionar a realidade, mas através do pensamento autônomo e livre propor resoluções a
seus problemas.
Para Cerlleti (2009), o ensino de filosofia é compreendido como o “ensinar a filosofar”. Não
basta apenas o professor de filosofia ter domínio da história da filosofia, mas, é estritamente
necessário para que o ensino de filosofia seja significativo, a provocação, o convite a pensar,
vislumbrar aquilo nos afeta na realidade, tentar compreendê-lo. O ensino de filosofia não se dá
simplesmente como transmissão de conteúdo, mas como um desbravar os meandros do aprender
a pensar por si mesmo, de forma livre e autônoma. O ensino de filosofia, dessa forma, deve ter
como principal missão o ensinar a pensar.
Muitos desafios vêm cercando a Filosofia e seu ensino no decorrer da história. É um cenário
que não permite a Filosofia exercitar e ampliar as reflexões que orbitam em torno da realidade.
Esses desafios se originam, principalmente, a partir do cenário político, econômico, formativo e
curricular, tendo como objetivo principal, emperrar seu exercício.
Em meados da década de 60, o ensino de filosofia não tinha muita dificuldade para ser
compreendido, pois estava voltado para um público seleto, elitizado, com um nível cultural
familiar que o propiciava a alçar altos voos no nível do pensamento, inserido em um ensino
tradicional, especializado, que os preparava para entrar na universidade.
Com a redemocratização do ensino, a escola secundária se abre para acolher um novo público,
provindo das classes trabalhadora e popular com sérias dificuldades. Com este novo cenário à
vista, várias discussões foram postas, principalmente, aos vários contextos que dizem respeito ao
processo educativo.
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No cenário nacional, pouco a respeito de uma didática propriamente filosófica, tem sido foco
de pesquisas e reflexões ao nível da formação de professores em filosofia. E muito menos em
relação às pesquisas voltadas para o conhecimento do ensino da didática que vem sendo praticado
na educação básica durante todo esse tempo.
Diante do cenário exposto, é preciso repensar a formação do professor, o ensino da filosofia,
pois é necessário encontrar formas, maneiras de levar a filosofia ao encontro desse aluno ou esse
aluno ao encontro da filosofia.
Cabe aqui refletir acerca da didática. Mas o que seria a didática? De acordo com o autor:
A didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no
qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se
relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos
alunos uma aprendizagem significativa. [...] A didática, portanto, trata dos
objetivos, as condições e meios de realização do processo de ensino, ligando
meios pedagógico-didáticos a objetivos sócio-políticos (LIBANEO, 2002, p. 05).
As questões anteriores nos levam a pensar mais do que em uma didática em seu caráter geral.
É necessário que se pense em uma didática mais pontual, de natureza específica. Que possa tornar
o conhecimento de um determinado campo disciplinar compreensível, ou seja, levar determinado
campo de saber e suas complexidades a ser entendível pela comunidade escolar. A cerca disso,
comenta a autora que,
Mais que em outros tempos, torna-se crucial a criação de estratégias didáticas
que facilitem a superação da distância existente entre as exigências teórico-
epistemológicas do saber filosófico e as deficiências educacionais de boa parte
dos alunos oriundos de segmentos sociais menos favorecidos. Quanto maior a
distância entre o ponto de partida cultural do aluno e as exigências inerentes ao
saber filosófico, maior é a importância das mediações a serem instituídas por
instrumentos didáticos adequados (RODRIGO, 2014, p. 31).
É preciso entender a importância da filosofia neste contexto, o qual traz ao profissional docente
complexos desafios que o fazem refletir sobre seu papel e o papel da filosofia na escola. Sobre
isso comenta a autora que,
È bastante possível que aquele que se dedicar a dar aulas de filosofia para jovens
no Brasil, hoje, sentirá a necessidade de pensar seriamente no que isso significa
antes de sentir-se em condições de decidir o que fazer em suas aulas e como fazê-
lo. O contexto que envolve o ensino de filosofia para jovens, na escola, é
complexo já que há tantos possíveis objetivos educacionais que podemos atribuir
a filosofia, tantos fins filosóficos e as possíveis formas de alcançá-los ( ASPIS,
2004, p. 306).
já se passaram 12 anos. O que tem sido feito nesse meio tempo em sala de aula para aproximar o
aluno dos pressupostos filosóficos? Que didática tem sido praticada?
Estas indagações não são fáceis de serem respondidas, mesmo porque existe no país um
número restrito de pesquisas sobre essa temática. Pouco a respeito de uma didática propriamente
filosófica tem sido foco de pesquisas e reflexões ao nível da formação de professores em filosofia.
E muito menos em relação às pesquisas voltadas para o conhecimento da didática que vem sendo
praticada no ensino médio durante esse tempo. Acerca desta problemática o autor diz:
Constatei a escassa produção sobre o ensino de filosofia por parte dos
pesquisadores brasileiros à medida que nem um por cento dos artigos e/ou textos
analisados nos 16 periódicos dedicou-se a discutir a temática em questão. Da
revisão dos mais relevantes periódicos de Filosofia, de Educação e de Educação
e Filosofia em circulação no Brasil, que totalizaram 9242 artigos e/ou textos
revisitados, apenas 64 – 0,69%da produção geral – traziam por tema o ensino de
filosofia com seus diferentes enfoques e deste número geral, apenas 40 – 0,43%
da produção geral – tratavam-no com vistas às problemáticas brasileiras
(PERENCINI, 2017, p. 35).
Sobre tais posições surgem outras indagações: Será que somente o domínio sobre o conteúdo
da disciplina ou matéria é suficiente? E qual o contexto social e político escolar que se apresenta
ao ensino da filosofia? Acerca disso, muitos desafios se mesclam.
Refletindo um pouco mais sobre a possibilidade da auto-suficiência do conhecimento
mediante o processo ensino-aprendizagem, posta na primeira pergunta acima, Pimenta (1997)
comenta que pensar desta maneira seria um erro ou, mais especificamente, no seu dizer, uma
“ilusão”. Pois dominar conteúdos não é garantia de sucesso no que diz respeito ao processo ensino-
aprendizagem, não significa transferência direta ao aluno, mas requer processos de ensino –
mediadores entre o docente e o discente. No caso do conhecimento filosófico não seria diferente.
É necessário também haver mediadores - uma didática de natureza filosófica. Sobre isso, é
comentado que,
Os desafios postos pelo ensino de massa tornaram necessário não apenas romper
com certas práticas pedagógicas tradicionais, mas também aderir a uma Nova
concepção de ensino. [...] Quando os problemas de aprendizagem começaram a
multiplicar-se, especialmente, com a escola de massa, a possibilidade de haver
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Ampliando a discussão sobre a segunda indagação posta acima, o contexto político escolar ao
qual se apresenta à filosofia é de redemocratização da sociedade brasileira, onde a escola não
atende mais somente a públicos como a elite e a classe média. Deixou-se de ser uma escola
secundária elitizada. Agora, se abre para a massa da população menos preparada como nos é
sublinhado que,
Quando a filosofia começou a retornar ao ensino médio em 1980, o processo de
massificação já estava em curso e essa nova conjuntura socioeducacional trouxe
desafios didático-pedagógicos inteiramente novos. A presença da disciplina
filosófica em um ensino médio massificado levanta a questão da sua difusão para
além de um público especializado e, mais que isso, para pessoas que não possuem
as competências mínimas exigidas pela reflexão filosófica, seja do ponto de vista
lingüístico e lógico-conceitual, seja em relação às referências culturais de aspecto
mais amplo ( RODRIGO, 2014, p. 11).
O nível médio juntamente com o ensino filosófico tem agora em suas mãos um grande desafio
de ordem didático-metodológica. Rodrigo (2014) nos assevera que, “do ponto de vista didático,
o grande desafio reside em saber como ensinar ou tornar acessível um saber especializado para
esse público mais vasto e menos qualificado. ”
As universidades ainda têm dificuldades em separar uma formação para o professor de
filosofia que atue no ensino médio e para o pesquisador em filosofia. Em sua grande maioria
formam pesquisadores, especialistas e não profissionais da educação que atue com sucesso no
ensino médio. A esse respeito nos assevera Gallo no prefacio do livro “Filosofia em sala de aula”
de 2014, de Lídia Maria Rodrigo que a formação voltada para o professor de filosofia quando
acontece é graças ao esforço e mérito de professores universitários de disciplinas como
‘metodologia do ensino de filosofia’ e/ou ‘prática de ensino em filosofia/estagio supervisionado’,
de forma isolada nas instituições em que trabalham. Ou então acabam ficando a vontade do próprio
universitário, que, quando se vê em sala de aula, acaba agindo de forma intuitiva, tendo como
modelos a serem imitados e modelos a serem recusados seus professores, sua própria experiência
de ensino universitário. A questão nuclear é que o ensino de filosofia na educação média tem suas
especificidades e não pode ser simplesmente a transposição do ensino universitário simplificado
e/ou diminuído.
Sobre o assunto comenta o autor que,
Não faz sentido formar um professor de filosofia que seja apenas um especialista,
porque, em primeiro lugar, ele será totalmente ineficaz no ensino médio. Em
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segundo lugar, será improdutivo, porque se conseguir ensinar algum aluno, não
conseguirá produzir o intelectual que está preocupado com a inserção da cultura
na sociedade da perspectiva que é própria da filosofia (NOBRE, 2007, p. 69).
Na opinião do autor:
Talvez a formação do docente de EM seja até mais difícil que a formação do
pesquisador. Porque ele precisa ser capaz de realizar esta ponte, digamos, entre
esta tradição, na qual se espera que seja o mais bem formado possível, que ele
tenha condições de continuar se formando, mas fazer a ponte desta tradição com
a experiência, as questões, as ansiedades, as angústias dos adolescentes, que são
o seu público, não é fácil, de fato ( GUIMARÃES, 2010, p. 34).
Rodrigo (2014) também comenta que o ensino da filosofia no “ensino médio de massa” é
necessário e vale o esforço em busca de “dispositivos facilitadores da aprendizagem dos não
iniciados”, o exercício filosófico de forma geral busca o desenvolvimento da humanidade do
homem, a partir do pensamento racional, levando-o uma relação consigo, com o outro e o mundo,
concretizando-se em uma cidadania democrática.
Partilhando da discussão acerca de uma didática filosófica apropriada ao nível médio, comenta
o autor que,
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Além dos desafios já mencionados, outros se apresentam ao ensino da filosofia no nível médio,
desde a redemocratização da sociedade brasileira na década de 80, e a abertura do ensino médio
para as classes menos favorecidas como a trabalhadora. Com a aprovação da filosofia a disciplina
obrigatória no ensino médio em 2008, há a oportunidade de mostrar a sociedade brasileira a que
veio a filosofia. No entanto, muitos percalços travaram de certa forma esses objetivos, entre eles,
destacam-se a precariedade da formação continuada, a formação especifica para o licenciado
trabalhar no ensino médio, outras áreas de conhecimento ensinando filosofia em sala de aula,
precariedade das pesquisas voltadas para o ensino de filosofia em sala de aula – no ensino médio,
a aprovação da Base Nacional Comum Curricular que silencia o currículo de Filosofia, tornando-
a agora não mais uma disciplina com caráter de obrigatoriedade, mas fazendo parte agora das
optativas que pertencem a uma grande área de conhecimento: as humanas.
Todos esses desafios se somam ao pano de fundo que vem com a redemocratização da
sociedade brasileira e consigo a massificação do ensino médio que carrega diversos problemas
que irão determinar em muitas situações o processo do ensino e da aprendizagem. Para a
construção de uma didática filosófica há a necessidade de compreender esse cenário que em pleno
século 21, ainda insiste e persiste em se presentificar.
Considerações Finais
É inegável que o ensino de filosofia seja fundamental para o processo educativo e para o
desenvolvimento humano.
A filosofia consegue através da constante indagação sobre a realidade evitar o processo de
estagnação do pensamento e, em contrapartida, constrói, desenvolve o conhecimento através de
processos rigorosos, críticos e reflexivos.
Entretanto, esse papel, essa função da Arte e da Filosofia nunca foi fácil de ser realizada, pois
no decorrer do processo histórico, forças contrárias sempre agiram para impedir que
desempenhassem seus objetivos propostos, por força do contexto político, econômico e formativo.
O atual cenário educativo está a nos mostrar que essas forças, outrora, contrárias ao ensino de
filosofia estão mais vivas do que nunca. Movimentos de desmonte da LDB 9394/96, que deu
possibilidades para disciplinas como a Filosofia exercer seu ofício com maior liberdade, espaço e
eficiência está ameaçada de ficar fora do currículo da educação básica, pois de acordo com o
contexto político presente, não corresponde ao cenário econômico/ financeiro do momento. Além
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disso, de acordo com algumas vozes, ainda está a serviço de uma ideologia de esquerda.
Denominam de badernas e algazarras nos espaços públicos de universidades e escolas, o que
deveriam está chamando de direito à liberdade de expressão, luta por direitos sociais, posturas
críticas e reflexivas por mudanças significativas dentro do espaço sócio-político-cultural,
fertilizadas principalmente pelos pressupostos filosóficos.
O ensino de filosofia precisa ser reconhecido pela sua importância e função. Deve haver, para
isso, uma nova concepção de Currículo, de sociedade fundada em princípios democráticos como
a: liberdade, fraternidade e igualdade.
A Filosofia está com um grande desafio pela frente: provar mais uma vez que seus
conhecimentos, seu ensino, é de fundamental importância para a garantia de direitos, para a
construção de uma sociedade regida pelos fundamentos democráticos, e acima de tudo, para a
construção do conhecimento, fincado no rigor, na crítica e na reflexão.
Não tivemos como intenção aqui, dar conta das discussões que giram em torno da temática,
mas fertilizar outras discussões que possam orbitar em seu entorno. Temos consciência de que é
uma ampla e rica discussão que carece de mais análises e reflexões futuras.
REFERÊNCIAS
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Moderna, 1990.
ASPIS, Renata Pereira Lima. O professor de Filosofia: o ensino de filosofia no ensino médio
como experiência filosófica. Cad. Cedes, Campinas, v. 24, n. 64, p. 305-320, set./dez.2004.
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em 20 jan. 2020.
LIBÂNIO, José Carlos. Didática: Velhos e novos temas. Edição do autor, maio, 2002, 138 p.
GUIMARÃES, Marcelo Senna. O ensino de filosofia no Brasil: três gerações. In:__ MINISTÈRIO
DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Básica. Filosofia: Ensino Médio. Brasília, v. 14, 2010,
p. 28-44 – (coleção explorando o ensino).
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NOBRE, Marcos; TERRA, Ricardo. Ensinar Filosofia: uma conversa sobre aprender a aprender.
Campinas, SP: Papirus, 2007 - (Papirus Debates).
RODRIGO, Lidia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio.
Campinas, SP: Autores associados, 2009 – (coleção formação de professores).
ASPIS, Renata Pereira Lima. O professor de Filosofia: o ensino de filosofia no ensino médio
como experiência filosófica. Cad. Cedes, Campinas, v. 24, n. 64, p. 305-320, set./dez.2004.
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em 25 set 2018.
FÁVERO, A. A. et al. O ensino da Filosofia no Brasil: Um mapa das condições atuais. Cad.
Cedes, Campinas, v. 24, n. 64, p. 257-284, set./dez.2004. Disponível em
<http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em 25 set 2018.
GONTIJO, Pedro; VALADÃO, Erasmo Baltazar. Ensino de Filosofia no ensino médio nas escolas
públicas no Distrito Federal: historia, praticas e sentidos em construção. Cad. Cedes, Campinas,
v. 24, n. 64, p. 285-303, set./dez.2004. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em
25 set 2018.
Abstract: Due to the lack of familiarity with the Portuguese language, many deaf students do not
understand what they read and end up with marked difficulties in writing. In this sense, they end
up having difficulties producing texts in the Portuguese language. In this context, the present
article aims to give visibility to the problem of the teaching-learning process of deaf students in
the context of bilingual education, since the difficulties faced by deaf Brazilian students in
understanding literary texts and in writing with coherence and cohesion are made by foreigners in
their parents.
1 INTRODUÇÃO
Importante registrar que as pessoas surdas ainda vivenciam muitas situações discriminatórias
em relação ao seu potencial humano. Conforme os estudos de Sá (2002), na historicidade da educação de
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pessoas com deficiência auditiva e com surdez, tanto no Brasil quanto no mundo, há muita história de
opressão para contar.
Faz-se necessário enfatizar que os surdos percebem o mundo de forma diferenciada dos
ouvintes, isto é, através de experiências visuais fazem uso de uma linguagem especifica para isso, a
língua de sinais. Sendo assim, a língua brasileira de sinais (LIBRAS) é antes de tudo imagens do
pensamento desses e faz parte da experiência vivida da comunidade a qual eles são pertencentes, logo, a
negativa de acesso aos conhecimentos acadêmicos em sua língua materna os tornam segregados no
decorrer do processo ensino-aprendizagem.
Há vários estudiosos que deixam claro a importância da linguagem com sendo um instrumento
mediador da aprendizagem. Logo, para os ouvintes a fala é uma linguagem natural, mas não é para os
surdos. Assim, a L1 é a Língua de Sinais e a L2 é a Língua Portuguesa. Portanto, a língua oral ocorre pela
modalidade oral-auditiva e a Língua de Sinais pela modalidade espaço-visual.
No ensino de línguas para estrangeiros a pessoa precisa conhecer primeiramente sua língua,
no caso específico do surdo, a primeira língua é a língua de sinais e a segunda língua é a portuguesa, daí
ser chamada de bilinguismo. Conforme Andrade (2012, p. 37), “somente em 2005 foi estabelecida a
educação bilíngue para os surdos no Brasil, através do decreto federal 5626/2005 que regulamenta a lei
10.436/2002, lei esta que oficializou a Língua Brasileira de Sinais”.
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Fernandes (apud ALMEIDA, 2013) diz que existem dois tipos de línguas: a oral-auditiva e a
espaço visual, na qual a primeira ocorre por meio de recepção auditiva, e sua forma de reprodução é a
oralização, tal como se pode observar, por exemplo, no caso da língua portuguesa. A segunda língua é feita
por sinais manuais e é percebida por meio da recepção visual, tal como podemos notar nas línguas de sinais,
como a LIBRAS, usada pelas pessoas surdas, no Brasil.
Assim, Almeida (2013, p. 42) esclarece que “para o surdo, o processo de desenvolvimento
envolvendo fala e pensamento é o mesmo do ouvinte, contudo a fala que atua em tal processo se constitui
de elementos gestuais”.
Não é fácil identificar e avaliar como duas línguas existem numa mesma mente, e a qual delas,
o pensamento do indivíduo recorre. Mas a maior dúvida, no caso de multicompetência, é sobre o
desempenho de cada uma dessas línguas quando do aprendizado de uma nova língua.
De acordo com Lodi (2005), na educação bilíngue deve-se considerar, primeiramente, o
desenvolvimento da língua de sinais (L1) nas relações com usuários desta (preferencialmente surdos) e a
partir daí o ensino-aprendizagem da língua portuguesa escrita, como segunda língua (L2).
No caso da educação bilíngue, Fernandez (apud ALMEIDA, 2003) afirma que o surdo, dotado
de um discurso proporcionado pela Libras, pode apreender, compreender e escrever a língua portuguesa,
ou seja, o português como segunda língua, assim, toda a atividade mental do surdo, isto é, o “fundo
perceptivo”, é produzido com a junção de um discurso aprendido do exterior. Como diz Bakhtin (2010), a
palavra vai à palavra.
Em relação à aquisição da linguagem, Salles et al. (2004, p. 30) relatam que em geral, o ser
humano em convivência comunitária linguística, fala pelo menos uma língua, a língua materna ou nativa,
que é aprendida até os cinco anos de idade e citam que existem “estágios com características idênticas
entre as comunidades linguísticas, independentemente da ampla diversidade da experiência linguística e
das condições sociais em que se desenvolveu o processo de aquisição”.
Os referido autores citam três propriedades que se manifestam na aquisição da língua materna:
a universalidade, ou seja, falam em condições normais, uma língua nativa; a uniformidade, são as
semelhanças no processo de aprendizagem apesar até mesmo das diferenças do ambiente; e finalmente, a
rapidez definida em comparação a outras habilidades como é o caso do raciocínio com números, por
exemplo.
No caso do surdo, este tem de aprender duas línguas: a língua materna e a segunda língua, isto
é, a língua da sociedade que ele pertence e que é, em sua maioria, composta por pessoas ouvintes.
Ainda conforme os estudos de Salles et al. (2004), a criança surda tem que aprender a
fonologia da língua oral, fato que não é viável por causa da perda auditiva, embora por meio da forma
escrita esse aprendizado possa acontecer. É importante, que a criança aprenda as duas línguas ao mesmo
tempo e o mais cedo possível.
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Sacks (2010) esclarece que quando a surdez ocorre antes ou depois do nascimento ou se
ocorrer antes da aquisição normal da linguagem, a criança será mais afetada em todo o processo de
aprendizagem e de interação social. Assim concluímos que a surdez tem grande influência no sentido de o
aluno não adquirir plenamente o conhecimento, no âmbito de uma sociedade majoritariamente ouvinte.
Segundo Goldfeld (2002), a surdez atinge a linguagem em todas as possibilidades de
utilizações. Contudo, ele destaca que os indivíduos surdos têm o canal espaço-visual, para se comunicarem
e nesse caso se refere à qualidade comunicativa do pensamento, através das mãos (e todo o esquema
corporal) que fazem com perfeição o papel do sistema fonador, só que por meio da linguagem de sinais.
Portanto, uma língua, ao contrário de qualquer recurso, vai depender do uso social e esse uso é que
determina o grau de sua revitalização.
No intento de ver como o ensino da língua portuguesa como segunda língua da comunidade
surda, surge uma preocupação com o “domínio” da gramática L2 para usuários da L1, uma vez que vários
estudiosos da linguagem enfatizam que a comunicação é intrínseca à existência humana (BITTES JÚNIOR;
MATHEUS, 2000).
Para Travelbee (apud CASTRO; SILVA, 2001) comunicação significa enviar e receber
mensagens que podem ser palavras faladas, gestos ou meios não verbais. Logo, as relações humanas só
acontecem pela comunicação.
Segundo Peixoto (2006, p. 206) para que haja a condição bilingue do aluno surdo deve-se
“aceitar que ele transita por essas duas línguas e, mais do que isso, que ele se constitui e se forma a partir
delas”.
Fernandes (2011), diz que para a aquisição da língua portuguesa escrita pelos surdos, quase
nada tem sido feito para a inversão da ordem onde ainda predomina a concepção tradicional da escrita
como representação da oralidade, ora, isso concorre para o atraso do aluno surdo que começa na
alfabetização. Impossibilitados de relacionar oralidade com escrita, o aluno surdo se apropria do que ele
vê, ou seja, experiências visuais centradas na leitura.
Silva e Cheffer (2006, p. 77) apontam para o fato de que as conversas em torno da
aprendizagem da leitura e escrita pelo aluno surdo tem sido motivo de preocupação dos professores. Essas
preocupações têm relação aos ritmos da escrita, com ênfase em desenvolver habilidades de codificação e
decodificação, “deixando de lado a dificuldade de o aluno surdo atribuir sentido a essas atividades, na
escola ou fora dela”.
Desse modo, Franco (apud ALMEIDA, 2005) diz que as práticas pedagógicas devem se
emancipar e eliminar “lógicas colonizadoras” a fim de deixar fluir o diálogo sobre as diferenças.
3 CONCLUSÃO
Retornando à temática abordada, recai aos tradutores e interpretes auxiliar na parte linguística
dos surdos para que haja um bom convívio entre a sociedade e a comunidade surda diminuindo os conflitos
comunicacionais através da acessibilidade comunicacional, criando estratégia que favoreça a compreensão
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No contexto da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, está assegurado à pessoa
com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas sem deficiência, os seus direitos,
liberdades, inclusão social e cidadania. Portanto, as práticas pedagógicas para o ensino da língua portuguesa
para surdos devem ser realizadas por meio de oficinas de Língua Portuguesa, como segunda língua, e as
atividades de leitura e escrita de sinais com a representação L1 e L2 devem ser feitas ao mesmo tempo.
Necessário, também, a eliminação de preconceitos e estigmas em relação ao potencial humano das pessoas
surdas e a construção de atitudes sociais favoráveis à inclusão delas nas instituições de ensino e no mundo
do trabalho competitivo.
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Página 66 de 2230
ABSTRACT: The present study seeks to provoke discussions in order to analyze, reflect and
problematize the various ways to approach the concept of landscape in the teaching of geography,
considering the students' previous knowledge and the use of methodologies that promote a
resignification of teaching. Throughout the work, we investigated the processes of construction
Página 67 de 2230
and organization of the concept approach in the classroom with students of the 6th grade of public
elementary schools in the city of Bacabal - MA. In informal conversations and questionnaires, it
is clear that many students are interested in geography, identify the concept of landscape. These
reflections are necessary to show that the teaching work is not defined only by the domination of
the content, but by the capacity and skill of the creation of teaching methods. From this
perspective, there is a need for reflection on how to better work the concept in geography classes
to provide greater criticality. Thus, we encourage the improvement and innovation of teaching
tools and strategies that accompany changes in the landscape. We conclude that the results indicate
that the researched institutions reveal the need for adjustments in the teaching of geography and
several actions can be undertaken.
INTRODUÇÃO
Refletir sobre a metodologia do ensino de geografia é uma tarefa por demais árdua.
Inúmeros são os anseios do mundo moderno, e a educação deve saciar grande parte dessas
necessidades. Não se quer somente cidadãos capazes de ler e escrever, mas também, de pessoas
capazes de interpretar a realidade na sua totalidade, e que também sejam agentes da transformação
do mundo no exercício da cidadania. Na função de “[...]
METODOLOGIA
Página 69 de 2230
Dessa forma, três estudiosos alemães foram fundamentais para o conceito de paisagem
em sua origem no século XIX: Humboldt, Ritter e Ratzel. Segundo Alves (1997,) Humboldt
Página 70 de 2230
considerava que a observação da paisagem deveria ser contemplada com sentimento associada a
fatores naturais e humanos. E Schier (2003) diz que, na obra de Carl Ritter, “Geografia
comparada”, a paisagem não se constituía no principal objeto de estudo porque ele considerava
que os “fenômenos nelas existentes, criados pela sistematização, ocorreriam nas diversas regiões,
justificando assim, o título de sua obra”.2 Ritter dedica-se a descrições e análises regionais. Já o
conceito de paisagem apresentado por Friedrich Ratzel inclui a cultura na paisagem. De acordo
com Claval (2001), para Ratzel “as relações que os homens tecem com seu ambiente e os
problemas que nascem de sua mobilidade dependem das técnicas que dominam”.3.
Santos (2008) define paisagem como “tudo o que nós vemos, o que nossa visão
alcança é a paisagem. Esta pode ser definida como domínio do visível, aquilo que a vista abarca.”
Porém, esse tipo de análise é insuficiente para se compreender a realidade. Corrêa (1986, p.28)
afirma que na Geografia vidaliana: “a região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão
territorial, onde se entrelaçam de modo harmonioso componente humano e natureza”. O conceito
de região e paisagem em La Blache se confunde, pois
2
SAUER, C.O. A morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, R.L; ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e cultura.
Rio de Janeiro: EdUERJ, p.82, 1998.
3
CLAVAL, P. A Geografia Cultural. 2.ed. Florianópolis: Editora da UFSC, p.21, 2001.
4
SAUER, p.23, 1998.
Página 71 de 2230
A paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos, substituições; a lógica pela
qual se fez um objeto no passado era a lógica da produção daquele momento. Uma
paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes,
é uma herança de muitos diferentes momentos. Daí vem a anarquia das cidades
capitalistas. Se juntos se mantêm elementos de idades diferentes, eles responder
diferentemente as demandas sociais. A cidade é essa heterogeneidade de formas, mas
subordinada a um movimento global. O que se chama desordem é apenas a ordem do
possível, já que nada é desordenado. Somente uma parte dos objetos geográficos já não
atende aos fins de quando foi construída. Assim, a paisagem é uma herança de muitos
momentos já passados [...]. (SANTOS, 2008, p. 73)
5
, CORRÊA, R. L. Monumentos, política e espaço. In.: ROSENDAHL, Z.; CORRÊA, R.L. (org.). Geografia: temas
sobre cultura e espaço. Rio de Janeiro: Eduerj, p. 14, 2005.
Página 72 de 2230
De acordo com os PNCs, a leitura da paisagem pode ocorrer de forma direta (pela
observação da paisagem de um lugar que os alunos visitaram) ou de forma indireta (por meio de
fotografias, da literatura, de vídeos, de relatos). O conceito de Paisagem no recorte analisado
aparece no conjunto das Ciências Humanas e assim como as outras áreas de conhecimento, possui
competências específicas do componente. Neste sentido, segundo Cavalcanti (2013 p.148) “levar
em conta o mundo vivido dos alunos implica apreender seus conhecimentos prévios e sua
experiência em relação ao assunto estudado”, é fundamental para a compreensão do conceito de
paisagem.
a geografia pode trabalhar com recortes temporais e espaciais distintos dos da História,
embora não possa construir interpretações de uma paisagem sem buscar sua
historicidade. Uma abordagem que pretende ler a paisagem local e global, estabelecer
comparações, interpretar as múltiplas relações entre a sociedade e a natureza de um
determinado lugar pressupõe uma inter-relação entre essas áreas (BRASIL, 1998, p. 53).
6
SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, p. 103-104, 2006.
Página 73 de 2230
Sendo assim, o ensino do conceito de paisagem não é uma tarefa fácil visto que
representa diferentes momentos de uma sociedade e se alternam continuamente para poder
7
TRICART, J. Paisagem e ecologia. Inter-Facies: escritos e documentos. São José do Rio Preto: Ed. Da UNESP,
p.18, 1982.
Página 74 de 2230
acompanhar suas necessidades. Se todos os professores do Brasil tivessem uma boa formação
inicial e continuada, o que não ocorre na educação (GATTI, 2016), a identificação e seleção dos
conteúdos para alcançar as competências e habilidades propostas pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), ocorreriam sem maiores dificuldades e até com certa coerência, posto que
não são necessariamente mal elaboradas. O professor deve está ciente de que o foco da
aprendizagem é o aluno, portanto, deve estar envolvido no processo de ensinar Geografia e seus
conceitos fundamentais. Segundo Moura (2009),
[...] metodologia de ensinagem inclui muito mais do que a simples aplicação de uma
técnica em determinado momento da prática pedagógica. Envolve toda a teia de relações
entre professor e alunos-alunos que possibilita a realização do processo ensino-
aprendizagem. Pressupõe a utilização de métodos, técnica de ensino, atividades e os
diferentes recursos pedagógicos. (MOURA, 2009 p.24).
O ensino geográfico tradicional mantem seu valor cultural informativo, mas nós
professores, podemos encaminhar estratégias metodológicas tendentes a que se afirme
seu valor significativo nos processos de aprendizagem. Nessa busca, os métodos e as
técnicas aplicadas em aulas de geografia são permanentemente revisados a fim de
convertê-los em elementos facilitadores da aprendizagem. (SOMMA, 2003 p.164).
[...] deve ser uma formação consistente, contínua, que procure desenvolver uma relação
dialética ensino-pesquisa, teoria-prática. Trata-se de uma formação crítica e aberta à
Página 75 de 2230
Dessa forma um estudo da paisagem que supere o ensino vazio dos modelos
tradicionais e crie conceitos com significados a ser aplicados na vida deve partir da valorização
dos espaços de vivência dos alunos, passa a ter sentido e interesse para o educando. Ainda de
acordo com a formação de professores de Geografia, Guimarães (2015) pontua que:
Callai (2003) ressalta que a geografia como ciência social, necessariamente precisa
considerar o aluno e a sociedade em que vive. Para Santos e Moro (2007)
[...] ensinar Geografia hoje é auxiliar o aluno a compreender o mundo em que vivemos:
enfocar criticamente a questão ambiental e as relações sociedade/natureza, oportunizando
aos alunos a interpretação de textos, fotos, mapas e paisagens. Entende-se que é por esse
caminho que a geografia escolar vai sobrevivendo e, até mesmo, ganhando novos espaços
nos melhores sistemas educacionais. Para isso, o professor necessita criar, ousar,
aprender ensinando. (SANTOS; MORO, 2007 p.132).
RESULTADOS E DISCUSSOES
analisados são de fundamental importância para compreender as questões que envolvem o ensino
da geografia na educação básica. Através dos nossos questionamentos e da participação ativa dos
alunos, inferimos que a intervenção contribuirá para a tomada de consciência da turma. Uma vez
que, ao questionarmos, por exemplo, sobre o ensino de geografia de um modo geral e do conceito
de paisagem, muitos de início afirmaram que conhecem o conceito, porém, desconhecem os
exemplos existentes. Fonseca (1999) assinala a importância de se observarem estes aspectos na
análise dos dados de uma pesquisa dizendo:
Mas para tirar conclusões das análises foi preciso situar os sujeitos em um contexto
histórico e social. É só ao completar esse movimento interpretativo, indo do particular ao
geral, [...] sem essa contextualização (um tipo de representatividade post ipso facto) o
qualitativo não acrescenta grande coisa à reflexão acadêmica. (FONSECA, 1999, p. 61).
Os dados demonstram que, no geral, os participantes são estudante cuja faixa etária
varia entre 10 a 16 anos. Os alunos (crianças, pré-adolescentes e adolescentes) são moradores da
zona urbana onde se situa a escola e de povoados localizados na zona rural do município. Estão
inseridos em espaços cujas relações sociais se estabelecem, principalmente, por meio da
experiência que ocorre basicamente na escola. Pode-se perceber que não há distorção entre idade
e série nas instituições, pois a maioria dos estudantes está no ano escolar que deveriam frequentar.
É importante que não haja distorções para que o processo de desenvolvimento e aprendizagem
dos estudantes seja de qualidade, o que implica conhecimento e respeito às suas características
etárias, sociais, psicológicas e cognitivas. Segundo Saveli (2008), a inclusão dessas crianças e
jovens na escolaridade obrigatória resgata um direito de cidadania, uma vez que permite a uma
parcela maior da população se beneficiar de um direito que antes era de poucos. (ver Figura 1).
45,8
30,2
10,4
4,2 5,2
2,1 1,0 1,0
A metodologia que o professor utiliza para trabalhar é sem dúvida a causa da maioria
dos interesses dos alunos em relação ao ensino de geografia. É necessário estabelecer relações
entre o conteúdo e a realidade e não apenas descrever tais conteúdos. O ensino da geografia escolar
está passando por uma mudança muito significativa, pois considera o aluno parte do processo que
está em construção, possibilitando ao mesmo o do domínio de conceitos que contribuam para sua
autonomia e senso crítico. Segundo os dados da pesquisa, os alunos, na sua maioria, reconhecem
a importância da geografia. Dessa maneira, os nossos objetivos podem ser atingidos. (ver Figura
2 e 3).
Página 78 de 2230
82,3
17,7
Sim Não
Figura 2. Percentual da opinião sobre gostar de geografia dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental de escolas
públicas municipais de Bacabal-MA.
27,8 29,1
Figura 3. Percentual da opinião dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental de escolas públicas municipais de
Bacabal-MA sobre o motivo de gostar de geografia.
Toda aula é a mesma coisa, só assunto copiado no quadro e livro didático. (depoimento
de um aluno do 6º ano).
Ainda sobre as razões de não gostar de geografia, os alunos afirmam não conseguir
compreender os conteúdos abordados pelo professor e não veem sentido na sua importância. A
forma como esses conteúdos são ensinados em sala de aula não tem trazido os resultados
esperados. Isso nos leva a refletir à importância de se repensar importância de incentivar a prática
pedagógica fundamentada em diferentes metodologias. Segundo Libâneo (1994), não considerar
o conhecimento prévio dos alunos é umas das práticas que levam os alunos a perderem o interesse
e o gosto por estudar. (Veja na figura 4).
58,8
41,2
Figura 4. Percentual da opinião dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental de escolas públicas municipais de
Bacabal-MA sobre não gostar de geografia.
Nesse sentido, faz-se importante acrescentar que, ainda que seja unânime a opinião
sobre necessidade de qualificação do professor de Geografia a fim de que os estudantes sejam
efetivamente atendidos, principalmente em virtude de suas especificidades, estes aspectos ainda
não têm sido contemplados em sala de aula das escolas públicas municipais, pois boa parte dos
alunos gosta das metodologias dos professores. No campo da atitude, que diz respeito às
disposições afetivas ou orientações positivas ou negativas em relação à metodologia do professor,
os entrevistados em sua maioria apontam como ponto positivo. (Ver figura 5)
Página 80 de 2230
47,9
38,5
9,4
4,2
Figura 5. Percentual da opinião dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental de escolas públicas municipais de
Bacabal-MA sobre a metodologia adotada pelos professores de geografia.
[...] a leitura de paisagem como um conteúdo que, quando trabalhado de forma eficiente,
proporciona oportunidade para que se desenvolva uma série de habilidades nos alunos,
como a observação, o registro, a análise e a comparação. (CHIAPETTI E SANTOS 2014,
p. 68).
67,7
32,3
Figura 6. Percentual dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental de escolas públicas municipais de Bacabal-MA
que identificaram o conceito de paisagem.
Página 81 de 2230
62,5
37,5
Figura 8. Percentual dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental de escolas públicas municipais de Bacabal-MA
que identificaram o exemplo do conceito de paisagem.
Desse modo, observamos que utilizar apenas o livro didático como recurso
metodológico para a educação de jovens do 6º ano na escola não pode ser considerado um objetivo
por si só. Aprender utilizar outros métodos e outros instrumentos é algo secundário. O uso de
imagens, fotografias, etc., é uma das formas possíveis para atingir tais objetivos do ensino.
Segundo Travassos (2001), se soubermos explorar corretamente esses instrumentos dentro da sala
de aula, teremos nas mãos um poderoso recurso que, "na impossibilidade de ir a todos os lugares",
até mesmo dentro da própria cidade onde moramos, podemos eternizá-los com apenas um clique,
captando aquela realidade.
CONSIDERAÇÔES FINAIS
Após o estudo feito sobre a temática, é possível afirmar que a meta principal da
educação é a aprendizagem. Os conceitos fundamentais da geografia são imprescindíveis ao êxito
das expectativas de aprendizagem no que se refere à Geografia Escolar. Ao longo da evolução do
pensamento geográfico, os conceitos, as metodologias e as mentalidades foram se modificando e
assumindo novas formas. O estudo da paisagem nos permite fazer diversas abordagens dentro da
sala de aula.
Página 82 de 2230
REFERÊNCIA
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Página 85 de 2230
Resumo: O presente artigo é resultado de uma pesquisa que se encontra em estágio inicial e
objetiva analisar a representação da identidade negra no currículo escolar. Apresenta abordagens
históricas sobre o processo de exclusão do negro, resgatando os aspectos determinantes para a sua
consolidação nos dias atuais. Para tal finalidade, este estudo utiliza metodologia baseada em
pesquisas bibliográficas, analisando livros didáticos de História e fundamentando-se nos
posicionamentos teóricos de Bittencourt (2004), Cruz (2008), Gomes (2003), Nascimento (1980),
Ponciano (2011), Silva (2005) e Santomé (1995), alguns dos quais se dedicaram ao estudo desta
temática. Assim, propõem-se reflexões acerca da inclusão e exclusão da história e cultura negra
no currículo escolar, sendo apresentadas ou não nos materiais didáticos utilizados em escolas
brasileiras.
Palavras-chave: Identidade Negra. Currículo Escolar. Processo Histórico.
Abstract: This article is the result of research that is in its initial stage and aims to analyze the
representation of black identity in the school curriculum. It presents historical approaches to the
black exclusion process, rescuing the determinant aspects for its consolidation today. For this
purpose, this study uses a methodology based on bibliographic research, analyzing history
textbooks and based on the theoretical positions of Bittencourt (2004), Cruz (2008), Gomes
(2003), Nascimento (1980), Ponciano (2011) , Silva (2005) and Santomé (1995), some of whom
dedicated themselves to the study of this theme. Thus, reflections on the inclusion and exclusion
of black history and culture in the school curriculum are proposed, whether or not they are
presented in the teaching materials used in Brazilian schools.
Keywords: Black Identity. School Curriculum. Historical Process.
INTRODUÇÃO
Oculta-se a história vivida pelos negros no continente africano antes da chegada das civilizações
europeias, desmerecendo desta forma seus costumes, ressaltando que a história do desses povos
só passaria a ter relevância com a chegada dos europeus. Nessa perspectiva, o ensino de História
acabou alimentando um processo que exalta outros povos, que são elevados à categoria de heróis,
deixando a cultura negra negada e silenciada ao longo de toda sua construção histórica.
De acordo com Bittencourt (2004):
banidos de qualquer atividade de caráter social, econômico, intelectual ou algo que o promovesse
de uma condição de escravo a homem livre.
Nota-se que o negro é alvo de exclusões sociais, em recorrência a um verdadeiro jogo das
classes políticas, o que tem implicado num distanciamento quando se trata da inserção desta
classe, enquanto indivíduos na sociedade.
Desta forma, a cultura negra é vítima de preconceitos. O fato da criação de leis para
implementação de uma disciplina no currículo escolar para fomentar o estudo sobre a história e
cultura afro-brasileira e africana, bem como a instituição do Dia da Consciência Negra, evidencia
a dívida que a sociedade brasileira tem com negros. Nesse direcionamento, a Lei n° 10.639/03 8
que visa incluir os estudos sobre a história e cultura deste povo, atua como uma retratação da pátria
brasileira com os africanos, sendo o fruto de uma intensa luta desta classe por seus direitos e
reconhecimento no processo educacional e na sociedade como um todo.
Identificar e corrigir a ideologia, ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade
é enriquecedora e não é sinônimo de desigualdade, é um dos passos para a reconstrução
da auto-estima, do auto-conceito, da cidadania e da abertura para o acolhimento dos
valores das diversas culturas presentes na sociedade. (Silva, 2005, p.31)
Assim, após mais de 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, percebe-se a exclusão
dos negros ao acesso de políticas públicas e até de direitos fundamentais, além da presença de
preconceitos e estereótipos que continuam impressos na sociedade brasileira. A educação tem um
papel fundamental na desconstrução desses tipos de atitudes/posicionamentos, porém, o que
8
Esta Lei institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo escolar, desenvolvendo
conhecimentos e valores, que conscientizem os indivíduos quanto à pluralidade étnico-racial, assegurando o respeito
aos direitos e valorização de identidade cultural brasileira e africana para o país.
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Nesse sentido, a organização da instituição escolar não oferece os subsídios essenciais para
estruturar um modelo educacional pautado na valorização das diferenças, valorização dos sujeitos
históricos, disseminando apenas a desigualdade, através de um discurso que prega a existência das
diferenças, quando estas são nítidas, representando uma realidade utópica perfeita, sem lutas
sociais, injustiças, problemas sociais e preconceitos.
Nessa perspectiva, segundo Lima (2004, p.85), no espaço educacional a África é vista
apenas como a terra da macumba, da capoeira e do tambor. É necessária a superação dessa imagem
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folclórica do negro no Brasil e dessa concepção escravista criada por antigos historiadores,
considerando a extensa participação africana no processo de formação do país. A invisibilidade
da representatividade dos negros origina um déficit na formação histórica e moral dos indivíduos,
contribuindo para uma geração de cidadãos que desconhecem sua história, seu passado e conserva-
se as desigualdades atemporais contra as minorias étnicas, que são vítimas da repugnância e
obscurantismo.
Assim, a instituição escolar tem um impacto decisivo na construção dos valores presentes
na sociedade e das incompreensões referentes às diferenças individuais. Deste modo, Santomé
(1995) explica que:
Uma educação libertadora exige que se leve a sério os pontos fortes, experiências,
estratégias e valores, dos membros dos grupos oprimidos. Implica também ajudá-los
analisar e compreender as estruturas sociais que os oprimem para elaborar estratégias e
linhas de atuação com probabilidades de êxito. (Santomé, 1995, p. 171).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apreende-se que a cultura e a identidade dos negros em seu percurso histórico até os dias
atuais, incessantemente foi silenciada, excluída ou até mesmo transmitida utopicamente nos livros
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didáticos e nas ministrações realizadas pelos docentes, resultando nos preconceitos perpetuados e
na sensação de inferioridade dos negros no contexto social. Apesar dos estigmas disseminados,
relacionando estes povos à miséria, pobreza e passividade no período em que foram escravizados,
ressalta-se o rompimento destas concepções retrógradas com os avanços alcançados através das
lutas sociais e leis que tentam modificar estes direcionamentos.
A cultura e a identidade negra na prática pedagógica e no currículo escolar
instrumentalizam as singularidades individuais e também a pluralidade cultural presente no
território brasileiro, promovendo a reflexão e a criticidade para aceitação das diferenças,
fornecendo um processo de instrução significativo problematizador, estabelecendo vínculos com
a realidade, redirecionando cada indivíduo do estado de passividade e conhecimento fragmentado
a respeito desses povos e oferecendo subsídios necessários para a compreensão do outro.
Diante dessas especificidades, ressalta-se a importância da inclusão desta temática no
espaço escolar. Portanto, a formulação do sistema educacional, materiais didáticos e posturas
profissionais contribuíram e contribuem para o concebimento ideológico acerca das minorias
étnicas. Infere-se que o cumprimento e a prática de novos direcionamentos propostos para o ensino
de História em relação aos povos antes marginalizados, oferecendo a transparência e a visão
realista do seu papel e tradições culturais, é inegável na perspectiva da transformação da sociedade
e principalmente nos ideais referentes ao multiculturalismo existente.
Espera-se que este estudo contribua com outras pesquisas e, principalmente, proporcione
reflexões relacionadas ao silenciamento da identidade negra no currículo escolar. Por se tratar de
um trabalho inicial, numa fase bastante embrionária, torna-se relevante ressaltar que esta
abordagem não se encerra aqui, pois foi apresentado uma pequena amostra do que pode se tornar
um trabalho de maior dimensão e profundidade sobre a representação da história e cultura negra
nos materiais didáticos disponibilizados em escolas públicas brasileiras.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. Livros didáticos entre textos e
imagens. 9° ed. Ed: Contexto. São Paulo, 2004.
COSTA, R. L. S.; DUTRA, D. F. A lei 10639/2003 e o ensino de Geografia: representação dos
negros e África nos livros didáticos. In: ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICAS DE ENSINO
EM GEOGRAFIA, 10. 2009, Porto Alegre Anais... Porto Alegre, 2009. Disponível em:
<http://www.agb.or g.br/XENPEG/artigos/GT/GT3/tc3%20(12).pdf>. Acesso em: 05 de outubro
de 2019.
CRUZ, Mariléia dos Santos. Uma abordagem sobre a história da educação dos negros. Historia da
educação do negro e outras histórias. Coleção educação para todos. Brasília. Unesco. 2005; p. 21-
30
Página 94 de 2230
9
E-mail: antonio.jose@ifma.edu.br
10
.Mestrando em Cultura e Sociedade - PGCULT/UFMA. Professor de Direito do IFMA. E-mail:
ronaldo.junior@ifma.edu.br
11
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Campus Dom Delgado, São Luís/MA – Brasil.. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-9872-2228. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4061880434989954. E-mail:
thelmachahini@hotmail.com.
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Abstract: The general objective of this study is to know and describe the perceptions of high school
teachers regarding the relevance of the Libras interpreter in the context of the teaching-learning
process. An exploratory, descriptive research was developed with a qualitative approach. Data
were collected through semi-structured interviews. The results signal that for teachers, deaf
students have the potential to achieve good school performance, provided there is monitoring by
the professional interpreter, otherwise these students may be hampered in their understanding of
the issues in the classroom and in the interaction between teachers and other colleagues. In this
sense, the presence of the Libras interpreter in the classroom makes all the difference in the deaf
student's teaching-learning process. However, even knowing the importance of Libras in the daily
life of the school, until recently this training was not offered in the initial training courses, so that
most of the teachers, who are now in the classroom, have no minimum training in Libras; a fact
that creates inconvenience to the learning of the deaf student when the interpreter of Libras is
absent from the process.
Keywords: Deaf students. Teaching-learning. Interpreter of Libras. Inclusion.
Introdução
Em setembro de 1857, no Rio de Janeiro, foi fundado pelo pedagogo francês E. Huet o
Instituto de Meninos Surdos-Mudos, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). A
iniciativa para a construção da entidade surgiu com a chegada da família real ao Brasil, que vinha
fugindo de Napoleão Bonaparte (MAZZOTTA, 2005).
Percebe-se que ainda no Brasil Império a questão do atendimento ao surdo já era uma
temática em andamento. No entanto, é preciso mostrar que esse atendimento não era para todos
os surdos, mas apenas para os bem-nascidos, que nesse contexto representava as elites da época.
Além disso, mulheres e escravos não tinham acesso à cultura letrada. Assim, ficavam fora da
escola que assistia os surdos.
Destaca-se que o fundador era surdo e, por ter um trabalho reconhecido em toda a Europa,
foi convidado pelo Imperador do Brasil, Dom Pedro II, para se o precursor dessa missão tão
importante para os deficientes auditivos que necessitavam, assim como os demais, ter acesso a
educação (JANNUZZI, 2004).
O início do trabalho de lecionar foi permeado por desafios, em especial os relacionados à
metodologia ser utilizada. Nesse sentido, primariamente, as crianças eram ensinadas pela
linguagem, escrita, e linguagem de sinais; uma característica da língua de sinalizada usada na
França. Com isso, o curso tinha duração média de seis anos para alunos de ambos os sexos, a faixa
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etária estendia-se do final da primeira infância até meados do final da adolescência (MAZZOTTA,
2005).
Ainda sobre a metodologia, era utilizado um modo de leitura com lábios em baixo som,
destinada aos surdos que tinham aptidão ainda que fragilizada para desenvolver a linguagem oral
(QUADROS, 2005). Para aqueles que não mostrassem condições alguma de ser oralizados, eles
recebiam atendimento diferenciado em locais e horários propícios pela escola, algo como uma
monitoria extraescolar, talvez um atendimento especialidade bem rudimentar ao que utilizam hoje
em escolas de classe comum e especial (MAZZOTTA, 2005). Dessa forma, ainda segundo o autor,
deu-se início nas terras brasileiras a primeira instituição para atender nossos surdos, tendo como
mestre um professor francês, o que nos levaria aos primeiros passos rumo a Língua Brasileira de
Sinais-LIBRAS.
Diante do desafio proposto de educar surdos num local longe dos grandes centros de
desenvolvimento, com recursos limitados, surge um problema secundário, relacionado a questão
de como formar professores para atuar nesse segmento educacional.
Dando um salto na história, o profissional Intérprete de Libras passou por uma série
de dificuldades para ter o reconhecimento da categoria. De acordo com Silva e Lessa -de-
Oliveira (2016), legalmente o primeiro passo para o reconhecimento da profissão foi à
promulgação da Lei n° 10.098 de dezembro de 2000, que estabeleceu normas e critérios para
condições de acessibilidade para pessoas com deficiências ou com mobilidade reduzida:
Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de
escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer
tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com
dificuldade de comunicação. (BRASIL, 2000, não paginado, grifo nosso).
Embora de forma bem discreta, esse foi o marco para começar a pensar no relevante
trabalho que o intérprete desenvolve junto ao aluno surdo. É importante destacar que, até
então, tais profissionais atuavam de forma mais assistencial, em suma, no âmbito religioso e
voluntário junto a escolas e demais organizações não geridas pelo poder público.
Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve
efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação
em Libras - Língua Portuguesa. Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da
publicação deste Decreto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua
Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de I - cursos de educação
profissional; II - cursos de extensão universitária; e III - cursos de formação
continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições
credenciadas por secretarias de educação. Parágrafo único. A formação de
tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil
representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por
uma das instituições referidas no inciso III. (BRASIL, 2005, não paginado).
No Brasil, o intérprete de Libras foi reconhecido por meio da Lei n° 12. 319 de
2010, que desde sua criação teve sua lotação maciça no âmbito escolar e atuando junto ao
professor em todos os níveis e modalidades da educação, incluindo na disciplina de História.
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Na Prática, a presença do intérprete de Libras, causa na sala de aula uma espécie de tensão
entre o professor, o aluno surdo, quando se coloca em ênfase o local de fato que esse
profissional ocupa na relação ensino aprendizagem. Nesse momento, questionando-se quem
de fato é responsável pelo aluno surdo. Dessa forma, será de suma importância a parceria entre
o professor e o intérprete para que o aluno surdo venha a ter um bom rendimento em sala de
aula.
Diferentemente do professor, o trabalho do intérprete é considerado técnico. Com
a ideia de inclusão já em voga em nossas escolas, os alunos surdos são mantidos juntos com
os demais em uma sala comum. No entanto, é comum os professores não dominarem a Libras,
nesses casos, faz-se necessário e primordial que o intérprete de Libras faça a intermediação
entre o professor e o aluno.
Como já mencionado, sabe-se que, no Brasil, a profissão do intérprete de Libras foi
reconhecida por meio da Lei n° 12.319, de 2010. Desde então a presença desse profissional tornou-
se relevante junto ao professor em todos os níveis e modalidades da educação. Sendo assim, o
problema de pesquisa questiona: quais as percepções de docentes do Ensino Médio em relação à
relevância do intérprete da Libras ao processo ensino-aprendizagem? Para responder ao problema
proposto, o objetivo geral deste estudo correspondeu a conhecer e descrever as percepções de
docentes do Ensino Médio em relação à relevância do intérprete da Libras ao processo ensino-
aprendizagem.
Metodologia
ESTADO TEMPO DE
PROFISSIONAL SEXO FORMAÇÃO
CIVIL SERVIÇO
P1 Masculino Casado História 26 anos
P2 Masculino Casado História 05 anos
Fonte: Dados da pesquisa dos autores
Para seleção dos informantes foram utilizados como critérios de inclusão os seguintes
aspectos: não estar afastado de suas atividades profissionais na escola; trabalhar na escola a pelo
menos 3 (três) anos; ser docente do Ensino Médio; estar em exercício em sala de aula durante o
ano de 2018; tempo mínimo 5 (cinco) anos de experiência em atividades profissionais em sala de
aula. Como critério de exclusão foi considerado não estar contido nos critérios mencionados,
anteriormente, bem como se recusar em participar da pesquisa.
Os instrumentos de coleta de dados corresponderam a entrevistas semiestruturadas,
aplicadas por meio de um roteiro contendo questões abordando os seguintes assuntos: o
entendimento por Libras; a comunicação com alunos surdos; o processo ensino-aprendizagem de
alunos surdos; a presença do intérprete em Libras durante as aulas; relacionamento
professor/intérprete de Libras; a relevância do intérprete de Libras ao processo ensino-
aprendizagem.
Sobre a escolha dos instrumentos, Manzini (1991) esclarece que a entrevista
semiestruturada está direcionada a um assunto, sobre o qual é elaborado um roteiro com questões
primárias complementadas por questões secundárias relacionadas à entrevista. Assim, esse tipo de
entrevista faz com que as informações apareçam de forma livre e as respostas não fiquem presas
a um padrão objetivo. Desse modo, as entrevistas semiestruturadas possibilitam descrever e
compreender a totalidade dos fenômenos sociais, permitindo atuação consciente e atuante do
pesquisador durante o processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987).
Os procedimentos ocorreram levando-se em consideração os critérios éticos envolvendo
seres humanos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
concordando com suas participações e cientes de que os resultados seriam divulgados em
Congressos e em revistas científicas.
Diante do contexto, apresentam-se, a seguir, os resultados encontrados, bem como as
análises e discussões que se fizeram necessárias.
Resultados e discussões
escolares possuem relatos que nos fazem perceber o quanto a lei nem sempre reflete com a mesma
intensidade na vida prática da comunidade escolar; local no qual a educação acontece de modo
pragmático. Uma pergunta foi direcionada aos professores do Ensino Médio sobre o que
entendiam por Libras. A seguir, seus relatos:
Entendo por Libras a linguagem que é usada pela comunidade surda. Historicamente ela
é um ganho, não só mente na questão educacional, mas também na questão educacional
que teve um processo de educação inclusiva, a comunidade surda pode ter acesso, a partir
claro, de um intérprete dentro da sala de aula, para que houvesse então essa interação, da
comunidade surda e não surda. (P1);
É uma linguagem nova para que tem uma deficiência em algum sentido, nesse caso, a
audição. Então essa linguagem ajuda a facilitar bem o atendimento do aluno. (P2).
Corroborando com Paz (2013), o entendimento dos docentes mostra que eles possuem
conhecimento da necessidade do ensino em Libras para os alunos surdos e que acreditam ser
relevante que tenham em sala de aula um profissional para fazer a intermediação entre o conteúdo
e o aluno. É possível identificar como a questão da inclusão é colocada, de modo que se destaca
o de sentimento de pertencimento ao grupo por ambos os públicos de alunos: surdos e ouvintes.
A obrigatoriedade do ensino de Libras nos cursos de formação de professores para atuarem
na Educação Básica representa uma conquista social e humana, que coloca em evidência os surdos
que durante muito tempo passaram pela educação básica, e alguns até pela universidade, sem ter
seus direitos de se comunicar em sua primeira língua garantidos pela legislação brasileira
(CHAHINI, 2010).
Nesse sentido, quando questionados sobre o domínio da Libras, os professores
responderam que não tiveram nenhuma formação na graduação que abrangesse o ensino de Libras.
Conforme seus relatos, a seguir:
Não sei Libras. Na graduação não tive Libras. Posterior a 2010, dentro dos currículos de
formação de professores foi inserido a cadeira de Libras, anteriormente não havia. (P1);
Na graduação não tive Libras, mas eu já tive uma experiência com alguns alunos, e deu
para ter uma noção. Treinamento alguma coisa que direcionar, tanto é que a gente soube
que iria ter três alunos surdos, eu já fiquei logo apreensivo, mas com presença do
intérprete, tudo ficou bem mais fácil, se não tivesse tudo seria bem mais difícil. (P2).
De acordo com os dados, é possível identificar que, pelo fato de o currículo dos docentes
não contemplar a formação em Libras, essa não foi alcançada nem realizada em formações
posteriores. No contexto, Paz (2013) esclarece que quando os cursos que preparam docentes não
ofertam cadeira de Libras, de um modo geral essa complementação não é algo que motiva os
professores, por conta própria, buscarem por essas experiências e outros meios para adquirirem o
saber que usariam nas aulas. Como aparece na fala de um dos professores, o fato de contar como
o intérprete de Libras faz com que o docente não realize o atendimento ao aluno de modo
sistemático, uma vez que caberá ao profissional da Libras intermediar entre o aluno e professor.
Quando foi questionado aos docentes, como vinha ocorrendo o processo ensino-
aprendizagem do aluno surdo. Os relatos, a seguir, sinalizam que:
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Minha experiência é bem satisfatória, geralmente tem o intérprete. Uma vez tive um
aluno, que era de uma turma de proeja, técnico, a noite e um outro professor estava
desenvolvendo uma luva, em que ele poderia fazer os sinais e o sistema de computador
iria fazer a leitura e transcrevendo isso, e esse aluno estava dentro desse projeto. Então,
eu vejo que a aprendizagem, ela não é a mesma, porque infelizmente porque a gente
depende do intérprete também, algumas categorias na história, algumas explicações
ficam mais complicadas, as vezes o aluno ele não compreendia, eu tinha que tentar uma
outra forma de explicação, para que o intérprete aproximasse mais a linguagem. Mas eu
considero satisfatória dentro desse processo, a interação entre o aluno o intérprete e o
professor. (P1);
À medida que a gente ia ministrando as aulas, com o intérprete ia repassando para os
alunos, se comunicando com eles, assim facilitava bastante, eles olhavam basicamente
para o instrutor, faziam essa combinação. Eu tive uma experiência com três alunos, nesse
ano dois alunos se destacaram muito bem e um terceiro teve uma certa dificuldade, mas
gostei bastante. (P2).
Nas falas dos professores fica evidente a parceria que existe entre o intérprete e o professor,
cada um com seus papeis bem definidos de modo que a metodologia na qual o aluno é ensinado
seja a mais adequada para o bom rendimento dele. Para o que foi planejado aconteça é importante
destacar que os professores costumam previamente passar para o intérprete o plano de aula que
será usado na sala. Desse modo favorece a aproximação do aluno/intérprete/professor.
Nesse sentido, Duarte (2013) esclarece que a atuação do intérprete de Libras será melhor
aproveitada na escola, quando tanto o professor quanto o tradutor estiveram com suas habilidades
junto ao aluno surdo alinhadas. Assim, é importante que o conteúdo seja revisado ante das aulas
para que os sinais sejam precisos e o aluno não apresente dificuldades que possam comprometer
o rendimento cognitivo nessa disciplina e, mais que isso, proporcione a aproximação entre o
professor e o intérprete precisa ser a mais amigável possível, afinal, ambos estarão dividindo a
mesma sala, o mesmo aluno, ao mesmo tempo.
Sendo assim, o professor é essencial na sala de aula para que o processo ensino-
aprendizagem ocorra de modo sequencial na vida escolar, e o intérprete de Libras é parte
significativa para que o aluno surdo permaneça numa sala de aula regular e consiga, junto com a
turma de ouvintes, desenvolver um conhecimento tão satisfatório quanto os demais. Nesse sentido,
os professores relataram que:
Sem a presença do intérprete fica muito complicado, até porque quando o intérprete
faltava, aí eu trazia o texto para ele e pedia para que ele fizesse a leitura, ai mesmo assim,
tinham alguns termos que estavam no texto. e que ele tinha dificuldade da compreensão,
embora, ele tenha passado pelo processo de letramento na língua portuguesa, mas a língua
de fato oficial deles é Libras. Infelizmente, isso não respeitado. Então, eu tinha o cuidado
de ver o texto, de ver as palavras, mas em algum momento ficava meio complexo mesmo
para ele compreender, assim, é imprescindível para mim que o intérprete esteja na sala
de aula. Claro que se talvez, eu tivesse uma formação em Libras, e ai para tirar uma
dúvida ou até mesmo tentar dirimir alguma questão para ele seria muito bom, mas como
nós temos trabalhado com a realidade, não com o ideal, o intérprete ele é fundamental,
se não tem o intérprete fica muito complexo essa aprendizagem do aluno, ele vai
aprender, eu nunca tive nenhuma dificuldade com esses alunos, eles sempre tiraram boas
notas, tinham um bom rendimento na disciplina de História, mas algumas terminologias,
algumas explicações, ai já fica mais complexo, uma vez trabalhando a Segunda Guerra
Mundial, o texto tinha alguma palavras em alemão, e que eu, as vezes, tinha que fazer
adequação para poder haver um atendimento, porque o intérprete, as vezes não
encontrava uma aproximação na hora de fazer o sinal. (P1).
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Sim, eu percebi que a própria turma aprendeu um pouco essa linguagem. No segundo
semestre principalmente, já aprendia um pouco, já se comunicavam. Percebi que eles têm
uma aprendizagem muito boa, tirando essa deficiência que a gente diz, entre aspas, eles
desenvolvem muito bem, até melhor do que a gente imagina. (P2).
Conforme os dados, os professores não tiveram dificuldade com alunos surdos, no entanto
atribuem parte desse bom rendimento a presença do intérprete em sala de aula. Nesse momento,
ainda segundo P1, a falta da formação mínima em Libras pesa. Já P2, pontua que com passar do
tempo a comunicação entre professor e aluno surdo melhora e alguns sinais se tornam mais fáceis
e mais compreensíveis, contudo, sem o intérprete nem esse mínimo de interação seria possível.
Senso assim, é possível identificar que na ausência do intérprete de Libras por qualquer
motivo na sala de aula, junto ao professor e ao aluno surdo, o rendimento do discente fica abalado.
Como pontua o P1; às vezes mesmo com o profissional da Libras, alguns sinais em línguas
estrangeiras como alemão e russo não são fáceis de adequar ao vocabulário do surdo. Imagina sem
a presença do intérprete, como fica difícil fazer esse arranjo.
Diante dos fatos, questionou-se qual a relevância desse profissional ao processo ensino-
aprendizagem. Os relatos, a seguir, demonstram que:
Importantíssimo. A atribuição do intérprete é fazer a relação entre o professor e o aluno
funcionar. A relação ensino-aprendizagem, para poder realmente fluir isso. Não que ele
vai ter que ter o conhecimento de História, ter um conhecimento de sua própria opinião
de outros fatos, mas é importante que ele saiba que ele é peça fundamental nesse processo
de ensino aprendizagem. Mas a relação professor-aluno continua sendo minha
responsabilidade enquanto professor. Assim como a responsabilidade pelo ensino e
aprendizagem. Como se nós estivéssemos, por exemplo, o professor de História brasileira
e fosse dar aula para chineses, eu não sei o mandarim, é necessário que haja o intérprete,
ele só vai de fato fazer a tradução simultânea, isso é uma questão linguística, mas no caso
da Libras, adequar sinais eu pouco mais complexo, mas dá para fazer uma relação até
porque há palavras no português que não existe no inglês, no francês ou no alemão. Então
eu acho que a relevância do intérprete é fazer a ponte, professor aluno. (P1).
Atuação do intérprete de Libras é importantíssimo, pois nós não fomos preparados em
nossa graduação, então, a presença do intérprete facilita muito, faz com que a gente se
sinta mais seguro. (P2).
De acordo com Keli e Oliveira (2016), é parte da atribuição do intérprete fazer fluir a
comunicação entre o professor e o aluno. Desse jeito ambos podem trabalhar caminhos que levem
o aluno surdo a compreender o conteúdo ministrado em sala de aula.
Portanto, quando o docente percebe que a responsabilidade pelo aluno surdo não é apenas
dele, mas de a comunidade escolar, e que a escola se preocupa em fomentar meios para que o
ensino e aprendizagem aconteça com significado cognitivo para o aprendiz, o psicológico do
professor fica mais leve e essa sensação é prolongada com a presença do intérprete de Libras na
sala de aula. Assim, o professor percebe que a missão de educar o aluno surdo é algo partilhado,
entendendo que a educação enquanto processo difuso acontece em todos os lugares, da escola à
sociedade.
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Conclusões
diversos, de modo que as aprendizagens possam ser múltiplas, respeitando a cultura de cada
indivíduo envolto na comunidade escolar.
Constatou-se, também, que as atividades desenvolvidas pelo intérprete de Libras na
concepção dos participantes, devem ser fomentadas na escola, imbricada numa política de
acolhimento para que esse profissional possa sentir sua relevância e significação junto ao
aluno surdo. Outro aspecto revelado foi de que a condição da deficiência do discente não é
determinante para classificá-lo como limitado na construção do conhecimento histórico, mas,
que com ajuda do intérprete e com a parceria do professor muitas aprendizagens podem ser
construídas.
Considera-se, finalmente, que as atividades do intérprete de Libras desenvolvidas na
escola junto ao aluno surdo no ensino médio é de extrema relevância, visto que essa etapa da
educação básica busca consolidar todo o conteúdo que o currículo demandou para formar o
cidadão para o convívio social, para o trabalho e prosseguimento nos estudos a níveis mais
elevados de ensino (BRASIL, 1996). Apesar da formação inicial dos professores não
contemplar a cadeira de Libras e esses não disporem de uma formação continuada na área, a
assistência ao aluno continua acontecendo numa parceria entre professor, intérprete de Libras
e gestão escolar. Assegurando, assim, a isonomia nas condições de permanência na sala de
aula.
Espera-se que esse estudo venha a contribuir com maiores esclarecimentos sobre a
relevância da Libras e do intérprete de Libras no âmbito da educação básica, bem como
desperte o interesse em outros pesquisadores para o aprofundamento desse olhar sobre a
realidade que vive o professor e o aluno nas sala de aulas das escolas brasileiras, em especial
as públicas.
Página 105 de 2230
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acesso em: 10
abr. 2019.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, p. 149-158, 1991.
Resumo: a ludicidade é um tema que vem ocupando cada vez mais espaço entre as estratégias de
ensino, principalmente nas classes das séries iniciais. Este estudo teve como objetivo geral analisar
o lúdico como importante metodologia na aprendizagem em sala de aula de forma que contribua
com o aprendizado da criança. Será mostrada a importância do lúdico no processo de socialização
das crianças como também sua importância no processo ensino e aprendizagem, através dos jogos,
do brinquedo, das brincadeiras. A pesquisa de campo teve sua atuação realizada na Unidade
Integrada Raimundo Aquino Macedo, com duas professoras do ensino Fundamental, efetuado por
meio de um questionário com questões fechadas, procurou-se conhecer como é aplicado o lúdico
nas atividades escolares, a percepção das professoras sobre o brincar na educação, em que
situações são aplicadas o lúdico, se este é parte do planejamento ou proposta pedagógica da escola
e quais os recursos utilizados para trabalhar o lúdico. Com intuito de fundamentar este TCC
procurou-se desenvolver uma pesquisa bibliográfica para maior respaldo teórico e encontrar as
respostas nas hipóteses. Desta forma, entende-se que esta pesquisa possa estar contribuindo de
maneira positiva para os educadores que se preocupam com o desempenho na Educação das
crianças, auxiliando com conteúdos sobre a atividade lúdica para o desenvolvimento da criança,
tornando suas aulas mais motivadoras e sedutoras. Conclui-se que o lúdico é um recurso valioso
no processo de ensino-aprendizagem, e que deve ser elaborado a partir de atividades planejadas
de maneira consciente visando um aprendizado efetivo e contribuindo para o desenvolvimento
pleno da criança.
Palavras-chave: Lúdico. Educação. Ensino Aprendizagem. Planejamento.
Página 108 de 2230
Abstract:The playfulness is a topic that is occupying more and more space between teaching
strategies, especially in the early grades classes. This study aimed to analyze the playful as an
important methodology in learning in the class room in order to contribute to the child's learning.
The importance of playfulness in the process of socialization of children as well as their
importance in the teaching and learning through games, toy, the games will be shown. The field
survey's operations were carried out in the Integrated Unit Raimundo Aquino Macedo, with two
teachers of elementary education, conducted through a questionnaire with closed questions, we
tried to understand how the playful is applied in school activities, teachers' perception about the
play in education, where situations are applied the playful, if this is part of the planning or school's
educational proposal and the resources used to work the playful. Seeking to support this TCC we
tried to develop a literature search for greater theoretical support and find answers in the events.
Thus, it is understood that this research can be contributing positively to the educators who care
about the performance of children in education, assisting with content on the play activity for the
development of the child, making his most seductive and motivating lessons. It follows that the
playful is a valuable resource in the teaching-learning process, and should be drawn from planned
activities consciously aimed at effective learning and contributing to the full development of the
child.
Keywords: Recreation. Education. Learning Education. Planning.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente tem-se questionado muito sobre a educação em nosso sistema escolar. Novas
técnicas e métodos são introduzidos a cada dia como objetivo de proporcionar um melhor
desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, com vistas a atender as exigências desse novo
contexto marcado pela revolução da ciência e tecnologia que está exigindo consequentemente dos
sistemas educativos a formação de pessoas reflexivas, críticas e autônomas para que possam
conviver e contribuir como desenvolvimento da sociedade.
Um dos recursos pedagógicos que o professor pode utilizar para estimular o
desenvolvimento cognitivo dos alunos são as brincadeiras e jogos educativos, pois, brincando,
acriança satisfaz sua curiosidade, os processos mentais rudimentares transformam-se em
processos mentais mais organizados e estruturados, proporcionando atividades desafiantes,
motivadoras, com a participação ativa da criança.
A escolha deste tema foi devido à percepção dos professores com as dificuldades na
utilização do lúdico, o qual propõe mudanças no ambiente pedagógico e que, além de permitir um
ensino dinâmico e eficaz, oferecerá várias oportunidades para que a criança aprenda de forma
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prazerosa, possibilitando dessa forma uma aprendizagem criativa ao utilizar o jogo lúdico. A
pesquisa aqui realizada tem como justificativa a necessidade de mudanças no contexto
educacional, no qual o professor é um dos principais protagonistas. Portanto, sua formação e
prática educativa são motivos de estudo para que haja mudanças as quais o lúdico proporcionará,
tais como estimular a criança a desenvolver a imaginação e a criatividade, visando contribuir para
diminuir os altos índices de fracasso escolar.
Este artigo tem por objetivo analisar o lúdico como importante metodologia na
aprendizagem em sala de aula de forma que contribua com o aprendizado da criança, bem como
conhecer o planejamento que é realizado pelos professores para utilizar lúdico na aprendizagem;
analisar de que maneira o mesmo é utilizado na prática em sala de aula; além de verificar a
contribuição dos jogos lúdicos para o rendimento no aprendizado do aluno.
Entendendo-se que as brincadeiras fazem parte integral da vida da criança, surge este
estudo com a finalidade de conhecer o lúdico no processo de ensino-aprendizagem em uma escola
na cidade de Bacabeira: Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo, através de uma pesquisa
de campo junto a professores do Ensino Fundamental.
Para delinear o estudo este se compõe das seguintes partes: primeiramente, faz-se uma
abordagem sobre a história do lúdico; no segundo momento o texto descreve sobre o lúdico na
aprendizagem; no terceiro momento as contribuições de Vygotsky, Piaget sobre a ludicidade; e no
quarto momento discorre sobre a metodologia utilizada para atingir o objeto de estudo. No quinto
momento traz uma pesquisa de campo realizada na Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo,
em que se procura conhecer a concepção do lúdico pelas professoras e como este é trabalhado no
Ensino Aprendizagem. No sexto momento análise dos dados coletados durante a pesquisa de
campo feita com educadores que atuam no Ensino Fundamental na Escola escolhida. Por fim,
fazem-se as considerações finais.
de Ratio Studiorum, que ensina o Latim elaborando tabuas murais, da seguinte forma, a gramática
aparece em cinco tabelas: a primeira para o gênero e declinação, a segunda para as conjunções, a
terceira para os pretéritos e as duas últimas respectivamente para uma a sintaxe e a outra a
quantidade.
Compreender a origem e o significado dos jogos tradicionais infantis requer a investigação
das raízes folclóricas responsáveis pelo seu surgimento. No Brasil, diversos estudos clássicos
destacam a determinação das origens brasileiras na mistura de três raças ou na assimilação
progressiva, nos primeiros séculos, das raças vermelhas e negras, pela raça branca, na figura dos
primeiros portugueses colonizadores, que influenciaram na origem dos jogos e brincadeiras das
crianças. Com a mistura das populações veio também seu folclore e com ele, as brincadeiras de
roda, os contos, histórias, lendas, e também os jogos, festas, técnicas e valores.
Wekerlin (2004 p. 61) acredita que a maioria das escolas, hoje, ainda tem o ensino centrado
na figura do professor, tendo este último a exclusiva missão de ser um transmissor de informações
necessárias para que os alunos aprendam. As aulas muitas vezes, tornam-se meras repetições de
exercícios educativos, ficando a aula monótona e como consequência vazia, procura-se a solução
com a utilização dos jogos para despertar na criança o interesse pela descoberta de maneira
prazerosa e com responsabilidade.
O acesso gratuito à escola conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 2000 p.7) em seu artigo nº 2, diz que: “A educação, dever da família e do Estado [...]”.
É condição indispensável para a garantia dessa premissa e para que se complete na totalidade do
seu sentido, deve estar acompanhada de procedimentos que assegurem condições para sua
concretização. O aprendizado acontece de maneira continuada e progressiva e requer ferramentas
que possibilitem seu desenvolvimento, sabendo-se que a criança precisa de tempo para brincar.
Macedo (2000) é bem claro ao afirmar que:
A proposta de um trabalho com jogos não pode ser entendida como um receituário de
bolo, que deva ser seguido fielmente por quem o utiliza. A ideia seria propor algo de
referencial, podendo ser modificado, adaptado, à prática pedagógica, de acordo com as
necessidades de cada professor, e que os jogos sejam sobretudo transformados em
material de estudo e ensino, bem como aprendizagem e produção de conhecimento.
A educação, para ser efetivamente válida precisa partir de um ambiente agradável, lúdico,
prazeroso, colaborando para uma aprendizagem mais ativa, atraente para o aluno, e que, sobretudo
promova, através de jogos, possibilidades de discussão e troca entre alunos e professores.
3 O LÚDICO NA APRENDIZAGEM
A ludicidade é um tema que vem tendo ênfase nos mais diversos setores da sociedade,
visto que as atividades lúdicas fazem parte da vida do ser humano e, em especial, da vida da
criança.
Santos (2000, p. 57) conceituando a palavra lúdico diz que a mesma “significa brincar”
e, nesse brincar, segundo o autor “estão incluídas as brincadeiras, os jogos e brinquedos
e esse brincar, é relativo também à conduta daquele que joga, que brinca e que se diverte”.
Por sua vez, a função educativa do jogo oportuniza a aprendizagem o indivíduo, seu
saber, seu conhecimento e a sua compreensão de mundo.
Dessa forma, entende-se que os jogos, brincadeiras e brinquedos, são atividades
fundamentais na infância visto que, estas atividades contribuem no desenvolvimento da
imaginação, da confiança e da curiosidade, além de proporcionar a socialização do aluno no
mundo em que ele está inserido.
Observa-se que todas as crianças, em todas as épocas, passam a maior parte do seu tempo
brincando, e sobre essa questão, vários estudiosos no assunto têm concepções semelhantes em
relação à importância desse ato, no desenvolvimento da criança, no que esses estudiosos foram
unânimes em reconhecer que a criança, ao brincar, adquire experiência, ou seja, o brinquedo
proporciona o aprender-fazendo, além de desenvolver o senso de companheirismo e a criatividade.
Para alguns teóricos como Bittencourt & Ferreira (2002, p. 12) o termo jogo e brincadeira
são sinônimos, são empregados em diversos contextos, situações, enquanto que outros diferem
quanto à concepção, identificando suas características particulares, diferenças e situações em que
são utilizados. Entretanto, todos concordam com o papel desempenhado por estes recursos para
estimular o desenvolvimento da criança. È através do jogo, da manipulação de brinquedos e da
participação em brincadeiras que são possibilitadas a vivência de situações do seu cotidiano, a
resolução de problemas, onde a própria criança toma iniciativa para a escolha de soluções
iniciando a construção de sua autonomia.
Nessas características, observa-se o desenvolvimento infantil em todas as áreas, pois, a
brincadeira, é a melhor maneira da criança se comunicar, interagir com outras crianças, aprender
sobre o mundo que a cerca e assim, se integrar a ele. É na atividade lúdica que a criança aprende
a conviver com os diferentes sentimentos que fazem parte de sua realidade interior, inclusive a se
conhecer melhor e a aceitar o outro, organizando assim, segundo Silva (2004, p.10). “Suas
relações emocionais e estabelecendo relações sociais”.
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Dessa forma, pode-se dizer que o lúdico na escola como recurso pedagógico tem um efeito
riquíssimo na educação infantil na busca da valorização do movimento, das relações de
solidariedade. Por isso, segundo Maluf (2000, p.1) “é necessário que desde a pré-escola, as
crianças tenham condições de participarem de atividades que deixem florescer o lúdico”.
Essas habilidades aumentam com a idade da criança, daí ser importante observar e respeitar
as fases por que passa a criança. Essas fases, segundo Piaget, são: Sensório-motor (0 – 2 anos);
Pré-operatório (2 – 7 anos); Operatório-concreto (7– 11 anos); Operatório-formal (11 – 15 anos).
Dessa forma, quando a criança está na fase da educação infantil, entre os 4 e 5 anos de idade,
apresenta características que devem ser observadas pelos educadores pois estas permitem a
aplicação da atividade lúdica de modo que o procedimento de aplicação na metodologia, esteja de
acordo com as necessidades específicas de cada faixa etária.
Nessa fase é importante atentar para as necessidades físicas e psicológicas da criança,
planejando atividades que trabalhem com o intelecto, com o corpo e com o social, onde essas
atividades têm como objetivo ajudar a criança a entrar em contato com o mundo do conhecimento
e da informação e assim, poder desenvolver suas habilidades de criar e relacionar esses
conhecimentos, o que permitirá a essa criança, desenvolver melhor a linguagem, assim como ter
domínio sobre todo tipo de informação, necessárias ao seu crescimento e desenvolvimento como
pessoa.
Daí a importância da inclusão das brincadeiras na vida das crianças em todas as atividades,
como correr, brincadeiras de rua, jogar bola, andar de bicicleta, nadar, pular corda, e outras
atividades responsáveis pelo desenvolvimento da coordenação motora global. Porém, é necessário
também que seja trabalhada a coordenação motora fina o que é conseguido com atividade como
pintura, desenho.
Quando a criança rasga ou amassa papéis, brinca com jogos de montar e encaixar, está
utilizando as mãos e também o raciocínio, a percepção sensorial e a concentração e essas áreas
também podem ser estimuladas como o uso de brinquedos e programas educativos, músicas,
estórias, filmes e livros infantis.
É importante lembrar que toda a atividade gera um estímulo para o cérebro e pesquisas
demonstram que o desempenho da criança na escola, depende, e muito, dessa estimulação, por
isso, é importante que a criança seja estimulada desde cedo, sendo importante que ela frequente a
pré-escola, pois, até chegar ao processo de alfabetização, “ela precisa ter contato como processo
de aprendizagem, e esse contato deverá ser o mais prazeroso possível, pois, essa será a base para
todos os anos que ela passará na escola” (PORTO, 2002 p. 37).
Assim para facilitar a aprendizagem o professor pode utilizar os jogos e brincadeiras em
atividades de leitura (Figura 1), matemática (Figura 2), história, e qualquer outro assunto, porém,
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teóricos e especialistas advertem que é necessário utilizar o lúdico no momento oportuno, visando,
principalmente o desenvolvimento do raciocínio para que assim as crianças possam construir seu
conhecimento de forma descontraída.
Com base em Silva (2004 p. 10) “o lúdico na educação infantil, traz grandes benefícios do
ponto de vista físico, intelectual e social”, a partir da seguinte organização:
Do ponto de vista físico, “a aplicação do lúdico contribui para a satisfação das necessidades
de crescimento e de competitividade, onde os jogos são a base para os exercícios físicos para as
crianças”.
Do ponto de vista intelectual, “o lúdico, através do uso do brinquedo, beneficia a
desinibição, produzindo uma excitação mental, o que também permite que a criança se mostre por
inteira nas brincadeiras e jogos em sala de aula”. (Figura 3).
Utilizando o lúdico como recurso didático, o professor pode conseguir com que a criança
mantenha a disciplina durante a aula visto que está ao encontrar prazer no que está fazendo ou
pelo que está sendo apresentado, automaticamente se concentra e assim, a disciplina acontece
automaticamente.
Assim, entende-se que o lúdico no processo de ensino-aprendizagem nas séries da
educação infantil tem grande importância no desenvolvimento da criança, em todas as áreas do
desenvolvimento, além de ser um meio indispensável na promoção da aprendizagem disciplinar o
trabalho do aluno e incutir-lhe comportamentos básicos, necessários à formação de sua
personalidade.
De acordo com Carneiro e Dodge (2007, p.91).
Para que a prática da brincadeira se torne uma realidade na escola é preciso mudar a visão
dos estabelecimentos de ensino a respeito dessa ação e a maneira como entender o
currículo. Isso demanda um corpo docente capacitado para refletir e alterar suas práticas
pedagógicas.
Dessa forma, entende-se que a escola pode e deve reunir todas as condições para que as
crianças em idade de educação infantil, possa se desenvolver no seu todo, plenamente.
A partir da comprovação de que a atividade lúdica está presente na criança desde o seu
nascimento, muitos estudiosos dedicaram-se a estudar sua importância como mediadora da
aprendizagem nas atividades pedagógicas e no desenvolvimento infantil.
Dentre esses estudiosos merecem destaque Vygotsky e Piaget, pois suas concepções sobre
a ludicidade deixaram grandes contribuições para o campo educacional, onde cada um buscou,
através de seus estudos, mostrarem como acontece o desenvolvimento e a aprendizagem da
criança.
Dessa forma, baseados nas ideias de teóricos como Vygotsky e Piaget, uma vez que o brincar
permite á criança uma evolução no desenvolvimento tanto física quanto emocional e social, a
escola, principalmente na fase da pré-escola ou educação infantil deve facilitar a aprendizagem
utilizando-se de atividades lúdicas que criem um ambiente alfabetizador para favorecer o processo
de aquisição de autonomia da aprendizagem. O saber escolar deve ser valorizado socialmente e a
alfabetização deve ser um processo dinâmico e criativo através de jogos, brinquedos, brincadeiras
e musicalidade (Figura 5) (LIMA, BITTENCOURT e FERREIRA, 2002).
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Na perspectiva sócio histórica elaborada por Vygotsky e seus colaboradores, a escola, seus
conteúdos e as relações pedagógicas nela realizadas podem desempenhar uma função de andaime
que impulsiona o desenvolvimento infantil. Dessa forma, é importante propor desafios para todas
as crianças para que possam avançar no seu aprendizado. A apropriação do repertório de
brincadeiras e jogos que constituem o patrimônio cultural, bem como as atividades lúdicas, são
um bom caminho para que as crianças, em interação com pares e utilizando estratégias cognitivas,
desenvolvam as funções mentais superiores associadas ao pensamento e a linguagem.
Vygotsky (apud KISHIMOTO, 2005) indica, ainda, a relevância de brinquedos e
brincadeiras como indispensáveis para a criação de situações imaginárias, e revela que o
imaginário só se desenvolve quando se dispõe de experiências que se reorganizam. Segundo ele,
a criança, por meio da brincadeira, reproduz o discurso externo e o internaliza, construindo seu
próprio pensamento. Ao brincar, ela movimenta-se em busca de parceria e na exploração de
objetos, comunica-se com seus pares, se expressa através de múltiplas linguagens, descobre regras
e toma decisões. Assim desenvolve dimensões que também são importantes no aprendizado dos
conhecimentos escolares.
Corrobora com o autor que explica que o jogo é a atividade principal da criança, através
do qual esta aprende os papéis do adulto e suas relações com o mundo. Isso porque a criança, ao
dominar as regras de um jogo, domina seu próprio comportamento, aprendendo a controlá-lo e
subordiná-lo a um propósito definido.
Para Vygotsky (2003) “a aprendizagem e o desenvolvimento estão estritamente
relacionados sendo que as crianças se inter-relacionam com o meio, o objeto e o social
internalizando o conhecimento advindo de um processo de construção”
Partindo de suas investigações sobre o processo de desenvolvimento infantil, Vygotsky
apresenta estudos sobre o papel psicológico do lúdico e sua importância no avanço desse processo.
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[...] a ludicidade baseia-se na forma como o indivíduo relaciona-se com o mundo exterior
num contexto sócio-histórico-cultural, dando ênfase ao significado da ação do brincar
para a criança, onde estão envolvidas situações imaginárias essenciais para a formação
do pensamento e da subjetividade.
a regular seu comportamento e a resolver seus problemas, pois segundo Vygotsky é de grande
relevância a influência do brinquedo sobre a criança:
Outro aspecto a ser considerado é o papel da imitação na brincadeira, pois é partindo da
imitação como um ato de repetir simplesmente aquilo que viu o outro fazer para realizar uma
atividade conscientemente, é que a criança cria novas possibilidades e combinações e vai
construindo seu próprio conhecimento.
Entretanto, são nas situações de brincar que são colocados questões e desafios para serem
levantadas hipóteses na tentativa de compreender os problemas que a vida apresenta, podendo vir
a ter satisfação ou frustração.
Segundo Rego (2001 p.81), na concepção Vygotskiana a criança apresenta em seu
processo de desenvolvimento dois níveis assim chamados por ele de: real ou efetivo e potencial.
O primeiro refere-se às conquistas já alcançadas e, o segundo relaciona-se às capacidades em via
de serem construídas, ou seja, quando a criança já sabe fazer alguma atividade sozinha, trata-se
do nível de desenvolvimento real, porém quando ela é capaz de fazer algo mediante a ajuda de
outros, trata-se do nível de desenvolvimento potencial, destacando ainda que o espaço existente
entre aquilo que ela é capaz de fazer sozinha e aquilo que ela realiza com ajuda de outros é
chamada por ele de: zona de desenvolvimento proximal.
Para que se compreenda melhor este posicionamento, faz-se necessário destacar a fala de
Rego (2001, p. 83):
Dessa forma, compreende-se que aprender regras, possibilita à criança um avanço na sua
capacidade de representar situações imaginárias, fazer uso da imaginação para desempenhar com
bastante convicção as atividades dos adultos com quem convive.
Jean Piaget (apud ALMEIDA, 2003), por exemplo, se refere ao jogo como uma importante
atividade na educação das crianças, uma vez que lhes permite o desenvolvimento afetivo, motor,
cognitivo, social e moral e também favorece a aprendizagem de conceitos. Em suas palavras: “os
jogos não são apenas uma forma de desafogo ou entretenimento para gastar a energia das crianças,
mas meios que enriquecem o desenvolvimento infantil” (p. 25). Defende, então, que as crianças,
ao jogarem, tanto se esforçam em acomodar o que é novo e desconhecido às suas estruturas
mentais quanto assimilam novas informações e modos de resolver situações. “O jogo faz o
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ambiente natural da criança, ao passo que as referências abstratas e remotas não correspondem ao
interesse da criança” (apud ALMEIDA, 2003. P. 24).
O desafio que se colocava, então, era o de assegurar, no ambiente escolar, condições de
aprendizagem que respeitassem as inclinações naturais da infância, e dentre elas, a necessidade de
brincar. A brincadeira proporciona à criança o envolvimento em situações favoráveis à aquisição
de regras, à expressão de seu imaginário, à apropriação e exploração do meio e esses são aspectos
importantes na aquisição de conhecimentos (ROMERA et AL, 2007).
Todos os jogos, de um modo ou de outro, auxiliam o desenvolvimento social dos alunos,
pois ao jogar é preciso obedecer a regras, respeitar a vez de jogar, saber ganhar e aceitar que se
perdeu.
A teoria piagetiana sobre a ludicidade infantil baseia-se na evolução das estruturas mentais,
onde o desenvolvimento da criança acontece através do lúdico, e à medida que isso acontece, a
criança vai construindo o seu próprio conhecimento. De acordo com Piaget, a origem das
manifestações lúdicas acompanha o desenvolvimento da inteligência vinculando-se aos estágios
do desenvolvimento cognitivo.
Segundo este teórico, a origem do jogo ou brincadeira está no bebê e caracteriza-se pelos
primeiros gestos ou ações que se repetem por puro prazer, por ter apreciado seus efeitos. Para ele,
o jogo constitui-se em expressão e condição para que a criança venha a desenvolver-se, pois
quando esta brinca, assimila e pode transformar a realidade. Nesse sentido, Antunes (2003, p. 69)
nos diz que:
Para Piaget, o jogo representa a predominância da assimilação sobre a acomodação. É
uma transposição simbólica que sujeita as coisas à atividade da criança sem limitações.
Assim como a imitação, o desenho e a linguagem contribuem para a construção da
representação pela criança, constituindo atividade essencial nessa fase.
Portanto, para que se possa compreender melhor a teoria de Piaget, faz-se necessário
conhecer os conceitos de acomodação e assimilação, pois eles aparecem ao longo de todo o
desenvolvimento infantil. A acomodação é o processo pelo qual a criança, a partir da interação
com o ambiente externo e da percepção dos objetos que lhe chamam a atenção, modifica sua
estrutura mental.
A assimilação consiste no processo pelo qual a criança incorpora aos seus esquemas
cognitivos elementos do mundo externo, ou seja, à medida que ela vai repetindo determinados
movimentos, vai assimilando as ações representadas por eles. Por exemplo, no processo de
acomodação a criança pode sugar o dedo, segurar e atirar ao longe os objetos e isso faz parte do
ajuste de movimentos e das percepções em relação a esses objetos. Já no processo de assimilação,
a criança repete suas condutas de forma que ao sugar ou agarrar esses objetos, ela os relaciona às
ações representadas por eles. Nessa perspectiva, Antunes (2003 p.39) destaca que Piaget elaborou,
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em seus estudos, uma classificação dos jogos, adotando como critério classificatório o grau de
complexidade mental que cada jogo proporciona à criança:
O estudo mais completo da evolução do jogo na criança é de autoria de Jean Piaget, que
verificou este impulso lúdico já nos primeiros meses de vida do bebê, na forma do
chamado jogo de exercício sensório-motor; do segundo ao sexto ano de vida predomina
sob a forma de jogo simbólico, para se manifestar, a partir da etapa seguinte, através da
prática do jogo de regras (ANTUNES, 2003, p. 11).
Entretanto, Piaget identifica três grandes grupos de estruturas mentais que surgem
sucessivamente na evolução do brincar infantil: o exercício, o símbolo e a regra. A classificação
dos jogos piagetianos, de acordo com Friedmann (2002) encontra-se abaixo.
tem mais liberdade imaginativa, até mesmo cria regras para a brincadeira, criando um jogo para
esta brincadeira, já que todo jogo pressupõe regras implícitas ou explícitas.
De acordo com Antunes (2003, p.14), “a aprendizagem é tão importante quanto o
desenvolvimento social e o jogo constituí uma ferramenta pedagógica ao mesmo tempo promotora
do desenvolvimento cognitivo e do desenvolvimento social”. Portanto, o lúdico não deve ser usado
como apoio didático somente na pré-escola, ele pode possibilitar a motivação e a facilitação para
o aprendizado em crianças maiores, em adolescentes e até mesmo em adultos ou idosos, já que o
brincar é parte intrínseca do ser humano. As atividades lúdicas, se bem preparadas dentro do
contexto que o professor quer trabalhar, estimularão a vontade do aluno e propiciarão a
aprendizagem.
Nesse ângulo, o jogo é o vínculo que une a vontade e o prazer durante a realização de uma
atividade. O ensino utilizando meios lúdicos cria ambientes gratificantes e atraentes servindo
como estímulo para o desenvolvimento integral do discente. O brincar pode ser visto como um
recurso mediador no processo de ensino- aprendizagem, tornando-o mais fácil. O brincar
enriquece a dinâmica das relações sociais na sala de aula. Possibilita um fortalecimento da relação
entre o ser que ensina e o ser que aprende.
As aulas lúdicas podem ajudar a construir saberes a partir de ações e interações com os
colegas, porque corresponderão sempre a novas descobertas, novas noções. Nas aulas lúdicas, o
professor deve ressaltar que brincadeira não é aspecto predominante da infância, mas sim que é
um fator importante do desenvolvimento humano.
Para constatar a aplicabilidade do lúdico na educação atual, apresenta-se uma pesquisa
com os professores do Ensino Fundamental da Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo com
finalidade de entender a percepção destes sobre o lúdico.
4 METODOLOGIA
Os resultados desta pesquisa foram obtidos através de um questionário com questões
fechadas, com duas professoras que se disponibilizaram a participar da pesquisa não havendo
critérios de exclusão, as quais fazem parte do quadro efetivo de funcionárias, localizada na Rua
das Pitombeiras, s/n, no bairro Cidade Nova – Bacabeira – MA.
Salienta-se que as professoras entrevistadas disseram ter entre 7 e 10 anos de docência nas
escolas, tem nível superior em Pedagogia das séries iniciais, porém, nenhuma apresenta
especialização em ludicidade. Como todo trabalho científico o estudo passou por levantamento
bibliográfico colhido em fontes como livros, revistas, publicações especiais e sites da internet,
com fins de embasamento teórico em atores renomados no assunto.
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Tabela 1 - Demonstrativo relativo à aplicação do lúdico em sala de aula das duas professoras pesquisadas do ensino
fundamental da Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Aplicação do lúdico em sala de aula
Sim 2 100
Não 0 0,0
Página 124 de 2230
Total 2 100
Utilizar a ludicidade na sala de aula é uma estratégia educacional rica e motivadora, pois,
significa que o professor não se limita ao livro didático. De acordo com Castro (2005, p.38) “no
jogo ou brincadeiras dirigidas, a criança aprende a aceitar o outro, regras, espera sua vez,
desenvolve a tolerância e a percepção e a criatividade”.
Figura 6- O lúdico no Cartaz de pregas: janelinha do tempo e história dos três porquinhos.
Fonte: Pesquisa in loco, 2012
Estudos demonstram que através de atividades lúdicas o educando explora muito mais sua
criatividade, melhora sua conduta no processo de ensino-aprendizagem e aumenta sua autoestima
(SILVA, 2004 p. 7).
Tabela 2 - Demonstrativo relativo ao treinamento especifica para trabalhar o lúdico pelas duas professoras
pesquisadas do ensino fundamental da Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo.
VARIÁVEIS NÚMERO %
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Assim, observa-se que as docentes se preocupam com sua formação no que tange ao seu
trabalho como docente, pois, segundo GADOTTI (2003 p.30) “o sentido verdadeiro da educação
lúdica, só estará garantido se o professor estiver preparado para realizá-lo e tiver um profundo
conhecimento sobre os fundamentos da mesma”.
Conclui-se que o papel do professor é de fundamental importância para a difusão e
aplicação de recursos lúdicos. O professor ao se conscientizar das vantagens do lúdico, adequará
a determinadas situações de ensino, utilizando-as de acordo com suas necessidades e estará assim
em busca de ações educativas eficazes.
Isso permite assegurar que as docentes entrevistadas reconhecem que a pedagogia através
do jogo oferece algumas vantagens: a ludicidade, a cooperação, a participação, enfim, promove a
alegria, prazer e motivação.
Tabela 3 - Demonstrativo relativo à concepção sobre o lúdico das duas docentes pesquisadas do ensino fundamental
da Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Concepção sobre o lúdico atrapalha
Sim 0 0,0
Não 2 100
Total 2 100
Um grande aliado na aprendizagem da criança
Página 126 de 2230
Sim 2 100
Não 0 0,0
Total 2 100
Tabela 4 - Demonstrativo relativo às situações em que a ludicidade é aplicada pelas duas docentes pesquisadas do
ensino fundamental da Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Situações em que aplica a ludicidade
Em todas as disciplinas 1 50
Disciplinas especificas 1 50
Total 2 100
Assim os recursos utilizados pelas docentes entrevistadas são bem criativos e demonstram
o gosto destas em confeccioná-los e, mais importante, sabem como utilizá-los.
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Tabela 5- Demonstrativo relativo ao planejamento para trabalhar o lúdico pelas duas docentes pesquisadas do ensino
fundamental da Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo.
VARÁVEIS NÚMERO %
Planejamento para trabalhar o lúdico
Sim 2 100
Não 0 0,0
Total 2 100
Os teóricos que embasaram este trabalho afirmam que, apesar de existir uma legislação
que respalde o uso do lúdico na educação infantil, Corrobora Maluf (2000 p. 14) “isso não é
respeitado pela maioria das escolas e assim, o brincar, fica fora das salas de aula, principalmente
nessa fase tão rica de fantasias para as crianças”.
Na maioria das vezes, é o professor que toma a iniciativa de preparar recursos lúdicos para
tornar a aula mais motivada.
5.6 Recursos utilizados para trabalhar o lúdico em sala de aula
Aqui os professores disseram que utilizam vários recursos dentre eles destacaram jogos e
brincadeiras, produção de brinquedos com sucatas, fantoches, oficina de brinquedos, enfim, tudo
o que possibilita uma melhor aprendizagem para a criança.
“Brincamos, dançamos, corremos, chutamos, pulamos, arremessamos, cantamos, enfim...
a gente aplica um pouco de tudo”
“Utilizamos fantoches para explicar um assunto mais complexo como, por exemplo,
quando falamos sobre preconceito...”
Segundo Kishimoto (2005, p. 8) “A brincadeira traduz o real para a realidade infantil”.
Tabela 6- Demonstrativo relativo aos recursos utilizados para trabalhar o lúdico pelas duas docentes pesquisadas do
ensino fundamental da Unidade Integrada Raimundo Aquino Macedo.
VARÁVEIS NÚMERO %
Recursos utilizados para trabalhar o lúdico
Através de jogos e brincadeiras 1 50
Produção de brinquedos com sucata 1 50
Total 2 100
Página 128 de 2230
Assim, a pesquisa com as docentes entrevistadas mostrou que estas entendem e aplicam o
lúdico de forma coerente, apesar de não haver espaço no planejamento para a utilização desse
recurso. Em conversas informais, as docentes entrevistadas disseram que gostariam que as escolas
lhes oferecessem mais recursos para que elas trabalhassem o lúdico, pois, assim, o trabalho delas,
com certeza teriam um resultado mais gratificante.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo permitiu um conhecimento mais profundo acerca do lúdico onde se conclui que
este, é relacionado ao brincar, uma atividade que faz parte da vida de todos os seres humanos,
principalmente, da criança.
Ao investigar a formação dos educadores, constatou-se que os mesmos se capacitam para
trabalhar a ludicidade, buscando-se fundamentar-se através de leituras e cursos, participando de
formação continuada, como por exemplo, PNAIC. A experiência em realizar a pesquisa de campo
foi extremamente valiosa para a formação profissional, pois, através desta, pode-se ter acesso a
importantes teóricos que abordam o jogo, a brincadeira, arte e as práticas educativas desenvolvidas
nas instituições educacionais. Por outro lado, os professores, que participaram do estudo, e que
são parceiros de jornada, possibilitaram a troca e a vivência de experiências ricas e marcantes.
Assim, todo o processo permitiu uma formação mais sólida e uma consciência da complexidade e
da importância do trabalho docente.
Entende-se que um professor que não acredite na ludicidade como método de trabalho
pode se perder no discurso, dificultando o acesso ao conhecimento ao invés de facilitá-lo. Ao
mestre não cabe apenas despertar o aprendente através de brincadeiras, mas ajudá-lo a construir
efetivamente seus conhecimentos. Portanto, o professor deve usar a ludicidade como importante
fator de mediação e integração do aluno com a realidade; o aluno não aprende somente na escola,
ou seja, inicialmente na escola, pois tem a função de promover a construção do conhecimento,
assim como todos os níveis de educação.
Diante da pesquisa e do embasamento teórico utilizado, pode-se concluir que o jogo é uma
ferramenta de trabalho muito proveitoso para o educador, pois através dele o professor pode
introduzir os conteúdos de forma diferenciada e bastante ativa. Com um simples jogo o professor
poderá proporcionar apreensão do conhecimento de maneira agradável e o aluno nem perceberá
que está aprendendo.
Aprendeu-se que o lúdico é um recurso valioso no processo de ensino-aprendizagem, e
que deve ser elaborado a partir de atividades planejadas de maneira consciente visando um
aprendizado efetivo e contribuindo para o desenvolvimento pleno da criança.
Página 129 de 2230
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação Lúdica: Técnicas e Jogos Pedagógicos 5 ed. São Paulo:
Loyola, 2003.
ANTUNES, Celso. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. 12, ed. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 2003.
CARNEIRO, Maria Ângela Barbato e DODGE, Janine I. A descoberta de brincar. São Paulo:
Melhoramentos, 2007.
KISCHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo:
Cortez, 2005.
KRAMER, Sonia. Currículo de Educação Infantil e a Formação dos Profissionais de Creche e Pré-
escola: questões teóricas e polêmicas. In: MEC/SEF/COEDI. Por uma política de formação do
profissional de Educação Infantil. Brasília-DF. 2004.
MACEDO, Lino de. Aprender com Jogos e Situações-Problemas. Porto Alegre: Artmed, 2000.
ROMERA, Liana et. al. O lúdico no processo pedagógico da educação infantil: importante, porém
ausente. Movimento. Porto Alegre: v. 13, n. 02, p. 131-152, maio/agosto de 2007.
SANTOS, Santa. Marli. Pires. dos. O lúdico na formação do educador. Petrópolis, Vozes, 2000.
VYGOTSKY, Lev Semynovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Página 131 de 2230
Abstract: We intend to contribute to the debate on interdisciplinarity in the field of art and its
related areas - specifically art history and museology. In this sense, at first we will build a
theoretical panorama on the constitution of disciplinary fields, within the epistemic scope of
structuralism, emphasizing the contextual elements that underpinned the rising academic
disciplines. In a second moment, we intend to argue from two possible paths: the first is the
reflection on the interdisciplinarity between art, art history and museum, which are eminently
close since they have very related historical and epistemic origins. The second possible reading
key is to think about how the fragmentation of disciplinary fields – and the consequent unfolding
for interdisciplinarity – impact these three fields of knowledge, since they are consolidated in the
disciplinarity paradigm.
Key-Words: Interdisciplinarity, art, art history, museum, structuralism
Página 132 de 2230
INTRODUÇÃO
A interdisciplinaridade parece ser uma questão premente de debate – mais especificamente
no contexto deste trabalho, para a área das artes visuais. A relação com a antropologia, com
discussões sobre patrimônio, assim como tangências com a história e a museologia, são conexões
importantes para que a ampla área de conhecimento chamada de artes visuais reconheça seus
contornos, seus focos de atuação, e suas delimitações epistêmicas.
Para pensarmos a questão da interdisciplinaridade, é de grande valia retomar alguns pontos
que lhe são estruturantes, como a construção do pensamento disciplinar, a organização do
conhecimento em categorias, e outros elementos desse arco teórico que possibilita o surgimento e
a consolidação da arte enquanto campo. Mais precisamente retornaremos ao processo de
constituição dos campos disciplinares, para buscar perceber possíveis linhas de atuação que se
desdobram para a interdisciplinaridade.
Em um primeiro momento é relevante pensar o campo no sentido de Bourdieu, como um
campo de tensões políticas, com delimitações externas, e com uma dinâmica de forças interiores,
onde há disputa por um poder simbólico, e que envolve atores sociais desempenhando papéis que
viabilizam sua manutenção. Um aspecto fundamental é perceber que há uma coexistência de
campos, que se tocam e se tangenciam, mas que mantém relativa autonomia em relação aos seus
campos correlatos (BOURDIEU, 1983). Desse modo, a partir do momento em que se
fundamentam as disciplinas acadêmicas enquanto campos do conhecimento, é possível reconhecer
suas intercessões ao mesmo tempo em que se distingue suas características específicas. Essa
coexistência e essa linha tênue entre os limites epistemológicos de cada campo, sugere o quanto
essa delimitação é um resultado da atuação de forças políticas, perpetradas por seus atores. Não é,
nesse sentido, um postulado consolidado, imutável. Ao contrário, esses contornos dos campos
disciplinares são construídos na medida de seu desenvolvimento.
Outra visão que parece contribuir para esse estabelecimento de conceitos é a de Michel
Foucault quando fala sobre os campos disciplinares. O autor destaca que o corpus do
conhecimento – mais do que uma busca pela verdade – procura uma manutenção de sua lógica e
dinâmicas internas, expulsando para o exterior tudo o que seus fundamentos teóricos não se propõe
a processar. Sobre isso, Foucault coloca que, além de buscar comprovar uma verdade teórica
supostamente existente, o estabelecimento dos campos disciplinares é a construção de um escopo
teórico que busca delimitar a pertinência de seu léxico. Uma disciplina é a construção de um
sistema dentro do qual se estabelecem conceitos e se constroem consensos. Segundo o autor:
E ainda nesse sentido, o autor coloca que uma disciplina consiste em:
Esse procedimento de proferir leis, cálculos, etc. que pretendem dar conta de uma situação
universal, é muito característico do pensamento estruturalista. Nas ciências exatas as regras são
Página 134 de 2230
Tornar científicas áreas do conhecimento que até então eram consideradas mais próximas
da literatura por exemplo, traz legitimidade metodológica no momento em que elas buscavam se
constituir enquanto campo. Neste contexto de delimitação das áreas de atuação da história,
antropologia, etc. há também a construção do domínio teórico específico da história da arte. Para
os autores do livro Art Since 1900 o surgimento da história da arte enquanto disciplina só é possível
no momento em que se pode aplicar uma estrutura para compreender o todo. Ou no texto original:
The role played by art history and avant-garde art practice in the
formation of a structuralist mode of thinking is little known today but it is
important for our purpose, specially with regard to the accusation of
ahistoiricism often thrown at structuralism. In fact one could even say that
the birth of art history as a discipline date from the moment it was able to
structure the vast amount of material it had neglected for purely
ideological and aesthetic reasons. (KRAUSS, 2004. p. 34)13
12
O temo ‘verificáveis’ aqui está relacionado à observação, à visão. A consolidação do método científico através do
‘aparato olho-intelecto’, ou seja, o raciocínio desenvolvido a partir daquilo que se vê, pode ser considerado um
desdobramento do pensamento cartesiano originário no século XVII.
13
O papel desempenhado pela história da arte e as práticas vanguardistas na formação de um modo estruturalista de
pensamento é pouco conhecido hoje em dia mas é importante para a nossa proposta, especialmente no que diz respeito
ao “ahistoiricismo” frequentemente trazido no estruturalismo. De fato, alguém poderia dizer que o nascimento da
história da arte como disciplina, data do momento em que passa a ser possível estruturar uma vasta quantidade de
material que tinha sido negligenciado por razões puramente ideológicas e estéticas [tradução nossa]
Página 135 de 2230
Mas esse contexto da consolidação dos campos disciplinares – o que poderíamos chamar
de disciplinaridade – anterior à interdisiplinaridade – é fundamentalmente o horizonte epistêmico
do museu, da história da arte e da criação de um estatuto de legitimação da própria arte (não que
não houvesse anteriormente processos artísticos e consequentemente ferramentas de atribuição de
valor à arte, mas o modelo disciplinar de construção do campo da arte é oriundo da modernidade
europeia).
Percebemos, portanto, a história da arte, como uma produção da Europa moderna. Ela é
construída a partir dos documentos que subsidiam a elaboração do discurso histórico. Dentre eles
as obras de arte, que incorporadas às coleções dos museus, legitimam essas narrativas. Podemos
afirmar que a prática institucional está alinhada com essas obras de arte ditas tradicionais. Elas
passam por conservação para prolongar sua vida útil, possibilitando que permaneçam ao longo do
tempo, e a sua incorporação às coleções museológicas gera e amplia as possibilidades de produção
de outros documentos sobre elas, fotografias, publicações, citações, descrições, produções críticas,
etc.
Na acepção tradicional do termo, museu é um prédio que abriga uma coleção, e que
preserva pesquisa e expõe vestígios materiais produzidos pelo homem. Dominique Poulot –
importante teórico francês pesquisador de museus e museologia – sintetiza seu conceito de museu
a partir de algumas definições, entre elas, destaca-se a seguinte, de 1974 pelo ICOM15:
14
BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naif, 2006
15
International Council of Museums. Em português, Conselho internacional de Museus
16
Utilizamos aqui o conceito de museu tendo como referência apenas a tipologia tradicional. Reconhecemos,
entretanto, que principalmente a partir do século XX surgem novos conceitos, tipologias e formatos de museus.
Página 137 de 2230
Danto e Hans Belting: A história da arte é para ambos, Belting e Danto, uma construção, com
uma lógica própria e um fio condutor que permeia os estilos ao longo do tempo. Enquanto campo,
a história da arte surge no século XIX, e é consequentemente fruto de uma tradição moderna e
europeia, legitimada não apenas por um léxico disciplinar, mas também por um conjunto de
materiais e um vocabulário técnico que, junto com as instituições, pavimentam a construção dessas
narrativas.
Belting coloca que há uma tradição de arte calcada em uma estrutura formal e estilística e
que é corroborada pelas instituições legitimadas como campo da arte. Uma das questões centrais
para o autor é que a história da arte é um enquadramento, que delimita e empresta sentido para a
produção artística. Arte e a história da arte são, portanto, estruturas que se complementam na
produção discursiva. Tal enquadramento é representado pelo museu, o lugar onde se constrói e se
legitima essa narrativa.
Para contribuir com esse argumento, de que a arte e o museu são partes de uma mesma
produção discursiva, é interessante abordar o texto “A Arte da História da Arte” de Donald
Preziosi. De modo geral o autor estabelece uma relação direta entre a museologia e a história da
arte. Mais especificamente ele vai defender que o termo museografia, que poderia ser traduzido
como “museologia aplicada”, nada mais é do que a evidência de seu referencial à produção
artística. Neste caso, a museologia estaria aplicada a quê? À historia da arte, moderna e
hegemônica, e que no contexto da argumentação do autor, é o estabelecimento simbólico dos
Estados Nacionais.
Alguns aspectos da fala de Preziosi nos são particularmente relevantes no contexto deste
trabalho. Ele coloca que o museu, assim como os romances (e aqui é interessante frisar esta
aproximação, no sentido de evidenciar que ambos são histórias fictícias) são artefatos para a
criação da narrativa moderna. Ainda segundo ele, o espaço historicisado da museologia, possibilita
que se lance a luz naquilo que deve ser visto como história da arte, e nesse sentido é em si um
mecanismo de construção do campo discursivo.
17
A palavra ‘dispositivo’ aqui não se refere ao conceito de Gilles Deleuse. Está sendo utilizada apenas como uma
tradução do inglês ‘device’.
Página 138 de 2230
uma prática ideológica de conformidade social. Para o autor, a exposição é a prática histórica da
arte que constrói gêneros de uma ficção imaginativa.
Pois o arquivo, se esta palavra ou esta figura se estabiliza em alguma significação, não
será jamais a memória nem a anamnese em sua experiência espontânea, viva e interior.
Bem ao contrário: o arquivo tem lugar da falta originária e estrutural da chamada
memória (DERRIDA, Jacques, 2001, p. 22)
É possível perceber uma relação ainda mais direta com o discurso de Derrida e Foucault,
quando Preziosi diz que o arquivo não é apenas um banco de dados, ou uma acumulação passiva
de objetos ou informações. Pelo contrário, o arquivo é um instrumento crítico em defesa de seu
próprio direito. Nas palavras originais: “This archive, in other words, was itself no passive
storehouse or databank; it was rather a critical instrument in its own right”18 [PREZIOSI, 1998,
p. 1496]
Em outro momento o autor coloca que, se o século XIX é o momento em que o homem
passa a se perceber como um ser histórico, nada mais coerente do que a constituição do museu –
e da história da arte – como uma linha traçada do passado até o presente. Nesse ponto, poderíamos
18
Este arquivo, em outras palavras, não foi propriamente um estoque passivo, ou banco de dados, foi muito mais um
instrumento crítico em defesa do seu prórpio direito [tradução nossa]
Página 139 de 2230
propor uma aproximação entre o pensamento de Preziosi e o argumento trazido por Rosalind
Krauss no livro Art Since 1900. Como já foi visto, o texto estabelece um paralelo entre o
estruturalismo e o surgimento da história da arte, quando coloca que a história da arte precisava
de um ambiente conformado nos moldes estruturalistas – que delimitavam o escopo teórico das
disciplinas acadêmicas – para se constituir como tal19.
A partir do século XX, que no escopo da história da arte coincide com as novas linguagens
que surgem no âmbito da arte contemporânea (mas que é importante que fique clara a dificuldade
de encontrar marcos temporais para processos em desenvolvimento) se intensificam propostas de
abordagens que partem do princípio de fratura dessas fronteiras disciplinares que anteriormente
eram muito rígidas. A interdisciplinaridade traz, nesse sentido, uma possibilidade de – se não
desconstruir, pelo menos fragmentar essa estrutura disciplinar – se pensar na esfera da fronteira,
da borda, do não-lugar, do indiscernimento.
Apenas a título de contextualização do pós estruturalismo: nos anos 60, a reação à guerra
do Vietnã, os movimentos estudantis, os hippies e outros fatores transformaram o comportamento
e o pensamento dos jovens em todo o mundo. Em Paris, esses movimentos resultaram no que
conhecemos hoje como maio de 1968. Regras cotidianas que eram respeitadas sem grandes
reflexões, começaram a ser questionadas, até que o próprio padrão de produção discursiva é
problematizado. Nesse contexto, a universidade – instância formal de produção do conhecimento
19
FOSTER et al, 2004. p. 34
Página 140 de 2230
– passou a ser vista como parte dessa máquina social, que atua ao lado do governo e da indústria
dentro de uma conformidade da sociedade20.
Se a constituição dos campos e das disciplinas acadêmicas seguiu uma lógica estruturalista,
tanto na composição de regras que delineiam seu modo de operação como o seu campo de atuação
(definindo, portanto também valores, crenças, etc.), isso deveria estar vinculado necessariamente
a um contexto social, político, etc, e não poderia ser considerado um padrão universal, como é o
caso das estratificações propostas pelo pensamento moderno que será alvo de críticas pelo pós
estruturalismo.
FOSTER, Hal ; KRAUSS, Rosalind ; BOIS, Ive-Alain ; BUCHLOH, Benjamin. Art since 1900.Modernism,
20
Podemos observar portanto, que, para o autor, um discurso é, mais do que o ato de proferir
um enunciado ou a comunicação de uma ideia, mas sim uma disputa de poder entre quem fala e
de quem recebe.
Esse panorama histórico e epistêmico nos leva a duas chaves de argumentação. A primeira
é pensar o quanto o campo da arte está permeado, afetando e sendo afetado pelos campos da
história da arte e do museu. Cada uma dessas áreas possui suas dinâmicas internas próprias, seus
atores sociais específico, um corpus técnico, teórico e metodológico distintos.
O que pretendemos evidenciar é que o campo de atuação dos estudos museológicos são
amplos o suficiente para dialogar de modo muito próximo com a arte e ao mesmo tempo seguir
percursos que se aproximam da engenharia, da biologia, da computação, da comunicação, apenas
para citar alguns exemplos.
Do mesmo modo poderíamos elencar aqui uma série de aspectos teóricos do ponto de vista
historiográfico que, embora sejam aplicados à história da arte, se distanciam das questões de
produção técnica e teórica das obras. A prática vivenciada pelos artistas – tanto aqueles que
desenvolvem suas técnicas dentro do escopo material tradicional, como pintura, escultura,
desenho e gravura; ou mesmo os que trabalham pela vertente conceitual – abarca questões que
vão desde temas sobre o desenvolvimento da criatividade e da subjetividade, até os limites de uso
dos materiais, pigmentos, suportes, plasticidades, sobreposições de procedimentos técnicos, etc..
Essas discussões não são penetradas pela história da arte necessariamente.
Página 142 de 2230
contextual, dentro do qual surge a instituição museológica e a história da arte, e, desse modo,
modela e conduz a constituição de suas práticas. Nesse sentido, essa conjugação entre estrutura,
meio e modernidade, fundamenta a nossa discussão sobre a quebra que a interdisciplinaridade
promove nas áreas da arte, da história da arte e do museu. A problematização do meio atua
simultaneamente como causa e consequência do processo de questionamento do horizonte
epistemológico afirmado ao longo do século XIX.
Visto que nós já nos detemos sobre o estruturalismo, e nesse sentido trabalhamos a partir
do conceito de estrutura, sendo aplicado e desenvolvido na consolidação dos campos disciplinares
no contexto da modernidade européia, cabe agora definir o conceito de meio, que possibilita
desdobrar a reflexão para outros dois conceitos fundamentais na nossa análise: meio específico e
condição pós meio.
Para abordar a arte em sua condição pós-meio, é importante iniciarmos pela noção de meio
específico. Para essa discussão o texto “Rumo a um mais novo Lacoonte” de Clement Greenberg
é relevante, porque o autor parte de um ponto de vista contrário à contaminação entre os meios
artísticos. É justamente por defender a pureza dos meios que o texto nos ajuda a defini-los.
Greenberg coloca que a partir do século XVII, na Europa, a pintura sofre interferência da literatura,
em um movimento que enfatizou o desenvolvimento da narrativa dos temas. E mesmo do ponto
de vista da técnica – para além da construção literária dos assuntos que estão representados nos
quadros – é como se a pintura buscasse ser algo que ela não é. De outro modo: através da
perspectiva, do claro e escuro e outros mecanismos de simulação de volume e profundidade, a
pintura da época se recusa a evidenciar suas características enquanto meio específico, ou seja, uma
superfície plana, bidimensional, sobre a qual se constroem formas e cores. Ele coloca como
“confusão” essa tentativa de um meio se apropriar das particularidades de outro, o que denota uma
valorização das características especificas e um posicionamento contra essa contaminação entre
as artes. O autor atribui às vanguardas a capacidade de trazer a pintura para seu meio específico,
visto que na arte abstrata não há intenção em representar, ou em trazer literariamente nenhum
tema, mas sim, evidenciar os elementos singulares da pintura: a linha, a cor, o plano. Sobre isso
ele coloca:
E continua:
Página 144 de 2230
O meio específico pode ser definido então por uma combinação entre o suporte da obra e
os materiais utilizados sobre ele, o que possibilita o desenvolvimento de padrões de atuação do
artista sobre esse suporte. Consequentemente passa a ser o conjunto de características
fundamentais que nos permitem enquadrar uma obra de arte em uma determinada categoria. Se a
pintura se constitui por um suporte plano sobre o qual se aplica uma camada de tinta, são as
possibilidades de pigmento (aquarela, guache, óleo, têmpera, etc.) aliadas às diversas qualidades
de suporte (tela, papel, madeira, parede, etc.) que determinarão diferentes formas de manejo,
desencadeando em muitos resultados técnicos. No entanto, em todas as variantes de materiais e
técnicas, considerando que ainda se trata da aplicação de camadas de tinta sobre um suporte plano,
está caracterizada uma pintura. Assim como a escultura – nos atendo às técnicas mais tradicionais
de obras de arte – é definida pela tridimensionalidade, pelas formas construídas com volume.
Ainda nas palavras de Greenberg:
O que buscamos evidenciar é que existem relações possíveis entre esses conceitos
(sentimento histórico, estruturalismo, especificidade do meio, modernidade) que nos permite
reunir essas abordagens, e a partir delas estabelecer paralelos entre os diversos enfoques.
Pretendemos estabelecer um paralelo entre a arte moderna e sua determinação enquanto meio
específico, e por outro lado entre a arte contemporânea e a condição pós meio. Em seguida
propomos uma segunda relação entre a especificidade do meio e a corrente de pensamento
Página 145 de 2230
estruturalista, assim como o pós meio como um sintoma de ruptura das estruturas artísticas, e
nesse sentido, afinado com a corrente pós-estruturalista.
Colocando então de modo consolidado: nossa análise sobre este processo de ruptura, estará
baseado na relação estabelecida entre arte moderna / estruturalismo / especificidade do meio; em
oposição à arte contemporânea / pós-estruturalismo / condição pós meio da arte.
Esse limite do que seja um meio para a arte, acaba sendo definitivamente desconstruído
com as vanguardas do século XX. Os suportes passam a ser também materiais ordinários,
utilitários, lixo, resíduo industrial, etc. As obras podem ser olfativas, perecíveis, performáticas ou
efêmeras, por exemplo, e torna-se cada vez mais incerta a definição de uma obra de arte por seus
elementos materiais. Está posta então a condição pós-médium da arte, onde não há hierarquia de
materiais ou técnicas, nem elementos cuja presença possibilite reconhecer algo como obra de arte.
O que gostaríamos de afirmar é que há uma relação direta entre a condição pós meio da
arte e as rupturas trazidas pelas correntes pós-estruturalistas de pensamento – e consequentemente
pelas relações interdisciplinares de produção de conhecimento. A especificidade do meio se coloca
em alinhamento com o estruturalismo na medida em que se pratica uma lógica legitimada de
produção e circulação artística: de um objeto estético, que utiliza materiais tradicionalmente
identificáveis como suporte de obra, aderindo a um estilo inserido na linha cronológica da história
da arte, que por conseguinte atende a uma demanda de mercado das galerias, etc., mantendo deste
modo todo um sistema em funcionamento.
REFERÊNCIAS
BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naif,
2006
DANTO, Arthur. Após o Fim da Arte. A arte contemporânea e os limites da história. São Paulo:
Odysseus, Edusp, 2006.
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2001.
DESCARTES, René, 1596 – 1650. Meditações metafísicas / René Descartes ; [tradução Maria
Ermantina de Almeida Prado Galvão]. - São Paulo : Folha de S. Paulo, 2015.
FOSTER, Hal ; KRAUSS, Rosalind ; BOIS, Ive-Alain ; BUCHLOH, Benjamin. Art since
1900.Modernism, antimodernism, postmodernism.Londres: Thames & Hudson, 2014.
GREEMBERG, Clemment. Rumo a um mais novo Lacoonte. In: COTRIM, C.; FERREIRA, G.
Clemente Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Zahar/FUNARTE, 1997.
KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Rio de Janeiro: Arte Ensaios n°17, p.128 –
137. 2005
PREZIOSI, Donald. Epilogue. The Art of Art History. Oxford University Press 1998.Canada.
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Resumo: O presente trabalho discute a exclusão das questões femininas no currículo escolar e
tem por objetivo analisar a visão posta sobre a mulher no decorrer da história, trazendo análise de
elementos de livros didáticos. Para efetivação desta pesquisa, nos baseamos em bibliografias que
versam sobre temas correlatos e análises de livros didáticos variados, utilizados em escolas de
Ensino Fundamental. De acordo com o que foi levantado, observarmos que não há tanta
representação da figura feminina nos livros, e quando há, são demonstradas de maneira superficial
e pontual. Outro ponto importante a ser destacado é a clara exclusão, do currículo escolar e dos
livros didáticos, das lutas que as mulheres enfrentaram ao longo dos anos ou que de algum modo
tiveram uma mínima participação, o que denota uma tendência à invisibilidade e silenciamento
das questões femininas no âmbito escolar.
Abstract: This paper discusses the exclusion of female issues in the school curriculum and aims
to analyze the view put on women throughout history, bringing analysis of textbook elements. To
carry out this research, we rely on bibliographies that deal with related topics and analysis of
various textbooks used in elementary schools. According to what was raised, we observe that there
is not so much representation of the female figure in the books, and when there is, they are
demonstrated in a superficial and punctual way. Another important point to be highlighted is the
clear exclusion, from the school curriculum and textbooks, of the struggles that women faced over
the years or that in some way had a minimal participation, which denotes a tendency towards
invisibility and silencing of issues in the school environment.
INTRODUÇÃO
Página 148 de 2230
No entanto, a mulher vem ganhando grande espaço na sociedade por sua inteligência,
persistência e dedicação. Atuam em cargos que antes eram destinados apenas para homens, apesar
de ainda existirem grandes diferenças salariais. A autonomia feminina vem crescendo dia após
dia, pois ela consegue tanto manter um lar, cuidar dos filhos, como também sustentar uma vida
profissional estável.
O papel da mulher na sociedade vem sofrendo transformações, fruto de lutas seculares
vencidas e de outras que ainda se encontram nas pautas dos movimentos feministas em todo o
mundo. Se tratando de Brasil, destacaremos, a seguir, algumas das conquistas mais importantes
alcançadas pelas mulheres.
Em relação ao acesso à educação escolar, as primeiras escolas, erguidas por jesuítas,
tinham por objetivo formar a elite masculina da época, excluindo as mulheres desse processo, pois
deveriam se dedicar ao lar e ao casamento, quando muito eram educadas nos conventos para fins
missionários: “no período colonial, as mulheres tiveram acesso restrito ou nulo à escolarização,
podendo em alguns casos estudar em casa, com preceptores, ou em alguns conventos visando a
vida religiosa” (Stamatto, 2002, p.02).
De acordo com Santana (2012), a inclusão das mulheres nos bancos escolares aconteceu
ainda no período colonial, por ocasião das reformas pombalinas, de maneira gradativa e com certas
restrições:
A inclusão restrita das mulheres na escola começou a partir de 1758 e esta situação foi
aos poucos se transformando com a permissão para a frequência às salas de aulas para as
meninas. O ensino era feito separadamente por sexo, ou seja, educadores do gênero
feminino podiam dar aula às meninas e vice-versa. Portanto, jamais as meninas estariam
ao lado dos meninos na mesma sala. Então, quando as meninas puderam sentar-se ao lado
dos meninos? A partir de 1870, quando as escolas protestantes foram fundadas. (Santana,
2012, sp).
No tocante ao direito ao voto feminino, somente há pouco mais de 80 anos, por volta do
ano de 1932, as mulheres brasileiras conquistaram esse direito, por meio do Decreto nº 21.076,
instituído no Código Eleitoral Brasileiro, e considerado na Constituição de 1934.
Embora o movimento tenha alcançado êxito com a legalização do voto feminino, a luta
não se tratava apenas da possibilidade de voto, mas era uma questão de cidadania. Serem
representadas pela figura masculina, não só por ocasião da escolha dos representantes políticos,
mas em diversas situações da vida social, lhes causava grande insatisfação.
No que se refere à inserção das mulheres no mercado de trabalho, hoje em dia, é algo muito
comum; porém, nem sempre foi assim. Durante muitos anos, seu “cargo” se restringia aos
cuidados com o lar, filhos, sendo submissas aos maridos. Sobretudo, a partir da segunda metade
do século XVIII, esse cenário começou a mudar. Assim que a Industrialização começou a se
manifestar no Brasil, no começo da década de 1940, as mulheres continuavam a função de
administradora do lar enquanto o marido era responsável por sustentar a casa. As únicas mulheres
que não estavam nesse quadro eram as viúvas e as mulheres solteiras (Azambuja, s/a).
Logo que a industrialização foi crescendo no Brasil, o cenário para o público feminino foi
mudando de maneira lenta, mas com um progresso bom para as mulheres, pois elas conquistaram
seu espaço dentro da indústria; entretanto, ainda recebiam um salário inferior em relação aos dos
homens. As verdadeiras mudanças ocorreram em 1970 onde de fato as mulheres puderam exercer
funções fora de casa, graças a movimentos que estavam acontecendo naquela época em busca de
direitos e, assim, conseguiram desempenhar o papel de professoras, costureiras e funcionárias do
comércio (Espindola, s/a).
Atualmente, as mulheres estão ocupando cargos que antes eram designados apenas para os
homens. Hoje, as mulheres podem ser vistas no comando de escolas, universidades, empresas,
cidades e até mesmo países. Contudo, mesmo com essas conquistas alcançadas, ainda não há
igualdade de salários, ainda que desempenhem as mesmas funções profissionais.
Portanto, o papel da mulher tornou-se de extrema importância na sociedade, embora ainda
demandando reconhecimentos. Na visão de Rocha Coutinho (1994):
[...] faz-se necessário remover a posição de obscuridade em que ela se tem mantido por
século dos livros e compêndios tradicionais de história. Afinal sem ela a história mesmo
como tem sido escrita em seu sentido mais amplo e convencional, fica incompleta e,
inevitavelmente, incorreta. Com o tempo, graças a todas as lutas, as mulheres vêm
conseguindo aumentar seu espaço nas estruturas socais, deixando de lado a mera figura
de submissão e assumindo cargos importantes em empresas e na vida pública e política.
(Rocha Coutinho, 1994, p.15).
preciso, pois, combater a cultura machista, e isso não significa que é um combate contra os
homens.
Os desafios são grandes, mas precisamos trabalhar por uma sociedade cada dia mais justa
e igualitária. Uma das formas mais eficazes para o cumprimento dessa missão é tornar a educação
uma poderosa aliada nesse processo de desconstrução da cultura machista. No entanto, ainda
vemos no âmbito escolar, variadas formas de discriminação contra as mulheres, a exemplo do
próprio currículo que oculta questões importantes como essa.
Nas próximas linhas deste trabalho, demonstraremos como o currículo escolar tem
silenciado as questões femininas, a partir da análise de livros didáticos diversos da área de
História.
Para análises acerca das formas como as mulheres e suas lutas estão sendo representadas
nos currículos, selecionamos alguns livros didáticos da área de História dos anos finais do Ensino
Fundamental, a saber:
Página 152 de 2230
Por uma questão didática, nos reportaremos aos materiais analisados, utilizando as
referências Livro A, Livro B e Livro C, conforme discriminado no quadro anterior.
Todos os livros analisados tratam de períodos em que o mundo era dominado por reis e
imperadores, sempre se reportando a homens influentes e poderosos. No Egito antigo, porém,
tivemos uma mulher no mais alto pilar de uma sociedade, a rainha Cleópatra. O Livro A, na página
146, ilustra Cleópatra de 3 formas diferentes, sugerindo que sua aparência real era de uma mulher
negra e não branca como comumente é representada, porém não menciona seus feitos, influência
ou poderio durante seu reinado. Souza et al (2018, p.01), explica essa relação: “o currículo reforça
cada vez mais ideias que tornam o homem como ser central, como o topo da hierarquia social.
Numa perspectiva binária de gênero o currículo educa o homem para ser superior relegado a
mulher a um espaço subalterno”.
Na página 157, o Livro A apresenta um breve texto complementar intitulado “A mulher
no Egito antigo”, pequeno fragmento do livro “As egípcias: retratos de mulheres do Egito
faraônico”, de autoria de Christian Jacq, que relata o papel político e social das mulheres na
formação história do antigo Egito, sociedade na qual desempenhavam importantes funções e
cargos públicos, com exceção do exército.
Em relação às imagens que retratam mulheres na atualidade, encontramos uma ilustração
de um grupo de crianças entrevistando uma médica. O que estava sendo abordado eram as fontes
históricas, destacando a entrevista como estratégia de coleta de relatos orais.
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escola por suas culturas serem frequentemente negadas ou desvirtuadas no currículo escolar; ou
seja, determinadas questões não são discutidas ou podem assumir um outro sentido ao serem
abordadas.
Apesar do Livro C conter um número considerável de páginas que tratam sobre aspectos
da história do Brasil, apenas no capítulo 2 – A luta pela cidadania, na página 71, o autor traz
imagens de situações em que a cidadania foi reivindicada ou exercida, destacando movimentos
sociais pelo combate e pela criminalização da violência contra a mulher, situando a Lei Maria da
penha como referência.
Essa parte do livro, traz um trecho da lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria Penha,
porém não trata da história de vida da mulher que deu nome a esse dispositivo, nem discute outras
questões relacionadas; a imagem parece de maneira meio descontextualizada. De modo
contraditório, nas páginas 262 e 263 o autor dedica uma seção à biografia de abolicionistas
brasileiros, intitulando de “Homens de luta”.
Em algumas pinturas retratadas nos livros, especialmente quando o tema é sobre os
impérios antigos, é possível ver imagens de mulheres ao fundo, como servas ou esposas submissas
ao rei ou homem de alguma influência naquele contexto.
Encontramos ainda uma imagem que retrata a educação de jovens na era napoleônica. Na
ilustração, há meninas aprendendo sobre culinária, uma das disciplinas destinadas a elas. Um
modelo de ensino que, segundo o texto-base, inspirou vários países do mundo, inclusive o Brasil.
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O texto destaca que um dos objetivos desse modelo era manter as mulheres submissas aos
seus maridos. Contudo, não faz outros comentários ou qualquer questionamento que direcione a
uma discussão sobre a temática.
De um modo geral, apesar dos livros mais recentes parecerem mais sensíveis à causa
feminina, esses materiais utilizados entre os anos de 2017 a 2019 em escolas públicas brasileiras,
representam as mulheres ainda de maneira muito tímida, pois as poucas vezes em que aparecem é
de maneira muito superficial, sem detalhes ou maiores reflexões. Em todos os livros há
demonstração de homens a frente do governo, da família, do trabalho, enquanto as mulheres
aparecem poucas vezes e sempre com papeis de coadjuvantes. As imagens que fazem referência
às civilizações antigas e medievais trazem ilustrações de homens para representar um governo
forte e implacável. De acordo com Souza et al (2018, p. 02) “é evidente que para que o sistema
dominante prevaleça soberano, o currículo precisa se manter essencialmente masculinizado. Esse
fator impede que novos questionamentos sobre a superação das desigualdades sociais nas relações
de gênero aconteçam”.
Em nenhum dos livros analisados há qualquer menção sobre as lutas das mulheres pela
conquista de seus direitos. Parece que essa parte da história permanece esquecida ou invisível nos
materiais didáticos, pois embora as mulheres tenham participação importante na construção
histórica e social de toda a humanidade, isso pouco é mencionado. As suas lutas não são
evidenciadas em livros mais antigos nem atuais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BOULOS JUNIOR, Alfredo. História Sociedade e Cidadania, 8º ano. 3ª ed. – São Paulo: FTD,
2015.
COUTINHO Rocha. “Mulher, família, carreira e relacionamentos no Brasil”. Trabalho
apresentado na XXX Reunião Anual de Psicologia. Brasília. 26- 29 de Outubro 2000.
ESPINDOLA, Gabriela. A trajetória do poder da mulher: do lar ao mercado de trabalho.
Disponível em https://pt.slideshare.net/eudelucy/a-trajetria-do-poder-da-mulher-do-lar-ao-
mercado-de-trabalho. Acesso em 30 nov 2019.
PROJETO ARARIBÁ: HISTÓRIA/Organizadora Editora Moderna. Editora responsável Maria
Raquel Apolinário. – 3 ª ed. São Paulo: Moderna, 2010.
RIBEIRO, Paulo Silvino. "O papel da mulher na sociedade"; Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/o-papel-mulher-na-sociedade.htm. Acesso em 13 de
janeiro de 2020.
SANTANA, Elizabeth de Jesus. A questão histórica da mulher na escola e na sociedade.
Publicado em 07 de março de 2012. Disponível em https://www.webartigos.com/artigos/a-
questao-historica-da-mulher-na-escola-e-na-sociedade/85301. Acesso em 30 out. 2019.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (Org.). Alienígenas na Sala de Aula: Uma introdução aos estudos culturais em
educação. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
SOUZA, Carliane de Jesus et al. Feminismo e currículo escolar: por uma prática educativa
transformadora. V CONEDU, 2018. Disponível em:
http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV117_MD1_SA5_I
D650_17092018133717.pdf. Acesso em 20 dez. 2019
STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Um olhar na história: a mulher na escola (Brasil:1549- 1910).
Disponível em:. http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema5/0539.pdf. Acesso
em 10 dez 2019
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Resumo: Atualmente existe uma taxa elevada de evasão escolar e muitos são os fatores que
contribuem para essa situação. O objetivo deste trabalho é tornar conhecido entre os educadores
o que é realmente dislexia, proporcionando igualdade, a partir de técnicas e métodos, durante o
processo de aprendizagem, no ambiente escolar. Partia-se da ideia de que o professor que atua
com discentes com dificuldade de aprendizagem, ele precisa ter conhecimento acerca dos
disléxicos, seus diagnósticos e prognósticos, para a concretização de um processo de ensino e
aprendizagem eficiente. O artigo visa descrever essa dificuldade de aprendizagem que nem sempre
é percebida a diferença em relação de causa e efeito entre a dislexia e o baixo rendimento dos
alunos. Pretende-se buscar estratégias que minimizem os efeitos da dislexia no processo ensino-
aprendizagem. Utilizamos como referencial teórico os seguintes autores: Alioto e Prado (2011);
Capovilla (2004); Ciasca (2003); Davis (2004); Fernandes e Penha (2008); Figueredo (2009)
dentre outros. Essa temática é relevante para os educadores e a sociedade de modo geral, pois
contribui para conscientização de que o aluno com dificuldade de aprendizagem não deve ser
rotulado como um indivíduo incapaz de aprender. Com intuito de fundamentar este artigo
procurou-se desenvolver uma pesquisa bibliográfica colhida em fontes como livros, revistas, e
sites, com fins de embasamento teórico em atores renomados no assunto. Acredita-se que a
pesquisa é de grande relevância para campo da educação especial/inclusiva e para o entendimento
da manifestação da dislexia que dificulta o processo de ensino e aprendizagem dos educandos no
espaço escolar.
Palavras chave: Escola. Dificuldades. Ensino aprendizagem. Dislexia.
Abstract: There is currently a high dropout rate and many factors contribute to this situation. The
aim of this paper is to make known among educators what is really dyslexia, providing equality,
from techniques and methods, during the learning process, in the school environment. It was based
on the idea that the teacher who works with students with learning disabilities, he needs to have
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knowledge about dyslexics, their diagnoses and prognoses, for the implementation of an efficient
teaching and learning process. The article aims to describe this learning disability that is not
always perceived the difference in cause and effect relationship between dyslexia and low
performance of students. It is intended to seek strategies that minimize the effects of dyslexia in
the teaching-learning process. We use as theoretical reference the following authors: Alioto and
Prado (2011); Capovilla (2004); Ciasca (2003); Davis (2004); Fernandes and Penha (2008);
Figueredo (2009) among others. This theme is relevant for educators and society in general, as it
contributes to the awareness that students with learning difficulties should not be labeled as an
individual unable to learn. In order to substantiate this article we sought to develop a bibliographic
research collected from sources such as books, magazines, and websites, with the purpose of
theoretical grounding in renowned actors in the subject. It is believed that the research is of great
relevance to the field of special / inclusive education and to the understanding of the manifestation
of dyslexia that hinders the process of teaching and learning of students in the school space.
Keywords: School. Difficulties. Teaching Learning. Dyslexia.
1 INTRODUÇÃO
A escola é uma instituição formada por pessoas com diferentes interesses e funções, ela
tem uma função social que no caso é proporcionar um ensino-aprendizagem de qualidade para os
seus alunos se tornarem cidadãos críticos.
Nesse contexto que se encontram os alunos que apresentam certas dificuldades para
aprender que são as chamadas dificuldades de aprendizagem e/ou transtornos de aprendizagem
que causam alterações nos aspectos: biológico, psicológico e social e são causadas por vários
motivos como: falha no cérebro, herança genética, abuso de drogas e etc.
A dislexia é uma dificuldade de aprendizagem que precisa cada vez mais ser abordada
dentro das discussões educacionais, que os professores têm que estarem conscientes de que ela
existe e que infelizmente por não ser fácil de ser diagnosticada nos alunos, os quais são
massacrados com estratégias de ensino inapropriadas para o seu ritmo de aprendizagem e
consequentemente são fadados ao insucesso escolar.
O presente artigo centra-se numa problemática real nas escolas brasileiras, mormente, a
dislexia e a atitude dos docentes face à inclusão destes alunos. Será que os educadores sabem
diagnosticar quando o aluno apresenta dificuldade de aprendizagem e se o mesmo apresenta
dislexia ou não?
Partia-se da ideia de que o professor que atua com alunos com dificuldade de
aprendizagem, ele precisa ter conhecimento acerca dos disléxicos, seus diagnósticos e
prognósticos, para a concretização de um processo de ensino e aprendizagem eficiente.
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O artigo visa descrever essa dificuldade de aprendizagem que nem sempre é percebida a
diferença em relação de causa e efeito entre a dislexia e o baixo rendimento dos alunos. Pretende-
se buscar estratégias que minimizem os efeitos da dislexia no processo ensino-aprendizagem.
Utilizamos como referencial teórico os seguintes autores: Alioto e Prado (2011); Capovilla (2004);
Ciasca (2003); Davis (2004); Fernandes e Penha (2008); Figueredo (2009) dentre outros.
Esse artigo estará estruturado da seguinte forma: Inicialmente faz-se uma abordagem sobre
o que é dislexia e também o texto descreve sobre a classificação e etapas da dislexia; no segundo
momento discorre sobre a criança disléxica; no terceiro momento fala das dificuldades
apresentadas na escola e o papel do professor como mediador na vida do disléxico; no quarto
momento as perspectivas e as possibilidades para a ação docente. Por fim, fazem-se as
considerações finais.
2 O QUE É DISLEXIA?
Não se sabe por que o cérebro se especializou. A única coisa certa é que esta especialização
é que parece permitir que ele possa manusear a enorme quantidade de informação sensorial que
recebe.
O fato dos hemisférios serem fisicamente diferentes também poderia explicar a
especialização particular de cada um deles. Os hemisférios são compostos por matéria cinzenta e
matéria branca. O hemisfério esquerdo tem mais matéria cinzenta, enquanto o direito possui mais
matéria branca.
Mesmo quando uma nova etapa é concluída, ela não descarta a anterior, pois todas as etapas
se referem a estratégias de leitura e não seguem uma sequência.
Além das três estratégias apresentadas ainda existem dois processos, que são:
- Processo indireto ou fonológico: na rota fonológica, a pronúncia da palavra é construída
por meio de fonemas, em que a criança ouve para compreender e, conforme se torna mais
competente, desenvolve a capacidade de processar mais letras como unidade.
- Processo direto, ideovisual ou lexical: na rota lexical, a pronúncia é identificada como
um todo. A criança reconhece o significado da palavra, antes de pronunciá-la, ativando
informações ortográficas, semânticas e fonológicas.
As crianças ditas “normais” utilizam na construção da linguagem tanto o modo verbal
como o não verbal com assinala Fernandes e Penna (2008), as pessoas usam tanto o modo verbal,
pensando com o som da linguagem, quanto o modo não verbal, pensando com o significado da
linguagem por meio da construção de imagens mentais, de seus conceitos e ideias.
De acordo com Teles (2004 p. 192):
Ler uma palavra compreende conhecer o nome das letras, o som dos fonemas, relacionar
os fonemas e os grafemas e encontrar a pronúncia certa ao significado. Esses processos são
naturalmente automáticos, tornando a leitura fluente e compreensiva, porém devem ser ensinados
e praticados.
Enquanto os disléxicos por não possuírem monólogo interno, só ouvem quando outras
pessoas leem em voz alta, fazendo relação entre o significado ou a imagem do significado a cada
palavra que leem. Além disso, é fundamental que os disléxicos tenham contato com a leitura de
variados textos, e isso só será possível se eles participarem de práticas de leitura feitas pelo
professor para eles em sala de aula.
3 A CRIANÇA DISLÉXICA
Em uma visão geral, não se deve tratar as crianças disléxicas como se fossem problemas
impossíveis de resolver, mas sim, como desafios que fazem parte do próprio processo de ensino e
aprendizagem. Essa dificuldade tem que ser diagnosticadas o mais precocemente possível, de
preferência ainda na pré-escola, para assim não prejudicar nem seu tratamento e nem a
continuação dos estudos.
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A criança disléxica tem desorientações que alteram seus sentidos, fazendo com que ela seja
capaz de experimentar múltiplas visões do mundo, podendo perceber objetos e a partir dessas
percepções, adquirir mais informações do que outras pessoas.
Umas dessas desorientações é o problema com a grafia. De acordo com Braun e Davis
(2004), quando uma desorientação ocorre, a criança ou adulto notam múltiplas imagens da
palavra. Ela é vista de várias formas, de frente para trás, de cabeça para baixo, podendo ser
desmembrada e reagrupada em todas as combinações possíveis.
Para os estudiosos o tratamento adequado para crianças disléxicas é baseado no em ensino
multissensorial, o fônico, algumas estratégias e doses maciças de apoio humano, para criar um
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ambiente que ajudará o aluno a controlar sua ansiedade, a encarar riscos, a enfrentar seus medos
e a não sentir vergonha da sua dificuldade de aprendizagem.
Essas integridades são caracterizadas por três níveis: as funções pseudodinamicas onde
à medida que o organismo internaliza o que foi observado ou experienciado, começa a
assimilar o que está aprendendo; as funções do Sistema Nervoso Periférico, responsáveis
pelos receptores sensoriais, que são canais para a aprendizagem; as funções do Sistema
Nervoso Central, responsável pelo armazenamento, elaboração e processamento da
informação. É dessa forma que a criança está pronta para aprender.
com os outros” (FRANK, 2003, p. 33). É importante mostrar a ele que todas as pessoas
têm facilidades para algumas coisas e dificuldades em outras. (MENEZES, 2007, p. 51).
A escola e os pais devem estar preparados para dar o apoio necessário à criança disléxica
para que ela não desanime e desista de aprender a ler e a escrever. As dificuldades de aprendizagem
são complexas, não são fáceis de serem diagnosticadas e muitas vezes são confundidos com outras
deficiências por isso os professores tem que tomar muito cuidado ao elaborar suas metodologias
de ensino e devem atentar para os seguintes aspectos em relação às crianças com dificuldades de
aprendizagem: apresentam um quociente intelectual(QI) normal, suas dificuldades não tem
relação com o ambiente, não tem relação com suas emoções ou atraso intelectual e o seu
rendimento é baixo em relação a algumas áreas da aprendizagem nem sempre se estendendo a
todas.
Os professores que ensinam nas primeiras séries sentem seus alunos tolhidos e sem
ambiente para desenvolverem seus raciocínios, devido à comparação da prática na escola com a
vivência fora dela. Recursos diversificados para se obter tais respostas e poder cumprir o
programa, devem estar sempre sendo focalizados avivando a iniciativa e a espontaneidade dos
alunos, para se tornarem mais alertas e participativos.
O profissional deve reconhecer frustração sentida pelo aluno com dislexia; reconhecer que
o desempenho de um disléxico pode estar muito aquém do seu potencial; reconhecer possíveis
problemas de comportamento ou autoestima; demonstrar simpatia, atenção e compreensão;
construir uma boa relação professor aluno (CAMEIRÃO; LIMA, 2005, apud COGAN, 2002, p.
8).
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A dislexia não é fácil de ser diagnosticada e muitas vezes são confundidas com outras
dificuldades ou deficiências, o que faz com que esses alunos apresentem um baixo desempenho
escolar, reprovem e até mesmo evadam da escola.
conforme afirmam Fernandes e Penna (2008), a criança, por não compreender o que lê e apresentar
escrita incompreensível, perde o interesse pelas práticas educativas. Assim sendo:
A técnica da soletração oral e simultânea nesse método tem se mostrado eficaz porque
fortalece a conexão entre a leitura e escrita. Como bem afirma Capovilla (2004) “Nesse método,
a criança vê a palavra, repete a pronúncia e escreve dizendo o nome de cada letra e depois lê
novamente o que escreveu”.
O método fônico é recomendado para todas as crianças. As atividades fônicas e
metafonológicas podem ser incorporadas em sala de aula, visando à prevenção e intervenção em
dificuldades de aquisição da linguagem escrita.
Esse método tem como característica o ensino das correspondências entre os sons e as
letras e utiliza-se de atividades que desenvolvem rima, discriminação de sons, segmentação fônica
e relações entre os fonemas e os grafemas, dificuldades estas que o disléxico sente em sala de aula.
Toda letra deverá ser apresentada nas formas maiúscula, minúscula, bastão, imprensa e
cursiva. As atividades devem ser planejadas de forma dinâmica, de maneira que se torne
interessante e prazerosa para que haja melhor participação individual e/ou coletiva da criança.
As estratégias para trabalhar com alunos que apresentam essa dificuldade são as seguintes:
Na produção e interpretação de texto, a criança deve ser capaz de aprimorar a compreensão
do sistema de escrita em diferentes estilos.
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Manter contato com os responsáveis da criança regularmente, evitar se reunir com os pais
somente nos momentos de crise ou de problemas;
Orientar o aluno previamente sobre o que é esperado dele, em termos de comportamento
e aprendizagem. Assim, pode se sentir mais seguro quanto ao que é esperado dele.
Ser flexível para lançar mão de uma série de recursos e estratégias de ensino até descobrir
o estilo de aprendizagem, como a criança tem um apelo intrínseco a novidades, todos os
recursos disponíveis podem ajudar na manutenção da atenção e, consequentemente, no
processo de aprendizagem.
Incentivar e recompensar todo bom comportamento e o bom desempenho. A aprendizagem
funciona melhor por meio de elogios, firmeza, aprovação e encorajamento, pois esses
incentivos são suprimentos de sentimentos positivos;
Estimular o interesse do aluno para aprender. Tentar envolver e motivar s criança para o
processo de aprendizagem;
Dar conteúdo passo a passo, verificando se houve aprendizagem a cada etapa;
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Apresentar tarefas em pequena quantidade para não assustar e desanimar a criança. Uma
grande quantidade de tarefas faz com que a criança sinta que não conseguirá dar conta de
terminá-las, e com isso ela desiste, antes mesmo de começá-las;
Manter a sala de aula organizada e bem estruturada. Isso pode ajudar a criança a se
organizar internamente e no ambiente e, dessa forma, corresponder melhor ao processo de
aprendizagem;
Estabelecer limite e fronteiras, devagar e com calma, não de modo punitivo. Ser firme e
direto.
Dar retorno constante e imediato. Isto ajuda a criança a ter uma noção de como está se
saindo e a desenvolver a auto-observação. Deve-se informá-la de modo positivo e
construtivo;
Estar atento ao talento da criança, à criatividade, à alegria, à espontaneidade e ao bom
humor que ele manifesta. Geralmente ela é também generosa e apresenta algo especial que
enriquece o ambiente onde está inserida.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na realidade escolar atual, cada vez mais crianças que apresentam dificuldades de
aprendizagem que precisam ser consideradas pelos professores no momento de suas aulas, para
que não fiquem excluídos do resto da classe.
O objetivo do trabalho é analisar a Prática Pedagógica indicada aos alunos com dificuldade
de aprendizagem, reconhecendo o papel dos professores neste processo. Parte-se da ideia de que
o professor que atua com alunos com dificuldade de aprendizagem, ele precisa ter conhecimento
acerca dos disléxicos, seus diagnósticos e prognósticos, para a concretização de um processo de
ensino e aprendizagem eficiente.
Percebeu-se que poucos são os profissionais capacitados para trabalharem com esses
alunos, pois tiveram uma formação inicial básica e apesar de alguns participarem de formação
continuada, elas não abordam esses temas e quando o fazem é de forma superficial.
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REFERÊNCIAS
FIGUEIREDO, N. P. A dislexia como uma das principais causas dos distúrbios de aprendizagem
na área da leitura e da escrita. Revista de Pedagogia Perspectivas em Educação, set. - dez. 2009.
MENEZES, R de P. Intervenção psicopedagógica com uma aluna disléxica. Porto Alegre. Diss.
(Mestrado) – Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. PUCRS, 2007.
172p.
MOUSINHO, R. Conhecendo a dislexia. Revista Sinpro, Rio de Janeiro, p. 26-33, abr. 2004.
TELES, P. Dislexia: como identificar? Como intervir? Revista Portuguesa de Clínica Geral, v.
20, n. 6, nov. e dez. 2004.
Página 173 de 2230
sociology and cultural studies. In a way, netnography is not an entirely new methodological
proposal, but an expansion of the potential of the traditional ethnographic method to contemplate
the specifics of the digital environment. This papper explains netnography as a method of studying
behavior in digital environments. It intends to understand the importance of netnography for
scientific research on the web and it uses the bibliographic survey and brings theoretical
reflections on netnography, its characteristics and applicability. As a new study method in
cyberspace, netnography makes it easier for researchers to search and collect data about the habits
of groups of users in the web environment. Another benefit in research is the expansion of analyzes
without major complications. This result is achieved because the researcher can browse more
freely, interact and relate through virtual communities, internet forums, networks and social
media, which favors greater dialogue with his object of study.
Keywords: Netnography. Study method. Digital environments. Scientific research.
INTRODUÇÃO
Criada na década de 90 pelo doutor Robert Kovinetz, a netnografia surge para suprir a
carência de uma metodologia voltada para o ambiente web, correspondendo assim aos anseios dos
pesquisadores, que até então utilizavam métodos de pesquisa desenvolvidos para o ambiente
offline, mesmo em meios online.
Embora a sua finalidade inicial tenha sido apenas para as pesquisas voltadas para os
profissionais de marketing, na expectativa de proporcionar uma melhor compreensão dos
comportamentos dos clientes nas comunidades da web, a netnografia surge como proposta
metodológica para pesquisas que envolvam o ambiente digital, atendendo assim a demanda de
pesquisadores hiperconectados.
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Por se tratar de uma metodologia em ascensão, visto que vivemos em uma sociedade
envolta em tecnologias, faz-se necessário a compreensão dos conceitos e características da
netnografia para a realização de pesquisas nas comunidades virtuais.
NETNOGRAFIA
O método foi criado em 1995 e seu objetivo era o estudo do comportamento dos
consumidores para o desenvolvimento de estratégias de marketing que conversassem com estes
públicos (KOZINETS, 2014). O método netnográfico é, portanto, uma “pesquisa com foco
quantitativo, interpretativo, adaptados das técnicas de pesquisa antropológicas etnográficas para
os estudos das culturas e comunidades online” (COELHO, 2017, p. 6).
Apesar do seu principal foco ser o estudo para o fomento de estratégias de marketing, a
netnografia ganhou força em meio aos pesquisadores nos anos 90, visto que estes entendiam que
o ciberespaço tornou-se mais que um ambiente de compartilhamento dados por meio da rede
mundial de computadores, agora este espaço também permitia a produção de culturas digitais
diversas (SILVIA; STALIBE, 2016).
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CARACTERÍSTICAS DA NETNOGRAFIA
A netnografia tem ainda como característica ser um método de estudo descritivo, o que
implica dizer que o pesquisador realizará a descrição exata dos comportamentos oriundos dos
indivíduos presentes na comunidade virtual estudada, suas linguagens, simbologias, interações e
demais atividades relevantes para o objetivo da pesquisa (CORRÊA; ROZADOS, 2017).
fornecidos pela Análise de Conteúdo, Análise de Discurso, etc. Tudo isso será avaliado de acordo
com os casos em que a Netnografia será empregada” (AYRES; CERQUEIRA; DOURADO;
SILVA, 2010, p. 36).
Por fim, o método netnográfico se caracteriza como uma metodologia adaptável, visto que
tem a capacidade de ser utilizada em diferentes plataformas de comunicação mediadas por
computadores, como blogs, fóruns, wikis, sites de redes sociais, bate-papos, grupos de notícias,
podcasts, entre outras (CORRÊA; ROZADOS, 2017).
APLICABILIDADE DA NETNOGRAFIA
Para aplicar o método netnográfico, o pesquisador deve levar em consideração cinco etapas
apontadas por Kozinets (2014), sendo elas: definição das questões da pesquisa, identificação e
seleção da comunidade, observação participante e coleta de dados, análise dos dados e
interpretação dos resultados e, por último, redação, apresentação e relato de pesquisa.
A primeira etapa é a definição das questões da pesquisa. Os objetivos precisam estar claros
ao iniciar a investigação científica. “Onde”, “quem”, “como” e “porque” são perguntas que
precisam estar devidamente definidas. “É importante, antes de tudo, ter um objetivo focado
(SILVIA; STABILE, 2016, p. 176).
que o netnógrafo pode se inserir na comunidade e participar das interações entre seus membros
(COELHO, 2017). Ainda nesta fase, o pesquisador realiza a coleta de dados, podendo anotá-los
diariamente, extrair de arquivos de memória da comunidade ou ambas as formas se necessárias.
A aplicação da netnografia para pesquisas em sites de redes e mídias sociais, por exemplo,
será realizada de acordo com as regras pré-estabelecidas nestes ambientes. Como afirma Silvia e
Stabile (2016, p. 175), “não podemos colocar todas as mídias sociais com o mesmo peso: cada
tipo e formato de mídia social propicia em menor ou maior grau este sentimento de pertencimento,
as trocas pessoais e a relação entre os membros”.
O segundo passo será a definição do tipo de análise a ser aplicada, podendo ser temática
ou individual. Sendo assim, o pesquisador poderá analisar os conteúdos publicados pelos perfis e
páginas, conversações e interações procedentes dos grupos. O terceiro momento da pesquisa será
a observação e coleta dos dados no período determinado para a pesquisa.
Uma pesquisa netnográfica realizada no Twitter, por sua vez, vai considerar as linguagens
utilizadas na mídia social. Uso de hashtags, memes, técnicas de escrita para o espaço de 280
caracteres, hiperlinks, vídeos entre outras.
Pesquisas temáticas realizadas no Twitter tem nos trend topics, que é a lista de assuntos
mais comentados pelos membros do Twitter, uma fonte para sua modalidade de estudo
netnográfico. Utilizando esta lista de assuntos o netnógrafo encontrará temas comuns e temas
inusitados, visto que são os usuários da rede que produzem as hashtags e alimentam a lista. Como
afirma Pereira (2019, p. 9) “Basta que um dado assunto ganhe proporções na rede e um primeiro
usuário inicie a propagação de uma hashtag sobre ele, que logo aparecerá na lista dos assuntos
mais comentados”.
As redes sociais citadas acima são apenas alguns exemplos de ambientes digitais onde a
netnografia pode ser aplicada como metodologia para compreensão de comportamento. Como
afirma Coelho (2017, p. 7), “a netnografia nos ajuda a compreender os códigos comportamentais
descritos nas histórias compartilhadas no ambiente virtual”. Aliás, além destas, outras redes e/ou
mídias sociais digitais, tais como Instagram, LinkedIn, Youtube, Pinterest, podem ser amplamente
estudadas por meio desta metodologia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Este artigo abordou a utilização da netnografia como metodologia para estudos dos
comportamentos em ambientes virtuais. Notou-se que o método netnográfico permite ao
pesquisador analisar e interpretar o comportamento dos membros das comunidades presentes na
web.
Neste contexto, novas linguagens, signos e códigos são concebidos e compartilhados com
os membros das comunidades virtuais, expressando seus modos de pensar e compreender o
ambiente em que estão inseridos.
Por fim, este trabalho chama a atenção para a compreensão da importância deste método
de pesquisa, visto que estamos envoltos em tecnologias de comunicação e informação e imersos
no ambiente web, fazendo uso dos seus atributos para fins de pesquisas em diversas áreas do saber,
podendo fazer uso da netnografia para a melhor compreensão desta e das próximas gerações
conectadas por dispositivos.
REFERÊNCIAS
Abstract: Performance is a recurring theme to discuss contemporaneity and its implications in the
academic scenic environment, this work brings reflections pertinent to this artistic language, as well as
leads us to immerse ourselves in the scenic space and also transits in the No Place space, so called by Marc
Augé to places of passage, without identity or memory. It is the performative artistic experiment entitled
“The Queen of Solitude” that looks at the space of the non-place and aims to establish a dialogue with
passers-by, raising reflections in the face of supermodernity, the technological era, thus broadening the
dialogue between art and contemporaneity based on a poetic design in the urban scene. In this process, I
think that “Investigating from artistic practice, can constitute itself as an original, robust, aesthetically
desired form” (Quaresma, 2015, p. 206).
Keywords: performance, Urban Space, Otherness, technology, Education.
INTRODUÇÃO
O espaço teatral é o lugar da ação, é onde acontece a atividade teatral. Esse espaço está
imbuído de significados reunindo signos especializados que o determinam enquanto lugar de cena,
de jogo, de espetáculo, é o espaço onde se manifesta a relação entre cena e espectador. Contudo,
21
Mestre em Teatro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduada em Educação Artistica com
Habilitação em Artes Cênicas (UFMA). Atriz, performer, diretora teatral e pesquisadora. Sócia fundadora da Abluir Produções
Artísticas.
cassiapires.ufma@yahoo.com.br
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além dos edifícios construídos para apresentação de espetáculos, qualquer lugar pode servir para
esse fim desde que lhe sejam atribuídos sentido e intenção de teatralidade.
A relação das pessoas com o espaço público tem gradativamente diminuído, assinalando
assim maior ênfase nas relações com os espaços privados, diminuindo os vínculos estabelecidos
nas relações sociais. O indivíduo contemporâneo é resultado de uma sociedade instável e incerta,
“bombardeada” por imagens, uma sociedade acelerada e multi-codificada, assumindo um
consumismo desenfreado, evidenciando vazios e isolamento social. As relações interpessoais vão
se anulando, cedendo lugar a relações induzidas e outras “robotizadas”. A velocidade frenética
que se estabelece causa a percepção de que o tempo diminuiu e a nossa demanda social e
profissional não cabe nos fluxos dos próprios dias. Fazendo referência à contemporaneidade, Marc
Augé nos diz que “essa necessidade de dar um sentido ao presente é o resgate da superabundância
factual que corresponde a uma situação que poderíamos dizer de ´Supermodernidade´ para dar
conta de sua modalidade essencial: o excesso” (Augé, 2005, p.32) É essa figura do excesso que se
define na “Supermodernidade”, excesso de tempo, superabundância do presente, de espaço, da
figura do indivíduo, do encurtamento das distâncias através dos satélites, das imagens, meios de
transportes superacelerados, bem como comunicações que transmitem os acontecimentos a
lugares distantes. Na superabundância do espaço, Augé nos diz que:
Resulta, concretamente, em consideráveis modificações físicas:
concentrações urbanas, transferências de população e multiplicação
daquilo que chamaremos “Não lugares”, por oposição à noção sociológica
de lugar, associada por Mauss e por toda uma tradição etnológica àquela
de cultura localizada no tempo e no espaço. Os não lugares são tanto as
instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias
expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de
transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda campos de trânsito
prolongado onde são alojados os refugiados do planeta. (Augé, 200, p.36.)
O “não lugar” aqui apresentado por Augé é o espaço em que não se pode identificar história
ou identidades. Esses são “os lugares” frutos da “supermodernidade”. Nesse sentido não podem
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ser vistos como lugares antropológicos, não podem ser neles percebidas e encontradas memórias.
O que vemos são inúmeros passantes que cotidianamente e de forma frenética circulam por esses
espaços. Desta forma, vê-se “...um mundo assim prometido à individualidade solitária, à
passagem, ao provisório e ao efêmero.” (Augé, 2005, p.74.)
É imperioso refletir que essa condição do indivíduo fadado à solidão e ao individualismo
é fruto da modernidade e de todos os atributos vividos por ela, o espaço urbano também reflete o
cotidiano acelerado do ser humano que transita nesses espaços, revelando uma certa
“invisibilidade” por parte dos passantes, esse trânsito vertiginoso faz com que os espaços sejam
apenas uma passagem frenética para outro lugar, impossibilitando que possamos “ver” ou “sentir”
esse viajante. Nesse sentido “o espaço do viajante seria, assim, o arquétipo do não lugar” (Augé,
2005, p.81). Augé afirma ainda que:
É bom que se entenda que esse passante do “não lugar” de alguma forma sempre tem que
comprovar sua identidade para depois se tornar anônimo. É no controle, seja do check-in num
aeroporto, no ato de pagamento de uma compra através do seu cartão de crédito, seja através de
um número de bilhete de passagem, que ele tem que obedecer às regras comuns, responder de
forma padrão para poder ter acesso a esses espaços. Nesse ponto “o espaço do não lugar não cria
nem identidade singular, nem relação, mas sim solidão e similitude” (Augé, 2005, p.95.)
É na apropriação do “Não Lugar” que a performance encontra espaço para refletir a
contemporaneidade, tentar comunicar sentidos para esse homem solitário, por intermédio das artes
e da reconfiguração poética desses espaços, visando estabelecer um diálogo com o espectador
contemporâneo.
Seja a Performance uma linguagem artística que venha romper com o tradicional teatro,
seja ela uma expressão comungada por várias outras para existir, sua forma de apresentação se dá
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dentro do que se pode conceituar como teatro. Ao discorrer sobre teatro, Erika Fischer Lichte, em
entrevista concedida a Matteo Bonfito, afirma que “Na Alemanha, falamos em teatro quando há
performances, sejam elas provindas da dramaturgia, do teatro não dramático, da dança ou ópera
etc.(...) Para nós tudo é teatro. “(Lichte, 2013, p.131.)
Por outro lado, Josette Féral, em seu artigo intitulado “Por uma poética da
performatividade: o teatro performativo” afirma que o Teatro Performativo existe em todos os
palcos e que foi conceituado por Hans-Thies Lehmann como teatro pós-dramático. Esse teatro se
beneficiou da Performance, assumindo transformações quanto à sua forma, propondo uma nova
estética, apresentando novas características no fazer teatral, propondo novas reflexões em torno
da cena contemporânea. Para Féral o teatro pós-dramático é melhor definido por Teatro
Performativo, pois a performatividade é o cerne desse teatro.
Outro ponto importante abordado por Féral é que a Performance se apresenta sob dois
olhares ou dois caminhos. O primeiro é a Performance art, que possui uma visão artística e que é
uma obra estética. Ela é herança das vanguardas, ela é herança da arte da performance. A
Performance Art é uma expressão artística híbrida. Em sua própria razão de ser, ela tenta escapar
de definições em face de seu caráter amplo em possibilidades de criação, envolvendo elementos
das artes visuais, do teatro, da dança, da música, do vídeo, da poesia, do cinema, entre outras. Ela
é um mix mídia.
E é através da interceptação desses dois “conceitos” e/ou lhares que grande parte do teatro
contemporâneo se manifesta. Nesse sentido o teatro performativo é o fruto das influências vividas
pelo teatro frente à performance.
Como experimento artístico foi criada a performance “A Rainha da Solidão”, que nasce
enquanto personificação de um dos sentimentos mais vividos na contemporaneidade, trazendo
consigo a imagem reconhecida a partir do outro enquanto solidão, seja solidão solitário, seja
solidão na multidão etc. Esse sentimento ou estado social se manifesta sem dúvida como um meio
para se pensar o homem contemporâneo e seus entrelaçamentos nesse cenário atual. A escolha
pela personagem de uma Rainha vem por influência da cultura portuguesa e luso-brasileira.
Portugal gira em torno da monarquia, suas ruas, seus castelos, palácios, trazem uma significante
e marcante presença das rainhas. No Brasil também não podemos deixar de mencionar que esse
personagem está presente culturalmente, no imaginário popular, nas danças folclóricas, entre
outros. Além disso esse personagem carrega consigo a ideia da imponência, da realeza, da
majestade, o que culmina com a ideia de algo grandioso e marcante para emblemar a ideia da
Solidão. A Rainha vai sendo concebida trazendo em sua própria imagem o reflexo da solidão.
Todo seu figurino, acessórios foi detalhadamente pensado a fim de que por si só a presença dessa
“Solidão” dialogasse com o espectador. Ela é uma imagem em movimento, uma obra viva.
Durante o processo criativo para conceber a performance, quatro foram os pontos de partida que
inspiraram a criação. Era indispensável que ela pudesse apresentar aspectos da
contemporaneidade, bem como suntuosidade de uma rainha, sedução, pensando a solidão
enquanto um sistema social que seduz e a própria solidão em si. Para atingir esses propósitos, foi
realizada minuciosa pesquisa em função desses quatro pontos norteadores: Contemporaneidade,
Suntuosidade, Sedução e Solidão, e foi através deles que se chegou ao resultado apresentado. A
cor do figurino, o modelo do vestido, a opção de estar descalça, a coroa enquanto símbolo de
imponência da rainha, trazendo em si o poder, a opção por pregos, metal, ferro, imbui a ideia de
ferir, perfurar, agredir, elucidando a solidão enquanto um estágio doloroso.
No dia 19 de janeiro de 2016, nasce oficialmente A Rainha da Solidão, transitando por vários
espaços na cidade de São Luís Maranhão - Brasil. Aqui a performance se apresenta como uma
obra artística inacabada, que está sendo construída, priorizando um processo e uma
experimentação e não visando uma obra final, se distanciando assim das tradicionais formas de
fazer teatro, desenvolvendo no espaço uma obra em processo. Essa aparição da Rainha se deu
nesse primeiro dia no aeroporto internacional Marechal Cunha Machado, na rua Grande, principal
rua do cemércio no centro da cidade e no bairro da Praia Grande, centro histórico e artístico na
cidade de São Luís. A Rainha também fez aparições em Paris na, Maison André Gouveia e na
Sorbonne, em março de 2016, participando do evendo Chiado, Carmo, metropolis e u-topia: Artes
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na Esfera Pública. Ainda pelo mesmo evento a Rainha da Solidão se fez presente no Museu do
Carmo em Lisboa em maio de 2016.
É convém declarar que construir uma performance a fim de embasar uma Tese de
doutoramento é uma tarefa bastante instigante, visto que, para a realização dessa pesquisa, me
coloco enquanto investigadora, autora da obra artística e a própria obra de arte. Imergir nessa
caminhada foi desafiador e posso afirmar que de cada passo percorrido foi sentida uma experiência
única que foi pensada e discutida à luz de teóricos que discutem os assuntos aqui propostos. Sobre
ser artista e investigador, José Quaresma nos lança uma pertinente reflexão:
É nesse lugar de artista e pesquisadora que procurei através da, “A Rainha da solidão”,
refletir sobre um dos sentimentos mais presentes na contemporaneidade que é o da solidão, fruto
dessa sociedade tecnológica, criando um possível diálogo com os transeuntes dos lugares e do
“Não Lugar” acerca dessa condição de se “ser” só. Considero essencial ponderar sobre a condição
do homem contemporâneo diante da solidão:
Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que
estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a
liberdade: apenas quando se está só é que se está livre. A coerção é a
companheira inseparável de toda sociedade que ainda exige sacrifícios tão
mais difíceis, quanto mais significativa for a própria individualidade.
Dessa forma, cada um fingirá, suportará ou amará a solidão na proporção
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A Rainha por vezes parece ser a figura radical da alteridade, a figura que aparece como
Epifania como Corpo e como Rosto Inalcansável: A “alteridade é, desde logo, um conceito
relacional. Ela não é um predicado real, como se diz na tradição, isto é, uma determinação positiva
de algo tomado em si mesmo ou na sua formalidade” (Alves, 2009, p.174). Nesse contexto
podemos pensar na performance A Rainha da Solidão, enquanto o outro que revela e desperta o
eu. É a partir da imagem que ela representa que me leva a refletir sobre eu (obra) e o eu espectador
(outro). É a presença do outro que me abre possibilidades para pensar em mim, eu me conheço a
partir dessa existência do outro. A saber sobre essa imagem da personagem:
regardent qu’on peut les trouver beaux ou laids, qu’on peut remarquer leur
couleur. Le regard d’autrui masque ses yeux, il semble aller devant eux.
Cette illusion provident de ce que les yeux, comme objets de ma
perception, demeurent à une distance précise qui se déplie de moi à eux
— en un mot, je suis présent aux yeux sans distance, mais eux sont distants
du lieu où je ‘me trouve’ — tandis que le regard, à la fois, est sur moi sans
distance et me tient à distance, c’est-à-dire que sa présence immediate à
moi déploie une distance qui m’écarte de lui. Je ne puis donc diriger mon
attention sur le regard sans, du même coup, que ma perception se
décompose et passe à l’arrière-plan. (Jean Paul Sartre, L’Être et le Néant,
Paris, Gallimard, 1943, p. 297)
Não tendo a pretensão de submeter o meu projeto de investigação à filosofia de Jean Paul
Sartre, mas realizando uma mediação estética desta afirmação do autor com o projeto da Rainha
da Solidão, podemos inferir que, no momento em que o olhar da “Rainha” interpela o olhar do
“Outro” e vice-versa, surge em cada um dos participantes na Performance (performer e transeunte
singular) um desconforto interno devido a este desfasamento entre a percepção física das
características do orgão da visão de outrém — que tende a desmanchar-se — e a intuição da
diferença instaurada pelo “Outro”.
A distância entre o meu olhar e o dele, ou seja, um dos fatores decisivos do estranhamento
sentido por mim aquando da apreensão do “Outro” vai também produzir uma distância interna de
“mim a mim” e um vazio entre a minha percepção de um fenómeno externo (neste caso o rosto de
outrém) e a minha intuição de alguém que transcende a minha esfera subjetiva. Está aqui
estabelecido um “jogo” a partir do olhar, não um olhar físico que observa as formas, cor dos olhos,
formato e outros detalhes estéticos do personagem e/ou atriz, mas, sobretudo, um olhar para além
de uma existência física, um olhar sujeito à rejeição, à fuga ou mesmo à empatia com a
performance. É como se os olhos físicos se “destruíssem”, cedendo lugar a uma total intensidade
e troca, é um olhar que possibilita uma perturbação e que cria um desconforto e/ou identificação,
levando o espectador a experienciar diferentes emoções estéticas e subjetivas.
É através de um desenho poético criado no espaço, bem como uma ampliação das
possibilidades de relacionamentos da rainha com os transeuntes e o público de que ela dispõe, que
haverá essa identificação a partir do outro e isso somente será inscrito a partir da prática, da
habitação do lugar pela presença da rainha, através da poesia efêmera que dela brota ao perambular
nos diferentes espaços. Nesse processo penso que “Investigar a partir da prática artística, pode
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constituir-se como uma forma original, robusta, esteticamente desejada” (Quaresma, 2015, p.206).
E foi por esse percurso que visei incluir a Performance “A Rainha da solidão” num processo que
a levou ao movimento, ao inusitado, ao desconhecido, desconhecido até mesmo para a própria
artista, a fim de descobrir diversas possibilidades de respostas frente às minhas inquietações que
surgiram no decorrer da pesquisa. A rainha, enquanto imagem em movimento, já “Há detalhes
suficientes para que se compreenda. Explicitar seria estragar a poesia da coisa” (Artaud,1984)
BIBLIOGRAFIA
Lichte, Erika Fischer. (2013) Entrevista Por Matteo Bonfito. Revista Conceição / Conception.
Volume2 nº1. Junho.
___________ (2015) Investigação em Artes: Ironia, Crítica e Assimilação dos Métodos. Lisboa.
Shopenhauer, Arthur. (2002) Aforismos para sabedoria de vida. São Paulo, Martins Fontes.
Merleau-Ponty, Marice. (1999) Fenomenologia da Percepção. São Paulo, Martins Fontes.
Performance A Rainha da Solidão de Cássia Pires. Praia Grande, São Luís- MA- BR. Fonte: Carolina
Libério.
Performance A Rainha da Solidão de Cássia Pires. Praia Grande, São Luís-MA-BR. Fonte: Carolina
Libério.
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Performance A Rainha da Solidão de Cássia Pires. Maison André Gouveia, Paris-FR. Fonte : Leandro
Guterres.
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Performance A Rainha da Solidão de Cássia Pires. Aeroporto Marechal Castelo Branco, São Luís-MA-
BR. Fonte: Carolina Libério.
Performance A Rainha da Solidão de Cássia Pires. Maison André Gouveia, Paris-FR. Fonte : Leandro
Guterres.
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Performance A Rainha da Solidão de Cássia Pires. Museu do Carmo, Lisboa-PT. Fonte: Orlando Farya.
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Performance A Rainha da Solidão de Cássia Pires. Museu do Carmo, Lisboa-PT. Fonte: José Arnaud.
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Resumo: O objetivo primário deste estudo foi compreender, tendo em conta a percepção dos
discentes do Centro de Ensino e de Apoio à Pessoa com Surdez - CAS, em São Luís/MA, a
relevância atribuída ao aprendizado da Libras à inclusão social e educacional de pessoas com
surdez. Sendo assim, desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva com 10 pessoas surdas
que se encontravam aprendendo Libras no CAS. Os resultados sinalizam que os alunos surdos
aprendem Libras para se comunicarem com pessoas ouvintes; para conseguirem estudar e
trabalhar; para terem autonomia; conseguirem sair de casa; fazerem amigos e conviverem com as
demais pessoas. No contexto, o intérprete da Libras é de grande relevância à inclusão social,
educacional e profissional das pessoas com surdez e na mediação da comunicação entre surdos e
ouvintes. Porém, o processo ensino-aprendizagem da Libras ainda precisa ser mais socializado
e/ou operacionalizado de maneira eficaz, visando alcançar a sociedade de forma geral e a garantia
da inclusão plena às pessoas surdas.
Palavras-chave: Surdez. Libras. Ensino. Aprendizado. Inclusão.
Abstract: The basic objective of this study was understand, taking into consideration the
perceptions of students of Centro de Ensino e de Apoio à Pessoa com Surdez (CAS), in São
Luís/MA, the relevance of learning Libras to the social and educational inclusion of people with
deafness. Thus, an exploratory, descriptive research was developed with 10 deaf people who were
learning Libras at the CAS). The results signal that deaf students learn Libras in order to
communicate with listening people; to be able to study and work; to have autonomy; to be able to
leave home; to make friends and live with other people. In the context, the interpreter of Libras is
22
E-mail: anakarinasampaio2008@hotmail.com
23
Pedagoga. Mestre em Educação (UFMA).. Pós-Doutora em Educação Especial (UFSCar). E-mail:
thelmachahini@hotmail.com.
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of great relevance to the social, educational and professional inclusion of people with deafness
and mediating communication between deaf and hearing. However, the teaching-learning process
of Libras still needs to be more socialized and/or operationalized in an effective way, aiming to
reaching the society in general and ensuring full inclusion for deaf people.
Keywords: Deafness. Libras. Teaching. Learning. Inclusion.
INTRODUÇÃO
Metodologia
o ensino médio completo e 2 possuíam apenas o ensino fundamental. As 3 mulheres tinham ensino
médio completo. A ocupação dos alunos era de empacotador, vigia e serviços gerais. As alunas
trabalhavam como caixa de supermercado e serviços gerais.
Visando preservar suas identidades, os participantes encontram-se identificados neste
estudo por: S1, S2, S3, S4, S5, S6, S7, S8, S9 e S10.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, pois de acordo com
Triviños (2008, p. 152) essa técnica “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas
também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...] além de manter a presença
consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações”, bem como por ter
maior flexibilidade e por permitir que o entrevistador possa reformular a pergunta visando uma
melhor compreensão por parte do entrevistado. As entrevistas foram realizadas com a mediação
de dois intérpretes de Libras.
Os procedimentos ocorreram levando-se em consideração os critérios éticos envolvendo
seres humanos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
concordando com suas participações e cientes de que os resultados seriam divulgados em
Congressos e em revistas científicas.
Resultados e discussões
Assim, Pinto (2010) informa que é por meio dos significados criados de forma consciente
entre grupos de uma sociedade que acontece a interação e a interatividade, visto que as pessoas
que procuram aprender a Libras estão conscientes da relevância da comunicação no contexto
social, educacional e profissional.
Quando foi indagado se precisavam de intérpretes de Libras e, caso afirmativo, em qual
situação costumavam precisar mais desse profissional, os participantes foram unânimes ao dizer
que o intérprete da Libras é de fundamental importância no contexto das instituições de ensino,
pois, fazem a mediação entre eles e as demais pessoas ouvintes, possibilitando a comunicação e,
consequentemente, o acesso ao conhecimento formal.
Sabe-se, também, que a relevância do referido profissional se estende ao contexto social e
profissional, pois, como enfatizado por Gesser (2000, p. 47), “o interprete tem grande importância
no que se refere a interação entre surdos e ouvintes”, visto que, apesar de os surdos se
comunicarem, na maioria das vezes, com seus familiares e com outras pessoas surdas, por meio
do intérprete da Libras essa comunicação se estende à sociedade em geral.
No contexto, ressalta-se que a Libras possui sinais com significados contextualizados, por
isso a importância do intérprete na mediação da comunicação entre surdos e ouvintes. Nesse
sentido, se faz necessário citar a Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, que regulamenta a
profissão de tradutor e intérprete da Libras, na qual esclarece que esse profissional tem
competência para realizar interpretação das duas línguas de maneira simultânea ou consecutiva e
proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa (BRASIL, 2010).
A referida Lei, no Art. 6º, atribui ao tradutor e intérprete da Libras, no exercício de suas
competências: efetuar comunicação entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdos-
cegos, surdos-cegos e ouvintes, por meio da Libras para a língua oral e vice-versa; interpretar, em
Língua Brasileira de Sinais - Língua Portuguesa, as atividades didático-pedagógicas e culturais
desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis fundamental, médio e superior, de forma a
viabilizar o acesso aos conteúdos curriculares; atuar nos processos seletivos para cursos na
instituição de ensino e nos concursos públicos; atuar no apoio à acessibilidade aos serviços e às
atividades-fim das instituições de ensino e repartições públicas; e prestar seus serviços em
depoimentos em juízo, em órgãos administrativos ou policiais (BRASIL, 2010).
No mesmo sentido, a Lei citada enfatiza, no Art. 7º, que esse profissional deve exercer sua
profissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa
humana e à cultura do surdo, bem como: pela honestidade e discrição, protegendo o direito de
sigilo da informação recebida; pela atuação livre de preconceito de origem, raça, credo religioso,
idade, sexo ou orientação sexual ou gênero; pela imparcialidade e fidelidade aos conteúdos que
lhe couber traduzir; pelas postura e conduta adequadas aos ambientes que frequentar por causa do
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Nesse sentido, Laraia (2001) ressalta que o homem é fruto do meio a que pertence, sua
história pode ser escrita de forma diferente e a interação das pessoas pode favorecer a aceitação
do que apresenta necessidades diferenciadas e o desenvolvimento de suas potencialidades.
No contexto, a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, esclarece que a Libras é a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura
gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002).
O Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, Cap. IV, Art. 14, §1º II, enfatiza que é
obrigatório ofertar o ensino da Libras desde a Educação Infantil e o ensino da Língua Portuguesa
como segunda língua às pessoas surdas (BRASIL, 2005).
Ainda sobre a mesma questão, Damázio (2005, p. 61) ressalta que a Libras possibilita “o
desenvolvimento linguístico, social e intelectual daquele que a utiliza enquanto instrumento
comunicativo, favorecendo seu acesso ao conhecimento cultural-científico, bem como a
integração no grupo social ao qual pertence”.
No mesmo contexto, os estudos de Carvalho (2007, p. 33), constataram que “[...] a Libras
é o recurso inicial necessário para a verdadeira emancipação dos surdos e sua inclusão tanto
escolar quanto social”.
Ao serem questionados se o aprendizado da Libras é fácil, os dados demonstram que
para os participantes, aprender a Libras é fácil, mas precisa prestar bem atenção aos sinais,
pois, leva um tempo para aprender e tem que ter paciência e persistência. Percebe-se, também
que a facilidade em aprender e/ou o desejo de aprender está diretamente ligado à necessidade
de comunicação nos contextos social, educacional e profissional em que fazem ou precisam
fazer parte.
No contexto, os dados convergem com o que é colocado por Lacerda (2000) ao sinalizar
que o surdo deve aprender o quanto antes sua língua, para que seja mais fácil o processo de
adaptação, não esperando que ocorram situações especiais para, então, buscar por esse
aprendizado.
No mesmo sentido, Quadros (1997) informa que o processo de aquisição da Libras é
parecido com o processo de aprendizagem do Português, pois, também precisa de muita atenção
e prática, contudo, a facilidade está no contexto da pessoa que quer aprender, seus interesses e/ou
objetivos, mesmo diante da complexidade das duas Línguas.
Sendo assim, cita-se Sacks (2010, p. 82) por esclarecer que “além de representar uma
conquista para os surdos, a Libras é um estímulo para novas conquistas e ampliação dos horizontes
para surdos e ouvintes”.
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Em relação ao questionamento sobre qual seria o motivo de a maioria das pessoas ouvintes
não saberem a Libras, os dados demonstraram, de acordo com as percepções dos participantes,
que isso ocorre por vários motivos, dentre esses: por não precisarem da Língua para se comunicar;
por não gostarem da Libras; por acharem difícil e/ou por não querem aprender.
No mesmo contexto, para a maioria dos participantes, as pessoas ouvintes não buscam o
aprendizado da Libras por não precisarem dela para se comunicar, justamente por poderem falar
e escutar, normalmente.
Quanto a importância da Libras à interação entre surdos e ouvintes, sabe-se da grande
necessidade de esta Língua ser inserida nos currículos de todas as instituições de ensino, haja vista
que o número de surdos no Estado do Maranhão tem aumentado, assim, se faz necessário o seu
aprendizado visando a inclusão social, educacional e profissional da pessoa com surdez.
Sobre o assunto, Sá (2002) informa que ainda existem situações de grande desvantagem
para os surdos, portanto, é preciso de mais suporte para que eles possam interagir com tudo o que
há em seu entorno.
Em relação à questão se a pessoa surda consegue se comunicar com quem não sabe a
Libras, os dados revelam que apesar de 3 alunos surdos (S4, S5 e S6) terem respondido que sim,
dois desses informam que a comunicação não é compreensível, é confusa; para 7 alunos surdos
(S1, S2, S3, S7, S8, S9, S10), pouco e/ou muito pouco conseguem se comunicar com quem não
sabe a Língua de Sinais.
Sendo assim, os fatos nos permitem deduzir que a maioria dos alunos surdos não possuem
comunicação, compreensível, com quem não sabe a Libras.
Por tanto, vale citar Skliar (1998, p. 37) ao enfatizar que “quando um surdo é tratado da
mesma maneira que um ouvinte, ele fica em desvantagem”. Para a referida autora, aprender a
Língua de Sinais é tão importante quanto aprender inglês para que o indivíduo se sinta incluído
ao visitar um país de língua inglesa. Se é inclusão, e se incluir é democracia, é importante que
todos, tanto surdos quanto ouvintes, aprendam Libras, aí sim, estaremos tratando a todos de igual
para igual, estaremos realmente incluindo a pessoa surda em diversos contextos.
Ainda sobre o mesmo contexto, Honora e Frizanco (2009) esclarecem que a língua de
sinais é viva como outra qualquer e vive em constante transformação, sempre se adaptando às
condições de inclusão para o entendimento. No caso específico dos surdos, a Libras precisa ser
encarada como uma necessidade deles, por isso a sociedade precisa se conscientizar da relevância
do aprendizado, por todos, dessa língua, em respeito à inclusão das pessoas com surdez em sua
própria pátria.
Assim, de acordo com Goldfel (2000), a sociedade, em sua maioria, ainda possui uma
visão negativa dos surdos e muitos de seus direitos não estão sendo respeitados. Portanto, a
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questão da inclusão precisa ser enfrentada com seriedade, pois todas as pessoas tem que se
entender dentro de suas possibilidades de aprender, e aceitar o diferente como parte integrante de
um grande grupo com diversidades.
Ao serem questionados sobre como se sentiam ao falarem com quem não sabe a Libras, os
dados evidenciaram muita insatisfação por parte dos alunos surdos em relação ao ouvinte que não
consegue entender a Libras e dificulta muito a vida deles, pois a maioria deles fica perdida nas
conversas, se sentindo chateados por não se sentirem inseridos socialmente.
Quando foram indagados se já ouve situação em que se sentiram excluídos socialmente
devido à falta de comunicação com os ouvintes, os participantes foram unânimes ao informar que
já houve várias situações em que precisaram se comunicar com os ouvintes, mas que devido esses
não saberem a Libras, não foi possível uma compreensão entre ambos, ocasionando com isso, uma
exclusão do surdo no contexto social e educacional.
Sobre a referida questão, Lacerda (1996) enfatiza que o surdo é usuário de uma língua
ainda desconhecida por muitas pessoas, e dessa forma, ficam isolados mesmo tendo bons
relacionamentos entre pessoas que estão a sua volta.
Quando foi perguntado se o intérprete da Libras era indispensável nas instituições de
ensino, os resultados revelam que o intérprete da Libras é de extrema relevância, visto que sem a
mediação desse profissional, a maioria das pessoas com surdez fica à margem das informações
e/ou conhecimentos socializados nos espaços sociais, educacionais e profissionais.
Nesse sentido, foi verificado que a ausência do intérprete da Libras no contexto
educacional, para a maioria dos surdos, inviabiliza a aprendizagem. Assim, percebe-se que esses
profissionais são de grande importância no processo ensino-aprendizagem dos referidos alunos e
no decorrer da socialização deles com o mundo no qual se encontram inseridos.
Sendo assim, cita-se os esclarecimentos obtidos por meio do Portal Educação (2017) ao
enfatizar que a importância do intérprete de Libras é devida esse profissional ter
[...] a função de ser o canal comunicativo entre o aluno surdo, o professor, colegas
e equipe escolar, bem como por servir como tradutor entre pessoas que
compartilham línguas e culturas diferentes, [...] mas, seu contato com os alunos
surdos não poderá ser maior que o do professor de sala.
Porém, se faz importante informar, de acordo com Quadros (1997, p. 12), que
[...] o processo de aquisição dos surdos no Brasil é totalmente atípico, pois,
aprendem tardiamente a Libras, com a sua privação acabam dificultando o seu
aprendizado no português escrito, requerendo uma prática pedagógica de forma
mais repensada e significativa.
No mesmo contexto, Silva (2007, p. 21) chama à atenção para o fato de que “as práticas
pedagógicas constituem o maior problema na escolarização das pessoas com surdez”. A autora
também enfatiza que se faz necessário repensar essas práticas para que os alunos com surdez, não
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pensem que suas dificuldades para o domínio da leitura e da escrita sejam unicamente derivadas
da deficiência, mas, sim das metodologias utilizadas no processo ensino-aprendizagem.
Assim, em relação ao processo ensino-aprendizagem de pessoas surdas, Perlin e Miranda
(2011), esclarecem que nesse processo tem que haver proximidade linguística e cultural, para que
haja aprendizagem de maneira eficaz, bem como significativa, isto é, com respeito à pessoa
humana e à cultura do surdo.
Em relação à pergunta sobre o que está faltando para que um maior número de pessoas
aprenda a Libras, os dados revelam, de forma geral, compreender que esse aprendizado é muito
importante para a comunicação com eles, bem como se importar com o processo de socialização
do surdo; respeitar a cultura deles; serem solidários para com suas necessidades de comunicação
específicas; quererem aprender e otimizarem seus tempos para o aprendizado.
Nesse sentido, cita-se Stumpf (2009) por esclarecer que as pessoas pertencem a grupos
organizados e tem sua forma própria de comunicação, assim, precisa existir interesse para
aprender a Libras, pois os surdos precisam compreender o que os ouvintes falam e se comunicar
com eles, visto que por meio da interação todos podem conviver e conversarem com compreensão,
portanto, o aprendizado da Libras precisa ser uma busca consciente de todos em prol da inclusão.
Conclusões
O aprendizado da Libras para a maioria dos alunos surdos do CAS é fácil, mas, necessita
de muito estudo, muita atenção e muita prática, pois, é uma língua que possui muitos sinais e
dentre esses, muitos são parecidos, há muitas variações, precisa de muita atenção e muita prática.
De acordo com os alunos surdos, a maioria das pessoas ouvintes não sabem a Libras porque
não necessitam dela para se comunicar e/ou porque não querem aprendê-la; por não terem
familiares surdos; por desinteresse e pela própria dificuldade de aprender, de algumas pessoas.
Sem a Libras a comunicação entre surdos e ouvintes fica prejudicada. No contexto, todos
ressaltam a importância da Libras à inclusão social, educacional e profissional das pessoas surdas.
Os alunos surdos se sentem perdidos e excluídos ao tentarem se comunicar com quem não
sabe Libras, bem como se sentem, em casos específicos, com raiva, chateados, tristes e com a
sensação de que ninguém os compreende.
Todos os alunos surdos já se sentiram e ainda se sentem excluídos socialmente devido à
falta de comunicação e compreensão entre eles e a maioria das pessoas ouvintes, no caso
específico, em situações de descrédito de suas capacidades e/ou potencial humano; pelo
desinteresse das pessoas ouvintes em quererem se comunicar com eles; pelos estigmas e
preconceitos em relação à deficiência auditiva e/ou surdez; pelos sentimentos de dó para com eles;
pelo descaso e pelas limitações impostas socialmente.
Concluindo os achados da pesquisa, de acordo com os alunos surdos do CAS, o que está
faltando para que as pessoas aprendam a Libras, em primeiro lugar, é quererem aprender, bem
como: sentirem a necessidade de se comunicar com as pessoas surdas; se sensibilizarem com a
condição de exclusão em que os surdos se encontram.
Nesse sentido, se faz necessário a inclusão da Libras, tanto durante a formação inicial
quanto nas formações continuadas, para que a comunicação e/ou interação e interatividade entre
as pessoas surdas e as ouvintes se estabeleça de maneira eficaz nos contextos social, educacional
e profissional.
Portanto, diante dos fatos, é inegável a relevância da Libras no processo de inclusão das
pessoas com deficiência auditiva e/ou com surdez na sociedade em que se encontram inseridos,
assim como se faz urgente a desconstrução de mitos, estigmas, preconceitos e atitudes sociais
desfavoráveis em relação à deficiência e ao potencial humano das referidas pessoas.
Espera-se que este estudo desperte nas autoridades competentes e nas demais
pessoas o olhar e a escuta sensível para a situação de exclusão em que muitas pessoas surdas
estão sendo colocadas, justamente por ser negado a elas o direito ao exercício de suas
cidadanias, o respeito à pessoa humana e à cultura do surdo.
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REFERÊNCIAS
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2010.
SKLIAR, C. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
Resumo: O artigo tem como tema principal a acessibilidade na web, entendida como fator
propulsor do fenômeno da inclusão social e digital, permitindo ao cidadão, independente de
possuir ou não deficiência ou quaisquer limitações, exercer seu direito de acesso à informação
inclusive no contexto dos ambientes web. Objetiva avaliar a acessibilidade do website da
Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (SECMA) com base no Modelo de Acessibilidade
em Governo Eletrônico (eMAG 3.1) sob a perspectiva de usuários com deficiência visual. O
estudo tem natureza exploratória e descritiva com abordagem quali-quantitativa, classificando-se
como estudo de caso, cujo o universo da pesquisa é constituído pelos sítios de internet das 34
Secretarias e Agências de Estado do Maranhão, em que foi selecionada como amostra um site – o
site da SECMA. Configura como projeto de pesquisa em andamento, tendo como método de
análise três perspectivas: avaliação de acessibilidade automática, avaliação de acessibilidade por
inspeção e avaliação de acessibilidade realizada por usuários com deficiência visual. Apresenta os
resultados preliminares da pesquisa obtidos na etapa de avaliação automática. Conclui que há uma
necessidade de reorganização dos sites do poder público estadual do Maranhão e que a
acessibilidade na web desempenha papel chave na construção de uma sociedade mais humana e
igualitária.
Palavras-chave: Acessibilidade. Acessibilidade na web. Inclusão digital. Inclusão social. Acesso
à informação.
Abstract: The main theme of this article is web accessibility, understood as a driving force of the
phenomenon of social and digital inclusion, allowing citizens, regardless of their disability or any
limitations, to exercise their right of access to information even in the context of web
environments. It aims to evaluate the accessibility of the website of the Secretary of State of
Culture of Maranhão (SECMA) based on the e-Government Accessibility Model (eMAG 3.1)
from the perspective of people with visual disabilities. The study has an exploratory and
descriptive nature with a qualitative and quantitative approach, being classified as a case study,
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whose research universe is made up of the websites of the 34 Secretaries and Agencies of the State
of Maranhão, in which a site was selected as a sample. - the SECMA website. It configures as an
ongoing research project, having as its analysis method three perspectives: automatic accessibility
evaluation, inspection accessibility evaluation and accessibility evaluation performed by vision
impaired users. Presents preliminary research results obtained in the automatic evaluation step. It
concludes that there is a need for reorganization of the Maranhão state government websites and
that web accessibility plays a key role in building a more humane and egalitarian society.
Keywords: Accessibility. Web accessibility. Digital inclusion. Social inclusion. Information
Access.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, para a maioria das pessoas, o uso da internet passou a ser algo rotineiro e
contínuo. No trabalho, na escola, assim como nos momentos de lazer, a internet vem
proporcionando a comodidade de serviços, interação social, e acesso amplo e rápido à informação.
No entanto, ainda existem muitas barreiras que impedem as pessoas de desfrutarem das várias
vantagens que essa rede proporciona. Uma dessas barreiras é a criação de interfaces gráficas sem
a utilização de padrões e normas que garantam a acessibilidade a todos, inclusive das pessoas com
deficiência ou limitações temporárias.
O componente Web, por sua vez, desempenha um papel fundamental no avanço que a
Internet representa no cotidiano de pessoas com deficiência ou limitações, facilitando a vida
dessas pessoas, possibilitando a elas novas formas de relacionamento com o mundo,
desempenhando atividades antes inviáveis. Desse modo, a acessibilidade na Web deve ser pensada
como um elemento fundamental para a garantia do direito ao acesso à informação, pois ela
pressupõe que websites devam ser concebidos, projetados e desenvolvidos de forma a permitir
que qualquer pessoa, independentemente de suas capacidades físicas, cognitivas, auditiva, visual,
de fala, etc., possam navegar e interagir tendo igual acesso à informação, às funcionalidades, aos
serviços e produtos disponíveis em rede.
Contudo, o desenho universal visado pelos sites governamentais, por vezes, cria ambientes
informacionais demasiadamente simples e, consequentemente, geram lacunas quanto ao
atendimento das necessidades de determinados perfis de usuários, como por exemplo, usuários
com deficiência visual, os quais não podem ter suas necessidades especiais agrupadas ou
generalizadas. Estes e outros usuários com diferentes tipos de deficiência são mais prejudicados
ao percebermos: a quantidade excessiva de informações presentes em sites de órgãos
governamentais; a desorganização destas informações nas páginas desses sites – o que prejudica
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2 METODOLOGIA
O estudo caracteriza-se como pesquisa científica teórica-empírica, que busca investigar
sobre o processo de interação e usabilidade do website da Secretaria de Estado da Cultura do
Maranhão (SECMA) por usuários com deficiência visual. Quanto aos objetivos, a pesquisa é do
tipo exploratória e descritiva, uma vez que será explorada a realidade empiricamente em busca de
maior conhecimento para posterior descrição. A abordagem é qualitativa e conta com uma
pesquisa bibliográfica, uma vez que se busca mapear e compreender a produção cientifica em
livros, artigos, bancos de teses e dissertações etc., a base conceitual para intermediar a discussão
dos resultados.
Possui natureza avaliativa, no contexto das interfaces de usuários, uma vez que será
realizado um ensaio de interação com usuários deficientes visuais, com o objetivo de avaliar a
acessibilidade do site em questão.
Segundo Prates e Barbosa (2003), a avaliação de interfaces de usuário visa analisar a
qualidade de uso de um sistema, entendendo-se por qualidade de uso a facilidade e a eficiência de
aprendizado e de uso de um sistema, assim como a satisfação do usuário com relação a este
aprendizado/uso.
Página 211 de 2230
Ainda quanto a avaliação, vale destacar, esta teve caráter somativo, considerando avaliação
somativa como sendo a avaliação que ocorre sob um produto já finalizado, diferenciando-se da
avaliação formativa, como explicam Prates e Barbosa (2003, não paginado):
Normalmente, enquanto as avaliações formativas têm por objetivo melhorar a
qualidade do sistema, tornando-o mais usável para o usuário, as avaliações
somativas buscam verificar a existência de determinados aspectos no sistema
desenvolvido, como por exemplo a sua conformidade com um padrão
estabelecido.
Atualmente, o site da SECMA possui 504 páginas, portanto, foram selecionadas 3 páginas
para a avaliação, conforme as recomendações do W3C/WAI, que sugere que sejam analisadas as
páginas iniciais dos sites, páginas que contenham formulários, tabelas, com imagens informativas,
páginas que contenham alguma funcionalidade, bem como páginas que gerem resultados de forma
dinâmica.
Assim, foram escolhidas as seguintes páginas: página principal (página inicial) da
Secretaria de Estado da Cultura, pois é através desta que seus usuários são remetidos a outras
páginas; página de cadastro do e-OUV, pois é através desta ferramenta que o cidadão maranhense
tem a possibilidade de tirar dúvidas, exprimir críticas e se informar, de maneira geral, sobre
eventos culturais promovidos pela Secretaria; página da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, pois
traz informações gerais sobre como produtores culturais podem conseguir patrocínio, orientando
estes a submeter projetos culturais.
Diversos autores recomendam a utilização de mais de um método na avaliação de
acessibilidade (BRAJNIK, 2006); (EMAG, 2014); (WCAG, 2018); (BREWER, 2002). É também
reconhecida a eficiência da combinação desses métodos, em especial métodos de inspeção (em
que se tem o olhar do especialista) com testes com usuários:
3 ACESSIBILIDADE
24
De acordo com Nielsen (2000), para se identificar problemas reais em uma interface, um experimento onde constam
de 3 a 5 usuários participantes é suficiente para a avaliação desta.
Página 212 de 2230
Acessibilidade, de acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(2006), significa dizer que pessoas com deficiência terão seus direitos assegurados assim como as
demais pessoas, abrangendo os direitos de acesso ao meio físico, ao transporte, à informação e
comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a
outros serviços e instalações.
Mas o que significa, em seu contexto amplo, a palavra “deficiência”? À nível internacional,
o conceito de deficiência amplamente aceito é o da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF, 2004), que substituiu o enfoque negativo do conceito de deficiência
recaído em sua edição anterior (Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e
Desvantagens - CIDID), ambos os documentos fazendo parte da “família” de classificações
desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por deficiência, a CIF (2004) entende como problemas nas funções ou estruturas do
corpo25. Também se classifica deficiência em 3 grandes grupos: temporária ou permanente;
progressiva, regressiva ou estável; intermitente ou contínua.
A incapacidade, por sua vez, é o resultado de uma complexa relação entre condição de
saúde – fatores pessoais – fatores externos do/ao indivíduo, determinando a funcionalidade deste
indivíduo em determinado domínio de sua vida (ver figura 1).
Figura 1 - Interação entre os componentes da CIF
25
O corpo é entendido como organismo humano no seu todo, incluindo assim as funções mentais (ou psicológicas).
Página 213 de 2230
[...] elas não são apenas uma consequência das condições de saúde/doença, mas
são determinadas também pelo contexto do meio ambiente físico e social, pelas
diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela
disponibilidade de serviços e de legislação. (FARIAS; BUCHALLA, 2005, p.
190).
3.1 Inclusão social através da acessibilidade
Tendo em vista a diversidade de pessoas na sociedade contemporânea, torna-se
imprescindível discutir-se sobre aspectos que compõe o conceito de inclusão social. Partindo do
conceito de Sposati (1996), Passerino e Montardo (2007, p. 5) entendem inclusão social como
sendo:
[...] o processo estabelecido dentro de uma sociedade mais ampla que busca
satisfazer necessidades relacionadas com qualidade de vida, desenvolvimento
humano, autonomia de renda e equidade de oportunidades e direitos para os
indivíduos e grupos sociais que em alguma etapa da sua vida encontram-se em
situação de desvantagem com relação a outros membros da sociedade.
Numa vertente mais específica e mais atual da inclusão social encontramos a inclusão
digital, onde o cidadão do século XXI possui um direito a mais, o direito de ser incluído
digitalmente. Assim, “[...] inclusão digital é um processo que deve levar o indivíduo à
aprendizagem no uso das TICs e ao acesso à informação disponíveis nas redes, especialmente
aquela que fará diferença para a sua vida e para a comunidade na qual está inserido.” (SILVA et
al., 2005, p. 32).
Desta forma, o conceito de acessibilidade torna-se parte dessa complexa problemática que
é a inclusão social/digital, merecendo especial atenção, uma vez que envolvem questões de suma
importância para o pleno exercício da cidadania, como a própria formação intelectual, cultural e
política dos cidadãos.
Podemos entender, portanto, que a acessibilidade relaciona-se com o conceito de inclusão
social na medida em que vislumbramos a inclusão social como um paradigma de sociedade, onde
os sistemas da sociedade respeitam as diversidades humanas – etnia, raça, língua, nacionalidade,
gênero, orientação sexual, deficiência, etc. – oferecendo-lhes condições equitativas de atuarem
nos mais diversos contextos da vida. (SASSAKI, 2009, p. 1).
Inclusão social, como visto, irrecusavelmente liga-se ao conceito de cidadania, haja vista
que cidadania, resumidamente, significa o pleno exercício dos direitos e deveres civis, políticos,
sociais, etc., previstos na Constituição de um país, por parte dos indivíduos nascidos ou
naturalizados neste país (seus cidadãos), o que, obviamente, inclui o direito do acesso à
informação. Assim, em meio a dita “sociedade da informação”, a questão da cidadania tem
importante função a desempenhar nesse processo, conscientizando seus indivíduos, através do
acesso à informação, ao conhecimento e educação, pelas quais a formação e o exercício da
cidadania são operacionalizados. (ROCHA, 2000).
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4 ACESSIBILIDADE À WEB
O conceito de acessibilidade na web se relaciona com o conceito de usabilidade e visa
assegurar que todo o usuário tenha o direito de acessar as informações, os recursos e os serviços
que desejar, como explica Melo (2006, p. 33): “A acessibilidade na web, ou rede mundial de
26
Essas informações vão desde informações a título de identificação, como estrutura organizacional, telefone,
endereço, a informações mais específicas ligadas as atividades destes órgãos e entidades, como: recurso financeiro,
registro de despesas; dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras e; respostas a
perguntas frequentes da sociedade.
27
Competência informacional ou literacia em informação, originalmente information literacy, é um termo cunhado
nos Estados Unidos, na literatura de Biblioteconomia, na década de 70, que significa a capacidade de acessar, buscar,
usar e recriar a informação.
Página 216 de 2230
computadores, diz respeito a viabilizar que qualquer pessoa, usando qualquer tecnologia adequada
à navegação web esteja apta a visitar qualquer site, obtenha a informação oferecida e interaja com
o site.”
Usabilidade e Acessibilidade apesar de serem termos parecidos, não devem ser
confundidos. Como vimos, usabilidade está relacionada com a facilidade e satisfação do usuário
em navegar em um site, enquanto que acessibilidade na web diz respeito à superação de barreiras
de acesso e adaptação dos sites de modo que aumentem as possibilidades já existentes nos
navegadores.
Podemos afirmar, portanto, neste contexto, que usabilidade se relaciona com o conceito de
acessibilidade na medida em que ambos os termos se preocupam em como tornar o conteúdo
informacional disponível ao usuário, da melhor forma possível.
Buscando aporte teórico na literatura técnico-científica a respeito da acessibilidade em seu
contexto teórico e aplicável, Hogetop e Santarosa (2002, p. 2) ressaltam a relevância das ajudas
técnicas para o alcance da independência do usuário no contexto da educação, quanto à utilização
e interação com as TIC, caracterizando-as como:
[...] conjunto de recursos que, de alguma maneira, contribuem para proporcionar
às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (PNEEs) maior
independência, qualidade de vida e inclusão na vida social através do
suplemento (prótese), manutenção ou devolução de suas capacidades
funcionais: desde uma simples bengala, um par de óculos, cadeiras de roda, até
complexos sistemas computadorizados que permitem o controle do ambiente ou
a própria expressão e comunicação do indivíduo.
Dentre estas ajudas técnicas ou próteses, destacam-se as chamadas tecnologias assistivas28,
definidas como “os equipamentos (hardware) e os programas (software) que têm como função
mediar a interação homem-computador, possibilitando às PNE a realização de atividades motoras,
perceptivas e cognitivas.” (PASSERINO; MONTARDO, 2007, p. 14).
Contudo, as tecnologias assistivas por si só não promovem a acessibilidade para pessoas
com deficiência, não garantindo, de maneira integral, o acesso ao conteúdo de uma página da
Web. Assim “[...] é necessário que a página tenha sido desenvolvida de acordo com os padrões
Web (Web Standards) e as recomendações de acessibilidade [...]” (eMAG, 2014, p. 8), como
veremos nas subseções 4.1 e 4.2.
4.1 World Wide Web Consortium / Web Acessibility Iniciative (W3C/WAI): padrões
internacionais
28
As tecnologias assistivas abrangem uma gama de ferramentas, tais como: sintetizadores de voz, softwares de
reconhecimento de voz, softwares de ampliação de tela, display braile, teclados e mouses adaptados ou alternativos,
leitores de tela, lupa eletrônica, navegadores alternativos como o Zac Browser para autistas ou Lynx para pessoas
com deficiência visual, etc.
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29
A missão do Grupo de Trabalho das Diretrizes de Acessibilidade é desenvolver diretrizes para tornar o conteúdo
da Web acessível para pessoas com deficiência, bem como desenvolver e manter materiais de suporte à
implementação das Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo da Web, como WCAG 2.1, Understanding WCAG
2.0, WCAG 2.0 Techniques, entre outros.
Página 219 de 2230
30
Os níveis de prioridade A, AA e AAA adotados pelo WCAG até hoje, foram abandonados por entender-se que, por
se tratar de sites do governo eletrônico brasileiro, não seriam permitidas exceções quanto ao cumprimento de alguma
recomendação.
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5 RESULTADOS PARCIAIS
Nesta sessão, apresentamos os problemas de acessibilidade identificados na etapa de
avaliação automática através da análise dos relatórios de avaliação emitidos pelo software,
indicando: quais recomendações do eMAG (2014) não foram seguidas; a justificativa
(necessidade) em se seguir cada recomendação; bem como os locais (páginas) onde os problemas
foram identificados. Desta forma, observou-se que as seguintes recomendações não foram
seguidas:
Recomendação 1.3 - Utilizar corretamente os níveis de cabeçalho: os níveis de cabeçalho
(elementos HTML H1 a H6) devem ser utilizados de forma hierárquica, pois organizam a ordem
de importância e subordinação dos conteúdos, facilitando a leitura e compreensão.
Local: Página inicial do site da SECMA e Página de cadastro do e-OUV.
Justificativa: Muitos leitores de tela utilizam a hierarquia de cabeçalhos como uma forma de
navegação na página, pulando de um para outro, agilizando e facilitando assim, a navegação e
compreensão do conteúdo.
Recomendação 1.5 - Fornecer âncoras para ir direto a um bloco de conteúdo: devem ser
fornecidas âncoras, disponíveis na barra de acessibilidade, que apontem para links relevantes
presentes na mesma página. Assim, é possível ir ao bloco de conteúdo desejado. Os links devem
ser colocados em lugares estratégicos da página, como no início e fim do conteúdo e início e fim
do menu.
Local: em todas as páginas inspecionadas.
Justificativa: é importante que o site utilize de âncoras uma vez que o “salto por âncoras” é o
salto mais universal de todos e comumente utilizado por navegadores textuais (bastante utilizados
por usuários deficientes visuais) bem como por todos os leitores de tela. Agiliza também o
caminho a ser percorrido pelo usuário até chegar ao conteúdo principal do site, uma vez que este
tipo de salto permite ao usuário ir direto ao bloco de conteúdo da página através de atalhos, como
Alt + 1.
Recomendação 1.9 - Não abrir novas instâncias sem a solicitação do usuário: a decisão de
utilizar-se de novas instâncias – por exemplo abas ou janelas - para acesso a páginas e serviços ou
qualquer informação deve ser de escolha do usuário. Assim, não devem ser utilizados:
Pop-ups;
A abertura de novas abas ou janelas;
O uso do atributo target=“_blank”;
Mudanças no controle do foco do teclado;
Página 221 de 2230
Entre outros elementos, que não tenham sido solicitados pelo usuário.
Local: em todas as páginas inspecionadas, especialmente a Página inicial.
Justificativa: é muito importante que os links abram na guia ou janela atual de navegação, pois
os usuários com deficiência visual podem ter dificuldade em identificar que uma nova janela foi
aberta. Além disso, estando em uma nova janela, não conseguirão retornar à página anterior
utilizando a opção voltar do navegador. Quando for realmente necessária a abertura de um link
em nova janela, é recomendado que tal ação seja informada ao usuário no próprio texto do link.
Isso permite ao usuário decidir se quer ou não sair da janela ou aba em que se encontra e, caso
decida acessar o link, ele saberá que se trata de uma nova aba ou janela.
Recomendação 3.5 - Descrever links clara e sucintamente: deve-se identificar claramente o
destino de cada link, informando, inclusive, se o link remete a outro sítio. Não se deve utilizar o
atributo title - para descrições adicionais ao link, faça no próprio texto do link.
Local: em todas as páginas inspecionadas, especialmente a Página inicial.
Justificativa: é preciso que o texto do link faça sentido mesmo quando isolado do contexto da
página, de forma a permitir que um usuário com deficiência visual entenda qual o conteúdo do
link bem como para onde será redirecionado. Quanto ao atributo title, este não deve ser utilizado
uma vez que não é bem suportado por leitores de tela, além de não ser bem utilizado para quem
navega utilizando apenas o teclado.
Recomendação 3.6 - Fornecer alternativa em texto para as imagens do sítio: deve ser
fornecida uma descrição para as imagens da página, utilizando-se para tanto o atributo alt, por
exemplo:
Figura 2 – Exemplo de descrição de imagem
6 CONCLUSÃO
Na presente pesquisa, através de um estudo de caso de avaliação de acessibilidade,
objetivou-se avaliar a acessibilidade do site da SECMA sob a perspectiva de usuários com
deficiência visual com base no padrão nacional de acessibilidade – eMAG 3.1.
Apresentou-se os resultados preliminares advindos da primeira etapa da pesquisa
(avaliação automática), resultados estes que foram alcançados através da análise dos dados
provenientes dos relatórios emitidos pelo software de avaliação ASES Web.
Nesta análise, foram selecionados os erros indicados pelo software que indicassem
problemas de acessibilidade web para um grupo específico de usuários – pessoas com deficiência
31
“foto-porto-alegre.jpg" é o nome da imagem dada pela pessoa que escreveu o código da página.
32
"Foto de uma bicicleta de carga verde com caixas laranjas encostada numa parede" é o texto alternativo ao nome
da imagem.
Página 223 de 2230
visual. Assim, pôde-se elencar as recomendações do eMAG 3.1 não seguidas pelo site em estudo,
apontando inclusive a justificativa em se seguir cada uma destas.
O estudo se mostra altamente relevante para a comunidade científica, uma vez que
acessibilidade em interfaces digitais, em especial no contexto da web, se mostra como um tema
em voga, instigante e, relativamente pouco estudado na área da Ciência da Informação, podendo
contribuir assim para a fundamentação teórica de outros trabalhos de mesmo viés.
Quanto a sua contribuição e relevância social, através dos resultados provenientes da
pesquisa poder-se-á identificar os problemas de acessibilidade presentes nos websites de órgãos
públicos tão importantes para a população ludovicense, permitindo assim inferir sobre as medidas
cabíveis para a reorganização dos websites, com base em conceitos como arquitetura da
informação, design responsivo e, principalmente, nos requisitos delineados pelo eMAG 3.1.
Por fim, com este trabalho, espera-se contribuir para a construção de uma sociedade mais
igualitária e democrática, com respeito às diferenças, e que permita aos indivíduos inseridos (ou
não) nesta sociedade, exercer, com autonomia, seus direitos enquanto cidadãos, especialmente no
que diz respeito ao direito do acesso à informação em ambientes web.
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Página 226 de 2230
Evileno Ferreira
Licenciado em Ciências Humanas - UFMA
Jeane Pimenta Amorim
Licenciada em Ciências Humanas - UFMA
Doracy Gomes Pinto Lima
Mestre em Educação - UFMA
Francilene do Rosário de Matos
Mestre em Educação - UFMA
Eixo temático 1: Arte, Tecnologia e Educação
ABSTRACT: The analysis of teaching practice refers to concerns about recognizing the real
meaning of being a teacher today. In times of uncertainty in education, training teachers committed
Página 227 de 2230
to a pedagogical practice focused on social quality, has become the biggest challenge of teacher
training. This work aims to socialize the analysis on some dimensions of teaching practice, based
on data from the Teaching Work in Basic Education survey in the municipality of Pinheiro-MA,
developed between 2017 and 2018 by the UFMA Teaching and Research Group . The research
aimed to analyze, from the perspective of public basic education teachers, some of the dimensions
of teaching work, identifying characteristics that make up their profile, what they do and under
what conditions they perform their work in educational units. For this study, aspects that identify
the perception of the nuances of teaching work were selected, such as: satisfaction with the
teaching career; thoughts during teaching activities; control over pedagogical issues; professional
positioning in the educational unit; importance of the pedagogical objectives of teaching work;
more achievable expectations in the coming years; and agreement on factors to improve the quality
of work at school. Finally, it was considered that in view of the current conjuncture of economic
and social transformations, education was incorporated into the process of state reform, which
triggered significant impacts on teaching, initially putting teachers in suspension and subsequently
requiring reconstruction of their identity and, consequently, the revision of their professional
positioning to face the challenges of the profession.
Keyword: Education. Basic education. Teaching Work.
INTRODUÇÃO
alcançou o 39°lugar na economia devido ao seu Produto Interno Bruto (PIB). Em 2010 o IDHM33
foi registrado em 0,637.
Em relação a Educação, em Pinheiro-MA, foram apresentados dados oficiais, que
apresentam que, houve um avanço significativo nos indicadores da avaliação, sobre a Educação
Básica, sem levar em consideração, uma maior aproximação em relação as metas estabelecidas.
Os resultados do IDEB em 2005, foram 3.2 e 3.0, estes para os anos iniciais e finais,
respectivamente. Em 2017, o resultado dos anos iniciais chegou a 4.9, este correspondente a meta
e dos anos finais foi de 3.9, mantendo ainda bem longe de alcançar a meta que era de 4.5. Em
relação ao Ensino Médio, não houve possibilidade de avaliar esse crescimento, devido não haver
nenhum registro dos anos anteriores, nem metas estabelecidas para o ano, em 2017, alcançou 3.2.
Percebe-se que, neste ano de 2019, essa realidade foi bem diferente, tanto para as escolas
municipais, quanto as estaduais, pois visando um melhor desenvolvimento dos alunos, foram
criados alguns programas, para que os educandos tivessem aulas de reforço, para assim se
sobressaíssem bem nas avalições nacionais e obterem um bom rendimento no IDEB34. Nas
escolas estaduais esse programa era: o “mais IDEB” e nas escolas municipais” Vem IDEB’.
Nota-se que o trabalho docente vem passando por modificações advindas das reformas
administrativas e educacionais, instaladas no Brasil desde a última década do século XX. A
formação dos profissionais da educação durante anos manteve-se asseguradas por uma preparação
profissional na qual a linearidade e a homogeneidade eram garantidas, pela reprodução em serie
do saber.
Segundo Souza e Gouveia (2012), verifica-se a existência de políticas que tanto tornam o
trabalho docente mais fragmentado e precarizado, como ações, mesmo em menor proporção, que
valorizam a profissão docente, como são os casos da Lei Federal do Piso Salarial Profissional
Nacional do Professores e as Diretrizes Nacionais para Carreira do Magistério.
As reformas educacionais da década de 90 colocaram como um dos pontos fundamentais
para a melhoria da educação a formação dos professores. Dessa forma, o interesse pelo professor
e por sua formação passou a ser central e ganhou ênfase, evidenciando um movimento mais geral,
não só no Brasil, mas em outros países, e aconteceu em função de uma nova compreensão sobre
o professor e seu papel na educação e na sociedade.
33
O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), é uma medida comparativa usada para classificar os
países pelo seu grau de “desenvolvimento humano” é para ajudar e classificar os países como desenvolvidos
(desenvolvimento humano muito alto), em desenvolvimento (desenvolvimento humano médio e alto) e
subdesenvolvidos (desenvolvimento humano baixo). A estatística é composta a partir de dados de expectativa de vida
ao nascer, educação e PIB (PPC) per capta (como indicador do padrão de vida) recolhidos em nível nacional.
34
IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), foi criado em 2007, reúne, em um só indicador, os
resultados de dois importantes conceitos para a qualidades da educação: fluxo escolar e as médias de desempenho nas
avaliações. Ele é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar obtidos no Censo Escolar, e das médias de
desempenho nas avaliações do Inep, o Sistema de Avaliação da Educação Básica(Saeb)- para as unidades da federação
e para o pais- e a Prova Brasil- para os municípios.
Página 229 de 2230
Percebe-se que, a formação docente tem sido comumente organizada de forma burocrática
e estática e em muitos momentos imobiliza e não capacita o profissional. Sendo assim, as ações
ficam mais no plano ideológico do que na realidade escolar, que continua atrelada a modelos
inibidores de mudanças. Nesse sentido, urge trabalhar uma nova formação mais flexível e humana.
Para tanto, o processo de formação precisa se preocupar e refletir na sua concepção,
organização, realização, gestão e avaliação sobre as novas maneiras de ser, agir, de poder, de
comunicar, de relacionar-se e de estar com os outros.
Diante dessa realidade o grupo de estudo e pesquisa sobre a formação e trabalho docente
da Educação Básica, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em Pinheiro-MA, intitulado
GEP/Formação e Trabalho Docente, desenvolveu a pesquisa Trabalho Docente na Educação
Básica no município de Pinheiro-MA, no período de 2017 à 2018.Esta pesquisa teve como
objetivo analisar, a partir da perspectiva dos professores, algumas das dimensões do trabalho
docente no município de Pinheiro MA, identificando características que compõem o perfil desses
sujeitos, o que fazem e em que condições realizam seu trabalho nas unidades educacionais de
Educação Básica da rede pública municipal e estadual.
Para que a pesquisa fosse realizada, foram feitas parcerias com Unidade Regional da
Secretaria Estadual de Educação em Pinheiro (URE- Pinheiro), a Secretaria Municipal de
Educação de Pinheiro(SEMED-Pinheiro), para assim, termos acesso as informações básicas sobre
a estrutura educacional do município e apresentação da equipe de pesquisa ás escolas, além do
apoio financeiro obtido por meio de aprovação em edital próprio da Fundação de Amparo à
Pesquisa e ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico do Maranhão ( FAPEMA).
Portanto, considera-se a importância da pesquisa que proporcione uma leitura cientifica
sobre o perfil e as condições de trabalho dos profissionais da Educação Básica, a fim de retratar
as consequências das novas configurações da profissão docente e a partir daí prospectar análises
aprofundadas. Da mesma forma, contribuir para a aplicação de medidas de intervenção sobre as
problemáticas educacionais que assolam os municípios, principalmente aqueles de baixo IDH,
como a maioria dos municípios maranhenses.
Nesta perspectiva buscou-se através da pesquisa identificar a realidade do trabalho
docente, por meio da revelação de informações sobre a percepção dos professores sobre o universo
docente da Educação Básica, isto é, as unidades educacionais em que estão lotados; seu perfil
sociodemográfico; sua formação profissional; sua situação funcional; sua valorização
profissional; seus rendimentos e atividades paralelas; seu contexto familiar; quais atividades
exercidas no ambiente escolar; como se dá o envolvimento dos pais do alunos; seu relacionamento
com os alunos; seu relacionamento com seus pares; gestão escolar e avaliação docente; os fatores
Página 230 de 2230
METODOLOGIA APLICADA
foi definido e seguido para a gráfica para reprodução do quantitativo necessário para dar-se início
ao trabalho de campo.
Estabelecido o instrumental, houve a necessidade de melhor reconhecimento do campo de
trabalho. Buscou-se, para tanto, documentos e informações fornecidas pelos parceiros, onde
verificou-se que a organização administrativa do município de Pinheiro subdivide o território em
uma unidade central, chamada SEDE, considerada urbana e 12 POLOS da zona rural, como
demonstrado no QUADRO 2:
A seleção das escolas a serem pesquisadas em cada um dos polos foi feita, seguindo o
critério de sempre contemplar a escola-polo, assim considerada pela administração para fins de
referência e apoio às demais escolas, e mais algumas outras escolas definidas a partir do acesso
mais facilitado, considerando a difícil mobilidade dos pesquisadores
Para o tratamento dos dados foi utilizado o programa IBM SPSS Statistics versão 21. O
banco de dados foi elaborado com a criação de 264 variáveis, que pelo caráter objetivo do
questionário na maioria foi estabelecida como numérica, com exceções de algumas variáveis
sequenciais, criadas para contemplar aqueles respondentes que não encontrando opções que
correspondessem à sua opinião, poderiam indicar por escrito as suas respostas.
Os 405 questionários respondidos foram cadastrados eletronicamente pelos pesquisadores,
em tabelas próprias de Microsoft Excel, que posteriormente foram importadas para o SPSS.
Levando em consideração a extensão do questionário, percebeu-se que houve professores que por
algum motivo deixou de responder algumas das questões. Por essa razão, teve-se a preocupação
de observar o percentual da amostragem por variável analisada, de forma a garantir que os
resultados deixassem de ser representativos.
É interessante lembrar que para o universo de 1560 professores, o percentual mínimo de
amostragem é de 20 por cento dos resultados válidos, o que foi correspondido nas 264 variáveis
analisadas. Para efeito de composição da análise também foram destacados os dados referentes á
quantidade de variáveis que não receberam respostas dos professores.
Para análise dos resultados, recorreu-se a alguns estudiosos do tema com destaque para
Dalila Oliveira, que discute o trabalho docente sob a ótica das reformas educacionais neoliberais,
as quais demanda uma reconfiguração do papel e do perfil do professor e Maria de Fátima Ribeiro
Franco Lauande, no que se refere à profissionalização docente concebida pelos novos referenciais
e novas diretrizes curriculares baseados nas competências e que induzem às mudanças nos
conteúdos, nas metodologias e na avaliação do processo de ensino-aprendizagem.
Página 234 de 2230
Total Válidos
Parcialmente
Indiferente
Respondeu
Concordo
Concordo
Concordo
Amostra
AFIRMAÇÕES SOBRE A
Total
Não
Não
Sou
PRÁTICA DOCENTE
Importância
Importante
Importante
Importante
Respondeu
Amostra
OBJETIVOS
Válidos
Pouco
Muito
Total
Total
Sem
Não
PEDAGÓGICOS DO
TRABALHO DOCENTE
Como pode ser visto na TABELA 43 todos foram tratados pela maioria dos professores
como muito importante. Com destaque para os objetivos de preparar os alunos para serem
cidadãos responsáveis (80,7%); fazer os alunos adquirir as competências básicas de ler, escrever
e contar (78,8%); educar os alunos segundo os valores e normas sociais (75,3%); instruir os alunos
(74,6%) e; promover o desenvolvimento integral do aluno/criança (71,6%).
CONSIDERAÇOES FINAIS
não consideram ter medo dos alunos. Sentem-se realizados e valorizados. Percebem que os alunos
respeitam sua autoridade, não se sentindo atordoados com sua indisciplina. Mesmo achando que
ao final do dia os alunos aprendem alguma coisa, reconhecem que as demandas são diversas e têm
dificuldades de atende-las. E, por fim, reconhecem seu importante papel na vida dos alunos e, por
tudo isso, se sentem satisfeitos com a atividade de cuidar dos alunos.
O compartilhamento de atividade com os colegas é declarado pela maioria dos docentes
como promovido pelas formações e capacitações, havendo também trocas de materiais
pedagógicos, discussão sobre a situação dos alunos e experiências sobre métodos de ensino.
Os três objetivos pedagógicos considerados pelos professores como os mais importantes
foram: preparar os alunos para serem cidadãos responsáveis; fazer os alunos adquirirem as
competências básicas de ler, escrever e contar e; educar os alunos segundo os valores e normas
sociais.
Tendo em vista o objetivo descritivo da pesquisa, observou-se que as conclusões
apresentadas limitaram a elucidar os aspectos investigados, sem fazer análises das constatações.
Cada uma das inferências apresentadas tem potencial para se tornar objeto de pesquisa, requerendo
o desenvolvimento de investigações exploratórias e explicativas. Possivelmente pode-se continuar
tratando os dados sob uma abordagem quantitativa, a partir do processo de análise de dependência
entre as variáreis ou através de análises comparativas com dados oriundos de pesquisas nacionais.
Também há espaço para a seleção de objetos de pesquisa entre os fenômenos identificados e, sob
uma abordagem qualitativa, desenvolver pesquisas de campo. Enfim, a partir das informações aqui
elencadas pode-se e deve-se realizar futuras pesquisas que possam responder suas influências,
causas e efeito.
Portanto, finalizamos esta tarefa agradecendo a todos aqueles que possibilitaram o
desenvolvimento desse trabalho, primeiramente os professores da Educação Básica de Pinheiro,
pela sua disponibilidade em contribuir com a pesquisa e aos diretores das unidades educacionais,
por tão bem receberem a equipe de pesquisadores. Gratos também à Unidade Regional de
Educação-Pinheiro (URE-Pinheiro) e a Secretaria Municipal de Educação de Pinheiro (SEMED-
Pinheiro), pelo apoio incondicional e disponibilidade de acesso irrestrito à informações e espaços
escolares. E, por fim, o muito obrigada pelo apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa
do Estado do Maranhão (FAPEMA), que oportunizou os meios de desenvolvimento e a
materialização final dos resultados que estão sendo entregues agora.
REFERENCIAS
Página 239 de 2230
LAUANDE, Maria de Fátima Ribeiro Franco. Formação Docente: um estudo a partir do tema
da profissionalização. In. Licenciaturas: métodos e práticas em diálogo. São Luís: Edufma, 2012.
MARTINS, Gilberto. THEÓPHILO, Carlos Renato. Metodologia da investigação científica
para ciências sociais aplicadas. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
Resumo: Ao longo da história do povo negro no país, os quilombos foram locais de refúgio,
resistência e luta por direitos, incluindo educação. A luta por ampliação do direito educacional
levou a conquistas, mas a garantia de educação de qualidade ainda é um desafio até os dias atuais.
Este estudo teve por objetivo analisar as condições de oferta educacional a crianças quilombolas
na atualidade, refletindo sobre ambiguidades em relação à conquista do direito à educação.
Utilizou-se pesquisa bibliográfica, além de pesquisa de campo na escola quilombola da
comunidade Marajá, município de Bequimão/MA. Foram realizadas observações e entrevistas
semiestruturadas com atores escolares, no intuito de apreender aspectos relacionados à oferta de
educação pública. Identificaram-se limitações quanto à garantia de educação às crianças
quilombolas, relacionadas à estrutura física, recursos materiais e pedagógicos. Também,
percebeu-se a necessidade da implementação de adaptações curriculares que atendam as
especificidades locais, tendo em vista a inexistência de proposta pedagógica relacionada com a
realidade histórica e sociocultural da comunidade, aspecto que também associa-se ao processo de
exclusão do povo negro do espaço educativo.
Palavras-chave: Políticas Educacionais. Educação Quilombola. Direito educacional.
Abstract: Throughout the history of black people in the country, quilombos have been a place of
refuge, resistance and struggle for rights, including education. The struggle to expand educational
law has led to achievements, but ensuring quality education is still a challenge to this day. This
study aimed to analyze the conditions of educational offer to quilombola children today, reflecting
on ambiguities in relation to the achievement of the right to education. Bibliographic research was
used, in addition to field research in the quilombola school of the Marajá community, in Bequimão
/ MA. Observations and semi-structured interviews were carried out with school actors, in order
to apprehend aspects related to the provision of public education. Limitations were identified
regarding the guarantee of education for quilombola children, related to the physical structure,
Página 241 de 2230
material and pedagogical resources. Also, there was a need to implement curricular adaptations
that meet local specificities, in view of the lack of a pedagogical proposal related to the historical
and socio-cultural reality of the community, an aspect that is also associated with the process of
exclusion of black people from the educational space.
Keywords: Educational Policies. Quilombola Education. Educational law.
INTRODUÇÃO
35
Dados atualizados pela Fundação Cultural Palmares até 02/08/2019. Disponível em: <
http://www.palmares.gov.br/?page_id=37551>
Página 242 de 2230
desde fins do século XVIII. Considerando práticas desenvolvidas no interior das instituições ainda
no período imperial, indica a autora:
36
Dados retirados de < http://www.palmares.gov.br/sites/mapa/crqs-estados/crqs-ma-02082019.pdf>
37
Esse tópico foi elaborado com base em informações coletadas junto à Associação de Moradores do Povoado
Marajá-Bequimão e entrevistas realizadas na escola-campo.
38
Vale ressaltar que o povoado Areal, localidade em que situa-se a escola-pólo, não é uma comunidade quilombola.
Página 245 de 2230
de sujeitos históricos e políticos. Todavia, apesar dos avanços alcançados a oferta de educação na
comunidade ainda enfrenta contradições e desafios.
Art. 2º Cabe à União, aos Estados, aos Municípios e aos sistemas de ensino garantir:
I) apoio técnico pedagógico aos estudantes, professores e gestores em atuação nas escolas
quilombolas;
II) recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários que atendam às
especificidades das comunidades quilombolas;
c) a construção de propostas de Educação Escolar Quilombola contextualizadas
(Brasil/CNE/CEB, 2012).
Além disso, faz-se necessário uma gestão democrática e que seja formada
preferencialmente pelos próprios quilombolas, com professores e gestores membros da
comunidade de modo a favorecer a construção e o desenvolvimento de propostas pedagógicas que
respeitem e valorizem os conhecimentos e especificidades desses grupos étnicos.
Durante visita à escola-campo foram realizadas observações e entrevistas com professora,
gestora e alunos no sentido de analisar as condições de oferta educacional a crianças quilombolas
na atualidade, refletindo sobre ambiguidades em relação à conquista do direito à educação.
Na visita à escola-campo, observou- se que a estrutura física do espaço escolar é restrita,
não possuindo área para o lazer das crianças, nem para realização de atividades culturais. O espaço
físico é composto por uma (01) cantina, um (01) banheiro e uma (01) sala de aula, que recebe
crianças de (quatro) 4 a (dez) 10 anos em apenas um turno (matutino).
Em relação aos recursos humanos, conta com a presença de uma (01) docente apenas, que
realiza o ensino de forma multisseriada. Também, de uma (01) profissional de apoio operacional
Página 246 de 2230
Repercussões na aprendizagem
Página 247 de 2230
Os desafios enfrentados pelo povo negro no Brasil em torno da educação não estão ligados
somente ao preconceito, mas também à condições inadequadas de oferta educacional, inclusive
em comunidades quilombolas, que são redutos de resistência e preservação da cultura e tradições
da população afro-brasileira.
No caso da escola-campo desta pesquisa, conforme depoimentos de participantes do estudo
(professora e gestora), as condições de oferta garantidas às crianças quilombolas repercutem na
qualidade educacional e aprendizagem dos estudantes.
Para a docente, que atua há seis anos na instituição, a própria estrutura física da escola se
constitui como desafio à prática pedagógica. A escola possui uma estrutura simples e espaço
restrito para o desenvolvimento das atividades com os alunos. Os projetos ou ações que requerem
mais espaço são desenvolvidos na frente da escola ou em outros espaços como a sede da
associação comunitária.
Outro aspecto indicado pela docente refere-se ao trabalho com uma turma multisseriada e
multietapas. A docente trabalha com estudantes da educação infantil às séries iniciais do ensino
fundamental (1º ao 5º ano), o que demanda atividades diferenciadas na abordagem dos conteúdos
curriculares.
De acordo com a docente, faltam materiais de apoio levando a utilizar recursos alternativos
para valorização da cultura local como o uso de músicas, danças e brincadeiras que resgatam as
tradições da comunidade. Sobre o material didático existente na escola, conforme a docente, a
ausência de representatividade dos negros nos livros didáticos prejudica o processo de ensino-
aprendizagem e reforça o distanciamento do material com o contexto quilombola, o que a leva a
buscar estratégias para adequar seus planos de aulas à realidade local, para que os alunos não se
sintam distanciados do que lhe é ensinado.
Tais fatores repercutem na aprendizagem e no alcance dos objetivos traçados, conforme
expressou na entrevista: “Se faz de tudo para não lesar, mas infelizmente é difícil. São poucos
alunos [...] e muitos acabam tendo dificuldade. Tem que ter um ‘jogo de cintura’ muito grande
pra conseguir alcançar os objetivos (Docente – Comunidade Marajá/Bequimão).
Apesar das dificuldades, as crianças, que em maioria são filhos de moradores da
comunidade, expressam sentimento de pertencimento à comunidade. Todavia, o conhecimento
das lutas e trajetórias da ancestralidade parece frágil.
Questionados sobre o que é “ser quilombola” e seus conhecimentos da história da
comunidade e as crianças afirmaram sentir muito orgulho de fazer parte da história do povo
quilombola, mas não conseguiram relatar aspectos da história local.
Página 248 de 2230
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de uma perspectiva histórica, este trabalho fez um breve estudo sobre a oferta de
educação pública a quilombolas nos dias atuais. Com base no processo de desenvolvimento do
Estado brasileiro e as formas de participação social do povo negro em matéria educacional é
possível afirmar que a trajetória dessa parcela da população tem sido construída por meio de lutas
e resistências no que concerne ao acesso e ampliação do direito à educação.
Na escola-campo do estudo identificaram-se limitações e desafios quanto às condições de
oferta educacional, relacionadas à estrutura física, recursos materiais e pedagógicos. Também,
percebeu-se a necessidade da implementação de adaptações curriculares que atendam as
especificidades locais, considerando a inexistência de proposta pedagógica relacionada com a
realidade histórica e sociocultural da comunidade.
39
Sobre tais eventos, as crianças destacaram a Semana do Bebê Quilombola que é uma ação desenvolvida pela
prefeitura de Bequimão em parceria com o governo do estado, Unicef e Fundação Josué Montello. O evento consiste
em uma série de palestras, rodas de conversas e oficinas envolvendo todas as comunidades quilombolas da região e
visa contribuir com a proteção, cuidado e desenvolvimento de crianças quilombolas.
Página 249 de 2230
REFERÊNCIAS
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Paulo: EdUFSCar, 2010.
FERREIRA JR, Amarilio e BITTAR, Marisa. Educação jesuítica e crianças negras no Brasil
Colonial. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 80, n. 196, p. 472-482,
set./dez. 1999.
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Rio de Janeiro, Brasil: Revista Brasileira de Educação, v.13, n.39, set/dez. 2008.
Página 251 de 2230
tocante às leis de inclusão, uma vez que a inserção da Libras no currículo das licenciaturas
propicia a construção intelectual de profissionais que atuarão nesse contexto. Torna-se relevante
atentar para os documentos relacionados aos efeitos do ensino de Libras na formação do professor,
haja vista serem estes os possíveis intermediadores na construção social dos surdos, assim como
no trabalho desenvolvido pelas instituições de ensino superior, no tocante à inclusão da disciplina,
em consonância com o dispositivo legal.
Palavras-Chave: Libras. PPC. Licenciaturas. Formação docente.
Abstract: The Historical records dealing with the education of the deaf find in France the first
steps of attempts at this process. Some literature has a history of inefficient attempts and
misconceptions about educational methodologies for the deaf. Considering the absence of hearing,
the sign language becomes the main communicative channel of the deaf, but not always, in the
history of these subjects, this type of communication, visual-motor, was accepted. With regard to
the emergence of Libras, this began with the arrival of the French deaf teacher, Ernest Huet, who
founded the first school for the deaf in the country and, together with Brazilian deaf people, creates
the sign language of Brazil. However, it should be noted that the educational process of the deaf
continues to happen, albeit slowly and with little success. Here in the country, even with the
recognition of Libras by Law 10.436 / 2002 as a means of communication and expression of the
deaf community and regulated by Decree 5.626 / 2005, many obstacles are observed with regard
to the process of teaching and learning deaf people. In this context, recent research indicates low
school performance and an inexpressive number of deaf students who are able to enter Higher
Education. Thus, the aim of this work is to analyze the Political Curriculum Projects (PPC) of the
Licentiate Programs at the Federal University of Maranhão (UFMA), in order to list in which
courses Libras is, as the Decree highlights, in the axis of the mandatory subjects. The research
also discusses the relevance of the discipline and the proportion of impact of its lack of access to
future teachers. The research has a qualitative and quantitative nature, structured from the
bibliography of Fernandes et al (2012), Mercado (2012), Lacerda (2004), Brazil (2002, 2005),
among other authors; documentary research was also carried out through a thorough analysis of
the PPCs of the UFMA undergraduate courses, Campus Dom Delgado. Based on the analysis of
the data, it was found that the Libras discipline, in some degrees, is not in line with Decree 5.626,
in the mandatory axis; it was also noted that the 60-hour workload may not be sufficient to develop
the necessary skills for the professional teaching practice in the context of inclusive education, for
deaf students. It is clear that there is an urgent need for stricter enforcement in relation to the
inclusion laws, since the inclusion of Libras in the curriculum of undergraduate programs
promotes the intellectual construction of professionals who will work in this context. It is relevant
Página 253 de 2230
to pay attention to documents related to the effects of Libras teaching on teacher training, given
that these are the possible intermediaries in the social construction of the deaf, as well as in the
work developed by higher education institutions, regarding the inclusion of the discipline , in line
with the legal provision.
Keywords: Libras. PPC. Licenses.. Teacher training.
1 INTRODUÇÃO
2 EDUCAÇÃO INCLUSIVA
e a construção de cidadãos mais críticos, as discutindo como uma necessidade urgente que
demanda tanto recursos materiais quanto humanos, a fim de proporcionar efetivação plena no
processo educacional, como assevera Toscano (2010). Nesse contexto, tem sido desafiador a
responsabilidade da escola enquanto agente formador de indivíduos atuantes, principalmente
quando estes sujeitos possuem algum tipo de necessidade educacional especializada.
Nesse sentido, no que tange à educação inclusiva, é importante demarcar a diferença entre
esta perspectiva e a modalidade de educação especial, muitas vezes, confundidas ou tidas como
sinônimos. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) Lei 9394/96, define educação especial, em seu
capítulo V, Art. 58, da seguinte forma: “[...] a modalidade de educação escolar oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”. Analisando o artigo, nota-se que um
fato importante, neste trecho da Lei é que, a oferta é preferencialmente, o que não a torna
obrigatória, ou seja, se a família optar por um espaço específico para a escolarização, a escolha
será livre.
Ainda sobre a modalidade de ensino, nos parágrafos 1° e 2° do citado artigo, a LDB dispõe
que:
À vista disso, caso o aluno necessite de um atendimento mais especifico e que, por algum
motivo, não esteja apto a conviver em sala com os demais alunos, poderá ter serviços
especializados, de acordo com sua necessidade, todavia, sentindo-se hábil para estar em sala
comum poderá também, assim permanecer. Nesse ponto, é essencial perceber que a inclusão é
muito mais uma perspectiva, ou seja, é como será realizado essa educação a fim de alcançar esse
aluno dentro dessa modalidade de ensino, perspectivando mudanças ou adequações objetivando o
sucesso educacional desse público.
Cabe destacar que tais discussões não são tão recentes; a própria Constituição Federal em
seu Art. 208 explanou, décadas atrás, sobre a oferta do atendimento educacional especializado
para alunos com deficiência (BRASIL, 1988). Outro grande marco nesse contexto foi a
Conferência de Salamanca, UNESCO (1994), um movimento mundial que chamou atenção de
muitos países sobre a questão. A LDB também discorre, com especificações, sobre as exigências
propostas para efetivação de um sistema educacional que envolva todos. Fragilidades diversas
Página 255 de 2230
permaneceram entretanto, ao longo desses anos, e a educação inclusiva não tem acontecido de
modo como dispõem os dispositivos legais.
Na concepção de inclusão, pressupõe-se que esta possui um papel não apenas de permitir
acesso, mas de permanência, bem como, propiciar métodos que efetivem a escolarização desses
sujeitos. Assim, incluir alunos com necessidades educacionais especializadas, numa perspectiva
inclusiva, em salas comuns de ensino vai além de colocá-los num mesmo ambiente dos demais, e
sim repensar o processo de ensino e de aprendizagem a partir de metodologias que, entre outras
coisas, possam adequar recursos que os façam assimilar conteúdos, reorganizar atividades que
desenvolvam a capacidade intelectual, entre outros.
A responsabilidade nesse processo exige dinamicidade e para plena materialização
demanda que um conjunto de indivíduos estejam interligados. Logo, é imprescindível a interação
entre políticas educativas, dispositivos legais que garanta seus direitos, a escola e a família. Desse
modo, “se a sociedade quer assegurar o direito à educação e à igualdade de oportunidade terá de
refletir sobre as condições de acesso e de sucesso que é capaz de dar a seus alunos” (FREITAS,
2008, p. 20).
Em face do exposto, focando no Ensino Superior, muitos estudos têm mostrado que a
presença de alunos, com algum tipo de necessidade educacional especializada, perpassa
dificuldades que são encontradas desde a educação básica, segundo demarca Chahini (2016) e,
mesmo que o número de alunos no nível superior seja menor, comparado aos outros níveis da
educação, a problemática não se resolverá porque estes fazerem parte de um nível de escolarização
mais autônomo.
Os entraves tais como, dificuldades com a linguagem, escassez de habilidades com a
escrita, problemas de compreensão em leitura e dificuldade de produção de textos ou
entendimentos dos conteúdos curriculares, faz-se presente também no Ensino Superior, como
destacam Sampaio e Santos (2002). Nesta acepção, chama-se para a seguinte reflexão: se estes
indivíduos encontram-se amparados por dispositivos legais e, ainda assim tem sido árduo
materializar este processo, torna-se pertinente destacar a importância da formação do profissional
que atuará nesse cenário, uma vez que, o professor, é primordialmente um agente que poderá
efetivar o sucesso no processo educacional.
Nesse sentido, a Lei brasileira de inclusão, Lei 13.146/2015 em seu Art. 28, inciso X sobre
a questão discorre: “adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação
inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento
educacional especializado.” O professor ainda em formação poderá vivenciar seus primeiros
contatos com a diversidade escolar e, neste ponto, considerando que a presente pesquisa agrega
discussões sobre os documentos PPCs dos cursos de licenciaturas, demarca-se que a quantidade
Página 256 de 2230
de horas na matriz curricular voltadas à educação inclusiva poderia ser repensada como uma
oportunidade de contribuir acerca de conhecimentos para o exercício da profissão.
Um dos fatores principais que influencia a identidade e a forma de viver dos surdos,
segundo destaca Perlin (2016) é, com certeza, a língua de sinais, que permite interagir socialmente,
expressar-se. Considerando que a Libras, uma língua em modalidade visual-espacial, é ainda
minoria, aqui no país, as tentativas para conquistar espaços foram árduas, persistentes e, após
décadas de lutas, a Libras foi reconhecida legalmente (BRASIL, 2002).
Umas das grandes conquistas nesse contexto da surdez, além da Libras ganhar status
linguístico oficializado, foi o Decreto 5.626/2005, que entre muitas explanações acerca dos
direitos, dispõe sobre a educação de surdos, não apenas no âmbito da sala de aula, mas desde a
formação do professor que estará desenvolvendo atividades escolares com alunos surdos
(BRASIL, 2005).
Mesmo anos depois da obrigatoriedade de garantir acesso a esses estudantes, as
experiências relativas ao aspecto educacional têm evidenciado muitas dificuldades, algumas
literaturas narram sobre problemas e possíveis soluções, a exemplo de Gesser (2012), quando este
comenta que algumas aulas de Libras demarcam fragilidades na estrutura dos cursos; esta segue
pontuando que é de extrema importância a formação de professores e que é urgente repensar as
questões de planejamento da aula e de cursos que apresentam Libras como disciplina; a autora
destaca ainda, a relevância de elaborar corretamente os materiais didático/pedagógicos.
Nessa perspectiva, chama-se atenção para a exigência do Decreto de Libras em seu Art. 3°
discorre:
A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de
formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e
superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e
privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2005)
Quadro 1: Cursos que apresentam Libras em seus currículos como disciplina obrigatória
40
Ao longo do o trabalho ao mencionar o termo documento refere-se ao PPC – Projeto Pedagógico Curricular.
Página 258 de 2230
Nessa direção, o curso encontra-se em consonância ao que narra a lei, considerando que
está em um eixo obrigatório, mas chama-se atenção para as proposições de Mercado (2012),
quando demarca a relevância de desenvolver adequadamente a educação da criança surda. Nesse
41
Os materiais que estão no ementário são: subsídios para organização e funcionamento de serviços de educação
especial-área da deficiência auditiva. Brasília. MEC/SEESP, 1995. BRASIL.MEC /Secretaria de Educação Especial.
Programa de capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental- Deficiência Auditiva. V I. Brasília: SEESP,
1997. A educação dos surdos. v II. Brasília: SEESP, 1997. Língua Brasileira de Sinais. V. III. Brasília: SEESP, 1997.
Página 259 de 2230
sentido, o pedagogo precisa muito mais que conhecimentos básicos, como os recomendados em
seu ementário, é necessário entender especificidades, cultura e traços identitários desses alunos
para contribuir nesse processo educativo; logo, pensa-se que poderia ser abordado muito mais
conteúdos para realização da disciplina no referido curso, uma vez que este profissional atuará
com alunos nos anos iniciais.
Nessa perspectiva, os conteúdos poderiam ser mais específicos, repensando a forma como
esses alunos percebem o mundo, ou seja, a partir de aspectos visuais, como destaca Fernandes et
al (2012). A Libras enquanto língua e canal comunicativo sinalizado, poderia ser abordada na
licenciatura, considerando que nem todas as escolas dispõem de profissional intérprete/tradutor,
como assevera Falcão (2017). O conhecimento acerca da língua é um ponto crucial para que o
futuro professor possa comunicar-se com seus alunos e a inserção da disciplina na licenciatura
precisa ser organizada de modo que as 60h possam ser estruturadas com conteúdos que propiciem
conhecimentos satisfatórios para a prática docente, nesse contexto de educação inclusiva de
surdos.
No que tange o curso de Ciências biológicas, seu PPC é composto por disciplinas
obrigatórias, eletivas, estágios, monografia de conclusão de curso e atividades complementares.
Neste documento, verificou-se a disciplina de Língua brasileira de Sinais no eixo de formação
pedagógica, com obrigatoriedade de 60h. O ementário proposto tem em sua bibliografia básica a
Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre Libras, seu Decreto N. 5.626, de 22 de
dezembro de 2005 que a regulamenta, e o art. 18 da Lei n. 10.098, Lei de acessibilidade.
Apresenta ainda a literatura de Lucinda Ferreira Brito, Por uma gramática de Língua de
Sinais. Que explana sobre a gramática da Libras, corroborando para entendimento acerca da sua
estrutura, o que pode contribuir aos formandos, no que se refere à compreensão da diferença entre
as composições frasais da Libras, que comparada à Língua Portuguesa apresenta algumas
diferenças, como afirma Fernandes et al (2012).
O curso organiza a ementa com bibliografias complementares que mostram as sinalizações
a partir de dicionários ilustrados42, que permitem conhecimento da formação de sinal em libras,
que correspondem às palavras em Língua Portuguesa. Nessa direção, Lodi (2013) destaca que os
processos educacionais de alunos surdos exigem recursos diferenciados, principalmente visuais,
assim, como o uso de estratégias de ensino de Língua Portuguesa, e que é urgente que se pense
42
BRANDÃO, Flávia. Dicionário ilustrado de libras: língua brasileira de sinais. São Paulo: Global, 2011. 719 p.
ISBN: 9788526015883. CAPOVILLA, Fernando César; Raphael, Walkiria Duarte. Dicionário Enciclopédico
Ilustrado Trinlingue da Língua de Sinais Brasileira: o mundo dos surdos em Libras. São Paulo: Edusp, 2004.
CAPOVILLA, Fernando César; Raphael, Walkiria Duarte. Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira VOL 1: O
mundo dos surdos em Libras. São Paulo: Edusp, 2004. QUADROS, Ronice Muller de. O tradutor e interprete de
lingua brasileira de sinais e lingua portuguesa. Brasilia: Mec, 2004. 94.
Página 260 de 2230
em reformulações nas políticas educativas, sobretudo na formação do professor que atua com
surdos.
O curso de ciências biológicas traça um roteiro interessante em seu PPC, inicia pela
literatura que apresenta a Libras como língua oficializada, perpassa pelo Decreto que dispõe sobre
os direitos que são assegurados a estes alunos, aborda a gramática da língua e segue, de acordo
com o ementário, focando em disponibilizar aprendizado de vocabulários ao licenciando, haja
vista, que os dicionários são sugeridos entre as literaturas da disciplina.
Nessa direção, Soares (2015) concorda que a disciplina Libras é fundamental para o aluno
em formação acadêmica em licenciatura, no sentido de que poderá explicar de forma mais clara e
objetiva o conteúdo aos seus alunos surdos, ainda que o profissional intérprete de Libras esteja
presente em sala, juntos possibilitarão um desempenho melhor ao aluno, e estes conhecimentos
em formação inicial, para a autora, são indispensáveis para que a inclusão educacional aconteça.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), explana que os
profissionais educadores devem ter uma formação sólida que permita conhecimentos científicos e
sociais, acerca do público que atuarão. Nessa acepção, Soares (2015), em uma de suas pesquisas
no curso de Ciências biológicas, na Paraíba, discorre sobre as dificuldades que alunos graduandos
em licenciaturas têm na aprendizagem da língua sinalizada:
Diante das colocações da autora, torna-se imprescindível permitir aos formandos o acesso
às capacitações não somente em relação à estrutura gramatical, mas também aos aspectos
comunicacionais, entre estes, expressões faciais que são elementos essenciais em Libras, segundo
afirma Quadros (2019).
No que se refere ao curso de Educação Física, a Língua Brasileira de Sinais encontra-se
no eixo das disciplinas de formação pedagógica, com carga horária de 60h, subdividida em 30h
teóricas e 30h práticas. A ementa propõe literaturas sobre a legislação educacional, fatores de
inclusão da pessoa surda, o ensino de alfabeto manual e numerais em Libras, e propicia
conhecimentos básicos, necessários ao professor de educação física, em sala e no contexto da
surdez.
Página 261 de 2230
43
CAPOVILLA, F. C; RAPHAEL, W.D. Dicionário: Língua de Sinais Brasileira – LIBRAS. Vol. I e II. 2ª Ed. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de Sinais
Brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. RINALDI, G. Programa de Capacitação de
Recursos Humanos do Ensino Fundamental Deficiência Auditiva, Brasília. DF, Atualidades Pedagógicas, 1997. Vol:
I, II, III.
44
CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilingue da Língua Brasileira de Sinais.
São Paulo: EDUSP; FABESP; Fundação Vitae; FENEIS; BRASIL TELECOM, 2001a. v. 1: Sinais de A a.
CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilingue da Língua Brasileira de Sinais.
São Paulo: EDUSP; FABESP; Fundação Vitae; FENEIS; BRASIL TELECOM, 2001b. v. 2: Sinais de M a Z. FELIPE,
T. A; MONTEIRO, M. S. LIBRAS em contexto: curso básico, livro do professor instrutor: Brasília: Programa
Nacional de Apoio à Educação dos Surdos, MEC:SEESP, 2001. FELIPE, T. A. Libras em Contexto, Rio de Janeiro.
RJ, Gráfica, 2006, 7ª edição. OLIVEIRA, J. et al. Primeiros sinais em libras. Arara Azul, 2008.
Página 262 de 2230
45
GESSER, Audrei. Libras: que língua é essa - crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade
surda. São Paulo: Parábola, 2009. GESSER, Audrei. O ouvinte e a surdez: sobre ensinar e aprender a libras.
46
QUADROS, Ronice Muller de. Educação de Surdos – A aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas,
2004. BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática de línguas de sinais. 2. ed.Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2010.
QUADROS, R. M; KARNOPP, L.B. Língua de sinais brasileira. Estudos Linguísticos. Porto Alegre: Artemed, 2004.
47
CAPOVILLA, Fernando Cesar; RAPHAEL, Walkiria Duarte. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue -
Língua de Sinais Brasileira. 2 Vols. São Paulo: EDUSP, 2008. 3ed. CAPOVILLA, Fernando Cesar; RAPHAEL,
Walkiria Duarte. Novo deit- libras: dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais
brasileira(libras)baseado em linguística e neurociências cognitivas. São Paulo: Edusp: Inesp: Cnpq: Capes, 2009. 2V.
Página 263 de 2230
Considerando que trata-se de uma língua, a carga horária trabalhada não será suficiente
para agregar conteúdos diversificados. Todavia, a estruturação da grade curricular pode ser
organizada, abrangendo os conhecimentos básicos da área. Assim, a formação de professores, na
perspectiva de inclusão escolar, poderá contribuir para uma educação com qualidade e que se
materializará em sala de aula no exercício da docência.
No curso de Geografia, a Libras aparece no eixo das disciplinas obrigatórias; entretanto,
esta se dá com carga horária menor, 30h apenas. De todos os documentos analisados, somente o
curso de Geografia apresenta carga horária reduzida. Desse modo, chama-se atenção: se em 60h
trabalha-se pouco conteúdo, considerando as especificidades da língua e seus sujeitos, em 30h
seria possível desenvolver habilidades para a docência com surdos? Sobre a questão Martins e
Nascimento (2018) afirmam:
DORZIAT, ANA. Educação de surdos em tempos de inclusão. (Artigo). FALCÃO, LUIZ ALBÉRICO. Surdez,
cognição visual e libras : estabelecendo novos diálogos.
48
FERNANDES, E. Problemas Linguísticos e Cognitivos do Surdo. Ed. Agir. 1990. MOURA, Maria Cecília, et al.
Língua de sinais e educação do surdo. São Paulo: Tec Art, 1993, Série de neuropsicologia V.3. QUADROS, Ronice
Muller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Editora Artes Médicas. 1997.
Página 264 de 2230
49
SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
50
BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ,
Departamento de Linguística e filologia, 1995.
51
BOTELHO, Paula. Segredos e Silêncios na Educação dos Surdos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. LUNARDI,
Márcia Lise. Cartografando os Estudos Surdos: currículo e relação de poder. REIS, Flaviane. Professor Surdo: A
política e a poética da transgressão pedagógica. Dissertação (Mestrado em Educação e Processos Inclusivos).
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2006. SKLIAR, Carlos B. A Surdez: um olhar sobre as
diferenças. Editora Mediação. Porto Alegre, 1998. _______ (org). Atualidade da educação bilíngüe para surdos.
52
CAPOVILLA, Fernando César; RAPHAEL, Walkíria Duarte. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da
Língua de Sinais Brasileira, Volume I: Sinais de A a L. 3 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
53
GESSER, A. LIBRAS: que língua é essa? São Paulo: Parábola, 2009. MELO, Sandro Nahmias. O direito ao
trabalho da pessoa com deficiência: o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTR, 2004. SACKS, Oliver.
Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Trad.Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SANTANA, Ana Paula; BERGAMO, Alexandre. Cultura e identidade
54
BRITO Lucinda Ferreira. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ,
Departamento de Linguística e filologia, 1995. FERNANDES, E. Problemas Linguísticos e Cognitivos do Surdo. Ed.
Agir. 1990. MOURA, Maria Cecília, et al. Língua de sinais e educação do surdo. São Paulo: Tec Art, 1993, Série de
neuropsicologia V.3. QUADROS, Ronice Muller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Editora Artes
Médicas. 1997. SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
Página 265 de 2230
estando em processo de aprendizado da língua não se sentiam preparados para receberem alunos
surdos nas suas aulas. Os licenciandos entrevistados, relataram que o motivo do despreparo era a
oferta da disciplina, pelo fato desta acontecer somente em um semestre do curso de Letras, pois
eles consideraram pouco provável se aprender qualquer língua em apenas um semestre.
No percurso desta pesquisa, concorda-se sob alguns aspectos, com as colocações da
pesquisa de Lima, Lima e Macêdo (2018), pois mesmo o curso trabalhando com linguagens, a
Língua brasileira de sinais demanda muitas especificidades a serem compreendidas, bem como
peculiaridades dos sujeitos falantes dessa língua, a disciplina é ministrada em um espaço de tempo
insuficiente.
Em Artes Visuais, a disciplina organiza-se no eixo de interação com outras áreas, eixo
obrigatório com carga horária de 60h, o documento discorre que este eixo trata-se de uma
aproximação do curso com outras áreas do conhecimento, entre elas estética, sociologia, filosofia,
objetivando estimular a interdisciplinaridade com cultura maranhense, arte indígena, aspectos
socioambientais e por propiciar a inclusão auditiva. A ementa traz conhecimentos linguísticos
acerca da Libras, tais como, morfologia, sintaxe55 léxico, habilidades de desenvolvimento de
expressão facial56 e processos educativos57 para surdos.
O quadro 1, representado pelas licenciaturas nas quais a libras é componente curricular
obrigatório, no geral, apresentou os conteúdos abordados de modo engessado, sem muitas
variações. Observou-se o uso de documentos em comum, mesmos autores e dicionários utilizados.
Inferiu-se pouca variação dos conteúdos; a disciplina segue em comum a todos os cursos. Nesta
primeira categoria analisada, soma um total de 12 cursos que têm em seus eixos obrigatórios a
disciplina de Libras, como discorrem os dispositivos legais.
Concorda-se que embora muitos estudos mostrem que a carga horária da disciplina seja
insuficiente, uma vez que se trata de uma língua, mas passos importantes foram dados no sentido
de permitir o acesso ao conhecimento dos alunos surdos, que neste caso, inicia-se pela formação
do profissional que atuará com o público. É nessa formação inicial que os professores tomam
conhecimento de que existe a comunidade surda e que esta tem uma língua com especificidades e
que isto demanda conhecimentos para contribuir no processo educacional desses sujeitos.
55
QUADROS, Ronice Muller; KARNOPP, Lodenir. Língua de Sinais Brasileira: Estudos Linguísticos. Porto Alegre:
Editor a Artmed, 2004.
56
PIMENTA, Nelson. Coleção Aprendendo LSB – vol. I, básico; vol.II intermediário; e vol. III avançado,. Rio de
Janeiro: Regional,
57
FELIPE, Tanya; MONTEIRO, Myr na. LIBRAS em Contexto: Curso Básico: Livro do Professor. Rio de Janeiro:
LIBRAS, 2005. , 2000.FERNANDES, Eulália (Org.). Surdez e Bilinguismo. Porto Alegre: Mediação, 2005. LANE,
Harlan. A Máscara da Benevolência. Lisboa: Instituto Piaget, 1992. LACERDA, Cristina B.F. de; GÓES, Maria
Cecília R. de; (Orgs.) Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000. MOURA, Maria Cecília
de. O surdo, caminhos para uma nova Identidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.
Página 266 de 2230
Como ilustrado em quadro2, o curso de Filosofia não apresenta a Libras como obrigatória.
Contrário ao Decreto, a disciplina encontra-se no eixo das eletivas com carga horária de 45h. Seu
ementário destaca as literaturas sobre aspectos sociais, gramática58 da língua sinalizada e
educação59 de surdos. A disciplina, fora dos eixos obrigatórios poderá impedir que o aluno em
formação tenha contato com a Libras, considerando que as disciplinas em eixos optativos ficam a
critério dos alunos. Vale ressaltar que atualmente, o número de alunos surdos que não consegue
desenvolver atividades educacionais é significante. (LACERDA, CAPORALI E LODI 2004;
PEREIRA, 2009; SOARES E LOPES,2019).
Nessa acepção, é importante repensar que mesmo as leis assegurando direitos a esses
sujeitos, a inclusão materializa-se mesmo em sala de aula, com professores preparados para lidar
com as necessidades específicas desses alunos, segundo afirma Luz (2016). Nesse ponto, a
disciplina, em discordância ao que exige o Decreto 5.626/2005 em seu art. 22, poderá impedir o
sucesso da escolarização de alunos surdos.
O curso de Música apresenta a disciplina de Libras em seu eixo de formação
complementar, mas a Libras não consta como disciplina obrigatória. No PPC aparece a exigência
de duas eletivas, mas o documento não estabelece quais eletivas devem ser; sobre a questão, o
documento discorre que: ”Eletiva I e II (Departamento Acadêmico a definir) - Disciplinas
escolhidas pelo aluno, dentre as disciplinas consideradas de áreas afins, ofertadas no âmbito de
qualquer Departamento Acadêmico da UFMA, a partir dos critérios regulamentados pelo
Colegiado do Curso”(p.34).
58
BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ,
Departamento de Lingüística e filologia, 1995. FERNANDES, E. Problemas Lingüísticos e Cognitivos do Surdo. Ed.
Agir. 1990
59
MOURA, Maria Cecília, et al. Língua de sinais e educação do surdo. São Paulo: Tec Art, 1993, Série de
neuropsicologia V.3. QUADROS, Ronice Muller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Editora Artes
Médicas. 1997. SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
Página 267 de 2230
Diante do excerto, nota-se que se o aluno quiser pode escolher em cursar a disciplina, mas
esta não é obrigatória, pois, as eletivas do curso exigem carga horária de 60h, cada. Não possui
ementário voltado especificamente à Libras, pois fica de acordo com o departamento responsável
que o aluno venha a escolher. Nessa perspectiva, é importante demarcar que o êxito na educação
de alunos surdos poderá ser concretizado se o verdadeiro interesse em atender as necessidades
educacionais desse aluno for respeitado, e para que este educando possa ser atendido; um passo
importante é a formação inicial do professor, como destaca (MONTOAN,2007, p. 16): “A meta
da inclusão é desde o início, não deixar ninguém de fora do sistema, que deverão adaptar-se as
particularidades de todos os alunos. ”
Nesse sentido, mesmo a licenciatura de Música utilizando-se, em alguns momentos, de
elementos sonoros e os surdos sendo sujeitos com a ausência do sentido da audição, os
conhecimentos musicais constituem-se necessários às experiências sociais desses sujeitos. Sendo
assim, o professor de música precisará também, conhecer aspectos da surdez e libras, a fim de que
possa desempenhar habilidades da área aos seus alunos.
No curso de Teatro, a disciplina Libras não se constitui como componente curricular
obrigatório, encontrando-se no eixo das eletivas, com carga horária de 60h. O ementário dispõe
de bibliografias60 que versam acerca da surdez e suas características, educação de surdos, língua
e linguagem, aspectos socioculturais da língua de sinais e gramática da Libras. É necessário
destacar que no curso de Teatro, há uma discordância com o que é exigido em lei, a respeito da
obrigatoriedade da disciplina no currículo, e que se torna urgente repensar que além de legalmente
garantido, a disciplina agrega muitos conhecimentos pertinentes à comunidade acadêmica do
teatro, enquanto licenciandos.
Todavia, um aspecto positivo observado foi que além da disciplina Libras, o curso possui
em sua matriz curricular outra disciplina eletiva que trabalha a língua brasileira de sinais; tem por
nome: VIVÊNCIA EM LÍNGUA DE SINAIS. Pesquisando em seu ementário, notou-se que a
citada disciplina se assemelha ao curso básico de Libras, considerando o conteúdo programático
do módulo básico de diversos centros e instituições que trabalham com formação de intérprete,
como por exemplo, o Centro de Apoio e Ensino à Pessoa com Surdez (CAS), Associação de
Surdos do Maranhão (ASMA), entre outros.
60
BRITO Lucinda Ferreira. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ,
Departamento de Lingüística e filologia, 1995. FERNANDES, E. Problemas Lingüísticos e Cognitivos do Surdo. Ed.
Agir. 1990. MOURA, Maria Cecília, et al. Língua de sinais e educação do surdo. São Paulo: Tec Art, 1993, Série de
neuropsicologia V.3. QUADROS, Ronice Muller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Editora Artes
Médicas. 1997. SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
Página 268 de 2230
61
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Programa Comunicar. Língua de Sinais. Brasília, 2000. MOURA, Maria Cecília,
et al. Língua de sinais e educação do surdo. São Paulo: Tec Art, 1993, Série de neuropsicologia V.3. REVISTA
ESPAÇO-Informativo Técnico Científico do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES – Rio de Janeiro, s.d.
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – Aspectos lingüísticos da LIBRAS. Departamento de Educação
Especial. Brasília, s.d.
Página 269 de 2230
em vigor a partir da data de sua publicação, que no caso do citado, do Decreto supracitado, foi o
ano de 2005.
Lemes, Silva e Carvalho (2018) desenvolveram uma pesquisa e investigaram a percepção
dos alunos licenciandos em Física, sobre a obrigatoriedade da disciplina no currículo do curso. A
pesquisa foi realizada em uma Instituição de Ensino Superior no Estado de Goiás; os participantes
foram graduandos do 4° e 5° período, a partir da aplicação de questionários. Obtiveram como
resultados que 80% dos alunos licenciandos concordaram com a obrigatoriedade da disciplina de
Libras no curso de física e 20% discordaram dessa obrigatoriedade.
Alguns alunos participantes da pesquisas questionaram que se devem aprender métodos
para trabalhar com surdos, deveriam aprender para trabalhar com cegos. Neste ponto é importante
demarcar que uma língua requer muito mais conhecimentos do que os códigos, como é o caso do
braile. O canal comunicacional é diferenciado, as percepções são visuais. O aluno argumenta
ainda com os pesquisadores sobre a possibilidade de ter apenas um aluno futuramente nas salas e
assim, a Libras poderia ser dispensada enquanto disciplina. Sobre a questão, vale ressaltar que
professores não escolhem com quem vão trabalhar, qual sala querem ter. Assim, a heterogeneidade
das classes regulares de ensino demanda do professor capacitações e habilidades, como demarca
Lacerda, Caporali e Lodi (2004).
Os cursos representados em quadro3, também são voltados à formação de professores, e
enquanto licenciados, é imprescindível lembrar que a inserção desse componente curricular, de
caráter obrigatório, proporciona uma familiarização com aspectos da surdez, propiciando um bom
desempenho profissional e, sobretudo, o alcance satisfatório do desenvolvimento escolar de alunos
com surdez, conforme concorda Santos (2015).
4 CONCLUSÃO
No âmbito educacional, todos os elementos que envolvem o sistema são importantes, mas
o professor tem um papel fundamental. Para Nóvoa (1999) refletir sobre a formação do professor
é compreender que não haverá sucesso no processo de ensino e de aprendizagem, nem reformas
políticas e educativas se não existir a devida formação docente.
Nesse sentindo, desenvolveu-se este trabalho, pensando nos aspectos que envolvem a
formação inicial, abrangendo o contexto da educação inclusiva de surdos, sujeitos que lutaram
para conquistar direitos aos espaços sociais, e hoje, têm lutado para que seus direitos sejam
materializados.
Página 270 de 2230
REFERÊNCIAS
_______Lei Federal 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais
e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: Dez. 2019.
______Lei brasileira de Inclusão de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
deficiência . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: Dez. 2019.
FALCÃO, Luiz Albérico. Surdez, cognição visual e Libras: estabelecendo novos diálogos. 5 d.
Recife: Ed. do autor, 2017.
FREITAS, Soraia Napoleão. O direito à educação para a pessoa com deficiência: considerações
acerca das políticas públicas. In: BAPTISTA, C. R.; JESUS, D. M. (Orgs.). Avanços em
políticas de inclusão: o contexto da educação especial no Brasil e em outros países. Porto
Alegre: Mediação, 2008.
GESSER, Audrei. O ouvinte e a surdez: sobre ensinar e aprender Libras. São Paulo: Parábola
Editorial, 2012.
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Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar as condições de trabalho docente na educação
básica em Pinheiro-MA, bem como o modo como essas condições afetam o trabalho do professor
e a aprendizagem do aluno. O processo metodológico deu-se por meio de uma pesquisa
bibliográfica, onde foram levantados elementos teóricos que sustentaram a análise sobre as
condições do trabalho docente, resgatando conceitos necessários para a realização do estudo,
utilizando-se, para tanto, referenciais de autores como Maurice Tardif, Claude Lessard, Miguel G.
Arroyo, Selma Garrido Pimenta, Edimilson Antonio Junior Pereira, além de outros. Também
foram analisados os resultados da pesquisa realizada pelo Grupo de Estudo e Pesquisa Formação
e Trabalho Docente na Educação Básica, da UFMA, que teve como objetivo descrever a formação
e o trabalho docente na zona urbana e rural de Pinheiro-MA. Os dados foram coletados por meio
de questionário aplicados junto aos professores ativos da educação básica do município, composto
por perguntas que tratavam vários temas, inclusive condições de trabalho. Para esse estudo,
destacaram-se os dados referentes às exposições aos ruídos durante a atividade docente, avaliação
dos ambientes de trabalho da escola, da sala de aula, entre outros. Como conclusão, foi possível
demonstrar a importância de um ambiente pedagógico adequado, com recursos pedagógicos
disponíveis, além da necessidade que as unidades educacionais tenham bibliotecas, salas de
informática, salas de repouso e equipamentos, pois todos esses condicionantes determinam o
sucesso das atividades desenvolvidas pelo professor junto aos alunos. Este trabalho propõe que
haja intervenções acerca das condições de trabalho docente, fomentando melhorias no ambiente
de trabalho do professor.
Palavras-chave: Educação. Docência. Condições de trabalho.
Abstract: This article aims to analyze the teaching work conditions in basic education in Pinheiro-
MA, as well as how these conditions affect the work of the teacher and the student's learning. The
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methodological process took place through a bibliographic research, where theoretical elements
were raised that supported the analysis on the conditions of the teaching work, rescuing concepts
necessary for the realization of the study, using, for that, references from authors such as Maurice
Tardif, Claude Lessard, Miguel G. Arroyo, Selma Garrido Pimenta, Edimilson Antonio Junior
Pereira, among others. The results of the research carried out by the Study and Research Group
for Training and Teaching Work in Basic Education, at UFMA, which aimed to describe the
training and teaching work in the urban and rural areas of Pinheiro-MA, were also analyzed. The
data were collected through a questionnaire applied to the active teachers of basic education in the
municipality, composed of questions that addressed various topics, including working conditions.
For this study, the data referring to the exposure to noise during the teaching activity, evaluation
of the school work environments, the classroom, among others, were highlighted. As a conclusion,
it was possible to demonstrate the importance of an adequate pedagogical environment, with
available pedagogical resources, in addition to the need for educational units to have libraries,
computer rooms, rest rooms and equipment, as all these conditions determine the success of the
activities developed by the teacher with students. This work proposes interventions about teaching
working conditions, promoting improvements in the teacher's work environment.
Keywords: Education. Teaching. Work conditions.
INTRODUÇÃO
Existem muitos aspectos que determinam as condições de trabalho dos professores e que
exercem forte influência em sua prática. Para Pereira Junior (2016), as condições de trabalho
docente nas escolas de educação básica constituem os aspectos objetivos e subjetivos encontrados
ou vivenciados pelos professores no cotidiano escolar, os quais determinam o trabalho do docente.
Compreender as circunstâncias do trabalho mostra-se importante elemento para a
compreensão da realização da atividade do dia a dia do professor. Diante disso, o que se pretende
com este estudo é conhecer como o trabalho dos profissionais docentes se apresenta na realidade
do cotidiano dentro dos espaços educacionais, trazendo uma reflexão de como essas situações
afetam o trabalho do professor e a aprendizagem do aluno.
O interesse pelo estudo sobre o trabalho docente pode ser esclarecido em razão da vontade
de investigar quais são as condições para o bom desenvolvimento do trabalho docente. Para tanto,
corroborou-se com a opinião de Pereira Junior (2016) sobre os aspectos que compõem as
condições de trabalho, tais como: estrutura da escola; o suporte aos professores; o tamanho das
turmas; a disponibilidades de materiais didáticos; e a interação com os professores.
Neste estudo, para entender em quais condições os professores trabalham, inicialmente foi
tratada a questão do trabalho docente e a busca pelo reconhecimento da sua profissionalização,
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onde se constatou que seu trabalho consiste em atividades relacionadas à educação e que se trata
de um profissional assegurado por lei, o que traz para estes profissionais resultados positivos na
legislação educacional.
Posteriormente, foram tratadas algumas definições sobre as condições de trabalho docente,
utilizando diversos conceitos da literatura. Por meio da obra dos autores Tardif e Lessard (2014),
foram tratadas as condições de trabalho dos professores, onde, por exemplo, foi discutida a falta
de recursos, de tempo e a escassez de instrumentos pedagógicos, fatores “materiais”
frequentemente mencionados pelos professores, por dificultar sobremaneira o trabalho docente.
As condições de trabalho docente estão atreladas aos recursos disponíveis para realização
da prática docente, a infraestrutura das instituições, ou seja, condições que possibilitem o trabalho
do cotidiano do professor. Deu-se também destaque às referências sobre esse tema contidas na
Constituição Federal do Brasil, para a garantia de que estes profissionais tenham qualidade no
ambiente de trabalho.
Os profissionais podem estar expostos a várias situações ao longo da sua jornada de
trabalho, que podem afetar a saúde, gerar desvalorização e baixo rendimento dos alunos. O
professor está sujeito à precarização das condições de trabalho e também da sua situação
profissional, que provocam, consequentemente, o sobretrabalho e a ampliação da carga horária, o
adoecimento e a sensação de desvalorização (SILVA, 2007).
O processo metodológico contou com a análise dos dados da pesquisa Trabalho Docente
na Educação Básica de Pinheiro-MA, realizada em 2018, pelo Grupo de Estudo e Pesquisa
Formação e Trabalho Docente na Educação Básica (GEP), da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA). Esses dados foram coletados por meio da aplicação de questionário composto com
perguntas que tratavam vários temas, inclusive condições de trabalho. Para entendimento da
problemática tratada nesse estudo, foram analisados itens relacionados à exposição de ruídos
durante a atividade docente, à avaliação da sala de aula e à avaliação dos ambientes de trabalho
da escola.
Este artigo está dividido em mais quatro tópicos, após esta introdução. Os tópicos 2 e 3
tratam da revisão bibliográfica sobre as condições do trabalho docente e têm o interesse de
apresentar os elementos teóricos que sustentam o trabalho, resgatando conceitos necessários para
a realização da pesquisa. No tópico 4, são apresentados dados sobre o trabalho docente na zona
urbana e rural de Pinheiro-MA, considerando as exposições aos ruídos durante a atividade
docente, avaliação dos ambientes de trabalho da escola, da sala de aula, entre outros. Por fim, o
tópico 5 trata das considerações finais e, logo depois, são apresentadas as referências
bibliográficas.
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O TRABALHO DOCENTE
A educação, nas últimas décadas do século XX, sofreu mudanças substanciais que
alteraram o panorama da educação brasileira. Essas mudanças representam a busca de
democratização do ensino, possibilitando o acesso para a maioria da população. Nesse cenário de
mudanças, emergiu o debate sobre a profissionalização dos professores, principalmente no tocante
às garantias constitucionais da profissão docente.
Oliveira (2010) elucida que, em suas origens, os sujeitos que se ocupavam do ato de ensinar
o faziam por vocação ou sacerdócio e para tornar-se profissão o magistério percorreu um longo
caminho. A constituição do trabalho docente e sua profissionalização estão relacionadas à
organização e à expansão escolar. Ao longo da história, o magistério sempre esteve em busca da
sua profissionalização.
De acordo com Rodrigues (2002), o conceito de profissionalização pode ser aceito como
uma ocupação que exerce autoridade e jurisdição exclusiva, simultaneamente, sobre uma área de
atividade e de formação ou conhecimento. Pode-se perceber que a busca para consolidação da
profissão do magistério encontrou barreiras, os docentes sempre estiveram na luta em defesa dos
seus direitos, reivindicando melhores condições de trabalho e lutando pela autonomia no exercício
de sua profissão.
A primeira regulamentação no sentido de consolidação do ofício docente surgiu com a Lei
de Diretrizes e Base (LDB) nº 4024/1961, com ela passou-se a conhecer e entender os profissionais
da educação, o que constituiu um grande avanço na profissionalização dos docentes,
estabelecendo o marco legal, descrito em seu Art. 61. Consideram-se profissionais da educação
escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos
reconhecidos, são:
prática da sua profissão. Com a existência de uma Lei com determinação jurídica, o profissional
tem o sentimento de estar amparado, porém a realidade brasileira tem mostrado que ainda existe
muito a ser feito, para que a formação e valorização profissional dos professores propicie uma
educação de qualidade para todos.
Enquanto o trabalho nos espaços educacionais é feito com seres humanos, que interagem e
colaboram com o trabalho do professor, o trabalho realizado nas indústrias são com objetos
materiais passivos, os quais podem ser moldados, ou seja, é apenas um objeto. Em contrapartida,
o professor nunca pode ter controle totalmente do seu aluno.
Constatou-se que tem havido um alargamento das funções atribuídas ao professor, como
exigências de trabalho coletivo e novas formas de avalição do trabalho escolar, nem
sempre acompanhadas de condições necessárias para sua realização. Observou-se que o
professor está sujeito a precarização das condições de trabalho e também da sua situação
profissional, que provocam, consequentemente, o sobretrabalho e a ampliação da carga
horária, o adoecimento e a sensação de desvalorização. (SILVA, 2007, p.8)
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Como pode ser observado, de acordo com a Constituição Federal do Brasil, em seu Art.
206, dos oito princípios, pelo menos três fazem menção diretamente ao trabalho desenvolvido
pelo profissional docente no inciso V, VI e VIII. Vale enfatizar que isso representou um grande
avanço para a Educação, tendo em vista que nos textos da constituição anterior não havia menção
sobre a valorização dos profissionais de educação escolar.
A coleta de dados foi feita por meio de um questionário constituído por perguntas fechadas,
que contemplaram as temáticas: a) caracterização do pesquisado; b) rendimentos; c) contexto
familiar; d) outras atividades; e) formação docente; f) formação continuada; g) avaliação da
política nacional de formação; h) situação funcional; preparação no início das atividades docentes;
i) valorização profissional; j) atividades com alunos com necessidades especiais; k) realização de
atividades em casa; l) condição de trabalho na unidade educacional; m) vivência profissional; n)
preparo para as atividades; o) gestão escolar; p) avaliação do trabalho escolar; q) acompanhamento
dos pais dos alunos às atividades escolares; r) atividade do professor; s) atividades com colegas;
t) situação na unidade educacional; u) interferência no desempenho das atividades; v) importância
dos objetivos para o trabalho; x) relacionamento com sindicato; w) tempo livre e; y) afastamento
por licença médica.
Foram obtidas informações de 405 (quatrocentos e cinco) professores, que correspondem
a 26% de todos os professores que trabalhavam na educação básica de Pinheiro-MA durante a
pesquisa. Buscou-se ter a maior representatividade possível das unidades educacionais
pesquisadas, da mesma maneira, os sujeitos que nela trabalham, ou seja, os docentes.
Para a composição desse trabalho, a partir do macro universo da referida pesquisa,
recortaram-se os dados sobre as condições do trabalho docente, especificamente aqueles
relacionados à exposição de ruídos durante a atividade docente, à avaliação da sala de aula e à
avaliação dos ambientes de trabalho da escola, que serão analisados em maior profundidade.
A avaliação dos professores em relação aos ruídos na sala de aula e fora da unidade
educacional são fatores que fazem parte das condições em que os professores praticam suas
atividades, pois a sala de aula é considerada o lugar em que os docentes passam maior parte do
tempo. De acordo com a NBR 7731/83 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o
ruído é a mistura de sons cujas frequências não seguem nenhuma lei precisa e que se diferem entre
si por valores imperceptíveis ao ouvido humano. Diante de tal afirmação, buscou-se entender
como os professores avaliam os ruídos presentes durante a prática docente.
Segundo Pereira Junior (2016), ao tratar especificamente sobre os ruídos, considera-se que
eles podem advir dos próprios estudantes ou de dispositivos ou equipamentos existentes na sala
de aula, pois considerando que a sala de aula é um lugar destinado à aprendizagem é comum as
conversas realizadas pelos alunos e atividades desenvolvidas pelo professor com os alunos durante
as aulas. Assim como, as ações indisciplinares constantes podem ocasionar um ambiente ruidoso,
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o que leva o professor, muitas vezes, a diversas interrupções na sua prática, portanto, interferem
no desenvolvimento das aulas e, consequentemente, dificulta o aprendizado.
Na presente pesquisa, não houve a medição do ruído, somente descrição subjetiva dos
entrevistados acerca do nível de ruído durante a atividade docente. Os dados da Tabela 1 mostram
que 74,8% dos professores avaliam de forma RAZOÁVEL o ruído na sala de aula e 11,1%
consideram ELEVADOS os ruídos oriundos da sala de aula. Para 68,4% dos pesquisados, os
ruídos fora da sala também são considerados RAZOÁVEL, seguido de um percentual de 11,6%,
que o consideram ELEVADO.
Do mesmo modo, o ruído fora da unidade educacional foi considerado RAZOÁVEL por
68,4% dos entrevistados, e mais de 10% dos professores o avaliaram de forma DESPREZÍVEL.
Os ruídos externos, isto é, aqueles produzidos fora da unidade educacional, sejam eles produzidos
pelos veículos, comércio ou propagandas resultam em algum tipo de ruído que afetam as escolas,
principalmente as que estão localizadas no centro da cidade, devido ao fluxo contínuo de algum
tipo de som. Logo, o ambiente físico torna-se inadequado para que o aluno desenvolva suas
capacidades intelectuais.
As avaliações dos docentes permitem afirmar que mais da metade dos professores exercem
suas atividades com a presença de algum tipo de ruído. Segundo Masson (2001), o ruído ambiental
pode ser nocivo ao professor, pois, desta maneira, ele acaba competindo com os ruídos internos e
externos, obrigando-o, muitas vezes, a elevar a intensidade da voz, ocasionando lesões nas pregas
vocais e comprometendo a saúde do docente. Sobre isso, Dragone et al. (2010) reforçam que há
indicações consistente de que esta categoria profissional apresenta maior prevalência de distúrbios
vocais quando comparada à população em geral.
Dessa forma, os ruídos, sejam eles produzidos na sala de aula, fora da sala de aula ou fora
da unidade educacional, comprometem o trabalho docente, a aprendizagem dos alunos e afetam a
saúde dos professores. Deste modo, é preciso refletir e agir sobre as condições em que os
professores realizam seu trabalho.
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Para a maioria dos professores, a ventilação das salas de aula é REGULAR. Contudo,
dentre os itens pesquisados, a ventilação foi o pior avaliado, recebendo o maior percentual na
opção RUIM, 26,2%. Com essas condições inapropriadas, as salas tornam-se mais quentes,
gerando desconforto em virtude do calor. A ventilação faz parte dos aspectos ambientais da sala
de aula, quando inadequada compromete o trabalho do professor com os alunos, pois, como já
mencionado, a sala de aula é lugar onde alunos e professores ficam a maior parte do tempo.
Conforme o autor Pereira Junior (2016), as condições apropriadas em relação aos aspectos
ambientais e estruturais na sala de aula favorecem o desenvolvimento da atividade docente, sendo
assim, a sala de aula precisa oferecer boas condições para desenvolvimento da atividade docente.
A iluminação das salas de aula foi avaliada como BOA por 46,7% dos respondentes,
entretanto, obteve um contingente significativo de avaliação REGULAR, 30,9%. Já as paredes
das salas de aula, 46,2 % dos entrevistados avaliaram como BOAS condições. Quanto à mobília,
foi avaliada como REGULAR por 43,2%, que somam quase metade dos docentes. Pode-se, ainda,
observar o percentual de excelente, próximo a 10% no que se refere à iluminação.
Ao serem consideradas as opções RUIM e REGULAR para os itens avaliados, pode-se
afirmar que mais de 40% das salas de aula não proporcionam um ambiente favorável para o ensino
e aprendizagem, com destaque para os itens ventilação e mobília, onde a junção desses dois itens
ultrapassam 50%.
Para Gestrado (2015), a melhoria das percepções concernentes às condições da sala de aula
impacta em aumento da satisfação profissional. A realidade das unidades educacionais tem
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mostrado necessidade de melhoria, pois as condições em que muito delas se encontram podem
gerar nos profissionais o sentimento de desvalorização e, assim, ter a autoestima abalada.
Ainda na opinião de Gestrado (2015), o desenvolvimento da atividade docente necessita
de condições apropriadas de aspectos ambientais e estruturais, os quais afetam tanto aluno quanto
professores. Diante desta afirmação e observando as avalições dos itens na tabela, percebe-se que
todos os itens foram avaliados como REGULAR por mais de 30% dos entrevistados. Essa
realidade do cotidiano docente e do aluno, de acordo com os autores já mencionados, têm refletido
no resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), haja vista que o munícipio
de Pinheiro nos anos finais do ensino fundamental teve nota 3,9,ou seja, ficou abaixo da meta
desejada que era 4,6 no ano de 2017.
Pode-se a afirmar que os docentes, assim como os alunos, estão expostos a uma sala de
aula que, infelizmente, não atende ao padrão de qualidade tratado na Seção 3 deste trabalho, que
compõe a Constituição Federal do Brasil, no Art. 206, inciso VII, que trata da garantia de padrão
de qualidade destes profissionais. Reforça-se, mais uma vez, que tais aspectos são relevantes, pois
favorecem a atividade docente, logo, também a aprendizagem do aluno.
Constatou-se que 35,3% dos professores não dispõem de sala convivência e repouso nas
unidades educacionais em que atuam. E, dentre aqueles que dispõem, 28,6% consideram a
qualidade desse espaço REGULAR. Também foi atestado que, em 38,5% das unidades
educacionais, os professores não dispõem de banheiros exclusivos para funcionários. E, dentre
aqueles que dispõem, 26,7% consideram de qualidade REGULAR. A literatura aponta que a
importância da presença desses espaços favorece a qualidade do trabalho do professor, pois além
de proporcionarem bem estar, também estão relacionados:
[...] à qualidade das relações pessoais na escola. Os contatos sociais na escola favorecem
laços que podem levar a colaborações profissionais e ao desenvolvimento de um espírito
de equipe. A qualidade das relações sociais no interior de uma escola é mencionada como
um fator importante para permitir um bom ambiente de trabalho. (TARDIF; LESSARD,
2014, p. 186).
As lutas da categoria nas últimas décadas têm sido mais tensas para mudar o como
ensinar, as condições materiais em que ensinamos do que para mudar o que ensinamos.
Por que tanta sensibilidade para com as condições em que exercemos nossa docência e
nosso trabalho e reproduzimos nosso ofício e nossa existência? Porque intuímos que os
modos de viver e trabalhar, de ensinar e aprender determinam o que somos e aprendemos.
(ARROYO, 2013, p. 110)
Percebe-se que 48,6% dos docentes apontam não existir biblioteca nas escolas da rede
pública em que atuam. Para 25,2% dos que trabalham em escolas que têm biblioteca, as
consideram REGULAR. Sabe-se que uma biblioteca na escola colabora com a formação de
qualidade durante o processo de aprendizagem. De acordo com Garcia (1989), sabendo-se que o
livro e a leitura não são valores concretamente presentes na maioria dos lares brasileiros, fica a
cargo da escola operar a iniciação e estimulação à leitura. No entanto, quase 50% dos
estabelecimentos de ensino não oferecem para alunos e professores acesso a livros.
De acordo com o censo escolar realizado no país em 2018, na educação básica, ao avaliar
a disponibilidade de biblioteca ou sala de leitura nas escolas, um recurso pedagógico essencial
para o aprendizado dos alunos, percebe-se que esse recurso é menos encontrado nas regiões norte
e nordeste, que possuem somente 20% dos estabelecimentos. Ainda de acordo com o censo, no
Maranhão, menos de 40% das escolas dispõem desses recursos, o que permite concluir que as
escolas pesquisadas da cidade de Pinheiro-MA, embora estejam um pouco acima da média
regional, apresentam uma realidade similar comparada aos dados nacionais, que mostram 48,9%
das escolas públicas no ensino fundamental têm Biblioteca ou Sala de leitura.
Ao verificar as condições referente aos parquinhos e área de recreação, atestou-se, por
meio das respostas de 81,7% dos professores, que as escolas não dispõem de ambientes para esses
fins. Destacando-se também que dentre os poucos docentes que declararam contarem com esses
ambientes, nenhum os avaliaram como EXCELENTE e que apenas 10,1% os considera BOM ou
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As crianças precisam brincar em pátios, quintais, praças, bosques, jardins, praias, e viver
experiências de semear, plantar e colher os frutos da terra, permitindo a construção de
uma relação de identidade, reverência e respeito para com a natureza. Elas necessitam
também ter acesso a espaços culturais diversificados: inserção em práticas culturais da
comunidade, participação em apresentações musicais, teatrais, fotográficas e plásticas,
visitas a bibliotecas, brinquedotecas, museus, monumentos, equipamentos públicos,
parques, jardins. (Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, 2013, p.
94)
E para que a oferta de educação nesse tipo de escola não se resuma a uma simples
justaposição de tempos e espaços disponibilizados em outros equipamentos de uso social,
como quadras esportivas e espaços para práticas culturais, é imprescindível que
atividades programadas no projeto político-pedagógico da escola de tempo integral sejam
de presença obrigatória e, em face delas, o desempenho dos alunos seja passível de
avaliação. (Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, 2013, p. 125)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. 9. Ed. –
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
Trabalho docente na educação Básica no Brasil: Fase II / Grupo de Estudos sobre Política
Educacional e Trabalho Docente. – Belo Horizonte: Faculdade de Educação/UFMG, 2015.
Relatório.
Abstract: The present study addresses the applicability of didactic resources in the Literacy
process. It aims to research and propose different teaching resources in the teaching-learning
process in literacy. To support the topic in question, we seek theoretical support from the authors
Ferreiro (2008), Oliveira (1997), Brandão (2009), among others. This is a bibliographic search.
As a result, we point out some materials aimed at teachers, which can be made so that they will
contribute to the process of reading and writing in literacy. To this end, we suggest making
pedagogical games, using golden material in mathematics, to analyze problem situations, the
relationship between quantities, comparison, grouping, ungrouping, ordering, analogy, induction
and number deduction; use of recycled material that can favor the understanding of multiplication
and division operations; addition and subtraction through games made with scrap.
Keywords: Didactic Resources . Literacy. Learning. Ludicity.
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1 INTRODUÇÃO
De acordo com Ferreiro (2008), existem quatro sistemas de hipóteses de escritas, no qual a criança
durante a alfabetização para pré-sílabico, silábico, silábico- alfabético e alfabético.
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Os recursos didáticos podem trazer de volta o prazer de aprender com liberdade e prazer. São
muitos os fatores que dificultam para que o objetivo se torne real.Tratando-se nesta
abordagem,quanto a aprendizagem com jogos, Vygotsky, aborda que:
A aprendizagem através de jogos, como dominó, palavra cruzadas, jogo da memória e outros permite que o aluno
faça a aprendizagem um processo interessante e outros permite que o aluno faça a aprendizagem um processo
interessante e até divertido. Para isso devem ser utilizados ocasionalmente para sanar as lacunas que se produzem na
atividade escolar diária (VYGOTSKY 1988, p47).
Além de organizador o professor também é facilitador nesse processo. Não mais aquele que expõe todo o conteúdo
aos alunos, mas aquele que fornece as informações necessárias, que o aluno não tem condições de obter sozinho.
Nessa função, faz explanações, oferecem materiais, textos etc. (BRASIL, 1998, p.38)
apresentadas pelos educandos. Acreditamos que qualquer dificuldade pode ser trabalhada com
maior facilidade, pois quando se trabalha com material concreto, os educandos visualizam mais e
o aprendizado se torna mais fácil.
De acordo com Ferreiro (2001), existem quatro sistemas de hipóteses de escritas, no qual a criança
durante a alfabetização para pré-islâmico, silábico, silábico- alfabético e alfabético.
No pré -silábico, a criança não estabelece vínculo entre fala e a escrita. Supõe que a escrita
representa objetos e não seus respectivos nomes. A criança pode ou não conhecer os sons das
letras.
Na silábica, a criança supõe que a escrita representa a fala, tenta fonetizar a escrita e dar
sonoridade as letras. Supõe que a menor unidade da língua seja a sílaba. Em frases, pode escrever
uma letra para cada palavra.
Vygotsky (1988) nos mostra que é necessário construir espaço, meios e tempo para que os alunos
joguem na sala de aula e ao mesmo tempo é um grande desafio e um compromisso, respeitando
que a educação formar as crianças são dominadas cada vez mais cedo para atividades poucas
criativas.
Os recursos didáticos pode trazer de volta o prazer de aprender com liberdade e prazer, no
entanto, são muitos os fatores que dificultam para que o objetivo se torne real. A fase da
alfabetização é o processo de desenvolvimento pelo qual o ser humano adquire informações,
habilidades, valores a partir do seu contato com a realidade, o meio onde ele vive.
Segundo o autor, a contextualização do que está sendo aprendido é fundamental para formulação
do conhecimento, valorizando assim o que o aluno já conhece, para assim formular o
conhecimento e desenvolver a criticidade, partindo do que o aluno já sabe, dessa forma torna-se
significativo para o discente .
Fica notória a importância de se letrar, porém ,é importante destacar ,também , que tal aprendizado
não é funçaõ apenas do professor , pelo contrário, este é o papel de todos que fazem parte da vida
da criança.Neste sentido, Soares contribui que:
Ler e escrever são processos frequentemente visto como imagens
espelhados uma da outra , como reflexos sob,ângulos opostos de um mesmo fenômeno
a comunicaçaõ através da língua escrita mas há diferenças fundamentais entre habilidades
e conhecimentos empregados na leitura e aqueles empregadas na escrita, assim como.
Há diferenças considevéis na apredizagem da escrita(SOARES 2009,pg 67-68).
alunos e utilizar os recursos pertinenetes á faixa etaria e objetividade de forma intencional para
que o aprendizado seja significativo e contextualizado.
No âmbito individual , a leitura é explicada por Soares (2009, pg68) como “um conjunto de
habilidades linguistícas e psicológicas que se estendem desde a habilidade de codificar palavras
escritas até a capacidade de compreender textos escritos”.
Para facilitar o processo de alfabetização do educando, destaca-se algumas atividades lúdicas
segundo Brandão (2009) que estão descritas abaixo.
● Trabalhando com letras e números, os alunos recebem cartões com
letras repetidas para formarem seu nome e o nome de seus colegas. Como este recurso didático o
aluno consegue identificar a quantidade de letras de cada nome da criança da turma e também
identifica a letra inicial dos nomes de seus amigos da turma.
● Manuseando rótulos e embalagens, o educando identifica as letras que
compõe o nome da embalagem, qual é o produto e o que está escrito.
● Jogo da memória relacionando as palavras com suas gravuras. Por meio
desse recurso didático os alunos relacionam a gravura com a imagem, desenvolvendo atenção,
concentração e agilidade.
● Telefone de brinquedo para ajudar no desenvolvimento da leitura e no
reconhecimento sonoro, além de ajudar na concentração.
● Utilizar recursos didáticos variados para estimular as crianças para
promover melhor a aprendizagem do ser humano no processo ensino aprendizagem na
alfabetização.
A escola é um lugar onde ocorrem a sistematização do conhecimento e onde a aprendizagem
deve estar sempre presente entre os recursos pedagógicos. A sala de aula é um lugar no qual
ocorre o processo de alfabetização, onde o educando aprende a se conhecer e conhecer a leitura
e a escrita apresentadas de maneira menos prazerosa.
É neste momento que se torna essenciais as estratégias com recursos didáticos para o processo de
alfabetização.
Ferreiro (2002, p12) salienta que "Todos os problemas da alfabetização começaram quando se
decidiu que escrever não era uma profissão, mas uma obrigação, e que ler não era uma marca de
sabedoria mas de cidadania". Assim pode-se observar que para o ser humano a obrigação de atingir
determinados objetivos prejudica o seu ato de aprendizagem, pois o desenvolvimento infantil é
dominado por uma obrigação incapaz de fazer com que a criança sinta o prazer pela aprendizagem.
Ainda Ferreiro (2008 p.32,33,34) diz que, "um fator frequentemente mencionado como necessário
para facilitar as ações de alfabetização é a produção de materiais ‘’ A autora distingue três tipos
de materiais:
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Conforme aborda Soares, todo material utilizado como auxilio no ensino aprendizagem do aluno
é recurso didático, neste contexto, o uso de jogos, é pertinente pois desenvolve o raciocínio lógico,
pode-se desenvolver a lateralidade, a psicomotricidade do discente entre outros benefícios.
No ensino da matemática pode-se utilizar o material dourado, o ábaco e material reciclado, em
que precisa-se ter objetivos específicos para utilização de cada recurso.
Uso de Material Dourado
O” Material Dourado “foi criado por Maria Montessori (1870-1952), formada em medicina
e encarregada de educação de crianças com deficiências, observou que elas se desenvolvia mais
pela ação do que pelo pensamento, desenvolveu então um método e material apropriado de ensino.
Objetivos:
● Explorar o material dourado de forma lúdica.
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Uso do Ábaco
O Ábaco é um antigo instrumento de cálculo, que segundo muitos historiadores foi inventado
na Mesopotâmia, pelo menos de forma primitiva e depois pelo chineses e romanos o
aperfeiçoaram. Ele foi a primeira máquina de calcular.
Objetivos:
● Realizar contagens, utilizando a correspondência biunívoca (um a um).
● Compreender e fazer uso do valor posicional dos algarismos, no sistema de
Numeral Decimal.
maneiras variadas de desenvolver e de atingir seus objetivos de forma mais prazerosa com seus
educando.
Kishimoto (2008) nos mostra que muitos professores reconhecem a importância do jogo, através
de seu significado associando a função lúdica com a forma pedagógica de como trabalhando o
jogo.
Trabalhar com jogos pedagógicos possibilitam aos alunos a facilidade de assimilar o conteúdo,
fazendo -os a buscar respostas para a construção em uma nova aprendizagem.
5-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como resultados, apontamos alguns materiais direcionados aos professores, os quais podem ser
confeccionados para que estes venham contribuir no processo de leitura e escrita na alfabetização.
Para tanto sugerimos, a confecção de jogos pedagógicos, uso de material dourado na matemática,
para analisar as situações problemas, a relação entre quantidades, a comparação, agrupamento,
desagrupamento, ordenação, analogia, indução e dedução de número; uso de material reciclado
em que pode favorecer a compreensão das operações de multiplicação e divisão; adição e
subtração por meio de jogos confeccionados com sucata.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo, SP: Cortez, 2011.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa/Antônio Carlos Gil. -4. Ed. São Paulo: Atlas,
2017.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brinquedo e educação. São Paulo: Cortez, 2008.
KLEIMAN, Angela B. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever?
Brasil: Ministério da Educação, 2005.
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COC school (São Luís), which also implements actions aimed at the theme of the Active
Community, such as the Expeditionaries of the Island and São Luís 2030. The objective of this
study is to report the experiences of the Fellows of the Community Active in the various activities
developed throughout the first semester of 2019. To develop this research, bibliographic and
documentary research was adopted as methodological procedures. It is characterized as
descriptive and exploratory, with qualitative analysis of the experiences lived and reported by the
Fellows of the Active Community with the children of the COC.
Keywords: Active community. COC School. University Extension. Tourism.
INTRODUÇÃO
Tendo como pressuposto que o turismo pode ser compreendido como um fenômeno social
e que a extensão universitária possui papel importante de intermediação de conhecimento entre
Universidade e comunidade. A referida intermediação busca, através da formação acadêmica do
discente, proporcionais benefícios de via dupla para a sociedade e com isso desenvolver o
acadêmico de forma positiva, com isso, entende-se que a ampliação do trabalho que se dá entre
Universidade e sociedade deve possuir caráter continuo, pois ambos possuem importância para
seu crescimento e desenvolvimento em meio a evolução global. É pensando na evolução
profissional e pessoal dos discentes que o curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão
(campus São Luís) desenvolve desde 2004 o projeto de extensão Comunidade Ativa (Resolução
n° 348-CONSEPE) que possui como propósito sensibilizar crianças através de metodologias
ativas de referência nacional e internacional com foco na proposição de soluções urbanas e
turísticas para uma São Luís do futuro, enfatizando a importância das crianças para a
sustentabilidade da cidade, utilizando, assim, temáticas direcionados a turismo, acessibilidade,
mobilidade urbana, meio ambiente, patrimônio, higiene, segurança e tecnologia. Até o presente
momento, o projeto atendeu cerca de 700 crianças do bairro Sá Viana (área circunvizinha do
campus Dom Delgado), e atualmente (2019) o projeto está vinculado a escola COC - São Luís que
também implementam ações direcionadas as mesmas temáticas abordadas pelo projeto
Comunidade Ativa, sendo elas Expedicionários da Ilha62 e São Luís 203063. Com isso, faz-se
objetivo deste trabalho relatar as experiências dos bolsistas do projeto de extensão Comunidade
Ativa nas diversas atividades desenvolvidas ao longo do primeiro semestre de 2019 com as
crianças participantes do projeto. No presente ano, o projeto atende 42 crianças, com faixa etária
entre oito a dez anos, onde, através da extensão universitária, os bolsistas do projeto Comunidade
Ativa colocam em prática o que aprenderam anteriormente em sala de aula e dos diversos estudos
sobre os temas trabalhados no projeto. As atividades com as crianças iniciaram desde o mês de
abril de 2019 e abordaram as temáticas que foram anteriormente citadas, os encontros foram
realizados quinzenalmente em alternância entre sala de aula e atividades externas, onde os
bolsistas trabalham as temáticas propostas e as levam a campo para analisarem na prática o que
foi apresentado em sala. A elaboração do cronograma das atividades fora previamente pensada.
Foram realizadas reuniões periódicas que se davam com os bolsistas e coordenador do projeto
Comunidade Ativa e coordenadora do fundamental I da escola COC para a definição do que seria
mais viável de trabalhar, levando em conta a faixa etária das crianças envolvidas no projeto devido
o mesmo também promover visitas técnicas a diversos locais da cidade de São Luís onde as
temáticas podem ser abordadas. Participaram ainda, professores da escola que contribuíram no
desenvolvimento do projeto.
METODOLOGIA
Em busca da melhor metodologia que pudesse se adotar para o projeto no ano de 2019,
buscou-se como procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica e documental com
características descritiva e exploratória, com análise qualitativa das experiências vivenciadas e
relatadas pelos bolsistas do Comunidade Ativa com as crianças do COC. KÖCHE explicita a
importância da pesquisa bibliográfica onde a mesma é utilizada para que o investigador possa
analisar e/ou compreender um determinado problema. KÖCHE cita ainda que “objetivo da
pesquisa bibliográfica, portanto, é o de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas
existentes sobre um determinado tema ou problema[...] (2011, p. 122)”. Com isso, no primeiro
momento, buscou-se analisar bancos de dados que fossem significativos para o desenvolvimento
das metodologias nacionais e internacionais aplicadas no projeto, pois conforme colocado por
Severino a pesquisa bibliográfica pode ser considerada por “aquela que se realiza a partir do
registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros,
artigos, teses etc. [...]” (2007, p. 122). Todo esse levantamento se deu durante as 20 horas semanais
que os bolsistas possuem para desenvolvimento e planejamento das atividades que se submeteriam
nas salas de aulas e/ou atividades externas. Os extensionistas contam ainda com o vínculo do
grupo de pesquisa “Turismo, Cidades e Patrimônio”, cujo projeto do Comunidade Ativa faz parte.
Desse modo, os bolsistas puderam realizar o levantamento do estado da arte dos temas: turismo,
patrimônio, mobilidade urbana e sustentabilidade, com isso foi possível estabelecer
representações de metodologias ativas (nacionais e internacionais) que pudessem ser utilizadas
com as crianças da melhor forma possível. Dessa forma, a pesquisa bibliográfica se torna
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extremamente importante, pois possui como objetivo “[...]colocar o pesquisador em contato direto
com tudo o que foi escrito sobre determinado assunto, com a finalidade de colaborar na análise de
sua pesquisa” (SILVA, 2015, p. 83). Após os referidos estudos, foi possível definir aulas
expositivas, utilizando recursos metodológicos como vídeos, textos, músicas, visitas técnicas e
discussões que as estimulassem e que as colocassem na parte central do processo de aprendizagem.
O levantamento bibliográfico possibilitou que os extensionistas pudessem aumentar suas bases
teóricas e, ainda, proporcionou que os mesmos dominassem novas técnicas de didáticas para o
compartilhamento de conteúdo em sala de aula e/ou campo. No que se refere à pesquisa descritiva,
a mesma é utilizada para “[...]descrever fenômenos existentes, situações presentes e eventos,
identificar problemas e justificar condições, comparar e avaliar o que os outros estão
desenvolvendo em situações e problemas similares, visando aclarar situações para futuros planos
e decisões[...]” (GRESSLER, 2004, p. 54). É com base nisto que são feitas as descrições das
experiencias vividas pelos bolsistas do projeto de extensão Comunidade Ativa, onde são levados
em considerações as atuações e analise dos personagens envolvidos. Na pesquisa exploratória,
“têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em
vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores
[...]” (GIL, 2008, p. 27). No que se trata a pesquisa qualitativa, GODOY coloca que na referida
abordagem, “[...]valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a
situação que está sendo estudada.” (1995, p.62). evidencia ainda a necessidade na confiabilidade
do próprio pesquisador em sua capacidade de interpretação das informações tendo base na
“[...]observação, seleção, análise e interpretação dos dados coletados[...]” (1995, p.62). Como
anteriormente colocado, o projeto de extensão Comunidade Ativa atendeu 42 crianças, e estas se
mostraram atentas e participativas nas temáticas trabalhadas no projeto, com isso, os
extensionistas viram-se incentivados ainda mais a buscarem por maiores conhecimentos acerca
das temáticas já mencionadas. Neste caso, os bolsistas dividem as 20 horas semanais para
realizarem o levantamento sobre o estado da arte dos temas trabalhados, preparação de material a
ser apresentado às crianças, reunião com o coordenador do projeto, apresentação do conteúdo que
será ministrado às crianças para os coordenador e atividades realizadas na escola COC. O preparo
dos extensionistas se dá, anteriormente, na sala do Grupo de Pesquisa “Turismo, Cidades e
Patrimônio”, onde possui subsídios para os estudos necessários para que possam ir à campo com
confiança acerca dos conteúdos ministrados.
REFERENCIAL TEÓRICO
Partindo da compreensão que o turismo é entendido como um fenômeno social e uma
atividade que está em constante evolução, o curso de Turismo da Universidade Federal do
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RESULTADOS
O encontro inicial com as crianças se deu através de um tour no Complexo Fábrica Santa
Amélia, polo cede dos cursos de Turismo e Hotelaria da UFMA (campus São Luís), onde se
situava um antigo Complexo Fabril. O guiamento foi realizado pelos próprios extensionistas, onde
as crianças puderam conhecer a história que o lugar possui. Percebeu-se que todas as crianças
estavam atentas e ávidas por perguntas. Devido sua história do passado e sua trajetória no que se
refere a importância no crescimento econômico da cidade de São Luís e a economia do Brasil de
forma gral (LEITE, 2017, p. 21). Nesta atividade, os bolsistas tiveram como base de estudos
diversos artigos e documentos para os auxiliarem e, assim, que fosse possível o guiamento. Os
encontros futuros que ocorreram na escola COC, teve como proposito abranger ainda mais as
temáticas trabalhadas durante a visita de campo inicial e também abordar assuntos atuais, como a
"Poluição do Ar", tema exposto pela ONU 2019. Para que fosse possível elaborar conteúdos e
aulas, adotou-se vídeos e fácil assimilação e atividades cujos assuntos tinham os principais
poluentes do ar, sua origem, sua relação maléfica com a fauna e flora. A partir disso, construíram-
se uma série de atividades em sala de aula para a composição de resolutivas de problemas
relacionados ao meio ambiente, fazendo assim a ligação com outros temas como meio ambiente,
acessibilidade, pensando em uma cidade sustentável, colocando ideias validas para o crescimento
da cidade de forma ordenada e limpa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
forma lúdica e que promova o sentimento de pertencimento, onde as crianças terão mais
aproximação com a cidade e com o turismo.
REFERÊNCIAS
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GRESSLER, Lori Alice. Introdução à pesquisa : projetos e relatórios / Lori Alice GRESSLER. –
2. Ed. Ver. Atual. – São Paulo: Loyola,2004. 295 p.
LEITE, Brenda Rodrigues Coelho. Os múltiplos cenários futuros da Fábrica Santa Amélia no
contexto turístico de São Luís/MA. 2018. 154 f. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade)
- Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2018.
Página 313 de 2230
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007.
Resumo: O app-learning trata-se de um modelo de aprendizagem que utiliza aplicativos para fins
educacionais. Tem como finalidade tornar a sala de aula mais divertida e flexível, suscitando a
interatividade e a motivação configuradas num processo formativo mais adequado a uma geração
de alunos que convive em diversos ambientes permeados de ferramentas digitais. Nesse contexto
de utilização dos apps em sala de aula surge o Plickers, um aplicativo projetado para verificar os
conhecimentos dos alunos sobre uma temática em tempo real. Este artigo aborda a inserção
estratégica do app-learning no ensino de Administração. Analisa a implementação do aplicativo
Plickers na disciplina Administração de Materiais, do curso Técnico em Administração do Centro
de Ensino Técnico e Profissionalizante do Maranhão - CEMP/MA. Metodologicamente, versa
sobre um estudo descritivo e exploratório, que inicialmente debate os aspectos conceituais a
respeito do app-learning para, posteriormente, descrever o aplicativo supracitado e suas
funcionalidades. Averigua as contribuições do app por meio de um questionário aplicado com 39
alunos matriculados na disciplina. Constata que há dois aspectos dessa experiência que merecem
reflexão: o primeiro deles tem a ver com a atuação do professor, visto que o Plickers possibilita
um diagnóstico mais rápido quanto ao desempenho dos alunos; e o segundo refere-se à percepção
dos alunos acerca da utilização da ferramenta, que despertou a curiosidade, o engajamento e o
caráter participativo dos aprendentes no momento de avaliação da aprendizagem.
Palavras-chave: App-learning. Plickers. Interatividade. Administração.
Abstract: App-learning is a learning model that uses applications for educational purposes. Its
objective is to make the classroom more fun and flexible, raising interactivity and motivation,
ensuring a more appropriate process for a generation of students who live in different
environments permeated with digital tools. In this context of using apps in the classroom, there is
Plickers, an application designed to check students' knowledge on a theme in real time. This article
investigates the strategic insertion of app-learning in business education. The implementation of
the Plickers application is analyzed in the Materials Management discipline, of the Technical
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course in Administration, from the Technical and Vocational Training Center of Maranhão -
CEMP / MA. Methodologically, the work is a descriptive and exploratory study, which initially
presents the conceptual aspects regarding app-learning to later describe the aforementioned
application and its functionalities. The app's contributions are verified through a questionnaire
applied to 39 students enrolled in the discipline. It appears that two aspects of this experience
deserve reflection: the first has to do with the performance of the teacher, since Plickers allows a
faster diagnosis as to the performance of students; and the second refers to the students 'perception
of the use of the tool, which aroused the students' curiosity, engagement and participatory
character when assessing learning.
Keywords: App-learning. Plickers. Interactivity. Administration.
INTRODUÇÃO
Em uma sociedade onde mais de 5 bilhões de pessoas usam aparelho celular (GSMA,
2019), os processos diários, como efetuar pagamento, marcar consulta e até solicitar transporte se
tornam cada vez mais rápidos e conectados – online. Essas demandas diárias dão espaço para os
meios de armazenagem em nuvem e as tecnologias de processamento evoluíram a cada instante,
modificando a todo momento o conceito de novo e de inovação.
Cria-se app diariamente com o objetivo de facilitar o dia-a-dia das pessoas, fornecendo-
lhe as mais diversas funcionalidades. Uma pesquisa feita pela App Annie (2018) mostra que a
quantidade de apps baixados em 2017 superou a marca de 175 bilhões no mundo, impulsionando
principalmente o Brasil com grande de downloads (EXAME, 2019).
Segundo a App Aniie (2018), o Brasil é o quarto país na lista dos cinco dos mercados
que mais consomem aplicativos, perdendo apenas da China, Índia e Estados Unidos e à frente da
Rússia no top 5.
Neste contexto, esta pesquisa tem como objetivo demonstrar a utilização dos apps em
sala de aula. Dentro desse contexto, surge o Plickers, um aplicativo projetado para verificar os
conhecimentos dos alunos sobre uma temática em tempo real.
Como utilizar esse avanço a favor do processo educacional? Será viável? Atrapalha a
aula do professor no quadro negro? Essas e outras resposta serão encontras ao longo do texto.
Analisa-se a mediação do ensino com o uso de app, baseados em pesquisas bibliográficas,
apresentando reflexões sobre o app-learning, sobretudo com a utilização do app Plickers.
APP-LEARNING
Em uma sociedade cada vez mais conectada, utiliza-se aplicativos com as diversas
funcionalidades que já faz parte da nossa rotina. Já que esses apps estão ao alcance dos alunos,
por que não utilizar para enriquecer o processo de aprendizagem?
A abundância de recursos e de conte dos físicos e digitais, aliada ampliação dos serviços
de conexão móvel com a Internet, de armazenamento em nuvem e a evolução da telefonia
celular, promoveram o surgimento de uma nova modalidade de educação, a
Aprendizagem Móvel. (CONFORTO e VIEIRA, 2015, p. 45)
Totti, Gomes, Moreira e Souza (2011) afirmam que “a tecnologia antes vista como algo
que tirava o sujeito do convívio social e do contato coletivo, torna-se cada vez mais customizadora,
assim, os ambientes tornam-se individualizados, mas não individualistas”. Visto agora que o
celular não pode ser considerado apenas como fonte de entretenimento, mas como ferramenta de
auxílio para o processo educacional.
Nesse contexto de utilização dos apps em sala de aula surge o Plickers, um aplicativo
projetado para verificar os conhecimentos dos alunos sobre uma temática em tempo real.
ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO
PLICKERS
plataforma, sem demandar o download do aplicativo pelos alunos. Basta que o professor tenha o
app baixado e imprima cartões de realidade aumentada que são entregues em sala de aula.
Cada estudante receberá o seu próprio cartão e terá de manejá-lo de acordo com a resposta
que escolher. O app tem um mecanismo de scanner ativado pela câmera do celular, que decodifica
as respostas dos cards. É uma alternativa que permite a criação de atividades avaliativas mais
dinâmicas; aplicação com somente um Smartphone; conexão a partir do 2g; e avaliação em tempo
real. Permite, resumidamente, fazer um quiz, chamar os alunos a responder e a obter os resultados
da sua avaliação em direto (tal como gostam de ter o feedback dos seus trabalhos). A grande
vantagem está no equipamento que é necessário: um computador/projetor com o website e um
tablet/smartphone com a aplicação mobile (app). Edgar Costa (2018).
a) Sistema de Feedback
O sistema de feedback imediato encontrado nos games está presente neste aplicativo.
Um questionário pode, a princípio, ser um instrumento de avaliação chato para os alunos;
entretanto, por meio do aplicativo em questão e da criatividade do professor, poderá se tornar
desafiador e divertido, mantendo o aluno motivado em continuar os estudos.
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Figura 02 – Pontuação.
b) Utilização do App
O Professor, que terá uma papel nesse processo de Mediador, realizou o planejamento da
disciplina de Administração de Matérias com carga de 40h/aulas, do curso técnico em
Administração da Escola Técnica CEMP – MA, para realizar uma avaliação em dupla com
finalidade de obtenção da 2ª nota da disciplina, por meio do Plickers, substituindo a avalição
“tradicional somativa”.
a) Planejamento/Plano de Aula/Disciplina:
A avaliação da turma para obtenção das médias foram planejadas das seguintes formas:
N1 - Nota obtida com apresentação de seminário oriundo de uma visita técnica na área de
administração de matérias - logística, que foi avaliada pelo mediador com nota de 0 a 10, sendo
apresentado em grupo de quatro a cinco alunos; N2 - Nota obtida em dupla com avalição por
intermédio do app Plickers, sendo avaliado com nota de 0 a 10.
elaborou as duplas para aplicação da avaliação e finalizou com a impressão dos cards, que são
disponibilizados pela própria plataforma para impressão.
Figura 04 – Cards.
c) Aplicação da Avaliação
Após a impressão dos cards foi realizado a aplicação da avaliação. Os alunos dividiram-
se em duplas planejados previamente pelo mediador e receberam os cards impressos. Cada card
continha quatro opções de respostas: 1/A; 2/B; 3/C e 4/D. Cada posição do card representa uma
alternativa, cada uma com “figuras” individuais, o que não influencia um aluno olhar a resposta
da dupla próxima.
Figura 05 – Aplicação.
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RESULTADOS
120%
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Questionados sobre a aplicação das questões por meio do app, 87% dos alunos afirmam
que se sentiram mais motivados em participar da aula, uma vez que, logo em seguida, tinham o
Página 323 de 2230
retorno das repostas corretas. Percebeu-se também que o retorno de correção online favoreceu o
processo de dúvidas ainda existentes após a avaliação.
90% dos alunos afirmaram que utilizariam novamente a aplicação da avaliação em outras
disciplinas, dados que mostram que a inclusão de avaliação online utilizada no ensino técnico
tende a despertar o interesse dos alunos pela disciplina que está sendo estudada,
consequentemente, haverá uma interação maior entre os alunos, aumentando assim o espaço
colaborativo entre eles, contribuindo no processo de aprendizagem (BARBOSA; MOURA, 2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se que há dois aspectos dessa experiência que merecem reflexão: o primeiro
deles tem a ver com a atuação do professor, visto que o Plickers possibilita um diagnóstico mais
rápido quanto ao desempenho dos alunos; e o segundo refere-se à percepção dos alunos acerca da
utilização da ferramenta, que despertou a curiosidade, o engajamento e o caráter participativo dos
alunos no momento de avaliação da aprendizagem.
REFERENCIAS
A utilização da tecnologia na administração financeira e suas influências para a melhoria das
associações de produtores rurais. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/a-
Página 324 de 2230
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associacoes-de-produtores-rurais/18272/>. Acesso em Jan/2020.
COELHO, Fernando. A Sua marc@ no digital. Editora Laboro, 2019.
Como Utilizar o Plickers: O guia completo para aplicá-lo com sucesso na sala de aula. Disponível
em: < https://aulaincrivel.com/guiaplickers/>. Acesso em Jan/2020.
FONSECA, S. M.; NETO, J. A. M. Metodologias ativas aplicadas à educação a distância: revisão
de literatura. Revista EDaPECI, v. 17, n. 2, p. 185-197, 2017. Disponível em:
<https://seer.ufs.br/index.php/edapeci/article/viewFile/6509/pdf>. Acesso em Jan/2020.
TORRES, Patrícia Lupion; IRALA, Esrom Adriano F. Aprendizagem Colaborativa: Teoria e
Prática. Disponível em: <
http://www.agrinho.com.br/site/wpcontent/uploads/2014/09/2_03_Aprendizagem-
colaborativa.pdf>. Acesso em Jan/2020.
Uso do aplicativo plickers dentro da proposta de metodologia ativa. Disponível em:
http://www.abed.org.br/congresso2017/trabalhos/pdf/243.pdf. Acesso em Jan/2020.
SOUSA, S. O. Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL- Problem-Based Learning): estratégia
para o ensino e aprendizagem de algoritmos e conteúdos computacionais [dissertação]. Presidente
Prudente: Unesp; 2011. Disponível
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PLICKERS. Disponível em: https://www.plickers.com/login. Acesso em: Jan/2020.
JOHNSON, L. et all. NMC Horizon Report: Edição Ensino Superior. USA, 2013. Disponível em:
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JOHNSON, L. et all. NMC Horizon Report: Edição Ensino Superior. USA, 2013. Disponível em:
<https://www.nmc.org/publication/nmc-horizon-report-2017-higher-education-edition/>. Acesso
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10 aplicativos para complementar o ensino em sala de aula. Disponível em:
http://fundacaotelefonica.org.br/noticias/10-aplicativos-para-complementar-o-ensino-em-sala-
de-aula/. Acesso em Jan/2020.
Página 325 de 2230
Resumo:O presente trabalho traz uma abordagem sobre as ações do projeto “Aprendendo e
Empreendendo com o Turismo”, vinculado ao ESINT (Espaço Integrado do Turismo) da
Universidade Federal do Maranhão, que tem como objetivo contribuir na formação profissional
de jovens e adultos, moradores da cidade de São Luís, dando ênfase em questões empreendedoras
ligadas ao mercado turístico. Atualmente são realizadas aulas expositivas, oficinas, palestras e
visitas técnicas guiadas para atender tal objetivo. Esses procedimentos de ensino são gerenciados
por alunos bolsistas e voluntários dos cursos de turismo, hotelaria, administração e ciências
contábeis da UFMA com acompanhamento dos professores envolvidos no projeto. Ao final das
ações educacionais, espera-se que o público-alvo do projeto reconheça a importância da atividade
turística sustentável como instrumento educacional no reconhecimento e valorização da cidade,
seja motivado a empreender e, consequentemente, proporcionar o desenvolvimento econômico,
cultural e social da comunidade onde reside. Diante disso, as ações do projeto de extensão
colaboram tanto para a inserção comunitária em áreas de interesse turístico como também na
formação de potenciais empreendedores.
Palavras-chave: extensão. qualificação profissional. sensibilização turística. ações de
capacitação.
Abstract:This study brings an approach on the actionsof the project “Learning and Undertaking
with Tourism”, linked to the ESINT (Integrated Tourism Area) of the Federal University of
Maranhão, which aims to contribute to the professional training of young people and adults,
residents of the city of São Luís, emphasizing entrepreneurial issues related to the tourism market.
Currently are performed exhibition classes, workshops, lectures and guided technical visits to
meet this goal. These teaching procedures are managed by scholarship students and volunteers of
the Tourism, Hospitality, Administration and Accounting courses of the UFMA with monitoring
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of teachers involved in the project. At the end of the educational actions, it is expected that the
target audience of the project recognizes the importance of sustainable tourism as an educational
tool in the recognition and appreciation of the city, motivated to undertake and, consequently,
provide the economic, cultural and social development of the community where it resides. In view
of this, the actions of the extension project collaborate both for the community insertion in areas
of tourist interest and also in the formation of potential entrepreneurs.
1. INTRODUÇÃO
A extensão universitária é um processo que visa dialogar com a comunidade local, muitas
vezes lhes trazendo novas perspectivas de um mundo já conhecido. Dentre as três funções da
universidade, ensino, pesquisa e extensão, é esta a mais democrática, pois alcança não somente
aqueles que estão inseridos no contexto físico da universidade, mas toda a população ao seu redor.
O projeto “Aprendendo e Empreendendo com o Turismo”, vinculado ao ESINT (Espaço
Integrado do Turismo) da Universidade Federal do Maranhão, busca despertar na comunidade,
através de oficinas e cursos, habilidades empreendedoras ligadas direta ou indiretamente ao
turismo.
Todavia, entende-se que inicialmente é necessário direcionar o olhar dessas pessoas para
sua comunidade, sensibilizá-las acerca de seu próprio patrimônio, para que possam assim
contribuir economicamente, através do empreendedorismo, de forma consciente e sustentável,
uma vez que “o conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas comunidades do seu
Patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim
como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania.” (HORTA, GRUNBERG,
MONTEIRO, 1999).
Dessa maneira, objetiva-se com este estudo analisar a importância da educação patrimonial
na formação de futuros empreendedores, de forma a consolidar atitudes sustentáveis no cenário
socioeconômico da cidade. É imprescindível a educação agregada ao mundo cultural e seus
elementos, uma vez que, dessa maneira, “os indivíduos vão desnudando a sua realidade e se
descobrindo nela” (SILVEIRA, BEZERRA, 2007).
Entende-se, então, que a partir da inserção do aluno no contexto cultural de sua cidade, ele
será capaz de valorizar a cultura local e preservação do patrimônio, de forma a empreender e gerir
um negócio de forma sustentável, uma vez que se entende, de acordo com Horta, Grunberg e
Monteiro (1999), que a apropriação cultural pela comunidade faz parte do processo de preservação
dos bens, uma vez que são apreendidos seu valor e sua importância para a cidade tanto histórica
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No segundo momento, após realização dos cursos do módulo básico, damos início aos
cursos do módulo específico, que são direcionados ao desenvolvimento das habilidades
empreendedoras dos alunos, onde são oferecidos 03 cursos de 20h cada. Esses cursos são
ministrados pelos bolsistas com acompanhamento dos professores envolvidos no projeto. Este
módulo organiza-se em: Habilidades Empreendedoras; O meu negócio pode ser turismo;
Gerenciando Empreendimentos de Alimentos e bebidas. Como procedimentos metodológicos
para a execução dos módulos, as atividades consistem em aulas expositivas; debates e estudos de
casos; exibição de vídeos; leitura de textos; quatro visitas monitoradas para análise da gestão dos
empreendimentos localizados nos municípios de São Luís.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Será feita uma abordagem geral sobre a educação e formação de jovens e adultos por meio
do turismo, assim como alguns conceitos de empreendedorismo e de que forma está relacionado
com o setor do turismo. Além disso, será apresentado o projeto de extensão aprendendo e
empreendendo com o turismo, vinculado ao Espaço Integrado do turismo – ESINT da
Universidade federal do Maranhão.
positivos produzidos pelo turismo estão ligados a uma cadeia produtiva do turismo que engloba
diversos setores produtivos.
Com base nisso, Tomio e Schmidt (2014) destacam a importância da inovação na atividade
turística, que apresenta característica multidisciplinar, por parte dos agentes que atuam nesse setor,
isto é, os empreendedores devem interagir entre si para agregar e formatar serviços e produtos a
serem comercializados. Dessa forma, as empresas relacionadas ao mercado turístico, como os
meios de hospedagem, restaurantes, agências emissivas e receptivas, empresas de lazer, entre
outras, devem se conectar com o objetivo de gerar valor aos seus consumidores.
Sobre a participação do mercado de viagens no produto interno bruto do Brasil, o
Ministério do Turismo (2019) aponta, com base em um estudo realizado pelo Conselho Mundial
de Viagens e Turismo, a contribuição para o PIB nacional aumentou 3,1% no ano de 2018,
totalizando US$ 152,5 bilhões. No que se refere ao volume de postos de trabalhos, o mercado gera
emprego para aproximadamente 7 milhões de pessoas.
A nível global, o turismo trouxe impactos positivos ao PIB mundial, ocasionando uma
participação de US$ 8,8 trilhões que corresponde a 10,4%. Além do mais, foi responsável por
originar 319 milhões de empregos (1 a cada 10 postos de trabalhos) e se consolidou como o
segundo com maior crescimento, perdendo somente para o ramo de manufaturas. (MINISTÉRIO
DO TURISMO, 2019).
3.3 O Projeto Aprendendo e Empreendendo com o Turismo
O projeto Aprendendo e Empreendendo com o Turismo têm por finalidade dotar jovens,
entre 18 e 26 anos, moradores do Centro Histórico de São Luís, de uma visão crítica em relação à
atividade turística, no que se refere às possibilidades de ingresso de mão de obra local na referida
área, assim como possibilitar que eles reconheçam a importância socioeconômica e ambiental do
turismo. Objetiva ainda a Instrumentalização eficiente no sentido de conferir qualidade à prestação
de serviços, através da oferta de cursos de capacitação profissional e de orientação para o mercado.
O Maranhão, segundo dados do IBGE 2009 (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), possui uma taxa de 33,2 % de analfabetismo funcional. É necessário promover uma
mudança nesse quadro. Esses dados são resultado, dentre outras razões, da necessidade de crianças
e jovens que interrompem seus estudos para auxiliar na renda familiar. O projeto que propomos
visa implementar e organizar ações em prol da comunidade, a fim de lhe possibilitar o
desenvolvimento de atividades de produção e comércio a partir de recursos locais.
Tais atividades implicarão no atendimento indireto ao turismo e na criação de novos
mercados que poderão se estender para outras esferas econômicas. A constante melhoria da
qualidade dos produtos e serviços oferecidos, além da inovação e atualização dentro do mercado,
o estímulo ao empreendedorismo e a descentralização no gerenciamento da atividade possibilitam
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um maior retorno de benefícios, na medida em que a comunidade passa a atuar como propulsora
do turismo, ao mesmo tempo em que é para ela que convergem os resultados.
O projeto visa a contribuir para a educação formal de jovens e adultos de comunidades que
possuem potencial turístico, acrescentando valores relacionados à preservação e conscientização
ambiental, à cidadania e ao empreendedorismo. O intuito é ressaltar a importância da atividade
turística sustentável como instrumento educacional no reconhecimento e valorização da cidade,
incentivando o empreendedorismo e, consequentemente, proporcionando o desenvolvimento
econômico, cultural e social da comunidade.
As comunidades a serem beneficiadas pelo projeto estão localizadas próximo ao conjunto
arquitetônico do Centro Histórico de São Luís, que possui cerca de 5 mil imóveis datados dos
séculos XVII e XIX, reconhecido em 1997 como Patrimônio da Humanidade pela Unesco e que
configura como um dos principais atrativos turísticos da capital maranhense.
As ações do projeto, além de contribuir para a inserção comunitária em áreas de interesse
turístico, de forma a possibilitar o complemento da renda familiar, permitirá a elevação das
oportunidades de negócios criativos e inclusivos que atendam as potencialidades intrínsecas de
cada comunidade, estimulando o fomento ao empreendedorismo, multiplicando novas
possibilidades de trabalho e geração de renda.
O projeto será o norteamento para a implementação e organização das ações a serem
gerenciadas pelos próprios residentes, conferindo-lhes autonomia e segurança para atuarem em
novos mercados.
4. RESULTADOS
na criação de novos mercados que poderão se estender para outras esferas econômicas, além do
turismo.
Diante do exposto fica evidenciado que a realização deste projeto é de imensurável
importância, pois o mesmo propôs e propõe despertar uma nova concepção de empreendedorismo
em cada um dos alunos, que obtiveram ganhos significativos em relação ao campo de negócios.
Levando-se em conta o que foi observado, o projeto foi significativo e muito proveitoso,
além de proporcionar uma maior visão sobre os assuntos abordados em sala de aula aos alunos.
Os mesmos puderam colocar em prática os conhecimentos que foram compartilhados em sala,
com um trabalho prático de criação de negócio, individual, que pôde contribuir e incentivar adoção
de práticas administrativas e empreendedoras, depois de tudo o que foi explicado.
Notório destacar-se o comprometimento dos alunos para com as aulas, a assiduidade, a
manifestação de interesse em compartilhar suas experiências e se aprofundar mais no que ainda
se mostravam leigos. A participação da turma nas atividades propostas contribuiu para o
fortalecimento do potencial de cada um, apresentados como futuros empreendedores da cidade e
possíveis disseminadores dos temas tratados em sala para a comunidade ao seu redor.
É interesse da educação obter uma integração de campos de conhecimento e experiência
que facilitem uma compreensão mais reflexiva e crítica da realidade, ressaltando não só dimensões
centradas em conteúdos culturais, mas também o domínio dos processos necessários para
conseguir alcançar conhecimentos concretos e ao mesmo tempo, a compreensão de como se
elabora, produz e transforma o conhecimento, bem como as dimensões éticas inerentes a essa
tarefa. Tudo isso reflete um objetivo educacional tão definitivo como é o ato de aprender.
(TORRES, 1998, p.27)
Assim, compreendendo a importância do ato de aprender e do impacto que isso gera a uma
pessoa, chamamos a atenção para objetivos aqui alcançados , percebidos durante o caminhar deste
projeto e a compreensão e entendimento de cada aluno, como protagonista de sua própria
possibilidade de empreendedorismo e o fortalecimento dessas ideias.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que o projeto “Aprendendo e Empreendendo com o Turismo” possui
demasiada importância no âmbito socioeconômico da comunidade envolvida. Com a participação
como aluno, deste projeto, jovens interessados em empreender na região podem aprender e
desenvolver seus negócios interligados fortemente à cultura e à história locais, de maneira que a
beneficiar a região, com oferta de empregos, e o turismo do local, desenvolvendo estratégias de
empreendedorismo para o mesmo ou estabelecimentos que auxiliem na atividade turística.
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REFERÊNCIAS
DORNELAS, J.; TIMMONS, J. A.; SPINELLI, S. Empreendedorismo para o século 21. 8 ed.
São Paulo: Elsevier, 2010.
FERREIRA, Nilda Teves. Cidadania: uma questão para a educação. As idéias de cidadania e
Estado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993
MARTINS, Cleiton. (Org.). Turismo, cultura e identidade: percepção e contexto. São Paulo:
Rocca, 2003.
SEVERINO, A. J.; Metodologia do Trabalho Científico. 17. ed. São Paulo: Cortez, 1991.
1. Introdução
pessoas, já que “a virtude, ao que parece, uma espécie de saúde, beleza e bem-estar da alma
(PLATÃO, 2000, p. 141), e que antecipam a formação de aspectos mais intelectuais concedidos
pelas ciências, como o cálculo, a geometria e astronomia, “cujos princípios são hipóteses; os que
estudam são forçados a fazê-lo, pelo pensamento, e não pelos sentidos” (PLATÃO, 2000, p. 209),
para a formação de valores como a justiça e a temperança. Entende-se que apesar desse tipo de
educação não apresentar as características atuais da interdisciplinaridade, os gregos da antiguidade
já entendiam a necessidade de uma formação holística, que envolvia o desenvolvimento de um ser
humano saudável a partir de várias perspectivas disciplinares que conversavam entre si. Assim,
promovemos a interface entre Artes e Ciências através da Arteterapia e sua capacidade de
desenvolver tanto os aspectos emocionais e espirituais quanto os cognitivos humanos, discutindo
suas contribuições na área da Saúde.
A Arteterapia iniciou-se na antroposofia de Rudolf Steiner (1985), onde o mesmo
conceitua o homem como um ser espiritual, constituído de alma e corpo vivo, onde através dos
elementos como cores, formas, volumes e disposição espacial, que quando aplicados na terapia
artística possibilita que as pessoas vivenciem os arquétipos (ou modelos ideais) da criação, ou
seja, a se reconectarem com leis que são inerentes à natureza e com isso consigam alcançar um
contato com a sua própria essência criadora.
As pesquisas só foram continuadas na década de XX, quando Carl Jung (2013) começou
a utilizar a arte dentro de tratamentos psicoterápicos. A partir das imagens obtidas com seus
pacientes, Jung pôde constatar que eram representações simbólicas do inconsciente individual e
muitas vezes até um inconsciente coletivo. Ele analisou diversas sociedades e culturas distintas,
onde suas configurações imagéticas, uma linguagem que utiliza símbolos, cores e imagens como
forma de comunicação, e suas ideias análogas, carregadas de emoção em diferentes núcleos, foram
denominadas estruturas arquetípicas, fazendo possível compreender o comportamento individual
e a manifestação da sociedade no tempo e espaço.
No Brasil, as práticas de arteterapia só se iniciaram em 1920, com o psiquiatra Ulysses
Pernambucano, porém o termo Arteterapia foi utilizado somente em 1946, por Nise da Silveira.
Ela foi uma médica psiquiatra que lutava contra as técnicas psiquiátricas utilizadas comumente,
as quais considerava extremamente agressivas como a lobotomia, o eletrochoque e o coma
insulínico, sendo assim, menosprezada pelos seus colegas de trabalho e transferida para a ala de
terapia ocupacional do Centro psiquiátrico Engenho de Dentro, onde trabalhava. As práticas de
terapia ocupacional antes eram de limpeza e manutenção do hospital, que eram exercidas pelos
próprios pacientes, sendo trocadas por Nise para práticas lúdicas e artísticas. Seguindo o
pensamento de Jung, ela tem seu trabalho voltado para pacientes psiquiátricos, em principal,
esquizofrênicos e pacientes que eram isolados, considerados incompreensíveis e impossíveis de
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conviver em sociedade. Dessa forma, Nise criou oficinas dentro desse espaço terapêutico que
utilizavam linguagens artísticas como a pintura, desenho, colagem, escultura e o poema, onde
obteve muito sucesso. Foram descobertos muitos artistas incríveis dentro do hospital, como
Emygdio de Barros e Adelina Gomes (SILVEIRA, 1981).
A produção de obras foi tão grande e intensa que em 1952, Nise criou o museu de Imagens
do Inconsciente, no Rio de Janeiro, sendo um centro de estudo e pesquisa destinado à preservação
dos trabalhos obtidos nas oficinas artísticas, valorizando-os como documentos e objetos de
pesquisa, abrindo novas oportunidades para a compreensão mais profunda do universo interior do
esquizofrênico. Ela fundou também, em 1956, a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à
reabilitação de antigos pacientes de outras instituições psiquiátricas. Lá os pacientes expressam
diariamente sua criatividade, sendo tratados como pacientes externos, numa etapa intermediária
entre a rotina hospitalar e sua reintegração na sociedade (SILVEIRA, 1981).
E, a partir de todo esse contexto que envolve, inicialmente, as atividades artísticas dentro
de um ambiente médico hospitalar, e mais recentemente pelas práticas científicas , pretendemos
analisar as contribuições das Artes e da Biologia na área da Saúde, além de discutir sobre
Arteterapia a partir da interação entre os conhecimentos dos cursos de Licenciatura em Artes
Visuais e Ciências Biológicas, tendo em vista as perspectivas humanísticas, sociais e pedagógicas
da Arteterapia.
2. Metodologia
Para a construção deste trabalho foi utilizada uma abordagem qualitativa, pois a fonte de
dados para a pesquisa é o contexto e o histórico do ambiente a ser investigado (BOGDAN;
BIKLEN, 1994). Assim, buscamos entender as causas e os motivos da construção do conceito de
Saúde a partir do ponto de vista da Arteterapia como um campo interdisciplinar que envolve tanto
as artes como as ciências e as humanidades, tendo em vista que a pesquisa também surge a partir
de um ponto de vista pedagógico do conceito de saúde.
Assim, a tipologia de pesquisa escolhida foi a de Ensaio Acadêmico-Teórico, sendo
norteado pelas perguntas que nos causam reflexões profundas (MENEGHETTI, 2011). Esta
pesquisa surgiu a partir de conversas informais dentro do campus universitário a partir de uma
troca de conhecimentos construídos nos cursos de licenciatura em Artes Visuais, sobre
Arteterapia, e de Ciências Biológicas, a respeito da Educação em Saúde. Com a troca de
experiências e conhecimentos pelas conversas informais, também notamos que há uma dificuldade
na interação entre os cursos licenciatura, por exemplo, a Biologia encontra-se no Centro de
Ciências Biológicas e da Saúde, enquanto as Artes, Filosofia e Geografia encontram-se no Centro
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de Ciências Humanas, além de não haver uma promoção do contato e relacionamento das
licenciaturas através das cadeiras comuns da Educação, como a psicologia educacional e a
didática. Portanto, resolvemos utilizar o Ensaio Acadêmico-Teórico como uma forma de
aproximação das duas áreas de conhecimento através da Arteterapia na Saúde.
3. Desenvolvimento
Jung passa a explorar com mais profundidade o significado das mandalas e todas as
manhãs ele desenha uma nova mandala que, para ele, correspondia à situação interior do seu
momento atual. Graças a esses desenhos ele observou a sua transformação psíquica diária. Foi
através dessa observação progressiva que ele definiu a mandala como a formação, transformação
e eterna recriação do espírito eterno. E isso é a totalidade da personalidade que, se estiver bem, é
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Imagem 5: Uma das obras produzidas por Adelina, onde ela demonstração a recriação de alguma
de suas memórias.. Ficha técnica da obra sem título - Data de criação: 1953. Autora: Adelina Gomes.
Técnica utilizada para produzir a obra: óleo sobre tela. Dimensões: 33.00 cm x 46.00 cm. Acervo: Museu
de Imagens do Inconsciente. Fonte: http://www.ccms.saude.gov.br/museuvivo/mii.php
Porém, a ciência ainda tem uma visão reducionista para explicar os fenômenos humanos,
conhecida pelo seu positivismo ingênuo. Existem três paradigmas de investigação que surgiram a
partir desse positivismo: o pós-positivismo; a teoria crítica; e o construtivismo. O pós-positivismo
examina os fatos individuais, mas reconhece que o mundo é mais do que esses fatos. A teoria
crítica busca pelas conexões ocultas que existem entre diferentes fatores. E o construtivismo busca
pelos produtos que surgem de interações criativas, como novos sistemas de serviços de saúde
(TAYLOR; FRANCIS, 2016).
Esse positivismo usa a metáfora mecanicista do mundo como um laboratório, ou seja, uma
máquina com resultados previsíveis. Isso encoraja a ideia de que o mundo pode ser simplesmente
controlado. Esse tipo de metáfora do corpo humano como uma máquina pode ser encontrado em
livros didáticos de Biologia, por exemplo:
Há quem compare o sistema nervoso a uma rede de comunicação, em que sinais captados
por sensores (ou sentidos) são transmitidos para uma “estação central” na forma de
pulsos elétricos; estes viajam com rapidez por cabos transmissores, as fibras nervosas
(AMABIS; MARTHO, 2016, p. 234).
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Imagem 6: Os elementos cor, forma e tamanhos podem ser percebidos como ideias de criação,
algo também citado por Platão a respeito do plano das ideias, onde tudo é perfeito e belo. Fonte:
http://institutorudolfsteiner.org.br/evento/palestra-a-vida-de-hilma-af-klint/
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4. Considerações finais
A arteterapia é o termo utilizado para designar práticas terapêuticas que utilizam a arte
como artifício metodológico em suas práticas. A vertente se dá pela união da arte com a psicologia
e a neurociência, fazendo com que a partir destas práticas o aluno/paciente possa desenvolver
outras habilidades, estimular o cérebro, aumentar seus níveis de cognição e motricidade, dentre
outros. Ela não se limita a pessoas com condições consideradas patológicas, como a esquizofrenia,
o autismo, as doenças neurodegenerativas e vícios em “drogas”.
De acordo com as pesquisas desenvolvidas acerca da utilização da arte como auxiliadora
no processo de recuperação, reabilitação e melhora, não somente em condições físicas dos
indivíduos, como a motricidade e outras habilidades motoras e/ou artísticas, há também a
valorização dos processos de livre criação individual, potencializando as formas singulares de
Página 346 de 2230
Para ter acesso ao trailer, basta usar algum aplicativo que consiga ler o código e acessar o link
disponível pelo site Youtube. Bom filme!
“Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda.
Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.” Nise da Silveira.
Referências
AMABIS, José M; MARTHO, Gilberto R. Biologia Moderna. 1º ed. V.2. São Paulo: Moderna,
2016.
JUNG, Carl G. O livro vermelho. Tradução de Liber Novus; Edgar Orth. 2° ed. [S.I.]: Editora
Vozes, 2013, 516 p.
KONOPKA, Lukasz M. Where art meets neuroscience: a new horizon of art therapy. Croat
Med J., v. 55, p. 73-74. 2014.
PLATÃO. A República. Tradução de Pietro Nassetti. 3° ed. [S.I.]: Editora Martin Claret Ltda.,
2000. 321 p.
TAYLOR; FRANCIS. Combining art and science in healthcare. London Journal of Primary
Care: v. 8. n. 2. P. 19-20, 2016.
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Resumo: Esse artigo apresenta o resultado do plano de trabalho de Iniciação Científica vinculado
ao projeto Estéticas indígenas contemporâneas: a arte Canela e Ka'apor no Maranhão,
coordenado pela Prof. Dra. Larissa Lacerda Menendez. O objetivo deste artigo é apresentar a
plumária Ka’apor a partir de catalogação de alguns objetos que fazem parte do acervo do Centro
de Pesquisa de História Natural, Arqueologia e Etnologia do Maranhão e sua relação com os rituais
dessa etnia. A metodologia usada é a análise bibliográfica e catalogação dos objetos da plumária
Ka’apor do Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão. O referencial
teórico permite uma abordagem antropológica e artística, a partir de autores como a Balée e
Ribeiro.
Palavras-chave: Arte. Estética. Ka’apor. Plumárias.
Abstract: This article presents the result of the Scientific Initiation work plan linked to the project
Contemporary Indigenous Aesthetics: Canela and Ka'apor art in Maranhão, coordinated by Prof.
Dra. Larissa Lacerda Menendez. The purpose of this article is to present Ka’apor feathers as from
the cataloging of some objects that are part of the collection of the Research Center for Natural
History, Archeology and Ethnology of Maranhão and its relationship with the rituals of that ethnic
group. The methodology used is the bibliographic analysis and the cataloging of feather objects
from the Research Center for Natural History, Archeology and Ethnology of Maranhão. The
theoretical reference allows an anthropological and artistic approach, as from on authors such as
Balée and Ribeiro.
Keywords: Art. Aesthetic. Ka’apor. Feathers
INTRODUÇÃO
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No que diz respeito às artes plumárias, diversas etnias despertaram e ainda despertam a
admiração do público, seja por seu colorido intenso, ou por sua minuciosa elaboração. A arte
plumária dos grupos Tupi, que abrange os povos Tupinambá, Munduruku, e Ka’apor (na
atualidade) caracteriza-se por pequenas plumas associadas a tecidos. A plumária dos grupos
macro-jê, como os Karajá, Bororoe Kayapó utilizam longas penas caudais de araras e aves
aquáticas (Cf. RIBEIRO, 1996, p. 43).
Os Ka’apor (segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena, SESAI,2014),
somam 1863 pessoas falantes da língua ka’apor, tronco linguístico Tupi-Guarani, os quais habitam
a Terra Indígena Alto Turiaçu, ao norte do Maranhão (ISA, 2018)
A arte plumária dos ka’apor é reconhecida como uma das mais belas, sendo objeto de
acervo de diversos museus, como o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São
Paulo, Museu Nacional, Museu do Índio, Museu Emílio Goeldi, Centro de Pesquisa em História
Natural e Arqueologia do Maranhão (Brasil), Museu Nacional de Etnologia de Leiden, na
Holanda, apenas para citar alguns exemplos.
Figura 1 - Plumária Ka’apor, exposição “Curt Nimuendaju e as tessituras indígenas no Maranhão”2019
Nota: Acervo do Centro de Pesquisa em História Natural e Arqueologia do Maranhão. Foto: Larissa Menendez.
A pesquisa
Essa é uma pesquisa de caráter bibliográfico, onde foram analisados textos da tese de
doutorado de William Balée “ The persistence of Ka’apor culture” de 1984, Além de textos de
Berta Ribeiro e Darcy Ribeiro como: “Arte plumária dos índios Kaapor” de 1957, e o texto da
Berta Ribeiro no catálogo da 17ª Bienal de São Paulo de 1983. E, ainda outros textos encontrados
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ao longo do levantamento bibliográfico sobre os Ka’apor. Fez parte, também, dessa pesquisa, a
análise do acervo técnico e de exposição do Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia
do Maranhão - CPHNAMA. De onde foram escolhidas as peças plumárias para a construção da
ficha técnica, a qual fazia parte do plano de trabalho.
Uma breve descrição sobre o povo Ka’apor, eles estão localizados no interior do
Maranhão, mais precisamente na Terra Indígena Alto Turiaçu, a qual possui, segundo dados da
FUNAI, 5305 km quadrado. Um território que se estende pelos municípios de Centro novo do
Maranhão, Maranhãozinho, Centro do Guilherme, Zé Doca, Santa Luzia do Paruá e Araguanã.
Além de Possuírem uma população em torno de 1541 (IBGE, 2010) indígenas. E, sendo a sua
língua oficial o Ka’apor, proveniente do tronco linguístico Tupi-Guarani.
A plumaria Ka’apor
Em relação a plumária Ka’apor, durante essa pesquisa foi abordada a perspectiva dos
antropólogos Berta Ribeiro e Darcy Ribeiro, para se ter uma melhor compreensão acerca dessa
arte plumária.
A plumaria é um dos elementos artísticos dos indígenas que mais se destaca, seja pela
sua diversidade de formas e cores, presentes nos adornos elaborados, ou seja pela beleza que
impressiona a muitos. O que, segundo Ribeiro e Ribeiro (1957), pode ter iniciado com um impulso
estético com propósito de somente enfeitar o copo, teve como resultado a construção de uma
minuciosa e requintada técnica, com a utilização de penas e diversos outros matérias, que por fim,
criaram obras de artes que seriam capazes de competir a com beleza dos próprios pássaros. Com
isso, tem-se o que é chamado por Ribeiro e Ribeiro (1957) de a “verdadeira” arte plumária:
O que também é observado sobre a plumária brasileira por Ribeiro e Ribeiro (1957),
para além de sua elaboração formal e estética, são as características que diferentes etnias
apresentam na elaboração das plumárias. Muita parte dessa construção é padronizada, sendo
possível ter técnicas iguais em diferentes povos, assim como essas técnicas são capazes de
diferenciar uma a uma das etnias. E são, também, capazes de dividir a plumária em dois grandes
grupos. O primeiro grupo trabalha com a técnica que associa a plumária com armações trançadas,
o que lhes atribuem uma imponência majestosa, mas deixando de lado aspectos sensíveis e um
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Para Ribeiro e Ribeiro (1957, p.16), “O estilo plumário dos índios Kaapor se
caracteriza pelo gôsto do detalhe, a sensibilidade da composição cromática e o virtuosismo da
execução.” É nesse trecho que se pode entender o porquê da plumária Ka’apor ser colocada no
segundo grupo, dito antes por Berta e Darcy Ribeiro. E, para além dessas características, a sua
elaboração, minuciosa e requintada, se utiliza da técnica da colagem de penas para a realização
dos mosaicos, o qual é visível nas plumárias, como o Tembetá, colar feminino e testeira. Dessas
três peças plumárias citadas, apenas o Tembetá e o colar feminino foram analisados durante essa
pesquisa.
embora tanto homens quanto mulheres elaborem alguns objetos plumários, como
braçadeiras (jiwapita rupihar) e brincos (nhami putir), enquanto que os cintos
(pitá) e as pulseiras (arará) são elaborados exclusivamente pelas mulheres.
(GARCÉS; FRANÇOZO; BROEKHOVEN; KA’APOR, 2017, p.721).
Para a construção dessa pesquisa foram selecionadas algumas das peças da arte
Ka’apor. A seleção se deu a partir dos objetos disponíveis no Centro de Pesquisa em História
Natural e Arqueologia do Maranhão. Entre elas estão o diadema, tembetá, colar-apito, colar
feminino, pente de madeira, brincos e a tipoia. Neste artigo será apresentado uma breve descrição
desses objetos, de início com as que fazem parte somente da indumentária feminina.
Colar feminino (figura 1), possui, geralmente, na lateral uma fibra de carauá, que
amarra as pequenas penas laranjas, as quais são retiradas do papo do tucano. Além disso, esse
colar apresenta, segundo Ribeiro e Ribeiro (1957), um medalhão ao centro, e na parte do colar que
toca o dorso da mulher Ka’apor, é encontrado um pingente, o qual é compõe um mosaico de penas
utilizando a técnica de colagem. E, ainda segundo os autores, esses elementos são ornitomorfos,
ou seja, apresentam formatos que lembram pássaros, caraterística muito presente na plumária
Ka’apor. Em relação ao uso, esse colar é exclusivo das mulheres, além de ser usado apenas durante
as datas festivas e rituais Ka’apor.
O pente de madeira (figura 2), outra peça que compõe a indumentária feminina, possui
em fios laterais com pequenas plumas o enfeitando, nesse pente encontrado no CPHNA-MA, as
plumas que enfeitam esses fios são amarelas, com pequenas penas pretas no final do fio. Segundo
Ribeiro e Ribeiro (1957), em pentes catalogados por eles, as penas que compunham esse fio
emplumado, eram, em geral, de três tipos de tucano, sendo laranja, amarelo e branco as tonalidades
dessas penas. E as penas pretas eram da ave de graúna. Outro ponto interessante a cerca desse
pente é que, nos estudos de Darcy e Berta Ribeiro de 1957, ele é citado como de uso tanto
feminino, quanto masculino. Mas, em estudos recentes, é possível encontrar a classificação desse
pente somente na indumentária feminina.
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Indumentária masculina:
Diadema (figura 3), é a plumária Ka’apor de maior destaque, tanto por sua
imponência, quanto pela sua representação simbólica. Como é explicado por Berta Ribeiro em seu
texto para a décima sétima bienal de São Paulo, “É um apanágio masculino o uso do belo
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acangatar, diadema de penas amarelas de japu (Ostinops decumanus), que simboliza o sol e que,
segundo sua tradição, foi dado a eles por Maíra, o criador. (RIBEIRO,1983, p.33). Além da pena
de japu na sua composição, o diadema é composto por penas de outras aves que são presas a uma
estrutura entretorcida de algodão, o que atribui ao diadema uma caraterística maleável.
O tembetá (figura 4), que também faz parte da indumentária masculina, é usado
durante o ritual Ka’apor de nomeação, onde ele possui grande destaque. Em sua forma é
constituída de uma grande pena de arara canga, e pequenas penas no mosaico formado por
colagem em sua ponta. Ele é usado, em uma forma menos elaborada, por crianças, pois, segundo
Ribeiro e Ribeiro (1957), é feito um furo abaixo do lábio inferior da criança Ka’apor, logo após a
queda do cordão umbilical.
O colar-apito (figura 5), composto por penas de arara canga com e um osso do cúbito
do gavião, usado como apito, na parte que seria um pingente, e, em suas laterais é composto por
penas do anambé azul. Assim como o diadema e o tembetá, o colar-apito é importante na
cerimônia de nomeação Ka’apor por ser usado, geralmente, pelo irmão da mãe da criança Ka’apor.
Figura 4- Diadema
Figura 5- Tembetá
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Além dos brincos, a tipoia de algodão emplumada também é de uso comum a homens
e mulheres Ka’apor. Uma descrição mais precisa sobre ela é feita por Claudia Leonor López
Garcés, Mariana Françozo, Laura Van Broekhove e Valdemar Ka’apor:
Figura 7- Brincos
Figura 8- Tipoia
O ritual analisado durante este estudo foi o de nomeação, o qual pode coincidir com
outros rituais como o de iniciação da menina Ka’apor (menina-moça), e o rito de iniciação do
menino Ka’apor, e outros. Para se chegar até esse momento do ritual de nomeação, existem uma
série de restrições que os pais da criança passam, o primeiro é a couvade, segundo Balée (1984),
é um período de restrições em que os pais de uma criança Ka’apor recém-nascida, passam do
nascimento até a queda do cordão umbilical. Durante esse período, os pais permanecem reclusos
em um salão de isolamento (kapy). Além de se isolarem, os pais não podem consumir carne de
qualquer animal que não seja de jabuti, e comer farinha de mandioca. Em relação a alimentação,
a mãe da criança fica nesse estado até a nomeação, enquanto o pai é liberado logo após a queda
do umbigo, mas ele não pode comer de tudo. Não só essas restrições, os pais também não podem
tomar banho de água de rio, ficando a serviço dos membros da família a busca de água para o
banho. (BALÉE,1984, p.239).
Essas restrições segundo Balée (1984), interfere diretamente na rotação das zonas de
caça, já que os pais deixam de consumir carnes durante um tempo. E, para além dessa relação,
essas restrições são justificadas, pois se não forem realizadas, podem ocorrer malefícios ao bebê
Ka’apor, como é relatado na dissertação de William Balée, “O chefe do local 1 atribuiu a morte
do filho de três anos da sua filha ao genro ter tomado um banho no riacho apenas oito dias após o
nascimento do bebê.” (BALÉE, 1984,p.240).
Logo após essas restrições, é se esperado o tempo em que a criança já pode ser
nomeada. Segundo Balée (1984), o período para que isso ocorra entre seis a um ano de idade.
Para Andrade (2009), esse período pode representar, assim como em outros aspectos
da vida do Ka’apor, um constituinte importante do indivíduo nessa sociedade. Ele coloca, também,
que a criança Ka’apor apresenta determinados comportamentos que são índices de que é hora dela
passar pelo ritual de nomeação:
As peças plumárias que mais se destacam durante essa festa do cauim são: Colar
feminino, colar apito, diadema e o Tembetá. Sendo o Colar apito um dos mais importantes para a
cerimônia de nomeação, o qual é usado pelo padrinho da criança Ka’apor. Geralmente, o padrinho
é o irmão da mãe.
Conclusão
Verificamos que há uma especificidade da plumária Ka’apor que faz com que seus
objetos sejam admirados e sejam parte de coleções de museus. A partir do conhecimento de seus
rituais, verificamos também a relação do uso de colares, acangataras com o batismo das crianças,
constatando-se que seu uso é intrinsecamente relacionado à cultura e suas dinâmicas.
Bibliografia
Resumo: O presente estudo aborda o uso das Tecnologias Assistivas como apoio ao processo de
ensino-aprendizagem para crianças da educação infantil que sejam diagnosticadas no Transtorno
do Espectro do Autismo. Ressalta-se a relevância das Tecnologias Assistivas como ferramenta
que valoriza a inclusão e a acessibilidade no ambiente escolar, ferramenta esta que alia tecnologia
e inclusão como agente facilitador para crianças com necessidades especiais. Tem como objetivo
pesquisar a contribuição das Tecnologias Assistivas no processo ensino-aprendizagem para
crianças com Autismo na Educação Infantil. Para fundamentar o tema em questão busca-se
embasamento teórico nos autores Rotta (2006), Cunha (2014), Braga (20018), entre outros.
Quanto a legislação estamos pautados em Brasil (2017), Brasil (2008) ,ECA ( 1990),entre outros.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica. Podemos concluir que as Tecnologias Assistivas
favorecem meios para que pessoas com deficiência possam tornar-se mais autônomas e possibilita
que a criança com Autismo tenha melhor desenvolvimento no processo ensino-aprendizagem,
como uso do Ipad, jogos que venham favorecer o raciocínio, coordenação, atenção, concentração,
leitura, escrita, musicalidade, entre outros.
Abstract: The present study addresses the use of Assistive Technologies as a support for the
teaching-learning process for children in early childhood education who are diagnosed in Autism
Spectrum Disorder. It is emphasized the relevance of Assistive Technologies as a tool that values
inclusion and accessibility in the school environment, a tool that combines technology and
inclusion as a facilitator agent for children with special needs. It aims to research the contribution
of Assistive Technologies in the teaching-learning process for children with Autism in Early
Childhood Education. To support the theme in question, theoretical basis is sought in the authors
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Rotta (2006), Cunha (2014), Braga (20018), among others. Regarding the legislation we are based
in Brazil (2017), Brazil (2008) ,ECA ( 1990), among others. This is a bibliographic research. We
can conclude that Assistive technologies favor ways for people with disabilities to become more
autonomous and enables children with Autism to have better development in the teaching-learning
process, such as ipad use, games that encourage reasoning, coordination, attention, concentration,
reading, writing, musicality, among others.
Keywords: Assistive Technologies, Autism, Learning, Inclusion
INTRODUÇÃO
Este trabalho abordou o uso das Tecnologias Assistivas ( T.A) como apoio ao processo de
ensino-aprendizagem para crianças da Educação Infantil diagnosticadas no Transtorno do
Espectro do Autismo (TEA). Ressaltando a relevância das Tecnologias Assistivas como
ferramenta que valoriza a inclusão e a acessibilidade no ambiente escolar, ferramenta esta que alia
tecnologia e inclusão como agente facilitador para crianças com necessidades especiais. Neste
sentido, investigou-se uso das Tecnologias Assistivas como apoio ao processo de ensino-
aprendizagem para crianças da Educação Infantil.
O presente trabalho surgiu das inquietações acerca de práticas pedagógicas que
atendam às necessidades de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), práticas
estas que estejam voltadas para o processo de ensino-aprendizagem e que promovam a educação
inclusiva.
Ressalta-se a relevância das Tecnologias Assistivas- T.A como ferramenta que valoriza a
inclusão e a acessibilidade no ambiente escolar, ferramenta esta que alia tecnologia e inclusão
como agente facilitador para crianças com necessidades especiais. Neste sentido, partimos do
seguinte Problema de pesquisa: De que forma as Tecnologias Assistivas podem servir como
ferramentas no processo ensino-aprendizagem para crianças com Autismo na educação infantil?
Para desenvolver a pesquisa, inicialmente partiu-se do seguinte objetivo geral pesquisar a
contribuição das Tecnologias Assistivas no processo ensino-aprendizagem para crianças com
TEA na Educação Infantil. Para alcançar este objetivo, traçou-se os específicos: verificar os
possíveis entraves que dificultam o uso das Tecnologias Assistivas nas escolas; conhecer as
Tecnologias Assistivas que facilitam a aprendizagem de crianças com TEA; observar de que forma
ocorre o processo de inclusão do aluno com Transtorno do Espectro do Autismo na Educação
Infantil.
Para fundamentar o tema em questão buscou-se embasamento teórico nos autores Rotta
(2006), Cunha (2014), Braga (20018), entre outros. Quanto a legislação estamos pautados em
Brasil (2017), Brasil (2008) ,ECA ( 1990),entre outros. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica.
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Pretende-se futuramente ampliar este estudo para uma pesquisa de campo, para que assim
possamos ampliar as discussões e contribuições acerca do tema.
Assim para melhor compreensão, o presente trabalho está estruturado em seis seções. A
primeira seção aborda quanto a introdução, problematização, objetivos da pesquisa. A segunda
seção trata do Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Educação Infantil. A terceira seção aborda
as Tecnologias Assistivas no processo de inclusão. A quarta seção refere-se como acontece o
processo de aprendizagem de crianças autistas. A quinta seção direciona-se quanto as Tecnologias
Assistivas como ferramentas no processo ensino-aprendizagem para crianças com transtorno do
espectro autista (TEA) na educação infantil. Por fim na sexta seção, tratamos das considerações
finais.
deixa de ser uma reação da esquizofrenia e passa a ser considerada um tipo especifico de
esquizofrenia, com a nomenclatura Esquizofrenia Tipo Infantil (APA, 1968).
Segundo Braga(2018), somente na década 1980, com os avanços da Neurociência, diversos
transtornos passaram a ser associados a origem biológica, incluindo o Autismo que a ser
classificado como Transtorno Global do Desenvolvimento – TGD, na terceira edição do DSM-III,
em 1987.
Em sua mais atual edição, a DSM-V(2013), o autismo recebe a nomenclatura Transtorno
do Espectro do Autismo, configurado em capítulo próprio, classificado dentro dos Transtornos do
Neurodesenvolvimento. Neste documento, o autismo passa a ser visto com espectro, por ser um
transtorno com um conjunto de condutas, com diferenças de individuo para individuo, devendo
ser caracterizado com nível 1, nível 2 e nível 3, em que “a gravidade baseia-se em prejuízos na
comunicação social e em padrões restritivos ou repetitivos de comportamento” (DSM-V, 2013.
p.50).
Atualmente, tem surgido várias pesquisas sobre as principais características das crianças
com autismo, BRAGA destaca que estas crianças “ tem sinais com possíveis atrasos quando
comparados, quando comparado com crianças em idade semelhante”. O autor diz que em
observações fora verificado que essas crianças fazem repetição da fala de outras pessoas
A ONU reconhece em 2006, o autismo como deficiência, passando a ter proteção junto a
Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CDPD, no Brasil a Convenção foi
sancionada, em 2008, como ementa constitucional. Vale ressaltar que a Convenção, em seu artigo
24, preconiza total liberdade ao acesso à educação inclusiva, em classe regular a toda criança e
adolescente com autismo.
No cenário jurídico brasileiro o Autismo ganha prestígio e benefícios com a promulgação
da Lei Nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, Instituindo a Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo. Lei esta que visa assegura a pessoa
com Autismo o pleno exercício de seus direitos básicos como saúde, educação, trabalho lazer entre
outros, o que nos leva a destacar o artigo 3º quer garante livre acesso a educação e ao ensino
profissional.
A forma como o autismo é visto na sociedade acontece por causa dos avanços em pesquisas
e estudos sobre a temática, resultando num olhar mais inclusivo e democrático para pessoas com
espectro do autismo e suas famílias, que devem ser fortalecidas e instruídas. Famílias estas que
são a base para o desenvolvimento e a inclusão destes indivíduos na sociedade.
.. acolhemos crianças no tempo e no espaço da creche para que elas se sintam seguras e
incluídas no afeto de seus pares[...]. Um espaço de explorações e descobertas atende à
necessidade de cuidados específicos e ao desejo de progressiva autonomia que
caracteriza a vida do aprendiz... (DEHEINZELIN 2018, p 32).
O autor explora a ideia de educação infantil de forma geral que nos leva a um comparativo
da ideia de educar uma criança com autismo, que deve ser, primeiramente, pautada no olhar
atencioso a suas individualidades e necessidades especificas, auxiliando o mesmo a desenvolver
sua autonomia. Pois quando o educador está predisposto a estimular sua autonomia ele estará
visando melhor qualidade de vida e dignidade a esta criança assim como as demais.
Segundo Aranha (1996), a educação não pode ser concebida fora de um contexto histórico-
social existente, pois a pratica social vivenciada pelo indivíduo é o ponto inicial da ação
pedagógica.
Para Veiga (1994, p.16), a prática pedagógica é “uma pratica social orientada por objetivos,
finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto de pratica social. A pratica pedagógica é uma
dimensão da pratica social”.
Neste sentido, tratando-se do primeiro contato escolar que este discente vai ter que muitas
vezes é reconhecido na escola que esta criança possa ter autismo, é de suma importância esse
processo pois o discente com TEA tem problemas na comunicação, na socialização e no
comportamento, que pode ser diagnosticado entre os dois e três anos de idade, por isso nós
educadores precisamos estar atentos, humanizados, capacitados para lidar com TEA na Educação
Infantil
Cunha (2017, p.57), aborta que; ” A prática escolar é uma grande oportunidade para
profissionais e familiares construírem um repertorio de ações inclusivas para o aprendente com
autismo”. Neste sentido, o autor destaca a importância da pratica escolar tanto aos educadores
quanto a família, para tratarmos das ações inclusivas para o autista.
Uma pratica inclusiva deve iniciar cedo, tanto ao educador, quanto ás famílias, que muitas
vezes buscam respostas na escola, tem-se aqui responsabilidades compartilhadas em níveis
pedagógico, inclusivo e de eternos aprendentes.
E certo que ainda a uma carência de professores que atuem com excelência no atendimento
a pessoa com deficiência, pois desde a criação da LBI percebeu-se que o atendimento é
inversamente proporcional a demanda de pessoas que necessitam de acompanhamento e serviços.
Mas muito além das medidas institucionais pela Convenção, tais como o acesso à saúde,
educação, trabalho, cultura, lazer, informação, entre outros, o texto da Lei Brasileira de
Inclusão baseou-se na carência de serviços públicos existentes no Brasil e nas demandas
da própria população. (BRASIL, 2015,p.12)
Com o atendimento a criança com TEA não é diferente, ainda a muitos profissionais que
pensam que toda pessoa com autismo não olha nos olhos, não interagem, é agressiva e não gosta
de socializar-se, criando estereótipos da patologia, quando não é verdade, pois TEA tratasse de
um Espectro e se manifesta de formas e sintomas diferenciados, de indivíduo para indivíduo.
Ainda temos um caminho a trilhar pela busca de informações, as pesquisas sobre esta
temática vêm crescendo desde a década de 80, basta que estejamos predisposto a explorar novos
conhecimentos. O professor deve ter ciência que o primeiro passo para que trabalhe no
atendimento criança com TEA, é procurar conhecer como o autismo funciona, através de cursos
e formações acadêmicas e continuada. Este é principal profissional no atendimento na escola e
tem um papel determinante no processo ensino aprendizagem do aluno com TEA, desde a
recepção até o dia a dia em sala de aula, o professor é que vai efetivar o processo de inclusão.
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As Tecnologias Assistivas são classificadas por Bersch (2006) nas seguintes modalidades:
auxílios para a vida diária e vida prática, materiais pedagógicos e escolares especiais;
comunicação aumentativa e alternativa; recursos de acessibilidade ao computador; adequação
postural (mobilidade e posicionamento); recursos para cegos ou pessoas com visão subnormal;
recursos para surdos ou pessoas com déficits auditivos; projetos arquitetônicos para acessibilidade
dentre outros.
Para Torres, Mozzani e Alves (2002), as Tecnologias Assistivas são para algumas pessoas
como complementos que permitem melhor desempenho em suas atividades e para outras são de
suma importância ao servirem como suporte no desenvolvimento de seus intelectos para poder se
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expressar, tanto nas condições educacionais como nas demais interações sociais. Esse recurso
serve, para muitos, como suporte para melhor qualidade de vida.
Marzini e Delibirato (2007), se refere as tecnologias assistivas como recursos pedagógicos
adaptados e que estes podem ser considerados elementos que permitem compensar uma ou mais
limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa com deficiência, e afirma ainda
que as tecnologias assistivas tem o objetivo de permitir a superação das barreiras da comunicação
e da mobilidade, dentre outros.
Podemos verificar que o autor se refere as tecnologias assistivas, dentre suas várias
denominações, como recursos adaptados ou seja, quando há um aluno ou criança com deficiência
em sala de aula, os recursos disponibilizados devem ser adaptados as suas necessidades,
proporcionando um aprendizado mais significativo e de qualidade.
Para tanto, Reganham (2006) afirma que a possibilidade de adaptação dos recursos é
relevante, pois favorece um ensino e aprendizado correspondente as condições dos alunos, o que
pode garantir o êxito da integração do aluno com deficiência, no ensino regular.
3.1 Possíveis entraves que dificultam o uso das Tecnologias Assistivas nas escolas
As tecnologias têm um papel significativo no contexto social em que vivemos. Ela nos
auxilia para resoluções de problemas sem termos que sair de casa, usando a internet por exemplo,
acesso a um site, etc.
Mas dominar esta ferramenta e seus inúmeros utensílios não é tarefa fácil a todos, seja em
casa, seja no serviço. Quantas donas de casa, tem dificuldades em pôr um simples DVD para
passar um filme!!! Assim na educação não é diferente.
Professores, deparam-se com o avanço das Tecnologias e precisam adaptar-se, mas essa
adaptação não é tão fácil a todos e precisa ser compreendida, observada de acordo com as
limitações frequentes em alguns docentes.
Kenski (2007), destaca que as tecnologias midiáticas sozinhas, não são os únicos
responsáveis pelo processo de aprendizagem, e ressalta que tecnologia e educação são
indissociáveis. Nesse sentido, percebe-se que as tecnologias ajudam, favorecem o aprendizado,
mas não são as únicas responsáveis pelo aprendizado.
Mas quando trata-se do o uso das Tecnologias Assistivas nas escolas, temos um papel
importante e buscar formação adequada para tais demandas.
Prieto (2016), destaca que a formação continuada do(a) docente parte do compromisso dos
sistemas educacionais de forma comprometida com o ensino, sendo de qualidade e que possa
assegurar propostas e práticas de ensino que venham atender as necessidades dos discentes com
ou sem deficiência. Neste sentido, não é responsabilidade única do professor, mas compartilhadas
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com seu compromisso educacional e social em que o educador precisa de suporte técnico que
venham suprir tais necessidades.
Segundo Bersch ( 2007), ele aponta que as Tecnologias Assistivas apontam algumas
modalidades como: auxílios para a vida diária, comunicação aumentativa e alternativa, materiais
pedagógicos e escolares especiais, entre outros. Neste sentido, o autor classifica em várias
modalidades, o que nos faz perceber o quanto precisamos buscar entendimento e como utilizar
cada recurso.
Desta forma, percebe-se alguns entraves nesse sentido, pois só a formação realizada pelos
sistemas não resolvem, precisa-se de imobiliário adequado aos usuários que são os discentes,
investimento público para manter os equipamentos funcionando e substituindo quando há
necessidade, capacitação aos docentes, internet, wifi disponibilizado aos docentes e discentes, et...
De acordo com suas especificidades, são muitos os entraves que os docentes possuem que
dificultam o uso das Tecnologias Assistivas nas escolas.
Vale ressaltar que não é uma situação generalizada, que em muitos municípios e estados
possuem atendimento de forma adequada, mas em alguns locais, ainda temos esta realidade de
entraves para um trabalho eficaz. Só a boa vontade do docente em pesquisar os melhores
aplicativos, softwares, não resolve a situação.
A educação de uma criança com autismo é tão relevante quanto em qualquer criança,
mesmo com todos os entraves que possa ocorrer em cada indivíduo a busca pela sua independência
deve ser um dos principais objetivos, porem o educador deve estar ciente que esta é uma evolução
progressiva, não devendo esquecer que seu trabalho deve estar em comum parceria com as
famílias. Carothers (2004), diz que há dois ambientes fundamentais para se desenvolver a
aprendizagem de uma criança no espectro do autismo, são elas: a escola e a casa. Ou seja, o
ambiente escolar deve ser a extensão do ambiente familiar, e vice versa.
No ambiente familiar a criança tem toda sua comodidade de interagir com as mesmas
pessoas todos os dias, pois a família é a mediadora para que o processo de socialização aconteça,
mas é na escola que vai desenvolver a habilidade de interação social de forma mais ampla, porem
essa é uma das maiores dificuldades para uma criança no espectro, o que Braga (2018), vem
confirmar quando diz que comunicação social “é um dos principais pontos observados como
sinalizadores para o espectro do autismo”. Diante disso, o educador pode encontrar em sala de
aula resistência desse individuo em interagir “...nesse sentido sua tendência natural será a de
afastar-se dos grupos de convivência” (BRAGA, 2018), para tanto o educador deve estar atento a
fazer observações e intervenções para que o mesmo esteja envolvido em todas as atividades
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realizadas, buscando sempre adaptar à realidade de cada situação, através de jogos de interação,
rodas de conversa, exposições, leituras, aulas com materiais sólidos e entre outras metodologias.
Porem a interação social não é o único entrave que uma criança com autismo enfrenta,
pode apresentar atraso na fala, dificuldade de aprendizagem, ausência de atenção, dificuldade em
mudança em sua rotina entre outros, e todos os esses sintomas devem ser observados buscando
uma melhor adaptação. Diante disso, Bossa e Baptista afirma, em seu livro Autismo e educação,
que “a importância do compromisso ético, da articulação dos membros da equipe de trabalho e,
sobretudo, para o desenvolvimento da capacidade de problematização que emerge a partir das
tentativas de soluções de problemas. É com a problematização que nascem a disposição de busca
de compartilhamento do saber [...]” (BOSA, BAPTISTA, 2002, P.16)
O autor acredita que a escola deve estar disposta a estimular a criança a resolver problemas
do cotidiano, para que a mesma possa se perceber como agente participante, e essa é uma estratégia
de aprendizagem sobre a dinâmica da socialização, levando-a a compreender a si mesmo e a seus
pares, é o que o autor chama de “movimento humilde de olhar a realidade também sob a óptica do
vizinho”.
6-CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa possibilitou refletir sobre uso das Tecnologias Assistivas como apoio
ao processo de ensino-aprendizagem para crianças da educação infantil que sejam diagnosticadas
no Transtorno do Espectro do Autismo. Podemos concluir que as tecnologias Assistivas
favorecem meios para que pessoas com deficiência possam tornar-se mais autônomas e possibilita
que a criança com Autismo tenha melhor desenvolvimento no processo ensino-aprendizagem,
como uso do Ipad, jogos que venham favorecer o raciocínio, coordenação, atenção, concentração,
leitura, escrita, musicalidade, entre outros.
Ressalta-se que a perspectiva de adaptação dos recursos é relevante, pois oportuniza um
ensino e aprendizado correspondente as condições dos alunos, o que pode assegurar o êxito da
integração do aluno com deficiência, no ensino regular. Para sugestão de estudos futuros, vê-se a
possibilidade de fazer uma pesquisa de campo, para que possamos ter maior fundamentação e
resultados na pesquisa empírica.
BIBLIOGRAFIA
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VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A prática pedagógica do professor de didática. 3. ed.
Campinas, SP: Papirus, 1994.
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64
Especializando em Design Instrucional (Centro Universitário Senac – São Paulo). Bacharel em Biblioteconomia.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Grupo de Estudos e Pesquisas
na Análise de Materiais Publicados, de Divulgação da Ciência, em Mídia Digital ou Impressa (GEP-DCMIDI). Grupo
de Estudos e Pesquisas em Tecnologias Digitais na Educação (GEP-TDE). Grupo de Estudos e Pesquisas em
Patrimônio Cultural (GEPPaC). mauricio.jmc@outlook.com.
65
. Mestre em Ciências da Informação.. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas na Análise de Materiais Publicados,
de Divulgação da Ciência, em Mídia Digital ou Impressa (GEP-DCMIDI). claudia.pecegueiro@ufma.br.
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Abstract: Research that deals with the bibliometric analysis of the scientific journal
Interdisciplinary Journal in Culture and Society (RICS), based on the bibliometric laws of Lotka
and Zipf. It aims to analyze the Interdisciplinary Journal in Culture and Society (RICS) according
to its productivity, analysis of bibliographic and documentary sources referenced, authors, as well
as the themes addressed since its creation. It contextualizes scientific journals, as well as the open
scientific production scenario in Brazil. It characterizes RICS, passing through its historical
context of creation with the Graduate Program in Culture and Society at the Federal University of
Maranhão. The methodology of research, documentary and exploratory, analytical and descriptive
nature, of quantitative and qualitative approach, is detailed. The corpus of analysis was composed
of 12 (twelve) numbers of RICS, divided into 5 (volumes) published since 2015. Among the
preliminary results, it is noteworthy that 150 (one hundred and fifty) original articles were
published in RICS, disregarding interviews and reviews. The journal investigated focuses on
original scientific productions in interdisciplinary themes, whose lines are: Expressions and
Sociocultural Processes and Culture, Education and Technology. RICS is classified in different
areas of evaluation in the Sucupira Platform, whose Qualis CAPES has B3 strata in Linguistics
and Literature, B4 for Anthropology, B5 in Arts, Sociology, Social Work, Interdisciplinary and C
in Law and Education. It points out that RICS has mostly articles focused on the field of Letters,
Linguistics, Anthropology and Archaeology, given the scientificindicators.
Keywords: Metric Study of Bibliometry Information. Zipf's law. Lotka's law. Interdisciplinary
1 INTRODUÇÃO
Esta seção dedica-se a trazer alguns conceitos básicos acerca da Bibliometria, técnica não
tão recente, cujos primeiros intentos se remonta ao ano de 1743, conforme explicam Gomes e
Autran (2018). A bibliometria surgiu no início do século devido à necessidade de estudar e avaliar
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as atividades de produção e comunicação científica. Teve-se como marco inicial os estudos acerca
de leis empíricas voltadas para o comportamento da produção literária.
Marques (2010) acentua que a Bibliometria tem como um de seus pilares a utilização de
métodos quantitativos aplicados na avaliação precisa e objetiva da produção científica. Ou seja,
tem como objetos de estudo os livros ou as revistas científicas, cujas análises se vinculam à gestão
de bibliotecas e bases de dados. Desse modo, consolida-se tal entendimento dialogando com
Santos e Kobashi (2009, p. 157) ao reforçarem que se trata do [...] uso de métodos estatísticos e
matemáticos para mapear informações, a partir de registros bibliográficos de documentos (livros,
periódicos, artigos) [...]”.
Borba (2014) nos explica que a bibliometria se vai além dos estudos de natureza teórico-
conceitual, uma vez que se associa a estudos sobre o avanço do conhecimento, na perspectiva de
propor não apenas novos conceitos, mas também indicadores, reflexões e análises relativas às
áreas as quais é aplicada. Segundo o autor, antes mesmo de ser radicada e alicerçada no campo da
Ciência da Informação, Sociologia, Matemática, Estatística e Ciência da Computação, já vinham
sido postuladas leis que incumbidas de analisar a produção científica e o comportamento da
ciência. As leis bibliométricas dividem-se em três:
a) Lei de Lotka – Publicada em 1926, favorece o estudo da produção científica dos
autores, bem como a contribuição de cada um deles. Também conhecida por Lei do Quadrado
Inverso, orienta o cálculo da produtividade de autores de artigos científicos. Segundo Borba (2014,
p. 23), “A Lei de Lotka também pode ser vista com uma função de probabilidade da
produtividade.”;
b) Lei de Bradford – pauta seus estudos na descrição acerca do comportamento repetitivo
das ocorrências em um campo específico ou área científica. Borba (2014, p. 24) explica que “[...]
após a publicação de alguns artigos sobre um determinado novo tema de um campo científico em
periódicos qualificados, os mesmos periódicos polarizarão artigos sobre este novo tema durante
um tempo.” Santos e Kobashi (2009), complementam, acentuando que numa especialidade
científica, coexiste pequeno número de pesquisadores extremamente produtivos com uma grande
quantidade de cientistas menos produtivos;
c) Lei de Zipf – também chamada de lei quantitativa fundamental da atividade humana,
analisa a frequência da ocorrência de palavras num texto longo (BORBA, 2014).
Ressalta-se que, o cálculo de co-ocorrências (de autores, de palavras, de instituições),
fundada em métodos de análise multidimensional é uma das áreas que vem crescendo de forma
acentuada nos estudos métricos contemporâneos (SANTOS; KOBASHI, 2009, p. 160). Para fins
deste estudo, optou-se por analisar a Revista Interdisciplinar em Cultura e Sociedade na ótica das
leis de Lotka e Zipf, por entender que em um primeiro momento é importante verificar o perfil
Página 382 de 2230
dos autores que publicam em tal periódico, bem como as temáticas exploradas e se estas estão
alinhadas com o escopo da RICS.
3 PERCURSO METODOLÓGICO
66
Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade>. Acesso em: 12 nov. 2019.
67
O Nvivo é um software destinado à investigação em ciências humanas e sociais e à análise de dados não-numéricos
e não-estruturados em um ambiente colaborativo e distribuído com base na Internet.
Página 383 de 2230
68
Disponível em: <https://sucupira.capes.gov.br>. Acesso em: 22 jan. 2020.
Página 384 de 2230
Como pode ser observado na Tabela 1, ao todo foram publicados 152 artigos entre 2015 e
2019. O número com a maior quantidade de artigos fora o número especial, volume 4, publicado
em 2018 na ocasião do II Simpósio Internacional Interdisciplinar em Cultura e Sociedade,
promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade.
A publicação de números especiais por parte dos periódicos avaliados pela CAPES pode
implicar em alguns embargos, sobretudo de forem levadas as resoluções da instituição no tocante
a avaliação das revistas de um modo geral. Segundo o Relatório do Qualis Periódicos publicado
em 2019, os periódicos que não atendem aos critérios são enquadrados como “Não Periódico
Científico (NP)”, dentre eles
[...] veículos que apenas publicam trabalhos de determinado evento científico ou que
publiquem números especiais que reúnam trabalhos publicados em anais de eventos ou
textos que sejam fruto ou que tenham como origem os trabalhos apresentados em eventos
científicos e que não tenham passado pelos mesmos procedimentos e mesmo rigor de
avaliação dos números regulares. (BRASIL, 2019, p. 3).
Dentre os elementos pelos quais podemos avaliar os periódicos, está a concentração de
autores de outros países. A internacionalização dos periódicos pode ser o caminho para o
crescimento de sua qualidade, visto o fator de impacto ser um determinante quando se trata da
competição global de pesquisadores. Cabe destacar, que por se tratar de um periódico brasileiro,
há pela frente um longo caminho para que este chegue aos rankings internacionais (FARIAS,
2014). Todavia, fora possível investigar, mediante diálogo com a lei de bibliométrica de Bradford,
quais países estão representados na RICS desde sua criação, cujos resultados podem ser
observados no Quadro 1:
Como pode ser observado no Quadro 1, a maioria dos autores presentes na RICS são
brasileiros, todavia há pesquisadores de outros países, dentre eles Portugal, Canadá, México e
Espanha. Destaca-se que a internacionalização dos periódicos científicos visa proporcionar
Página 385 de 2230
Foram mapeadas, com o suporte do software Nvivo, as unidades de registro e espelhadas às linhas
de pesquisa aceitas pelo periódico em análise, cujos resultados podem ser observados no Quadro
3:
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AMORAS, Fernando Castro. Editorial: Exogenia, endogenia e qualis das revistas. Estação
Científica (UNIFAP), Macapá, v. 7, n. 3, p. 07-08, set./dez. 2017
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. São
Paulo: Edições 70, 2016.
BORBA, Paulo Henrique Borges. Uso da bibliometria para avaliar a produção científica de
programas de pós-graduação: estudo de caso do PósMQI da PUC-Rio. 2014. 88 f. Dissertação
(Mestrado em Metrologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2014. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/24453/24453_1.PDF>. Acesso em:
20 jan. 2020.
CARIBÉ, Rita de Cássia do Vale. Comunicação científica: reflexões sobre o conceito. Inf. &
Soc.:Est., João Pessoa, v. 25, n. 3, p. 89-104, set./dez. 2015.
FARIAS, Salomão Alencar de. Internacionalização dos periódicos brasileiros. RAE, São Paulo,
v. 57, n. 4, p. 401-404, jul./ago. 2017.
GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de pesquisa. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2009. 120 p.
TARGINO, Maria das Graças. Comunicação científica: uma revisão de seus elementos básicos.
Informação & Sociedade: Estudos, v. 10, n. 2, jan. 2000.
Resumo: Sob a temática do artesanato e socialização do saber fazer das comunidades artesanais,
temos o objetivo de entender a atuação do design na realidade das bordadeiras, especificamente
no que diz respeito a aprendizagem, conhecimento e qualidade dos bordados na Associação de
Mulheres da Agulha Criativa - AMAC. A pesquisa foi realizada a área conhecida como “capital
dos bordados”. De acordo com o Termo de Referência do SEBRAE (2010), o artesão é aquele
detentor de conhecimento técnico sobre os materiais, as ferramentas e os processos de sua
especialidade. Com a atuação do designer na AMAC, ocorreram algumas implementações
observadas pelas próprias bordadeiras, e nos dizem que: ”a aprendizagem foi a implementação
mais importante, pois isso que eles (designers) nos ensinaram através das oficinas, capacitações e
outras atividades que o conhecimento ninguém tira de nós”. Em discursos ouvidos por nós, duas
categorias nos chamaram atenção em primeira instância, quando os informantes tratam de
produtos de primeira qualidade e de qualidade superior. O que seria isso? Para refletirmos,
acionamos o conceito de qualidade para o SEBRAE, por ser a instituição responsável pela
intervenção do designer na associação e “confrontamos” com as opiniões e práticas das artesãs e
autores que tratam dessa temática, como Borges (2011).
Palavras-chave: Artesanato. Aprendizagem. Qualidade do produto. São João dos Patos.
Abstract: Under the theme of handicrafts and socialization of the know-how of the handicraft
communities, we aim to understand the role of design in the reality of embroiderers, specifically
with regard to the learning, knowledge and quality of embroidery at the Associação da Mulheres
da Agulha Criativa - AMAC . The research was carried out in an area known as “capital of
embroidery”. According to the SEBRAE Term of Reference (2010), the artisan is the holder of
technical knowledge about the materials, tools and processes of his specialty. With the
performance of the designer at AMAC, there were some implementations observed by the
embroiderers themselves, and they tell us that: “learning was the most important implementation,
because this is what they (designers) taught us through workshops, training and other activities
Página 391 de 2230
that knowledge nobody takes from us ”. In speeches heard by us, two categories called our
attention in the first instance, when the informants deal with products of first quality and superior
quality. What would that be? To reflect, we used the concept of quality for SEBRAE, as it is the
institution responsible for the intervention of the designer in the association and we confront with
the opinions and practices of artisans and authors who deal with this theme, such as Borges (2011).
Keywords: Crafts. Learning. Product quality. São João dos Patos.
1 INTRODUÇÃO
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
Fonte: http://artesanatocomdesign.blogspot.com.br
com Albuquerque & Lucena (2004), o estado do Maranhão tem um apego cultural ao artesanato.
As produções artesanais da AMAC contribuem de forma direta e indireta para o crescimento social
e sustentável das artesãs.
Falamos de mulheres que bordam numa cidade assentada no Sertão Maranhense: São João
dos Patos localiza-se a 570 km de São Luís e com 24.928 habitantes (IBGE, 2013), possui uma
significante e contínua produção de bordados, principalmente dos bordados ponto cruz. Possui em
toda sua extensão, segundo Nascimento (2012), essa particularidade cultural que por muito tempo
foi passada de geração em geração, e assim vai se perpetuando esta técnica artesanal que é
considerada primitiva e ao mesmo tempo, contemporânea.
Realizamos entrevistas com as artesãs e designers que atuaram na associação. As
entrevistas semiestruturadas, segundo Lakatos (2003), dá ao entrevistador e ao entrevistado a
liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada, sem perder
o “fio da meada”. É uma forma de poder explorar mais amplamente uma questão. Em geral, as
perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma conversação informal.
Inicialmente, nessa pesquisa descritiva e exploratória, analisamos os aspectos
socioeconômicos das artesãs e sua relação com a forma de produção do artesanato,
comercialização e gestão a fim de identificar dados relevantes à fundamentação da pesquisa de
nos situarmos junto ao contexto que estávamos nos inserindo. Nesta parte estavam presentes nas
nossas entrevistas, perguntas que representam e caracterizam o grupo de artesãs, tais como
características socioeconomicamente; características sobre o nível de instrução; características
sobre o tempo de trabalho e domínio do ofício de bordar; características sobre o tipo de produção
artesanal (ver qual produto de maior e menor “saída” e por que); características a comercialização;
características sobre o cuidado com meio ambiente; características sobre o enquadramento na
sustentabilidade e características sobre o processo de produção (cadeia produtiva), que é o foco
principal deste artigo.
Mas nem sempre foi assim. As bordadeiras da AMAC ao relatarem sobre o aprendizado
do bordado, nos dizem que aprenderam com suas mães e avós. Ele dava nas calçadas e portas de
suas casas, onde começaram seus primeiros pontos. Marcelucia, de uma forma descontraída
compartilha essa lembrança:
69
Entrevista concedida pela artesã Joelma, ao autor, em junho de 2017.
70
Entrevista concedida pela artesã Marcelucia, ao autor, em outubro de 2016.
Página 395 de 2230
artesanal permanecesse, apesar da indústria. E, de certa forma, foi essa organização em guildas,
em artes e ofícios que inspirou a formação da Bauhaus, que visava capacitar os alunos na teoria e
prática das artes, dando-lhes condições de criar produtos que fossem ao mesmo tempo artísticos e
comerciais.
Sobre esse aspecto, a irmã Rosália acrescenta:
Com certeza, as comunidades que trabalham com artesanato, que vive do
artesanato e da cultura que o artesanato traz, agrega todo um valor, pois a maior
parte deste ofício é feita entre os dedos da pessoa, e não na máquina, então agrega
esse valor manual de poder escolher, combinar cores, o estilo, então é uma
cultura, é um aprendizado, um conhecimento, ensaio pessoal e experiência
própria... aprendizado que vem da própria experiência. 71
Nesse âmbito, entendemos que, a partir da experiência, sejam elas com mães, avós
e ancestrais, consultores, com a própria cultura do local, o indivíduo acumula um repertório de
lembranças, histórias e saberes que serão determinantes na estruturação do seu fazer.
O consultor Marcelo Medeiros complementa ao dizer que “eu bebo nessa fonte, porque sei
que é uma fonte de conhecimento muito grande, então vê como aquilo é feito, toda a paciência
que o pessoal tem de mostrar como é feito” traz mais aprendizados do que anos em sala de aula
numa universidade.
“A partir do momento em que eu recebia das artesãs, me sentia na obrigação e convidado
a contribuir com elas”, complementa o consultor, e
quando eu fui chamado para a associação em São João dos Patos, eu não tive
dúvidas de que minha contribuição seria a de pesquisar, caminhar na história da
cidade e da vida daquelas pessoas, ver que elementos eu poderia trazer dessa
história e aplicar ao produto delas. Porque com o passar dos tempos, essas
71
Entrevista concedida pela Irmã Rosália, ao autor, em 20 de junho de 2017.
Página 396 de 2230
Acho que isso não é só no Maranhão, isso é a nível nacional, a gente não pode
abandonar o que é nosso, o que está na nossa veia, na nossa raiz, então isso nos
prende muito. Às vezes a gente tem vontade de brigar com elas e outras, a gente
quer colocar elas no colo. É complicado porque a gente vê que elas precisam
muito de apoio, da gente ali incentivando, e ao mesmo tempo a gente quer que
elas andem com as próprias pernas, por que é necessário também. E a gente sabe
que tem todo um contexto empresarial por trás dessa história e que precisa ser
desenvolvido, e a gente é cobrado. 73
Mais uma vez nos deparamos com as cobranças e metas da instituição que acompanha as
artesãs nos projetos. Eles admiram, incentivam as práticas e necessitam de um retorno segundo
seu contexto empresarial.
E para que essas expectativas sejam alcançadas, é preciso acionarmos uma outra categoria
relacionada ao produto artesanal das bordadeiras, a qualidade de seus produtos.
Iniciamos a reflexão, tomando como base a fala do consultor Sandro Lopes, num
comentário sobre o artesanato de São João dos Patos:
O artesanato de SJP é artesanal, todo mundo sabe. Sabia-se que a rede de lá iria
durar uma vida, colchas de cama com material de primeira qualidade, e isso era
uma grande vantagem, porque a gente não precisava maximizar o produto, o
produto em si só já tinha uma qualidade superior, já tinha um acabamento muito
bom. Algumas bordadeiras aqui ou ali que precisavam de ajuda e aí entravam as
consultorias. 74
Duas categorias neste discurso nos chamaram atenção em primeira instância, e resolvemos
colocar em negrito, produtos de primeira qualidade e de qualidade superior. O que seria isso?
Para refletirmos, acionamos o conceito de qualidade para o SEBRAE, este está relacionado
a processos de aumentar competitividade, ampliando as chances de permanecer no mercado. Para
a instituição, a qualidade é a matéria prima para o sucesso, e tem como fundamentos, a satisfação
do cliente, avaliações frequentes, melhorias contínuas nas técnicas, entre outros.
72
Entrevista concedida pelo Consultor Marcelo Medeiros, ao autor, em outubro de 2016.
73
Entrevista concedida pela analista do SEBRAE, ao autor, em 04 de julho de 2017.
74
Entrevista concedida pelo consultor Sandro Lopes, ao autor, em 09 de maio de 2017.
Página 397 de 2230
As artesãs sempre são incisivas em enfatizar sobre a qualidade de seus produtos, falam
com orgulho que seus bordados não têm diferenças entre avesso e direito, e, como na cadeia
produtiva da produção delas existe a etapa rigorosa da fiscalização, essa, segundo elas, é um de
suas grandes preocupações.
O bordado da gente é sim de qualidade. Qualidade porque é algo que é feito
caprichado, sem querer enrolar ninguém. Qualidade tem a ver com
transformação. Uma transformação de três ou mais matérias-primas para gerar
um único produto. 75
Por outro lado, o consultor Marcelo Medeiros, entende por produto com qualidade superior
aquele que
segue as normas corretas de sustentabilidade, ou seja, trabalha com o máximo de
recursos naturais, não desperdiça água, protege e trata o meio ambiente de forma
respeitosa, otimiza fontes de energia e age com respeito para com todos. 76
A qualidade superior é entendida também como aquela que não passa por cima de nada e
de ninguém para poder ser transformada, não gera lucros em cima do trabalho escravo de outros,
mesmo que esse outro seja o próprio artesão. Na verdade, entendemos como algo que está acima
das expectativas das pessoas e ligadas às práticas sustentáveis.
Nesse contexto, Borges (2011) apresenta o designer como um profissional responsável em
desenvolver critérios de qualidade de produção. E sobre o que diz a autora, a artesã afirma que
está entranhado nelas esse zelo pela imagem de qualidade, que elas conquistaram junto aos seus
clientes:
A preocupação com a qualidade é uma constante na AMAC, as artesãs lembram
imediatamente das Irmãs Rosália e Amália quando acionam esta categoria,
dizendo que elas são muito exigentes com o artesanato em si. Elas valorizam as
pessoas, as que fazem as peças e as que vão comprar também, por isso, elas
75
Entrevista concedida pela artesã Marcelucia, ao autor, em junho de 2017.
76
Entrevista concedida pelo consultor Marcelo Medeiros, ao autor, em outubro de 2016.
Página 398 de 2230
O trabalho aqui não sai de qualquer jeito não, é fiscalizado, porque o cliente que
compra também fiscaliza. Se não tiver bem-acabado ele não aceita, manda de
volta. Então a gente tem que ter esse cuidado pro nosso trabalho ser
diferenciado... aqui a gente trabalha muito, ganha pouco, mas ganha o justo. 79
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho diferenciado descrito acima nas falas pelas artesãs, seria o trabalho com
qualidade, com bom acabamento e feito sobre efeito de fiscalização rígida? E o trabalho sem o
sufixo “diferenciado” seria o que não passou pelas consultorias de instituições que trazem aos
artesãos normas e padrões pré-estabelecidos, que até então não conheciam?
Na AMAC, tive experiências com os dois sentidos dos “trabalhos” descritos acima. Já fui
consumidor de peças que haviam sido feitas com todo cuidado e zelo para levarem o selo dos
padrões do SEBRAE, onde houve uma fiscalização rígida para que os produtos pudessem estar
expostos nos stands e em feiras no exterior. Mas também fui público, através de uma encomenda
feita diretamente a elas, sem época de feiras, eventos, exposições ou consultorias, pelo contrário,
em uma época sem vendas e sem perspectivas, e nesse sentido, o trabalho ficou desprovido de
algumas exigências e características de qualidades, tão defendidas por elas, como
comprometimento com prazo de entrega, esclarecimentos sobre o método de produção, cuidado
na entrega do produto.
Portanto, observamos que sim, a qualidade está associada à elevação da autoestima, bem
viver e outras características positivas, e, que mais uma vez, atrelamos esse termo ao de
conhecimento e aprendizado, mas que é preciso sustentar a marca qualificação na qual elas
77
Entrevista concedida pela artesã Marcelucia, ao autor, junho de 2017.
78
Entrevista concedida pela artesã Marcelucia, ao autor, junho de 2017.
79
Entrevista concedida pela artesã Joelma, ao autor, junho de 2017.
Página 399 de 2230
“vestem” em todos os sentidos, em todos os momentos e para todos os públicos a qual levam suas
incríveis peças.
Marcelucia nos ajuda a refletirmos quando expõe que esses elementos de qualidade,
conhecimento e aprendizado, na verdade são transitórios, e, segundo ela, é algo que não ficou só
no bordado, “é algo que ficou implementado na mente, a gente leva pra outros campos, pra vida,
pro dia-a-dia, nas relações. “É uma coisa que fica!”, e o melhor de tudo, conclui ela, “a gente ainda
pode passar para outras pessoas”.
REFERÊNCIAS
BORGES, A. Design + Artesanato – O caminho brasileiro. São Paulo: Terceiro Nome, 2011.
MANZINI, Ezio. Design, when everbody design: introduction to Design for Social innovation.
The MIT Press. Cambridge/London: 2015.
NASCIMENTO, Luiz Augusto. Dados socioculturais de São João dos Patos – Maranhão. In:
VII CONNEPI. Palmas: 2012.
RÖDEL, H. SPFW. Máscaras de animais em crochet para 2nd floor. Porto Alegre: 2010.
Disponível em: <http://www.helenrodel.com.br/projetos/2nd-floor-inverno2010>. Acesso em:
15 abr. 2010.
Resumo: Na Idade Média os corpos gordos eram tidos como sinal de formosura, prestígio e
riqueza, sendo considerados como símbolo de saúde, força e poder. Com o passar do tempo foram
sendo percebidos de maneira diversa e o excesso de peso foi categorizado como obesidade, uma
doença que traz consigo várias comorbidades que precisa ser combatida. Este trabalho analisou
discursos sobre a obesidade presentes em livros didáticos de Ciências do ensino fundamental
aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2017, utilizados em escolas
públicas da cidade de São Luís, Maranhão, buscando compreender a ideia de obesidade e
caracterizando aspectos biomédicos e socioculturais nessas obras. A pesquisa caracterizou-se
como qualitativa e documental. Ao todo foram catalogados doze livros do 6º ao 9º ano encontrados
em três escolas do bairro da Vila Palmeira e analisados a partir da perspectiva dos Estudos
Culturais em Educação e da Análise de Conteúdo de Bardin (1977). Os discursos giravam em
torno do que é saudável e do movimento. Concluímos, portanto, que os livros didáticos de Ciências
falam dela de forma higienizada, propondo formas de incorporar medidas preventivas para que os
corpos se adequem ao que é tido como “normal” e aceito atualmente, daí a necessidade de
pensarmos mais criticamente se são saudáveis apenas os corpos magros.
Palavras-chave: Obesidade. Ensino de Ciências. Livro didático. Educação em Saúde.
Abstract: In the Middle Ages, fat bodies were seen as a sign of beauty, prestige and wealth, being
considered a symbol of health, strength and power. Over time, they were perceived differently and
excess weight was categorized as obesity, a disease that brings with it several comorbidities that
need to be combated. This work analyzed speeches about obesity present in elementary science
textbooks approved by the 2017 National Textbook Program (PNLD), used in public schools in
the city of São Luís, Maranhão, seeking to understand the idea of obesity and characterizing
Página 401 de 2230
aspects biomedical and socio-cultural aspects of these works. The research was characterized as
qualitative and documentary. In all, twelve books from the 6th to the 9th grade were found in three
schools in the Vila Palmeira neighborhood and analyzed from the perspective of Cultural Studies
in Education and Bardin's Content Analysis (1977). The speeches revolved around what is healthy
and about movement. We conclude, therefore, that science textbooks talk about it in a hygienic
way, proposing ways to incorporate preventive measures so that the bodies adapt to what is
considered “normal” and currently accepted, hence the need to think more critically if only thin
bodies are healthy.
Keywords: Obesity. Science teaching. Textbook. Health education.
1. Introdução
A obesidade nem sempre foi vista como estigma social. Durante muito tempo se
configurou como sinal de formosura, prestígio, riqueza, símbolo de saúde e sinônimo de força e
poder. “O prestígio do gordo está ligado, antes de mais nada, ao meio” (VIGARELLO, 2012, p.
21).
Os “excessos” foram muitas vezes retratados em obras de pintores da Idade Média e da
Renascença, mas o olhar que se tinha estava bem longe do olhar que hoje temos (e fazemos) da
obesidade. As transformações ocorridas na sociedade modificaram nossa maneira de enxergá-la.
Embora a obesidade seja percebida como algo depreciativo, precisamos compreendê-la em um
contexto plural, pois ela envolve aspectos sociais, econômicos, políticos, históricos e culturais –
que são quase sempre esquecidos de serem mencionados ou problematizados, principalmente em
sala de aula – e não somente relacioná-la aos aspectos genéticos, biológicos e médicos.
Conforme Sá-Silva, Ribeiro, Borges e Leal (2016, p. 58), a obesidade vem ganhando
espaço cada vez maior no que se refere à prevenção e mudanças de hábitos alimentares quase
sempre com o intuito de reduzir seus altos índices no Brasil e no mundo. Isto nos dá indícios de
que há uma urgência e emergência em se discutir o tema da obesidade numa perspectiva mais
ampla, sobretudo na escola.
Como este tema tem sido abordado no contexto educacional? O que ensinam os livros
didáticos de Ciências sobre a obesidade? A lógica biomédica é a que prevalece? Os aspectos
históricos e socioculturais sobre a obesidade são problematizados? São questões importantes que
merecem ser pensadas/problematizadas.
É fundamental reconhecer que as inúmeras transformações sociais e econômicas ocorridas
no Brasil nos últimos anos provocaram mudanças importantes no perfil epidemiológico e
nutricional da população, ocasionando, portanto, um aumento da obesidade em faixas etárias cada
Página 402 de 2230
vez mais jovens (SANTOS, 2005). Nesse sentido, professores e professoras da educação básica
devem estar atentos a essa questão, compreendendo sua origem multifatorial e a importância da
sua atuação frente a esse problema de saúde pública (LOPES et al., 2013).
O Ministério da Educação (MEC) afirma que professores/as devem incluir tais temas no
currículo escolar, tendo o cuidado de abordar o assunto de forma crítica e não estereotipada. Em
uma perspectiva cultural, a obesidade deixou de ser configurada apenas como patologia, passando
a ser compreendida também como uma produção cultural a que temos acesso a partir de diferentes
fontes (SÁ-SILVA; RIBEIRO; BORGES; LEAL, 2016).
Nessa perspectiva os Estudos Culturais se configuram como um valioso instrumento
teórico-metodológico capaz de nos dar suporte para que possamos compreender a maneira como
a cultura vem influenciando nossa maneira de viver, pensar e agir. E ainda, nos possibilita entender
que todas as representações sociais são frutos de processos históricos e culturais que devem ser
problematizados e discutidos no ensino de Ciências.
Segundo Oliveira (2009, p. 40), “a cultura, desempenha papel constitutivo na vida social.
As práticas sociais não são apenas influenciadas pela cultura, são atravessadas por ela, por um
campo de produção e negociação de significados”. Dessa forma, é interessante e significativo
poder compreender os diferentes significados que são dados à obesidade através dos discursos
produzidos nos livros didáticos de Ciências.
Neste artigo, o corpus de análise se constitui dos discursos sobre a obesidade presentes no
conteúdo dos livros didáticos de Ciências do ensino fundamental aprovados pelo Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2017 e utilizado pelas escolas públicas estaduais da cidade
de São Luís, Maranhão. A pesquisa apresenta uma investigação de cunho qualitativo cujo objetivo
mais geral é analisar os discursos sobre a obesidade em livros didáticos de Ciências do ensino
fundamental utilizados em escolas públicas de São Luís, ao mesmo tempo em que busca
compreender a ideia de obesidade e caracterizar os aspectos biomédicos e socioculturais dela
nesses livros.
1 Metodologia
qualitativa, entendendo que este tipo de abordagem nos daria a descrição e compreensão
necessárias pois, “quem trabalha com dados qualitativos não deve se preocupar em quantificar e
em explicar, e sim em compreender. Compreender e interpretar a realidade” (MINAYO, 2014, p.
24). Foi exatamente esse o exercício que nos propusemos a realizar.
Como base teórica e metodológica utilizamos os Estudos Culturais em Educação que por
sua vez, nos possibilitou compreender os significados dados à obesidade nos discursos produzidos
por autores e autoras dos livros didáticos de Ciências do ensino fundamental.
Além de qualitativa esta é uma pesquisa documental cujo objeto de investigação foram os
livros didáticos de Ciências utilizados na rede pública de ensino da cidade de São Luís, Maranhão.
A pesquisa documental é importante pois nos possibilita uma riqueza e diversidade de
informações. Além disso, o uso de documentos em pesquisas “deve ser apreciado e valorizado.
[...] porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de
contextualização histórica e sociocultural” (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009, p. 02).
Como técnica de análise de dados, utilizamos a análise de conteúdo que para Laurence
Bardin (1977, p. 42), consiste em:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos,
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(qualitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições
de produção/recepção [...] destas mensagens.
ensino se deu por meio da Carta de Apresentação da Pesquisa demonstrando às escolas tanto as
intenções quanto o objeto de nossa investigação, solicitando dessa forma, o consentimento da
direção e coordenação pedagógica para realizar a coleta dos dados. Somente após o consentimento
iniciamos a coleta dos dados.
As escolas que fizeram parte da pesquisa no bairro da Vila Palmeira foram: Colégio
Militar da Polícia Militar do Maranhão (Tiradentes) – Escola Estadual, trabalha com Ensino
Fundamental I (1º ao 5º ano) e II (6º ao 9º ano) e Ensino Médio (1º, 2º e 3º grau); Colégio Militar
2 de Julho (Bombeiros) – Escola Estadual, trabalha com Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano) e
II (6º ao 9º ano) e Ensino Médio (1º, 2º e 3º grau); Unidade Integrada Pio XII - Escola Estadual,
trabalha com Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano) e II (6º ao 9º ano), Ensino Médio (1º, 2º e 3º
grau) e Educação de Jovens e Adultos (EJA); e U. E. B. Ensino Fundamental Newton Neves80
– Escola Municipal, trabalha com Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano) e II (6º ao 9º ano) e
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
80
Realizamos a visita nesta escola, apresentamos a Carta de Intenções da Pesquisa, mas não foi possível a realização
da coleta dos dados. A escola nos encaminhou à Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e solicitou uma série
de documentação, o que foi inviável devido ao cumprimento dos prazos e cronograma da pesquisa.
81
Esta coleção utilizada no 9º ano na escola Militar Tiradentes é diferente porque segundo informações da
coordenação pedagógica da escola, foram entregues poucos livros que não supriram a necessidade dos/as alunos/as e
por conta disto optaram por utilizar a coleção anterior aprovada pelo PNLD de 2014.
Página 405 de 2230
Livros
Didáticos 6º Demétrio
2ª
Vila adotados pelo 7º Gowdak e
02 de Julho Ciências Novo Pensar FTD
Palmeira PNLD de 8º e Eduardo
(Bombeiros)
Ciências do ano 9º Martins
de 2017
Livros
Ciências – (Planeta
Didáticos 6º
3ª Terra; Fernando
Vila adotados pelo 7º
C. E. Vida na Terra; Gewandsz- Ática
Palmeira PNLD de 8º e
Pio XII Nosso Corpo; Najder
Ciências do ano 9º
Matéria e energia)
de 2017
Fonte: Autoria própria.
decidimos apresentar somente aquelas com maior representatividade, quais sejam: o que se fala
sobre saúde alimentar; como os corpos “saudáveis” aparecem e a representação do gordo e da
obesidade através das figuras/imagens e comentários sobre ela.
2 Resultados e discussão
A alimentação é uma das atividades humanas que mais aproximam as pessoas. Através
dela incorporamos não só nutrientes essenciais à nossa sobrevivência, mas tudo aquilo que
envolve o ato de comer. Isso porque, os alimentos são escolhidos, preparados e combinados de
maneira particular, com cheiro, cor, temperatura, textura e sabor. Nos alimentamos, portanto, de
seus significados e de seus aspectos simbólicos (DAMATA, 1987). É por isso que, de acordo com
Denise Bernuzzi de Sant’Anna (2003, p. 42),
Alimentação equilibrada, alimentação natural, alimentação consciente... as identificações
variam tanto. Mesmo para aqueles que buscam emagrecer, não faltam receitas
conjugando dieta com bem-estar, prescrições de regime intimamente associadas ao
prazer de comer, enquanto que, em vários restaurantes e lanchonetes, os menus
específicos para a aquisição da boa forma deixaram de ser considerados extravagâncias
de uma minoria para funcionar como uma exigência de massa. Há muito sabemos que
"somos o que comemos". Mas, atualmente, somos levados a jamais esquecer que
podemos ser tudo o que queremos, desde que as mudanças alimentares em voga façam
parte da nossa rotina. Ou seja, por meio da comida pode-se, por exemplo, mudar a
aparência corporal, transformar o estado emocional e reinventar cotidianamente a própria
subjetividade.
Dessa forma, a comida ganha um lugar de destaque cada vez maior em relação ao corpo e
à saúde. A alimentação deve ser compreendida, portanto, por inúmeras perspectivas. Mesmo com
novas mudanças de hábitos, não podemos esquecer que o ato de comer é construído culturalmente
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e muitas vezes elaboradas a partir de diversas formas de saber - como o conhecimento científico,
o senso comum e o religioso, dentre outros (CANESQUI, 1988).
Por outro lado, “na alimentação humana, natureza e cultura se encontram, pois se comer é
uma necessidade vital, o quê, quando e com quem comer são aspectos que fazem parte de um
sistema que implica atribuição de significados ao ato alimentar” (MACIEL, 2005, p. 49).
Vejamos, portanto, o que dizem os conteúdos dos LD sobre a saúde a partir da alimentação.
Alimentos de origem animal devem ser consumidos com moderação, pois o excesso traz
problemas, como a obesidade, como mostra figura 1. Percebemos já de início, que há uma relação
de biopoder sendo desenvolvida. Esse termo apresentado por Foucault, representa os mais
diversos mecanismos para controlar o corpo (individual) e a população. Para ele, “o poder era,
antes de tudo, nesse tipo de sociedade, direito de apreensão das coisas, do tempo, dos corpos e,
finalmente, da vida; culminava com o privilégio de se apoderar da vida para suprimi-la”
(FOUCAULT, 1988, p. 127). E ainda, “são as disciplinas do corpo e as regulações da população
que constituem o poder sobre a vida” (FOUCAULT, 1988, p. 130).
É, portanto, nesse jogo de poder que o disciplinamento e controle dos corpos vão sendo
escritos. O corpo passa a ser domínio político, onde normas são constantemente impostas pela
sociedade para colocá-los em um sistema de aprisionamento. Com isso, ao dizer que devemos
consumir certos alimentos com moderação, é também uma forma de disciplinamento dos corpos.
Fica evidente, portanto, que o excesso é prejudicial à saúde, pois nos remete a ideia de descontrole.
Outras questões também aparecem com muita frequência nos LD, como mostram as figuras 2, 3
e 4 a seguir,
Essas mensagens trazem um discurso que enfatiza sobretudo, a importância de se ter uma
alimentação variada e saudável. Uma alimentação saudável “é aquela que atende todas as
exigências do corpo, ou seja, não está abaixo nem acima das necessidades do nosso organismo”
(BRASIL, 2007, p. 15). E para ser saudável, a alimentação deve ser “variada – que inclua vários
grupos alimentares; equilibrada – que respeite o consumo adequado de cada alimento; suficiente
– em quantidades que atendam e respeitem as necessidades de cada pessoa; acessível, colorida e
segura” (BRASIL, 2007, p. 16-17, grifos do autor). Isso é o que encontramos com maior
frequência dentro do conteúdo dos livros didáticos conforme mostram as figuras 5 e 6 a seguir.
A própria definição sugere esse equilíbrio quando diz “não está nem abaixo nem acima das
necessidades do organismo” (BRASIL, 2007, p. 15), ou seja, deve estar em equilíbrio, balanceado.
Isto é bem evidente nessas representações. No entanto, um ponto que chama a atenção é que a
alimentação saudável precisa ser acessível – tanto em um aspecto físico, quanto financeiro, mas
isso não é percebido no conteúdo dessas mensagens. Essa informação merece ser discutida e
problematizada porque nem todos os alimentos recomendados (e que aparecem com frequência
nesses LD) são acessíveis à população, seja por questões de regionalidade, seja por questões
financeiras.
Temos que ter um olhar diferenciado para perceber essas relações. Olhar com desconfiança
para aquilo que nos é apresentado a fim de identificar mensagens que possam reforçar o
preconceito.
Nossos hábitos alimentares fazem parte de um sistema cultural repleto de símbolos,
significados e classificações, de modo que nenhum alimento está livre das associações culturais
que a sociedade lhe atribui (LÉVI-STRAUSS, 1976). Nesse caminho, vale dizer que essas
associações determinam aquilo que comemos e bebemos, o que é comestível e o que não o é.
Símbolos, significados, situações, comportamentos e imagens que envolvem a alimentação podem
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Isso reflete exatamente as concepções sobre saúde alimentar apresentada nesses LD.
82
BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em:
<https://www.fnde.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/area-de-imprensa/noticias/item/7673-livros
did%C3%A1ticos-ter%C3%A3o-mensagens-sobre-alimenta%C3%A7%C3%A3o-saud%C3%A1vel>.
Acesso em: 15 maio 2019.
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Essas questões nos ajudam a pensar (e repensar) as representações que fazemos (e temos)
do corpo humano enquanto um produto social e cultural. Ao refletir sobre o que é corpo nossas
definições não se esgotariam, pois, dependendo do contexto no qual este corpo está inserido ele
adquire uma infinidade de sentidos. Para Jocimar Daolio (1995, p. 25-26),
Ao se pensar o corpo, pode-se incorrer no erro de encará-lo como puramente biológico,
um patrimônio universal, já que homens de nacionalidades diferentes apresentam
semelhanças físicas. Entretanto, para além das semelhanças ou diferenças físicas, existe
um conjunto de significados que cada sociedade escreve nos corpos dos seus membros
ao longo do tempo, significados estes que definem o que é corpo de maneiras variadas.
Da mesma forma, o termo “saudável” pode estar relacionado a diferentes questões não
sendo necessariamente ligado somente a alimentação. Então, um corpo “saudável” pode ser um
corpo gordo, um corpo magro, um corpo esbelto, um corpo deficiente, alto, baixo, negro, branco,
etc., isto porque se saudável se referir a tudo aquilo que é bom para a saúde, então esses corpos
podem sim ser saudáveis da forma como são. Não tendo necessariamente a ver com os padrões
socialmente aceitos.
Neste ponto, vale destacar que a felicidade, o bem-estar, o lazer, foram questões centrais
nas representações das coleções analisadas como mostram as figuras 9 e 10, por exemplo.
No entanto, gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que nessas representações não
aparecem corpos obesos, apenas corpos magros (e felizes). Para Jocimar Daolio (1995, p. 25, grifo
do autor),
O corpo é uma síntese da cultura, porque expressa elementos específicos da sociedade da
qual faz parte. O homem, através do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos
valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração (a palavra é
significativa). Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo
cultural, que se instala no seu corpo.
83
Segundo Nilvanete Lima (2018) os processos sociais de abjeção que se constituem como outra face da moeda nos
processos de normalização experenciados por todos nós. Nesse sentido, a abjeção seria uma operação de exclusão
constitutiva da demarcação entre sujeitos “legítimos” e seres “abjetos”. Segundo Judith Butler (2000, p. 112), “o
abjeto designa aqui precisamente aquelas zonas ‘inóspitas’ e ‘inabitáveis’ da vida social, [...], densamente povoadas
por aqueles que não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do ‘inabitável’ é necessário para que o
domínio do sujeito seja circunscrito”.
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sociedade, imprimindo um novo estilo de vida. Percebe-se então que vivemos uma época
de contradições, no que diz respeito às nossas escolhas, uma vez que hoje não há uma
obrigação das pessoas se vestirem de acordo com a classe social de que fazem parte,
como ocorria noutras épocas, porém, a moda dita as regras, dita as tendências e aquilo
que devemos escolher.
A moda hoje é levar uma vida mais saudável, fazendo escolhas que atendem essa
especificidade. Hábitos mais saudáveis são entendidos como sinônimos de bem-estar e saúde. Por
isso as representações do “saudável”. A comida antes de tudo precisa ser compreendida como uma
forma de (re)conhecer no outro os valores de sua própria história, pois ao unir pessoas, une-se
também culturas. Figuras/imagens (como mostradas a seguir) aparecem para retratar o estar à
mesa, com alimentos “saudáveis” como uma tentativa de resgatar o poder da comensalidade em
nossa vida ou talvez pelo fato de que, “a alimentação envolve a emoção, o afeto, o sentimento e a
memória. A ‘comida caseira’ evoca aconchego, remete ao ‘familiar, ou seja, ao próximo” (GÓES,
2008, p. 381).
De acordo com Sueli Aparecida Moreira (2010, p. 23) a comensalidade significa, portanto,
Conviver à mesa e isto envolve não somente o padrão alimentar ou o quê se come mas,
principalmente, como se come. Assim, a comensalidade deixou de ser considerada como
uma consequência de fenômenos biológicos ou ecológicos para tornar-se um dos fatores
estruturantes da organização social.
Entende-se, portanto, que tais representações têm forte relação com a convivência familiar
em que a comida proporcionaria sensação de bem-estar e por outro lado, o alimento que é
preparado em casa é visto como mais saudável, por ser caseiro. Mas é interessante mencionar que
essa relação com a alimentação não é estática. É uma relação que vai sendo modificada ao longo
do tempo, então, dependendo das influências sociais e culturais que cada sujeito tiver durante sua
vida seu gosto pela comida ou por determinados tipos de alimentos também vão sendo alterados
nesse percurso.
Por este motivo, os corpos que aparecem nesses LD são corpos que prezam pela aparência
e saúde física, por meio da alimentação “saudável” conforme figuras 14, 15 e 16.
Figura 15 – Se alimentando só
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A cultura tem influenciado cada vez mais nossa vida. Isto porque ela é construída por um
conjunto de textos produzidos pelo homem não apenas em relação a linguagem verbal, mas
também por mitos, rituais, gestos, ritmos, entre outros. Esses textos são considerados também
sistemas comunicativos que obedecem às regras e normas preconizadas pela cultura vigente
(MENDES; NOBREGA, 2004, p. 131).
Dessa forma, conteúdos imagéticos se apresentam como verdadeiros sistemas
comunicativos impregnados de significações que vão muito além do entretenimento.
A imagem é um artefato cultural que apresenta e representa o mundo. O termo imagem
se refere às diversas formas visíveis representadas, por exemplo, em desenhos,
fotografias, pinturas, charges. A imagem é um produto que revela a visão de mundo,
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Portanto, figuras, imagens, ilustrações, charges, tirinhas, quadrinhos, desenho animado etc.
vão se constituir como verdadeiros campos férteis para se compreender as relações (e intenções)
da cultura vigente principalmente quando associamos essas imagens as questões relacionadas ao
corpo. Pois, “além de ser um processo histórico, o corpo funciona como um processador da
história, por meio do qual são veiculados e modificados os legados culturais e biológicos”
(SANT’ANNA, 2000, p. 50). Assim, nas três coleções analisadas, identificamos o uso das tirinhas
referentes ao desenho Garfield, como mostram as figuras 17, 18, 19, 20 e 21.
Garfield é um felino (preguiçoso) e sua história é uma sátira aos donos de animais
domésticos que retrata o gato como o verdadeiro dono da casa. O felino, a sua maneira, também
sofre de problemas tipicamente humanos como a dificuldade em manter uma dieta, o ódio às
segundas-feiras, a apatia, o mau humor, entre outros. No decorrer da história, a conduta de Garfield
se torna cada vez mais humana e menos felina. Sua aparência física também se transformou ao
longo do tempo, já que no começo ele era um gato grande, gordo, com mandíbulas frouxas e olhos
pequenos. Com o passar dos anos, Garfield se tornou menor, seus olhos ficaram maiores e ele
passou a sorrir mais. A partir de 1983, começou a caminhar com duas patas e deixou de se focar
nos pontos fracos dos gatos para se centrar em situações cômicas (HISTORY, [201-]).
Tais situações, vivenciadas pelo personagem Garfield, são utilizadas para satirizar
questões relacionadas ao corpo obeso, como por exemplo, dificuldades em manter uma dieta, ter
ódio as segundas-feiras, ter apatia, além disso são classificadas como mal-humoradas.
Com relação à sua aparência, podemos fazer um paralelo com o que o Vigarello (2012)
apresenta em seu livro as metamorfoses do gordo história da obesidade, essa transformação se
deu justamente com as próprias mutações no modo de perceber o gordo na história. Antes o gordo
tinha um prestígio social, por isso ele era visto com certa autonomia diante das outras pessoas.
Com o passar do tempo esse prestígio foi dando lugar ao estigma, já que o ideal de corpo
“belo” passou a ser associado ao corpo esbelto, magro, leve. Garfield se tornou menor e passou a
sorrir mais, ou seja, por ele ter se tornado alvo de críticas pelas suas condições físicas ele utiliza
o riso para ser mais agradável e assim, ser aceito pelos outros.
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A partir disso, fica claro então o porquê de os LD utilizarem tanto esse personagem para
retratar questões como peso, movimento e hábitos saudáveis. “Gravuras e quadros tentam mais do
que antes figurar o homem pesado” (VIGARELLO, 2012, p. 102). É a partir do acesso à imagem
que o gordo passa a ser estigmatizado,
O acesso à imagem, os volumes agora identificáveis nas miniaturas ou afrescos do fim
da Idade Média, dos quais estavam ausentes até então, é bem o sinal de uma lenta e
explícita atenção que se presta aos contornos e também de uma tentativa de identificar e
estigmatizar os excessos. O tema fica mais vivo nesse século: o “gordo”, novamente
presente na iconografia, revela sem dúvida uma maneira igualmente nova de ser
observado (VIGARELLO, 2012, p. 52).
Com o advento da imagem o “gordo” passa a ganhar formas, contrastes e defeitos. É como
se o desenho/imagem tornassem reais as descrições que se faziam (e se fazem) do gordo. Pois,
antes era apenas a palavra, e com ela não era possível ter essa real dimensão de contraste e defeito,
mas só a partir da imagem essa representação se materializa.
O texto apresentado na figura 18, deixa claro o quão estigmatizado é o gordo atualmente.
Utiliza-se designações que ferem moralmente e psicologicamente pessoas nessas condições –
preguiçoso, guloso, detesta comida saudável, trapaceiro, enganador. “A crítica ao gordo, por sua
vez, continua em grande parte moral: zomba do comportamento [...]” (VIGARELLO, 2012, p.
55). Tudo é motivo de chacota e de zombaria. “O gordo não passa agora de contraste nostálgico,
divertido ou popular [...] é exatamente um modelo social que liga mais que antes o gordo ao
grosseiro” (VIGARELLO, 2012, p. 78-79).
Também há representações positivas sobre o gordo nos LD, demonstrando que podem
existir outras percepções. É interessante observarmos que, ao mesmo tempo em que se retrata o
gordo como preguiçoso, grosseiro, etc. há uma imagem representando o lado “positivo” da
gordura que está associada a força, ao vigor e a robustez, nos fazendo questionar em que medida
uma pessoa gorda, porém ativo, tende a ser aceita pela sociedade.
“O corpo pode ser encarado como um dos elementos que exterioriza o interior de uma
sociedade” (MAROUN; VIEIRA, 2008, p. 177). O corpo que pratica atividades físicas, que se
cuida, é um corpo que reflete o que a sociedade hoje quer dele. O corpo é conduzido então, “à
condição de propriedade, ora como objeto físico – e descrito em suas qualidades fisiológicas –,
ora como objeto simbólico – e descrito em suas qualidades culturais” (FERREIRA; NOVAES;
ASSIS; TELLES, 2018, p. 184).
4 Considerações finais
A partir do modelo biológico e médico, a obesidade tem sido apresentada e marcada como
doença. Mas o tema nem sempre foi visto dessa forma. A obesidade precisa ser pensada para além
desse olhar biomédico. Um local propício para isso, é sem dúvida a escola.
Na escola, o livro didático é um dos recursos mais utilizados servindo de referência teórica
para alunos/as e subsidiando o trabalho docente. Dessa forma, as maneiras como os conteúdos
relacionados à saúde são apresentados nesses documentos precisam ser analisados. Consideramos
relevante uma abordagem histórica e sociocultural do tema da obesidade no ensino de Ciências
para que professores/as da educação básica possam problematizá-lo a partir de um olhar plural.
Percebemos que a saúde alimentar apresentada nesses LD traz, em sua grande maioria,
uma abordagem meramente preventiva, tendo como propósito principal objetivo o bem-estar
físico das pessoas. Há um discurso normalizador que diz o que devemos ou não consumir, e em
que quantidades, pois o excesso é prejudicial à saúde e a alimentação precisa ser variada e
equilibrada.
Os corpos “saudáveis” aparecem magros e felizes o que nos leva a pensar que, quem não
tem um corpo magro não é feliz/não é saudável. São discursos que se caracterizam como
gordofóbicos, pois o fato de ocultar os corpos obesos nessas representações é uma forma de dizer
que eles não se enquadram no padrão normalizador.
A representação do gordo e da obesidade pela ótica imagética também demonstra uma
visão claramente preconceituosa em relação ao gordo e a obesidade. Ao utilizar referenciais
cômicos como é o caso do personagem Garfield para abordar temas como peso e movimento,
atribuem-se a ele designações como preguiçoso, guloso, que detesta comida saudável e trapaceiro,
são formas preconceituosas que classificam o corpo gordo como algo “anormal” e desprezível.
Por outro lado, um corpo mais boleado pode ter sua versão socialmente aceita quando está
relacionado à força e atividade física, pois nesse caso os músculos dão sustentação e vigor ao
gordo na realização de tarefas profissionais.
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REFERÊNCIAS
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hoje. Psicologia & Sociedade; 23 (1): 24-34, 2011.
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO,
Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo horizonte:
Autêntica, 2000. p. 151-167. Disponível em: <
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1230/Guacira-Lopes-Louro-O-Corpo-
Educado-pdf-rev.pdf?sequence=1>. Acesso em: 18 set. 2019.
CANESQUI, A. Anthropology and eating. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.1, n.22,
p.207-216, 1988.
KRAEMER, F. B.; et al. O discurso sobre a alimentação saudável como estratégia de biopoder.
Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 4, p. 1337 – 1359, 2014.
MINAYO, M.C.S. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São
Paulo: Hucitec, 2014.
SANT’ANNA, D. B. de. Descobrir o corpo: uma história sem fim. Educação e Realidade. v.
25, n. 2, p. 49-58 jul./dez. 2000.
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SANT’ANNA, D. B. de. de. Bom para os olhos, bom para o estômago: o espetáculo
contemporâneo da alimentação. Pro-posições, v. 14, n. 2 (41), maio/ago. 2003.
Resumo: Após o percurso de dez anos de pesquisa realizada pelo NIDA (Núcleo de Pesquisas em
Inovação, Design e Antropologia), foram observadas diversas lacunas nas cadeias produtivas de
artesanato, no que se refere à comercialização e a logística dos produtos dos processos produtivos.
Dessa forma, o projeto da construção de uma MAterioteca (DANTAS, BERTOLDI, 2016) surge
como uma possibilidade de facilitar o intercâmbio de saberes e fazeres maranhenses, construída
conjuntamente com os artesãos, a fim de solucionar parcialmente a falta de visibilidade das
comunidades. Assim, o presente artigo possui como objetivo a discussão sobre as etapas de
produção dessa materioteca virtual através de práticas do design colaborativo (MANZINI, 2015)
e da correspondência entre saberes (INGOLD, 2011; 2018) na construção desse acervo.
Apresentaremos a pesquisa de referências de similares, focando na metodologia de produção de
materiotecas e classificação do conteúdo, bem como, a tipificação dos acervos. O artigo trata ainda
da importância das Tecnologias da Informação e Comunicação (VELOSO et al, 2017) na
preservação e salvaguarda desses saberes e fazeres, e como conclusão, exibe nossos resultados,
relativos à identidade visual, arquitetura e o layout do site.
Palavras-chave: MAterioteca. Materiais. Artesanato. Codesign. Maranhão.
Abstract: After ten years of research carried out by NIDA (Innovation, Design and Anthropology
Research Unit) several gaps were observed in the handicraft production chains, with regard to the
marketing and logistics of the products of the production processes. Thus, the project to build a
MAterioteca (DANTAS, BERTOLDI, 2016) emerges as a possibility to facilitate the exchange of
knowledge and practices in Maranhão, built jointly with the artisans, in order to partially solve the
lack of visibility of the communities. This article aims to discuss the stages of production of this
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virtual material collection through the practice of collaborative design (MANZINI, 2015) and the
correspondence between knowledge (INGOLD, 2011; 2018) in the construction of this collection.
We will present the research of similar references, focusing on the methodology of production of
material collections and classification of content, as well as the classification of collections. The
article also deals with the importance of Information and Communication Technologies
(VELOSO et al, 2017) in the preservation and safeguarding of this knowledge and practices, and
in conclusion, it displays our results, relating to the virtual identity, architecture and the layout of
the website.
Introdução
1. Definindo a MAterioteca
Uma materioteca pode ser definida, segundo Dantas e Bertoldi (2016), como um acervo
de amostras de materiais, uma grande biblioteca, que pode ser consultada por qualquer um que
tenha acesso à plataforma. Conforme podemos observar pela forma como se estruturam, há sua
maioria, grandes catálogos categorizados em seções específicas, como polímeros, metais e outros
materiais utilizados por estudantes, artesãos e outros profissionais.
Quanto à tipificação, divide-se em três categorias: acadêmica, independentes e comerciais
(CAMPOS E DANTAS, 2008). Geralmente, estão alicerçadas na categorização de informações
de ordem científica sobre as especificidades físicas dos materiais, exibindo, em seguida, os
produtos que possam ser gerados com a utilização de certo material ou como consequência de um
processo. Foi realizado um levantamento de materiotecas virtuais que atuam nos três âmbitos,
dando ênfase aos acervos de ordem acadêmica, como a Materioteca do Centro Universitário
Feevale, o Tecniche e dei materiali per l'architettura e il disegno industriale - Artec da Università
Luav di Venezia (na Itália), a Materialize (USP), o Laboratório de Design e Seleção de Materiais
da UFRGS e a Materioteca Sustentável – UFSC.
Nas materiotecas analisadas, é rara, quando não, inexistente, a presença de informações que
evoquem saberes tácitos. O conhecimento tácito é definido por Spinuzzi como um tipo de
conhecimento difícil de ser descrito e formalizado e que, por isso, tende a ser ignorado
(SPINUZZI, 2005, p.165). A MAterioteca que aqui apresentamos traz este enfoque, até então não
encontrado em nossas pesquisas. Ela visa disponibilizar o uso de materiais e seus processos na
confecção de produtos executados por alguém que não detém do conhecimento formal sobre os
mesmos, para contribuir para uma sistematização que não busque somente a divulgação de
informações, mas também a promoção de uma correspondência entre saberes e a valorização da
identidade de comunidades tradicionais, trazendo à tona a produção artesanal e a vida das pessoas
envolvidas nesses processos.
Esta proposta está atrelada a outras pesquisas do NIDA - Núcleo de pesquisas em Inovação,
Design e Antropologia da UFMA, que refletem sobre os processos de encontros entre designers e
artesãos, por meio de práticas de correspondências, que para o antropólogo Tim Ingold (2018), é
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uma prática atencional de se estar no mundo, e no campo do design pensamos como uma forma
de fazer coisas juntos, respeitando os processos de todos os implicados nesta ação.
A atividade artesanal, além de ser praticada por diversas gerações tradicionalmente e reflete a
cultura local, é um meio de subsistência com pouca visibilidade, principalmente em comunidades
locais de difícil acesso ou com poucos recursos tecnológicos e de comunicação. Nota-se, portanto,
que a falta de divulgação e visibilidade destas cadeias produtivas gera a dificuldade na
comercialização e logística de circulação destes grupos produtivos.
Logo, os designers como mediadores sociais podem buscar estratégias e soluções alternativas,
enquanto mediador, para ser o elo que dá voz a esses artesãos e facilita essas trocas. Buscamos,
assim, construir relações de correspondências com essas comunidades locais, a fim de que se
consiga dar maior visibilidade a essas cadeias produtivas de valores e saberes.
Considerando tais questões, nossa MAterioteca surge como uma proposta, através das tecnologias
de informação e comunicação, de reduzir a falta de visibilidade da produção local e facilitar sua
comercialização. A construção da MAterioteca, de forma conjunta aos artesãos, possui suas
particularidades por se tratar de uma ação realizada através de práticas colaborativas. Este acervo
não será criado somente por meio de uma coleta de dados a respeito dos materiais e processos
categorizados, visto que será realizado por meio de trocas de saberes e fazeres entre os praticantes
habilidosos, alunos e todos os participantes da pesquisa.
2. Metodologia
Segundo Manzini (2015), uma sociedade cada vez mais fluida e complexa requer a criação
de novas ferramentas de design, ampliando o papel do designer de um mero solucionador de
problemas ao de um agente que atua de forma a dar sentido social às coisas. No desenvolvimento
da MAterioteca, buscamos, primeiramente, entender sua construção como um processo de
colaboração a fim de minimizar os níveis de hierarquia entre os integrantes da iniciativa, buscando
uma atividade de criação que considere a ação de todos os envolvidos. Assim sendo, investimos
em pensar como estes saberes e fazeres podem ser entrelaçados quando têm-se como escopo a
ordenação sistemática de elementos materiais e processuais numa plataforma digital de
comunicação sobre o artesanato maranhense.
A primeira fase da construção do acervo se constituiu de forma conjunta aos artesãos através do
levantamento de informações sobre os materiais e processos coletadas de experiências passadas,
tais como os diversos encontros com produtores de artesanato em vários municípios do Maranhão
ocorridos em projetos anteriores (NORONHA, 2011; NORONHA, 2016; NORONHA et al,
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2017). A partir da segunda etapa de execução, serão realizadas oficinas criativas no ambiente
acadêmico, em que os praticantes habilidosos serão convidados a ensinar sobre o seu processo de
criação para alunos do curso de Design da UFMA.
Tais propostas possuem como finalidade a formação de uma relação cada vez mais aproximada
entre os colaboradores, visando elaborar estratégias de inovação social que pensem em espaços e
processos criativos que não se limitem à concepção de projeto como tradicionalmente se constitui
no campo do design, fundamentada a partir das estruturas do pensamento moderno do que seria
projetar; esta iniciativa visa a prática do fazer como processo criativo que evoca a experimentação
e a improvisação, formas de se estar em correspondência com o mundo e com os materiais, como
observa Ingold (2011; 2016; 2018) e especialmente com as qualidades percebidas pelas pessoas
(LIMA; SANTOS; NORONHA, 2018).
A MAterioteca será, portanto, produto da associação entre alunos e os demais coautores da
pesquisa, proporcionando um diálogo colaborativo entre os agentes e apoiado em relações de
correspondência entre os conhecimentos formais transmitidos no âmbito acadêmico e o
conhecimento tácito dos praticantes habilidosos.
Como já discutido, nosso acervo de materiais se distinguirá dos demais no que diz respeito ao
conteúdo abordado, dado que daremos ênfase à produção artesanal e a contribuição que os agentes
transmissores destes saberes tradicionais possibilitam à sociedade, abrindo espaço à divulgação
sobre como se traçam suas relações com os materiais e seus processos produtivos.
Como etapa de desenvolvimento do projeto, materiotecas virtuais de alcance nacional e
internacional foram analisadas.
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enquanto as comerciais distinguem-se pela aparição de propagandas, sendo utilizada como uma
forma de catálogo de fornecedores e veículo de contato entre os mesmos.
A MAterioteca em construção insere-se na categoria de cunho acadêmica e tem como
característica uma maior flexibilidade quanto à disposição das informações,
transmitindo-as de forma compreensível e gratuita a toda sociedade. (SILVA, 2019,
p.18)
Quanto ao processo de sistematização das informações, partimos de um levantamento dos
materiais e processos explorados em pesquisas anteriores, criando tópicos relativos à
categorização entre materiais e processos das comunidades maranhenses, local de uso do material
e/ou realização do processo, insumos que são utilizados, produtos obtidos e fontes da pesquisa,
concretizando a seguinte sistematização de dados:
estado do Maranhão, território onde resistem os saberes e fazeres que investigamos ao longo das
nossas pesquisas e que serão sistematizados a partir dessa iniciativa.
Segundo Péon (2009), a identidade visual objetiva a formação de uma unidade e identidade aos
componentes de um objeto visual. Conduzidos pela ideia de seguir os fluxos dos materiais
(INGOLD, 2011) e guiados pela manutenção da identidade do núcleo (NIDA), dado que a
materioteca será atrelada ao site do mesmo, partimos à fase de criação da identidade. O conceito
do projeto foi construído a partir da elaboração de um painel de referências visuais (moodboard),
mesclando imagens do artesanato maranhense, representações da ideia de fluxo do materiais e
referências visuais da identidade do NIDA, para auxiliar na escolha da cor, tipografia e marca da
materioteca.
Figura – Moodboard
Figura 2 - Marca
3. Abordagem teórica
Para Castells (1999), a revolução tecnológica atual foi essencial para a reestruturação de
uma nova sociedade informacional decorrente também de um processo de transformação
capitalista, a partir da década de 1980. Sendo assim, o autor demonstra uma estruturação em redes
presente na nova organização social, associada aos sistemas midiáticos de comunicação. Através
disso, após a revolução comunicacional, especialmente com o uso da internet, essencial
facilitadora do processo de integração ao ciberespaço, evidencia-se como esse instrumento é uma
das mais importantes ferramentas para facilitar o acesso ao conhecimento no contexto da
globalização. Com o avanço das novas necessidades humanas, a tecnologia evolui conjuntamente
a esses aspectos, e assim faz-se cada vez mais imprescindível o uso das Tecnologias de Informação
e Comunicação (TICs) em nossas práticas cotidianas. Além de otimizar nossos processos
colaborativos, Veloso et al. (2017) defendem que as TICs possibilitam uma maior propagação e
disseminação de informações devido seu fácil acesso e amplo alcance, além dessas ferramentas
virtuais estarem cada vez mais atrativas e intuitivas para uso.
Devido à grande densidade informacional ofertada pela internet e outros meios de comunicação,
fica cada vez mais difícil pessoas se locomoverem a longas distâncias para obterem informações
acerca do que desejam. Com as ferramentas virtuais, temos a comodidade em encontrar com
facilidade em dispositivos eficientes e aparência intuitiva, informações acerca do que procuramos.
Veloso et. al (2017) reafirma o suporte que as TICs oferecem com seu fácil compartilhamento, em
possibilitar a difusão e rápida propagação de conhecimentos históricos e culturais. Para os autores,
as TICs são ferramentas importantes para o intercâmbio de informações entre “leigos” e
especialistas, além de um método alternativo para divulgação de projetos.
A nossa plataforma web, além de contar com um acervo de materiais utilizados nas práticas
artesanais maranhenses e seus processos, também disponibilizará informações acerca de cada
território, retratando um pouco da vida daqueles que produzem, trazendo consigo suas raízes e
identidades. Reuniremos fotos e informações acerca das cadeias produtivas como um todo, além
de dados para contato com os artesãos de cada comunidade.
Por meio da nossa MAterioteca, é possível inserir as práticas artesanais tradicionais em um
contexto cada vez mais amplo, para que toda a sociedade civil com acesso à plataforma tenha
contato com a cultura local e descubra novos possibilidades de fazeres com materiais e processos
presentes no território maranhense. Somado a isso, para Veloso et. al (2017) é uma maneira de
salvaguardar a identidade regional e estimular a valorização do artesanato e de suas cadeias
produtivas associadas a um contexto local. A autora Lia Krucken nos apresenta o embate de
inserir-se no processo da globalização, em meio à complexidade das relações, de forma que seja
possível valorizar e respeitar as diversidades existentes:
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Portanto, quanto aos materiais, com base no acervo já sistematizado, serão classificados em: barro,
taquipé, jutaicica, fibra de guarimã, fibra de buriti, anil, jenipapo, mangue vermelho, urucum,
guarimã, coco babaçu, semente de juçara cúrcuma e aroeira, e em processos, teremos a tecelagem
de redes, renda de bilros, caretas, bois de bumba, bordados de bois e bordados. Estas classificações
poderão aumentar, devido a atualização da plataforma à medida que sejam sistematizados novos
saberes e fazeres de comunidades artesãs.
MATERIAIS PROCESSOS
Cúrcuma Bordados
Jenipapo
Murici-do-mato
Mangue vermelho
Urucum
Guarimã (fibras)
Coco babaçu
Fibras de buriti
Sementes de juçara
Com base nas análises de Silva (2019), foi preciso adaptar o método utilizado para catalogação
dos materiais devido às idiossincrasias da MAterioteca:
A partir dessas informações e com base no Sistema de Catalogação de Amostras de
Materiais por Configuração (DANTAS; BERTOLDI, 2016) foi possível realizar a
adaptação do método de catalogação dos materiais. Dando ênfase às categorias (materiais
e processos), matérias primas, insumos ou processos, local da produção artesanal, ano de
catalogação e pesquisadores. Sendo estes os pilares utilizados para catalogação e geração
do código de cada informação contida no acervo da materioteca. (p.43)
CAMPO DESCRIÇÃO
2. Classificação das Classificação dos materiais e/ou processos por códigos a partir da
informações matéria prima ou insumo informados pelos artesãos
Tabela 5 - Catalogação
Por fim, no que consiste à disponibilização do site nos serviços da web, foram feitas
diversas pesquisas e análises referentes à qual seria a plataforma ideal para construção e
funcionamento de nosso web site. Os critérios foram analisados conforme à facilidade de uso,
funcionamento de um layout responsivo e compatibilidade com o servidor oferecido pela UFMA.
Após alguns testes, decidimos que a plataforma utilizada seria o Wordpress, que cumpre todos
esses requisitos e possui uma interface intuitiva, com a disponibilidade de diversos plugins para
implementação do site, como o Elementor, plugin utilizado para a criação e manutenção do layout
da nossa MAterioteca.
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Além disso, foi construído um banco de dados para o nosso site devido aos numerosos dados
informáticos que poderiam vir a ter o nosso acervo, além da possibilidade de terem múltiplos
usuários acessando o site ao mesmo tempo. Após essas etapas, foi realizada uma série de seleção
de imagens e construção de seus respectivos textos informacionais a partir de cada uma das
categorias analisadas. Os textos foram retirados da nossa fonte de pesquisa, o projeto
“Iconografias do Maranhão” do NIDA, que desenvolveu ao longo de mais de 10 anos de pesquisa
diversos livros como o “Cirandas de Saberes” e o “Identidade é valor”, além de utilizarmos vários
artigos de autoria de graduandos e mestrandos que passaram pelo núcleo de pesquisa.
Partiu-se, então, à etapa de elaboração do layout do site, por meio de um processo colaborativo
entre os integrantes do projeto.
Fonte: autores
Fonte: autores
A construção do layout seguiu uma ordem de modo a facilitar e otimizar a navegação para
qualquer indivíduo, utilizando-se de estratégias que ressaltam as peculiaridades dos materiais e
processos maranhenses, como a inserção de uma página de abertura com um slide de imagens das
pesquisas de campo anteriores do NIDA. Ao clicar em “Acesse o acervo”, o usuário será
direcionado a uma página configurada já dentro da estrutura padrão do site, em que poderá
escolher entre “materiais” e “processos”, iniciando, assim, sua pesquisa.
Fonte: autores
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Fonte: autores
Fonte: autores
Página 442 de 2230
Por fim, a página seguinte exibe informações mais específicas sobre o material ou processo,
subdividindo-se em abas que tratam do local em que se encontra o elemento, os artesãos
envolvidos, informações sobre os materiais utilizados e a cadeia produtiva, bem como os produtos
oriundos desse processo e as fontes de pesquisa. O usuário poderá também acompanhar um slide
com várias fotografias do material e acessar as fontes de pesquisa.
Além das páginas ilustradas, o site ainda conta com uma página de “Sobre” e de “Contatos”. Na
primeira, o indivíduo que acessa poderá informar-se sobre os objetivos do projeto e conhecer os
nomes por trás de sua construção. Já a segunda contém um formulário e os dados para contato
com a equipe da MAterioteca a fim de que o usuário venha a esclarecer dúvidas ou dar feedbacks,
além de abrir a possibilidade para contribuição com o acervo, através do envio de novas pesquisas
sobre materiais e processos maranhenses.
As informações ainda estão em processo de revisão que será construída a partir de um encontro
com os artesãos para a atualização sobre os dados sistematizados. Devido a isso, o site ainda não
se encontra aberto para toda sociedade, mas, assim que processo for finalizado, o site será posto
no ar e informado nas redes sociais.
5. Considerações Finais
elaboração da materioteca virtual em questão, porém a execução desta em formato físico entrará
em breve em processo.
6. Referências
NORONHA, Raquel. Corpo e saber fazer: da cosmologia à política. In: SANTOS, D. M. (Org.) ;
NORONHA, R. G. (Org.) ; CARACAS, L. B. (Org.) ; CESTARI, G. A. V. (Org.). Artesanato
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________. Dos quintais às prateleiras: as imagens quilombolas e a produção da louça em
Itamatatiua – Alcântara – Maranhão. 289f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade
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identidade entre artesãs de Alcântara (MA). In: Revista Pós-Ciências Sociais, n.17, v.9, p.175-
200, 2012.
_______ (org.). Identidade é valor: as cadeias produtivas do artesanato de Alcântara. EDUFMA:
São Luís, 2011. 130p.
PEÓN, Maria Luiza. Sistemas de Identidade Visual. Rio de Janeiro: 2AB. 2009.
SILVA, Campos Alice. Desenvolvimento de uma materioteca virtual: Construção do
reconhecimento dos saberes das comunidades artesãs maranhenses. 2019. 82 f. Trabalho de
conclusão de curso - Curso de Design, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2019.
SPINUZZI, Clay. The methodology of participatory design. Society for Technical
Communication, 2005. P. 163-174.
THACKARA, John. Plano B, o design e as alternativas viáveis em um mundo complexo.
São Paulo: Saraiva, 2008.
VELOSO, Gabrielli Ciasca; TRIERWEILLER, Andréa Cristina; ESTEVES, Paulo César Leite.
As Tics como suporte ao patrimônio público cultural: Projeto de digitalização do acervo do
arquivo histórico do município de Araranguá-SC. : RDBCI Revista Digital Biblioteconomia
e Ciência da Informação, Campinas-SP, v. 16, n. 1, p. 25-38, 2018. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rdbci/article/view/8648773/pdf>. Acesso em: 25
out. de 2019.
Página 445 de 2230
Resumo: O presente artigo discute a representação da cultura indígena no currículo escolar através
do livro didático. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e análise de materiais
didáticos direcionados às séries iniciais do Ensino Fundamental. Verificou-se que a representação
da cultura indígena no livro didático, ainda apresenta limitações que podem ser relacionadas ao
silenciamento dos povos indígenas no currículo e preconceitos construídos em torno desses grupos
étnicos. Identificou-se que os povos indígenas são pouco mencionados nos materiais didáticos e
algumas formas de representação sugerem estereótipos acerca desses grupos. A valorização da
história e cultura indígena e afro-brasileira no currículo escolar evidencia a diversidade
étnicocultural da sociedade brasileira, reconhecendo as contribuições dos diferentes grupos sociais
na formação do país. Nesse sentido, é imprescindível, nos espaços escolares, o debate sobre a
diversidade cultural, histórias e lutas dos povos indígenas, de maneira positiva, desmistificando
estereótipos e preconceitos existentes.
Palavras-chave: Cultura indígena. Currículo escolar. Livro didático.
Abstract: This article discusses the representation of indigenous culture in the school curriculum
through the textbook. The methodology used was bibliographic research and analysis of teaching
materials directed to the initial grades of Elementary School. It was found that the representation
of indigenous culture in the textbook, still has limitations that can be related to the silencing of
indigenous peoples in the curriculum and prejudices built around these ethnic groups. It was
identified that indigenous peoples are rarely mentioned in didactic materials and some forms of
representation suggest stereotypes about these groups. The appreciation of indigenous and Afro-
Brazilian history and culture in the school curriculum highlights the ethnic and cultural diversity
of Brazilian society, recognizing the contributions of different social groups in the formation of
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the country. In this sense, the debate on cultural diversity, histories and struggles of indigenous
peoples is essential, in a positive way, demystifying existing stereotypes and prejudices.
Keywords: Indigenous culture. School curriculum. Textbook.
INTRODUÇÃO
O Brasil é constituído por uma diversidade de povos indígenas de etnias, línguas, modos
de viver e ser diferentes. De acordo com dados do Censo de 2010, são mais de 896 mil indivíduos,
305 etnias diferentes e 274 línguas84. Estima-se que a população indígena brasileira fosse de cerca
de três milhões quando os europeus aportaram desse lado do Atlântico, por volta do ano de 1.50085.
Ao longo do percurso histórico brasileiro, os povos indígenas sofreram com processos de
aculturação e silenciamento que ignoravam as identidades e diversidades desses grupos étnicos e
produziram distorções em relação à população indígena (Novaes, 2006; Ferreira Jr e Bittar, 1999).
No campo educacional, a escola construiu uma imagem esteorotipada acerca dos índios
por meio de materiais e práticas pedagógicas que contribuíram para a perpetuação de preconceitos
em torno desses grupos étnicos. A inclusão da história e da cultura indígena no currículo oficial
da rede de ensino ocorreu tardiamente, mediante a Lei nº 11.645/2008 (Brasil, 2008) que alterou
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/1996 (Brasil, 1996) e, além
disso, a efetivação dessa normativa ainda se constitui um desafio para muitos sistemas e
instituições de ensino. Representações estereotipadas e abordagens distorcidas ainda figuram
materiais didáticos e práticas docentes, influenciando negativamente a imagem construída acerca
das culturas dos povos indígenas.
Este artigo discute a presença cultural indígena no currículo escolar e tem por objetivo
refletir sobre formas de representação dos povos indígenas no livro didático. Apresenta análises
preliminares de estudo que vem sendo realizado no âmbito do curso de Pedagogia, da
Universidade Estadual do Maranhão, Campus Pinheiro, tendo se desenvolvido mediante pesquisa
bibliográfica e análise de materiais didáticos direcionados às séries iniciais do Ensino
Fundamental. Inicialmente, discute-se sobre medidas direcionadas aos povos indígenas na história
da educação brasileira e, na sequência, analisa-se a representação desses grupos étnicos no
currículo, por meio do livro didático.
Entendemos que a cultura condiciona os modos de ver o mundo, os valores e diferentes
comportamentos sociais dos indivíduos86. Também, que cada sistema cultural tem seu sentido
próprio, não podendo ser comparados ou postos em escalas, pois como afirma Laraia (1986, p.
84
Disponível em: <http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12-Dez/pdf-brasil-ind.pdf>
85
Estimativa feita pelo IBGE. Disponível em<: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao>
86
Sobre o conceito de cultura, ver Laraia (1986).
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87): “[...] não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema
para outro”. Nesse sentido, é fundamental desmistificar estereótipos e preconceitos em torno dos
povos indígenas, promovendo o reconhecimento da história e participação desses grupos na
formação da sociedade nacional, além de valorização de suas identidades e diversidades.
Em síntese, esses normativos asseguram aos povos indígenas o direito educacional com
respeito as identidades, costumes e manifestações culturais. Assim, passa a ter obrigatoriedade a
inclusão no currículo da educação básica a participação dos povos indígenas na formação da
sociedade brasileira, sua trajetória de lutas e diferentes aspectos culturais no sentido de valorizar
as contribuições desses grupos étnicos para a sociedade nacional, desconstruir estereótipos e
ampliar novos horizontes sobre a diversidade cultural, racial e social do país.
Com o objetivo de atender o disposto, os editais do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) começaram a cobrar, a partir de 2008, a adequação dos materiais didáticos de modo a
atender as novas exigências em relação às temáticas indígenas e africanas (Silva, 2012). Desde
então, os sistemas de ensino devem acompanhar como vem se realizando esse processo que
87
Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11645.htm#art1>.
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grupos em sua diversidade étnica e cultural e pensar em caminhos para diminuir possíveis
contradições.
Para realização deste estudo foram selecionados livros didáticos de história das séries
iniciais do ensino fundamental publicados após a aprovação da Lei 11.645/2008 e recomendados
pelo PNLD. Partindo dessa premissa e face às limitações do estudo optou-se pela síntese das
análises de apenas dois dos materiais selecionados que atendiam aos critérios e já haviam sido
utilizados em escolas públicas da região, especificamente: um direcionado ao 2º ano do ensino
fundamental (2011) e o outro ao 4º ano do ensino fundamental (2011). Para fins deste artigo serão
aqui chamados de Livro A (2011, 2º ano) e Livro B (2011, 4º ano).
Considerando as análises sobre o conteúdo dos livros didáticos de história (Silva, 2012;
Ramos Cainelli e Oliveria, 2018), nota-se que foi hegemônica, por muito tempo, a apresentação
dos povos indígenas de forma estereotipada, subalterna e sem atentar para diversidades étnico-
culturais desconsiderando hábitos e costumes próprios, o jeito de trabalhar, crenças, língua, e
traços específicos.
Em relação aos livros publicados após a reformulação da LDB pela Lei nº 11.645/2008, as
pesquisadoras reconhecem pontos positivos, mas também registram a permanência de desafios a
superar. Sobre isso, cumpre destacar:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
_______. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: DF, 2008. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm>.
FERREIRA, Amarílio Júnior. História da educação brasileira: da colônia ao século XX. São
Paulo: EdUFSCar, 2010.
FUNARI, R. dos S. Aprender juntos história: ensino fundamental. – 3 ed. – São Paulo: Edições
SM, 2011 (Aprender juntos).
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Zahar, 1986.
NOVAES, Gabriela Pontin Novaes. Uma reflexão sobre a educação escolar indígenas ao longo
da história. VII Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas. História, Sociedade e Educação no
Brasil. Campinas, 2006. Disponível em: < https://histedbrnovo.fe.unicamp.br/pf-
histedbr/seminario/seminario7/TRABALHOS/G/Gabriela%20pontin%20novaes.pdf>
NEVES, Cláudia. C. Mundo Amigo História 2. 1ª ed. São Paulo: SM, 2011. São Paulo: Saraiva:
Ed. Universidade de São Paulo, 1978.
Página 453 de 2230
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História Hoje, v. 7, nº 14, p. 63-85 – 2018.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (Org.). Alienígenas na Sala de Aula: Uma introdução aos estudos culturais em educação.
3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
SAVIANI, Demerval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. – 2 ed. rev. e ampl. –
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contribuições para a alteridade. Revista História Hoje. v. 1, n. 2, p. 151-168, 2012.
Página 454 de 2230
Abstract:The theme favors elementary school teachers, investigate techniques and methodologies
that aim to minimize the difficulties in reading and writing, because we live in a world with codes,
letters, numbers and sounds and everything depends on reading and writing. The present study
addresses the challenges of the teacher in the classroom for the development of reading and writing
with first year elementary school students. It aims to investigate the challenges of the teacher in
the process of reading and writing development of these students. To support the theme in question
we seek theoretical basis in the authors Kleiman (1998), Lerner (2002), Pimenta (2012),Tardiff
(2014), among others. This is a bibliographic research. As a result, the literacy teacher presents
several challenges among them: the lack of motivation of students in the classroom, full
classrooms, the non-commitment of the family, lack of resources and others, but perhaps the great
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challenge is to enable this student comes to hold to read in a timely manner and facilitate their
school life, because in addition everything is a responsibility of the teacher, therefore the
conditions that it has in their work environment should be analyzed.
Keywords: Reading. Writing. Literacy. Learning. Teacher Training
1.INTRODUÇÃO
O presente estudo abordou os desafios do professor na sala de aula para o desenvolvimento
da leitura e a escrita com alunos do 1º ano do Ensino Fundamental. Esse tema partiu de
inquietações sobre os desafios do professor para desenvolver a leitura e a escrita destes alunos, já
que no cotidiano em sala de aula percebe-se as dificuldades para desenvolvimento da leitura e a
escrita.
Neste sentido, o problema que direcionou nossa pesquisa gerou em torno do seguinte
questionamento: Quais desafios o professor enfrenta em sala de aula para o desenvolvimento da
leitura e a escrita nos alunos do 1º ano do ensino fundamental I?
Para desenvolver tal questionamento foi proposto objetivo como geral pesquisar os
desafios do professor no processo do desenvolvimento da leitura e da escrita de alunos no 1º ano.
Neste sentido, objetivos específicos direcionaram nossa pesquisa como conhecer as dificuldades
existentes na leitura e na escrita dos alunos; discriminar as práticas pedagógicas do professor para
facilitar o processo da leitura e da escrita nos alunos; e por fim analisar o processo de formação
de docentes do 1º ano.
Para fundamentar o tema em questão buscou-se embasamento teórico nos autores Kleiman
(1998),Lerner (2002),Pimenta (2012),Tardiff (2014),entre outros.
Este trabalho foi elaborado por meio de revisão de literatura realizado nas principais
publicações indexadas nos bancos de dados nacionais. Para estabelecer a amostra de estudo, foram
adotados critérios de inclusão, publicados no período de 2012 a 2019, tendo como termos
descritores: leitura, escrita, alfabetização, aprendizagem, formação docente. Foram excluídas as
publicações que não apresentaram resumo nas plataformas de busca on-line.
Para melhor compreensão quanto a estrutura das seções, este está apresentado em seis
seções, a saber;
Primeira seção aborda a introdução com apresentação sobre o temas, problematização e
objetivos da pesquisa.
A segunda seção aborda o processo de formação docente de professores do Ensino
Fundamental I, assim como os desafios da prática docente .
A terceira seção trata a Lei de Diretrizes e Bases 9394\96 e formação docente.
A quarta seção reflete sobre as práticas pedagógicas no processo de leitura e escrita
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Ao retratar sobre a função de ser professor na atualidade podemos citar vários desafios
quem implicar nas práticas do mesmo vivemos em uma sociedade que está sempre em evolução a
educação caminha junto em busca de nova roupagem
visando o avanço do indivíduo. Esse novo de mudanças no qual a escola está inserida exigiu um
profissional com atitude investigativa para lhe dar com as situações que se apresenta. O momento
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necessita de um professor com formação e perfil diferentes das apresentadas décadas atrás, como
afirmado por Tardif (2002,p.39).
Um ponto pertinente é a da presença da família na vida acadêmica dos alunos é de
fundamental importância no processo de alfabetização da criança, pois essa participação estimula
o desenvolvimento cognitivo discente
Outro ponto a ser destacado no contexto escolar em que há uma grande diversidade cultural
e social entre os alunos e isso exige das\dos docentes estratégias diferenciadas de ensino de forma
a tornar a prática eficiente aos discentes. (MEDINA-PAPST & MARQUES, 2010).
Neste contexto percebe-se que quanto maior o número de experiências dos discentes nos
diferentes níveis, maiores são as possibilidades da mesma para aprender e se adaptar ao contexto
e programas escolares .
Entre muitos desafios citados a cima podemos citar as salas de aulas cheia, a falta de
materiais e recursos para o desenvolvimento da leitura e da escrita no tempo certo para os alunos
do ensino fundamental menor, ao possibilitar a leitura e a escrita no tempo certo se pode preparar
esse aluno um bom desempenho escolar na vida dos alunos garantindo um desenvolvimento
integral de cada um.
Para Kishimoto:
Falar e pensar são práticas centrais para aprendizagem do letramento/literacia, como ler
e escrever. Contrariando o desenvolvimento natural, a criança precisa do suporte e
mediação do adulto, que é coparticipante do processo do letramento/literacia.(
KISHIMOTO, 2010, p. 26).
Essa mediação prevalece para facilitar o desenvolvimento da criança para que a mesma
venha crescer e enriquecer os seus conhecimentos para vida escolar.
O baixo investimento do governo e a falta de condições muitas vezes dificultam o trabalho
do docente, isto não deve levar o professor a vim se acomodar mais a buscar alternativas que possa
vim a cooperar na sua como docente.
A formação do docente vem sendo abordado a muito tempo como um bem necessário para
todos, trazer um grande preparo para os professores já que a sua formação está sempre em buscar
de novas praticas pois segundo Imbernon (1998,) os docentes devem se assumir como
protagonistas, com a consciência de que todos são sujeitos quando se diferenciam, trabalham
juntos e desenvolvem uma identidade profissional.
Pimenta (2012,) ressalta a importância de preparar professores que assumam uma atitude
reflexiva diante das condições sociais e educacionais que o influenciam. Pensar em formação de
professores, significa educar profissionais críticos capazes de praticar a liberdade e a democracia.
Segundo TARDIFF (2014, p 22) “o saber docente pode ser definido como um saber plural,
formado pelo amalgama, mais ou menos coerente de saberes oriundos da formação profissional e
de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. Como isso pode-se dizer o docente teve ir
sempre em buscar de novos conhecimento visando a pluralidade que existe em sua caminha com
profissional.
Segundo a LDB, o professor é extremamente relevante para que a qualidade do ensino seja
cumprida e aperfeiçoada diariamente. Sua participação no dia a dia da escola, além da sala de aula,
é primordial para seu crescimento pessoal e profissional, principalmente quando o item I ressalta
sua participação na elaboração da proposta pedagógica da escola. Infelizmente muitas vezes o
professor não consegue se dedicar aos seus direitos como gostaria em virtude da pressão diária .A
LDB \96 contempla em seu artigo 62 algumas diretrizes, como:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior,
em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério
na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio, na modalidade normal. (Redação dada pela lei nº 13.415, de 2017) (BRASIL,2018)
§ 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração,
deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério.
(Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009).
§ 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão
utilizar recursos e tecnologias de educação a distância. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009).
(BRASIL,2018)
§ 4o A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos
facilitadores de acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior para
atuar na educação básica pública. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) § 5o A União, o Distrito
Federal, os Estados e os Municípios incentivarão a formação de profissionais do magistério para
atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência
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§ 1º Terão direito de pleitear o acesso previsto no caput deste artigo os professores das
redes públicas municipais, estaduais e federal que ingressaram por concurso público, tenham pelo
menos três anos de exercício da profissão e não sejam portadores de diploma de graduação.
(Incluído pela Lei nº 13.478, de 2017)
§ 2o As instituições de ensino responsáveis pela oferta de cursos de pedagogia e outras
licenciaturas definirão critérios adicionais de seleção sempre que acorrerem aos certames
interessados em número superior ao de vagas disponíveis para os respectivos cursos. (Incluído
pela Lei nº 13.478, de 2017)
§ 3o Sem prejuízo dos concursos seletivos a serem definidos em regulamento pelas
universidades, terão prioridade de ingresso os professores que optarem por cursos de licenciatura
em matemática, física, química, biologia e língua portuguesa. (Incluído pela Lei nº 13.478, de
2017) Como observamos, a LDB é uma lei e deve ser comprida por todos, pois ressalta o
crescimento do profissional docente e suas práticas para que venha melhorar o desenvolvimento
de e crescimento de uma nação com uma educação de qualidade que venha a conceber a todos
uma educação justa e de qualidade.
Segundo Lerner (2002), Ler é adentrar outros mundos possíveis. É questionar a realidade
para compreendê-la melhor, é distanciar-se do texto e assumir uma postura crítica frente ao que
de fato se diz e ao que se quer dizer, é assumir a cidadania no mundo da cultura crítica. É a buscar
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por uma nova porta que abre sonhos que liberta os pensamentos atitudes de um cidadão já que
vivemos em sociedade e precisamos sempre está em evolução a leitura oportunizar tudo isso e
muito mais.
Segundo Kleiman (2004), a leitura é um processo que se evidencia através da
interação entre os diversos níveis de conhecimento do leitor: o conhecimento lingüístico; o
conhecimento textual e o conhecimento de mundo. Sendo assim, o ato de ler caracteriza-se como
um processo interativo.
Para o desenvolvimento do aluno leitor é de fundamental que o professor seja um leitor
com isso Cramer e Castle, o objetivo básico do professor em incentivar a leitura deve esforçar-se
para tornar a leitura uma atividade útil, valiosa e desejável. (2001,p.107).
O professor é um grande formador de opinião, devido a essa aptidão ele pode, a partir das
primeiras séries, implantar conceitos de leitura e prática diária gerando leitores ativos. Criar
projetos envolvendo as artes como o teatro e música também podem ajudar na prática do
desenvolvimento da leitura das crianças na fase onde elas precisam aprender a ler visando sempre
que ao proporcionar um aprendizado que é de grande valia para a sua vida pois vivemos em um
mudo letrado e necessitamos a prender a ler e escrever.
Para Freire :
Ler um texto é algo sério (...) é aprender como se dão as relações entre as palavras na
composição do discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde e determinado. (...) Implica
que o (a) leitor (a) se adentre na intimidade do texto para aprender sua mais profunda
significação. O ato de ler é algo que vem proporcionando grande viagem, pois em cada
pagina de um livro está escrito algo ou alguma coisa que causa essa sensação de
liberdade. (FREIRE 1992, p.76.)
Segundo ao autor, a leitura é algo sério, o leitor deve ter uma relação profunda por meio
do texto e que nos leva a liberdade. Percebe-se pelo conhecimento adquirido, que nos modifica,
amplia nossa visão, postura e que possibilita a compreensão, criticidade e o conhecimento.
utilizar recursos que disponibilizam a ele na escola muitas vezes recorre a outros recursos
confeccionados por ele mesmo para o desenvolvimento da leitura em sala de aula.
Ao planejar as atividades para os alunos, o professor precisar diversificar os recursos de
leitura, utilizando jogos, rótulos, embalagens, contos, musicas, poesias etc. A pratica do professor
é o principal fator de incentivo os alunos para a aprendizagem e gosto pela leitura e escrita.
(MORAIS, LEITE, 2012).
Segundo Rosa, Brainer e Cavalcante (2012), a ludicidade motiva o aluno e despertar
interesses, pois inclui jogos e brincadeiras com objetivos de ensino na escola, onde os alunos se
envolvam de forma lúdica aprendam regras ampliem o imaginário, apropriando-se de outros
conhecimentos inclusive a leitura. Dessa forma é importância propor desafios para todos os alunos
com o objetivo de alcançar nas atividades aprendizagens.
Rosa , Brainer e Cavalcante (2012), dizem que aproximação dos alunos aos jogos e
brincadeiras, bem como atividades lúdicas são um bom caminhos para que eles desenvolvas as
função cognitivas associadas ao pensamento e a linguagem. Neste sentido um professor ao
desenvolver estas atividades buscar uma alternativa de inserir em seu planejamento um bem capaz
de produzir efeitos benéficos aos seus alunos aliando o jogo e as brincadeiras para o
desenvolvimento da leitura no cotidiano escolar.
Lerner (2002) relata que é necessário à escola possibilitar aos alunos a apropriação da
escrita e de suas práticas sociais para assim, poder incorporá-los a comunidade de leitores e
escritores.
A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço
coletivo da humanidade. Ferreiro, ressalta, que “(...). Imersa em um mundo onde há a presença
de sistemas simbólicos socialmente elaborados, a criança procura compreender a natureza destas
marcas especiais”. (FERREIRO, 1995, p.43)
O fato dos obstáculos de ensinar a ler e escrever existe, toda via tem que burlar este
incômodo para aprimorar ao educando uma aprendizagem adequado com suas necessidades e que
o permita usar a leitura e a escrita em seu cotidiano.
O letramento de acordo com Kleiman (2005) não é um método pedagógico, mas ele auxilia
a imersão do aluno no mundo da escrita, a autora nos alerta também que a definição de letramento
causa confusões e interpretações equivocadas.
Nesta perspectiva entende-se que a alfabetização deve ser minuciosamente planejada com
o objetivo de proporcionar ao alfabetizando uma aprendizagem significativa que o faça refletir
criticamente sobre sua realidade. Deste modo, o alfabetizador deve ter explicitamente claro quais
são os conteúdos que almeja que o aluno aprenda para ter capacidade de organizar suas estratégias
com a finalidade de contribuir com o processo de aprendizagem dos seus alunos. (MENDONÇA,
2011).
Com base apresentada compreende-se que o ensino e o aprendizado da leitura e escrita são
métodos inseparáveis e heterogêneos, contudo, a modernidade juntamente com os avanços
tecnológicos nos mostra que aprender a ler e escrever representa um marco importantíssimo na
história da humanidade.
Nos dias de hoje, a leitura é o caminho necessário para entender o mundo, sem deixar de
respeitar as diferenças culturais, sociais e políticas do indivíduo. A formação de cidadãos, não se
limita a conceitos preestabelecidos que torna inviável o ato de pensar.
É dever dos educadores perceber está nova realidade e criar estratégias que valorizem a
leitura de escrita e de mundo. Fazendo assim, os indivíduos deixarão de ser apenas um número a
mais nas pesquisas e estatísticas para serem cidadãos capazes de respeitar direitos, cumprir
deveres, reivindicar melhorias, preservar e transmitir cultura, enfim, construir a história e
construírem sua formação social. Neste processo de formar cidadãos leitores, a dificuldade maior
que se encontra é a falta de hábito de leitura no Brasil.
Página 464 de 2230
o código escrito, mas que exerça a escrita nas diversas situações sociais que lhe são demandadas.
(MACIEL e LUCIO, 2008, p.32).
O professor deve criar situações para desenvolver a leitura e a escrita nos alunos buscar
sempre conhecer seu aluno no individual para lhe proporcionar um desenvolvimento integral no
processo de alfabetização e letramento. Conforme observam Maciel e Lúcio (2008 ).
Acreditar que é possível alfabetizar letrando é um aspecto a ser refletido, pois não basta
compreender a alfabetização apenas como a aquisição de uma tecnologia. O ato de ensinar a ler e
escrever, mais do que possibilitar o simples domínio de uma tecnologia, cria condições para a
inserção do sujeito em práticas sociais de consumo e produção de conhecimento e em diferentes
instancias sociais e políticas. (MACIEL E LUCIO, 2008, p.16).
O processo de desenvolvimento da leitura e da escrita em alunos do 1º ano do ensino
fundamental I é um desafio de grande valia encarado pelo professor em sua caminhada como
alfabetizador, em que pode encontrar vários entraves no decorrer desse processo como a falta de
motivação dos alunos em sala, as salas de aulas cheias, o não
comprometimento da família, falta de recursos e outros, mais possibilitar que esse aluno vem a
prender a ler no tempo certo facilitar a sua vida escolar. Pois, o desenvolvimento pleno do ser
humano depende do aprendizado que realiza num determinado grupo social, a partir da interação
com os outros indivíduos da sua espécie.
A aprendizagem inclui relações entre pessoas, não há um desenvolvimento pronto e
previsto dentro de nós, e assim atualizam-se conforme o tempo passa.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
Página 466 de 2230
BRASIL. LDB : Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. – Brasília : Senado Federal,
Coordenação de Edições Técnicas, 2018.
http://juliofurtado.com.br/2015/07/22/a-importancia-da-formacao-continuada-dos-professores/
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Alfabetização e letramento/literacia no contexto da
educação infantil: desafios para o ensino, para a pesquisa e para a formação. Revista
Múltiplas Leituras, v. 3, n. 1, p. 18-36, jan. jun. 2010.
KLEIMAN, Angela. Oficinas de leitura: teoria e prática. São Paulo: Pontes, 1998.
KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes, 2004.
LERNER, D. Ler e escrever na escola: O real o Possível e o Necessário. Porto Alegre, RS:
Art. Méd., 2002.
Resumo: Este trabalho traz uma reflexão sobre os aspectos referentes aos problemas de
aprendizagem junto ao professor, onde o professor sente-se desafiado a repensar a prática
pedagógica, inscrevendo a possibilidade de novos procedimentos. Pois a preocupação com a
qualidade do ensino e com a preparação do professor tem crescido bastante nos últimos anos,
devido ao aumento das dificuldades na sua aprendizagem. Este estudo teve como objetivo geral
analisar criticamente o processo de aprendizagem e a qualidade de ensino como um todo, de forma
que contribua com um planejamento adequado para o aprendizado do discente. A pesquisa de
campo teve sua atuação realizada na Escola Municipal Osvaldino José de Sousa, com duas
professoras do ensino Fundamental, efetuado por meio de um questionário com questões fechadas,
procurou-se identificar as possíveis falhas dos professores ao transmitir os seus conteúdos
programáticos. Com intuito de fundamentar esta pesquisa procurou-se desenvolver uma pesquisa
bibliográfica para maior respaldo teórico e encontrar as respostas nas hipóteses. Desta forma,
entende-se que esta pesquisa possa estar contribuindo de maneira positiva para os educadores que
se preocupam com o desempenho na Educação das crianças. A escolha deste tema fez necessário,
com o intuito de descobrir a causa do desinteresse do aluno em aprender e a criar seus próprios
conceitos sobre determinados temas. Ficou claro que as dificuldades de aprendizagem são
causadas por diversos fatores, entretanto, entende-se que as crianças com dificuldades
educacionais poderiam seguir sem maiores conflitos desde que encontrassem como sala de aula
organizada para tal situação e professores bem preparados.
Abstract: This paper brings a reflection on aspects related to learning problems with the teacher,
where the teacher feels challenged to rethink the pedagogical practice, inscribing the possibility
of new procedures. Because the concern with the quality of teaching and the preparation of the
teacher has grown a lot in recent years, due to the increasing difficulties in their learning. This
study had as its general objective to critically analyze the learning process and the quality of
teaching as a whole, in order to contribute to an adequate planning for the student learning. The
field research was performed at Osvaldino José de Sousa Municipal School, with two elementary
school teachers, through a questionnaire with closed questions, sought to identify the possible
failures of teachers when transmitting their syllabus. In order to support this research, we sought
Página 469 de 2230
to develop a literature search for greater theoretical support and find the answers in the hypotheses.
Thus, it is understood that this research may be contributing positively to educators who care about
the performance in children's education. The choice of this theme was necessary in order to
discover the cause of the student's lack of interest in learning and to create their own concepts on
certain topics. It was clear that learning disabilities are caused by several factors, however, it is
understood that children with educational difficulties could follow without major conflicts as long
as they found an organized classroom for such a situation and well-prepared teachers.
Keywords: Difficulties. Education. Teaching Learning. Students.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho traz uma reflexão sobre os aspectos referentes aos problemas de
aprendizagem junto ao professor, onde o professor sente-se desafiado a repensar a prática
pedagógica, inscrevendo a possibilidade de novos procedimentos. Pois a preocupação com a
qualidade do ensino e com a preparação do professor tem crescido bastante nos últimos anos,
devido ao aumento das dificuldades na sua aprendizagem. A falta de clareza dos conteúdos, o
baixo índice de rendimento dos alunos e o elevado nível de reprovação comprovam tal fato.
O processo de aprendizagem já não é considerado uma ação passiva de recepção, nem o
ensinamento uma simples transmissão de informação. Ao contrário, hoje se fala de aprendizagem
interativa, da dimensionalidade do saber. A aprendizagem supõe uma construção que ocorre por
meio de um processo mental que implica na aquisição de um conhecimento novo. É sempre uma
reconstrução interna e subjetiva, processada e construída interativamente.
Nesse sentido, o apreender é o caminho para atingir o crescimento, a maturidade e o
desenvolvimento como pessoas num mundo organizado as interações com o meio, os quais
permitem a organização do conhecimento.
Portanto, a aprendizagem é um processo que ocorre durante toda a vida, ou seja, é um
processo integral que ocorre desde o princípio da vida. “Exige de quem aprende o corpo, o
psiquismo e os processos cognitivos que ocorrem dentro de um sistema social organizado,
sistematizado em ideias, pensamento e linguagem”. (RISUENÕ e MOTTA, 2005).
O principal desafio que têm os pais, os professores e profissionais da educação que
trabalham com crianças que apresentam dificuldades é ajudá-las a adquirir confianças em si
mesmas, a acreditar nas suas capacidades. Devem saber que as pessoas aprendem de maneiras
diferentes e que sua energia pode ser encaminhada para encontrar estratégias adequadas para sua
aprendizagem, ao invés de buscar formas de esconder suas dificuldades.
As crianças aprendem a esconder suas dificuldades com condutas como ser o palhaço da
classe, manter-se calada, fugir das responsabilidades, demonstrar desinteresse ou muitas vezes
com mau comportamento. Essas crianças precisam de um ambiente seguro, estimulante onde os
Página 470 de 2230
erros sejam permitidos e assumir riscos seja incentivado. Quando sente que aprender é uma
experiência excitante onde se pode sentir prazer, então isso se transformará em algo que nunca
termina, durará a vida toda.
A dificuldade de aprendizagem afeta a pessoa na sua totalidade, A pessoa sofre pela
subestimação que sente por não conseguir cumprir com aquilo que espera de si mesma e com o
que os outros esperam dela, sofre, também, com a desvalorização que enxerga no olhar dos
demais. Em consequência o fracasso toca o seu íntimo e o ser social da pessoa, levando em
consideração o lugar que tem o sucesso social no mundo em que se vive hoje.
A análise das dificuldades na aprendizagem nos conduz a uma reflexão acerca das
propostas pedagógicas de ensino e a sugerir alguns métodos que amenize tais dificuldades.
A escolha deste tema fez necessário, com o intuito de descobrir a causa do desinteresse o
aluno em aprender e a criar seus próprios conceitos sobre determinados temas.
Este artigo tem por objetivo analisar o processo de aprendizagem e a qualidade de ensino
como um todo, de forma que contribua com um planejamento adequado para o aprendizado do
discente, bem como entender as formas de amenizar as dificuldades na aprendizagem; analisar os
fatores presentes no diagnóstico de problemas de aprendizagem; traçar um breve perfil
profissional dos professores; compreender as dificuldades de aprendizagem dos alunos;
identificar as possíveis falhas dos professores ao transmitir os seus conteúdos programáticos.
4 METODOLOGIA
VARIÁVEIS NÚMERO %
Contratado ou concursado
É contratado 00 00
É concursado 02 100
Total 02 100
Sobre esta questão perguntaram aos docentes sobre o regime de trabalho 100% (cem
por cento) disseram que são concursados. (Tabela 1).
Tabela 2 - Demonstrativo relativo ao tempo que leciona dos docentes pesquisados na Escola Municipal Osvaldino
José de Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Tempo que leciona
Menos de um ano 00 00
Mais de um ano 00 00
Mais de cinco anos 01 50
Mais de dez anos 01 50
Total 02 100
A experiência profissional dos docentes é outro fator importante m qualquer análise que
trate das questões escolares. Nessa questão 50 % (cinquenta por cento) dos docentes entrevistadas
disseram que lecionam mais de cinco anos; 50 % (cinquenta por cento) mais de dez anos. A
maioria dos professores entrevistados para este estudo leciona, em média, mais de 10 anos. Mas
essa média varia muito entre os professores homens, que tendem a ter carreiras mais breves, e as
mulheres, com maior número de anos de permanência na profissão.
Tabela 3 - Demonstrativo relativo se os docentes lecionam em outras escolas, além da Escola Municipal Osvaldino
José de Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Leciona em outras escolas
Sim 02 100
Não 00 00
Total 02 100
Todos os entrevistados lecionam em mais de uma escola. Com mais da metade dos
professores no Brasil tem contrato em tempo integral, grande parte deles acaba pulverizando sua
atuação em diversas instituições. Trabalhar só em uma escola seria o ideal e certamente
amenizaria os problemas de quem precisa se deslocar entre três, quatro lugares diferentes. Pois,
lecionar em uma só escola contribui para a criação de um vínculo que facilitaria o
acompanhamento dispensado a cada estudante, o que contribuiria para o melhor desempenho,
além de permitir ao profissional se concentrar mais nas aulas. Não é só o ato de lecionar que é
afetado pela jornada excessiva. Fora da sala de aula, há provas para corrigir, lições a preparar,
reuniões a fazer.
Tabela 4 - Demonstrativo relativo ao grau de instrução dos docentes pesquisados na Escola Municipal Osvaldino
José de Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Grau de instrução
Ensino médio 00 00
Magistério 00 00
Superior 02 100
Total 02 100
De acordo com os entrevistados 100 % (cem por cento) possui graduação. Muitos autores
ressaltam a importância do reconhecimento do saber docente, em especial dos saberes da
experiência, no âmbito das práticas de formação continuada. Segundo Candau (2003, p. 146), os
saberes que nascem da experiência e são, pela experiência, validados, “incorporam- se à vivência
individual e coletiva sob a forma de hábitos e de habilidades, de saber fazer e de saber ser”.
A melhoria da qualidade do ensino é um dos objetivos centrais do Plano Nacional de
Educação. Mas tal objetivo depende da elaboração de uma política global de valorização do
Página 478 de 2230
magistério que, entre outros aportes, seja capaz de prover: a adequada formação profissional
inicial; corretas condições de trabalho, salário e carreira; e a formação continuada.
Tabela 5 - Demonstrativo relativo à especialização dos docentes pesquisados na Escola Municipal Osvaldino José de
Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Especialização
Sim 02 100
Não 00 00
Total 02 100
Nesta questão também todos possuem especialização. Para tanto, Gadotti aponta que: “A
formação do educador depende muito mais de sua inserção social e no político do que numa boa
reformulação dos currículos e de cursos” (GADOTTI, 2000, p. 64).
As políticas governamentais concernentes à educação fundamental têm oferecido
programas de formação continuada aos profissionais em exercício, que levam a compreender a
importância de apoiar e incentivar o desenvolvimento profissional de professores e especialistas
em educação.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Preparação das aulas com antecedências
Sim 01 50
Não 00 00
Às vezes 01 50
Total 02 100
De acordo com o resultado desta questão 50 % (cinquenta por cento) dos docentes
entrevistados preparam as aulas com antecedências, e 50% (cinquenta por cento) disseram às
vezes.
Nesse sentido, acredita-se que os profissionais da educação envolvidos no processo
educacional na modalidade Ensino Fundamental, pressupõem sujeitos que possibilitem momentos
de profundas reflexões sobre a sociedade atual e analisam as contradições existentes no contexto
Página 479 de 2230
social. Logo, os estudantes que vivenciam tal prática reflexiva, estarão preparados para confrontar
a realidade vigente para mobilizar mudanças na sua prática social.
Tabela 7 - Demonstrativo relativo à intenção periodicamente de capacitação dos docentes pesquisados na Escola
Municipal Osvaldino José de Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Intenção periodicamente de capacitação
Sim 02 100
Não 00 00
Total 02 100
No que tange esta questão 100 % (cem por cento) dos entrevistados tem intenção fazer
periodicamente capacitação. Assim, observa-se que as docentes se preocupam com sua formação
no que tange ao seu trabalho como docente, pois, segundo Josso (2004) que defendem a
reabilitação do indivíduo como sujeito e autor do conhecimento. Conforme Libâneo (2002), a
capacidade de pensar, a reflexão, a autoria e o “empoderamento” dos sujeitos frente à realidade
está no cerne das discussões modernidade/ pós-modernidade.
Desse modo, a conquista da prática pedagógica se trata de uma maneira dos educadores
tomarem o poder sobre a sua atuação profissional, colocando-se como sujeitos e autores do seu
fazer pedagógico.
Tabela 8 - Demonstrativo relativo as dificuldades de aprendizagem por parte dos alunos dos docentes pesquisados
na Escola Municipal Osvaldino José de Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Dificuldades de aprendizagem dos alunos
Falta de material 01 50
Falta de interesse do aluno 01 50
Falta de relação com a realidade 00 00
Total 02 100
Devem-se considerar outros fatores que também podem estar concorrendo para este
fracasso. A forma como se desenvolve o conteúdo e até problemas sociais e culturais podem
contribuir para esta problemática.
Acredita-se que para a superação dos problemas de ensino é necessário um planejamento
que inclua atividades diversificadas e individuais, estudo constante, dedicação e muita
competência, pois será necessário investigar as teorias de aprendizagem e colocá-las em prática,
conhecendo também a história familiar do educando que é o ponto essencial de ensino
aprendizagem.
VARIÁVEIS NÚMERO %
O meio de utilização para assimilação do
conteúdo
Exercício e avaliação escrita 01 50
Perguntas orais 00 00
Levando o aluno ao quadro 00 00
Outros tipos de avaliações 01 50
Total 02 100
demonstram, nas linhas e entrelinhas, interesse pela aprendizagem dos seus alunos. Observar-se
também que, os professores entrevistados, em nenhum momento abordaram a avaliação como um
fim em si mesmo e tampouco sob a conotação de castigo ou de mera classificação dos alunos.
Nesse sentido, apontamos possíveis nuances de mudanças na concepção de avaliação dos
professores pesquisados.
Tabela 10 - Demonstrativo relativo à interrupção do conteúdo, durante as aulas, atitude dos docentes pesquisados na
Escola Municipal Osvaldino José de Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Interrupção do conteúdo, durante as aulas
Repete o conteúdo em discussão 01 50
Deixa o problema para o final da aula 00 00
Resolve com ajuda da turma 01 50
Adota outra atitude 00 00
Total 02 100
Durante a exposição do conteúdo, quando um aluno interrompe dizendo não ter entendido,
50 % (cinquenta por cento) disseram adotar o procedimento de repetir o conteúdo em discussão e
50 % (cinquenta por cento) disseram resolver com ajuda da turma.
A aprendizagem profunda ocorre quando a intenção dos alunos é entender o significado
do que estudam, o que os leva a relacionar o conteúdo com aprendizagens anteriores, com suas
experiências pessoais, o que, por sua vez, os leva a avaliar o que vai sendo realizado e a
perseverarem até conseguirem um grau aceitável de compreensão sobre o assunto. Partir daquilo
que o aluno já traz algum conhecimento, reforçá-lo e valorizá-lo é fazê-lo sentir-se parte do
processo de aprender e, paralelamente, é elevar sua autoestima.
Tabela 11 - Demonstrativo relativo ao intercâmbio com os colegas dos docentes pesquisados na Escola Municipal
Osvaldino José de Sousa.
VARIÁVEIS NÚMERO %
Intercâmbio com os colegas
Sim 01 50
Somente com os docentes da minha escola 01 50
Raríssimas vezes 00 00
Página 482 de 2230
Total 02 100
No que diz respeito ao intercâmbio dos professores com seus colegas de profissão, 50 %
(cinquenta por cento) disseram que sim; 50 % (cinquenta por cento) disseram somente com os
professores da mesma escola que fazem intercâmbio.
O trabalho coletivo entre educadores é defendido por inúmeros autores da área
educacional. Especialmente Warschauer (2001) nos fala de seus efeitos formativo e Inter
formativo, afirmando que o educador, dessa maneira, descobre-se responsável por sua formação.
Os educadores precisam superar o isolamento da sala de aula, e nesse sentido, Alarcão
(2003, p. 58) afirma que “em colaboração, têm de construir pensamento sobre a escola e o que
nela se vive”.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com as abordagens feitas ao longo desta análise, mais as pesquisas de campo realizadas
com professores da Escola Municipal Osvaldino José de Sousa, onde foram efetuados
levantamentos por amostragem, conseguiu-se detectar as principais causas que dificultam a
aprendizagem dos alunos desta escola escolhida.
Quando manifesta dificuldades, o aluno revela uma situação mais ampla, em que também
se inscreve a escola, uma vez que esta é parceria no processo da aprendizagem. Nessa parceria
entra o professor, e cabe à escola, abrir espaços para que se disponibilizem recursos que façam
frente aos desafios, isto é, na direção da efetivação da aprendizagem. Nesse sentido, o professor
sente-se desafiado a repensar a prática pedagógica, inscrevendo a possibilidade de novos
procedimentos. Esse processo de parceria possibilita uma aprendizagem muito importante e
enriquecedora.
Fica claro que as dificuldades de aprendizagem são causadas por diversos fatores,
entretanto, entende-se que as crianças com dificuldades educacionais poderiam seguir sem
maiores conflitos desde que encontrassem a sala de aula organizada para tal situação e professores
bem preparados.
Portanto, antes de qualquer posição em relação às dificuldades de aprendizagem, o
educador ou a instituição de ensino deve antes de tudo fazer o diagnóstico. Para as crianças que
têm essas dificuldades sejam acompanhadas nas suas tarefas escolares, de preferência juntos aos
alunos ditos “normais”.
REFERÊNCIAS
Página 483 de 2230
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.
JOSSO, Marie Christine. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
RISUEÑO, Alicia; LA MOTTA, Iris. Trastornos específicos Del aprendizaje. Editorial Bonum,
Buenos Aires, 2005.
Resumo: Falar sobre sexualidade ainda é um tabu para a sociedade. Nesse contexto, falar sobre
transexualidade é fundamental, pois as pessoas trans costumam ser invisibilizadas em uma
sociedade marcadamente heteronormativa. Mais necessária ainda é essa discussão no ambiente
escolar, visto que a educação básica tem uma longa duração na vida do indivíduo, que está em
processo de formação. Realizada no Centro de Ensino Paulo VI esta pesquisa teve como objetivo
compreender os discursos acerca da transexualidade. Para isso, foram aplicados questionários com
a comunidade escolar do turno noturno, incluindo agentes administrativos(as), terceirizados(as),
professores(as) e alunos(as) do terceiro ano do Ensino Médio. A partir da análise do conteúdo
foucaultiana notamos não só o dito, mas também o não dito sobre a temática, tais como falas e
recusas a responder o instrumento de pesquisa. Também observamos estranheza dos(as)
pesquisados(as) com o termo “cisgênero”, e a confusão e preconceito com o significado de
“transexualidade” e “travestilidade”, que ao mesmo tempo em que reduziam o indivíduo trans à
necessidade de uma cirurgia de redesignação sexual, colocavam as travestis no mundo da
prostituição. Concluímos que o ambiente escolar ainda precisa caminhar muito para reconhecer e
respeitar as diferenças em seu espaço.
Palavras-chave: Educação. Heteronormatividade. Invisibilidade Trans. Análise do Discurso.
Abstract: Talking about sexuality is still taboo for society. In this context, talking about
transsexuality is essential, as trans people are often invisible in a markedly heteronormative
society. Even more necessary is this discussion in the school environment, since basic education
has a long duration in the life of the individual, who is in the process of formation. Conducted at
the Paulo VI Teaching Center, this research aimed to understand the discourses about
Página 485 de 2230
transsexuality. For this, questionnaires were applied with the school community of the night shift,
including administrative agents, outsourced workers, teachers and third year students. From the
analysis of Foucault's content, we noticed not only what was said, but also what was not said about
the theme, such as speeches and refusals to answer the research instrument. We also observed the
strangeness of those surveyed with the term "cisgender", and the confusion and prejudice with the
meaning of "transsexuality" and "transvestility", which at the same time reduced the trans
individual to the need for surgery of sexual reassignment, put transvestites in the world of
prostitution. We conclude that the school environment still has a long way to go to recognize and
respect the differences in its space.
Keywords: Education. Heteronormativity. Trans invisibility. Discourse analysis.
88
Escolhemos utilizar uma linguagem não-binária a partir do símbolo “@”– fugindo à norma padrão, que coloca o
uso do masculino como um gênero marcado, admitindo seres de ambos os sexos/gênero a partir de uma generificação
masculinista – para designar um gênero neutro, sem marcações, sem hierarquias. Há outras possibilidades, as mais
conhecidas além do @, são o “x” e o “e” como substitutos do “a” e do “o” em palavras com gêneros masculino e
feminino. Nossa opção está baseada na percepção do @ como uma grafia que desvela ao mesmo tempo e em um
mesmo nível o “a” e o “o”. Nesse sentido, parece coerente, a partir de uma perspectiva derridiana da desconstrução
que questiona as binariedades, acionar essa aglutinação do “a” e do “o” em um único símbolo.
89
Este trabalho se aproxima de um referencial próprio a um conjunto de estudos designados como pós-estruturalistas.
Estudos de gênero, especialmente aqueles que adotam a perspectiva queer têm por base esse referencial por
considerarem relevantes as problematizações que destacam as interpretações, conceitos e estruturas binárias.
90
Neste trabalho, sempre que citarmos pela primeira vez um/a autor/a utilizaremos prenome e sobrenome, na tentativa
de fugirmos à generificação masculinista, mesmo que esteja utilizando a primeira menção no sistema de chamada.
Fazemos isso, sobretudo, como forma de chamarmos atenção para a produção acadêmica realizada por mulheres.
Página 486 de 2230
Foucault identificou em seus estudos, como as normas regulatórias agem sobre os corpos
dos indivíduos, fabricando, assim, corpos docilizados. Segundo ele “[...] o corpo é objeto de
investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de
poderes muito apertados, que lhe impõem limites, proibições ou obrigações” (FOUCAULT, 2013,
p. 132). Portanto, neste processo de adestramento dos corpos, é possível pensar que estes são
produzidos discursivamente ao longo da história, inserindo normas de comportamento e de
estética que produzirão corpos considerados “normais”.
Assim, a heterossexualidade não é, para os estudos queer, um regime fechado e coerente
em si mesmo, nesse processo repetido, continuado, mas sempre inacabado de produzir o gênero,
que se constitui performaticamente.
Da mesma forma, a transexualidade, assim como a própria heterossexualidade, não é a-
histórica. Há um contexto em que ela surge, se transforma em um dispositivo e, enquanto tal,
encontra resistências. Se fizermos uma genealogia da transexualidade, nos moldes foucaultianos,
perceberemos que, a partir da segunda metade do século XX, mais especificamente na década de
1950, sendo intensificado nas décadas de 1960 e 1970, o “fenômeno transexual” (BENTO, 2012)
foi emergindo e ganhando visibilidade como “disforia de gênero” ou “transtorno de identidade”,
trazendo a transexualidade para o terreno das patologias e produzindo uma universalização desse
fenômeno91.
É importante pensarmos esse processo como a produção de um dispositivo de
transexualidade – assim como houve a de um dispositivo de sexualidade – para que possamos
perceber que há, dentro dele, lutas e resistências pela despatologização da transexualidade ao
mesmo tempo em que outros grupos lutam pela manutenção do diagnóstico por facilitar um
percurso médico viável e gratuito para a transformação corporal92. O primeiro passo já foi dado
com sua retirada do Código Internacional de Doenças 11/CID-11 – entendendo esta não como um
dado natural, mas uma invenção, bem como a heterossexualidade, que, enquanto tal, também
possui subversões normativas que compõem o dispositivo93. A emergência desse dispositivo
permitiu também a nomeação e a visibilidade da transexualidade.
No Brasil, o encontro d@s brasileir@s com a transexualidade se deu, inicialmente, de
maneira midiática. Ainda na década de 1980 a primeira transexual a ganhar os holofotes da grande
mídia foi Roberta Close, com apenas vinte e dois anos à época. Em maio de 1984 ela pousou nua
91
Interessante observarmos que em 1973 a APA aboliu o diagnóstico da homossexualidade como um transtorno e, em
1987, deixa de considerar a categoria “homossexualidade ego-distônica”.
92
Sobre essa discussão sugerimos a leitura do texto Desdiagnosticando o gênero de Butler (2009).
93
Sobre a genealogia da transexualidade e a constituição de um dispositivo sugerimos as leituras do artigo A invenção
do dispositivo da transexualidade: produção de “verdades” e experiência trans, de Maria de Fátima Lima Santos
(2011) e das obras de Berenice Bento, A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (2006)
e O que é transexualidade (2012).
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para a Revista Playboy, que vendeu mais de duzentos mil exemplares em apenas três dias, algo
inédito até aquele momento. O jornal Notícias Populares de 31 de maio do mesmo ano veiculou
a matéria Mulher mais bonita do Brasil é homem onde afirmava que ela era uma morena com
estonteantes medidas e “uma malícia ingênua que não deixa dúvidas, merecia ter nascido mulher”
(apud Luiz Carlos FERREIRA, 2014, p. [?]).
E, na escola também há dificuldades de visibilização das pessoas transexuais? Conforme
Heloísa Aparecida de Souza e Marcia Hespanhol Bernardo (2014) a heteronormatividade também
rege o ambiente escolar e acaba refletindo no ambiente escolar e nos que a compõem (estudant@s,
professor@s, corpo pedagógico, etc.), estimulando a exclusão e limitação de direitos básicos como
de saúde e de educação (Adriana SALES; Leonardo Lemos de SOUZA; Wiliam Siqueira PERES,
2017). Certamente, os preconceitos começam na educação básica, que tem uma longa duração na
vida do indivíduo, podendo continuar na educação superior, estendendo-se até a vida profissional
e relacionamentos, como afirmam Sales, Souza e Peres (2017) quando enfatizam a precariedade
de vidas trans e travestis e a imposição da marginalização as quais eram (e ainda são) submetidas,
simplesmente por não seguirem a linearidade imposta pelos meios sociais.
Diante das questões acima levantadas, esta pesquisa teve como objetivo abordar o tema da
transexualidade no contexto escolar a partir da aplicação de questionários com seus integrantes:
alun@s, professor@s, administrativ@s e terceirizad@s. Segundo Guacira Louro (2000), não é
possível pensar em escola, como instituição educacional e social sem considerar construções e
normas de gênero e sexualidade. Desta forma, conhecer as ideias e discursos produzidos e
reproduzidos no ambiente escolar é fundamental para que possamos propor formas de abordagem
desta temática na escola e fora dela.
A escola é um local onde vivemos e aprendemos sobre as possibilidades de construção do
masculino e do feminino. Nela, lidamos com discursos que, socialmente construídos, podem se
corporificar em processos exclusão, interdição, separação e rejeição (FOUCAULT, 2016). Por
isso, o espaço escolar precisa desenvolver pedagogias e formas de socialização que respeitem as
diferenças. A escola deve exercitar uma pedagogia da diversidade, rompendo a vigilância sobre
os corpos e sua preocupação em alcançar a forma considerada “correta” e “normal” de
sexualidade, ou seja, a heterossexualidade. Mas, o Centro De Ensino Paulo VI, em São Luís,
Maranhão, estaria formando discentes a partir dessa perspectiva pedagógica?
2 Percursos metodológicos
Centro de Ensino Paulo VI. Escolhemos esse turno em particular por entendermos que nele se
encontram mais minorias representadas e invizibilizadas, tais como adultos que não conseguiram
concluir seus estudos no período regular, empregad@s doméstic@s que só conseguem estudar à
noite, trabalhador@es em geral, dentre outr@s.
Nosso instrumento de coleta de dados foi o questionário, definido segundo Antonio Carlos
Gil (2010, p. 102) como “[...] um conjunto de questões que são respondidas por escrito pelo
pesquisado”. Nele havia questões fechadas – relacionadas ao perfil socioeconômico d@s
entrevistados – e abertas, elaboradas a partir dos objetivos específicos da pesquisa (GIL, 2010)
que pretendiam investigar os discursos da comunidade escolar sobre o tema transexualidade;
entender como a perspectiva heteronormativa da escola contribuía para que as ideias sobre
diversidade sexual fossem apresentadas de forma preconceituosa ou não e; problematizar a
transexualidade e a desconstrução de seus preconceitos no ambiente e escolar. As perguntas
abertas foram diferenciadas para cada grupo da comunidade
Antes da aplicação dos questionários, foram apresentados os objetivos da pesquisa e o
esclarecimento de que não havia obrigatoriedade em responder ao instrumento, produzindo um
consentimento verbal daquel@s que aceitavam participar. Todo o processo de resposta foi
acompanhado pel@ aplicador@, a fim de sanar possíveis dúvidas ao longo do preenchimento.
Consideramos importante ressaltar que inspirad@s por Roberto Cardoso de Oliveira (2004)
consideramos haver diferenças entre pesquisas em seres humanos e com seres humanos. Em nosso
caso, trabalhamos com e não em, negociando e interagindo com pessoas, não simplesmente com
seres humanos94. Por isso, não só não submetemos esse trabalho à Plataforma Brasil, como
optamos por trabalhar com o método do consenso tal qual apresentado por Luiz Felipe Zago e
Luís Henrique dos Santos (2011, p. 46, grifos nossos). Para eles, este consiste em que:
o/a pesquisado/a possa ‘consentir livre e esclarecidamente’ a participar da pesquisa ou a deixá-
la em qualquer momento; que negocie com o/a pesquisador/a as perguntas feitas e as
respostas dadas; que o pesquisado/a possa também fazer perguntas ao pesquisador/a e, talvez,
pedir informações sobre a perspectiva teórica adotada na análise dos dados. Sobretudo, o método
do consenso, [...], é um método em que a relação entre pesquisador/a e pesquisado/a é
construída principalmente em referência ao contexto no qual se desenvolve a pesquisa (seu
objeto, os dados produzidos, a abordagem teórica das análises), e não somente em relação
estrita a um conjunto de normas e regras prévia, externa e burocraticamente imposto, que
enrijece e cristaliza os lugares, direitos e deveres tanto do/a pesquisado/a quanto do/a
pesquisador/a.
94
Para maiores detalhes sobre a discussão sugerimos a leitura dos artigos de Luis Roberto Cardoso de Oliveira, Carlos
Caroso e Guita Grin Debert, publicados na coletânea de artigos Antropologia e ética: o debate atual no Brasil (2004)
e de Eduardo MacRae e Sérgio Souza Vidal (2006).
Página 490 de 2230
o discurso não somente como um ato de fala ou como a ação de pronunciar discursos, mas
sobretudo como práticas discursivas que “moldam nossas maneiras de constituir o mundo, de
compreendê-lo e de falar sobre ele” (VEIGA-NETO, 2016, p. 93).
Para uma melhor diferenciação, foram identificad@s por meio da letra “F” @s
funcionári@s do setor administrativo, terceirizad@s e professor@s e @s alun@s através da letra
A, ambos enumerados quando necessário. Ao todo foram aplicados 43 questionários, sendo 07
com funcionári@s do setor administrativo e terceirizad@s, 07 com professor@s e 29 com alun@s.
Como já ressaltamos anteriormente, a escola onde foi realizada a pesquisa foi o Centro de
Ensino Paulo VI (Figura 1), localizado no bairro da Cidade Operária, nas adjacências da
Universidade Estadual do Maranhão – daí o principal motivo para ser escolhida, já que uma das
autoras era estudante de graduação dessa Universidade – oferecendo turmas do 1º ao 3º ano do
ensino médio durante os turnos matutino, vespertino e noturno, incluindo neste último o EJA –
Educação de Jovens e Adultos.
Figura 1 - Entrada da escola C.E. Paulo VI
À época da pesquisa, realizada entre os meses de maio a junho de 2019, a escola contava
com 85 professor@s, 30 administrativ@s, 17 servidor@s afastad@s e 09 terceirizad@s. Havia
ainda 26 turmas e 972 alun@s matriculad@s, sendo 471 do sexo/gênero masculino e 501 do
sexo/gênero feminino, distribuídos nos turnos matutino, vespertino e noturno. No caso do 3º ano
existiam quatro turmas do matutino, três do vespertino e uma do noturno. No turno da noite
trabalhavam 19 docentes em 03 turmas (1º, 2º e 3º anos) com um total de 125 alun@s, sendo 80
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Grosso modo, Amara Moira afirma que a resposta mais óbvia e redutora que se encontra sobre a cisgeneridade em
95
oposição à transgeneridade é a de que cis/cisgênero “é a pessoa que se identifica com o gênero que lhe atribuíram ao
nascimento” (2017, p. 366).
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existir discursivamente na década de 1920, enquanto cis, somente começa a ser utilizado em
meados de 1990. Setenta anos separam um termo do outro. Talvez, parte da resistência e
invisibilidade da noção de cisgeneridade resida do fato de que o subalterno (as pessoas trans)
nomeou seu superior (indivíduos cis). Em outras palavras, demonstrando a sabedoria da afirmativa
de Butler de que aquilo que aparentemente está fora (o “abjeto”), e atua na reprodução das normas
de gênero ao produzir dentre outras coisas a vergonha, produz também o que está dentro: o
“objeto”. Dessa forma, o “abjeto” nomeou o “objeto”. Performaticamente o “abjeto” fala,
chamando atenção para a sua não anormalidade, produzindo o cis como categoria política, instável
e não ligada à natureza:
Não queremos criar uma dicotomia entre pessoas cis e pessoas trans* e sim evidenciar o
caráter ilusório da naturalidade da categoria cis. [...] Ser cis é uma condição principalmente
política (mas não só). A pessoa que é percebida como cis e mantém status cis em documentos
oficiais não é passível de análise patologizante e nem precisa ter seu gênero legitimado. [...]
Ao nomearmos @s ‘normais’ possibilitamos o mesmo, e colocamos a categoria cis sob
análise, problematizando-a. Buscamos o efeito político de elevar o status de pessoas cis ao
mesmo das pessoas trans*: se pessoas trans* são anormais e doentes mentais, pessoas cis
também o são, suas identidades também não são ‘reais’; se pessoas cis são normais e suas
identidades naturais, pessoas trans* também são normais e suas identidades tão reais
quanto. (Hailey KAAS, 2017, p. [?], grifos da autora).
Transexualidade: não se aceita com o seu sexo. Travestilidade: já são as pessoas que se
aceitam? – F8
Transexualidade: é uma pessoa que se identifica com outro sexo. Travestilidade: não
entendo sobre esse assunto – A6
Sim, transexualidade é uma pessoa que não aceita seu “sexo”. E travestilidade é um ser
humano que aceita o que é – A10
Transexualidade é a pessoa que não aceita seu corpo fazendo uma série de
procedimentos. Travestilidade é no caso um homem se aceitar como um travesti homem
sem ter alterações fisicamente – A8
Para diferenciar as citações teóricas das falas d@s entrevistad@s, decidimos utilizar o recurso “itálico” quando
96
97
Há mais de uma forma de denominar um homem ou uma mulher que, grosso modo, não tem sentimento de
pertencimento ao sexo/gênero no qual nasceu, quais sejam: homem/mulher trans, transhomem/transmulher, FTM
(sigla em inglês que significa female to male, em tradução livre, do feminino para o masculino)/MTF (sigla em inglês
que significa male to female, em tradução livre, do masculino para o feminino) e transexual. Também se pode utilizar
a designação travesti, mas nesse caso apenas para transmulheres. Há ainda o termo transgênero, cujo uso é bem
questionado, pois funciona como um termo guarda-chuva, na medida em que se aplica a qualquer pessoa que
demonstre algum grau de descontentamento com o enquadramento sexo/gênero, independentemente do período de
tempo ser integral, parcial ou momentâneo. Neste trabalho, inspirados em Simone Ávila (2014), quando a designação
for nossa, utilizaremos transhomem e transmulher por três motivos principais. Primeiro, porque escrito dessa forma,
essas palavras se tornam substantivo – que denomina o ser – e não adjetivo – que qualifica o ser –, como no caso de
“transexual masculino/homem” ou “transexual feminino/mulher”. Segundo, decorrendo do primeiro, ao não os
qualificar, acreditamos que fugimos, mesmo que minimamente, dos binarismos. Por fim, no caso dos transhomens,
por se tratar da uma tradução aproximada de transhomme, utilizado pela teórica queer Marie-Hélène Bourcier (2008).
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Há, entretanto, um componente a mais em sua história: ela é graduada em Letras e hoje é
doutoranda em Teoria Literária, pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
Sim, é um assunto de tamanha importância. Devemos falar mais sobre esse assunto – A5
Sim, porque muitos jovens não recebem em casa orientação sobre sexo e doenças
sexualmente transmissíveis – A6
Com certeza, pois nós alunos deveríamos absorver conhecimento sobre sexualidade,
onde poderíamos quebrar a barreira do preconceito – A8
Ao discutir sobre gênero, Neílton Reis e Isabel dos Reis Goularth (2017 p. 102, grifos nossos)
afirmam que:
Assim como a Sociologia, é papel também da Biologia romper com os paradigmas
heteronormativos, reproduzidos pela ciência durante muito tempo nos bancos escolares.
Faz-se necessário dar voz aos alunos e alunas que, durante as aulas, silenciam-se por
não se identificarem com os padrões estabelecidos na escola, fruto da reprodução das
estruturas sociais, ampliando o olhar para além dos aspectos biológicos. Exige-se,
portanto, também esforços por parte dos educadores das ciências biológicas de repensar
suas práticas bem como o currículo, uma vez que este último é sempre espaço de
disputas culturais, ideológicas e sobretudo, políticas.
Sim, fora da escola, tenho um primo que é do sexo masculino, mas não aceita seu sexo e
se veste de mulher – A7 se referido à pergunta 11.
Sim, já vi duas mulheres sendo expulsas de um local só porque estavam juntas de mãos
dadas – A6 se referido à pergunta 12.
Sim, várias vezes muitas pessoas não respeitam a escolha dos outros – A7 se referido à
pergunta 12.
Estas falas evidenciam como o preconceito e intolerância agem na sociedade. Apesar das
lutas das minorias e dos movimentos contra a discriminação de transexuais e travestis, dentre
outr@s, serem um pouco mais visibilizadas com o passar dos anos, as pessoas que estão inseridas
nesses grupo são mais suscetíveis a serem discriminadas e assassinadas, sendo muitas vezes
consideradas culpadas pelos atos de violência sofridos (Alberto Magalhães PIRES; Lívia
Guimarães SANDES; Carla Andreia Alves de ANDRADE; Esmeraldo Rodrigues de LIMA
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NETO; Silvania Lúcia da Silva CARRILHO, 2018), o que está diretamente ligado ao olhar,
culturalmente ensinado e reafirmado pela sociedade, da marginalização de transexuais etc.
Diante de uma realidade escolar em que grande parte d@s pesquisad@s se auto declararam
cisgêneros e heterossexuais, é possível afirmar que aqueles que não seguem esse padrão fazem
parte de um grupo minoritário, são só em termos numéricos, mas em questões de acesso a políticas
públicas e à própria cidadania.
Destacamos duas mulheres, uma cis e outra trans, ambas bissexuais, que embora tenham
se sentido à vontade para expressar sua sexualidade no questionário – até porque tiveram a
contrapartida de que toda informação seria tratada de forma a não expor a identidade d@s
pesquisad@s – não são reconhecidas na escola dessa forma, estão no “armário”. Este termo tem
sido usado tanto popularmente como pelos movimentos sociais, estudos de gênero e queer. Em
geral é utilizado para designar homossexuais não assumid@s (dentro do armário) ou assumid@s
(fora do armário), mas é preciso pensarmos em suas implicações e ampliarmos essa categoria para
outros grupos. Sedgwick (2007, p. 26, grifos nossos) argumenta que:
[...] grande parte da energia de atenção e demarcação que girou em torno de questões relativas
à homossexualidade desde o final do século XIX, na Europa e nos EUA, foi impulsionada pela
relação distintivamente indicativa entre homossexualidade e mapeamentos mais amplos do
segredo e da revelação, do privado e do público, que eram e são criticamente problemáticos
para as estruturas econômicas, sexuais e de gênero da cultura heterossexista como um todo; ‘O
armário’ e ‘a saída do armário’, ou ‘assumir-se’, agora expressões quase comuns para o
potente cruzamento e recruzamento de quase todas as linhas de representação
politicamente carregadas, têm sido as mais magnéticas e ameaçadoras dessas figuras. O
armário é a estrutura definidora da opressão gay no século XX.
Nos parece que essa ideia de opressão vem escamoteada nas falas de “A1” e “A2”,
mulheres trans e cis, respectivamente, que se auto identifica como bissexuais. Quando
questionadas se consideram importante que as questões de sexualidade sejam abordadas na
disciplina de biologia e na escola, suas respostas chamam atenção para a noção de
aceitação:/reconhecimento:
Sim, porque na sociedade em que estamos vivendo a sexualidade está muito presente,
porém o preconceito ainda é muito grande – A1
Certamente, estas falas remetem muito à própria condição em que se encontram, pois se
reconhecer e ser reconhecida como bissexual não é fácil em uma sociedade cuja forma de pensar
gira em torno de extremos: ou se é hetero ou se é homossexual. Mas difícil ainda é a situação de
quem não goza do privilégio da cisgeneridade.
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Eu já passei muito por isso, o fato de eu não ser assumida acaba me prejudicando muito
e as pessoas que sabem às vezes fazem piadas de mau gosto – Resposta à questão 12,
grifos nossos.
Essa alegação não é nova e muito menos desconhecida. Existem inúmeros relatos sobre
transexuais que, ao longo da educação básica e superior se sentiram excluídos do meio em que
viviam e passaram por inúmeras situações de preconceito, simplesmente por não se encaixarem
na hegemonia imposta na escola (CRUZ; SANTOS, 2016), que comumente é lembrada como um
“espaço de terror” (BENTO, 2011).
José Cláudio Leôncio Gonçalves, Cícero Joaquim dos Santos, Carlos André Silva do Vale,
José Brito da Silva Filho e Zuleide Fernandes de Queiroz (2017), apresentam em seu trabalho o
caso de Jonas, transhomem, que busca sair do anonimato, quer visibilidade, ser reconhecido como
realmente é, sem ser refutado com falas preconceituosas. Provavelmente este também deve ser o
desejo de “A1” quando diz não ser assumida e como isso a prejudica, talvez por medo do
preconceito que é tão visível aos seus olhos, tenha medo do reconhecimento. Dessa forma, a ideia
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do armário se torna opressora, pois estar ou não fora dele desperta os principais conflitos d@
indivídu@ em presença ou ausência de um grupo social, afinal, ficar no armário reprime e estar
fora não é, necessariamente, aceitação absoluta. Nesse sentido o armário atua ao mesmo tempo
como um mecanismo de controle e como uma forma de proteção (Nilvanete Gomes de LIMA,
2018).
A precariedade da abordagem sobre transexuais na sala de aula também colabora para a
corporificação do preconceito, como podemos ver em sua resposta à pergunta “a transexualidade
é ou já foi abordada na disciplina de Biologia, em outras disciplinas escolares ou pela própria
escola? Se sim, como?”
Não! Em todas as escolas que eu já passei a transexualidade nunca foi abordada. Ainda
mais por causa do preconceito muito grande – A1
Corroborando com a fala de “A1”, falas além do questionário, como “a escola não está
preparada para nada” e “não estamos preparados”, salientam essa questão. A escola precisa
mudar suas práticas, se preparar e implementar essas abordagens inclusivas. As inquietudes d@s
alun@s transexuais e não-héteros e suas necessidades de se sentirem representados e respeitados
precisam ser sanadas, assim como as de Jonas que externou suas angústias e luta pelo
reconhecimento (GONÇALVES; SANTOS; VALE; SILVA FILHO; QUEIROZ, 2017).
A questão do reconhecimento e do nome social são discussões necessárias no ambiente
escolar. Além das falas escritas de “A1”, ouvimos de “F3” e “F11” informações ditas fora do
questionário, que relatavam a existência de um@ alun@ trans, que não possuía nome social e, que
na percepção de ambos, não sofria preconceito da turma, mas que não conseguiu permanecer na
escola. “F3” disse que provavelmente @ alun@ foi transferido do diurno para a noite, mas não
ficou por muito tempo na escola, também não soube dizer o porquê e alegou “motivos pessoais”.
“F11” não soube dizer se @ alun@ que mencionava se tratava do mesmo citado por “F3”.
Quando se trata do reconhecimento de pessoas trans, a questão é delicada. Simone Ávila e
Miriam Pilar Grossi questionam a noção do psicanalista Roberto Cecarelli de que a
transexualidade é “autodiagnosticada” e, em um claro distanciamento de discursos patologizantes,
afirmam que ela é “autoidentificada”. Nas entrevistas semiestruturadas que fizeram com
transhomens de várias regiões brasileiras, chegaram à conclusão de que “eles se perceberam
transexuais ao ler um livro, ao ver um transexual na mídia, ao encontrar informações na Internet...
em suma, sua condição foi identificada a partir dos discursos sociais que circulam sobre
transexualidade” (ÁVILA; GROSSI, 2010, p. 4). Outra problemática, que hoje não exixte mais
era o constrangimento provocado pela impossibilidade de alteração do nome civil sem que
houvesse um processo judicial e, atrelado a isso, a exigência de laudos médicos que ratificassem
a transexualidade. Ou seja, para ter um nome com cujo gênero a pessoa se identificava era preciso
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adoecer. Essa mudança já pode ser comemorada: no dia 01 de março de 2018 o Supremo Tribunal
Federal decidiu, por unanimidade, que transexuais e transgêneros poderão retificar seus registros
civis sem a necessidade de laudos médicos, ou mesmo de cirurgia de redesignação sexual e,
principalmente, sem precisarem de autorização judicial.
Nos chama atenção o fato d@s pesquisad@s não saberem os motivos da possível evasão
d@ alun@ transexual. Tal situação nos remete a um discurso de despreparo e desinteresse, no
qual alun@s transexuais não têm importância para a escola. Bento (2011) afirma que há um desejo
de expulsão d@s diferentes para que el@s não contaminem o espaço escolar. Esse desejo se
fortalece quando não há interesse em mudar a abordagem e as práticas escolares, persistindo
apenas a invisibilização, quando não o silêncio diante de ações exterminadoras.
Quando questionados se “falar sobre transexualidade e/ou sexualidade em sala de aula
pode influenciar no gênero d@s alun@s?” a resposta foi unânime: não! No entanto, quando
perguntamos em relação à preparação e abordagem do tema na escola e/ou em sala de aula as
respostas foram evasivas:
Muito superficialmente – F10
Sim. Através de textos que falam sobre a sexualidade – F11
Sim. Em relação ao preconceito com colegas na sala de aula – F12
Sim. Em estudos de população – F14
Já, na disciplina de Sociologia, ano passado. A professora estava comentando sobre
respeitar as escolhas sexuais de todos os LGBT’s – A7
Sim, através de palestras, assuntos na disciplina – A18
4 Conclusões inconclusivas...
A partir dos discursos levantados por meio dos questionários, relatos e até mesmo das
abordagens de ausência/recusa fica explícito como heteronormatividade opera no espaço escolar
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e, claro, não poderíamos esperar algo diferente. Entretanto, a operação exclusiva e naturalizante
que a escola pesquisada mantém, nos surpreendeu. Apesar das falas adotarem uma abordagem de
“aceitação” da transexualidade na sociedade e na escola, ficou claro como o assunto é retratado
com invisibilidade.
A heteronormatividade é um regime de poder que se inscreve n@s sujeit@s como se fosse
algo natural a partir dos processos de reiteração e repetição que são performatizados. Para este
regime, o único lugar que pode ser habitado pelo feminino é o corpo de uma mulher e o masculino
pelo corpo de um homem. Fundada a partir da ideia de dimorfismo sexual, a heterossexualidade
marcaria a diferença sexual como algo dado, natural, sendo inteligível apenas àquele corpo que
está preso à concepção de “normalidade”, uma identidade, masculina ou feminina, não havendo
possibilidades de haver deslocamentos. Não?!? Claro que sim! E este trabalho mostra isso de
maneira tímida, pois entre tantos cisgêneros heteros havia uma trasmulher. Rodeada de mulheres
cis heterossexuais, havia uma bissexual, ambas invisibilizadas e “protegidas” dentro dos seus
armários.
Não é mais possível simplesmente desconsiderar a existência cultural e discursiva da
palavra cis, como tem feito a escola, pois ao se abolir esse termo sem problematizá-lo, pode ser
que se acabemos por viver em um “[...] mundo sem cisgênero [...] [mas também] na terrível
normalidade compulsória por trás da ausência de um nome. Há muito mais que opressão por trás
dos termos cis. Eles são a chave para a partilha e a expansão de nossas vivências na alteridade”
(Leila DUMARESK, 2014, p. [?]).
Dessa forma, é possível pensar que é no espaço escolar que a cisgeneridade precisa
problematizada, desconstruída, ressignificada para que a transgeneridade possa de fato existir.
Afinal, não deveria ser a escola o espaço social por excelência que nos ensina sobre as diferenças?
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Página 506 de 2230
Resumo: O artigo trata sobre a inclusão estudantes com deficiência intelectual no contexto escolar.
O presente trabalho teve como finalidade discutir e evidenciar o processo de inclusão de estudantes
com deficiência intelectual na Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa em Matões do
Norte/Maranhão, tendo em vista a análise do desenvolvimento das atividades pedagógicas e
educativas voltadas para estudantes com deficiência intelectual no tocante as disciplinas de língua
portuguesa e matemática, assim como evidenciar o processo de inclusão e formação dos
professores na instituição pesquisada. Participaram da pesquisa quatro professores/as sendo duas
docentes de Língua Portuguesa, dois professores de Matemática, e uma Coordenadora
Pedagógica. Utilizamos os seguintes autores para subsidiar a pesquisa tais como: Mittler (2003),
Reis & Ross (2018), Tédde (2012), Ferreira (2005), Souto (2014), Manchini (2014), Konkel,
Andrade, Kosvoski (2015), Cavalcante, Feitosa, Costa, Benício ( 2016), Almeida (2018) dentre
outros. Para alcançar os objetivos da pesquisa, foi realizada a elaboração de instrumentos
metodológicos por meio da entrevista semiestrutura (ESE), assim como o levantamento
bibliográfico que elucidou as primeiras reflexões. A pesquisa concluiu que a escola pesquisada,
apesar de possuir conhecimentos sobre inclusão de estudantes com deficiência, pouco tem feito
para incluir esses/as discentes, proporcionando formação continuada para seus/suas
professores/as. Todavia, esses/as docentes buscam metodologias de inclusão para inseriram esses
alunos/alunas com deficiência.
Palavras-chave: Estudantes. Deficiência Intelectual. Inclusão. Educação
Abstract: The article deals with the inclusion of students with intellectual disabilities in the school
context. The present work aimed to discuss and highlight the process of inclusion of students with
intellectual disabilities at Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa in Matões do Norte / Maranhão,
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with a view to analyzing the development of pedagogical and educational activities aimed at
students with intellectual disabilities in regarding the subjects of Portuguese language and
mathematics, as well as highlighting the process of inclusion and training of teachers in the
researched institution. Four teachers participated in the research, two teachers of Portuguese, two
teachers of Mathematics, and one Pedagogical Coordinator. We used the following authors to
support the research such as: Mittler (2003), Reis & Ross (2018), Tédde (2012), Ferreira (2005),
Souto (2014), Manchini (2014), Konkel, Andrade, Kosvoski (2015 ), Cavalcante, Feitosa, Costa,
Benício (2016), Almeida (2018) among others. To achieve the research objectives,
methodological instruments were elaborated through semi-structured interviews (ESE), as well as
the bibliographic survey that elucidated the first reflections. The research concluded that the
researched school, despite having knowledge about the inclusion of students with disabilities, has
done little to include these students, providing continuing education for their teachers. However,
these teachers seek inclusion methodologies to insert these disabled students.
Keywords: Students. Intellectual Disability. Inclusion. Education
1 INTRODUÇÃO
Vasconcelos (2004) é bem claro em afirmar que a deficiência intelectual é das deficiências
que é encontrada em crianças e adolescentes, atingindo um percentual de 1%. Essa deficiência se
caracteriza por meio diminuição no desenvolvimento cognitivo, "no QI, normalmente abaixo do
esperado para a idade cronológica da criança ou adulto, acarretando muitas vezes um
desenvolvimento mais lento na fala, no desenvolvimento neuropsicomotor e em outras
habilidades". (TÉDDE, 2012, p.23).
Em se tratando da inclusão de estudantes com D.I no ambiente escolar, muitas instituições,
ainda encontram dificuldades no que se refere em diagnostica-los e incluí-los, pois a grande
maioria dos professores não possui formação adequada, ou as escolas não possui sala de
Atendimento Educacional Especializado (AEE), deixando esses discentes de fora do processo de
ensino e aprendizagem.
Com o intuito de buscar respostas para a realidade da educação inclusiva a pesquisa
analisou o processo de inclusão de estudantes com deficiência intelectual na Escola Municipal
Júlia Fonseca Barbosa em Matões do Norte - MA, assim como a escola enquanto espaço de ensino
e aprendizagem desenvolvem atividades pedagógicas voltadas para estudantes com deficiência
intelectual no tocante as disciplinas de língua portuguesa e matemática. Além disso, a pesquisa
refere-se à forma em que os professores/as desenvolvem os conteúdos de língua portuguesa e
matemática para estudantes com deficiência intelectual e como a instituição desenvolve a
formação para professores no tocante a inclusão de estudantes com deficiência intelectual.
Esperamos que a presente pesquisa possa suscitar reflexões e ações sobre a inclusão de estudantes
com deficiência intelectual no espaço escolar de forma a promover o ensino e aprendizagem de
qualidade.
98
Helena Antipoff – Grande pesquisadora e educadora da criança portador de deficiência; foi pioneira na introdução
da educação especial no Brasil, onde fundou a primeira Sociedade Pestalozzi. O seu trabalho no Brasil é continuado
pela Fundação Helena Antipoff.
99
A Declaração de Salamanca (1994) definiu políticas, princípios e práticas da Educação Especial e influi nas
Políticas Públicas da Educação. (SOUTO, p. 23, 2014).
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O professor enquanto sujeito ativo, e que acredita na inclusão de estudantes com variadas
deficiências incluído a intelectual no espaço escolar, deve atuar de forma efetiva e proporcionar
aos seus educandos/as, um ensino de qualidade, e para isso é necessário que o docente, desenvolva
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A inclusão do aluno com deficiência intelectual (DI) tem sido uma temática bastante
enfatizada nas escolas brasileiras, além de ser motivo de exclusão. Grande parte dos
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professores se sentem inseguros por não saberem lidar com estes alunos, além de
encararem o aluno com DI como representação de negatividade.
A deficiência intelectual é uma das deficiências mais identificada no espaço escolar, logo,
os educadores encontram grandes dificuldades em trabalhar com os alunos DI, esse problema se
dá em virtude das instituições de ensino não estarem preparadas para trabalhar com esse público.
Almeida (2018) afirma que o despreparo em se trabalhar com alunos/as D.I se dar pela precária
formação inicial e até mesmo a sua inexistência nas universidades, assim como pela “falta de
aparatos existentes nas escolas, ou na inexistência de formação continuada, além de falta de
participação das famílias no processo ensino e aprendizagem”. (ALMEIDA, 2018, p.3)
Mantoan (1997), destaca que para haja inclusão de alunos com D.I é necessário que a
escola apresente novos recursos voltados para o ensino e aprendizagem, além de uma mudança
significativa em relação a atitude dos/as docentes e da instituição de ensino, restringindo o
conservadorismo presente nas práticas de muitos professores/as, possibilitando uma educação que
atenda às necessidades de todos/as os/as alunos/as. Nessa perspectiva, para que haja de fato a
inclusão de alunos/as com deficiência intelectual, é imprescindível algumas reflexões importantes
e fundamentais como: adequações e adaptações em relação ao currículo, sistema de avaliação,
participação da família, qualificação da equipe, formação dos docentes, além visão atual sobre a
deficiência.
Assim, as adaptações curriculares são de suma importância para a inclusão de estudantes
com deficiência, desta forma, Almeida (2018, p.5) destaca que, "quando se fala de adequações
curriculares estamos falando de estratégias de planejamento e atuação docentes, e nesse sentido,
de processos criativos para remover as barreiras de aprendizagem".
Em relação à prática pedagógica direcionada aos/as discentes com deficiência intelectual,
cabe ao professor buscar motivar a aprendizagem e criando "atividades onde possam ser
trabalhadas as relações interpessoais levando o aluno com deficiência intelectual a se sentir
integrado e apto a comunicar-se com aqueles que o rodeiam". (ALMEIDA, 2018, p.5). Nessa
perspectiva, o/a aluno/a desenvolverá autonomia para confrontar-se com as adversidades em seu
cotidiano, possibilitando um desenvolvimento positivo no que se refere, afetividade, a linguagem
e seu desempenho corporal.
Assim, a educação inclusiva deve possibilitar aos sujeitos, igualdade e respeito as
diferenças. Os/as alunos/as com deficiência, “devem se sentir efetivamente parte integrante do
ambiente escolar tendo a oportunidade de conviver de maneira respeitosa e de serem reconhecidos
como sujeitos” (STELMACHUK et. al.; 2010).
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4 METODOLOGIA
O cenário da pesquisa foi a Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa, situada Avenida Drª
Francisca Sampaio, n° 129, município de Matões do Norte. A escola foi fundada no ano de 1998
na gestão de Antonio Sampaio, e inaugurada em 1999, como nome de Escola Municipal
Professora Vilma Sampaio. Com a lei municipal nº 126 de 2013 em seu Art. 1º na gestão de
Solimar Alves de Oliveira, houve alteração no nome da escola, passando a ser chamada por Escola
Municipal Júlia Fonseca Barbosa.
A instituição de ensino pertence à Rede Pública Municipal, funcionando nos três turnos
(matutino e vespertino), na qual oferece o Ensino Fundamental (Anos Finais) nos turnos matutino
e vespertino. Atualmente conta com uma estrutura física formada por sete salas de aula, sendo
seis em funcionamento. Possui uma secretária, uma cozinha, uma cantina, dois banheiros
(masculino e feminino) para estudantes, um banheiro de professores/as, e uma área de recreação.
A instituição atende um total de 405 alunos/as nos turnos matutino e vespertino na modalidade
Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ano ao 9º ano). No turno matutino a instituição conta com
210 alunos/as e o vespertino atende 195 alunos/as.
No aspecto administrativo, à escola conta com um diretor geral, duas coordenadoras
pedagógicas, três assistentes administrativos, dezessete professores/as, sendo sete docentes
lecionando nos dois turnos, quatro professores/as no turno matutino, e oito docentes no turno
vespertino. A escola conta também com cinco auxiliares de serviços gerais e dois vigilantes ambos
contratados/as.
Vale ressaltar que a Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa possui em seu quadro de
discentes oito alunos/as com deficiência intelectual diagnosticado, sendo cinco do sexo masculino,
e três do feminino. Todavia, durante a pesquisa constatamos que existem sérios problemas no que
se refere ao processo de inclusão desses discentes, é interessante salientar que os/as professores/as
conhecem o processo de inclusão, e as leis que asseguram pessoas com deficiência no espaço
escolar, porém, em suas práticas docentes, e a própria estrutura da escola dificulta do processo de
ensino e aprendizagem desses alunos e alunos.
O método de procedimento realizado foi o estudo de caso, que segundo Triviños (1995,
p. 133): "E uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa
aprofundadamente". Do exposto a unidade que se pretende analisar será a Escola Municipal Júlia
Fonseca Barbosa no município de Matões do Norte. Os instrumentos de coleta de dados que
utilizamos foram: observação, e entrevista semiestruturada. Fizemos a observação não-
participante no espaço escolar durante 4 meses, iniciamos no dia 06 (seis) de agosto de 2018 e
finalizamos no dia 06 (seis) de dezembro do mesmo ano. Moreira (2014, p. 4) afirma que:
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Na observação não participante os sujeitos não sabem que estão sendo observados, o
observador não está diretamente envolvido na situação analisada e não interage com
objeto da observação. Nesse tipo de observação o pesquisador apreende uma situação
como ela realmente ocorre. Contudo, existem dificuldades de realização e de acesso aos
dados.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A escola inclusiva com equidade é um desafio que implica e rever alguns aspectos, que
envolvem desde o setor administrativo até o pedagógico. A política de inclusão de alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino não consiste apenas na
100
Selecionamos duas professoras de língua portuguesa e dois professores de matemática.
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permanência física desses/as alunos/as junto aos demais educandos/as, mas representa a ousadia
de rever concepções e paradigmas, bem como desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando
suas diferenças e atendendo suas necessidades. Nas escolas inclusivas as pessoas se apoiam
mutuamente e suas necessidades específicas são atendidas por seus pares, sejam colegas de classe,
de escola ou profissionais de áreas. A pretensão dessas escolas é a superação de todos os
obstáculos que as impedem de avançar no sentido de garantir um ensino de qualidade
(MADER,1997).
Ainda sobre a ótica de inclusão dos/as alunos/as com deficiência nas escolas, verificou-se
que de acordo com os depoimentos dos/as participantes os/as mesmos/as têm uma noção básica
do que seja inclusão. É o que observamos no relato da professora Cecilia Meireles: “Inclusão é o
ato de integração e envolvimento do aluno dentro do processo de aprendizagem em que abrange
as dimensões aos aspectos cognitivos. A E. M. Júlia Fonseca Barbosa, muito embora não possua,
no seu aspecto físico, ambientais preparados que possibilitem melhor desenvolvimento do referido
processo conativos que necessitam de diversificado estímulo para absorver e praticar a
aprendizagem focada na validade de conteúdos, está com seu corpo docente em sua maioria
(acredito) habilitado/capacitado a trabalhar com esse nível de deficiência, porém se faz necessário
um acompanhamento e discussões contínuas no processo” (Professora Cecilia Meireles,
Março/2019, Matões do Norte/MA).
O relato do professor Isaac Newton diz o seguinte: “É atender a todos as pessoas sem
distinção de condições físicas, motoras, psicológicas e social. Com certeza não, pois as mesmas
estão equipadas com produto pedagógico, psicólogos, fonoaudiólogos etc. Além das salas de aula
que excluem cada vez mais estes alunos por não contemplarem as suas necessidades intelectuais”
(Professor Isaac Newton, Março/2019, Matões do Norte/MA).
De acordo com as respostas dos/as entrevistados/as, todos/as afirmaram que entendem
sobre o conceito de inclusão no ambiente escolar. Para Beyer (2005), inclusão escolar é a ação de
acolhimento de pessoas, sem exceção, no sistema de ensino, independentemente de cor, classe
social e condições físicas e psicológicas. Outro fato importante é que a maioria dos professores/as
alegaram que a instituição não está preparada para receber estudantes com deficiência intelectual.
Todavia, somente a Coordenadora Pedagógica, destacou que a escola está preparada para receber
esses/as alunos/as, visto que existem ações voltadas para esse público na escola. Consideramos
que a resposta da Coordenadora Pedagógica não está levando em consideração a prática dos
professores em sala de aula no que refere ao ensino e aprendizagem de alunos/as com deficiência
intelectual, e sim uma discussão teórica sobre o processo de inclusão desse público com os/as
professores/as. De acordo com a Declaração de Salamanca é “dever das escolas de acolher todas
as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,
Página 516 de 2230
linguísticas ou outras” (BRASIL, 1994, p. 17). Nessa perspectiva, a Escola Municipal Júlia
Fonseca Barbosa, além de discutir sobre o processo de inclusão, deve colocar em prática ações
para a realização concreta da inclusão de alunos/as com deficiência intelectual no ambiente
escolar.
Foi questionado aos professores/as sobre os desafios de se trabalhar com os/as alunos/as
com deficiência intelectual na Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa. Segundo a Coordenadora
Pedagógica: No modo geral é difícil trabalhar com alunos com deficiência, pois os professores
devem elencar algumas estratégias, práticas de ensino para incluir os alunos com deficiência
facilitando o trabalho docente em sala de aula considerando cada especificidade de cada aluno”
(Coordenadora Pedagógica, Março/2019, Matões do Norte/MA).
A professora Clarice Lispector afirmou em seu relato que: “O desafio são: apoio
pedagógico, qualificação de professores, novas metodologias de ensino para trabalhar com esse
público, estrutura física, entre outro, esses são os grandes desafios que encontramos aqui na escola
e que nos deixa muito preocupados. É uma situação que eu acredito que não acontece somente
aqui na Escola Júlia Fonseca, mas em muitas instituições em nível estadual e nacional.”
(Professora Clarice Lispector, Março/2019, Matões do Norte/MA).
A maioria dos os/as professores/as afirmaram que o grande desafio em se trabalhar com
os/as alunos/as com deficiência intelectual se dá pela precária estrutura física da escola e materiais
didáticos defasados. De acordo com Alciati (2011, p.6), “a escola é um espaço que deva ter o
maior número de ajustes possíveis, para a acessibilidade para o deficiente. Os espaços internos,
externos, aparelhos e utensílios mobiliários, meios de transportes são fatores primordiais para que
se reconheça uma escola inclusiva”. Já a Coordenadora Pedagógica e a professora Clarice
Lispector destacaram que o principal desafio se dá, em adequar uma metodologia correta para os
discentes com deficiência intelectual para que de fato haja inclusão.
Percebemos que a coordenadora pedagógica e a professora Clarice Lispector salientaram
um fato que ocorre corriqueiro em muitas escolas brasileiras, e que angustia muitos docentes. Esse
problema parte da sua formação inicial, do futuro professor que não teve formação suficiente para
trabalhar com alunos/as deficientes, além de formação continuada que as instituições escolares
não proporcionam os seus educadores. Segundo Morin (1996, p. 25):
(...) Um dos grandes desafios para a educação inclusiva nestes tempos mutantes é a
formação de professores. Hoje se fala muito em atualização, capacitação, formação
permanente em serviço, quando não em treinamento de professores. Um dos grandes
desafios é rever a concepção de conhecimento, romper os limites positivistas,
concebendo o conhecimento como uma construção dinâmica, como um recurso a ser
mobilizado para desenvolver competências que permitam aos indivíduos interferir na sua
realidade, identificando e resolvendo os problemas e os desafios colocados pela vida
social, de forma autônoma.
Página 517 de 2230
pensar, um objetivo voltado para os alunos com dificuldades de compreensão, e com essa
consideração vem junto a responsabilidade do professor em adequar as condições do aprendizado
nas suas diversidades de percepção e apreensão dos alunos pelos conteúdos” (Professora Cecília
Meireles, Março/2019, Matões do Norte/MA).
O professor Arquimedes em seu depoimento destacou que: “Sim, porque mesmo com essa
deficiência procuro sempre fazer o melhor para que esses alunos sintam-se incluso na sala de aula
e na escola. É um grande desafio para um professor de matemática, mas eu procuro muito em
incluir esses alunos na atividade que eu desenvolvo em sala de aula” (Professor Arquimedes,
Março/2019, Matões do Norte/MA).
Percebemos nas respostas dos professores/as que todos e todas levam em consideração a
inclusão de alunos/as com deficiência intelectual na organização de seus trabalhos pedagógicos.
A partir das concepções dos/as docentes, o professor deve:
Sabemos que não é tarefa fácil adaptar atividades para estudantes com deficiência
intelectual, mais ainda para professores que não estão preparados para atender esse público, devido
a inexistência de disciplinas voltadas para a educação especial na formação inicial e poucos cursos
no espaço escolar para seus professores. Goés (2008) afirma que a falta de cursos sobre educação
inclusiva na graduação, torna frágil a qualidade da educação para discentes especiais, deixando-
os à margem do processo de ensino.
É de sua importância que as instituições escolares possibilitem aos seus/as professores/as
formações continuadas na perspectiva da educação inclusiva, pois, é fundamental que esses
profissionais "disponham de conhecimentos referentes aos saberes e fazeres frente à inclusão de
alunos com NEE" (MANCHINI, 2014, p.14). Assim, acreditamos que sejam necessários estudos
mais fundamentados, metodologias inovadoras para ser desenvolvidas no espaço escolar,
principalmente para os discentes de deficiência intelectual.
6 CONCLUSÃO
instituição demonstrou uma boa interação, não somente entre todos/as os/as estudantes com e sem
deficiência, mais também, delas para com os funcionários da escola.
Constatamos também que o processo de inclusão dos/as alunos/as com Deficiência
Intelectual na Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa é possível, pois os/as professores/as estão
buscando capacitação para atender às especificidades desses/as alunos/as. Percebemos que os/as
docentes desenvolvem plenamente em suas práticas educativas métodos voltadas para a inclusão
de estudantes com deficiência intelectual, apesar de instituição oferecer poucas formações
continuadas na área da educação especial/inclusiva.
A escola reconhece a importância da inclusão de estudantes com deficiência Intelectual e
prima pela qualificação dos/as professores/as, apesar de poucas formações. Todavia, os/as
professores buscam vários procedimentos pedagógicos inclusivos em suas disciplinas para
facilitar a aprendizagem dos alunos com DI no ensino regular. Segundo Manchini (2014, p.38),
"os professores devem fazer uso dos procedimentos pedagógicos inclusivos, de forma a promover
a inclusão de alunos com DI no ensino regular".
Concluímos apontado alguns pontos positivos, negativos e sugestões para a Escola
Municipal Júlia Fonseca Barbosa. Referente aos pontos positivos percebemos que os entrevistados
demonstram a compreensão sobre inclusão, é nítido também que a coordenação pedagógica
percebe a necessidade de se criar projetos pedagógicos voltados para inclusão de deficientes
intelectuais na Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa, Assim como os/as professores/as
reconhecem a necessidade de desenvolver práticas pedagógicas que conduzam a inclusão de
alunos/as com deficiência intelectual no espaço escolar.
Referente aos pontos negativos identificamos no percurso da pesquisa que a maioria dos/as
professores/as afirmaram que a Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa não está preparada para
receber alunos/as com deficiência intelectual. Outro fato que nos chamou a atenção diz respeito
que a escola não tem desenvolvido nenhum projeto, seminário ou ciclos periodicamente que
debatem sobre a inclusão de estudantes com deficiência intelectual, ou outras deficiências.
Como sugestão, aconselhamos que a coordenação pedagógica deveria incentivar os/as
professores/as a desenvolverem projetos voltados para inclusão de pessoas com deficiência, em
especial a deficiência intelectual, que a escola priorize formações continuadas periódicos sobre
inclusão de pessoas com deficiência, em especial a deficiência intelectual, e que a instituição
corrija problemas estruturais e pedagógicas para que estejam preparados a receber alunos/as com
deficiência. Em síntese, esperamos que esta pesquisa possa ter contribuído na área de educação,
sobretudo para a o campo da educação especial/educação inclusiva, assim como para a Escola
Municipal Júlia Fonseca Barbosa e que a pesquisa possa contribuir com reflexões e ações no
tocante à inclusão de estudantes como deficiência intelectual.
Página 520 de 2230
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Página 523 de 2230
Abstract:This paper discusses the theoretical and reflexive approaches to education of the British
anthropologist Tim Ingold (education for attention) and the German philosopher Hans-Georg
Gadamer (education by dialogue), observed and experienced in design paths mediated by design
actions (NORONHA, 2012), from the experiences around the ornamental seed artisanal activity
(biojewelry production ) between artisans from the rural and traditional Maracanã community in
São Luís do Maranhão and designers from the Innovation, Design and Anthropology Research
Center of the Federal University of Maranhão - NIDA / UFMA. The contact between crafts and
Pesquisa realizada por meio do NIDA com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão –
101
FAPEMA.
Página 524 de 2230
design through the exchange of knowledge in the field, allows the development of didactics and
tools to improve the productive activity, coping with problem situations in the daily life of artisans
and the promotion of learning, reflecting mainly on the economic aspect. The dialogue between
the authors about the ways of building education evidenced in the work of co-producing craft
activity, consolidates a teaching-learning process beyond the classroom present in the act of doing
together.
Palavras-chave: Design, Education, Crafts, Maracanã.
INTRODUÇÃO
O Maracanã, considerado um bairro rural da grande ilha de São Luís, localizado nas
proximidades da BR 135 e do Distrito Industrial, é reconhecido pela sua forte representatividade
em tradições folclóricas e identidade cultural através de manifestações como o grupo de bumba-
meu-boi do “sotaque de matraca”102 que carrega seu nome e é carinhosamente chamado pela
população de “batalhão pesado”, assim como pela valorização de sua história através de
festividades religiosas como o culto ao Divino Espirito Santo e ao maior símbolo cultural da
comunidade, a Festa da Juçara, que promove o envolvimento dos moradores, valoriza a mão-de-
obra local, geradora de empregos temporários.
A atividade artesanal na comunidade, baseia-se na utilização de recursos naturais como troncos,
fibras e sementes disponíveis no entorno e que através das mãos de seus artesãos do são
confeccionadas uma série de artefatos que traduzem a identidade local. A agrônoma e moradora,
Rosa Martins Mochel, foi a grande incentivadora das práticas artesanais no Maracanã orientando
as mulheres da comunidade que se ocupavam somente dos afazeres domésticos cotidianos e que
não tinham renda (CORREA, 2010).
Do trabalho artesanal com o uso de sementes ornamentais, em especial a semente de juçara
(euterpe oleácea mart.) típica da região, formou-se um grupo de mulheres artesãs, onde pôde-se
observar um complexo de valores em torno do manejo da semente constituindo assim um rico
processo de ensino-aprendizagem através das trocas do saber-fazer entre o conhecimento
acadêmico das designers103 e o conhecimento tácito das artesãs, como formas de perceber o
mundo, remetendo-nos aos discursos sobre processos de educação que vão para além dos muros
da escola de filósofos e fenomólogos como Tim Ingold e Hans-Georg Gadamer. Ainda que
tratando de pontos específicos da educação, nota-se uma relação muito clara nos discursos destes
dois autores nas relações resultantes desta atividade.
Severo (2015) postula que a pedagogia, como ciência da educação interessada pelo fenômeno
educativo em seu sentido amplo, para além da escola, deve assumir diálogos interdisciplinares,
para construção de literaturas teórico-metodológicas que possibilitem a potencialização de efeitos
formativos decorrentes de práticas em espaços de ensino não-escolar, convertendo-as em práticas
pedagógicas de ensino-aprendizagem, a exemplo do que explanamos nesta narrativa.
Deste modo, o presente artigo analisa fundamentos de abordagens teórico-reflexivas dos
autores em questão, relacionando-os às experiências do saber-fazer de artesãs e o papel do
designer com mediador, evidenciando um processo de ensino-aprendizagem para além da sala de
102
Existem cinco sotaques (Matraca, Zabumba, Da baixada, Costa-de-Mãos e Orquestra) dos grupos de bumba-
meu-boi do Maranhão.
103
Esta pesquisa contou com profissionais do design apenas do gênero feminino.
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aula, presentes no ato de fazer junto, através de práticas colaborativas em design considerando os
estudos sobre a educação pela atencionalidade (INGOLD, 2010) e o educar é educar-se por meio
do diálogo (GADAMER, 2004).
2. AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO
Figura 01:
Diferenciação entre Interação e Correspondência.
Fonte: Making, 2013.
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Na ilustração a cima, Ingold (2013, p. 105) nos mostra com a correspondência difere da
interação, pois para o autor, na interação, partes do que interagem são fechadas umas às outras,
como se elas pudessem ser conectadas apenas através de algum tipo de operação, um processo
intencionado, ou seja, de um ponto a outo, como observamos na prática comum em sala de aula a
figura do professor (ponto A) aquele que passa o conhecimento e a figura do aluno (ponto B)
aquele que recebe o conhecimento, logo, esse contato pode ser simplesmente racional sem levar
em consideração os sentidos.
Na correspondência, por outro lado, percebe-se movimento entre vários pontos, ou seja, linhas
que se envolvem como uma “melodia em contraponto”, nas palavras do autor, essas linhas em
movimento são relações de reciprocidade e harmonia em meio a diversidade, entre todas as coisas
tangíveis (as pessoas, a natureza) e intangíveis (energias, crenças, dogmas) terrestres (o que está
ao nosso alcance) e celestes (cosmos), essas relações se dão pela atenção que damos nas
realizações com o outo, podemos visualizar esse processo como um emaranhado de fios, cujo
Ingold chama de mashwork ou malha.
A partir deste exemplo, a correspondência é entendida como uma forma de nos colocar ao que
o mundo nos oferece e de como as pessoas se posicionam diante do que recebem nas relações com
o outro, o que Ingold chamou de “response-ability” para reportar-se ao ato de dar atenção e dar
responsabilidade ao responder (ser responsivo ao outro) e isto consolida o trabalho colaborativo
em práticas de correspondência. Esse processo requer posição de igualdade entre os atores sociais,
logo, a quebra de hierarquias.
Através destas práticas foi possível identificar as características do artesanato com sementes
em cada etapa produtiva desde a coleta; suas limitações; informações sobre o território e seus
nativos. Logo, a correspondência pode ser entendida como um processo colaborativo ou de
codesign. O termo denomina um processo que envolve o trabalho criativo de designers e de
pessoas não treinadas em design, como as artesãs, trabalhando juntos (SANDERS, 2002). Este
processo destaca-se a participação de vários atores nas decisões-chaves do design, como forma de
progredir através de um problema ou cenário para promover mudanças de comportamento, nesse
sentido, um processo de ensino-aprendizagem.
quanto mais apropriado e articulado por sua fala, tanto mais imagina estar se comunicando com
seus aprendizes, este é “o perigo da cátedra que todos conhecemos”. (GADAMER, 2004, p.248)
A ideia é que aquele que se educa, precisa do diálogo com o outro para se colocar diante de
seus próprios preconceitos (preconceitos entendidos aqui como nosso manancial histórico de
concepções prévias); dessa forma, somente no momento em que ele experimenta essa situação de
embate, é que ele, somente ele, pode abrir mão de seus juízos prévios e conquistar uma consciência
hermenêutica – espécie de apreensão clarividente dos próprios preconceitos e dos preconceitos do
outro – o que, na maioria das vezes, não ocorreria de forma deliberada, em um mero voltar-se
sobre si.
Situado em uma Área de Proteção Ambiental - APA104, o Maracanã possui uma diversidade
significativa de espécies de sementes florestais com características ornamentais potenciais para a
produção artesanal, além da semente de juçara presente em maior abundância e que possui grade
representatividade local. Esta semente em especial, passou a ser frequentemente empregada nos
produtos desenvolvidos por artesãs da comunidade.
Sementes como buriti (Mauritia flexuosa), dendê (Elaeis guineenses), leucena (Leucaena
leucocephala), falso Pau Brasil (Adenanthera pavonina L.), tamarindo (Tamarindo indicas), anajá
(Attalea maripa), babaçu (Attalea speciosa), tucum (Astrocaryum vulgare), entre outras, são
facilmente encontradas na região, tornando-a potencialmente forte fornecedor dessas sementes.
104
A APA – Área de Proteção Ambiental - do Maracanã, criada por meio do Decreto 12.103 de 01 de dezembro de
1991, com área aproximada a 1831 ha. Movido pela preocupação em proteger e conservar as espécies naturais do
Maracanã, principalmente os juçarais, da ação do Distrito Industrial e da ocupação desordenada (MARANHÃO,
1991).
105
Passeio em trilha ecológica na mata fechada com 1.200 km de extensão no bairro Maracanã, onde os nativos da
região trabalham como guias e trazem informações sobre a fauna e flora da reserva ambiental com destaque para as
palmeiras de juçara (TAGUATUR, 2018).
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106
Participantes ativos de um processo.
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Beillerot (1985) alude que a educação está presente nas dinâmicas das relações sociais. As
dinâmicas sociais de desenvolvimento econômico e político da sociedade servem de base para a
construção de uma cultura de uso dos saberes que ampliou os horizontes dos fins e meios
educacionais, impulsionando práticas pedagógicas que ao longo dos anos, vão ganhando outros
ambientes para além do espaço escolar.
Para Severo (2015) a sociedade atual integra processos formativos a outros processos sociais,
tornando-os cenários de possibilidades de ensino-aprendizagem requerendo didáticas e políticas
próprias para estruturar determinados ideais e mecanismos de formação dos sujeitos. Sendo assim,
“certas práticas sociais cujas finalidades são próprias e específicas, para alcançar seus objetivos
necessitam integrar saberes a estas práticas pedagógicas” (BEILLEROT, 1985, p. 245). Entender
a educação como um fenômeno de múltiplas faces em diversas esferas da sociedade leva a crer na
existência de possibilidades potenciais de promoção do conhecimento ao ser humano em face de
demandas que marcam os contextos de inserção do sujeito nas dinâmicas sociais.
Essa construção discursiva nos faz retomar ao Maracanã no âmbito do trabalho com sementes
que é claramente entendido como ‘porta de entrada’ para o processo de ensino-aprendizagem dos
grupos envolvidos na dinâmica da atividade artesanal, principalmente às artesãs, trazendo
reflexões sobre como o percurso metodológico dialoga com a teoria apresentada.
Como mencionado anteriormente, o trabalho artesanal com sementes no Maracanã teve sua
gênese a partir de pesquisas do NIDA. Para tanto, traçamos algumas etapas-apoio que chamamos
de momentos, para sua realização. É importante ressaltar que etapa-apoio aqui, significa
recomendações para o campo, pois o ‘estar em campo’ poderia exigir outras ações metodológicas
mediadas pelo design.
1º Momento
“O que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo novo, mas termos
encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria
experiência de mundo. [...] o diálogo possui uma força transformadora. Onde um diálogo
teve êxito ficou algo para nós, e em nós, que nos transformou” (GADAMER, 2004,
p.247)
No primeiro momento, o diálogo foi o elemento fundamental para uma aproximação entre
os atores sociais envolvidos (designers, artesãs, guias, moradores) possibilitando traçar planos em
comum. Através de visitas à residência de algumas artesãs, dinâmicas de aproximação, rodas de
conversa, palestras, seminários, oficinas e experimentos voltados a atividades com sementes
ornamentais, desde o manejo do material até ao levantamento de possíveis produtos a serem
desenvolvidos com o seu uso. A partir constantes conversas obtivemos informações preliminares
para compreensão das relações entre as pessoas com o material (as sementes), entre elas mesmas,
com o território do Maracanã e o que a comunidade representava a elas. Obtivemos respostas que
trouxeram questões para além da atividade artesanal, como políticas públicas (educação, saúde,
trabalho, sustentabilidade etc.). Neste processo, são claramente observadas práticas educativas,
pois o indivíduo educa-se, porque sobretudo, a aprendizagem depende de cada um, logo, o
indivíduo educa-se junto aos outros, pois somos seres em constante conversação e nos
relacionamentos. Essa relação se constitui na comunicação, no jogo e nas experiências que
trocamos uns com os outros (GADAMER, 2004).
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2º Momento
“[...] dar atenção é uma prática de educação [...] se manter atento ao que os outros estão
fazendo ou dizendo ao que acontece a sua volta; acompanhar os demais aonde quer que
estes vão, ficar à sua disposição, não importando o que isso implique e para onde o leve.”
(INGOLD, 2018, p.407-408).
3º Momento
“Quando aprendemos a fazer algo, realizamos a tarefa sem pensar muito a respeito,
somos aptos a nos impulsionar espontaneamente à realização das tarefas, nem sempre
sendo dessa forma. Todas as experiências, sejam agradáveis ou não, contêm um elemento
de surpresa, quando algo não está de acordo com nossas expectativas, podemos responder
à ação colocando a situação de lado, ou podemos responder a ela por meio da reflexão,
refletir sobre a ação ou refletir no meio da ação, sem interrompê-la, chamando esse
processo de reflexão-na-ação”. (SCHÖN, 2000, p. 32).
Figura 06: imersão no campo: 1- designer-pesquisadora e guia da APA; 2 – coleta de sementes com artesãs
Fonte: Das autoras, 2019.
Após reconhecimento do ambiente (não em sua totalidade, mas um recorte) e das habilidades
manuais das mulheres com o trabalho artesanal, observando e participando da sua rotina, pôde-se
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O percurso metodológico desenhado para esta pesquisa deu-se a partir de práticas colaborativas
mediadas pelo design. Tais práticas nos motivaram a trabalhar o reconhecimento e a valorização
do território do Maracanã por meio da sua identidade, o saber popular, fauna e flora, além da
identificação das potencialidades econômicas e sustentáveis no trabalho com sementes
ornamentais. Estas ações denotam claramente aspectos de ensino-aprendizagem, que contribuem
de forma significativa para autoformação dos participantes, através do diálogo e das trocas entre
o conhecimento tácito e científico.
Outro aspecto fundamental no processo de ensino-aprendizagem identificado em campo foi o
‘conviver na diversidade’ (VYGOTSKY, 2001; FONTANA e FAVERO, 2013), ou seja,
vivenciamos a construção do respeito ao saber-fazer, pensamentos e modos de vida individuais,
haja vista que no âmbito educacional não há espaço para o preconceito ou para a menos valia,
pois, a educação não está limitada ao espaço escolar e aos saberes validados por ele. A educação
se dá na vida. “O saber que não passa pela experiência pessoal não é saber” (VYGOTSKY, 2001,
p. 76).
nativos para defendê-los contra ações de expropriação e degradação ambiental. Todas essas
características são identificáveis no Maracanã situado no interior de uma APA, nos vastos juçarais
(palmeira do fruto da juçara), em eventos culturais e grupos folclóricos ricos em valores
simbólicos e identitários.
Desta forma, o processo de ensino-aprendizagem em comunidades tradicionais ocorre através
de práticas sociais dentro de contextos do cotidiano de seus nativos, a exemplo da atividade
artesanal com recursos naturais empregada no Maracanã. Estas ações contribuem para a formação
das pessoas envolvidas na atividade, onde habilidades e competências específicas são
identificadas, a capacidade para o diálogo desenvolvida, a formulação de pensamento crítico e
alternativas teórico-práticas são propostas. São estes fatores que possibilitam o enfrentamento de
vários desafios e situação-problema do cotidiano. No entanto, requer esforços individuais e
coletivos.
A educação neste contexto surge com base nas necessidades dos sujeitos e da comunidade, e
atua como mecanismo potencializador da articulação dos saberes diante das demandas nas esferas
de sociabilidades humanas e do trabalho.
Diante desta contextualização plural, o design deve ser entendido como uma área de
conhecimento que vai além do projeto em torno do objeto (forma e função), pois esta atuação se
amplia também para o entendimento de uma prática cultural e social. Teóricos de design
contemporâneos como Buchanan (1995), Cross (2007), Dilnot (2007) e Miller (2010) dialogam
sobre a mudança no foco do olhar do design e sua busca a exploração de novos horizontes. “Os
objetos e produtos projetados certamente são emblemas das capacidades específicas dos
designers” (TABAK, 2010), no entanto, análises profundas dessas capacidades apresentam o
design como uma disciplina cheia de aberturas, que pode ser de grande valia para outras áreas do
conhecimento, diga-se de passagem, devida a sua transdisciplinaridade.
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O design possui valores intrínsecos que aliados aos valores de outras áreas do conhecimento
podem melhorar significativamente a vida das pessoas, inclusive quando direcionados a educação.
Um dos valores cruciais é apresentado por Nigel Cross que é o aspecto reflexivo do design – o
diálogo entre o processo mental e a expressão das idéias, quando faladas ou desenhadas, que
permite que elas sejam consideradas, revisadas, desenvolvidas, rejeitadas e retomadas (CROSS,
2007:53). Este aspecto reflexivo deu origem ao que Cross chamou de 'designerly' que trata-se de
um conceito aberto de design que cria um espaço que permite a dinâmica da “improvisação” do
dia-a-dia, ou seja, um “modo design” para construir algo.
Para Dilnot (2007), o design é uma atividade reflexiva porque trata-se de um modo de agir que
é, ao mesmo tempo, um modo de aprender e esta ideia de aprender e agir como parte de um mesmo
processo reflexivo, nos remete a educação pela atenção (INGOLD, 2010) no ato de fazer junto.
Essa prática reflexiva pode ser explorada pela associação entre o design e áreas como pedagogia
e psicologia educacional no âmbito da formação a partir das trocas em práticas colaborativas.
No contexto do Maracanã, o processo de elaboração das peças é o mais aguardado pelas artesãs,
quando, elas afloram a criatividade. Todo processo é mediado por designers. A partir da geração
de ideias, informações sobre conceito da coleção e recursos materiais são levantadas. Recursos
didáticos propostos pelas designers107 como observação e reconhecimento de elementos
característicos do território – fauna, flora, cultura, economia através de imagens; apreciação do
som ambiente e canções que enaltecem o Maracanã; Produção de Moodboards (ferramenta de
107
Apenas profissionais mulheres na realização do projeto.
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criatividade) com elementos que possam representar o ambiente (recorte de revistas, folhas,
desenhos, palavras), ajudam a ampliar a percepção e o imaginário das artesãs no processo criativo.
Algumas artesãs rabiscam pequenas ideias no papel enquanto outras com menos habilidade no
desenho, preferem desenvolver protótipos diretamente nos materiais disponíveis, cada uma
responde de uma maneira, a mente flui, logo, o conceito para coleção e as primeiras ideias
começam a surgir, mas leva-se um tempo para amadurecê-las. Em outro momento, tratamos da
seleção mais detalhada dos materiais e das técnicas de acabamento a serem empregadas, além da
definição das medidas de cada modelo, as informações são todas catalogadas pelas artesãs, como
um inventário. Por fim desta etapa, inicia-se a produção das peças que quando prontas são
devidamente embaladas, etiquetadas, e seguem para pontos de exposição e venda, em eventos
dentro e fora da comunidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde 2016, durante todo o percurso da pesquisa que ainda segue sobre outras perceptivas,
pode-se construir um conhecimento coletivo entre artesãs, designers e outras pessoas interessadas
no processo, possibilitado por ações colaborativas, disso não há dúvidas. Através do trabalho
conjunto, pudemos encontrar e atribuir um uso para o material estudado – as sementes ornamentais
encontradas na APA do Maracanã – identificando as reais necessidades da comunidade alinhando
a fatores ambiental, social e econômico. Nesse aspecto, percebe-se a importância do design em
todas as fases da cadeia produtiva da atividade artesanal e principalmente para a formação destas
pessoas.
O diálogo e a atencionalidade ao outro no fazer, aludidos pelos discursos de Hans-Georg
Gadamer e Tim Ingold respectivamente, premissas fundamentais no processo de construção de
conhecimento e do ensino-aprendizagem, foram facilmente identificadas durante o transcorrer da
pesquisa em da atividade arsenal na pesquisa com sementes ornamentais mediadas pelo design,
que possibilitou enxergamos as necessidades da comunidade, a importância da valorização do
território em tudo aquilo que ele representa, além da oportunidade de compartilhar experiências e
saberes, possibilitando aos grupos, o alinhamento do conhecimento cientifico ao conhecimento
tácito que contribui para o trabalho projetual do design e para a identificação de alternativas que
tragam melhoria para a qualidade de vida na comunidade.
De acordo com Schön (2000, p. 32), quando aprendemos a fazer algo, realizamos a tarefa sem
pensar muito a respeito, somos aptos a nos impulsionar espontaneamente à realização das tarefas,
nem sempre sendo dessa forma. Todas as experiências, sejam agradáveis ou não, contêm um
elemento de surpresa, quando algo não está de acordo com nossas expectativas, podemos
responder à ação colocando a situação de lado, ou podemos responder a ela por meio da reflexão,
tendo esse processo duas formas. Dewey apud Pereira (2009) dialoga destacando que no processo
de ensino aprendizagem que o conhecimento se torna significativo quando é adquirido através da
vivência. Pois tanto professores como alunos possuem experiências próprias e que devem ser
aproveitadas no cotidiano escolar. E através das experiências compartilhadas no ambiente escolar,
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REFERÊNCIAS
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2014.
MARANHÃO. Secretaria do Meio Ambiente e Turismo. Decreto 12.103, de 1 de dezembro de
1991. Cria, no Estado do Maranhão, a Área de Proteção Ambiental da Região do Maracanã, com
limites que especifica e dá outras providências, Diário Oficial [do] Estado do Maranhão, São Luís.
1991.
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http://static.userland.com/rack4/gems/wrmdesign/DefinitionOfDesign1.doc Acesso em 12 de
dezembro de 2018.
NOGUEIRA, Monica Geschrieben Von. Educação para Povos e Comunidades Tradicionais:
formar pelo diálogo e para o diálogo. 2015. Disponível em https://www.kooperation-
brasilien.org/de/themen/menschenrechte-gesellschaft/traditionelle-voelker-
gemeinschaften/educacao-para-povos-e-comunidades-tradicionais. Acesso em 13 de dezembro de
2018.
NORONHA, Raquel. Do centro ao meio: um novo lugar para o designer. São Luís: Anais do 10º
P&D, 2012.
OZELAME, Diego Machado. Pensamento complexo, educação e aprendizagem. Revista Espaço
Acadêmico, Nº170, Julho-2015 Mensal, Ano XIV ISSN 1519-6186.
PEREIRA, Eliana Alves Pereira. (Org.). A Contribuição de John Dewey para a Educação. Revista
Eletrônica de Educação, v. 3, n. 1, mai. 2009. Grandes Autores e a Educação. ISSN 1982-7199.
(Programa de Pós-Graduação em Educação)
SANDERS, Elizabeth B.N. From User-Centered to Participatory Design Approaches. In Design
and the Social Sciences. J.Frascara (Ed.), Taylor & Francis Books Limited, 2002.
SCHON, D. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem.
Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SEVERO, José Leonardo Rolim De Lima. Educação Não Escolar como campo de práticas
pedagógicas. Rev. bras. Estud. pedagog. (online), Brasília, v. 96, n. 244, p. 561-576, set./dez.
2015.)
SPINUZZI, Clay. The Methodology of Participatory Design. APPLIED RESEARCH. Volume
52, Number 2, May 2005. Tech 2005.
TABAK, Tatiana. Diálogos possíveis entre Design e Educação: contribuições para a formação de
professores reflexivos. Revista Pesquisa em discurso pedagógico Fascículo nº 9, 2010. PUC-Rio.
TAGUATUR, turismo e eventos. Rota da Juçara. 2018. Disponível em:
https://www.taguaturonline.com.br/produto/rota-da-jucara/ Acesso em: 12 de setembro de 2018.
THACKARA, J. In the bubble: designing in a complex world. Cambridge: MIT, 2005.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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RESUMO: Nas sociedades contemporâneas a cultura exerce papel significativo. Nesse contexto,
estudiosos da área buscam expandir o conceito de cultura, bem como abarcar novas dimensões,
especialmente sua dimensão econômica, para fundamentar a ampla relevância da cultura na
produção de valores simbólicos e riquezas. No entanto, o volume baixo de estudos sistematizados
acerca do setor, dificulta a comprovação efetiva dessa relevância. Nesse cenário, este trabalho tem
como objetivo central apresentar informações referentes ao mercado de trabalho formal do setor
cultural no Estado do Maranhão no período de 2006-2017, tendo como fonte de coleta dos dados
a RAIS, bem como submeter o indicador número de empregos formais e algumas de suas faixas
de remuneração média (SM) a uma análise de regressão e correlação simples, com intuito de
verificar o grau de dependência e relação desses indicadores com outras variáveis. Consuma-se
dessa forma, a estreita relação entre economia e cultura. Observa-se também haver um
comportamento ascendente do estoque de empregos formais no Maranhão na maior parte do
período estudado, havendo decréscimo apenas nos últimos dois anos da série. Por fim, mostra-se,
através de análises estatísticas, a influência e o relacionamento dos empregos formais do setor
cultural com outros indicadores.
Palavras-chave: Emprego Cultural. Setor Cultural. Economia. Cultura.
ABSTRACT: In contemporary societies, culture plays a significant role. In this context, scholars
in the field seek to expand the concept of culture, as well as embrace new dimensions, especially
its economic dimension, to support the wide relevance of culture in the production of symbolic
values and wealth. However, the low volume of systematized studies on the sector makes it
difficult to prove this relevance effectively. In this scenario, this work has the central objective of
presenting information regarding the formal labor market of the cultural sector in the State of
Maranhão in the period 2006-2017, having RAIS as the source of data collection, as well as
submitting the indicator number of formal jobs. and some of their average remuneration (SM)
108
Artigo resultante de trabalho de conclusão de Curso de Especialização em Estatística da Universidade Estadual
do Maranhão.
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ranges to a simple regression and correlation analysis, in order to verify the degree of dependence
and the relationship of these indicators with other variables. In this way, the close relationship
between economy and culture is consummated. There is also an upward trend in the stock of
formal jobs in Maranhão for most of the period studied, with a decrease only in the last two years
of the series. Finally, it shows, through statistical analyzes, the influence and the relationship of
formal jobs in the cultural sector with other indicators.
KEYWORDS: Cultural employment. Cultural Sector. Economy. Culture
INTRODUÇÃO
109
É realizada pelo atual Ministério da Economia.
110
Salários Mínimos.
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correlação simples. Por fim, nas Considerações finais realiza-se uma súmula de todo o trabalho,
pontuando as conclusões mais relevantes.
1 METODOLOGIA
Esta pesquisa do ponto de vista de sua natureza possui caráter básico. Quanto à abordagem
se caracteriza como quantitativa/qualitativa, pois mesmo se utilizando dados mensurados faz-se
uso de aspectos qualitativos em suas análises.
No que se refere ao ponto de vista dos objetivos essa pesquisa é do tipo exploratória-
descritiva, uma vez que, proporciona maior compreensão acerca do tema empregos no setor
cultural no Maranhão ao expor alguns de seus indicadores, bem como descreve características e
correlaciona variáveis. Quanto aos procedimentos técnicos se classifica como bibliográfica, pois
essa pesquisa possui base teórica constituída a partir de consultas a livros, artigos, revistas,
reportagens, dentre outros.
Neste universo a metodologia aplicada neste trabalho segmenta-se em duas partes:
primeira – classes de atividades econômicas que compõem o setor cultural e a segunda – métodos
estatísticos aplicados na análise dos dados deste setor.
Para definir as classes de atividades econômicas que integram o setor cultural, adotou-se
como referência a publicação Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2007-2010. Nessa
publicação o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), utilizou a Classificação
Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 2.0, que possui uma desagregação por classe de
atividade econômica mais ampla, sendo composta por um total de 676 classes.
Destaca-se ainda, que a utilização dessa publicação como referência deve-se ao fato de a
mesma adotar como referencias, abordagens, estudos e pesquisas nacionais e internacionais no
campo estatístico da cultura.
Quanto ao setor cultural, no âmbito dessa publicação, é formado por apenas 74 dessas
classes, descritas no Quadro 1.
Assim, o total do setor cultural resulta da soma das classes de atividades econômicas,
definidas como pertencentes ao setor. Desse modo, não é objetivo fundamental deste trabalho
analisar as classes de atividades individualizadas.
Reitera-se ainda, que neste trabalho nos atemos prioritariamente ao número de empregos
formais, e não a população ocupada, pois o emprego formal é composto por trabalhadores com
vínculo empregatício (celetistas, estatutários, avulso, temporário, e etc.), durante o todo ou parte
do ano-base da pesquisa, sendo pesquisado em sua totalidade nos estabelecimentos, e realizado
111
Diferentemente do que ocorre em outros países, o IBGE optou por excluir do conjunto de atividades do setor
cultural, as atividades estritamente relacionadas ao turismo, esporte, meio-ambiente e religião.
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pela RAIS. Enquanto que a população ocupada é composta por pessoa que tem trabalho durante
toda ou parte da semana de referência da pesquisa, sendo que o trabalho pode ser exercido em
empreendimentos que tenham ou não registro formal (SISTEMA, 2013). Além disso, as
informações são coletadas em domicílios e por amostragem, e é feita atualmente pela Pesquisa
por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC).
Destarte, optou-se por adotar somente a RAIS como fonte das informações, pois a pesquisa
utiliza a CNAE 2.0 na íntegra para pesquisar estabelecimentos e vínculos empregatícios, além da
pesquisa apresentar uma série histórica mais extensa (a partir de 2006 para o setor cultural),
enquanto que a PNADC usa a CNAE-Domiciliar112 para os empreendimentos e a CBO-
Domiciliar113, para a população ocupada e apresenta uma série de dados menor114.
No tocante a outros aspectos desta parte do trabalho, faz-se importante prevenir que no
decorrer da pesquisa observou-se que a classe Comércio atacadista de artigos de escritório e de
papelaria na RAIS corresponde a classe Comércio atacadista de artigos de escritório e de
papelaria; livros, jornais e outras publicações (código 46.47-8), na CNAE 2.0.
Do mesmo modo, cabe esclarecer que para uma economia na análise dos dados e melhor
visualizar o comportamento dos mesmos, agrupou-se as faixas de remuneração média (SM): Até
0,50 e 0,51 a 1,00 e as faixas 1,01 a 1,50 e 1,51 a 2,00. Resultando nas faixas de remuneração
média (SM): Até a 1,00 e 1,01 a 2,00, respectivamente.
No que se refere aos métodos estatísticos adotados, optou-se por uma análise de regressão
e correlação linear simples, pois com esse método é possível verificar com maior precisão qual o
grau de dependência e relação do indicador número de empregos formais e suas faixas de
remuneração média (SM), com outras variáveis. Sendo o modelo de regressão linear simples,
representado por:
𝑌 = 𝛼 + 𝛽𝑋1 + 𝑒1 (1)
Onde:
α = interceptor da reta;
β = inclinação da reta;
𝑒1 = erro aleatório de Y para a observação 1.
Usando o modelo obtém-se a equação da regressão linear simples que tem a forma:
112
A CNAE-Domiciliar, deriva da Classificação Nacional de Atividades – CNAE.
113
A CBO-Domiciliar, deriva da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO.
114
A PNADC passou a ser pesquisada a partir de 2012, depois que PNAD foi encerrada em 2015, modificando assim
a metodologia empregada na pesquisa.
Página 546 de 2230
𝑌̂ = 𝑎 + 𝑏𝑥1 (2)
Onde:
Ŷ = Variável preditora;
a = estimador de α;
b = estimador β;
x1 = Valor de x para a observação 1.
2 ECONOMIA E CULTURA
[...] a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e
materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e
que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos,
os sistemas de valores, as tradições e as crenças.
Assim, um conceito mais amplo de cultura parte da concepção de que a cultura faz parte
da dinâmica social, econômica, tecnológica, e etc., de uma sociedade e possui ligações com a
economia, educação, meio ambiente, e etc. que devem ser exploradas.
Entretanto, analisar o relacionamento da cultura com outros campos de conhecimento não
tem sido tarefa fácil, uma vez que, a “cultura está ou esteve isolada dos processos de integração
social e econômica”. (SILVA; ARAÚJO, 2010, p. 40). Ademais a cultura possui características
tangíveis e intangíveis, ou seja, é campo muito heterogêneo e complexo que tem dificuldades em
uniformizar termos, definir estruturas, construir estatísticas especificas do setor, entre outros.
Talvez por essas razões, o volume de estudos científicos acerca da cultura e sua ligação, bem como
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sua interdisciplinaridade com outras áreas de conhecimento, seja tão baixo. Nesse contexto Silva
e Araújo (2010, p. 83), comentam:
Um dos maiores desafios para definir indicadores é delimitar o que se pretende monitorar.
Quando o assunto refere-se a temas sociais, como cultura, é preciso antes de mais nada
identificar o que se entende por cultura e o que esse conceito abarca.
Cabe enfatizar, que o quadro 2 não resume a miríade de definições adotadas por
pesquisadores, muito menos esgota a quantidade de termos existentes atualmente. No Brasil, por
hora, os termos mais utilizados são: economia da cultura e indústria criativa.
Desta maneira, é evidente o relacionamento estreito e constante da cultura com a economia,
conforme Avogadro (2018, p. 47-49) discorre:
Portanto, numa sociedade contemporânea em que tudo é muito dinâmico e rápido, não é
concebível limitar o conhecimento, a que se estender, aprofundar e produzir informação.
Em 2017 a classe que mais contribuiu para o total foi Comércio Varejista de Produtos
Farmacêuticos para Uso Humano e Veterinário, com 2.291 estabelecimentos.
A tabela 1 aponta ainda, que o estoque de empregos formais no Maranhão saltou de
437.433 postos de trabalho em 2006 para 713.051 em 2017, representando um crescimento de
63,01% no período, sendo que a classe de atividade econômica que mais influenciou no total dos
anos de 2006 e 2017, foi Administração pública em geral, tendo 263.481 postos de trabalho no
último ano da série.
Os dados da RAIS (2006-2017), apontam ainda, que em relação a distribuição de empregos
formais por sexo, em 2006 a participação das mulheres é de 44,54% ante 55,46% dos homens. Em
2017 os valores ficam em 46,23% para as mulheres e 53,77% para os homens. No que se refere a
escolaridade, mais da metade dos empregados formais (51,67% e 54,18% em 2006 e 2017,
respectivamente) possui apenas ensino médio completo em todos os anos da série.
Com na base tabela 2, é possível notar que durante o período de 2006 a 2017, a faixa de
remuneração média (SM), que possui maior concentração de empregos formais é a de 1,01 a 2,00
salários mínimos, e apresenta uma taxa de crescimento no período de 68,83%. Em oposto, a faixa
com menor volume de empregos formais é a de Mais de 20,00 salários mínimos, com 3,06% de
aumento no período.
Tabela 2 – Número de empregos formais, por faixa de remuneração média (SM) – Maranhão –
2006-2017
Até 1,01 a 2,01 a 3,01 a 4,01 a 5,01 a 7,01 a 10,01 a 15,01 a Mais de
Ano {ñ class} Total
1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 7,00 10,00 15,00 20,00 20,00
2006 67.847 232.260 53.950 22.842 20.012 17.189 8.243 6.327 3.102 3.329 2.332 437.433
2007 73.827 259.990 59.302 25.280 21.897 16.946 9.821 6.735 2.878 3.702 2.560 482.938
2008 75.003 284.733 69.184 35.037 22.896 21.714 11.402 6.709 3.613 4.050 5.669 540.010
2009 72.985 307.825 67.687 39.216 21.146 20.583 12.305 6.793 3.514 4.016 6.205 562.275
2010 76.046 356.897 78.236 43.819 22.978 22.408 15.088 8.220 3.625 4.512 4.796 636.625
2011 76.089 365.861 93.924 51.916 23.876 23.922 15.210 9.630 3.797 4.508 6.541 675.274
2012 74.195 380.001 99.189 53.767 25.989 25.117 14.521 9.629 3.452 4.263 6.225 696.348
2013 71.380 400.256 101.847 55.175 26.722 25.682 15.979 9.604 3.503 4.220 7.122 721.490
2014 68.114 404.047 110.667 55.028 29.835 26.734 16.152 10.343 3.843 4.546 9.517 738.826
2015 64.990 389.759 110.291 52.099 31.904 28.607 15.659 10.361 3.950 4.231 11.015 722.866
2016 64.142 378.363 103.585 49.795 31.326 27.805 15.478 9.983 3.204 3.741 12.778 700.200
2017 56.766 392.118 111.040 53.057 30.066 28.630 14.651 9.804 3.388 3.431 10.100 713.051
Var. 2006-
-16,33 68,83 105,82 132,28 50,24 66,56 77,74 54,95 9,22 3,06 333,10 63,01
2017 (%)
Fonte: Ministério da Economia/RAIS (2006-2017).
Complementando o tema Tolila (2007, p. 120) coloca que “uma exploração do emprego
cultural só pode ser feita com base em pesquisas sobre o emprego geral”. Nesse contexto, cabe
lembrar que a RAIS é uma pesquisa que abrange o emprego formal na sua totalidade, diferente do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), que pesquisa apenas trabalhadores
regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A classe de atividade econômica que mais se destacou em 2006 foi Comércio varejista de
livros, jornais, revistas e papelaria, com 1.394 empregos formais, enquanto que no ano de 2017,
a classe que mais contribuiu para o total, foi Tratamento de dados, provedores de serviços de
aplicação e serviços de hospedagem na internet, com 2.333 empregos formais.
No que tange, a distribuição do número de empregos formais no setor cultural, por sexo,
os dados da RAIS (2006-2017) apontam que em 2006 a participação das mulheres era de 42,56%
e dos homens 57,44% no total. No último ano da série, 2017, as mulheres possuíam 42,69% ante
57,31% dos homens. Demostrando que, a desigualdade de gênero em quantidade de empregos
formais no setor cultural maranhense é razoavelmente acentuada.
No que concerne a escolaridade, conforme os dados da RAIS (2006-2017), os empregados
formais do setor cultural maranhense possuem em sua grande maioria (69,28% e 71,71% em 2006
e 2017, respectivamente) apenas o ensino médio completo, realidade mantida em todos os anos
do período de 2006 a 2017, atestando assim, o uso de mão de obra pouco qualificada no setor.
Quanto a participação dos empregos do setor cultural em relação ao total do estoque,
passou de 1,73% em 2006 para 1,99% em 2017. Nota-se ainda, que a média de empregos por
estabelecimento subiu de 5 para 7 em 2006 e 2017, respectivamente, expressando assim, um
progresso tímido em relação a esses indicadores.
Complementando o tema, a tabela 5 mostra a classificação dos empregos formais no setor
por faixa de remuneração média em salários mínimos. Ao analisar essa tabela observa-se que, no
período de 2006 a 2017 a faixa de remuneração média que possui maior volume no número de
empregos formais no setor cultural é a de 1,01 a 2,00 salários mínimos e a faixa que detém menor
número de empregos é a de Mais de 20,00 salários mínimos. Ademais, enquanto a faixa 1,01 a
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2,00 salários mínimos, teve um crescimento de 113,65%, a faixa Mais de 20,00 salários mínimos,
diminuiu 88,89%, no período considerado.
Tabela 5 – Número de empregos formais no setor cultural, por faixa de remuneração média (SM)
– Maranhão – 2006-2017
Até 1,01 a 2,01 a 3,01 a 4,01 a 5,01 a 7,01 a 10,01 a 15,01 a Mais de
Ano {ñ class} Total
1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 7,00 10,00 15,00 20,00 20,00
2006 937 4.617 970 343 213 171 149 78 21 18 67 7.584
2007 1.020 4.862 916 335 179 170 144 72 25 13 30 7.766
2008 1.017 5.428 963 388 210 192 163 78 20 20 35 8.514
2009 1.018 5.875 959 419 220 226 150 66 27 13 65 9.038
2010 1.191 6.664 1.170 497 225 244 154 56 27 8 51 10.287
2011 1.236 7.176 1.540 591 292 315 188 78 27 13 74 11.530
2012 1.246 7.671 2.022 657 352 343 192 73 25 11 68 12.660
2013 1.291 8.443 1.778 689 363 348 180 80 25 11 84 13.292
2014 1.114 8.284 1.870 665 326 364 169 64 24 6 104 12.990
2015 1.255 7.896 1.700 579 295 326 140 65 26 4 123 12.409
2016 1.250 10.723 1.892 594 277 271 127 72 12 7 172 15.397
2017 1.245 9.864 1.744 523 208 214 100 63 10 2 184 14.157
Var. 2006-
32,87 113,65 79,79 52,48 -2,35 25,15 -32,89 -19,23 -52,38 -88,89 174,63 86,67
2017 (%)
Fonte: Ministério da Economia/RAIS (2006-2017).
Através da tabela 5, é possível ver que a remuneração média dos trabalhadores formais do
setor cultural maranhense se concentra nas faixas mais inferiores (as três primeiras), representando
juntas em 2017, 90,79% do total de empregos formais. Cabe lembrar que, segundo os dados da
RAIS (2006-2017) o nível de escolaridade da maioria dos empregados do setor é baixo,
estimulando assim o pagamento de remunerações aquém da ideal.
O gráfico 1, exibe a equação Y = 9,22x - 5806,19, que convertendo para a forma da equação
(2), temos Ŷ = -5806,19 + 9,22x. O valor a = -5806,19, representa o valor médio estimado do
número de empregos formais (Y), quando o número teórico de estabelecimento formais (X) for
igual a 0, enquanto que b = 9,22, significa o valor médio estimado de crescimento de Y a cada
unidade de X.
Outra informação indicada pelo gráfico 1, é o coeficiente de determinação (r²) de 0,9198,
que significa que em 91,98% a variação do indicador empregos (Y) é explicada pela variação do
indicador estabelecimentos (X), ou melhor, o comportamento da variável Y depende em 91,98%
da variável X.
No que se refere a análise de correlação, existe uma correlação positiva muito forte entre
os empregos formais do setor cultural (Y) e os estabelecimentos formais do setor (X), confirmada
pelo valor do coeficiente de correlação de Pearson (r) que é de +0,96. Em suma, o estoque de
Página 556 de 2230
O gráfico 2 exibe ainda, a equação Y = 509,16x + 3982,39, que transformando para a forma
da equação (2), temos Ŷ = 3982,39 + 509,16x. O valor a = 3982,39, significa o valor médio
estimado da variável Y, quando teoricamente a variável X = 0, ao passo que b = 509,16, representa
o valor médio estimado de crescimento da variável Empregos na faixa 1,01 a 2,00 (SM) (Y) a
cada unidade da variável Tempo (X).
Outro aspecto importante a destacar é o coeficiente de determinação (r²) de 0,9232, ou
seja, a variável Tempo (X), explica 92,32% a variação da variável Empregos na faixa de 1,01 a
Página 557 de 2230
2,00 salários mínimos (Y). Coexistente à regressão, a análise de correlação, obteve o coeficiente
de correlação de Pearson (r) de +0,96, apontando assim, que há uma correlação positiva muito
forte entre as variáveis X e Y.
Quanto à regressão e correlação entre a variável Empregos na faixa de Mais de 20,00
salários mínimos (Y) e a variável Tempo (X), o gráfico 3, exibe a regressão entre essas duas
variáveis.
Importante rememorar que uma das principais razões apontadas anteriormente para esses
pontos de concentração, na distribuição dos empregos, por faixa de remuneração média, deve-se
a baixa escolaridade da população empregada no setor cultural maranhense, demostrando-se
assim, que há uma notável necessidade de fomento e investimento do poder público, privado e
individual na qualificação do trabalhador do setor cultural para que o mesmo possa usufruir de
melhores salários.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
crescimento, o número de estabelecimentos para cada 100 mil habitantes passou de 22,54
estabelecimentos em 2006 para 29,94 em 2017.
Ainda neste quadro de crescimento no setor cultural, o volume de empregos formais exibiu
um crescimento de 86,67% no período considerado na pesquisa, desempenho melhor que o
apresentado pelo Brasil (18,09%) e o Nordeste (36,78%). Destaca-se que a classe de atividade
econômica que mais contribuiu para o total em 2006, foi Comércio varejista de livros, jornais,
revistas e papelaria e em 2017 foi Tratamento de dados, provedores de serviços de aplicação e
serviços de hospedagem na internet, apontando assim uma mudança de comportamento no setor
cultural maranhense.
No que concerne aos empregos formais do setor, por sexo, de modo igual ao total geral, os
homens se mantiveram com percentual maior de participação no total do setor cultural, o que
corresponde a 57,31% para os homens ante 42,69% para as mulheres em 2017, demostrando
assim, uma variação de 0,13% para as mulheres e -0,13% para os homens no período de 2006 a
2017. O nível de escolaridade dos empregados no setor não mudou, se mantendo acumulado no
ensino médio completo em todos os anos da série.
Quanto a classificação dos empregos formais do setor por faixa de remuneração média em
salários mínimos, assim como no total geral, grande parte do volume de empregos ficou
aglomerado nas faixas mais inferiores (as três primeiras), exibindo juntas 90,79% do total em
2017. Sendo que dentre as faixas mais inferiores a que mais se sobressaiu foi a de 1,01 a 2,00
salários mínimos, apresentando um crescimento de 113,65%. Dentre as faixas de remuneração
superiores a que mais chamou atenção foi a faixa Mais de 20,00 salários mínimos, pois apresentou
a menor variação (-88,89%).
Ao se levar em consideração os graus de dependência e também graus de relacionamento,
ou seja, os coeficientes de determinação (r²) e os coeficientes de correlação de Pearson (r),
respectivamente, obtidos através das regressões e correlações realizadas na seção 4 deste trabalho,
percebe-se que as variáveis estão estritamente relacionadas. Assim, mediante aos resultados
podemos afirmar que o indicador número de empregos formais do setor cultural (Y) é explicado
em 91,98% pelo indicador estabelecimentos formais (X) e há um relacionamento forte entre as
duas variáveis (r = +0,96).
As regressões e correlações realizadas entre duas das faixas de remuneração média e
tempo, apresentaram ambas um relacionamento forte, sendo que a faixa de 1,01 a 2,00 (SM) e o
tempo apresentou um o coeficiente de correlação (r) de +0,96 e a faixa de Mais de 20,00 (SM) e
tempo exibiu um r = -0,87. Apontamos ainda, a crise econômica recente e a escolaridade dos
trabalhadores formais, como possíveis motivos para a concentração da remuneração média dos
Página 560 de 2230
trabalhadores maranhenses nas faixas inferiores (isto tanto no estoque geral, quanto no setor
cultural, que é mais acentuado).
Por fim, espera-se que as informações disponibilizadas neste trabalho possam gerar
estudos, debates, discussões, dentre outras ações que proporcionem o desenvolvimento
econômico, social e cultural do nosso Estado do Maranhão, bem como implementação de políticas
públicas mais efetivas acerca do trabalho, emprego e renda no setor cultural.
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Página 562 de 2230
Abstract: The discussion on the issue of production and consumption of objects touches on a
critical point in the delicate relationship between art and design. In the past, the proposed solution
for the impasse between these two areas layed on the basis of “utility”: if the objects were useful,
115
Bacharel em Design pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Discente no curso de MBA em Direção de
Arte para Propaganda, TV e Vídeo da Universidade Estácio de Sá. E-mail: spookakawaii@gmail.com.
116
Especialista em Design Gráfico pelo California Institute of the Arts (CALARTS). Discente nos cursos de
Especialização em Arte, Mídia e Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
(IFMA), Campus São Luís: Centro Histórico e de MBA em Direção de Arte para Propaganda, TV e Vídeo da
Universidade Estácio de Sá. E-mail: jocy.meneses@gmail.com.
117
Mestre em Design e Biônica pelo Istituto Europeo Di Design. Doutorando em Design pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Professor do Departamento de Desenho e Tecnologia da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: franciscodeassissousalobo@gmail.com.
Página 563 de 2230
their creation was the responsibility of the design professionals and, if they were not, they could
be awarded the art seal, considering that the specific objectives and paths of this area did not seek
to culminate in the idealization, manufacture and commercialization of objects for “use” (in the
strictly functionalist sense of the term). However, in the contemporary world, the supposedly
“banal” objects of everyday life take on meanings for those who consume them that are beyond
their purely practical functions, and their creation sometimes overlooks this aspect altogether. The
new meanings constructed from products designed through the manipulation of their aesthetic and
symbolic characteristics make these objects assertively move beyond the frontier that some tried
to erect and consolidate to isolate in their respective places the fields of art and design.
Keywords: Practical Function, Aesthetic Function, Symbolic Function, Emotional Design,
Psychology of Consumption.
1 Introdução
118
Impossível não lembrar da leitura que Bauman (2008, p. 60, grifo do autor) faz dessa situação: “O valor mais
característico da sociedade de consumidores, na verdade seu valor supremo, em relação ao qual todos os outros estão
instados a justificar seu mérito, é uma vida feliz. […] Em suma, uma felicidade instantânea e perpétua”.
Página 564 de 2230
atividade de design atualmente: os consumidores têm objetos diversos à sua disposição, muitos
deles com qualidades práticas extremamente similares, e a escolha agora se pauta largamente pela
associação que eles mesmos constroem entre determinado produto e suas personalidades, gostos
e interesses. Neste cenário de pluralidade de opções,
A única maneira de competir tem sido adicionar novos “significados” aos produtos,
fazendo a diferença e trazendo algumas razões para convencer os consumidores a
comprar determinado produto no lugar de outro; além das devidas funções e um preço
aceitável, os produtos começaram a apresentar formas e estilos capazes de comunicar
emoções aos usuários (MAIOCCHI; PILLAN, 2013, p. 26).
patente assumida pelo significado dos produtos demonstra que objetos presumidamente banais
hoje simbolizam mais que meras ferramentas que facilitam a execução de tarefas do cotidiano, e
em alguns casos suas funções de uso originais podem ser até mesmo minimizadas ou anuladas
para que eles operem de modo estritamente representativo. Refletir sobre a ressignificação dos
objetos expõe o potencial que a relação entre a arte e o design assume na atualidade. Surgem
objetos migrantes: ora configurados pelas mãos dos designers, acabam por assumir o “status” de
obras de arte; ora nascidos das parcerias entre artistas e marcas, têm como destino as prateleiras
das lojas, não as galerias.
2 A relação homem-objeto
Se aceitarmos que estamos todos rodeados por objetos inanimados que apelam aos nossos
sentidos e com os quais por vezes estabelecemos fortes vínculos emocionais — que passam por
todo o espectro de sentimentos, transitando entre o amor e ódio —, se faz imperativo recorrer aos
encarregados pela concepção destes objetos em busca de respostas sobre o poder que eles
demonstram ter. O estudo dos objetos produzidos na atualidade necessariamente demanda, então,
um olhar apurado sobre o modo de pensar e atuar do designer, uma vez que “o design representa
na sociedade industrial um sítio privilegiado para a geração de artefatos” (DENIS, 1998, p. 22).
Conforme explica Denis (1998, p. 22),
o design se configura como o foro principal para o planejamento e o desenvolvimento da
maioria quase absoluta dos objetos que constituem a paisagem artificial (no sentido de
“não natural”) do mundo moderno. [...] O design constitui, grosso modo, a fonte mais
importante da maior parte da cultura material de uma sociedade que, mais do que
qualquer outra sociedade que já existiu, pauta a sua identidade cultural na abundância
material que tem conseguido gerar.
Conforme explica Sudjic (2010, p. 08), as “coisas” do mundo material produzidas segundo
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a dinâmica das sociedades capitalistas são “calculadamente planejadas para obter uma resposta
emocional” daqueles que com elas interagem. Desse modo, o designer, responsável técnico pela
configuração formal desses objetos, atua como um “narrador” (SUDJIC, 2010, p. 34), ocupando-
se de tentar incutir nos produtos uma pletora de mensagens delineadas com perspicácia para que
engajem os consumidores que constituem o público de interesse previamente estabelecido,
culminando na aquisição. O autor compreende o design como uma linguagem importante para
desvendar a relação entre os indivíduos e os objetos:
O design, em todas as suas manifestações, é o DNA de uma sociedade industrial — ou
pós-industrial, se é isso o que temos hoje. É o código que precisamos explorar se
quisermos ter uma chance de entender a natureza do mundo moderno. [...] É um tipo de
linguagem, e é reflexo de valores emocionais e culturais. O que torna essa visão do design
realmente atraente é a noção de que há algo a entender sobre os objetos além das questões
óbvias de função e finalidade. Isso sugere que há tanto a ganhar explorando-se o
significado dos objetos quanto considerando o que fazem e o visual que têm (SUDJIC,
2010, p. 49).
Para Löbach (2000, p. 54), “mediante o emprego do conceito de função se faz mais
compreensível o mundo dos objetos para o homem”. Explicando em que consiste esse conceito, o
autor assevera que “os aspectos essenciais das relações dos usuários com os produtos industriais
são as funções dos produtos, as quais se tornam perceptíveis no processo de uso e possibilitam a
satisfação de certas necessidades” (LÖBACH, 2000, p. 54). Ele delineia e define três distintas
funções dos produtos, que segundo sua abordagem auxiliam a compreensão da relação
estabelecida entre portadores e objetos: a função prática, que trata dos aspectos fisiológicos do
uso; a função estética, aspecto psicológico da percepção sensorial durante o uso; e a função
simbólica, determinada por todos os aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso (LÖBACH,
2000). Dentre essas funções, são de claro interesse para a investigação do objeto ressignificado as
duas últimas. Löbach (2000, p. 66) assevera que “a função estética e a função simbólica têm
estreita relação e interdependência entre si”. Disto é possível concluir que a configuração formal
dos objetos contribui diretamente para os significados que eles têm o potencial119 de assumir, uma
vez que é através da percepção sensorial que o processo que atribui ideias e associações a
determinado objeto é despertado.
119
Tratamos da significação dos objetos usando o termo “potencial” por reconhecer que, apesar dos significados
planejados pelo designer para os produtos que projeta, “o artefato é fixo como significante mas o seu significado é
necessariamente fluido” (DENIS, 1998, p. 32). Desse modo, o significado dos objetos não é fixado em definitivo nos
mesmos por aqueles que os projetam, mas sim construído, transformado e destruído mentalmente pelas diversas
instâncias humanas que com eles interagem, a partir das experiências que com eles estabelecem. Conforme explica
Denis (1998, p. 33), “os artefatos possuem [...] diversos níveis de significados: alguns universais e inerentes [...],
outros extremamente pessoais e volúveis [...]. De onde advêm esses significados? São imputados pelos fabricantes,
pelos distribuidores, pelos vendedores, pelos consumidores, pelos usuários ou, normalmente, pela conjunção de todos
estes e outros mais, pois os objetos só podem adquirir significados a partir da intencionalidade humana. [...] De que
maneira imputam-se-lhes esses significados? Existem apenas dois mecanismos básicos para investir o artefato de
significados: a atribuição e a apropriação, os quais correspondem, em linhas gerais, aos processos paralelos de
produção/distribuição e consumo/uso”.
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Norman (2008, p. 87) explica que “as respostas humanas aos objetos do dia-a-dia são
complexas, determinadas por uma variedade de fatores”. Na tentativa de facilitar a compreensão
desse processo, o autor propõe outra classificação triádica, em que “cada um dos três níveis de
design — o visceral, o comportamental e o reflexivo — desempenha seu papel ao dar forma à
nossa experiência” (NORMAN, 2008, p. 87, grifo nosso)120. Nos ocuparemos mais detidamente
neste último nível, uma vez que ele resgata a discussão sobre o significado dos objetos. Conforme
propõe o autor sobre o nível reflexivo do sistema cognitivo e emocional,
Tudo nele diz respeito à mensagem, tudo diz respeito à cultura, tudo diz respeito ao
significado de um produto ou seu uso. Por um lado, diz respeito ao significado das coisas,
às lembranças pessoais que alguma coisa evoca. Por outro, diz respeito à auto-imagem e
às mensagens que um produto envia às outras pessoas (NORMAN, 2008, p. 107).
Do estudo das funções dos produtos e dos níveis de design, podemos concluir que, dentre
os objetos de consumo, há aqueles que exercem a função de ferramentas e acessórios de utilidade
indubitável. Além destes, existem outros em que os valores estético e simbólico são prioridades.
Estes últimos são frequentemente desencadeadores de um nível de engajamento emocional do
proprietário superior ao daqueles cuja qualidade preponderante é meramente utilitária. Tais
produtos têm o poder de proporcionar sensações como alegria, prazer e nostalgia, dentre outras.
O que importa é o que cada um deles representa para o seu respectivo dono: a rede de significados
que se encontra fora do objeto, mas na qual ele se encontra emaranhado e que justifica, para aquele
que o possui, o estabelecimento de um vínculo emocional com algo banal e inanimado.
Não mais consumimos muitos produtos que apresentem, como outrora, uma única forma
de interpretação e utilização. Estamos na hipermodernidade, na era do hiperconsumo, em que
praticamente tudo é hiper121 (LIPOVETSKY, 2004). É possível apreender que a atribuição da
superlatividade ao consumo não se justifica somente pelo fato de que a sociedade se encontra
engajada em um estágio alto (e crescente) de consumismo, mas também pelo modo como esse
consumo se estabelece: o consumidor espera e exige cada vez mais qualidades e significados das
mercadorias. Logo, este momento hiper significa, antes de mais nada, o anseio pelo grandioso,
que vai além da mera satisfação de necessidades e alcança o encantamento do
comprador/portador/usuário. Essa sedução se dá muitas vezes tanto pela estética quanto pelo
potencial que determinado bem de consumo tem de adquirir significação afetiva junto ao seu
portador, ou seja, por um apelo hedonista-sensível-emocional dos objetos.
120
É possível estabelecer certa relação entre a classificação das funções dos produtos propostas por Löbach (2000) e
os níveis de design estabelecidos por Norman (2008): enquanto o nível visceral (aparência) trataria da função estética,
o nível comportamental (prazer e efetividade do uso) se ocuparia da função prática e o nível reflexivo (auto-imagem,
satisfação pessoal, lembranças), da função simbólica.
121
Segundo Lipovetsky (2004, p. 54, grifo do autor), na hipermodernidade “as esferas mais diversas são o locus de
uma escalada aos extremos, entregues a uma dinâmica ilimitada, a uma espiral hiperbólica”.
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3 O processo de ressignificação
Quando estabelecemos vínculos emocionais com certos bens materiais que possuímos,
essa conexão se deve muito mais a fatores externos aos objetos — como as lembranças e os
sentimentos que eles despertam em nós — que necessariamente ao que eles “fazem” (ou foram
concebidos para “fazer”). O apreço pelo objeto é, então, dependente do significado atribuído a ele.
Podemos interpretar a existência de uma ligação emocional entre humano e objeto como
decorrente de um processo de ressignificação. Essa transformação acontece através de uma
modificação na forma como o objeto é percebido e manuseado, desenvolvida por meio de um
movimento intelectual, não visível.
Loureiro (2007) estabelece o conceito de “conversão semiótica”, que pode ser definido
como o momento de redeterminação da função significativa de um objeto, ou seja, quando o
significado de algo se transforma de tal maneira que este passa a ser percebido de maneira
diferente. Esse processo permite que qualquer objeto venha a ser reconhecido como algo dissímil
do que fora anteriormente. Segundo o autor,
O significado dos objetos se constitui dentro de uma teia contextual que permite
identificar a natureza desse objeto e declarar, sob o aval social da cultura, se é um objeto
de arte ou de outra natureza. Nesse caso, a legitimação do que é arte decorre de uma
espécie de “canon” não explicitado. É o que se pode absorver de Arthur Danto, filósofo
norte-americano da estética atual […]. A sua ideia da arte, como transfiguração do banal,
refere-se à uma passagem processual do objeto banal transfigurado em objeto de arte.
Essa atualização transfiguradora em que se dá a mudança de estado do objeto banal em
arte, equivalente à de qualquer objeto que se transforme em um outro diverso do que ele
foi, creio que encontra sua explicação justificadora e compreensiva no que denomino de
conversão semiótica (LOUREIRO, 2007, p. 75).
O ato transgressor de Duchamp e aqueles dos demais artistas cuja produção demonstra
ter sido influenciada por ele instigam até hoje acalorados debates sobre a relação entre a obra de
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arte e o objeto cotidiano e, por conseguinte, a relação entre arte e design. Para muitos críticos e
teóricos de ambos os campos, “o design é considerado uma espécie de atividade que não deve ser
comparada com a arte” (SUDJIC, 2010, p. 168). Isso se deve à crença de que “uma atividade [o
design] trata do mundo material, comercial e útil dos objetos produzidos em massa, e a outra [a
arte], de um mundo de ideias mais intangível e escorregadio, e da aura do singular e do inútil”
(SUDJIC, 2010, p. 168).
De um lado, alguns críticos de arte apresentam flagrante desconforto ao serem
confrontados com o emprego na arte de modos de pensar, produzir e agir semelhantes aos do
design, e os rejeitam categoricamente: “isso não é arte!”, vociferam. Os ready-mades de Duchamp,
a linha de produção serial e terceirizada na Factory de Andy Warhol (que afirmava
desafiadoramente querer ser uma “máquina”) e a “postura de vendedor” de Jeff Koons são
exemplos marcantes daquilo que desperta a ira de alguns connoisseurs, que assumem prontamente
o papel de detratores desses artistas. Apesar das duras críticas, no entanto, eles e outros
conquistaram espaço considerável dentro do circuito artístico, obtiveram estrondoso sucesso e
forçaram a arte a se reinventar nas últimas décadas.
Por outro lado, aqueles que abominam a ideia de que design tenha alguma relação com a
arte costumam elencar argumentos que apresentam a atividade artística como algo superficial,
pedante ou utópico. Projetar bens e serviços para satisfazer necessidades dos indivíduos para estes
parece ser uma atividade sublime que, por isso, foge do escopo da mera prática artística, cuja
implicação real na vida cotidiana das massas aparenta ser irrelevante ou nula aos seus olhos.
Apesar de certa “fobia” encontrada dos dois lados da fronteira — perceptível no clamor
para que haja uma cisão entre arte e design através da demarcação de linhas imaginárias que os
separem e na incitação dos membros de cada lado a perceber com maus olhos os objetivos, as
práticas e os resultados dos que transitam pelo outro —, a forte conexão existente historicamente
entre as duas áreas é um fato incontestável. Além disso, o esfacelamento dessa forma ultrapassada
de perceber a relação entre os dois campos é crescente na contemporaneidade:
Enquanto se evaporam as antigas fronteiras, se afirma um novo tipo de design feito de
sobreposições, de interpenetrações, de transversalidades. [...] o design não tem mais
estatuto claramente diferenciado. Tornou-se um universo indeterminado, aberto,
multidimensional, podendo ser ao mesmo tempo objeto utilitário, decoração, moda, arte
e até peça de luxo pelo preço proibitivo que às vezes é o seu. Assim é o estágio híbrido,
transestético, do design característico do último ciclo do capitalismo artista. Depois do
grande movimento vanguardista de purificação funcionalista das formas, eis-nos no
tempo hiperconsumista da hibridização dos territórios e das formas (LIPOVETSKY;
SERROY, 2015, p. 243, grifo do autor).
Caso pensemos no que definia grande parte do raciocínio de Marcel Duchamp, e de Andy
Warhol também, havia certamente uma preocupação íntima com muitas das mesmas
questões que sustentam os aspectos mais reflexivos do design. Em particular, tanto
Duchamp quanto Warhol exploraram a importância da produção em massa. O mictório
ready-made e as serigrafias de Mao sugerem algo importante sobre nossa relação com
objetos industriais e o impacto da produção em massa sobre a cultura. Entre outras coisas,
nos falam do poder que a arte tem de transformar materiais banais em objetos de valor
incalculável. Mas é isso que o design também trata — em geral não como ferramenta
crítica, mas oferecendo um guia passo a passo (SUDJIC, 2010, p. 169, grifo do autor).
É nesse caráter flutuante dos significados dos objetos que reside o conceito de
“ressignificação”. Arte e design têm o poder de transformar o ordinário em sublime. Obviamente
as duas áreas atuam de modos diferentes, muito próprios e específicos, nesse processo. Os artistas
podem ressignificar os objetos cotidianos os retirando da esfera do banal — como fizeram em
diversas instâncias Marcel Duchamp e Jeff Koons, à guisa de exemplo —, atribuindo a eles novo
significado e status, o de “arte”; ou buscando justamente nos significados correntes desses objetos,
nas ideias que eles carregam consigo, a referência e a inspiração de que todo artista necessita para
poder produzir — aqui, servem de exemplo Andy Warhol e Barbara Kruger. Os designers, por
outro lado, ressignificam os objetos que projetam a partir do tratamento conceitual, estético e
simbólico conferido a eles. Isso pode acontecer de diversos modos. Um deles, a homenagem —
Yves Saint Laurent, por exemplo, fez tributos a vários dos grandes mestres do cânone da história
da arte em sua moda, como o também fizeram vários outros estilistas. Outro, a colaboração —
que ocorre de modo crescente e da qual existem vários exemplos emblemáticos: um deles, a
icônica parceria entre Elsa Schiaparelli e Salvador Dali, que resultou em uma “arte vestível” da
mais alta qualidade; outro, as sucessivas parcerias que a marca Louis Vuitton estabeleceu com
artistas contemporâneos tão variados quanto Richard Prince, Yayoi Kusama, Cindy Sherman, Jeff
Koons e Takashi Murakami. Há ainda o plágio, que infelizmente acontece em larga escala,
culminando na produção de objetos que se apropriam de características da obra de um artista sem
a sua permissão e sem lhe conferir crédito algum, além de, em alguns casos, esvaziar
completamente de sentido essas características no processo de apropriação indevida — como fez
a identidade visual da marca Supreme ao se utilizar da iconicidade da obra de Barbara Kruger para
promover justamente um dos comportamentos que ela detrata em suas imagens: o consumismo.
Para além desses modos de ressignificar o objeto cotidiano, que envolvem
necessariamente um artista e sua obra, há um outro: nele, o designer assume ele mesmo, guardadas
as devidas proporções, o papel e o status de artista. Sudjic (2010, p. 169) comenta que “quase
todos os designers foram treinados para, no fundo, acreditar que design não é arte. Talvez por isso
tentem com tanta frequência ser artistas”.
A tentativa de cisão entre arte e design é persistente no ensino e na prática de design,
porém pouco produtiva, visto que
o esforço histórico do design para afastar-se do sentido artesanal e individualista da tradição
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O “artifício” de que trata o autor é uma das formas de exercitar o pensar artístico na
produção de objetos. Essa inventividade é essencial para a criação de produtos com maior valor
agregado, que se destinem a mais que simplesmente auxiliar no cumprimento de tarefas cotidianas
ao possibilitar algo mais, que seja mais simples de vivenciar que de explicar. Não é razão. É
emoção. Não é físico. É espiritual. Não é lógica. É fantasia. Uma experiência que suspenda ou
derrube definitivamente a crença em muros erigidos de maneira equivocada, e faça as comuns
exclamações apressadas e pouco pensadas — “NÃO É DESIGN!”, “NÃO É ARTE!” — darem
lugar a interrogações introspectivas: Pode ser design? Pode ser arte? Pode ser design e arte?
4 O produto-obra ressignificado
122
Como evidencia a clássica anedota do Ford T, que podia ser escolhido em qualquer cor, desde que fosse preto.
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proprietários, bem como externa, ao servir como instrumentos caracterizadores das identidades123
de seus possuidores.
Surgem, a partir da década de 1980, certos modos de praticar design que podem ser
equiparados aos artísticos — como a produção e o lançamento de produtos únicos, assinados e em
edição limitada —, fazendo com que qualidades comumente vistas em obras de arte fossem
integradas ao caráter do objeto de design (LIPOVETSKY; SERROY, 2015). Schneider (2010, p.
223, grifo do autor) comenta que
Na década de 1980, houve uma nova aproximação, ou melhor, uma diluição da diferença
[entre arte e design] [...]. A iniciativa não partiu dos movimentos artísticos, mas do
chamado “Novo Design”. Numa veemente confrontação com o funcionalismo
convencional, surgiu um novo entendimento do design, que não aceitava mais os antigos
ideais [...] A finalidade de uso não era mais a característica primordial dos objetos de
design. Os objetos de design, sobretudo os clássicos, tornaram-se objetos de arte e de
exposição. O resultado foi a transposição dos limites entre arte, artesanato e design. A
experiência do “Novo Design” em sua proximidade da arte, a forma de trabalho
transpondo limites entre artesanato, arte e indústria, as numerosas exposições em museus
e o novo autoentendimento dos designers-celebridades também fizeram crescer no
público em geral a consciência do design enquanto parte da cultura equiparável à arte.
Surgiram museus de design ou departamentos especiais em museus de arte.
Simultaneamente, a arte se torna parte cada vez mais indissociável do mundo material
contemporâneo, à medida em que as massas desejam — e até mesmo exigem — doses constantes
de beleza, surpresa e encanto124 em meio às pressões, instabilidades e percalços da vida cotidiana.
Dessa forma, é evidente e crescente a necessidade de que sejam engendradas estratégias para que
os mais variados objetos e formas de entretenimento sejam dotados de características visuais e
conceituais oriundas ou similares às advindas do mundo artístico. A partir dos anos 1980, o design
passou a se flertar com características tradicionais da obra de arte, como o status, o luxo e a
opulência. Com isto, não se exclui sua produção para a massa, mas o designer ganha o direito de
assinar seu produto-obra quando este, por sua vez, está sujeito à preciosidade devido à linha de
produção limitada.
Lipovetsky & Serroy (2015, p. 27, grifo do autor) comentam o surgimento de um
“universo de superabundância ou de inflação estética [...]: um mundo transestético, uma espécie
de hiperarte, em que a arte se infiltra nas indústrias, em todos os interstícios do comércio e da vida
123
Sobre a identidade do consumidor e a sua relação com o consumo, vale frisar que, conforme destaca Bauman
(2008, p. 141), “na sociedade líquido-moderna de consumidores, não há identidades recebidas de nascença, nada é
‘dado’, muito menos de uma vez por todas e de forma garantida. Identidades são projetos: tarefas a serem
empreendidas, realizadas de forma diligente e levadas a cabo até uma finalização infinitamente remota. [...] a
identidade é uma pena perpétua de trabalhos forçados. Para os produtores de consumidores ávidos e infatigáveis,
assim como para os vendedores de bens de consumo, ela é também uma fonte inesgotável de capital — que tende a
se tornar maior a cada investida. Uma vez posta em movimento ainda na tenra infância, a composição e o
desmantelamento da identidade se torna uma atividade auto-propulsora e auto-estimulante”.
124
Obviamente a prática artística não se restringe a essas questões, porém elas são inegavelmente algumas das
características artísticas preponderantemente agregadas ao processo de design quando ocorre a conjunção entre essas
duas áreas de atuação — em detrimento de outras como por exemplo o nível reflexivo e questionador da arte, que
geralmente não serve aos interesses capitalistas da máquina de consumo (mas ainda assim está sujeito a ser apropriado
e, muitas vezes, esvaziado de sentido por esse processo).
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comum”. Nesse panorama, “o domínio do estilo e da emoção se converte ao regime hiper: isso
não quer dizer beleza perfeita e consumada, mas generalização das estratégias estéticas com
finalidade mercantil em todos os setores da indústria de consumo” (LIPOVETSKY; SERROY,
2015, p. 27, grifo do autor). De acordo com os autores, o capitalismo
está na origem de uma verdadeira economia estética e de uma estetização da vida
cotidiana: em toda parte o real se constrói como uma imagem, integrando nesta uma
dimensão estético-emocional que se tornou central na concorrência que as marcas travam
entre si. É o que chamamos de capitalismo artista ou de criativo transestético, que se
caracteriza pelo peso crescente dos mercados da sensibilidade e do “design process”, por
um trabalho sistemático de estilização dos bens e dos lugares mercantis, de integração
generalizada da arte, do “look” e do afeto no universo consumista (LIPOVETSKY;
SERROY, 2015, p. 14, grifo do autor).
Conforme propõe Loureiro (2007, p. 75), vivenciamos uma era em que existe a
“assimilação indiferenciada entre arte-cultura-economia”, o que possibilita que um item qualquer
possa vir a obter alto valor significativo. Este processo ocorre devido à competência humana de
estruturar e reestruturar símbolos, necessária para fazer com que um objeto que carrega em si certa
função culturalmente sancionada possa ser convertido em algo a que é atribuída outra função,
distante da inicial. Isso é viável “uma vez que as funções são qualidades percebidas/atribuídas aos
objetos” (LOUREIRO, 2007, p. 15). Desse modo, é possível que objetos do uso cotidiano sejam
recortados de seus contextos originais e transformados em peças de coleções privadas ou
museológicas, protegidos da manipulação por usuários à qual eram destinados, ou até mesmo
convertidos e cultuados como obras de arte em si mesmos. Aqui, obviamente, os valores estético
e simbólico do objeto ultrapassam o seu valor de uso, tornando imprescindível exibir com orgulho
e proteger esses objetos para a posteridade, mesmo que isso inviabilize que o próprio colecionador
ou os visitantes da coleção os experimentem em sua função habitual. Como exemplo, temos as
cadeiras que marcaram a história do design, cujas imagens são abundantes nos manuais destinados
ao treinamento dos futuros profissionais do campo, já que ilustram a história das transformações
ocorridas tanto na própria área do design quanto nas sociedades em que a produção e o consumo
desses objetos estavam inseridos. Exibidas em museus, essas cadeiras — nas quais nunca
sentaremos, mas que admiramos de pé enquanto imaginamos como seria essa experiência — se
tornam objetos imortalizados que, retirados da função para a qual foram concebidos, gozam do
status de evidências materiais de um momento histórico e, de certo modo, convertem-se em
objetos de culto, gozando de uma “aura” equiparável à das obras de arte. Elas servem para saciar
a fome dos olhos — e talvez até mesmo da alma — dos visitantes, não para oferecer repouso aos
corpos cansados que transitam por esses espaços e com eles se deparam.
O que explica o desligamento destes produtos de suas funções primárias, fazendo com que
assumam valor de “tesouro” (MOLES, 1981, p. 177) é que o interesse que recai sobre eles é
diferente do usual e previsto. Muitos dos objetos de hoje podem ser considerados fonte de
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transcendência para seus portadores. Para eles, manter, cuidar e exibir uma coleção de bonecas
com as quais não se brinca, de carros com os quais não se desloca ou de qualquer outro objeto
transposto de sua “função”, no sentido estreito (e ultrapassado) da palavra, é uma atividade da
mais alta importância, que demanda gastos financeiros muitas vezes exorbitantes e que traz
recompensas emocionais da mesma magnitude. Esses objetos proporcionam para os indivíduos
que os possuem um prazer que não é muito diferente daquele experimentado diante das belas
pinturas do Renascimento, ou das intrigantes esculturas do Barroco. Nessa relação extremamente
individualizada entre as pessoas e os objetos, se torna cada vez mais difícil separar arte e design:
é tarefa árdua encontrar algum valor de um que não tenha impregnado o outro, em maior ou menor
medida.
5 Considerações finais
O design surgiu aliado à produção industrial, e no curso de sua história já esteve associado
tanto a uma preocupação excessiva com a aparência dos produtos quanto à busca exclusiva por
soluções de necessidades, com o intuito de facilitar as vidas dos usuários, contribuindo para a
resolução de imbróglios experimentados por eles no cotidiano. De modo a atender às expectativas
dos consumidores da era do capitalismo artista, nas últimas décadas assistimos ao crescimento da
preocupação estética e simbólica na concepção de objetos, que hoje existem em superabundância
e se diferenciam cada vez menos no que tange ao aspecto funcional que apresentam.
A consideração conjunta das características formais e funcionais dos objetos está agora no
cerne da atuação do designer. O potencial do design é explorado não mais de modo restrito ao
desenvolvimento da funcionalidade dos produtos, mas contemplando também a esfera hedonista-
sensível-emocional do consumo. Esse movimento do campo do design coincide com um momento
em que o consumidor busca frequentemente pelos prazeres instantâneos — ainda que
eventualmente passageiros — resultantes da aquisição de novos objetos. Para que esse
contentamento possa ser prolongado, o designer se utiliza constantemente da sua capacidade de
desenvolver — ou ao menos otimizar — produtos com o objetivo de que exerçam suas funções
utilitárias a contento ao mesmo tempo em que despertem emoções em seus proprietários,
cumprindo as tarefas deles esperadas e servindo também para ser exibidos com satisfação e para
comunicar algo sobre aqueles que os portam. O consumo não se trata mais necessariamente de
demonstrar alto poder aquisitivo, mas principalmente de contribuir para a construção e
publicização da identidade de quem adquire os objetos. Nesse cenário, o designer passou a estudar
e capturar desejos, sentimentos e sonhos do comprador para então devolvê-los sob a forma de
produtos no mercado, disponibilizando objetos carregados do potencial de despertar significados,
que aguardam nas prateleiras o momento em que surgirá algum indivíduo disposto a com eles
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estabelecer interação significante o suficiente para culminar em sua compra. É evidente o desejo
generalizado por objetos que apresentem algo além da função utilitária, que sejam capazes de
desenvolver relações peculiares tanto internas, com seus proprietários, quanto externas, servindo
como instrumentos caracterizadores das imagens daqueles que os possuem.
O design se tornou uma indústria da diversão, do prazer, do fascínio. Ao estudarmos com
atenção os objetos belos, intrigantes e arrojados que consumimos — ou aspiramos consumir —,
além de compreendermos que essas características inevitavelmente são projetadas de modo a
provocar a curiosidade e o desejo e impulsionar o consumo, encontramos uma forma de conjunção
do design com a arte: um objeto que desperta os sentidos dessa maneira não obteria tal êxito se
não apresentasse forte preocupação estética e simbólica. Pode-se afirmar que incutir essas
características em um objeto de modo bem sucedido demanda uma maior aproximação da
imaginação que da técnica, da liberdade criativa que do rigor projetual e… da arte que do design!
A decorrente ressignificação dos objetos banais, que passam a transitar na fronteira entre
obras de arte e objetos de design, cria conflitos que permeiam o imaginário de todos aqueles que
se preocupam em teorizar sobre a cultura material e suas questões. “Design não é arte!”, prega o
mantra repetido à exaustão por alguns nesse tipo de debate, que geralmente é acalorado. Refletir
sobre essa máxima é, no entanto, salutar para ambos os campos de atuação. Em vez de fechar as
fronteiras terminantemente de modo a isolar as duas áreas, é necessário desconstruir os
preconceitos por trás desse tipo de pensamento. Apesar de design não ser arte e arte não ser design,
ambas as áreas têm pontos de interseção inevitáveis, e há evidências robustas que comprovam que
muitos dos objetos com forte apelo comunicacional e comercial encontrados no mercado são
frutos justamente destes pontos de contato entre elas.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Zahar, 2008.
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QUELUZ, Marilda; CRESTO, Lindsay. Nós e as coisas: como re-significamos os artefatos através
do uso. In: QUELUZ, Marilda (org.). Design & consumo. Curitiba: Peregrina, 2010. p. 115-140.
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Resumo:A investigação aborda a fotografia como memória a partir dos álbuns de família de forma
estendida (físico e digital). As fotografias são documentos guardados como memórias particulares,
mas também social. A pesquisa buscará entrelaçar a Arte (fotografia como linguagem), mídia (a
evolução da fotografia do suporte físico para o digital), memória e documento (relação da
fotografia com a sociedade), alinhavando os eixos com a educação por meio da proposição de
projeto com estudantes, convidando-os a criarem narrativas autobiográficas por meio da
fotografia. A abordagem está sustentada em Le Goff (1996) Documento/Monumento – Os
materiais da memória coletiva e da história, que ampara esta pesquisa no sentido em que se busca
aqui aprofundar-se na memória coletiva de um sujeito; Alberti (1991) o sujeito ao construir sua
autobiografia, se coloca na narrativa se atualizando como sujeito moderno, recriando espaços, mas
também criando. A discussão é sobre que autoridade o narrador tem na construção da
autobiografia, uma vez que o relato é baseado em sua memória e uma vez pronunciado, torna-se
documento? Ou a noção de verdade é o que menos deve importar quando se trata de memória?
Espera-se que a temática possa contribuir para o tema das narrativas autobiográficas assim como
para a construção de memórias.
Palavras-chave: Fotografia, Memória/Documento, Autobiografia, Narrativa.
The discussion is about what authority does the narrator have in the construction of the
autobiography, since the report is based on his memory and once pronounced it becomes a
document? Or is the notion of truth the least important when it comes to memory? It is hoped that
the theme can contribute to the theme of autobiographical narratives as well as to the construction
of memories.
Keywords: Photography, Memory / Document, Autobiography, Narrative.
1 Introdução
O trabalho versa sobre a temática de “retratos de família”. Será feita uma narrativa da
geratividade de uma família “os Vieira Mendes” e dos “Rodrigues Marques” (descendentes dos
Vieira Mendes) que viveram no leste maranhense na Comarca de Brejo, município de Anapurus,
nas localidades Macacos e Bacabal respectivamente. A primeira localidade pertenceu ao patriarca
Antonio Rodrigues Mendes (1884-1986) e a segunda a seu filho Manuel Rodrigues Mendes (1919-
1988).
Almeida (2015) aponta alguns autores que construíram métodos sobre interpretação da
imagem na História da Arte. Destaca Wolffin como o criador do formalismo que consiste na
compreensão da linguagem visual das obras de arte como construções objetivas e complexas. Já
para Panosfsky a arte deve se fundamentar no saber sistemático, ou seja, não deve partir da
experiência, pois para alcançar o estatuto da ciência, deve seguir o método racional. E Didi-
Huberman que critica a visão de Panofsky, afirmando que a forma de ler a imagem é dialética.
Nessa concepção, o ato de ver remete o sujeito a um vazio que o olha. Partindo da dialética do
vazio, Didi-Huberman busca fundamentos nas teorias freudianas que permitem ultrapassar
oposições entre imaginário e realidade (ficção e verdade, respectivamente).
Jacques Le Goff (1996) em Documento/Monumento – Os materiais da memória coletiva
e da história, ampara esta pesquisa no sentido em que se busca aqui aprofundar-se na memória
coletiva de um sujeito (a família como sujeito). Alberti (1991) diz que o sujeito ao construir sua
autobiografia, se coloca na narrativa se atualizando como sujeito moderno, recriando espaços, mas
também criando. A partir de Alberti (1991), é possível inferir que a construção da memória
autobiográfica está na reconstrução do passado que é uma criação ficcional da realidade. Portanto,
a construção dessa autobiografia, buscará reconstruir o passado, rememorando-o e recriando os
espaços que se apresentam à memória do narrador.
A narrativa será feita a partir de fotografias dessa família e por relatos orais, ora ancorando-
se em lembranças dos mais velhos, ora buscando amparo no que o próprio narrador lembra e/ou
presenciou. O narrador sente-se autorizado a falar em primeira pessoa amparado na proposta do
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“cinema verdade” de Jean Rouch, onde o protagonista elabora sua narrativa a partir de sua
realidade e/ou imaginação, criando o documentário ficcionado, a exemplo do filme “Eu, um
negro” de 1957.
Outras obras ficcionais servem, igualmente, para fundamentar a narrativa de contar a
própria história, como no filme “Segredos da mata AIEMPI”, onde os índios tratam de sua própria
mitologia narrando e montando cenários e representações da vida na mata, os monstros, as
estórias; no filme “O massacre de Alto Alegre” em que o massacre dos padres capuchinos é
relembrado através das fotografias e a partir delas a reconstrução da história do massacre; e, no
filme “Rio de memórias” que mostra o Rio de Janeiro do século XIX, em que a família imperial é
retratada através de fotografias.
O filme “Rio de memórias” também faz um resgate da cidade e sua evolução assim como
seus espaços físicos, as modificações sofridas naquela cidade. A história da imigração italiana
também está na película e, um direcionamento interessante observado no filme é o foco em
retratos. As pessoas eram retratadas de uma forma meio teatral, pois havia uma montagem da
cena, uma elaboração temática. É possível observar isso nos retratos da família imperial e nos
retratos da imigração italiana. Já os retratos dos negros, que eram publicados em jornais na seção
de achados e perdidos, dá a entender que o retrato era feito unicamente como um registro de posse,
uma prova de que aquele negro pertencia a alguém e quando esse negro fugisse, era publicada
uma fotografia (retrato) no jornal. As fotografias (retratos) de família aqui retratados buscam
guardar essa memória, assim como acontece desde os primórdios da fotografia – a daguerreotipia.
A fotografia tornou possível às outras classes (as baixas) também deixarem para a
posteridade a sua imagem, a sua representação, uma vez que a memória com o tempo vai se
apagando, os traços vão desaparecendo e a fotografia está ali como prova irrefutável do passado
para o reavivamento dos traços da pessoa que não está mais presente. Não apenas se referindo à
morte, mas ao tempo que não volta e a fotografia congela esse tempo (KUBRUSLY, 2006).
Leite (1998) traz a perspectiva da imagem como pertencendo ao passado, mas que
paradigmaticamente torna-se presente. A imagem ou a fotografia tem uma profundidade que joga
com o visível e o invisível. Uma imagem tem mais do que se pode perceber as vistas rápidas, pois
toda imagem é polissêmica. Ainda que aquele que faça o registro fotográfico direcione, através do
seu olhar, o observador para determinada perspectiva, escapa-lhe a apreensão total e absoluta da
mensagem que pode a fotografia transmitir, uma vez que numa imagem muito do que lá está não
foi colocado pelo fotógrafo, mas pela realidade da fotografia, do lugar e do tempo e espaço onde
ela foi feita. Segundo Kossoy (1998, p. 40) a fotografia tem uma realidade interior, que é a
primeira realidade e, que “fotografia é memória e com ela se confunde”, portanto, “a
reconstituição - ... – sempre implicará um processo de criação de realidades”, quer seja ela apenas
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recordação ou de cunho investigativo (científico). Leite (1998) faz referência a Dubois (1990) que
se utiliza das metáforas freudianas do Palimpsestos que são o ato psíquico ou da memória para
referir-se à possibilidade de ler camadas inferiores. Assim é a fotografia, não é possível ler tudo
de uma só vez, num primeiro e rápido olhar, é preciso olhar mais de uma vez para que se possa
ver nas entrelinhas, no que não estar dito, explicitado.
As fotografias deste trabalho são da minha família, estando meu ancestral mais distante
numa ponta e eu na outra. Ainda que eu não possua fotografias (retratos) de todos, buscarei
introduzi-los na história da família pela memória oral.
O que é fotografia? Para Kubrusly (2006) a resposta a esta pergunta é um tanto intrigante,
e responde com a fala de um menino: “O que é fotografia? Fotografia?...É quando a televisão
para de mexer, fica tudo paradinho e a gente pode olhar as coisas devagar. É o maior barato!”
(MARQUES et al, 2018, p. 133; MARQUES, 2019, p. 17).
O que se segue abaixo – a narrativa de uma família por meio de fotografias, em nenhum
momento foi pensado que serviria para tal objeto. As fotografias foram feitas unicamente para
guardar, congelar o tempo, guardar na memória o instante dessas pessoas e guardar ou resguardar
da morte, reter a lembrança dos que já se foram desta vida, ficando apenas essas que agora são
artefatos, memórias - fotografias.
As fotos de família, segundo Leite (1998, p. 39) “... desempenham papel fundamental na
socialização de seus membros, e na circunscrição e legitimação do setor privado da sociedade”.
Ainda sobre a classificação que Leite (1998) faz da fotografia, aqui serão analisadas as informais,
que são aqueles em que não se apresentam em ocasiões especiais como casamentos, formaturas
(estas são as formais).
2 Os Vieira Mendes
Maria Vieira Mendes (minha avó e mãe) era uma mulher excepcional. Não contava com
mais do que um metro e meio de altura, mas era todo esse pequeno corpo um ser humano de
coração universal, de bondade inigualável e de uma inocência incomparável. Minha mãe não via
a maldade dos homens, foi uma pessoa que buscou ajudar a todos a quem podia sem nada cobrar.
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Era uma dona de casa que sabia mandar em sua casa sem contudo ser autoritária, mas sabia
comandar o perímetro que lhe cabia a responsabilidade que era fazer funcionar a casa e os
negócios, desde a administração do mais comum como a comida, o cuidar do gado, da roça, dos
costumes, dos hábitos, uma vez que meu avô cuidava de coisas também como a roça e o gado,
mas quando viajava a negócio a vida ali não parava.
Meu avô, era um homem rígido, duro nas emoções, era um homem de família daquela
época, governava os seus, sejam eles filhos ou funcionários, com mão de ferro. Amava os filhos
a seu modo, ao modo como deveria se comportar um homem de sua posição – homem de negócios
e senhor de sua casa. Meu pai costumava dizer que “passava seis meses sem ranger (franzir) o
canto da boca” enquanto nós (as crianças) só vivíamos com os dentes acessos.
Minha avó era branca de cor e dizia sempre que era descendente de brancos portugueses e
indígenas, mas não tinha mais informações sobre isso, era só o que repetia sempre – que tinha
descendência indígena. Mas seus pais vieram do Ceará, fato que corrobora o que ela dizia, pois o
Estado é a terra de Iracema de José de Alencar. Meu avô, ela dizia que era descendente de brancos
portugueses e negros africanos, uma vez que era bisneto de Joaquim (Vaquim) Diniz, senhor de
escravos. O pai do meu avô era Antônio Rodrigues Mendes e seu pai (...) era filho de Joaquim
Diniz, se apaixonou por uma negra africana e por isso foi deserdado pelo patriarca (Vaquim). Meu
avô sempre negou essa história, era racista nos dizeres populares (piadas sobre negros) e alguns
de seus filhos e netos repetiam (e ainda repetem) seus dizeres, o que foi sempre rebatido por minha
avó.
Para chegar até mim (Walter Rodrigues Marques), retorno ao meu mais antigo e conhecido
ancestral – Joaquim (Vaquim) Diniz, cuja esposa desconheço, assim como também desconheço
seu filho e esposa cujo filho é meu bisavô Antônio Rodrigues Mendes (o qual chamávamos de
“pai mende”) e a esposa (Francisca, minha bisavó). Já da parte de minha avó – Maria Vieira
Mendes (também Maria Vieira Passos) o pai era Pedro Vieira Passos e sua mãe era Benedita
Rodrigues dos Santos. Segundo minha avó, seus pais vieram do Ceará.
Maria Vieira Mendes e Manuel Rodrigues Mendes tiveram dez filhos, um deles natimorto
e um com Síndrome de Down, os outros dentro do padrão do que se convencionou chamar de
normal. O filho com Síndrome de Down nunca foi diagnosticado, porém, hoje sei pelas
características que apresentava. Faleceu aos 39 anos. Seu nome é José Vieira Mendes (Zeca), foi
o caçula. O primeiro filho do casal é Antonio Vieira Passos125 (Antonio Mendes). A segunda filha
é Alcionira Mendes Carvalho, seguido de Raimundo Mendes, Francisca Mendes da Silva, Dalvina
Vieira Mesquita, Maria Mendes de Melo (Baíca), Rosa Rodrigues Marques (Rosa Vieira
125
Se registrou como filho de seu avô materno, Pedro Vieira Passos. Por isso, seus filhos têm sobrenome diferente
do restante da família.
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Rodrigues, Rosa Mendes), Maria das Graças Vieira Mendes Guimarães e o caçula. A partir do
exposto, mas pelas características do trabalho, somente farão parte os descendentes de Rosa
Mendes (a qual sou filho), ainda que se tenha uma grande quantidade de registros fotográficos das
outras irmãs.
Minha família tem uma história antes dos meus avós (os quais me criaram, por isso os
chamo de pai e mãe) com muitas lacunas e difícil de ser reconstituída, sem registros imagéticos e
talvez inexistentes vestígios documentais. De meu avô e de minha avó, documentos pessoais e
algumas fotografias (mais dela do que dele). Meu avô morreu em 10 de agosto de 1988 e minha
avó em 24 de junho de 2008 e ainda assim possui poucos registros imagéticos. Von Simson (1998)
explora imagem e memória como formas de “relatos do passado”, ao ver uma imagem é possível
ativar a memória e lembranças são trazidas do passado, sendo, portanto, possível reconstituir a
história de vida das pessoas, principalmente dos mais velhos, que precisam de algo para lembrar.
Bosi igualmente faz essa comparação quando diz: “Mas, daria a memória coletiva conta da
explicação de todos os fatos de memória, mormente do que chamamos a lembrança individual? É
o caso das imagens remotas, talvez da mais antiga que consigamos evocar” (BOSI, 1987, p. 330).
Meus avós, por ocasião do casamento, não tinham posses, apesar de meu avô descender de
um rico senhor de escravos, seu pai (Antônio Rodrigues Mendes) era um homem comum e de
poucas posses. Recorde-se que seu pai foi deserdado por ter fugido e se casado com uma negra da
senzala do pai (Joaquim Diniz). Portanto, Maria Vieira e Manuel Mendes começaram a vida do
nada. Ele já havia sido casado e a esposa havia falecido (sua esposa era Francisca). A única
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fotografia que se tem do casal é esse retrato pintado. De minha avó há bem mais fotografias, como
se pode ser verificado abaixo.
Na foto acima, minha avô com sua bisneta Sarah Mendes, filha de Eraldina que é neta de
Maria Vieira, portanto, filha de Alcionira Mendes que é filha de Maria Vieira Mendes e Manuel
Rodrigues Mendes. Sarah representa a terceira geração dos Vieira Mendes.
Esta é a minha mais antiga representação imagética feita entre 1985 e 1988. Da esquerda
para a direita tem a minha imagem (Walter), meu primo Erineu, meu irmão José de Maria (Manél),
minha prima Eraldina e minha outra prima Eronildes.
A fotografia acima (3) foi tirada no quintal da casa da mãe de Eronildes. Percebe-se que
os três irmãos se produziram para fazer as fotografias e eu e o meu irmão estávamos lá para
atrapalhar, pois ambos estamos só de calção e fazendo palhaçada.
Na foto abaixo (4) vê-se Maria Vieira na mais descontraída naturalidade e com ímpar
carisma, sorriso inocente, mas com uma implícita felicidade. Pela disposição das outras pessoas,
a ocasião é uma comemoração, sendo identificável apenas Maria Francisca (neta).
Na mesa para almoçar com o genro (Chico Lídia, meu pai biológico), a neta Eroneldes, à
direita; e sua filha Alcionira, Maria das Graças e José Vieira (Zeca) e netos e bisnetos à esquerda.
Da esquerda para a direita e em segundo plano, meu pai, Francisco de Assis Marques
(Chico Lídia), minha mãe Rosa Rodrigues Marques, eu (Walter), meu irmão José de Maria; na
mesma ordem e em primeiro plano, meus irmãos João, Francisca, Maria José e Antonio Gardene.
Esta é a primeira parte da família, sendo o primeiro filho nascido em 1973 e a última em 1985.
Para esta fotografia, foi contratado um fotógrafo profissional. Ao olhar para esta fotografia,
ativou-se em minha memória este fato, o que corrobora com o que escreveu von Simson (1998),
que o ato de ver fez com que a memória de fatos passados, viessem à tona. O que lembro dessa
fotografia é que eu já morava em São Luís e quando retornei, meu pai quis registrar o momento
em que estávamos todos ali juntos. Então, todos buscaram sua melhor roupa ou forma de serem
fotografados. Lembro que foi pela manhã, por volta das 8 horas.
Meu pai era um homem simples. Tinha os sentimentos de sua sogra, parecia não enxergar
o mau nas pessoas, soava quase uma inocência das crianças. Parecia ter herdado de sua sogra todo
aquele ser. Até parece que era ele o filho daquela doce mulher. Minha mãe não, sempre foi uma
mulher ríspida, herdou o temperamento de seu pai, essa puxou a ele, nunca foi muito amável.
Criou os filhos com mão de ferro, pelo menos os primeiros. Eu não fui criado nesse meio, fui
convidado a me retirar do ninho ainda com três meses de idade. Meu pai era apaixonado por mim.
Sempre dizia que amava todos os seus filhos por igual e até parecia mesmo que os amava sem
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distinção. Minha tia materna, Alcionira (Nega) sempre disse que era a mim a quem ele mais
amava.
A fotografia (8) apresenta o restante da família. Primeiramente, éramos seis e oito anos
depois nasce Francisca Maria (Luri) em 1993 e em 1995 nasce Lucas, fechando o ciclo familiar
de nascimentos. Na fotografia (9) abaixo, minha mãe Rosa Mendes em um momento do cotidiano
em sua casa em Mata Roma na Rua Alferes Antônio Garrêto.
Abaixo, meu pai Chico Lídia (como era conhecido). A fotografia foi feita em nossa
propriedade (Bacabal) no município de Anapurus (Maranhão). O fundo da fotografia mostra um
ambiente rural, tendo o forno de assar bolo, mas também serve para assar capão, leitão.
Eu, hoje Walter Rodrigues Marques tenho por nome de batismo Walter Vieira do
Nascimento. Sou filho de Francisco de Assis Marques (Francisco Marques do Nascimento) e Rosa
Rodrigues Marques (Rosa Vieira Rodrigues). Já foi explicado a descendência de minha mãe. Meu
pai é filho de Lídia Marques e Félix (...) sobrenome desconhecido.
Meus pais tiveram oito filhos, a iniciar por mim, respectivamente: Walter, José de Maria,
Maria José, Antonio Gardene, João, Francisca, Francisca Maria e Lucas: Rodrigues Marques.
5 Metodologia
Cada sujeito carrega uma história pessoal e através da construção de sua autobiografia
visual poderá ampliar a capacidade de questionar seus próprios valores, resguardados de
particularidades para falar de si mesmo. Pimentel (2017) acredita que as aulas de Arte deveriam
abrir espaço onde o educando pudessem expor livremente suas ideias elencando desejos,
curiosidades, descobertas, ou seja, sua vida, de modo que propicie ao aluno experiências de se
relacionar com suas vivências pessoais e sociais, provocando uma atitude significativa para a vida
por meio da produção artística.
Nas aulas de Arte é possível conduzir o processo de rememoração tecendo uma trama
intrinsecamente reflexiva sobre o sujeito, para transformação e geração de conhecimento por meio
dos envolvidos.
A narrativa de si não é relato do que se passa com alguém, mas a construção de como o
sujeito se percebe e se apresenta; é um processo contínuo que não se fixa em um papel
ou em um arquivo digital, não é somente um discurso, mas algo que deixa marcas e
memórias em fluxo. Mais que escrever ou gravar palavras e sons, é firmar compromissos
de vida consigo mesmo e com quem compartilha sua vida. (PIMENTEL, 2017, p. 309)
e relacionar consigo mesmo e seu repertório e, como pode se sentir afetado para se reconhecer
como sujeito construtor.
O próximo encaminhamento pode tomar como direção o fazer. Conforme sugestão de
Pimentel (2017), a produção de expressão e de experimentação é o momento propício para o
conhecimento de materiais, técnicas e tecnologias que agregam papel fundamental para ações e
construção de conhecimento, além da imersão do sujeito ao seu íntimo no ato de recordar suas
memórias e suas emoções já vividas. Para que o aluno possa interagir com sua produção e do
artista estudado, o professor deve trabalhar com o encaminhamento fruir, mobilizando os
movimentos de imaginação e de relações com a memória e com as marcas das vivências artísticas,
de modo que o educando sinta motivação para explorar o entrelaçamento simbólico entre as
produções.
A autobiografia visual pode contribuir para a aprendizagem de arte, entendendo que “[...]
a dimensão de experiência e aprendizagem de si não é dissociável da experiência e da
aprendizagem dos mundos sociais.” (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 89).
Considerações Finais
A análise ainda está bastante superficial, faltando a análise semiótica, por exemplo, mas
foi desafiador e gratificante elaborar este trabalho. Cavar mais profundamente a história da minha
família, a minha história, rever fotos antigas, pessoas que eu não imaginava que tivessem registros
fotográficos foi um momento ímpar. Contei com muitos da minha família para organizar as
fotografias, as buscas em lugares e pessoas que não imaginávamos guardarem esses registros. A
autobiografia em análise é referente à família de apenas um dos autores, porém, pelo escopo do
artigo, não cabe três autobiografias.
Os filmes projetados na sala de aula me incentivaram e me direcionaram muito na busca
desse objetivo de me autorretratar através dos meus ancestrais, meus familiares. Me fizeram
elaborar e reconstituir minha história de vida, minha subjetividade. Me tiraram da cômoda posição
individual, isolado, para a condição de pertencimento subjetivo, de que não sou apenas eu que me
constituo, mas sim, que sou um conjunto de individualidades e que, juntamente, formamos um em
todos – eu sou parte deles e eles de mim.
Não foram feitas análises estéticas e semióticas das fotografias, apenas leituras visuais e
descritivas de algumas apenas para situá-las, nomeando quem está nas fotografias.
Um desafio que propomos é isso possa ser feito em qualquer sala de aula, desde que os
alunos já tenham entendimentos sobre as relações familiares e sociais (conforme metodologia).
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Esperamos que o artigo possa provocar interesse nas pessoas para buscarem reviver/rememorar o
passado e poder, com isso, construir um presente e um futuro brilhante.
Referências
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VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes. Imagem e memória. In: SAMAIN, Etienne (Org.). O
fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998.
Abstract:The presence of women, nowadays, is remarkable at all levels of education, but it was
not always so. For this, it has traveled an arduous path. In this perspective, this work proposes to
analyze teaching in basic education in Pinheiro-MA, based on a bibliographic review on the
feminization of Brazilian education, followed by the analysis of data on training and female work
in basic education, revealed by research by the Study and Research Group on work and teacher
training in basic education (GEP-Training and Teacher Work) at UFMA-Pinheiro, it was possible
to obtain information on the performance and training of both genders. Of the total of 1,560
teachers in the municipality, the survey was conducted with 405, (26%), including those working
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in the municipal and state networks. Only 375 responded to which gender they belong, and so it
was found within the sample that 84% of the professors are female and 16% male. The data
obtained in this research are similar to those pointed out at the national level, confirming the
researchers' analysis of the theme on the historical reflexes of the feminization of the teaching
profession as a whole. It can then be considered that the feminised teaching profession is a
historical path, which has been consolidated in practice, making women the main players in
teaching basic education.
Keywords: Education. Genre. School. Feminine.
INTRODUÇÃO
preparar a mulher para atua no lar. Não havia preocupação com a educação feminina, pois “na
visão da sociedade, o ápice da vida da mulher era a maternidade” (SILVANO, 2014, p. 13).
Nesse período, a educação formal das mulheres, era considerada heresia social tanto em
Portugal como no Brasil, a sua ausência acarretou uma imensa massa de mulheres analfabetas na
Colônia, provocando muitos prejuízos, entre eles, o cultural (RIBEIRO, 2007, p. 24). O mito da
inferioridade dominava os âmbitos sociais. De todo modo, o letramento (nesse caso, a qualquer
gênero) não era visto como necessário ao colonialismo, pois a intenção básica dos colonizadores
não era estabelecer moradia, mas sim, manter um sistema de exploração, onde a educação letrada
não se fazia importante, não gerava lucros (SANTANA, 2014).
No início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa no Brasil, o cenário colonial
passou por modificações que foram importantes para o futuro educacional das mulheres. Com a
chegada de milhares de pessoas no Brasil vindas de Portugal, se exigia que fosse alterada a
realidade da colônia, pois agora se tratava do “abrigo” da realeza. Silvano (2014, p. 14) revela que
“dá-se início a instrução laica para a mulher, por meio do trabalho de senhoras portuguesas,
francesas e alemãs, que ensinavam costura, bordado, religião, rudimentos de aritmética e língua
nacional para as meninas de classe dominante”. Assim, teve-se a iniciativa de instruir as mulheres
de origem da classe dominante para conhecimentos considerados básicos.
Uma nova perspectiva para as meninas surgiu com a criação das escolas régias, que teriam
uma educação diferenciada, em classes separadas, contando com o ensino de professores do
mesmo sexo (CUNHA & SILVA, 2010, p. 99). Mas, um sério problema se instaurava: o
preenchimento das vagas para professores era por meio de concurso público e por pessoas do
mesmo sexo que os alunos. Como esperar aprovação em concurso público de mulheres que
tiveram uma educação deficitária?
Dessa maneira, a ampliação educacional da classe feminina não conquistou o tão almejado
espaço por falta de qualificação. Assim, nas últimas décadas do século XIX, o magistério era uma
profissão sumamente masculina e em grande parte, ainda muito religiosa. Portanto, não era
permitido religiosamente aos homens lecionarem para as meninas, era uma infração moral,
exigindo que houvesse mulheres “capacitadas” para o ensino feminino primário.
Diante dessa problemática e a carência de professores para educar meninas e meninos,
foram criadas as Escolas Normais (a partir de 1835) que passaram a admitir mulheres para atuar
na docência. Apesar disso, temia-se que elas abandonassem suas funções enquanto esposas e
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mães, e, também, significava a perda de espaço profissional dos homens (ALMEIDA, 1998, p.
64).
Contudo, deveria haver uma saída para essa situação, “um trabalho que não atentasse
contra as representações matrimoniais e a maternidade. O magistério inseria-se perfeitamente bem
nessa categoria, pelo menos era assim que rezava o discurso oficial da época (ALMEIDA, 1998,
p. 57). Portanto, a capacidade da mulher como boa educadora dos filhos, possibilitou sua inserção
no trabalho docente.
Para muitos, essa confiança dada às mulheres era uma extrema insensatez, já que elas não
possuíam instruções suficientes para tal posição, para outros, as mulheres já eram inclinadas
naturalmente para educar crianças, estabelecer relações maternas com os pequenos. Assim, o
magistério primário passou a ser tido não como um campo de trabalho, mas uma função feminina
e representada com muito amor (MONTEIRO & GATI, 2012).
Com o advento da Proclamação da República (1889), “a crença no poder da educação para
o crescimento do país repercutiu diretamente na política educacional e na criação de mais escolas”
(ALMEIDA, 1998, p. 66). Deste modo, a partir da última década do século XIX, elevou-se o papel
da educação para todos a um outro patamar, principalmente com o aumento da oferta de escolas
nesse período, exigindo maiores investimentos e logicamente, maior campo de trabalho docente.
Portanto, o ingresso feminino nas escolas para formação docente, havia dois sentidos:
conseguir instruções necessárias, já que sua educação ao longo do tempo foi precária; e também
a busca por oportunidade de um emprego remunerado. Esse primeiro passo das mulheres à um
espaço maior de visibilidade na sociedade, foi calcado de dificuldades, perante os preconceitos
referentes ao sexo. Em contrapartida, significou uma oportunidade única de conseguir uma
liberdade e autonomia.
A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO
O final do século XIX e início do século XX foi marcado pela tradição de que a mulher
não possuía as atribuições necessárias para a concorrência com os homens, em termos
profissionais e intelectuais, logo, não poderiam ocupar as funções que estes ocupavam. “Nesse
contexto, o magistério de crianças configurou-se bastante adequado ao papel da mulher como
regeneradora da sociedade e salvadora da pátria e tornou-se aceitável, em termos sociais,
familiares e pessoais, que ela trabalhasse como professora” (ALMEIDA, 1998, p. 33).
Por tais situações, o magistério primário como primeiro ponto de partida profissional para
estas mulheres, se tornou paixão, não pela liberdade de escolha, mas pelo desejo, pelo esforço, de
aproveitar a oportunidade, de alcançar alguma visibilidade no espaço público e no mundo do
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trabalho. Almeida (1998, p. 75) destaca: “após isso, alguns direitos posteriores podem ser
associados à conquista do magistério pelas mulheres, como a educação feminina, a coeducação,
uma certa independência econômica e pessoal, o voto, a licença maternidade e outros”.
Notadamente, na primeira metade do século XX, o magistério sofreu um processo de
feminização, “tanto na frequência das Escolas Normais pelas moças, como pela ocupação do
magistério pelas mulheres” (ALMEIDA, 1998, p. 65). Os mesmos conceitos que atribuíram à elas
as condições desejáveis para uma boa docência (afetividade, minúcia, bondade, delicadeza, entre
outros), passaram de tal forma, a serem internalizados por elas, que como professoras, os
utilizaram como justificativa para a “escolha” da profissão. A dificuldade de conseguir espaços
em cursos superiores, fizeram com que a profissão feminina fosse de praxe a de professora
(FREIRE, 2011).
A feminização da educação passou por mudanças e trouxe por consequência, muitos
progressos para as mulheres, isto porque depois dessa ocupação (inicialmente do magistério
primário), “as mulheres conseguiram acesso ao secundário e puderam frequentar as universidades,
e, paulatinamente, foram dirigindo-se para outras profissões” (ALMEIDA, 1998, p. 75).
Compreende-se assim que o magistério de início, foi uma oportunidade de trabalho e campo de
lutas para reivindicação de direitos, inclusive o de exercer profissões que não fossem
exclusivamente a decência.
Com a oportunidade do trabalho, surgiram também maiores responsabilidades. De certa
forma, a opressão e a submissão passaram a ser alvo de lutas por espaço e respeito, a começar
pelas mulheres das classes médias e altas que conquistaram primeiro o magistério.
Ressalta-se que nas décadas iniciais do século XX, a luta feminina intensificou-se ainda
mais quando;
Porém, essa visão não se sustentou, a educação começou a ser considerada fator de
desenvolvimento e mudanças significativas na visão do trabalho feminino no magistério
ocorreram (MARTINS, 2007, p. 95). Entre os anos de 1930 e 1940, as Escolas Normais se
disseminaram pelos estados brasileiros, nas capitais e cidades do interior, oficiais do governo ou
particulares. Depois de 1945, com a redemocratização do país, elas passaram a conceder
certificados para todas as mulheres no nível magistério, que lhes garantiam um tipo de ensino
técnico para ser professora de todo o ensino primário e secundário. Aliás, ambos os níveis de
ensino foram ocupados com força pelas mulheres com o passar do tempo.
Juntamente com esse momento abriram-se outras oportunidades preciosas para as
mulheres: os cursos superiores. Depois de sucessivas reformas nas Escolas Normais, da concessão
dos certificados em magistério (que passaram a ser considerados do nível médio), e das
reestruturações curriculares que preparavam de forma técnica os alunos normalistas, foram abertas
as oportunidades de continuação na formação no nível superior (ALMEIDA, 2014).
A feminização do magistério, entretanto, promoveu mudanças na profissão e representou
no Brasil um pontapé inicial importantíssimo na luta contra a desigualdade de gênero. Abraçar
discursos que afirmam que a entrada das mulheres como professoras levou ao decaimento do
magistério é infundado, principalmente diante das evidências que apontam a industrialização
como motivo do afastamento dos homens do ofício, considerando que produzia outras atividades
trabalhistas de maior valor econômico. Além disso, com o passar dos anos, a profissão se tornou
socialmente atrelada à mulher, levando muitos homens a rejeitarem a profissão por preconceitos.
Para Martins (2007), a herança deixada desde o início do século ainda persistia na escolha
do magistério como forma de alcançar mais rapidamente um trabalho remunerado pelas mulheres,
mesmo que as características maternais não fossem aplicadas a todas elas como era de se pensar.
Até o século XXI e independentemente de possuírem ou não as habilidades para serem
professoras, ainda continuaram a ingressar na profissão como primeira escolha de um trabalho no
ambiente público.
por Bertha Lutz, também em prol do direito ao voto, e ficaram conhecidas como Sufragetes. Os
primeiros movimentos não duraram muito. Na Europa, Brasil e outros países, perdeu força a partir
da década de 1930 e só ganhou destaque novamente, na década de 1960.
Nesse período, na Europa e nos Estados Unidos as circunstâncias favoreciam o surgimento
de movimentos que lutavam por causas identitárias. No Brasil o cenário era de total repressão. Em
1964, veio o golpe militar que via como ameaça qualquer manifestação, inclusive feministas
(PINTO, 2010). Após a ditadura, e com a redemocratização do país na década de 80, o feminismo
viveu uma fase de intensa luta e conquistaram muitos avanços, principalmente no que se refere à
entrada da mulher no mercado de trabalho e o acesso à cultura de um modo geral.
Vários grupos de mulheres são formados em todas as regiões para tratar de temas como
direto ao trabalho, educação, saúde, terra, discutir questões acerca da violência, sexualidade,
igualdade no matrimônio, entre outros. Todo o engajamento resultou em uma das mais
significativas vitórias do feminismo brasileiro, a criação do Conselho Nacional da Condição da
Mulher (CNDM), em 1984. Quatro anos após sua criação, o CNDM contribuiu para que a
Constituição de 1988 se constituísse em uma das que mais garante direitos para as mulheres no
mundo. A conquista do direito a educação escolarizada, ao trabalho e ao voto, possibilitou a
mulher manifestar sua voz, reivindicar outros direitos e não ser apenas descrita e representada nos
textos como ocorria antigamente (BATALINI; FASCINA, 2011).
Diante do exposto, fica evidente que o direito de aprender a ler, escrever e frequentar a
escola foi conquistado com árdua luta das mulheres e grande contribuição do movimento
feminista. Vale ressaltar que algumas mulheres foram torturadas e mortas para que hoje, outras
tenham a vida que gozam. Enfatizamos também que os direitos e espaços conquistados não foi
aceito de forma pacífica, a sociedade se mostrava bastante receosa, e cheia de preconceito.
Para Bourdieu (2005, p.97), o temor ao movimento feminista, presente até mesmo nas
escolas, se dava em razão de ideias conflitantes. De um lado a escola influenciada por uma cultura
machista, almejava uma educação conservadora, de outro, os interesses feministas que pregavam
a igualdade de gênero, a liberdade e a independência das mulheres.
Com o passar dos anos e muitas lutas, a mulher foi conquistando seu espaço na educação,
e outras esferas da sociedade, ainda que em algumas destas não estejam em condições iguais,
como por exemplo na política (PINTO, 2010). Na atualidade, elas ainda enfrentam desigualdades
salariais nas mesmas funções que os homens exercem, além da dupla jornada de trabalho. Sobre
isto, basta observarmos que um homem ao chegar do trabalho, utiliza seu tempo para o descanso
ou lazer, enquanto a jornada feminina só acaba após finalizar as forças realizando afazeres
domésticos imposto pela cultura do machismo. Deste modo, o mercado de trabalho e os lares
ainda apresentam entrevas a serem superados.
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Em contrapartida, hoje em dia, a mulher representa uma provedora familiar não só nos
lares das classes baixas, como nas médias, e o ofício do magistério representa uma importante
fonte de renda. A quantidade de mulheres que buscam os cursos superiores já é maior em relação
de homens, emergindo assim uma geração feminina que busca a reversão histórica de
inferioridade. A participação delas só aumentou no âmbito educacional, ou seja, se antes elas eram
consideradas incapazes, atualmente elas ocupam os meios acadêmicos por suas capacidades.
Assim, as conquistas e direitos obtidos atualmente são frutos de árduas lutas de mulheres
guerreiras do passado e a continuidade por outras no presente. Como resultado, temos a presença
feminina em vários campos tradicionalmente dominados pelos homens, como ocorre na educação,
e outras ainda mais marcantes, a exemplo da ciência da computação, administração de empresas,
odontologia, engenharia, direito, medicina, engenharia civil, elétrica e hidráulica, mestre de obras,
mecânica, como também no campo político. Aos poucos derruba-se preconceitos, tabus,
ganhamos força, espaço e respeito (PRÁ; CEGATTI, 2016).
de Pinheiro-MA no ano de 2017. Destes, 375 docentes responderam a qual gênero pertencem,
sendo 316 do sexo feminino (84%) e 59 do sexo masculino (16%).
Essa situação reflete bem o contexto histórico já destacado anteriormente, levando-nos à
reflexão de que a realidade educacional do município segue a regra histórica de feminização do
ambiente educacional do país nos últimos séculos. Vianna (2013, p. 165) destaca que essa
característica da educação se mantém no século XX e ainda persiste (não de forma negativa) no
século XXI, que apesar das intensas transformações globais, tem um cunho histórico fortíssimo
na manutenção de algumas ordens.
Os resultados da pesquisa que revelam as discrepâncias entre os gêneros atuantes na
docência, são muito semelhantes aos dados do 1º Censo do Professor realizado em 1999 pelo
Ministério da Educação (MEC), através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em âmbito nacional. Os dados demonstraram na categoria
docente do ensino básico nacional, a maioria feminina chegava a ocupar 85,7% dos cargos de
professora, enquanto o sexo masculino apenas 14,1% do professorado.
Pode-se levar em consideração uma questão bastante relevante, também constituída pela
historicidade em relação ao trabalho docente: ser professor se tornou culturalmente uma profissão
feminina, tanto por sua ampla maioria ser mulheres, quanto por estereótipos- a identidade da
profissão é de praxe feminizada. Tendo em vista isso, a docência entrou no rol de profissões
consideradas femininas, como as fonoaudiólogas, nutricionistas, cozinheiras, entre outras
(VIANNA, 2013). “Assim sendo, mulheres e homens têm a sua identidade construída socialmente
[...] da forma como o mundo lhes foi apresentado pela família, escola, comunidade, enfim, pelos
grupos sociais sob o prisma da cultura de exploração” (ATAÍDE & NUNES, 2016, p. 169).
Continuando a análise dos dados da pesquisa, das 316 professoras somente 307 apontaram
sua escolaridade. Tendo uma das professoras (0,3%) declarado ter nível fundamental, duas (0,7%)
nível médio incompleto e com o médio completo 42 professoras (13,7%) atuantes. A maioria
declarou ter graduação, 146 (47,6%) e pós-graduação, 116 (37,8%).
Quanto a escolaridade dos homens, a pesquisa apontou que, do total de 58 professores
respondentes, não houve registro contendo o nível fundamental ou com o médio incompleto.
Foram apontados apenas professores com nível médio completo 10,3%, graduados 36,2% e pós-
graduados 53,4%. Não podemos deixar de destacar que somente entre as professoras houve
presença de profissionais com baixa escolaridade.
Nessa direção, a LDB aprovada em 1996 afirma em seu art. 62 que a educação básica
deverá ser suprida por profissionais formados em nível superior, por meio de cursos de licenciatura
plena. Assim, desde então, passaram a ser priorizados em admissões profissionais, pessoas com
graduação, visando que todo o ensino básico seja ocupado por profissionais com nível superior,
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diminuindo cada vez mais a atuação daqueles com apenas o nível médio, principalmente para as
etapas finais da educação básica. A obrigatoriedade é que todos os professores sejam graduados
para a atuar em sala de aula.
Ainda segundo a pesquisa do GEP- Formação e Trabalho Docente, 249 professoras
graduadas no município de Pinheiro apontaram sua área de formação. Com destaque para os cinco
cursos com mais professoras graduadas: Pedagogia, com 96 mulheres, correspondendo cerca de
38,6% dos resultados. Em segundo lugar, o curso de Letras, com 50 mulheres, apontando 20,1%.
Em terceiro, o curso de Matemática com 15 professoras (6%) graduadas na área. Em quarto, o
curso de História com 13 graduadas (5,2%) e por fim, o curso de Ciências Biológicas, com 12
professoras (4,8%). Observa-se em especial, a quantidade de professoras pedagogas atuantes no
município, e ressalta-se que a licenciatura em Pedagogia oferece um campo maior de atuação,
visto que além do ensino infantil (foco principal dos pedagogos), também habilita para as séries
iniciais do ensino fundamental.
Quanto aos homens, 46 indicaram suas formações e os cinco cursos que apontaram maiores
números foram: Pedagogia e matemática (13%), Letras (19,9%), Ciências Humanas (8,7%) e
Filosofia (6,5%). Entre as mulheres e homens, Pedagogia e Matemática estiveram entre os cursos
com mais profissionais graduados. Importante frisar que segundo o MEC, a maioria das matrículas
nos cursos de licenciatura no país, foram de mulheres, um total de 70,6%, enquanto os homens
somaram apenas 29,4%. Com 44,7% das matrículas para os cursos de pedagogia em todo o país,
tornando-se o curso de licenciatura mais procurado do Brasil, entre instituições públicas e
privadas, seguido do curso de Educação Física (11,7%) e matemática (6%) (INEP, 2018).
O MEC, através do INEP (2018), atestou que entre os vinte cursos mais procurados pelo
público feminino, o curso de Pedagogia está em primeiro lugar (em 2017 e outros anos anteriores
também). Por outro lado, Pedagogia ocupa a 19ª posição, quando se trata da escolha dos homens.
Isso significa que a licenciatura é a primeira opção da maioria feminina, podendo ser refletido na
realidade educacional pinheirense, já que as mulheres são maioria no ensino, na procura do curso
e as que mais se formam em um curso de licenciatura específico.
Com relação as disciplinas em que há mais atuação das mulheres na educação básica,
destacam-se cinco: Português e Matemática, indicadas por 16% das professoras; Geografia e
Ciências com 9% e Ensino Religioso com 8%. Percebeu-se que as duas disciplinas com maior
carga horária no currículo escolar, são também as mais ministradas por mulheres. As disciplinas
ministradas pelos professores são: Matemática 19%, História 14%, Educação Física e Português
com 10% e Ciências 9%.
Observou-se que no caso das professoras, as disciplinas de Português, Matemática e
Geografia estão conforme as cinco graduações com maiores números entre elas, enquanto as
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disciplinas de Ciências e Ensino Religioso estão em menor frequência. Desse modo, concluiu-se
que em alguns casos, há professoras ministrando disciplinas que não correspondem a sua área de
formação. Essa questão pode ser compreendida de outra forma, já que a graduação que possui
mais profissionais é o curso de Pedagogia, e este, pela abrangência de atuação (ensino infantil e
fundamental menor) é considerado por muitos como “polivalente”, já abarca diversas áreas dentro
da limitação de sua atuação.
Quanto aos docentes do sexo masculino, a pesquisa apontou que as disciplinas Português,
Matemática e História correspondem com a suas áreas de formação. Assim, os professores
formados nessas três áreas ocupam de forma igual, três das cinco disciplinas ministradas por eles.
As outras duas (Educação Física e Ciências) não estão na lista das cinco graduações em que mais
os docentes masculinos se formaram, o que quer dizer que há, da mesma forma que as mulheres,
uma defasagem entre a área da formação inicial e área de atuação profissional.
Em 2007 o INEP (2009) apontou que a defasagem entre área de formação e área de atuação
no ensino fundamental maior era de quase 50% do total de professores atuantes na disciplina de
Língua Portuguesa. Destes, 17% eram somente pedagogos, 18% só possuíam alguma
especialização e 14% não tinham qualquer formação na área. O mesmo ocorria com a disciplina
de Matemática, com 43,9% de profissionais na área, e o restante era compartilhado por pedagogos
(16,9%), alguma área específica (0,8%) e outras áreas (38, 3%).
Diante dessa situação, a meta 15 do PNE 2014-2024 objetiva e estipula diversas estratégias
acerca das formações docentes, inclusive no que tange à oferta dos cursos superiores com maiores
incentivos em áreas com grandes índices de defasagem formação-atuação.
Outros dados importantes acerca de realidade pinheirense, diz respeito a atuação docente
nos níveis da Educação Básica. Essa composição também destaca diferenças acentuadas entre
homens e mulheres. De 332 mulheres que destacaram sua área de atuação na educação do
município: 95,8% atuam na educação infantil, 94,6% ensino fundamental menor (1º ao 5º ano),
76,9% no ensino fundamental maior (6º ao 9º ano) e 71,6% no ensino médio. Os homens-
professores atuam: 4,2% no ensino infantil, 5,4% no ensino fundamental menor, 23,1% no
fundamental maior e 28,4% no ensino médio.
É evidente que os resultados mostram que a ampla maioria docente em todos os níveis
educacionais do município é feminina, porém é notória que há um aumento da participação
masculina conforme aumenta o nível de ensino. Tal situação provavelmente está associada ao fato
de que o ensino primário em sua totalidade foi atribuído como dever/função feminina, enquanto
que, os níveis “maiores” foram atribuídos a elas posteriormente ou ocupados gradativamente
conforme lhes eram permitidas. Dessa maneira, educação básica feminizada é uma herança
cultural.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
elevou-se a favor do sexo feminino, como é o caso da Educação Infantil. Não se aboliu os homens
das escolas, eles continuam ali, porém com diferença marcantes em todos os níveis de ensino, em
alguns casos com maior e outros com menor proporção. É notável a majoritária presença feminina
nas escolas, inclusive nos cargos de liderança, antes ocupados por homens.
Atualmente, as mulheres são maioria na educação básica e nos cursos superiores, assim
como em outros campos/esfera da sociedade. As pesquisas realizadas demonstraram que o
predomínio das mulheres na educação atinge não somente no cenário nacional, mas numa escala
menor, como ocorrido no município de Pinheiro-MA. Dessa forma, consideramos que a docência
do município é também feminizada em todos os níveis de ensino, além dos cargos de gestão e
lideranças educacionais.
Os dados obtidos pela pesquisa no município retratam ainda algumas questões situadas em
âmbito nacional, além das disparidades entre os gêneros, por exemplo, a defasagem entre
formação e atuação de profissionais não qualificados, atuando ainda com pouca escolarização.
Essa é uma realidade que repercute tanto em escala macro e como micro também.
A luta das mulheres é histórica e apesar das conquistas de direitos em relação ao trabalho
e da crescente participação na sociedade, as questões de gênero requerem mais articulação das
mulheres com os movimentos sociais e feministas, para tornarem-se mais politizadas e
valorizadas.
REFERENCIAS
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UNESP, 1998.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Trad. Maria H. Kühner. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2005.
FREIRE, E. C. Mulher no magistério: uma história de embates entre espaço público e espaço
privado. Revista Lugares de Educação, Bananeiras/PB, v. 1, n. 2, p. 239-256. 2011. Disponível
em <http://periodicos.ufpb.br/index.php/rle/article/viewFile/10971/7273> Acesso em: 11 fev.
2019.
GEP Formação e Trabalho Docente. Relatório Técnico da Pesquisa sobre o Trabalho Docente
na Educação Básica no Município de Pinheiro-Ma. Repositório Institucional da UFMA. 2019
INEP. Estudo exploratório sobre o professor brasileiro com base nos resultados do Censo
Escolar da Educação Básica 2007. Brasília: Inep, 2009. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/estudoprofessor.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2019.
_____. Censo da Educação Superior 2017: divulgação dos principais resultados. Brasília-DF,
Setembro de 2018. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-
pdf/97041apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file>. Acesso em: 25 mai. 2019.
Página 610 de 2230
_____. Censo Escolar 2017: notas estatísticas. Brasília-DF, janeiro de 2018. Disponível em:
<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2018/notas_estat
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LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. – 2. ed. – Brasília: Senado Federal,
Coordenação de Edições Técnicas, 2018.
_________. O sexo e o gênero da docência. Cad. Pagu [online]. 2002, n.17-18, pp.81-103. ISSN
0104-8333. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
83332002000100003&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 fev. 2019.
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Resumo: As formas culturais de uma população são passadas entre as gerações com o objetivo de
manter vivas suas crenças, costumes e valores. No entanto, em algumas sociedades ocorre a
supervalorização de uma cultura em detrimento de outras, havendo preconceitos e marginalização
a partir de estereótipos construídos historicamente, o que pode ser percebido no Brasil em relação
às culturas dos índios, negros, homossexuais, ciganos, pessoas de religiões de matriz africana
como o candomblé, nordestinos, etc. Este trabalho tem como objetivo realizar uma breve análise
de como as culturas da região Nordeste são negligenciadas no currículo escolar, tomando por base
livros didáticos. Como metodologia, utilizamos a pesquisa bibliográfica por meio de levantamento
de obras/trabalhos que versam sobre a temática, bem como a análise de livros didáticos dos anos
de 2008 a 2017 do 1º ao 5° ano do Ensino Fundamental, área de História. De acordo com os dados
levantados, foi possível verificar que o Nordeste é lembrando sempre pela histórica desigualdade
social que é atribuída a todos os estados nordestinos, que traz como consequência o silenciamento
da história dessa região no currículo escolar.
Palavras-chave: Cultura nordestina. Currículo. Educação. Livro didático.
Abstract: The cultural forms of a population are passed on between generations in order to keep
their beliefs, customs and values alive. However, in some societies there is an overvaluation of
one culture at the expense of others, with prejudices and marginalization based on historically
constructed stereotypes, which can be seen in Brazil in relation to the cultures of Indians, blacks,
homosexuals, gypsies, people of African religions such as Candomblé, Northeasterners, etc. This
work aims to carry out a brief analysis of how cultures in the Northeast are neglected in the school
curriculum, based on history textbooks. As a methodology, we use bibliographic research through
a survey of works / works that deal with the theme, as well as the analysis of textbooks from the
years 2008 and 2017 from the 1st to the 5th year of Elementary Education, History area. According
to the data collected, it was possible to verify that in the researched books, the Northeast is always
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remembered for the historical social inequality that is attributed to all the Northeastern states,
which results in the silencing of the history of this region in the school curriculum.
Key words: Northeastern culture. Curriculum. Education. Textbook.
INTRODUÇÃO
Quando nos referimos à região Nordeste do Brasil é comum observarmos associações que
se referem, mais precisamente, às manifestações folclóricas e à problemas de ordem social como
a fome e a seca, ou seja, imagens deturpadas que, muitas vezes, a própria mídia divulga.
As manifestações culturais brasileiras apresentam características próprias, legados da
cultura dos colonizadores portugueses, negros e índios, além de outros povos que migraram para
este país. A região Nordeste, especificamente, desenvolveu hábitos próprios em relação às demais
regiões, desenvolvendo manifestações culturais diversificadas e bastante expressivas, as quais
foram herdadas e recriadas a partir das contribuições dos diversos grupamentos étnicos que
formaram a sociedade brasileira e, desse modo, continuam sendo perpetuadas de geração em
geração.
Para iniciar nossa discussão, veremos que cultura tem uma multiplicidade de
interpretações. Para Williams (2007), a palavra cultura vem da raiz semântica colore que originou
o termo em latim cultura, de significados diversos como habitar, cultivar, proteger, honrar com
veneração. O uso do termo “cultura” era utilizado com diversos significados. “Tomando em seu
amplo sentido, cultura é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade” (Laraia, 2006 apud Canedo, 2009, p.04). Portanto, de acordo com a passagem, cultura
é o modo de vida que pode ser individual ou coletivo, ou seja, é o resultado de como o ser humano
interpreta e reflete sua vivência, seja pelo conhecimento, ou pelos costumes, artes, crenças,
literatura popular e danças, dentre outros.
No entanto, alguns modos de vida, algumas culturas coexistem na sociedade em situações
de ocultamentos ou silenciamentos em relação a outros modos de viver considerados aceitos,
legítimos ou até superiores. Neste sentido, Paulo Freire (1976, p. 39 e 40), em seu livro Ação
Cultural para a Liberdade e Outros Escritos, afirma que “na cultura do silêncio as massas são
‘mudas’, isto é, elas são proibidas de criativamente tomar parte na transformação da sociedade e,
portanto, proibidas de ser”.
A história, ao longo dos anos, associa o Nordeste como parte do país pobre, miserável,
cercado pela seca e pela desigualdade social. E isso acaba sendo propagado pelos livros didáticos,
os quais mencionam a extrema pobreza de algumas cidades da região e com isso generalizam todo
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esse lugar. O Nordeste é visto sempre de uma forma generalista e sem uma identidade própria,
representado como um só local, onde a miséria e desigualdade social prevalecem, associado à
imagem da terra seca e da fome.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) de História recomendam que o ensino de história deve ser trabalhado em conjunto com a
história local, sendo esta adaptada ao currículo escolar; porém o que ocorre com frequência é a
transformação da cultura local em manifestações superficiais de determinados períodos do ano
letivo.
Este trabalho foi desenvolvido tomando por base bibliografias que versam sobre a temática
e análise de livros didáticos de História encontrados/utilizados em escolas da rede pública de
ensino do município de São Bento, interior do estado do Maranhão.
Embora tenhamos nos deparado com dificuldades para o desenvolvimento deste trabalho,
especialmente por conta da escassez de materiais impressos e/ou conteúdos publicados a respeito
do tema, esperamos que este estudo possa contribuir com pesquisas futuras e com reflexões acerca
das intencionalidades do currículo escolar, questão esta que não pode ser ignorada pelos
educadores.
A história, ao longo dos anos, tem associado o Nordeste como parte do país pobre,
miserável, cercado pela seca e pela desigualdade social. De acordo com Albuquerque Junior
(2009) apud Nascimento e Lira (2018), os historiadores que separavam o estudo de história do
Brasil e história do Nordeste, acabavam por produzir uma espécie de subordinação. A cultura
nordestina não é de fato representada na história como cultura popular, mas na maioria das vezes,
simplesmente como manifestações folclóricas.
Os documentos educacionais oficiais como a BNCC e os PCNs de História orientam os
sistemas de ensino para adaptações curriculares nas quais o ensino de história possa se articular a
história local, permitindo assim que os alunos tenham oportunidade de conhecer e valorizar os
aspectos históricos e culturais de suas localidades. No entanto, o que ocorre com muita frequência
no âmbito escolar, é uma folclorização da cultura local, transformando-a em manifestações
superficiais em determinados períodos do ano letivo. A esse tipo de abordagens pontuais, Santomé
(2013) denomina de currículo turístico, ou seja, “unidades didáticas isoladas, nas quais,
esporadicamente, pretende-se estudar a diversidade cultural” (Santomé. 2013, p. 167). Este
mesmo autor chama a atenção para um tipo de atitude de currículo turístico muito usual, a
trivialização, ou seja,
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[...] estudando os grupos sociais diferentes dos majoritários com grande superficialidade
e banalidade. Estudando, por exemplo, seus aspectos mais de estilo turístico, por
exemplo, seus costumes alimentares, seu folclore, suas formas de vestir, seus rituais
festivos, a decoração de suas habitações, etc. (Santomé, 2013, p. 168).
Outro tipo de atitude do currículo turístico é a tergiversação, uma estratégia que visa
deformar e/ou ocultar as origens históricas de comunidades alvo de marginalização social,
justificando a opressão vivenciada por estas “devido à sua inferioridade genética, à sua
vagabundagem, à sua maldade inata, etc.” (Santomé, 2013, p. 169).
Esses tipos de atitudes costumas fazer parte das práticas curriculares. A escola acaba sendo,
nesses casos, um instrumento de reprodução e reforçador de preconceitos regionais, o que pode
ser percebido em determinados livros didáticos distribuídos aos sistemas de ensino público e
particular em todo o Brasil.
A partir dessas reflexões, discutiremos a seguir, de que forma a cultura nordestina tem sido
negada, deturpada e/ou ocultada nos currículos escolares, em especial nos livros de História, e as
consequências dessa problemática.
O Nordestino é descrito, até nas ilustrações, como migrante e retirante. Em muitos livros
didáticos vi uma imagem similar: o personagem maltrapilho desenhado sob um sol
escaldante, a terra cheia de sulcos e aridez, ele com uma trouxinha, acompanhado de uma
mulher grávida com outra criança no colo, e uma legenda explicando que “Nordestinos
partem em busca de melhor destino”. Um certo livro escolar dá como título ao capítulo
que fala do Nordeste “penando na terra”, com imagem de seca e sertão. Enquanto isso,
ao apresentar o Sudeste, o capítulo seguinte traz foto de cenas urbanas, contextos
industriais e desenvolvimento. Esse discurso reforça uma suposta condição de
inferioridade daquele que nasce uma “região problema”, “afligida” por um fenômeno
climático. (Ramal, 2014, s/p).
O Nordeste é uma das regiões mais pobres do país, inegavelmente. Mas as razões são
diversas: históricas, econômicas, políticas – jamais biológicas – como apontam os que
defendem uma superioridade humana dos que vivem na parte de baixo do mapa brasileiro
(Mota, 2018, s/p).
Página 617 de 2230
Outro aspecto observado sobre a cultura nordestina nos livros didáticos é o exemplo dos
brincantes da quadrilha junina, estes sempre apresentados com roupas remendadas e sem dentes,
reforçando a ideia de pobreza e descasos na região.
Enquanto que, o Sudeste é representado nos livros didáticos como a parte que é mais
desenvolvida do país, que possui as melhores condições de vida e trabalho, trazendo fotos de cenas
urbanas, contextos industriais e a evolução que essa parte do país teve, passando a sensação que a
região Sudeste é superior ao Nordeste.
Diante do exposto, foi possível verificar como posicionamentos e atitudes preconceituosas
e discriminatórias podem ser reforçadas no espaço escolar, por meio dos seus currículos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo, 2007.
Página 619 de 2230
Abstract: The need to transform the traditional teaching model requires institutions to seek active
learning methodologies to improve themselves. With this, they hope to make the training process
more meaningful, leading the student to assume his active role and protagonist in the construction
of his own knowledge. This change brings with it a great challenge: to develop students' critical
thinking, making them capable of solving problems, creating viable strategies. It is also expected
that, after this moment of learning, they can acquire the ability to transfer what they have learned
in real situations beyond the educational environment. In this context, we seek to think about active
learning methodologies using Information and Communication Technologies (ICT) and how they
are being developed in Technical Management Courses. The implementation of an experiment
carried out in the Entrepreneurship discipline of the Technical Course in Administration of the
Technical and Vocational Training Center of Maranhão - CEMP / MA is analyzed. This is a
descriptive and exploratory research that lists conceptual aspects about active methodologies and
ICT and, finally, presents how its application occurs during the course. The contributions of active
methodologies are investigated through the application of a questionnaire with 45 students
enrolled in the discipline. The work also describes the requirements for training the administrator
and investigates how active methodologies and ICT assist in this process. It is evident that the
active methodologies favor the student's ability to reflect, making him more proactive in his
academic and professional training, being able to detect problems and seek solutions to real issues
in his daily life. It is also recognized that the training institutions must enhance the continuing
education of teachers so that they integrate the active methodologies in the teaching practices of
future technicians in administration in the search for qualification in professional training.
Keywords: Active Methodologies. ICT. Technical education. Administration.
INTRODUÇÃO
Vive-se uma constante e crescente informatização da sala de aula. Cada vez mais,
professores e educadores têm aderido às tecnologias, trazendo-as para sua realidade. São
diferentes as formas de se conectar com seus alunos e de economizar tempo de trabalho
(POLINARSKI, 2019).
Apresenta-se a importância das metodologias ativas com TIC nas práticas pedagógicas no
ensino técnico. Tem como objetivo interligar o aluno com a prática de sua área especifica de
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Por muito tempo o professor era conhecido como detentor do conhecimento, o único em
uma sala de aula capaz de responder perguntas e fazer questionamento para os alunos. As práticas
se limitavam a centralização do professor e tornavam o aluno um ser passivo, apenas capaz de
receber informações, sem opinar sobre o conteúdo transmitido, que muitas vezes ocorria por meio
de aulas expositivas (MARLEINE, 2018).
Mais do que uma simples transferência de conhecimento, aprender está ligado à capacidade
de compreender e fazer uso de raciocínio crítico e analítico. Assim sendo, tira-se de cena a
memorização para incentivar o desenvolvimento de estruturas cognitivas que facilitam a
recuperação de informações relevantes, quando estas vierem a ser necessárias para a solução de
problemas (NORO, 2012).
Cabe destacar que metodologias ativas não se constituem em algo novo, pois, segundo
Abreu (2009), o primeiro indício dos métodos ativos encontra-se na obra Emílio, de Jean Jacques
Rousseau (1712-1778), tido como o primeiro tratado sobre filosofia e educação do mundo
ocidental e na qual a experiência assume destaque em detrimento da teoria.
Buscando inovar em relação a este modelo tradicional imposto e aceito ao longo do tempo,
tem-se lançado mão das metodologias ativas de aprendizagem, nas quais é dado forte estímulo ao
reconhecimento dos problemas do mundo atual (tanto nacional quanto regional), tornando os
alunos capazes de intervir e promover as transformações necessárias (NORO, 2012).
A utilização de metodologias ativas é descrita nesse artigo com base em análises que foram
obtidas por meio da aplicação da metodologia ativa em uma turma contendo 45 alunos do curso
técnico em Administração. As práticas metodológicas foram inseridas dentro das aulas da
disciplina de Empreendorismo que contem 40 hora/aulas na grade curricular do curso.
aprendizagem) pediu aos alunos que anotassem em seus cadernos um problema (dificuldade)
encontrada no percurso entre a casa/trabalho até a escola.
A turma foi dividida em nove equipes. Estas foram desafiadas a disputarem entre si, em
que cada etapa daria uma pontuação que serviria como classificação. Cada equipe ficou com um
dos temas mais votados descritos acima.
As aulas da disciplina sempre se realizaram com base na teoria e logo aplicado na prática.
Na administração sempre se visualiza um problema como oportunidade de negócio lucrativo
(DORABELA, 2017). Partindo dessa afirmação, os alunos aprendiam um dos conceitos de
empreendedorismo: a arte de resolver problemas e lucrar com a solução deles.
a) Kahoot
Aplicativo disponível nas principais lojas digitais (Android e iOS) – gratuito, de fácil
acesso e que permite interação dos alunos com o professor por meio digital. Apresenta
características da gamificação como o tempo, o ranking e a pontuação.
O app permite que o professor elabore perguntas na plataforma, permite quatro possíveis
opções de respostas, destacando a correta e ajuste do tempo. Após a elaboração do questionário,
o app disponibiliza um código que é a chave de acesso para os alunos assinalar as respostas. Ao
enviar as respostas, os nomes dos alunos aparecem na plataforma formando o ranking. Com a
utilização do Kahoot foi realizado revisões ao final de três aulas da disciplina.
b) Google Formulários
Uma nova e bem interessante forma de avaliação pode acontecer por meio do próprio
aplicativo. No app o professor consegue criar tarefas ou pequenos testes pelo google formulários,
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de forma que se obtenha as notas logo após o efetivo cumprimento da avaliação pelo aluno. Com
isso, ganha-se tempo tanto na realização como na correção da prova.
c) Google Classroom
O google classroom é uma plataforma que pode ser utilizada em computadores, assim
como em aplicações disponível para smartphones e tablets. Seu diferencial está no sistema de
feedback que é disponibilizado para que o professor possa dar todo suporte aos alunos do início
até o final das atividades. O sistema de atividade ou postagem na plataforma vai gerar uma
notificação direta no e-mail do aluno e no aplicativo Google Classroom Mobile.
O Google Classroom vem sendo melhorado constantemente pelo Google, através das
opiniões fornecidos pelos usuários da plataforma. Daudt (2015) cita algumas funcionalidades do
Google Classroom que são: criação de turmas virtuais; lançamento de comunicados; criação de
avaliações; receber os trabalhos dos alunos; organização de todo material de maneira facilitada e
otimização da comunicação entre professor e aluno.
Figura 03 – Plataforma Google Classroom – visão das postagens realizadas pelo professor.
d) YouTube
Plataforma digital livre, com versão gratuita, que armazena conteúdo em audiovisual. Pode
ser utilizada de diversas formas para obtenção de resultados educacionais, como por exemplo
vídeos que demonstram o dia-a-dia do administrador.
Durante a disciplina foram compartilhados links de vídeos com os alunos para fomentar
debates na turma. A ferramenta facilita a visualização do real e é atraente para os alunos.
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As apresentações foram realizadas com duração média de 20 minutos por equipe, onde
mostraram todos os passos das atividades até a idealização da empresa (negócio lucrativo) que
surgiu da análise crítica de um problema. Após apresentação, os alunos responderam um
questionário sobre a experiência. Ao final, receberam o resultado da disputa de melhor empresa
(apresentação em Pitch) da noite.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A interpretação dos dados coletados ocorreu por meio do método de Análise de Conteúdo,
o qual consiste em identificar os elementos que permitem a apreciação das comunicações e
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O objetivo do resultado não deseja mostrar um caminho único, mas uma alternativa para
enriquecer ainda mais a formação desses alunos sobretudo do curso de administração.
Neste sentido, com base nos objetivos da pesquisa e no referencial teórico, foram utilizadas
as categorias a priori: metodologias ativas influenciando na formação do administrador; utilização
de metodologias ativas como fator motivador em sala de aula; e a mediação baseada em problemas
para formação técnico/critica na formação dos administradores.
RESULTADOS
Após realização das atividades feitas em sala com o auxílio das metodologias ativas e das
TIC foram identificados um crescimento motivacional e no resultado individual dos alunos,
aumentando também sua participação. Foi perceptível a redução da ausência durante as aulas.
Após análises, identificou-se a diminuição de 80% no número de faltas durante as aulas da
disciplina (análise feita na turma em que foram inseridas as metodologias ativas e as TIC em
relação a turma do semestre anterior). Segundo Oliveira (2019), as atividades práticas diminuem
o número de evasão escolar.
Após pesquisas foram identificados que 70% dos alunos se sentiram mais preparados para
debater os assuntos discutidos em sala e ainda 82,3% se sentiram mais motivados para continuar
pesquisando sobre a temática central. Percebe-se, então, a importância dessa nova pratica
pedagógica para auxiliar professor e aluno na aprendizagem (ARROYO, 2000).
A comunicação com a turma foi realizada por meio do aplicativo Google Classroom, dessa
forma os alunos ficavam sabendo de todas as notícias e informações em tempo real e ainda
recebiam notificações em seus celulares, que facilitavam a comunicação e interação entre a turma.
Na pesquisa realizada com os alunos, chegou-se à aprovação de 78,7% dos alunos avaliando como
“ótima” ferramenta de comunicação e 95,9% dos alunos relatam que voltariam a utilizar a
ferramenta proveitosamente em todo o curso. Em relatos dos alunos, identificou-se a facilidade
do app para comunicação e eficiência de interação do meio. “Hoje consigo interagir com minha
turma a qualquer momento, compartilhando informações necessárias para nossa formação” (sic)
(informação escrita) (aluno 1).
Percebe-se que 4,1% dos alunos que afirmaram que não utilizariam o app em outra
disciplina se dá pela não utilização de internet em seus celulares e/ou não tem celular com acesso
à internet. Fato que nos leva a refletir que não só deve ser implantado as TIC como prática
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pedagógica em sala, mas pensar em fatores alternativos para integrar os alunos sem acesso a esse
recurso (LISBOA, 2001).
Em uma pergunta geral e direta para a turma, questionou-se sobre o uso das metodologias
ativas e das TIC em relação a sua aprendizagem. As respostas dos alunos foram surpreendentes,
visto que 81,3% dos alunos afirmam tiverem seus conhecimentos alavancados por meio dessa
prática didática e afirmaram que essa metodologia tem efeito eficaz na sala de aula. “Com essa
prática posso aprender onde estiver por meio do meu celular e nos encontros a noite aprofundo
ainda mais meu conhecimento tirando as dúvidas com o professor.” (sic) (informação escrita)
(aluno 2).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAS
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Página 632 de 2230
proposals and the knowledge is constructed in a independent and collaborative way, as in activities
that use the Problem-Based Learning - PBL. On the PBL, the teachers plan their activities to take
the students to analyze the reality around them. The expectation is to recognize it and reflect on
the social role of each student in the transformation of society, producing learning through
collaborative resolution of challenges. This article focuses the contributions of actives learning
methodologies in the MBA Course in Strategic Marketing and Digital Media Management from
Edufor College - São Luís. It analyzes the strategical insertation of Problem-Based Learning
methology to boost the critical thinking and foment the abilities of analysis and decision in the
students. Methodologically, this research is an exploratory and descriptive study that in the
begining presentes conceptual aspects regarding active learning methodologies. It then reports an
experience about students' views on the use of PBL in teaching marketing. A focus group was
used as an instrument for data collection. It has been verified that PBL is an access path for
educational skills and abilities of century XXI, because it is a way to produce independence,
comunication, collaborative work, discussion in interdisciplinar optical, like as to promoves
critical and criative thinking.
Palavras-chave: Active Learning Methodologies. Problem-Based Learning. Marketing teaching.
Edufor.
INTRODUÇÃO
A educação superior do século XXI propõe que os professores possam refletir e repensar
a sua prática pedagógica com foco nas metodologias ativas, com a aplicação de diferentes técnicas
e estratégias de aprendizagem. Isso ocorre porque o método tradicional de ensino dá lugar a uma
nova forma de pensar o processo formativo, em que os alunos são inseridos estrategicamente no
centro de propostas didáticas e o conhecimento é construído de forma autônoma e colaborativa
(MORAN, 2015).
Este estudo trata das contribuições das metodologias ativas de aprendizagem no curso de
Pós-Graduação MBA em Gestão Estratégica de Marketing e Mídias Digitais da Faculdade Edufor
São Luís. O objetivo é analisar a inserção estratégica da metodologia Aprendizagem Baseada em
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Freire (2015) acredita que qualquer proposta didática com a intenção de ensinar deve ser
planejada com vistas naqueles que vão participar dela e, nessa perspectiva, reflete sobre os novos
caminhos e novas metodologias de aprendizagem que enfoquem nos alunos como protagonista de
sua própria aprendizagem e que propiciam a comunicação, a motivação, a colaboração, a
criticidade, a criatividade e, principalmente, a autonomia destes.
para selecionar, analisar, pesquisar e refletir criticamente sobre possíveis situações para que
possam tomar decisões (NÓVOA, 2017).
entre as metodologias PBL e POPBL - Problem Oriented Project Based Learning - Aprendizagem
Baseada em Problemas e Organizada em Projetos, uma vez que as duas apresentam as mesmas
peculiaridades e pelo fato de um problema poder evoluir para um projeto a ser trabalhado em
diversas aulas e diferentes disciplinas.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
fatores externos (as forças e as fraquezas) e os externos (as oportunidades e as ameaças) de uma
problemática em questão.
Por fim, o terceiro momento contou com a apresentação das soluções para os problemas
lançados e reflexão do processo de implementação da metodologia PBL, com a finalidade de
discutir as dificuldades que sentiram, o que aprenderam, o que poderia ser melhorado num
próximo trabalho, entre outros aspetos considerados pertinentes.
Para obter essas informações, os alunos participaram de um grupo focal, cujo objetivo
foi analisar a inserção estratégica da metodologia PBL para impulsionar o pensamento crítico e
fomentar as capacidades de análise e decisão. O pequeno número de participantes possibilitou
maior nível de envolvimento dos alunos na hora de responder cada questão da entrevista.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Aprendizagem Baseada em Problemas, seja ela aplicada via propostas didáticas ou por
meio de outras intervenções, é alicerçada por sete pilares fundamentais da “migração do ‘ensinar’
para o ‘aprender’, o desvio de foco do docente para o aluno, que assume a corresponsabilidade
pelo seu aprendizado” (SOUZA; IGLESIAS; PAZIN-FILHO, 2014, p. 285), tais pilares são aluno
no centro da aprendizagem; autonomia; reflexão; problematização da realidade; trabalho em
equipe; inovação; e professor mediador, facilitador e ativador.
Na primeira pergunta do grupo focal, os alunos foram questionados quanto ao pilar que
sugere o aluno no centro da aprendizagem, na perspectiva de “ativar” o aprendizado dos alunos,
fazendo com que eles estejam no centro do processo do ensino em que se enfoca na prática e na
compreensão de como a aprendizagem foi construída.
Os pós-graduandos destacaram que esse pilar promove maior interação dos alunos no
processo de construção do próprio conhecimento para que eles passem a ter mais responsabilidade,
Página 638 de 2230
Para Rodrigues (2014) e Freire (2015), destacam que o papel das instituições de ensino é
fomentar um ambiente mais reflexivo para que os alunos possam se manifestar e se posicionar,
dizendo com suas próprias palavras o que pensam, exercitando uma atitude mais crítica e
construtiva. Esse cenário vai estimular uma postura autônoma dos alunos.
Está aberto a acolher os interesses pessoais dos alunos, oferecendo explicações reais, do
cotidiano dos alunos. Quando o professor usa de linguagem informal e não controladora,
além de ser paciente e acompanhar o ritmo de aprendizagem dos alunos, valorizando a
cultura - experiências, saberes e opiniões – dos alunos no processo de construção do
conhecimento (sic) (informação verbal) (A4).
Aceitar as diferentes opiniões das outras pessoas. Sendo assim, cada um é responsável
pelo sucesso do grupo na tentativa de resolver as situações-problemas. Percebe-se, então,
que o ser humano é incapaz de pensar sozinho, o mesmo necessita de outros
colaboradores para o planejamento e a execução de uma análise SWOT (sic) (informação
verbal) (A7).
tornam ferramentas que possibilitam essas novas abordagens em sala de aula (sic)
(informação verbal) (A10).
Novak e Gowin (2016) recomendam que, para que esse pilar se concretize, é importante
que os professores conheçam os problemas sociais de sua localidade e que possam inseri-los
pedagogicamente ao conteúdo a ser ministrado.
Moran (2015) ressalta que essa é uma das questões que mais dificulta a problematização
e reflexão em sala de aula, pois nem sempre o professor atende a esse pilar por falta de
planejamento, inferindo negativamente no desenvolvimento do caráter autônomo que os alunos
precisam para intervir sobre um problema social.
Em atividades como está a gente aprende a reconhecer que o nosso colega de turma
também tem muito a contribuir com nossa aprendizagem. Que todos possuem
conhecimentos e que a partilha destes se torna fundamental para que o processo de
aprendizagem significativa se concretize (sic) (informação verbal) (A3).
Nesta mesma perspectiva, Nóvoa (2017) reflete que esse pilar abre espaços discursivos
para construção do conhecimento e para promoção de habilidades, competências e estimulando a
autonomia do aluno, a colaboração e, principalmente, a inteligência coletiva.
Inovação é o pilar que permeia todos os outros. Dessa forma, os alunos foram
questionados se as metodologias ativas de aprendizagem, em especial a PBL, verdadeiramente
ressignifica método tradicional de ensino. Todos os pós-graduandos foram unânimes em dizer que
sim, e ressaltaram que
O perfil do aluno de hoje não está mais adequado às metodologias que visam a
transmissão mecânica das informações no qual ele ocupa a função de receptor passivo.
Os professores precisam criar modelos de ensino que trazem inovação didática para a
sala de aula (sic) (informação verbal) (A6).
Paulo Freire (2015) é um dos pensadores que mais se preocupou com o pilar que reflete
sobre o papel do professor contemporâneo como mediador, facilitador e ativador do processo de
aprendizagem. Segundo ele
Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva a
certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas
também ensinar a pensar certo. Daí a impossibilidade de vir a tornar-se um professor
crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor de frases e de deias
inertes do que um desafiador (FREIRE, 2015, p. 29).
Diante disso, indagou-se aos alunos se eles perceberam se o professor adquiriu essas
características durante a implementação da Aprendizagem Baseada em Problemas. O aluno A9
revelou que quando o professor se coloca como ativador da aprendizagem, ele permite ao seu
Página 640 de 2230
aluno tomar o seu papel ativo em sala e desenvolver habilidades e competências educacionais do
século XXI.
Em atividades como esta, o professor oferece condições para que a gente possa refletir,
compreender, transformar e construir o conhecimento, dando, cada vez mais, importância
para o nosso potencial autônomo de compartilhar ideias. Isso retrata o verdadeiro papel
de um professor mediador, facilitador e ativador conforme preconiza as metodologias
ativas de aprendizagem (sic) (informação verbal) (A6).
Com os relatos deste grupo focal, percebeu-se que a aprendizagem, por meio da utilização
da metodologia PBL no ensino de marketing, foi significativa, atingindo seus objetivos
pedagógico e mantendo uma relação com as principais aptidões necessárias aos pós-graduandos
durante a sua formação, que é estar ter curiosidade, trabalhar colaborativamente, comunicar-se
com clareza e possuir um perfil capaz de selecionar, analisar, pesquisar e refletir criticamente
sobre possíveis situações para que possam tomar decisões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GRAAF, E.; KOLMOS, A. Management of change implementation of problem-based and
project-based learning in engineering. Rotterdam: Sense, 2009.
Página 641 de 2230
Abstract: The provision of public education to blacks in Brazil is the result of a trajectory of
exploitation, inequality and resistance. In the last decades, due to the struggles of these ethnic
groups, the drafting of laws and other norms has acted in guaranteeing better learning conditions
for this population, including in quilombola communities, strongholds for the preservation of
black ancestry. This work aims to reflect on the presence of blacks in Brazilian education,
discussing contradictions for the achievement of educational rights. It was developed through
bibliographic studies and field research in the Marajá quilombola community, in Bequimão / MA.
Interviews were conducted with school agents, at the locus of the research. In the field community
of the study, weaknesses were identified in relation to the educational offer that can be associated
with the process of exclusion of black people in the educational scenario. Education in quilombos
Página 643 de 2230
is a historic demand of the black and quilombola population that questions the curriculum and
aims to minimize inequalities that fall on these social groups. It is the duty of the State to guarantee
adequate means and conditions of educational offer and to correct the asymmetries constructed
historically.
Keywords: History of Education. Black. School. Democratization.
INTRODUÇÃO
Império, negros eram impedidos de frequentar aulas públicas, dando seguimento à promoção da
discriminação racial no acesso à educação. Essa autora ressalta a existência de registros sobre o
ingresso de negros em algumas províncias, mas que falta de subsídios para permanência na escola
dificultava que esses estudantes dessem continuidade aos estudos.
Assim, como indica Ferreira Júnior (2010, p. 40): “[...] a amplíssima massa do povo
brasileiro, incluindo os escravos desafricanizados, ficou excluída da educação durante a vigência
do Império, mesmo porque os escravos não eram considerados cidadãos pela primeira
Constituição do Brasil”.
Face às lutas por liberdade, que repercutiam em conquistas paulatinas126, o acesso
educacional a negros se deu de maneira processual e fragmentada. A exemplo disto, o Decreto nº
7.031 de 1878 permitia o acesso de negros escravizados às escolas desde que seus senhores assim
permitissem, além da condição de que a frequência ocorresse somente durante o período noturno.
Os negros livres já haviam conquistado esse acesso, embora parcialmente, porém negros
escravizados permaneciam totalmente excluídos da escolarização (Santos et. al, 2013)
Apesar das regras que dificultavam os negros de serem alfabetizados há registos de
algumas escolas que funcionaram durante essa época no Brasil, que forneciam educação a negros
escravizados e libertos, pardos e indígenas. Nessas escolas era-lhes ensinado o básico, como ler,
escrever, as quatro operações matemáticas e religião (Santos et. al, 2013).
A proibição da escravidão no território nacional, em 1888, e proclamação da República
mudaram pouco a situação dos negros em relação à garantia de direitos, pois não foram criadas
políticas para promoção de justiça social aos “libertos” e seus descententes. Em relação à
educação, houve expansão do ensino público por meio dos grupos escolares públicos laicos, mas
parcela expressiva de crianças negras continuaram excluídas, assim como brancos pobres e filhos
de imigrantes europeus que trabalhavam no campo, visto que grande parte dessas instituições
ficaram concentradas nas cidades (Ferreira Jr, 2010)
Com o advento da Constituição de 1988, Aranha (2012) diz que houve uma lenta
aculturação do povo negro, por meio da qual o Brasil inovou no sentido de garantir e financiar
escola pública, obrigatória e gratuita a todos os cidadãos, no entanto esta foi apenas uma medida
de mascarar o racismo e a opressão que a população afro-brasileira vinha sofrendo.
Durante todo esse processo, negros lutaram por acesso e qualidade educacional. De acordo
com Gonçalves e Silva (2000), foram as entidades negras que ofereceram escolas para a
alfabetização de adultos e formação ampla de crianças negras no início do século XX. E a partir
do final da década de 1970 e durante os anos 1980, a educação tornou-se prioridade na pauta do
126
Em razão da luta dos negros por liberdade o alcance de uma sociedade igualitária, em setembro de 1871 foi
assinada a Lei do Ventre Livre, por meio da qual os filhos de escravizados que nascessem no território do Império a
partir da estabelecida lei, seriam considerados livres.
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Movimento Negro que buscou a unificação das entidades através do Movimento Negro Unificado
e maior participação no debate por políticas públicas.
Nesse contexto de lutas, foi aprovada a Lei 10.639/20003 (Brasil, 2003) que trata da
obrigatoriedade do ensino de história e cultura Afro-brasileira e africana na educação básica em
todo país com objetivo de valorizar as contribuições da população afro-brasileira à construção da
sociedade nacional.
Outra conquista decorrente da ação dos movimentos sociais, notadamente o Movimento
Quilombola, foi a aprovação das Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola, no
dia 20 de novembro de 2012, definindo objetivos, princípios e critérios para organização de
educação escolar em escolas localizadas em comunidades quilombolas ou que atendam estudantes
oriundos de territórios quilombolas (Brasil, 2012b).
Nesse trajeto da historiografia da educação no país, as lutas da população afro-brasileira
que busca a promoção de uma educação igualitária tem sido incessante. De modo geral, a escola
manteve-se resquícios dessas desigualdades que deixaram uma grande lacuna na inclusão
educacional e social do povo negro. Em relação à educação quilombola, os desafios postos são
amplos, pois de um lado tem-se o reconhecimento da especificidade da modalidade de ensino,
mas de outro permanecem inseguranças envolvendo as condições de oferta apresentadas às
comunidades quilombolas.
Fundamental, notadamente as séries iniciais. Essas instituições são ricas em diversidade, práticas
pedagógicas, modos de ser e de fazer a educação atenta às especificidades das comunidades em
que se localizam. No entanto, ainda há escolas quilombolas que funcionam de maneira
improvisada, com infraestrutura precária, materiais didáticos escassos e outras dificuldades.
As DCN’s para Educação Escolar Quilombola se fundamentam no reconhecimento de que
o histórico de desigualdades e violência sofrido pelas comunidades quilombolas reverberou sobre
a conquista do direito educacional. Também, que esses coletivos são dotados de uma série de
conhecimentos, práticas e tecnologias passadas de geração a geração e que, nesse sentido, a oferta
educacional deve prever formação básica comum, bem como respeito aos valores culturais dos
povos quilombolas (Brasil, 2012b).
No Brasil, conforme dados da Fundação Cultural Palmares, existem cerca de 4.000
comunidades quilombolas certificadas. No Maranhão, um dos estados com maior número de
comunidades quilombolas, eram 816 comunidades no ano de 2019127. Para refletir sobre a
realidade de oferta educacional em quilombos na atualidade, selecionamos o povoado Marajá,
localizado no município de Bequimão/MA. Foi realizada visita à comunidade, ocasião em que foi
utilizado o método de observação direta e entrevistas com membros da comunidade escolar, no
sentido de atender aos objetivos da pesquisa.
127
Disponível em: < http://www.palmares.gov.br/?page_id=37551>
128
Dados disponíveis em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ma/bequimao/panorama>
129
Dados retirados de < http://www.palmares.gov.br/sites/mapa/crqs-estados/crqs-ma-02082019.pdf>
Página 648 de 2230
Sobre a oferta educacional, a legislação vigente determina que o poder público deve prover
as condições objetivas para desenvolvimento de educação de qualidade nas comunidades
quilombolas e que respeite e valorize a diversidade cultural dessas populações. De acordo com o
que prevê as para a DCN’s para a Educação Escolar Quilombola (Brasil, 2012b, art. 2º, I-III), cabe
à União, aos Estados, aos Municípios e aos sistemas de ensino garantir às escolas quilombolas
apoio técnico-pedagógico aos estudantes, professores e gestores; recursos didáticos, pedagógicos,
tecnológicos, culturais e literários que atendam às especificidades dessas comunidades; além da
construção de propostas de Educação Escolar Quilombola contextualizadas.
Sobre a escola-campo do estudo, pode-se afirmar que possui infraestrutura simples,
contendo apenas um (01) banheiro, uma (01) cantina e uma (01) sala de aula. A sala é
130
Baseado em registro da Associação de Moradores Do Povoado Marajá (2003) e informações colhidas através das
entrevistas.
Página 649 de 2230
131
Sobre o PDDE: <https://www.fnde.gov.br/programas/pdde>
Página 650 de 2230
Sobre a escola-campo desse estudo, cabe frisar que o Projeto Político-Pedagógico (PPP)132
existente é o mesmo da escola polo e dos quatro anexos vinculados a esta. É importante ressaltar
que a escola-polo, localizada no povoado Areal, não fica em território quilombola. Também,
conforme sujeitos da pesquisa (gestora e professora), o processo de construção do PPP não contou
com participação da comunidade escolar de Marajá, o que incidiu sobre a inclusão de elementos
históricos e da identidade da comunidade nesse documento curricular. Diante disso, a professora
busca adequá-lo de acordo com a realidade da comunidade e dos alunos.
Ainda a respeito das questões pedagógicas, nota-se pela fala das participantes que o
desenvolvimento de projetos didáticos segue a mesma dinâmica de funcionamento, pois ao
chegarem à escola, fica a critério da professora fazer adaptações para que sejam relacionados à
realidade local.
Outro aspecto mencionado pelas participantes é a dificuldade do acompanhamento
pedagógico, uma vez que existe coordenação, mas há distanciamento da comunidade escolar.
Assim relatou a gestora:
132
Segundo Veiga (2002), o projeto político-pedagógico é uma ação intencional da escola que reflete um
compromisso definido coletivamente. Ele se fundamenta em princípios como a igualdade, qualidade e gestão
democrática do ensino, sua construção perpassa pela análise de elementos constitutivos da organização do trabalho
pedagógico, entre estes o currículo escolar.
Página 651 de 2230
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo: Moderna,
2012.
FERREIRA, Amarílio Júnior. História da educação brasileira: da colônia ao século XX. São
Paulo: EdUFSCar, 2010.
FERREIRA JR, Amarilio e BITTAR, Marisa. Educação jesuítica e crianças negras no Brasil
Colonial. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 80, n. 196, p. 472-482,
set./dez. 1999.
GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Movimento negro
e educação. Revista Brasileira de Educação. Set/Out/Nov/Dez 2000.
SANTOS, Anderson Oramisio; OLIVEIRA, Camila R.; OLIVEIRA, Guilherme S.; GIMENES,
Olíria M. A história da educação de negros no Brasil e o pensamento educacional de
professores negros no Século XIX. XI Congresso Nacional de Educação: anais. 23 a 26 de
setembro de 2013. Pontifica Universidade Católica do Paraná. Curitiba, 2013.
VEIGA, Cynthia G. Escola pública para os negros e os pobres no Brasil: uma invenção imperial.
Rio de Janeiro, Brasil: Revista Brasileira de Educação, v.13, n.39, set/dez. 2008.
Página 653 de 2230
Resumo: O presente artigo objetiva analisar de que forma um currículo específico, que considere
os costumes e necessidades locais, poderia contribuir para a preservação da cultura da comunidade
quilombola Marajá, na cidade de Bequimão (MA). A pesquisa, resultante de um trabalho
acadêmico de disciplinas do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA),
foi desenvolvida na comunidade supracitada e contou com a participação da docente, gestora e
alunos da escola local. Para este estudo, utilizamos como metodologia a pesquisa de campo com
observações e entrevistas semiestruturadas, além de pesquisa bibliográfica sobre temas correlatos.
A partir dos dados coletados, inquietou-nos a percepção de um suposto distanciamento entre teoria
e prática na escola quilombola da comunidade Marajá, uma vez que essa unidade de ensino se
trata de um anexo vinculado a uma escola polo não quilombola e, portanto, sob a orientação de
um Projeto Político Pedagógico (PPP) que não foi elaborado especificamente para essa
comunidade. Desse modo, a pesquisa discutiu a importância da elaboração de um currículo, que
articule conhecimentos formais e conhecimentos produzidos pelas comunidades, para preservação
da sua identidade cultural e étnica.
Palavras-chave: Currículo. Cultura. Comunidade quilombola.
Abstract: This article aims to analyze how a specific curriculum, which considers local customs
and needs, could contribute to the preservation of the culture of the Marajá quilombola
community, in the city of Bequimão (MA). The research, resulting from an academic work of
subjects from the Pedagogy course of the State University of Maranhão (UEMA), was developed
in the aforementioned community and counted on the participation of the teacher, manager and
students of the local school. For this study, we used as a methodology field research with
observations and semi-structured interviews, in addition to bibliographic research on related
topics. From the data collected, we were disturbed by the perception of a supposed distance
Página 654 de 2230
between theory and practice in the quilombola school of the Marajá community, since this
teaching unit is an annex linked to a non-quilombola school and, therefore, under the orientation
of a Political Pedagogical Project (PPP) that was not specifically designed for this community.
Thus, the research discussed the importance of developing a curriculum, which articulates formal
knowledge and knowledge produced by communities, for the preservation of their cultural and
ethnic identity.
Keywords: Curriculum. Culture. Quilombola community.
INTRODUÇÃO
Desde a segunda metade do século XVI até o século XIX, a escravidão se fez presente no
Brasil. Durante esse período até os dias atuais, os negros estiveram envolvidos em movimentos de
resistência, que tinham como objetivo libertarem-se do regime da escravidão, reivindicar direitos
e melhores condições de vida.
Após três séculos de escravidão, com a promulgação da Lei Aurea, os negros obtiveram
sua liberdade política, porém, permaneceram desamparados socialmente, uma vez que a abolição
não lhes permitiu condições de acesso à educação, empregos, nem mesmo moradia e/ou terras
para garantir sua subsistência. Segundo Costa (1999), a abolição deixou os negros largados à
própria sorte.
Na busca pela garantia de direitos, o Movimento Negro foi instituído no pós-abolição,
passando por alguns momentos históricos, nos quais esteve em maior ou menor evidência. Em
meados do ano de 1978, o Movimento Negro direcionou suas atenções para o campo educacional,
tendo como enfoque os materiais didáticos, formação de professores capacitados, bem como a
inserção do ensino afro-brasileiro nas escolas (Domingues, 2007). O enfoque na educação
justifica-se pelo fato de considerarem que quanto maior o nível de escolarização, menores as
chances de nos depararmos com situações de discriminação, bem como de praticá-las.
A partir da atuação do Movimento Negro, em conjunto com outros segmentos da sociedade
sensíveis à causa, foi criada em 2003 a Lei 10.639, que institui as diretrizes curriculares nacionais
para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana. Essa Lei representou uma conquista para os negros; no entanto, ainda ocorria a ausência
de uma proposta educacional direcionada, ou seja, um tipo de educação escolar para as
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133
Embora a Resolução N° 08/2012, que regulamenta as DCNEEQ’s, trate de um número significativo de estudantes
para que a escola esteja incorporada à modalidade de Educação Quilombola, a mesma não cita um percentual mínimo
a ser considerado, o que pode levar a variados entendimentos por parte dos sistemas de ensino.
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No entanto, esse currículo não pode se tratar de um currículo turístico, como salienta
Santomé (1995), onde as questões pertinentes às classes minoritárias sejam trabalhadas apenas no
chamado "Dia D", mas que essa abordagem se faça presente e constante em todo o currículo
escolar e em sala de aula.
A promoção desse currículo ideal na comunidade de Marajá Bequimão-MA tem sido um
desafio constante, inicialmente diante de um Projeto Político Pedagógico que, até o momento,
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ainda não foi adequado às diretrizes da modalidade quilombola. Para compreender o currículo da
comunidade Marajá, foi desenvolvida uma pesquisa de campo, com o intuito de conhecer as
peculiaridades da comunidade quilombola, focando em questões pertinentes à prática educacional
e de que maneira é articulado o conhecimento escolar com conhecimentos construídos pela própria
comunidade. Para coletar as informações, realizamos entrevistas com a gestora e a única docente
da escola local; e para coletar informações dos alunos optamos por entrevistas grupais.
Nós temos um PPP só no Polo, porque aqui é um anexo, os professores não tem acesso,
só no começo do ano na Semana Pedagógica, e a maioria dos professores dos anexos são
contratados, essa é uma grande realidade, o professor fica alheio a Semana Pedagógica.
[...] Nós temos uma grande carência na questão Pedagógica. [...] O Professor é chamado
com dois dias antes pra trabalhar [...} E fica a critério da professora improvisar a
educação. (A.M. Gestora. Entrevista concedida em 25.06.2019).
[...] Mesmo que não esteja incluído lá no PPP, assim dentro do livro que veio este ano
com a mudança da BNCC, tem muita coisa que fala de fora, né... aí eu tô tentando
adequar, trazer pra realidade daqui. [...] a questão do meio ambiente, [...] conhecer nosso
município, aquilo que é nosso (F.C.R. Docente da escola de Marajá. Entrevista concedida
em 25.06.2019)
Essa fala nos chama a atenção e nos reporta a Santomé (1995), quando este autor menciona
os riscos existentes em práticas pedagógicas baseadas em uma organização curricular que o
mesmo chamou de currículo turístico:
[...] o tratamento desse tipo de temática nas escolas e nas salas de aula, corre perigo não
obstante, em proposta de trabalho tipo currículos turísticos, ou seja, em unidades
didáticas isoladas nas quais esporadicamente se pretende estudar a diversidade cultural.
(Santomé, 1995, p.172).
O perigo, mencionado por Santomé (1995), é de que as escolas acabem criando uma ilusão
de estarem incluindo determinadas temáticas ao currículo escolar, quando na verdade estão
trabalhando de forma pontual, esporádica, sem um objetivo claro, reforçando, muitas vezes, os
estereótipos existentes acerca desses temas.
Durante a entrevista grupal, ao questionarmos os estudantes sobre a participação deles em
atividades que remetam às particularidades comunitárias no espaço escolar, os mesmos
mencionaram apenas um acontecimento anual, a Semana do Bebê Quilombola134. Ou seja, não
veem na escola um espaço que espelhe a história e cultura da sua própria comunidade.
134
A Semana do Bebê Quilombola se trata de uma parceria entre a Fundação Josué Montello, Secretaria de Estado
da Igualdade Racial (SEIR), UNICEF, Prefeitura Municipal de Bequimão, sendo instituído por Lei Municipal nº
03/2013. Foi concedida como uma estratégia de mobilização social para tornar prioridade o direito a sobrevivência e
ao desenvolvimento de crianças até 6 anos de idade, a primeira infância (de 0 a 3 anos de idade). O evento tem como
referência a Semana do Bebê, realizada no Brasil pelo UNICEF, porém é o único em todo país que desenvolve
atividades especificas com foco voltado para primeira infância quilombola (Informações disponíveis em
https://www.fjmontello.org/semana-do-bebe-quilombola).
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Como vemos, embora alguns esforços sejam empenhados para preservar as raízes culturais
da comunidade na escola de Marajá, ainda está aquém do ideário desejado pelos sujeitos da
pesquisa e de todos aqueles que lutam e defendem a Educação Diferenciada para as comunidades
quilombolas.
Uma escola que deseja proporcionar uma educação pautada em conhecimentos que prezem
a história de uma comunidade deve ter a consciência da importância de um Projeto Político
Pedagógico que atendam às necessidades que os alunos e a própria instituição apresentam, e isso
pode ajudar na tomada de decisões e apontar os melhores caminhos e estratégias a serem realizadas
para se chegar a melhores resultados.
É nessa reflexão que ressaltamos o enriquecimento que traria a essa comunidade a
construção de um currículo específico voltado para conservação da identidade desse povo, por
meio de saberes compartilhados entre todos no dia a dia da escola, e que esses conhecimentos,
que são particulares, possam ser perpetuados, tornando-se uma ferramenta poderosa dessa gente
aguerrida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 2007.
LEITE, Maria Jorge dos Santos. Movimento Social Quilombola: processos educativos. 1ª ed.
Curitiba: Appris, 2016.
SILVA, Givânia Maria da. O currículo Escolar: Identidade e educação quilombola. Brasília,
janeiro de 2011. Disponível em
http://www.anpae.org.br/simposio2011/cdrom2011/PDFs/trabalhosCompletos/comunicacoeRela
tos/0213.pdf . Acesso em 06 de julho de 2019.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (Org.). Alienígenas na Sala de Aula: Uma introdução aos estudos culturais em educação.
3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
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Abstract: This paper discusses child development in the preoperative and concrete operative
stages, which, according to Jean Piaget, include some of the four stages of cognitive development
namely: motor sensory, preoperative, concrete operative first and second level, and formal
operations. . Piaget's goal was to know how humans can assimilate, structure and explain the world
in which they live. From this concern Piaget wrote one of his most famous works. Genetic
Epistemology. Based on this book, besides other readings, it was possible a better understanding
and theoretical study of the stages. From these analyzes, we will emphasize the preoperative and
concrete operative stages. The importance of specifying the mental structures acquired in the
stages that contribute to the formation of new structures that are assimilated by the child in the
next determinant stage is emphasized. In this sense, the preoperational and concrete operational
levels refer to the development of cognition promoted by the experiences lived by the child.
Keywords: Jean Piaget. Cognitive development. Pre-operational. Concrete operational.
INTRODUÇÃO
Jean Piaget foi um biólogo e filósofo suíço de grande nome do século XX. Famoso por sua
teoria sobre o desenvolvimento da cognição humana, Piaget, por meio de vastas pesquisas, vem
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elucidar acerca de como o ser humano consegue assimilar, estruturar e explicar o mundo em que
vive.
Ao longo de sua carreira científica, Piaget escreveu uma de suas mais famosas obras:
Epistemologia Genética. E é baseado nessa obra que faremos as interpretações contidas neste
trabalho, com ênfase nos estágios pré-operacional e operacional concreto.
Seguindo a linha de pensamento piagetiano, o conhecimento é construído de forma
contínua, do início até o final da vida do indivíduo, resultante das experiências vivenciadas por
ele. Porém, Piaget estava preocupado em como se dava o início dessa inteligência e que fatores
estavam relacionados a ela. Desse modo, descreve quatro estágios do desenvolvimento da
cognição humana, que apresentam uma linearidade ao longo de toda a vida. Os estágios
desenvolvidos por Piaget seguem uma sequência que se inicia com o nascimento da criança e
prossegue de forma vitalícia.
É importante especificar que as estruturas mentais adquiridas em cada estágio contribuem
para a formação de novas estruturas que serão assimiladas pela criança no estágio seguinte. Piaget,
no decorrer de sua obra, aborda cada um desses estágios trazendo o processo de desenvolvimento
deles e as características específicas de cada um.
O estágio sensório-motor se inicia com o nascimento e vai até a aquisição da linguagem,
estendendo-se até os 2 anos, aproximadamente. Como o que prevalece são as características de
cada estágio, uma criança pode ou não ficar mais tempo em um estágio; tudo vai depender,
segundo Piaget, dos fatores externos que a criança está introduzida. Vale ressaltar que, como o
próprio nome diz, esta é uma inteligência totalmente motora, em outras palavras, é uma
inteligência prática, relacionada ao movimento sujeito-objeto. (Nitzke; Campos; Lima, 2018).
No estágio pré-operacional a criança já adquiriu estruturas que superam a fase anterior.
Com o aparecimento da linguagem, ela começa a dar significado aos objetos, ou seja, aparece a
função simbólica, também chamada de linguagem simbólica. Outra característica marcante desse
período é o egocentrismo presente na criança. Esse estágio compreende de 2 a 7 anos de idade
(Nitzke; Campos; Lima, 2018).
O estágio operacional concreto vai de 7 a 11/12 anos. Nessa etapa, há superação do
egocentrismo da fase anterior, dando espaço à capacidade de estabelecer relações com outras
crianças. Mas o que marca este estágio, como o próprio nome diz, é a capacidade do sujeito fazer
operações mentais a partir do concreto, ou seja, ela realiza tais operações partindo do contato físico
com o objeto (Piaget, 1971).
O último é o estágio das operações formais, estágio no qual a criança já conseguiu formar
estruturas suficientes para superar todos os estágios anteriores e, principalmente, superar a
presença do concreto para conseguir realizar as suas operações mentais. Nessa fase, a criança já
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consegue formular ideias a partir do abstrato, não necessitando haver contato com o objeto. Nesse
período, que se forma a partir dos 12 anos em diante, o adolescente consegue desenvolver a
autonomia (Piaget, 1971).
Tendo apresentado a teoria do desenvolvimento na qual Piaget separa por estágios que
decorrem numa ordem de linearidade, o presente artigo visa aprofundar esta pesquisa nos estágios
pré-operacional e operacional concreto, trazendo mais detalhadamente as características principais
e como ocorre o desenvolvimento nesses dois estágios.
[...] De uma parte, o conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito
consciente de si mesmo nem de objetos já constituídos (do ponto de vista do sujeito) que
a ele se imporiam. O conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio
caminho entre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em
decorrência de uma indiferenciação completa e não de intercâmbio entre formas distintas.
De outro lado, e, por conseguinte, se não há, no início, nem sujeito, no sentido
epistemológico do termo, nem objetos concebidos como tais, nem, sobretudo,
instrumentos invariantes de troca, o problema inicial do conhecimento será pois o de
elaborar tais mediadores. A partir da zona de contato entre o corpo próprio e as coisas
eles se empenharão então sempre mais adiante nas duas direções complementares do
exterior e do interior, e é desta dupla construção progressiva que depende a elaboração
solidária do sujeito e dos objetos. (Piaget. 1971, p.04).
Essa troca inicial de conhecimento tende a se dar por uma percepção do objeto e o meio
no qual a criança está inserida, facilitando, portanto, o desempenho das percepções acumuladas
na construção dos objetos, atribuindo identificações e significações relativas aos elementos
percebíveis e promovendo em si um desenvolvimento de efeito instrumental.
Descreveremos a seguir, as características dos estágios de desenvolvimento cognitivo, pré-
operacional e operacional concreto, segundo a teoria de Piaget.
Estágio pré-operacional
Nesse estágio, que vai de 2 a 7 anos, as crianças utilizam símbolos e linguagens de forma
mais desenvolvida que no estágio anterior a esse, caracterizado como sensório-motor. Os bebês
começam a construir esquemas de ação para, mentalmente, assimilar o meio onde sua inteligência
é prática e as noções de espaço e tempo são construídas pela ação. A partir de então, seu contato
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com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamentos, como por exemplo, o bebê
mamar ou morder o que é posto em sua boca pelo que ele vê, ou seja, o que está diante de si ele
aprimora e leva a boca.
Desde as ações elementares iniciais, não coordenadas entre si e não suficientes para
assegurar uma diferenciação estável entre sujeito e objetos, às coordenações com
diferenciações, realizou-se um grande progresso que basta para garantir a existência dos
primeiros instrumentos de interação cognitiva. Mas estes estão situados ainda num único
e mesmo plano: o da ação efetiva e atual, isto é, não refletida num sistema
conceptualizado. No estágio pré-operatório, as crianças aprendem intuitivamente, sem
usar o raciocínio lógico isso se dá porque elas ainda não pensam de forma lógica. (Piaget,
1971, p.08).
Esse conhecimento é uma reprodução da realidade num aspecto da ação afetiva, o que se
dá por meio das interações cognitivas primárias, por exemplo, quando uma criança usa seu pai ou
sua mãe como instrumento inicial para operar determinada atividade, pois através da imitação ela
se apropria do mundo externo, reproduzindo atividades semelhantes. No estágio pré-operacional,
a criança opera os objetos e atividades por representatividade dos objetos.
Esse estágio pré-operatório divide-se em dois níveis, dos 2 aos 5 anos de idade, e dos 5 aos
7 anos, aproximadamente.
Em outros termos, a assimilação por esquemas envolve certas propriedades dos objetos,
mais exclusivamente no momento em que eles são percebidos e de modo indissociado
em relação às ações do sujeito, aos quais correspondem (salvo em certas situações
análogas às do sujeito). (Piaget. 1971, p.11).
Nessa fase, elas possuem conceitos primários que devem ser estimuladas à aprendizagem,
pois, essa linguagem e simbolismo exprimem uma sistematização de imagens. Desenhos são
exemplos de representações simbólicas onde a criança expressa seus sentimentos, conceitos e
formas de ver o mundo, de modo que seus conceitos primários contribuem para o contato com o
mesmo. Elas desenvolvem um pensamento egocêntrico, pensam que são o centro das atenções;
um exemplo bem interessante, é o ciúme que a criança sente da mãe em relação à outra criança.
Nessa idade elas não conseguem lidar com dilemas morais nem se colocar no lugar do outro, tem
opiniões limitadas. São categorias que desempenharam seu desenvolvimento nessa fase. “Este
segundo subestágio (5 a 6 anos) é assinalado por um início de descentração que permite o
descobrimento de certas ligações objetivas graças a isto que chamaremos ‘funções constituintes’.”
(Piaget.1971, p.14).
Quando a criança estiver mais desenvolvida passará a questionar. É nesse momento que
começam os “porquês”, sendo comum e necessário para o seu desenvolvimento intelectual, pois
é um período de descobertas.
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O problema que se apresenta é então o de explicar esta novidade que, ao mesmo tempo
que apresenta uma alteração qualitativa essencial, portanto uma diferença de natureza em
relação ao que precede, não pode constituir um começo absoluto e deve resultar, aliás,
de transformações mais ou menos contínuas. Não se observam, com efeito, nunca,
começos absolutos no curso do desenvolvimento e o que é novo procede ou de
diferenciações progressivas, ou de coordenações graduais, ou ambas ao mesmo tempo
[...]. (Piaget. 1971, p.16).
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No estágio operacional concreto a criança não tem conhecimento absoluto, mas passa por
uma transformação e diferenciação de pensamento, momento em que adquire uma construção na
formação do “eu’’, podendo evidenciar sua realidade e coordenar relações continuas e
progressivas, gradativamente.
As ações operatórias são responsáveis pela capacidade de pensar, manusear e manipular o
objeto. A criança já consegue realizar operações; no entanto, precisa de uma realidade concreta,
pois é necessário que tenha essa noção da realidade concreta para que seja possível efetuar as
operações. Um exemplo que pode ser dado para dar ênfase a esse aspecto é o do copo de água: no
estágio anterior (pré-operatório) a criança não consegue perceber que a quantidade de líquido é a
mesma, independente do formato do recipiente; já no estágio operatório concreto ela já é capaz de
identificar que a quantidade de líquido é a mesma, pois nesse período já compreende e passa a ter
uma prévia noção de volume, peso, espaço, tempo e operações numéricas.
Sendo assim, é portanto claro que certos objetos se prestarão Mais ou menos facilmente
a esta estruturação, ao passo que outros oferecerão resistência a ela, o que significa que
a forma não poderia ser dissociada dos conteúdos, e que as mesmas, operações concretas
não se aplicariam a não ser com decalagens cronológicas a conteúdos diferentes: é assim
que a conservação das quantidades, a seriação, etc., e mesmo a transitividade das
equivalências só vem a ser dominada no caso do peso por volta dos 9 a 10 anos e não aos
7 a 8 anos como para conteúdos simples, porque o peso é uma força e seu dinamismo
causal cria obstáculos a essas estruturações operatórias; e, no entanto, uma vez efetuadas
estas, com os mesmos métodos e os mesmos argumentos com que se dão as conservações,
seriações ou transitividade de 7 a 8 anos. (Piaget. 1971, p. 20-21).
assimila e articula as simetrias e regulam de forma harmoniosa. Para tanto, percebe-se a atenção
da criança quanto às atividades propostas e a forma de como ela transmite a significação
constituídas nas suas estruturas prévias cognitivas.
[...] O primeiro é o de uma abstração refletidora que extrai das estruturas inferiores aquilo
com que elaborar as superiores: por exemplo, a ordenação que constitui a serração é
obtida das ordenações parciais que intervêm já na elaboração de pares, trios ou séries
empíricas; as reuniões que caracterizam as classificações operatórias são obtidas de
reuniões parciais em ação a partir das coleções figurais e a formação dos conceitos pré-
operatórios, etc. O segundo momento é o de uma coordenação que visa a abarcar a
totalidade do sistema e tende deste modo ao seu fechamento, ligando entre si estas
diversas ordenações ou reuniões parciais, etc. O terceiro momento é então o da auto-
regulação de tal processo coordenador, conducente a equilibrar as conexões segundo os
dois sentidos direto e inverso da construção, de sorte que a chegada ao equilíbrio
caracteriza esta passagem limítrofe que engendra as novidades peculiares a estes sistemas
em relação aos precedentes, e sobretudo sua reversibilidade operatória. (Piaget. 1971,
p.18).
Do ponto de vista das operações lógicas, pode-se notar o seguinte: a partir dos 7 a 8 anos
o sujeito é capaz de elaborar estruturas multiplicativas tão bem quanto aditivas, a saber,
tabelas com registros duplos (matrizes) comportando classificações segundo dois
critérios ao mesmo tempo, correspondëncias seriais ou seriações duplas (por exemplo,
folhas de árvore seriadas na vertical conforme seu tamanho e na horizontal conforme
seus matizes mais ou menos escuros). Contudo, trata-se no caso mais de sucesso em
relação à questão proposta ("dispor as figuras o melhor possível", sem sggestâo sobre a
disposição a encontrar) do que de uma utilização espontânea da estrutura. (Piaget. 1971,
p.22).
[...] observamos, nível por nível, duas espécies de evolução estreitamente solidárias: a
das operações lógico-matemáticas e a da causalidade, com influência constante das
primeiras sobre a segunda do ponto de vista das atribuições de uma forma a um conteúdo
e influência recíproca do ponto de vista das facilidades ou resistências que o conteúdo
oferece ou opõe à forma. (PIAGET 1971, p.23).
Segue-se então, e eis o que é novo, uma série de desequilíbrios fecundos, sem dúvida
análogos funcionalmente àqueles que intervêm desde os inícios do desenvolvimento, mas
cujo alcance é bem maior para as estruturações ulteriores: eles conduzirão, com efeito, a
completar estruturas operatórias [...]. (Piaget. 1971, p. 24).
Portanto, toda criança passa por esse processo de transição e formulação de descobertas e
novos conceitos, contemplando a assimilação, acomodação, equilibração de funcionalidades na
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dois estágios que foram abordados neste artigo têm papeis fundamentais para o
desenvolvimento do ser humano. No estágio sensório-motor o único contato da criança com o
mundo é através da boca. Já no estágio pré-operatório, esta passa a ter mais habilidades que o
anterior, utilizando a linguagem e símbolos para assimilar o meio em que vive.
No estágio operatório concreto ocorre um grande salto em relação aos estágios anteriores,
pois a criança desenvolve maiores capacidades cognitivas com um raciocínio mais refinado para
os diversos problemas encontrados. Nesse estágio, a mesma também adquire uma grande
capacidade de reflexão em relação ao objeto, o pensamento está organizado e apto a resolver
problemas numéricos.
Para concluir, Piaget, no decorrer de sua obra, aborda cada um dos estágios que ajudam a
entender o processo de desenvolvimento infantil. A Epistemologia Genética é a compreensão de
como se passa de um estado de menor desenvolvimento para um estado de maior conhecimento,
gradativamente. O desenvolvimento de uma criança apresenta uma grande diferença do
desenvolvimento de um adulto, sendo que não há um desenvolvimento linear por acúmulo, e sim
diversos saltos que reorganizam a inteligência. Cada estágio é condição para o seguinte se
desenvolver como um espiral.
REFERÊNCIAS
NITZKE, Júlio; CAMPOS, Márcia; LIMA, Maria. Teoria de Piaget, 2018. Disponível em:<
http://penta.ufrgs.br/~marcia/teopiag.htm>Acesso em: 25 de maio de 2019.
PIAGET, Jean. A epistemologia genética. Trad. Nathanael c. Caixeira Disponível
em:<https://pt.wikipedia.org/wikw/JeanPiaget>. S.A. Acesso em: 10 de junho de 2019.
PÁDUA, Gelson L. Daldegan. Teorias da linguagem teorias da aprendizagem. Lisboa: 70,
1987. (O Saber da Filosofia; 20).
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Abstract: Opened in 2009, the Degree Program of Culture and Society (PGCult), that offers a
interdisciplarity master on the Federal University of Maranhão (UFMA), came up with the goal
to produced interligated reseaches what explore about complex and miscellaneous knowledges.
Being interdisciplinary, the PGCult interacts with several knowledge areas, producting new
investigations that demonstrat differents routes for researchers break the epistmological cages of
disciplines. Ten years old, the master course allows your researchers the possibility to reduce the
distance between disciplines to understand the knowledge by connections of various areas. Given
the significant number of graduates from the journalism área, this systematic literature review
Página 673 de 2230
INTRODUÇÃO
Essa mesma linha de pesquisa abrange estudos que se debruçam sobre as relações entre
patrimônio, gestão e sustentabilidade. São contempladas as formas e processos de mediação da
construção do conhecimento e do desenvolvimento humano, englobando metodologias,
procedimentos e ações culturais. Investiga-se a produção, mediação e recepção dos processos
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Em sua grade curricular (vigência a partir da turma 2019.1), o programa tem como
disciplinas obrigatórias as seguintes: Teorias da Cultura e da Sociedade; Epistemologia das
Ciências Humanas e Sociais; Seminário de Pesquisa I; Seminário de Pesquisa II; e Docência em
Ensino Superior. Solicita-se, ainda, aos alunos o Estágio em Docência, Produção Científica,
Pesquisa Orientada I (qualificação da dissertação) e Pesquisa Orientada II (defesa da dissertação).
A interdisciplinaridade é uma das práticas mais importantes quando se trata das novas
formas de produzir conhecimento científico na atualidade, a exemplo das emergentes áreas do
saber que, em sua própria essência, refletem a convergência de bases disciplinares com pilares
interdisciplinares, conversando com duas ou mais disciplinas científicas. Nesse sentido, o
jornalismo é interdisciplinar por natureza, pois se constitui em “[...] um campo de produção de
discursos que interagem com os diversos campos sociais” (BARROS, 2010, p.04).
Segundo Wolf (2015), o jornalismo possui um arcabouço teórico e procedimentos
metodológicos que se fundamentam em outros campos do conhecimento científico. As teorias do
jornalismo, principalmente aquelas que tecem sobre os processos comunicativos, não se respaldam
apenas nas teorias da comunicação, mas também em teorias sociais que investigavam o fenômeno
comunicativo, analisado como consequência das transformações socioculturais que a sociedade
vivenciava.
Não somente as teorias, mas do ponto de vista prático, os métodos utilizados pelas
investigações em jornalismo (como os as pesquisas empíricas, estudos de campo, análises de
conteúdo, análises do discurso e análises estrutural-semióticas) eram provenientes de
entrelaçamentos interdisciplinares com Psicologia, Linguística e Sociologia, o que explica o
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a criação de uma síntese estatística metanalítica. A metanálise é a análise dos dados estudados em
diferentes produções científicas. Ou seja, vários estudos combinados apresentam melhor análise
estatística dos efeitos da realização de uma intervenção.
Na próxima seção, apresenta-se o percurso metodológico desta RSL, isto é, os
procedimentos técnicos utilizados para o refinamento da pesquisa.
PERCURSO METODOLÓGICO
Com base na pesquisa inicial, foi realizada a leitura pormenorizada dos principais itens
das produções, a saber: título, resumo, palavras-chave, objetivos, metodologia e considerações
finais. Esse processo garantiu um maior refinamento da pesquisa, bem como o favorecimento do
mapeamento sistemático das dissertações. Dentro dessa metodologia, é importante destacar que o
autor deste artigo assina, também, a autoria de uma das dissertações mapeadas nesta RSL e é
egresso do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFMA.
O estudo sistemático avançou com a elaboração de uma Ficha de Análise que contemplou
seis categorias, a saber: o título da dissertação; autor da pesquisa; ano de defesa;
interdisciplinaridade na dissertação; metodologia empregada; e instrumentos para coleta dos
dados. No que tange às duas dissertações excluídas, elas versavam, em sua maioria, sobre o
jornalismo numa perspectiva disciplinar, isso levando em consideração os conceitos de Bueno
(2009), Barros (2010), Cohn (2011), Stone (2011), Barros e Targino (2014) e Wolf (2015) sobre
jornalismo e interdisciplinaridade.
RESULTADOS
um quantitativo de dois estudos em cada, perfazendo um total de 50% das dissertações, dado
exibido na Tabela 2.
1 2011 2 50%
2 2019 2 50%
No que tange aos procedimentos metodológicos das dissertações mapeadas por esta RSL,
investigou-se a metodologia utilizada nas pesquisas que abordaram o jornalismo na perspectiva
da interdisciplinaridade. Averiguou-se que cada estudo contemplou uma metodologia diferente,
como indicado na Tabela 4.
Nº Título Metodologia
Apenas com esses resultados, é possível afirmar que as dissertações mapeadas para esta
RSL enquadram-se na proposta de investigar questões do jornalismo numa perspectiva de
pesquisa e conhecimento interdisciplinar. A natureza interdisciplinar do jornalismo interage com
as mais diversas áreas do conhecimento, acolhendo discursos originários de diferentes campos
sociais e reeditando esses discursos, imprimindo um sentido de produção de novos saberes, que
se mostram como diferentes caminhos para sair das gaiolas epistemológicas disciplinares.
EVIDÊNCIAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desta Revisão Sistemática da Literatura, observou-se que o jornalismo pode ser
analisado por diferentes óticas, inclusive a interdisciplinar. É uma das áreas do saber que mais têm
características da interdisciplinaridade, isso porque possui uma natureza de grande abrangência,
que transita por todas as outras áreas (BARROS, 2010).
As quatro dissertações defendidas do PGCult, que se encaixaram na proposta desta RSL,
evidenciam que as pesquisas em jornalismo só podem ser consideradas interdisciplinares quando
se propõem a sair do lugar comum, permear outras áreas do conhecimento, realizar um
intercâmbio de métodos de pesquisa oriundos de distintas disciplinas e criar novos saberes.
Por fim, é importante salientar que é próprio da ciência produzir novas necessidades
sociais. À medida que o conhecimento científico contribui para a resolução de problemas da
sociedade, faz emergir novos problemas que não podem ser respondidos a partir de um único
ponto de vista disciplinar, gerando, assim, a necessidade de percorrer caminhos interdisciplinares.
REFERÊNCIAS
Página 683 de 2230
BUENO, W. C. Jornalismo científico: conceitos e funções. Ciência e Cultura, São Paulo, 2009.
RAMOS, A.; FARIA, P. M.; FARIA, A. Revisão sistemática de literatura: contributo para a
inovação na investigação em Ciências da Educação. Revista Diálogo Educ., Curitiba, v14, n. 41,
p. 17-36, jan/abr/2014.
UFMA. Site da Universidade Federal do Maranhão. [S.l.: s.n.], 2019. Disponível em:
<www.ufma.br/>. Acesso em: 16 jun. 2019.
reality. Emphasizes on the aspects of culture present in human beings organized in society in their
different historical ways of organizing, relating internally with other social groups and the
environment. It discusses the different societies, originated from different cultures, with ways of
seeing the world and orienting social activity. It emphasizes the importance of folkcommunication
as a basis for the study of popular culture as a support for the promotion of results about the
Maranhão culture experienced by the practice of drum dance, in which the manifestations and
process are dynamized by the rapid technological changes, by the constant contact between
cultures. and dissemination of cultural standards through the mass media to achieve the goal. The
methodology used is based on exploratory research, with bibliographic and documentary research
procedures, by theorizing with scholars in the area about the aspects of the subject in evidence. It
concludes that culture allows communication through the art expressed by dance where beings
intertwine, educate and experience the process of interaction both through the symbolic
representation of the manifestation to the drum dance rite and social relations.
Keywords: Cultural Identity. Maranhense. Art. Creole Drum.
1 INTRODUÇÃO
Portanto, cabe ressaltar sobre o tambor de crioula maranhense, cuja característica está
presente na informalidade como dança de popularidade bastante difundida no Estado do
Maranhão, com apresentação em vários pontos da cidade e guarda em si traços marcantes da
cultura africana.
Página 686 de 2230
Neste contexto, cabe salientar em conformidade com Sousa, (2002, p.251), que “[...] Os
descendentes de negros são os principais adeptos à dança, que é caracterizada pelo punga ou
umbigada [...]”. Neste ritmo de dança coreográfica, destaca-se a presença feminina envolta de
movimentos coordenados com sua forma vibrante na expressão corporal.
Considerando a importância do estudo da cultura, buscou-se através da folkcomunicação
uma referência para contextualizar a temática, tendo em vista que a mesma propicia os estudos na
cultura popular e na cultura de massa, pois misturam a tradição popular, acontecimentos históricos
com o contexto massivo.
A pesquisa utilizada é de caráter exploratório com procedimentos de pesquisa bibliográfica
e documental, ao teorizar aspectos relevantes sobre o tema em evidencia, embasado nas leituras
de alguns teóricos como subsídio para estruturação do trabalho.
O presente estudo tem como objetivo, analisar a tradição popular a partir do contexto
histórico sobre cultura e arte para a percepção dos costumes, valores, crenças e, seu impacto no
âmbito da sociedade com destaque ao tambor de crioula do maranhão, considerado como uma das
maiores fontes de manifestações culturais ao ressaltar as principais formas de manifestações e sua
contribuição social a partir da interação e identificação entre os indivíduos.
O trabalho está estruturado em revisões literárias sobre a identidade, origem da cultura
maranhense como parâmetro de descrição sobre a manifestação folclórica da dança de tambor de
crioula, por ser um agente propulsor ao processo interativo entre os grupos.
Em seguida faz uma abordagem sobre a cultura, arte e dança como base de análise para a
construção da identidade cultural maranhense, com especificidade sobre o tambor de crioula, sua
difusão e inclusão no contexto educacional a partir da interação em grupos e, por fim a conclusão,
com considerações pertinentes à temática.
Cada cultura tem suas próprias e distintivas formas de classificar o mundo. É pela
construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia os meios pelo
qual podemos dar sentido ao mundo social e construir significados. Há entre os
membros de uma sociedade, certo grau de consenso sobre como classificar as
coisas a fim de manter alguma ordem social. Esses sistemas partilhados de
significação são, na verdade, o que se entende por cultura. (HALL, 2006, p.42).
Neste contexto, percebe-se que vários aspectos são considerados importantes e
mensuráveis para agregar valor e reconhecimento da cultura em diferentes polo e povos em um
sistema classificatório, tais como, a comida, a língua, o gênero, idade, classe, ao analisar as
marcações de diferença.
Quanto aos sentidos da cultura, observa-se que ela é plural, dinâmica e diversificada, razão
pela qual possui significados diferentes quanto à sua inserção, tendo em vista que a mesma
responde a desejos e necessidades dos grupos, das comunidades e da sociedade em geral.
Do ponto de vista antropológico, Aranha e Martins (2009, p. 409):
"[...] o termo cultura refere-se a tudo o que o ser humano faz, pensa, imagina,
inventa, porque ele é um ser cultural. Não sendo capaz de viver somente guiado
por seus instintos, ele é levado a construir "ferramentas" que possam ajudá-lo a
instalar-se no mundo, a sobreviver, a desenvolver sua humanidade [...]".
A essas ferramentas dá-se o nome de cultura, enquanto o indivíduo utiliza-as para sua
reprodução no processo de humanização, ao mediar sua relação com o mundo ou com o grupo que
adota numa relação de pertencimento ao dividir o vocabulário, o sotaque, os valores e os gostos
por uma determinada manifestação cultural.
Neste contexto, observa-se que a cultura e a arte estão intrínsecas nas manifestações,
todavia, a cultura aponta para o mundo real com seus hábitos, costumes e valores, enquanto que a
arte oferece a compreensão mais profunda do mundo e do próprio indivíduo, mas que na cultura
popular existe espaço para a individualidade e diferenciação.
Portanto, a dança esculpe uma expressão da arte e da identidade cultural entendida no
sentido antropológico, como fruto do desejo, livre dos deveres e obrigações, guiada pelo desejo e
acolhida pelo sentimento. A arte expressa sentimento, emoção, onde a concentração e a
espontaneidade fazem imergir na subjetividade a imaginação com aspecto na forma de expressar
a comunicação e interpretação humana.
A miscigenação das raças reforça a congruência para diversidade das manifestações locais
e desejos dos seus povos. Em se tratando do tambor de crioula nos povoados e cidades do Estado,
possuem diferenças marcantes nos ritmos, nas danças e nos batuques.
Página 688 de 2230
Portanto, cabe ressaltar que o tambor de crioula configura como uma manifestação
folclórica na expressão cultura popular, pois perpassa do existir como uma simples brincadeira à
conotação religiosa em homenagem a São Benedito.
O tambor de crioula é uma forma de expressão de matriz afro- brasileira que envolve dança
circular, canto e percussão de tambores. Nesse conjunto, o mesmo merece destaque por ser
considerado um das mais difundidas e ativas no cotidiano, cujo ritual remonta desde o século XIX,
originado pelos escravos como mecanismo de lazer em opressão ao regime opressivo de trabalho
escravista.
Segundo Rammassote (2016, p. 16):
Dela participam as coreiras, tocadores e cantadores, conduzidos pelo ritmo
incessante dos tambores e o influxo das toadas evocadas, culminando na
punga (ou umbigada) – movimento coreográfico no qual as dançarinas,
num gesto entendido como saudação e convite, tocam o ventre umas das
outras.
São características que enriquecem toda a homogeneidade do grupo, com ritual que
transformando o cenário em um espetáculo de ritmos numa musicalidade sem começo nem fim.
Sobre o ciclo dos toques e toadas, Ferreti (2003, p. 340), enfatiza que "[...] Alguns consideram o
tambor de crioula monótono, mas é essa forma repetitiva que facilita a interação musical e social
dos participantes, que constitui a força do tambor de crioula [...]".
Página 689 de 2230
O Tambor de Crioula, arte e dança que tem sua origem na África e foi trazida
para o Brasil, especificamente para o Maranhão, por meio dos escravos africanos
que aqui chegaram, tem ganhado holofotes e é destaque nas festas juninas deste
ano no São João de Todos, promovido pelo Governo do Maranhão, por meio da
Secretaria de Cultura e Turismo (Sectur). Congregando dança liberdade, alegria
e movimentos rápidos, o ritmo de louvor a São Benedito – santo católico
homenageado pelos grupos de tambor, já tem seu espaço cativo no coração dos
maranhenses e dos demais cidadãos do mundo. O local onde esta arte reina
durante o período junino é o centro da cidade, seja no Canto da Cultura ou no
arraial da praça Maria Aragão. (Site: Jornal imparcial, 28.09.2019).
Nesta percepção, ressalta-se a narrativa da participante da roda Teresa Cantanhede
de 29 anos, que traz consigo a satisfação em dar continuidade à cultura ao revelar que [...] desde
a infância dança Tambor de Crioula e conta que é uma herança de família. “Na minha família eu
e a minha avó somos coreiras oficiais. Dançar essa arte linda me dá muita satisfação e me traz
muita felicidade. [...]" (Site: Jornal Imparcial, 28.09.2019).
A Secretaria de Cultura e Turismo (SECTUR) é o órgão vinculado ao estado que
difunde a informação para a sociedade através das mídias, tais como, rádio, TV, redes sociais,
com recortes sobre as manifestações culturais de modo a difundir uma parte integrante de nossos
brasis.
Recolher, organizar, conservar, preservar, divulgar e tornar acessível o acervo de
documentos produzidos e/ou acumulados pelos órgãos públicos e também
particulares do estado do Maranhão, que sejam de interesse para a preservação
da memória e para a pesquisa histórica, visando contribuir para o fortalecimento
da cidadania e da identidade maranhense. (SITE: SECTUR).
Cabe ressaltar o fluxo migratório do tambor de crioula em São Luís, que tem seu núcleo
massivo concentrado em bairros situados nas regiões periféricas e nas proximidades ao Centro
histórico de São Luís, pelo fato de proporcionar melhores condições para a atividade, e desta forma
fortalecer os vínculos étnicos de solidariedade, identificação e integração na sociedade que
constituem, com realizações de oficinas para aperfeiçoamento do fazer técnico em incorporação
dos sentidos lúdicos para a posse da dança, musicalidade e canto.
Segundo Oliveira, (2009, p.01) o que é considerado patrimônio cultural:
origem e ocorrência no estado do Maranhão, região Nordeste do Brasil, que detém vários grupos
nos municípios do litoral e do interior.
Neste contexto, observa-se que a festividade de uma sociedade integra como patrimônio
cultural imaterial e, perpassa por longas datas contribuindo desse modo como colaboradora no
processo educacional ao incentivo da prática e do conhecimento da cultura como disseminadora
da comunicação na memória.
CONCLUSÃO
A dança traduz simbologia da manifestação cultural que faz parte da diversidade e
identifica os brasis como Brasil. Uma tradição que é embalada por uma festa cheia de cores e
ritmos que faz parte da identidade do Maranhão que torna o nosso país o Brasil cheio de diferenças
e de particularidades que nos caracterizam e que nos tornam um povo único. O processo de
fokcomunicação permitiu a compreensão das mensagens populares, envoltos em uma
comunicação em massa como promoção à integração e a paz social. Cabe aos órgãos
governamentais, através das políticas culturais, que tem como objetivo propiciar através de
iniciativas e medidas de apoio institucional, fomentar diretrizes fortalecedoras para o
reconhecimento, a proteção e o estímulo ao desenvolvimento simbólico imaterial da sociedade
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maranhense no tangente ao aspecto da dança de tambor como uma raiz afro em nosso Estado.
Conclui que a cultura permite a comunicação através da arte expressada pela dança em que os
seres se entrelaçam, educam-se e vivenciam o processo de interação tanto pela representação
simbólica da manifestação ao rito da dança do tambor como pelas relações sociais.
REFERÊNCIA
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à
Filosofia. 4. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2009.
FERRETTI, Sergio. Tambor de crioula: ritual e espetáculo. 3 ed. São Luís, 2002.
NÓBREGA, Zulmira. A festa do maior São Joao do mundo: dimensões culturais da festa junina na
Capital de Campina Grande. Tese (doutorado), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
NUNES, I. A. (org.) Olhar, memoria e reflexão sobre a gente do Maranhão. In: O lugar da
memória no bumba-meu-boi. Canjão, Isanda, p. 107-112. São Luís: Comissão Maranhense de
Folclore, 2003.
Abstract:The general objective of this study was to investigate the process of inclusion of children
with ASD in the public institutions of Early Childhood Education in São Luís/MA, by the
perception of their families and professionals of these institutions. The data have been collected
through semi structered interviews. The results reveal that the majority of the participants have
adequate knowledge in relation to the ASD; despite of most of the children with ASD have being
well treated and well accepted by the professionals and children without disabilities, in the
institutions researched, there are still many barriers to be overcome in the context of Inclusive
135
. E-mail: isaac_pviana@hotmail.com
136
. E-mail: thelmachahini@hotmail.com
Página 694 de 2230
Education in Early Childhood Education, among these, those caused by the stigma in relation to
the referred neurodevelopment disorder, as well as the fear and/or rejection of parents and other
relatives of their children's coexistence, without disabilities, with those with ASD; most of the
professionals who work with children with ASD still feel not well prepared; there is a lack of
partnership between the researched institutions and the families of children with ASD, thus
causing another barrier in the context of the inclusion of children with Autism Spectrum Disorder
in Early Childhood Education.
Keywords: Children with ASD. Early Childhood Education. Social attitudes. Inclusion.
Introdução
Metodologia
A Pesquisa foi realizada em duas instituições públicas de Educação Infantil que possuíam
crianças com TEA, regularmente matriculadas, em São Luís do Maranhão. No contexto,
desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa. No total, 20
pessoas fizeram parte da pesquisa. Dentre essas, quatro são familiares de crianças autistas (três
mães e uma avó) e 16 são profissionais que trabalham com as referidas crianças nas instituições
pesquisadas (15 docentes e uma cuidadora), sendo dez participantes pertencentes à escola A e dez
à escola B.
Para seleção dos participantes, o pesquisador se dirigiu à Secretaria Municipal de Educação
– SEMED, onde foi informado que, na cidade de São Luís, até o momento, existiam noventa e
quatro escolas com Educação Infantil, nas quais estavam matriculadas crianças na faixa etária de
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três a cinco anos. Dentre as noventa e quatro escolas, apenas doze apresentavam alunos, de três a
cinco anos, diagnosticados com TEA, devidamente matriculados nas referidas instituições.
Desse universo de doze escolas, duas foram selecionadas como amostra. O critério adotado
para essa seleção foi não probabilístico e por acessibilidade. De acordo com Gil (2008), esse tipo
de critério é adotado em pesquisas exploratórias sem rigor estatístico.
Após o Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética (CEP/CONEP/UFMA, Nº
2.891.951), os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, contendo questões
relacionadas às temáticas gerais acerca do TEA no contexto da Educação Inclusiva.
Desse modo, as entrevistas semiestruturadas possibilitam descrever e compreender a
totalidade dos fenômenos sociais, permitindo atuação consciente e atuante do pesquisador durante
o processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987).
Visando preservar suas identidades, os participantes encontram-se identificados neste
estudo por: F1, F2, F3 e F4 (familiares de crianças com TEA); P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9,
P10, P11, P12, P13, P14, P15 e P16 (profissionais das instituições pesquisadas). As crianças, cujos
familiares foram entrevistados, estão identificadas neste estudo como C1, C2, C3 e C4.
O quadro A, a seguir, correlaciona cada criança, cujas famílias foram entrevistadas, a
escola que frequentam, o nível de TEA, a idade, o gênero e o familiar entrevistado:
Quadro A
Criança Escola Grau de TEA Idade Gênero Familiar
C1 A Leve (nível 1) 3 Masculino F4
C2 A Leve (nível 1) 4 Masculino F3
C3 B Severo (nível 5 Masculino F1
3)
C4 B Leve (nível 1) 5 Masculino F2
Fonte: Os Autores (2019).
Quadro B
Profissional Escola Idade Formação Especialização Ocupação Tempo de Gênero
experiência
com
crianças
com TEA
P1 B 48 Pedagogi Nenhuma Professora 3 anos Feminino
a (em
curso)
P2 B 62 Pedagogi Nenhuma Professora 2 anos Feminino
a
P3 B 34 Pedagogi Nenhuma Professora 3 anos Feminino
a
P4 B 41 Pedagogi Nenhuma Professora 1 ano Feminino
a (em
curso)
P5 B 53 Letras Nenhuma Professora 4 anos Feminino
P6 B 45 Pedagogi Nenhuma Professora 1 ano Feminino
a
P7 B 49 Ciências Contabilidade Cuidadora 1 ano e 5 Feminino
Contábeis Pública meses
P8 B 48 Pedagogi Nenhuma Professora 5 anos Feminino
a
P9 A 34 Pedagogia Nenhuma Professora 8 anos Feminino
P10 A 34 Pedagogia Nenhuma Professora 1 ano Feminino
P11 A 40 Pedagogia Nenhuma Professora 1 ano Feminino
P12 A 32 Pedagogia Neuropsicopeda Professora 2 anos Feminino
gogia
P13 A 39 Biologia e Nenhuma Professora 4 anos Feminino
Pedagogia
P14 A 45 Pedagogia Educação Professora 10 anos Feminino
Inclusiva
P15 A 40 Pedagogia Nenhuma Professora 10 anos Feminino
P16 A 37 Pedagogia Nenhuma Professora 1 ano Feminino
Fonte: Os Autores (2019).
Resultados e discussões
Apresentam-se, neste espaço, os dados obtidos por meio das entrevistas. Sendo assim, ao
serem questionados acerca do que entendiam a respeito do Transtorno do Espectro Autista,
60% das pessoas entrevistadas responderam dentro do critério científico para o diagnóstico do
TEA – ou, pelo menos, se aproximaram desse critério ao terem citado, no mínimo, uma das
características do TEA contempladas pelo DSM-V. Por sua vez, 40% das pessoas entrevistadas
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responderam dentro do senso comum, ou seja, não citaram nenhuma das características presentes
no DSM-V para o diagnóstico do TEA.
Nota-se que, dentre os participantes que conseguiram responder ao supracitado
questionamento dentro do critério científico do DSM-V ou, pelo menos, de modo aproximado, 11
eram profissionais e uma era familiar. É valido ressaltar que as participantes P11 e P15 se
referiram ao TEA sob o nome de Transtorno Global do Desenvolvimento. Embora, a partir do
DSM-V, esse termo não seja mais utilizado, foi, no contexto desta pesquisa, considerado como
aproximado ao critério científico, visto que diz respeito a uma nomenclatura utilizada na edição
anterior ao DSM-V, a saber, o DSM-IV.
Dentre os principais aspectos que, de acordo com o DSM-V, podem situar uma pessoa no
TEA, foram citados pelos participantes a dificuldade na interação social e na comunicação; a
apresentação de movimentos estereotipados e os níveis classificatórios: leve, moderado ou grave,
o que se pode verificar, um entendimento razoável acerca do que é o TEA.
Por sua vez, dentre os participantes que não conseguiram responder dentro do critério
científico do DSM-V – e nem de modo aproximado –, tendo, então, respondido a partir do senso
comum, cinco eram profissionais e três familiares.
De modo geral, percebeu-se certa dificuldade em identificar que tipo de Transtorno é o
TEA, bem como suas especificidades, focando-se em concepções como o dualismo normal x
anormal, que em nada contribui para a inclusão das crianças com TEA, e até mesmo em
estereótipos (CARVALHO, 2016), corroborando com o pensamento de Amaral (1998) e
exemplificado na fala de um participante: “São crianças diferentes da gente, mas com
pensamentos, às vezes, até melhor do que uma criança normal” (P13).
No contexto, cita-se a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, por enfatizar que os profissionais devem ter formação inicial e continuada que abranja
desde conhecimentos gerais para o exercício da docência até conhecimentos específicos na área
da educação especial, de modo a se estabelecer uma interdisciplinaridade que crie condições para
que diversas áreas do saber (como, por exemplo, saúde e assistência social), e atuem juntamente
em favor da inclusão (BRASIL, 2008).
Nesse sentido, sabe-see que profissionais com algum nível de compreensão científica a
respeito do que é o TEA – sendo capazes de compreender e exemplificar algumas de suas
especificidades, por exemplo – podem ter maiores condições de favorecer a inclusão de crianças
com esse Transtorno, enquanto profissionais que não apresentam nenhum nível de compreensão
científica a esse respeito podem apresentar menores condições de facilitar a inclusão de crianças
com esse Transtorno.
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Ademais, há de se pensar que as atitudes sociais são, também, constituídas por um aspecto
cognitivo – além dos aspectos afetivos e comportamentais – que diz respeito ao nível de
conhecimento que os indivíduos têm acerca de determinado fenômeno social. Nesse sentido,
Rodrigues, Assmar e Jablonski (2009), informa que esse aspecto cognitivo pode, eventualmente,
quando alterado, também modificar os componentes afetivos e comportamentais dos indivíduos,
e, assim, mudar suas próprias atitudes sociais frente aos fenômenos sociais.
Diante disso, pode-se inferir a importância de conhecimentos corretos acerca do TEA, por
parte tanto dos profissionais quanto dos familiares, para que se facilite atitudes sociais favoráveis
à inclusão de crianças com o referido Transtorno, na Educação Infantil.
Ainda nesse contexto – e lançando mão dessa mesma discussão –, é importante que se
atente para os resultados do questionamento apresentado a seguir, visto que eles também abarcam
o nível de compreensão tanto por parte das profissionais quanto dos familiares acerca do TEA,
sendo, então, passíveis da mesma discussão supracitada.
Quando foi perguntado se os docentes e demais profissionais, das instituições
pesquisadas, estavam preparados para a inclusão de crianças com TEA na Educação
Infantil, 40% dos participantes responderam que sim e 60% responderam que não, porque não se
encontram capacitados, mas, enfatizaram que, mesmo assim, alguns deles fazem o que podem a
favor da inclusão das crianças com TEA na Educação Infantil.
Como verificado, a maioria ressaltou a falta de qualificação profissional no contexto da
Educação Especial/Inclusiva. Sendo assim, os dados convergem com os encontrados nos estudos
de Cabral e Marin (2017), Aguiar e Pondé (2017) e Ferreira (2017), ao constatarem que os
profissionais, de fato, não se sentem e/ou não estão preparados para a atuação com crianças com
TEA. Cabral e Marin (2017) e Ferreira (2017) enfatizam que essa falta de preparo é oriunda da
própria formação dos profissionais, que é deficiente no aspecto de prepará-los para práticas
inclusivas.
Diante disso, infere-se que, apesar de algumas políticas públicas já existirem, buscando
garantir o preparo desses profissionais para atuarem junto às crianças com deficiência, na prática,
vários profissionais não se sentem e/ou, de fato, não estão preparados para essa atuação, apontando
para uma possível falha no cumprimento da legislação federal, vigente, no contexto da educação
inclusiva.
Nesse sentido, parece que essa falha abarca tanto a formação inicial quanto a formação
continuada desses profissionais, como observado nos seguintes relatos: “Mas, a gente não recebe
muito apoio nesse sentido. A gente não recebe apoio da própria prefeitura. [...] a gente tem uma
formação em que a gente não recebe muita coisa” (P3); “Nós não temos um preparo, não só pela
Secretaria, mas, também, da nossa formação profissional” (P12).
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Após terem sido questionadas em relação se existia ou não barreiras para a inclusão de
crianças com TEA nas instituições de Educação Infantil, 85% das entrevistadas responderam
que existiam; 10% não souberam responder; 5% afirmou que não existiam barreiras no contexto
investigado.
Pode-se notar que, dentre as pessoas entrevistadas que responderam que existiam barreiras
para a inclusão escolar de crianças com TEA na Educação Infantil, 14 eram profissionais e três
eram familiares. Entre as barreiras citadas, encontram-se: falta de material didático adequado; falta
de estrutura física adequada; falta de uma equipe multidisciplinar nas escolas; salas superlotadas;
professores despreparados, por falta de formação adequada e/ou por falta de boa vontade; escolas
dificultando o processo de matrícula; famílias que não aceitam a condição do filho etc.
É importante registrar que, (P7) disse não haver barreiras, mas, em seguida, se contradiz,
ao relatar que na escola onde trabalhava não tinha sala de recursos multifuncionais, o que
caracteriza uma barreira a nível estrutural.
Diante dos fatos, verifica-se que os dados divergem do que vem sendo assegurado pela
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008),
pela Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012) e pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (BRASIL, 2015), visto que de acordo com a legislação federal, vigente, nenhuma
dessas barreiras deveria existir. No entanto, para a maioria das pessoas entrevistadas, existem
barreiras dificultando o processo de inclusão das crianças com TEA, na Educação Infantil,
denotando, assim, uma discrepância entre os objetivos das políticas públicas voltadas à Educação
Inclusiva e os seus fins operacionais.
Em relação à discrepância entre as políticas públicas e sua operacionalização, os dados
convergem com os sinalizados pelas pesquisas de Chahini e Souza (2016), Luz, Gomes e Lira
(2017), Ferreira (2017), Aguiar e Pondé (2017) e Cabral e Marin (2017), nas quais, identificam
barreiras no contexto da inclusão e enfatizam a necessidade de superação desses empecilhos para
que, de fato, a Educação Inclusiva seja uma realidade de fato e direito.
Por sua vez, os participantes que disseram não haver barreiras à inclusão na Educação
Infantil, falaram a partir das suas experiências particulares, sem entrarem no mérito de como as
políticas públicas têm, ou não, sido aplicadas na Educação Infantil, conforme se observa nas
respectivas falas: “A gente nunca teve. Todo mundo tenta ajudar. Todo mundo se esforça” (P8);
“Por enquanto, como eu ainda tô recente nisso, ainda não encontrei nenhuma” (F1).
Diante dessas respostas, parece não ser possível precisar até que ponto essas experiências
particulares podem ser representativas quando se pensa no contexto mais amplo da Educação
Infantil nas demais escolas públicas da cidade de São Luís/MA.
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Após terem sido questionados acerca de como as demais crianças se relacionavam com
as crianças com TEA na Educação Infantil, 65% dos entrevistados responderam que as
referidas crianças eram aceitas pelas demais crianças; 35% dos participantes disseram que os
colegas, eventualmente, sentiam medo delas; que os colegas utilizavam estereótipos na
convivência com elas; que a relação entre a criança com TEA e as sem o referido transtorno não
era boa, devido à agressividade apresentada por parte de algumas crianças com TEA e que os
colegas sem o transtorno revidavam as agressões; que não havia uma atitude de acolhimento, de
aceitação por parte das crianças sem TEA para com as crianças com o Transtorno.
Quanto aos relatos que descreveram atitudes desfavoráveis em relação à aceitação das
crianças com TEA, por parte das crianças sem TEA, os dados convergem com os encontrados por
Brito (2017), ao esclarecer que quando as crianças com TEA apresentam agressividade, elas têm
uma possibilidade maior de não serem aceitas pelos colegas, ou mesmo de receberem, por parte
destes, atitudes sociais desfavoráveis ao seu processo de inclusão escolar.
Pode-se notar, por exemplo, que, nesta pesquisa, em quase todas as ocasiões em que os
profissionais e familiares citaram alguma atitude social desfavorável ao processo de inclusão,
como o medo, por exemplo, eles a relacionaram à agressividade por parte da criança com TEA,
conforme os trechos seguintes: “De repente, se ele se irrita com alguém, já bate na criança. E a
criança já fica com medo de brincar” (P5); “Mesmo ele fazendo parte da rodinha, todo mundo
queria sentar longe, porque, às vezes, de repente, ele batia” (P8); “[...] quando eu venho aqui, eu
recebo muita reclamação dele tá batendo” (F1); “Só em alguns casos, quando a criança apanha do
autista, ela revida” (P6).
Desse modo, por um lado, há que se pensar em estratégias que ajudem as crianças com
TEA, que apresentam comportamentos agressivos nas escolas, a terem esses comportamentos
reduzidos, assim como, por outro lado, há que se pensar na instrumentalização da escola, bem
como dos alunos sem TEA, para que consigam lidar do modo mais adequado possível com as
crianças com TEA, quando elas apresentarem esse tipo de comportamento.
Por fim, quanto às duas profissionais que responderam que as crianças com TEA eram
aceitas, mas superprotegidas pelas demais, isso representa bem o que Amaral (1998) chama de
estereótipo da vítima, no qual a pessoa com deficiência é vista como incapaz de fazer qualquer
coisa, até mesmo aquilo que é capaz de realizar com autonomia. Nesse caso, seria interessante que
as crianças fossem instruídas a acolherem, sim, as crianças com TEA, no entanto, com o cuidado
de não ignorarem suas capacidades individuais.
Quando questionados a respeito de como os pais e/ou responsáveis das crianças sem
TEA veem as crianças com TEA na Educação Infantil, 40% responderam que os pais de
crianças sem TEA, aceitam as crianças com TEA, em parte, desde que não sejam agressivas com
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os seus filhos e desde que não os atrapalhem em sala de aula, conforme verifica-se nos seguintes
relatos: “os pais entendem, desde que o autista não ‘atrapalhe’ o andamento das atividades de sala”
(P11); “os pais veem as crianças com TEA como crianças ‘doentes’, ‘diferentes’ e ‘incapazes’”
(P10). 30% responderam que os pais das crianças sem TEA aceitam que os filhos estudem com as
crianças com TEA, sem restrições.
Diante dos fatos, cita-se Brito (2017) por informar que, a agressividade representa um
contato social que não é positivo, tende a suscitar atitudes sociais desfavoráveis ao processo de
inclusão de crianças com TEA que apresentam esse tipo de conduta. E, quanto mais positivos
forem os contatos sociais com crianças com TEA, mais favoráveis tendem a ser as atitudes sociais
frente a essas crianças.
Importante registrar que, em relação aos pais que não aceitam a convivência de seus filhos
com as crianças com TEA, prevale a falta de conhecimento acerca do que é o TEA, assim como
do direito que as crianças com esse Transtorno têm de participarem do ensino regular,
favorecendo, assim, a formação de atitudes sociais desfavoráveis ao processo de inclusão dessas
crianças, como se pode perceber nos seguintes trechos: “Alguns não gostam, porque acham que o
filho não vai aprender porque a professora vai dar atenção só para o autista” (P14); “Eu já vivenciei
isso numa escola. Os pais se juntaram e pediram que o diretor mudasse uma criança de sala” (P16);
“Ela [mãe] estava se queixando de o filho estudar com uma criança autista. Eu disse pra ela que,
se ela quisesse, ia tirar o filho dela da escola, porque o outro garoto iria continuar na escola” (P15);
“[...] existem aquelas opiniões adversas de quem não conhece o autismo” (F2).
Quanto ao profissional que respondeu que os pais aceitavam, desde que a criança com TEA
não atrapalhasse o andamento das atividades de sala, pode-se perceber aquilo que Amaral (1998)
chama de estereótipo do vilão, no qual a pessoa com deficiência é vista como a causadora de
problemas.
Os participantes informaram ainda que, alguns pais se queixavam por terem o filho
“agredido” na escola, mas, quando eram esclarecidos de que a criança que “agrediu” tinha TEA,
passavam a compreender a situação, conforme os seguintes relatos: “Quando eles sabem que um
autista bateu em algum aluno, eles ficam meio inseguros, mas a gente explica a situação e eles até
simpatizam; eles entendem direitinho” (P12); “[...] quando eles sabem da situação, aí pronto, eles
compreendem bem. Tranquilo” (P13).
Esse dado corrobora com os encontrados por (CHAMBRES et al., 2008; CAMPBELL,
2006; OMOTE, 2004) , no sentido de que, quando uma pessoa não aparenta alguma deficiência,
como é o caso de uma pessoa com TEA, e se comporta de modo agressivo, tem uma chance maior
de receber atitudes sociais desfavoráveis do que uma pessoa que aparenta ter alguma deficiência
e se comporta de modo agressivo. No entanto, quando é explicado que, embora não aparente, trata-
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se de uma pessoa com deficiência – daí os comportamentos agressivos –, atitudes sociais positivas
são perceptíveis e, portanto, favoráveis à sua inclusão.
Conclusões
Retornando aos objetivos pretendidos, que foram os de investigar como vinha ocorrendo
o processo de inclusão de crianças com TEA nas instituições públicas de Educação Infantil, em
São Luís/MA, a partir da percepção de seus familiares e dos profissionais das instituições
pesquisadas. Foi verificado que, dentre o universo de noventa e quatro instituições públicas de
Educação Infantil, em São Luís/MA, havia apenas doze instituições que possuíam crianças – num
total de oitenta e quatro – diagnosticadas com TEA, devidamente matriculadas, sendo que quinze
estudavam na creche e sessenta e nove na pré-escola.
Nas duas instituições pesquisadas, o quantitativo de crianças com TEA correspondeu
a quatro crianças (cem por cento do universo pesquisado), duas na instituição A e duas na
instituição B, sendo três com grau leve (nível 1) e uma com grau severo (nível 3), com faixa etária
de dois a três anos; o quantitativo de profissionais pertencentes à instituição A foi de oito e da
instituição B, de oito também. Em relação aos familiares das crianças com TEA, o quantitativo
correspondeu a quatro (três mães e uma avó), sendo dois familiares de crianças da instituição A e
dois da instituição B. Ao todo, participaram do estudo vinte informantes. Faz-se necessário
registrar que o critério de seleção deles foi baseado no universo das crianças com TEA, das escolas
A e B.
A maioria dos participantes possui conhecimentos adequados em relação ao
Transtorno do Espectro Autista – TEA, apesar de que alguns desses conhecimentos estejam
alicerçados nas experiências do senso comum, mas, são conhecimentos que demonstram
compreensão, sensibilização e atitudes sociais favoráveis à inclusão de crianças com autismo e
respeito à diversidade humana.
Sobre as características das crianças com TEA, mesmo em meio a alguns mitos, as
mais registradas pelas participantes foram: dificuldade na fala; na comunicação; na interação
social; no contato visual; padrões de comportamento repetitivos; interesses restritos; ausência de
autonomia em atividades de rotina; comportamentos estereotipados etc. Tais características
citadas, vale destacar, são encontradas na literatura acadêmica, assim como na legislação. Então,
pode-se afirmar que isso é algo favorável ao processo de inclusão, pois pressupõe algum nível de
conhecimento adequado, por parte delas, no que diz respeito ao público de autistas com quem
trabalham ou trabalharam, e esse é um aspecto indispensável para que a inclusão ocorra.
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No tocante ao acesso das crianças com TEA à Educação Infantil, a maioria das
entrevistadas alegou não conhecer crianças com esse diagnóstico fora da escola, o que é algo
positivo para o processo de inclusão escolar, visto que essas crianças têm o direito legal não apenas
de serem matriculadas, mas também de permanecerem na escola, convivendo com as demais
crianças e aprendendo dentro do seu ritmo, interesse e capacidade. A ausência do cumprimento
desse direito sinalizaria a ausência da própria inclusão escolar.
Quanto ao preparo ou não dos profissionais para atuarem com crianças com TEA na
Educação Infantil, a maioria das pessoas entrevistadas acreditava não haver esse preparo,
principalmente por falta de formação inicial e continuada adequadas para essa demanda. Esse dado
é alarmante, visto que todos os profissionais que trabalham com esse público deveriam estar
devidamente capacitados, de acordo com a literatura científica e com a própria legislação.
Portanto, a ausência desse preparo pode dificultar o processo de inclusão.
Acerca de existir ou não barreiras para que a inclusão de crianças com TEA ocorra na
Educação Infantil, a maioria das pessoas entrevistadas afirmou que essas barreiras existem. As
principais barreiras citadas foram: falta de espaço físico adequado; de recursos lúdicos; de material
didático adequado; de capacitação dos profissionais; de esclarecimento das famílias; atitudes
sociais desfavoráveis ao processo de inclusão, por parte de alguns profissionais; salas de aula
lotadas etc. Segundo a legislação e a literatura científica, todas essas barreiras já deveriam ter sido
retiradas, visto que, de fato, prejudicam o processo de inclusão escolar.
No que diz respeito ao modo como as crianças com TEA eram tratadas pelos
profissionais das escolas onde estudavam, a maioria das pessoas entrevistadas respondeu que eram
tratadas bem, sendo que “bem”, de acordo com elas, significava que as crianças recebiam: atenção;
cuidado; amor; acolhimento; compreensão. Eram inseridas no contexto social; tinham suas
dificuldades minimizadas; os demais colegas eram conscientizados acerca da condição dos alunos
com TEA etc. Esse é um processo favorável à inclusão escolar, visto que a aceitação, o respeito e
a convivência com as diferenças pressupõem que a inclusão esteja acontecendo, em atenção à
legislação vigente e ao arcabouço científico de pesquisas na área.
Quanto à questão de como as crianças sem TEA se relacionavam com as crianças com
TEA, a maioria das pessoas entrevistadas alegou que as crianças com TEA eram aceitas pelos
demais. Essa aceitação consistia em: serem chamadas para brincar, interagindo com os outros;
serem cuidadas pelos demais colegas; os professores eram ajudados a cuidar das crianças com
TEA etc. Esses comportamentos, de fato, denotam aceitação e interesse pelo outro, o que é
fundamental para que a inclusão ocorra.
Acerca de como os pais/responsáveis das crianças sem TEA encaram o fato de
crianças com TEA estudarem com seus filhos, a maioria das entrevistadas respondeu que eles
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aceitam, com a ressalva de que os filhos não sejam agredidos. De fato, a literatura acadêmica tem
apontado que a agressividade dificulta o processo de inclusão de crianças com TEA. Diante desse
dado, é importante que os pais das crianças sem TEA sejam esclarecidos, pela escola, a respeito
do que é o TEA, assim como é necessário que as escolas saibam como lidar com esses
comportamentos agressivos, de modo a reduzi-los, favorecendo, assim, o processo de inclusão.
No que tange à existência ou não de parceria entre a família e a escola, a maioria das
pessoas entrevistadas respondeu que há, sim, essa parceria. De acordo com elas, essa colaboração
se dá das seguintes maneiras: participação das famílias nas escolas; as famílias buscam serviços
de atendimentos especializados, além de matricularem as crianças no ensino regular; as famílias
se adaptam às necessidades das crianças, à medida que os profissionais instruem para que essas
mudanças ocorram; profissionais e familiares trocam informações acerca do cotidiano da criança
tanto em casa quanto na escola; compartilhamento de informações a respeito dos atendimentos
especializados aos quais as crianças são submetidas etc. Constata-se, assim, que a participação da
família é fundamental nesse processo de inclusão, conforme prevê tanto a legislação quanto os
achados científicos.
No que se refere a faltar, ou não, algo para que a inclusão escolar, de fato, ocorra, a
maioria das entrevistadas afirmaram que falta maior investimento do poder público nesse setor.
De acordo com elas, ainda é necessário que haja: melhorias nos espaços físicos das escolas; maior
suporte aos professores; recursos, como materiais didáticos; salas de recursos em algumas escolas;
mais cuidadores em salas de aula; oferta de mais formações aos profissionais que atuam nas
escolas; mais profissionais na saúde pública para acompanharem as crianças com TEA, facilitando
a emissão de laudos, por exemplo, etc. De fato, todos esses aspectos citados são barreiras à
inclusão quando não ofertados. Para que a inclusão possa ocorrer, essas barreiras precisam ser
derrubadas, em conformidade com a legislação vigente.
No que diz respeito a como as próprias profissionais, exclusivamente, se julgam acerca
do preparo para atuarem com o público de crianças com TEA, a maioria não se sente preparada,
alegando, principalmente, deficiência na formação inicial e continuada. De acordo com a
legislação, essa deficiência não deveria existir, devendo ter todas as profissionais a oportunidade
de serem devidamente capacitadas.
Acerca de como as profissionais, exclusivamente, percebiam ocorrer o processo de
inclusão nas escolas onde trabalhavam, elas julgavam que as crianças com TEA eram acolhidas,
pois, de acordo com elas: o direito à matrícula era respeitado; havia facilitação, por intermédio
das profissionais, na interação social com as demais crianças; era garantida a participação nas
mesmas atividades curriculares das demais crianças; havia parceria da escola com a família;
parceria da escola com profissionais da saúde; material didático adaptado; atendimento
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educacional especializado na sala de recursos (em uma das escolas) etc. É interessante salientar
que a maioria dos familiares entrevistadas concorda com essa percepção das profissionais. Essas
características, realmente, apontam favoravelmente para o processo de inclusão escolar, de acordo
com a legislação e com o conhecimento teórico-científico.
Sobre a idade com a qual as crianças com TEA foram matriculadas na Educação
Infantil, os familiares entrevistados responderam que foi entre os dois e três anos, o que é algo
favorável ao processo de inclusão e que respeita a legislação vigente.
Diante do exposto, fica evidente que a maioria dos participantes possui conhecimentos
adequados em relação ao TEA; apesar de a maioria das crianças com TEA estarem sendo bem-
tratadas e bem-aceitas pelos profissionais e pelas crianças sem deficiência, nas instituições
pesquisadas, ainda existem muitas barreiras a serem superadas para que a Educação Inclusiva seja,
realmente, operacionalizada na Educação Infantil, dentre essas, as causadas pelos estigmas em
relação ao referido transtorno do neurodesenvolvimento e o medo e/ou rejeição de pais e demais
familiares de crianças sem deficiência, em relação ao convívio de seus filhos com as crianças com
TEA; a maioria dos profissionais que trabalham com crianças com TEA ainda se sentem pouco
preparados; há carência de parceria entre as instituições pesquisadas e os familiares das crianças
com TEA, ocasionando com isso, mais uma barreira no contexto da inclusão de crianças com o
Transtorno do Espectro Autista na Educação Infantil.
Portanto, pode-se depreender que este estudo comprovou a hipótese levantada ao
ressaltar que, apesar de todo o aparato legal que assegura a inclusão escolar de todas as crianças,
ainda existem barreiras, principalmente as de caráter atitudinal, que não permitem que a inclusão
de crianças autistas ocorra, efetivamente, na Educação Infantil.
REFERÊNCIAS
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- DSM-5. 5th.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.
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com Deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jul. 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 29 mai.
2019.
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______. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção Dos
Direitos da Pessoa Com Transtorno do Espectro Autista e Altera o Parágrafo 3 do Artigo 98 da
Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 2012.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm.
Acesso em: 10 mai. 2019.
CABRAL, C. S.; MARIN, A. H. Inclusão escolar de crianças com transtorno do espectro autista:
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RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L.; JABLONSKI, B. Psicologia social. Petrópolis: Vozes,
2009.
Página 708 de 2230
Abstract:This study analyzed the challenges in the schooling process of deaf students in the
context of Higher Education. The participants were two deaf students from the Graduation Course
Letras/Libras from UFMA. The data were collected through semi-structured interviews, with the
mediation of a Libras interpreter and recorded, since sign language is of spatial-visual modality.
The results show that deaf students go through many difficulties in reading and understanding
137
E-mail: maellemedeiros123@gmail.com
138
. E-mail: maellemedeiros123@gmail.com
139
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Campus Dom Delgado, São Luís/MA – Brasil. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-9872-2228. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4061880434989954. E-mail:
thelmachahini@hotmail.com.
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academic texts in Portuguese (L2), during the teaching-learning process, in Higher Education, due
to lack of teacher training in bilingualism and, consequently, lack of good quality education since
Basic Education. It is important to note that in the teaching-learning process involving deaf
students it is necessary to adopt teaching strategies taking into account Libras as a first language
(L1) and Portuguese as a second language (L2). It is emphasized that the teachers of higher
education institutions should review their methodological strategies, aiming at the effectiveness
of the learning of these students. It is noted that the interpreter of Libras, at this stage of schooling,
represents a resource in the translation of what is taught in the classroom.
Keywords: Higher Education. Deaf students. Schooling.
1 INTRODUÇÃO
2 EDUCAÇÃO DE SURDOS
Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o
desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e
indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total
de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas
com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição,
segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE.
Em se tratando do aluno surdo, Frias (2010) destaca que a inclusão destes alunos no
contexto escolar deve contemplar mudanças no sistema educacional e uma adaptação no currículo,
com alterações nas formas de ensino, metodologias adequadas e avaliação que condiz com as
necessidades do aluno surdo.
A presença do aluno Surdo em sala exige que o professor reconheça a necessidade da
elaboração de novas estratégias e métodos de ensino que sejam adequados à forma de
aprendizagem deste aluno Surdo, o aluno Surdo está na escola, então cabe aos professores
criar condições para que este espaço promova transformações e avanços a fim de dar
continuidade a um dos objetivos da escola, ser um espaço que promove a inclusão escolar
(FRIAS, 2010, p. 13).
Neste seguimento, Felipe (1997) afirma que muito se tem discutido e falado de
educação inclusiva e segregadoras, no entanto a realidade diz respeito a alunos surdos em salas
com alunos ouvintes que não conseguem de forma análoga interagir e compreender o que está
sendo ensinado.
Assim, o acesso e permanência na escola é um direito garantido em diversos
documentos, porém, muitas pessoas não tem acesso a este conhecimento, se colocando ou sendo
colocado à margem do processo de escolarização na sociedade.
3 METODOLOGIA
4 RESULTADOS
Página 712 de 2230
REFERÊNCIAS
CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica como direito. Cadernos de Pesquisa, v. 38, n.
134, p. 293-303, maio/ago. 2008.
FELIPE, T. A. Escola Inclusiva e os direitos linguísticos dos Surdos. Rio de Janeiro: Revista
Espaço – INES, Vol. 7, 1997.
JESUS, Karen de; NERES, Celi Corrêa. Inclusão e escolarização do surdo: o que relatam as
pesquisas?. UEMS/ Paranaíba. 2018. Disponível em
Página 714 de 2230
<https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/jornadadonucleo/inclusaoescolarizacao-do-
surdo.pdf>. Acesso em: 03 jul 2019.
SKLIAR, CARLOS. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
Página 715 de 2230
Abstract: This paper presents the experience of developing of extension project entitled
Education, quilombola schools and teacher training in the Baixada Maranhense organized by
Federal Institute of Education, Science and Technology of Maranhão (IFMA) Campus Pinheiro,
through its Center for Afro-Brazilian and Indiodescendent Studies (NEABI, acronym in
Portuguese), in collaboration with Federal University of Maranhão (UFMA) Campus Pinheiro and
the Quilombola Movement of Baixada Maranhense (MOQUIBOM, acronym in Portuguese). The
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1 INTRODUÇÃO
Um dos inúmeros desafios da nossa rede pública de educação é o estabelecimento de
diálogos e reflexões que aproximem a multiplicidade de sujeitos que compõe as comunidades do
seu entorno no envolvimento de ações institucionais emancipadoras e de impacto social
significativo para além das atividades de ensino e de aprendizagem desenvolvidas internamente
no seu cotidiano. No contexto em que testemunhamos um recrudescimento dos discursos
conservadores que tentam deslegitimar o papel das instituições educativas e do cerceamento às
práticas pedagógicas desenvolvidas pelos sujeitos da educação, cabe repensarmos de forma
conjunta estratégias de resistências às investidas em favor do desmantelamento e desestruturação
da educação pública, reconhecendo que isto só será possível com o fortalecimento dos seus
vínculos com a sociedade civil e com os movimentos sociais através não apenas do ensino, mas
também da pesquisa e da extensão.
Norteado por esta reflexão, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Maranhão (IFMA) Campus Pinheiro organizou o seu I Encontro Pedagógico 2019.1, realizado
entre os dias 07 e 09/03/2019, com o tema Diálogos para aproximação do Campus Pinheiro com
a comunidade local. Na ocasião, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indiodescendentes
(NEABI)140 da referida instituição mediou a roda de diálogos intitulada A inserção dos saberes
locais na produção de conhecimento dentro do IFMA Campus Pinheiro através da Pesquisa e
Extensão, que foi construída com membros da comunidade docente, pequenos produtores, artesãs,
140
A Rede Federal de Educação Básica, Técnica e Tecnológica é constituída por dois núcleos que trabalham na
implementação das políticas afirmativas a nível institucional: o mencionado NEABI e o Núcleo de Atendimento às
Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE).
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141
O Movimento Quilombola da Baixada Ocidental Maranhense, o MOQUIBOM, é um movimento de organização
política e de resistência campesina que se articula em torno da luta contra os retrocessos que ameaçam as políticas
públicas conquistadas ao longo das últimas décadas pelos remanescentes quilombolas no Maranhão. Defende, ainda,
a soberania e autogestão das comunidades tradicionais na definição de caminhos sustentáveis e viáveis de produção
de suas existências e do seu etnodesenvolvimento. Surgido na Baixada Ocidental Maranhense, nos últimos anos o
MOQUIBOM tem pautado a sua atuação na luta pelo reconhecimento dos territórios de remanescentes quilombolas
da região, marcada por graves conflitos fundiários com o assassinato de lideranças comunitárias, e na construção de
uma agenda política que respeite a emancipação, a autonomia e as aspirações dos sujeitos do quilombo. Para mais
informações sobre o MOQUIBOM, conferir: AMADOR, Rafael Barra. A teia dos povos e comunidades
tradicionais: autonomia territorial e resistências em face de processos hegemônicos. 2018. Monografia (Graduação
em Geografia) – Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2018.
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142
Regulamenta os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Segundo o Decreto, as comunidades de remanescentes
quilombolas são “grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados
de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida” (BRASIL, 2003).
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buscará subsídios para que entendamos como o sistema-mundo da colonialidade do poder veio se
estabelecendo na experiência da colonização latino-americana, repercutindo em várias dimensões
no processo de formação desses povos, inclusive no imaginário educativo e pedagógico.
O ponto chave dessa interpretação tem início em 1492 com a expansão dos impérios
ultramarinos das monarquias católicas que se localizavam na Península Ibérica. Como afirma
Nelson Maldonado-Torres (2018, p. 30), este acontecimento “teve implicações profundas
múltiplas, bem como um grande impacto sobre a noção de ser civilizado”. O autor afirma, ainda,
que a partir do século XV foi se constituindo teorias partilhadas entre a intelligentsia europeia que
classificavam arranjos socioculturais, políticos e econômicos distintos do seu modelo hegemônico
de sociedade (branca, cristã e “civilizada”) com categorias que variaram entre “menos
civilizados”, “não civilizados”, “selvagens” ou “primitivos” (MALDONADO-TORRES, 2018, p.
30).
A partir dessas injunções, foram se instituindo representações e interpretações
ocidentais acerca de povos e culturas que não se encaixavam nesse modelo civilizacional, a
exemplo dos nativos do Novo Mundo e, posteriormente, da mão de obra cativa africana que atuou
na consolidação das colônias além-mar.
A construção de um grande projeto salvacionista e civilizacional, perpetrado por parte
dos que se consideravam detentores da civilidade foi, portanto, inevitável. O resultado em longo
prazo mais contundente deste processo foi a perpetuação do imaginário de hierarquia e de
subalternização relegados a esses sujeitos, mesmo quando grande parte das colônias portuguesas
e espanholas vieram se tornar independentes no campo político e administrativo das metrópoles
coloniais.
Esse conjunto de pressupostos pretensamente científicos e filosóficos que tentam dar
conta da suposta inferioridade e subalternidade desses grupos sociais é o que chamamos aqui de
teorias da colonialidade que, segundo Maldonado-Torres (2018, p. 36) “pode ser compreendida
como uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na ausência de
colônias formais”, sendo, portanto, um projeto inacabado que se manifesta através da negação de
subjetividades dos sujeitos racializados, da imposição de um modelo de desenvolvimento
eurocentrado, da dominação do corpo feminino (da mulher negra sobremaneira) e na invisibilidade
das contribuições dadas pelos povos tradicionais no processo de formação dessas sociedades,
como as diversas etnias ameríndias espalhadas pelo continente assim como os povos de origem
africana e afro-brasileira, os quais nos atentaremos de forma mais específica a partir daqui.
Conforme nos aponta a pesquisadora Nilma Lino Gomes (2018), desde a segunda
metade do século XX, o movimento negro brasileiro tem construído estratégias de contraposição
à narrativa e ao imaginário da colonialidade, propondo reflexões acerca dos prejuízos trazidos a
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essa parcela social com a primazia de uma forma única e eurocentrada de interpretação da
realidade social.
Descolonizar o pensamento e as práticas sociais é, portanto, confrontar o modo de
produção do conhecimento (epistemologia) que nos é imposto e dar vazão, também, a saberes que
são elaborados a partir do lado subalternizado do sistema-mundo, sendo eles, como sugere o
sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel (2008, p. 136):
[...] o lado da periferia, dos trabalhadores, das mulheres, dos indivíduos
racializados/colonizados, dos homossexuais/lésbicas e dos movimentos anti-sistêmicos
que participam do processo de produção do conhecimento. Isto significa que, embora o
sistema mundo tome o mundo como unidade de análise, ele pensa a partir de uma
determinada perspectiva de mundo.
A autora esclarece que essa atuação política e epistêmica tem buscado agir, também,
no campo dos currículos das nossas instituições escolares lutando pela construção de uma
pedagogia emancipatória que dê protagonismo e voz aos sujeitos subalternizados pelo sistema
colonial, os denominados “Outros Sujeitos”143 por Miguel Arroyo (2011, p. 24), criando
possibilidades de positivação dos seus saberes e das suas existências.
O sistema educacional brasileiro convive com práticas que reforçam um currículo
hegemônico, monocultural que tem atuado na desterritorialização e na invisibilidade de minorias
sociais e culturais que passaram pelo processo histórico da hierarquização do saber, poder e ser
143
“[...] os Outros Sujeitos mostram o peso formador da diversidade de resistências de que são sujeitos. Todas as suas
vivências narradas se entrelaçam às práticas coletivas de resistências. Práticas de saber-se e afirmar-se resistentes e
ter acumulado saberes de resistir aos brutais processos de subalternização. Não falam de saberes em abstrato, mas de
pedagogias, de saberes, de aprendizados de reações e resistências concretas à escravidão, ao despojo de seus
territórios, suas terras, suas águas, suas culturas e identidades. Teorias pedagógicas de resistência coladas e aprendidas
em práticas, lutas, ações coletivas, no resistir à destruição e, sobretudo, na retomada da agricultura familiar, da
construção de um teto onde abrigar a família, de sair do desemprego. Resistências que participam desde
crianças/adolescentes e que levam às escolas e aos encontros da educação popular” (ARROYO, 2011, p. 24).
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É ético que os profissionais e educandos lutem por devolver-lhes o que vem sendo
subtraído, o direito a pensar, criar, escolher o que ensinar e como, o que aprender, que
conhecimentos garantem o direito a entender suas vivências, a entender-se. Nessa luta
ética pela liberdade e a autoria, pelo direito a um conhecimento que liberte, o currículo
aparece como território de disputa. É ético questionar por que o currículo passou a ser o
território onde o conhecimento acumulado se afirma como único, legítimo, onde a
racionalidade científica se legitima como a única racionalidade. É ético garantir o direito
à diversidade de conhecimentos e de formas de pensar o real. (ARROYO, 2012, p. 40)
A escola regular e ordinária não tem nos seus currículos geradores marcos conceituais
sobre suas identidades e trajetórias sócio espaciais, por exemplo, que constroem o currículo com
as dinâmicas das trajetórias e fundadas na ancestralidade. O modelo em curso no século XXI
aponta apenas a dinâmica econômica e mercadológica, destarte da autonomia e protagonismo
quilombola. Portanto, torna-se importante que a comunidade acadêmica dispute parcelas de
demarcação teórica e pedagógica, no que se refere à formação de professores com abordagem
contextualizada quilombola (FREIRE, 2019) através de propostas emancipadoras e alinhadas com
o movimento decolonial latino-americano na perspectiva dos negros e negras do nosso país.
OFICINAS ORGANIZADORES(AS)
Do quilombo para a escola, da escola para Profa. Dinalva Pereira Gonçalves / UFMA
o quilombo: uma proposta de intervenção Campus Pinheiro
pedagógica para escolas quilombolas de
Ensino Fundamental
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Saberes quilombolas e saberes científicos nos Profa. Fátima de Jesus Soares Corrêa / IFMA
processos de ensino e de aprendizagem. Campus Pinheiro
Segurança e soberania alimentar no contexto Profa. Thays Claudia da Silva Nascimento e Profa.
das comunidades tradicionais. Domingas Cantanhede dos Santos / IFMA
Campus Pinheiro
Práticas de letramento da comunidade e suas Profa. Áurea Maria Brandão Santos / IFMA
repercussões no cotidiano escolar. Campus Pinheiro.
Fundamentos sócio filosóficos da educação. Prof. Vicente Juciê Sobreira Junior / IFMA
Campus Pinheiro.
Representações da África e dos africanos no Prof. Jadson Fernando Rodrigues Reis e Profa.
currículo escolar. Domingas Cantanhede dos Santos / IFMA
Campus Pinheiro.
Matematizações, diálogos e conexões entre os Prof. Filardes de Jesus Freitas da Silva/ IFMA
saberes socioculturais de uma Campus Pinheiro.
comunidade quilombola e os
saberes escolares.
Geografias e saberes na educação quilombola. Prof. Saulo Barros da Costa / IFMA Campus
Pinheiro.
144
Definidas pela Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012, as Diretrizes Curriculares para a educação quilombola
foram uma conquista significante das reivindicações históricas encabeçadas pelo movimento negro e pelos
intelectuais comprometidos em desconstruir as representações racistas e excludentes que permeiam os currículos das
escolas de Educação Básica no país. Como desdobramento das políticas de ações afirmativas promovidas desde os
primeiros anos do governo trabalhista de Luís Inácio Lula da Silva, tendo a Lei 10.639/03 como marco fundamental,
tais diretrizes possibilitaram que as escolas dos territórios quilombolas pudessem construir sua prática educativa de
forma autônoma e democrática, com participação efetiva dos sujeitos da comunidade, contemplando em seus
currículos aspectos relacionados aos seus modos de etnodesenvolvimento, gestão educacional e produção de
existências.
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em que os conteúdos das diversas disciplinas podem ser trabalhados numa perspectiva
interdisciplinar, respeitando as seguintes orientações:
oficinas a reflexão sobre uma prática que parte do saber-fazer dos estudantes para conceitos mais
abstratos das áreas dos conhecimentos acima pontuadas.
Levantar este debate significa, acima de tudo, reconhecer que as atividades cotidianas
desenvolvidas pelos povos tradicionais são prenhes de saberes que, na maioria das vezes, são
negligenciados pelas hierarquias e silenciamentos produzidos pelo currículo monocultural,
colonial e desterritorializado. Nas proposições dessas atividades, almejou-se positivar esses
saberes sob a luz da etnomatemática e da etnofísica.
Essas mesmas preocupações, a contextualização dos saberes curriculares à realidade
das comunidades quilombolas, nortearam outras duas oficinas, discutidas a seguir, propostas na
formação continuada em análise.
Na oficina Geografias e saberes na educação quilombola, o professor Saulo Barros
da Costa, coordenador do projeto, se propôs a trabalhar a relevância e as particularidades dos
saberes geográficos para as comunidades quilombolas, respeitando a representação que estes
possuem sobre o seu território, assim como a luta empreendida pelos mesmos na defesa do
usufruto das suas terras. Dessa forma, as atividades propostas durante o desenvolvimento deste
trabalho, focaram na discussão sobre a Geografia ensinada nos territórios quilombolas e de que
forma os discursos sobre o espaço contribuem na formação das identidades individuais e coletivas
dos sujeitos que dele fazem parte.
Figura 05 – Oficina Fundamentos sócio filosóficos Figura 06 – Oficina Representações da África e dos
da educação africanos no currículo escolar.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação continuada para professores da educação quilombola aqui discutida foi
construída através dos esforços coletivos de um conjunto de profissionais da educação e lideranças
comunitárias que acreditam no potencial de uma educação igualitária, emancipadora e
contextualizada aos distintos interesses dos povos tradicionais, que ao longo do nosso processo
histórico tiveram negado o acesso aos direitos humanos fundamentais e o acesso a políticas
públicas eficazes de inclusão social. Nesse sentido, o campo da educação, que se caracteriza como
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direito humano essencial, é um território a ser disputado, tendo em vista que o currículo escolar,
atravessado pelo discurso da colonialidade do poder, pretere as trajetórias e os saberes desses
povos em detrimento de uma epistemologia (epistemicídio) eurocentrada, branca e ocidental.
O projeto demarcou, ainda, a necessidade do fortalecimento das formações
continuadas, por parte das instituições fomentadoras do ensino, pesquisa e extensão, ofertadas aos
docentes que atuam nas escolas dos territórios quilombolas. Embora as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Quilombola apontem para a necessária e constante atualização desses
professores, que deve acontecer obrigatoriamente atrelada a sua prática e ao contexto das
comunidades onde estão inseridos, percebe-se ainda que esta dimensão precisa ser trabalhada de
forma mais sistemática. O déficit de formações continuadas para professores da educação
quilombola na Baixada Ocidental Maranhense ainda é muito alarmante, tendo em vista que esta é
uma região onde se encontram inúmeras comunidades reconhecidas ou em processo de
reconhecimento como remanescentes por parte da Fundação Palmares.
Mensurar o impacto que esta formação continuada causou ou causará, em longo prazo,
nas práticas educacionais dos docentes que participaram do projeto, ainda é um dado a ser
analisado de forma mais aprofundada, cabendo, portanto, um projeto de investigação com essa
finalidade específica. No entanto, o que se pode averiguar prematuramente é que a relação entre
as instituições de Educação Profissional e Tecnológica, através dos seus Núcleos de Estudos Afro-
brasileiros, das instituições de Educação Superior e dos movimentos sociais precisam ser
fortalecidas para que a proposição de cursos de aperfeiçoamento e de caráter formativo possam
alcançar um número bem mais amplo de territórios, escolas quilombolas e professores que nesses
espaços atuam.
São essas ações que possibilitam a construção de espaços e de reflexões que
evidenciem o papel das comunidades quilombolas enquanto agentes políticos, históricos e sociais.
Permitindo, portanto, que se trabalhe nos espaços escolares com temas que, diante da conjuntura
política desfavorável às lutas sociais, ainda nos são bem caros, a exemplo da diversidade religiosa
e sexual, da luta por políticas de ações afirmativas e do combate ao racismo estrutural e
institucionalizado em suas diferentes facetas. Dessa forma estaremos assumindo o nosso
compromisso com uma educação que, alinhada com as ideias defendidas por bell hooks (2017, p.
11), seja em sua essência revolucionária, de resistência e profundamente anticolonial.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 60. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2019.
GROSFOGUEL, Ramón. Para uma visão decolonial da crise civilizatória e dos paradigmas da
esquerda ocidentalizada. In: BERNADINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson;
GROSFOGUEL, Ramón (Org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo
Horizonte: Editora Autêntica, 2018.
HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo:
Editora WWWF Martins Fontes, 2017.
Abstract: assistive technologies are resources and services that provide functional skills to people
with disabilities, promoting participation, autonomy, social and educational inclusion. The present
study aimed to investigate how the assistive technologies had been used by users with visual
impairment and hearing in the Central Library of the Federal University of Maranhão (UFMA) on
perception of the librarians who work directly with these users. In this sense, developed an
exploratory, descriptive research with qualitative approach, through literature review and semi-
structured interviews. The participants were three librarians from referencing sector. The data
were collected through semi-structured interviews. The results show that the current situation of
the Central Library at UFMA is little favourable, due to the existence of flaws in relation to full
accessibility. The University libraries need to be equipped with assistive technology aimed at the
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democratization of the information, autonomy and promotion of social and educational inclusion
of the people with disabilities.
Keywords: Assistive technology. University library. Users with disabilities. Accessibility.
Autonomy.
1 INTRODUÇÃO
O conceito de biblioteca baseia-se na igualdade de acesso para todos, sem restrição de idade,
etnia, sexo, status social, etc. e na disponibilização aos usuários de todo tipo de conhecimento. Assim,
a biblioteca é um espaço atuante na qual o usuário deve usufruir de toda a sua potencialidade, pois,
além de servir como apoio no processo ensino-aprendizagem, pode contribuir para a formação de
cidadãos críticos e criativos.
Nesse sentido, a contribuição das bibliotecas na construção do conhecimento humano deve
acontecer de forma efetiva, local onde o conhecimento e as informações assumem destaque
central, pois a biblioteca faz, realmente, a diferença (ANDRADE, 2003).
Nesse sentido, a biblioteca universitária tem como papel primordial, oferecer o suporte ao
ensino, à pesquisa e à extensão com a precisão e a rapidez que o meio acadêmico exige. Portanto,
para atender as demandas de seus usuários, a biblioteca precisa se desenvolver junto com a
Universidade e contribuir para a democratização da informação e promover a inclusão social.
Podemos afirmar que a biblioteca e universidade são fenômenos indissociáveis, vasos
comunicantes, como causa e efeito. A biblioteca não pode ser melhor ou pior que a universidade
que a mantém. Por sua vez, o inverso também é verdadeiro, a universidade, consequentemente,
não é melhor ou pior que o sistema bibliotecário em que se alicerça (MIRANDA, 1980 apud
SANTOS, 2015). Portanto, as bibliotecas precisam ser acessíveis, para que possam atender as
necessidades informacionais a todos os usuários sem ou com deficiência.
A realização de atividades simples como pegar um livro na estante ou folheá-lo pode,
dependendo de o tipo de deficiência, afugentar usuários haja vista o quão penoso isso pode ser.
Sendo assim, o acesso a biblioteca universitária é fundamental para a promoção da democratização
da informação e não pode se restringir somente para alguns, mas, deve abranger a população em
sua totalidade, respeitando as diferenças e peculiaridade de cada indivíduo.
As bibliotecas são exemplos de espaços em que o direito e a acessibilidade, infelizmente,
ainda não são uma realidade para todos os usuários. No caso específico, alunos com deficiência
enfrentam inúmeras dificuldades no seu cotidiano acadêmico para desempenhar atividades
simples como realizar uma pesquisa na biblioteca da universidade.
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Para muitas pessoas, é na Universidade que acontece a formação inicial em busca de uma
qualificação profissional, e é neste contexto que as instituições de educação superior assumem um
papel relevante na formação profissional de seu estudante, devendo, para tanto, se encontrar
estruturada arquitetonicamente, acessível, com recursos humanos capacitados e tecnologia
adequada e assistiva aos discentes com necessidades educacionais diferenciadas.
No contexto, tanto a universidade, enquanto instituição de ensino, quanto a comunidade
acadêmica, devem assumir seus papéis enquanto protagonistas do e no processo ensino-
aprendizagem. Em relação à pessoa com deficiência, deve-se ter como meta a busca pela postura
de independência funcional, construída a partir do reconhecimento do próprio corpo. É com base
na independência individual, que envolve o reconhecer-se, que se vai buscar outros sentimentos
benéficos que irão colaborar com a formação do ser, são eles: a autonomia, liberdade, dignidade,
auto estima, auto realização, o sentir-se capaz de realizar e conquistar novas perspectivas e
horizontes. Envolve o acreditar em si mesmo.
Necessário esclarecer que, o conceito de autonomia empregado, envolve a independência
para o fazer e nesse contexto deve significar o fazer das atividades acadêmicas que envolve o ir e
vir da universidade, assistir aula com os demais colegas de turma, participar de todas atividades
que envolver o fazer universidade, dentre eles, fazer uso de uma biblioteca com eficácia. Assim,
se o estudante se sente íntegro para realizar as tarefas que o compromisso universitário exige,
certamente, chegará ao mundo do trabalho competitivo sentindo-se capaz de realizar aquilo para
qual estudou e se graduou.
Enquanto estrutura de ensino público, a Universidade deve incorporar medidas que visem
à redução a zero, preferencialmente, das barreiras arquitetônicas e atitudinais que se colocam a
frente da pessoa com deficiência. Este constitui um passo importante para a equiparação de
oportunidades e direciona a pessoa com deficiência para a conquista da autonomia, da
independência, autoestima e autorrealização.
Paralelo a quebra de barreiras, o investimento em tecnologia assistiva, entendida como
“[...] toda e qualquer ferramenta ou recurso utilizado com a finalidade de proporcionar uma maior
independência e autonomia à pessoa portadora de deficiência” (DAMASCENO; GALVÃO
FILHO, 2002, p. 1), associada aos preceitos do desenho universal sugerem uma alternativa
acessível que deve ser integrada aos projetos de biblioteca.
A aquisição de equipamentos, adaptação de estruturas socioespaciais, o envolvimento de
equipes multiprofissionais (arquitetos, engenheiros, pedagogos, psicólogos, bibliotecário,
tecnólogos, profissionais da informática, entre outros) também é de suma importância para que
seja alcançada uma mudança estruturalmente física, cultural e humana que repassada às gerações
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futuras não precise priorizar ou chamar a atenção para a acessibilidade, mas que esta já esteja
presente permanentemente nas ações políticas, econômicas, sociais e ambientais.
As tecnologias assistivas podem ser definidas não somente como objetos, recursos,
equipamentos ou dispositivos para execução de tarefas e sim, tudo o que o homem criou e cria
para ampliar nossas capacidades físicas, mentais, a comunicação entre as pessoas, para dar sentido
à vida e ao mundo. Mesmo a comunicação escrita, o papel, a caneta, a criação do alfabeto, “tudo
isso é tecnologia. E tudo isso esteve sempre muito próximo do ser humano e de suas necessidades”
(GALVÃO FILHO, 2009, p. 38).
[...] as tecnologias estão presentes em cada uma das pegadas que o ser humano deixou sobre
a terra, ao longo de toda a sua história. Desde um simples pedaço de pau que tenha servido de
apoio, de bengala, para um homem no tempo das cavernas, por exemplo, até as modernas
próteses de fibra de carbono que permitem, hoje, que um atleta com amputação de ambas as
pernas possa competir em uma Olimpíada, disputando corridas com outros atletas sem
nenhuma deficiência. [...]. (LÉVY, 1999 apud GALVÃO FILHO, 2009, p. 38).
As tecnologias assistivas são todos os aparelhos e recursos utilizados afim de tornar mais
simples a vida das pessoas que necessitam de atendimento especial devido às suas necessidades
específicas.
Para as bibliotecas as tecnologias assistivas podem ajudar a torná-las inclusivas,
possibilitando o acesso à informação, compreendendo as necessidades e limitações de cada
usuário, a fim de que estes sejam mais independentes nos exercícios de suas atividades
(NASCIMENTO, 2011). “Desenvolver recursos de acessibilidade seria uma maneira concreta de
neutralizar as barreiras e inserir esse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem,
proporcionados pela cultura” (DAMASCENO; GALVÃO FILHO, 2002, p. 1).
Na Biblioteca Universitária é de extrema importância saber que essas tecnologias
assistivas ajudam os usuários com deficiência a terem o acesso à informação, ao conhecimento e
a comunicação, salientando que a importância do profissional bibliotecário é indispensável, já que
ele é o mediador nesse processo de inclusão social, dando um suporte aos seus usuários com
deficiência que vão se tornar independentes em suas vidas.
A Biblioteca Central da UFMA define que tem como expectativa de oferecer um
atendimento dinâmico e moderno aos seus usuários, com ênfase na acessibilidade e em serviços
que privilegiem itens como rapidez e autonomia, oferecendo terminais de autoatendimento para
empréstimo, devolução e renovação de títulos, por exemplo (UNIVERSIDADE FEDERAL DO
MARANHÃO, [2019?]). As tecnologias assistivas podem ser importantes para a eficiência de um
atendimento que prioriza a autonomia dos usuários.
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Atualmente, a Biblioteca Central tem duas salas de acessibilidade, uma é direcionada para
leitura individual a outra sala tem algumas tecnologias assistivas pra auxiliar na pesquisa como:
lupa eletrônica, dois computadores com ferramentas de ledores e libras, também tem um bolsista
que faz o serviço de ledor aos usuários com deficiência visual.
Nessa perspectiva, é interessante investigar como vem sendo utilizado as tecnologias
assistivas pelos usuários com deficiência visual e auditiva no contexto da NIB da UFMA na
percepção das bibliotecárias que trabalham diretamente com esses usuários.
Quadro 1 - Tecnologias assistias disponibilizadas aos usuários com deficiência visual e auditiva
Diante dos dados, nota-se que o quantitativo de tecnologias assistivas existentes na Biblioteca
Central ainda são poucas para atender, por exemplo 146 estudantes ingresso em 2019 com deficiência
visual e auditiva da UFMA, provavelmente, usuários da biblioteca. Portanto, aquisição de um
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maior quantitativo de tecnologias assistivas possibilitará o acesso de mais usuários para realização
de pesquisa na biblioteca. Nesse sentido, os estudos de Santana, Pereira e Santana (2012, p. 1)
enfatizam que a utilização de tecnologia assistiva na educação “[...] favorece as pessoas com
deficiência, pois, facilita a obtenção de informações, a autonomia e independência na execução
de tarefas, além do resgate das suas potencialidades e motivações para aprender”.
No quadro 2 são apresentados os relatos referentes ao segundo questionamento: Como as
tecnologias assistivas estão disponibilizadas aos usuários com deficiência visual e auditiva?
Quadro 2 - Disponibilização das tecnologias assistivas aos usuários com deficiência visual e
auditiva
Diante do exposto, percebe-se que as tecnologias assistivas estão dispostas aos usuários
em uma única sala na biblioteca central e que essas são mais voltadas para usuários com
deficiência visual.
No contexto, ressalta-se, que os serviços de uma biblioteca se baseiam na igualdade de
acesso para todos, ou seja, uma “[...] biblioteca acessível é a que disponibiliza a informação em
qualquer suporte e provê acesso a todas as pessoas que dela necessitam, ou seja, segue os
princípios do desenho universal” (GONZALES, 2002 apud GONÇALVES, 2012, p. 2).
No quadro 3 são apresentados os dados obtidos da terceira questão: Qual a frequência
que os usuários com deficiência visual e auditiva utilizam as tecnologias assistivas na
biblioteca central da UFMA?
Quadro 3 - Frequência dos usuários com deficiência visual e auditiva no uso das tecnologias
assistivas na biblioteca central da UFMA
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Nós temos um público cativo são os alunos que sabem sobre os serviços, então eles
estão aqui toda semana , mas se a gente foi ver não é um número muito variado de
alunos, geralmente são os mesmos alunos e são mais os que tem a deficiência com
P1
baixa visão e também uma surda que sempre vem acompanhada de uma interprete, ela
vem duas vezes na semana e passa o dia inteiro aqui e ela também utiliza o acervo da
biblioteca.
P2 Os alunos com deficiência visual frequentam mais do que o auditivo
Temos uma frequência boa de alunos que conhecem os serviços, mas se fomos analisar
o quantitativo geral que existem na UFMA de estudantes com deficiência a frequência
P3
é baixa, é necessário um estudo de usuário para saber porque a maioria não frequenta
a biblioteca
Fonte: Dados da pesquisa realizada pelas autoras.
Diante dos dados, percebe-se que a frequência na biblioteca central é mais de usuários com
baixa visão e que apenas uma usuária surda frequenta a biblioteca, acompanhada por uma
interprete de libras. De acordo com as bibliotecárias, apesar de haver, na UFMA, pessoas cegas,
essas não costumam frequentar o referido local. Nesse sentido, se faz importante ressaltar que as
Tecnologias Assistivas podem ser consideradas como Tecnologias criadas para gerar
acessibilidade e inclusão a todo tipo de indivíduo (FONSECA; PINTO, 2010).
No quadro 4 estão os relatos das participantes referentes a quarta questão: Em sua
percepção, as tecnologias assistivas existentes na Biblioteca Central da UFMA contemplam
as necessidades especificas dos usuários com deficiência visual e auditiva?
Eu acho que deveria ampliar mais porque temos só esses programas as vezes não
funciona, acho que uns programas mais modernos para contemplar de forma mais
P1
efetiva, mas pelo ou menos já começamos e está sendo frequentado por alguns
usuários. A minha esperança é que melhore.
Elas contemplam mais para os alunos com deficiência visual os auditivos não. Também
P2 temos os livros em Braile, mas não são utilizados. Os alunos com deficiência auditiva
frequentam mais o acervo do que a sala que tem as tecnologias assistivas.
Contemplam mais para usuários com baixa visão, os usuários cegos eu nunca atendi
P3 nenhum e nem tenho conhecimento de frequência de alguma pessoa cega aqui na
biblioteca. Sobre o usuário com deficiência auditiva é necessário um curso de libras
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Quadro 5 - Melhoria do acesso às tecnologias assistivas aos usuários com deficiência visual e
auditiva na biblioteca da UFMA
Os programas deveriam ser mais aperfeiçoados até mesmo o acervo deveria ter livros
por exemplo em formato braile. Nós temos de literatura geral, mas não temos
específicos das áreas. Da medicina não temos nada, direito não temos nada, biologia,
dos cursos de graduação em si não temos nada. O que temos é mais de literatura. E
P1
não temos impressora, poderia ter para ajudar na pesquisa. Tem um aluno que tem
baixa visão que passa muito tempo com o livro as vezes paga multa porque ele leva
para fazer a transcrição e eu acho que ele leva para o núcleo de acessibilidade então
se aqui tivesse seria mais rápido a pesquisa desse usuário.
Mais equipamentos e programas para que a pesquisa realizada por esses usuários torne
P2
mais eficiente.
Tecnologias mais modernas e treinamento para nós bibliotecários para atender de
P3
forma mais eficiente os usuários com qualquer tipo de deficiência
Fonte: Dados da pesquisa realizada pelas autoras.
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Quadro 6 - Relevância das tecnologias assistivas aos usuários com deficiência visual e auditiva
Pra mim isso deveria ser o primeiro passo de uma biblioteca porque temos uma
biblioteca aberta para que o usuário tenha autonomia de fazer a pesquisa então com
P1 as tecnologias assistivas facilitaria para que usuário com deficiência também tenha
essa autonomia para que explore todos os serviços da biblioteca para que ele saia da
universidade com uma formação completa
Elas são de grande importância principalmente para o aluno com deficiência visual
P2
que não tem como fazer a leitura dos documentos e livros do acervo
São extremamente importantes, pois facilita muito na pesquisa desses usuários e eles
P3
tem autonomia nos seus estudos
Fonte: Dados da pesquisa realizada pelas autoras.
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria Eugênia Albino. A biblioteca faz a diferença. In: CAMPELLO, Bernadete et
al. A biblioteca escolar: temas para uma prática pedagógica. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2003. p. 13-15.
ARANHA, Maria Salete Fábio. Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e permanência de
todos os alunos na escola: necessidades educacionais especiais dos alunos. Brasília, DF:
Ministério da Educação, 2005. (Construindo a Escola Inclusiva, 4).
DAMASCENO, Luciana Lopes; GALVÃO FILHO, Teófilo Alves. As novas tecnologias como
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FONSECA, Juliene Coelho; PINTO, Tiago Leite. Tecnologias assistivas para a biblioteca
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de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, 2015.
based on the institutional link, area of concentration, total of completed guidelines in the program,
index H calculated by Google Scholar, publication journals (and their impact indicators), types of
collaboration, time to obtain a doctorate, in addition to the complete mapping of scientific
production from the researcher's curriculum registered in the Lattes Platform and the identification
of the formats of the sources most used by these professors to publish their research. It concludes
that the PGCult professors concentrate their bibliographic productions in greater number in
presentations of works in scientific events (29%) and in articles published in scientific journals
(28%), with the publication of books (7%) and abstracts in scientific events (1%) with little
representation.
Keywords: Metric Information Studies. Scientific Teaching Production. Programa de Pós-
Graduação em Cultura e Sociedade.
1 INTRODUÇÃO
O movimento comunicacional é a troca de informações e saberes entre seres humanos,
durante muito tempo se deu face a face, com o passar dos anos foram surgindo outras tecnologias
mediadas por papéis, tintas, fios, ondas eletrônicas etc. (THOMPSON, 1998). A produção dos
registros do conhecimento dá origem aos documentos manuscritos, administrativos, selos, mapas,
entre outros, registrando a cultura humana de uma época. No caso da comunicação científica esta
é antecedida pelos canais de comunicação para dar voz às suas descobertas e propagar seu
desenvolvimento.
Entendida como comunicação de resultados de pesquisas à comunidade científica e,
também, às pessoas interessadas, a comunicação científica traz, na sua essência, a “aprovação”
por seus pares quando é avaliado para publicação, ou, no momento que passa a ser, depois de
publicado, referência a novas pesquisas (MUELLER, 2012). Essa difusão facilita a criação e a
disseminação de novos conhecimentos (CASALVARA, 2011).
Desse modo, a comunicação científica é um elemento indispensável ao
desenvolvimento da ciência, nesse sentido, Meadows (1999) relata que ela configura o coração da
ciência, tão relevante quanto a própria pesquisa. De forma mais contundente, Ziman (1979, p. 23)
comenta que "[...] a literatura sobre determinado assunto é tão importante quanto o trabalho de
pesquisa a que ele dá origem.". Na perspectiva de valorização das trocas de informação para o
desenvolvimento científico, a comunicação científica “[...] gera o conhecimento científico, que
corresponde, por sua vez, a um ciclo contínuo de transmissão e recepção de dados [...]”
(PECEGUEIRO, 2011, p. 23).
O processo de geração do conhecimento científico, ou seja, a produção científica,
demanda do pesquisador grande esforço na busca dos saberes anteriormente produzidos
Página 747 de 2230
(ALBAGLI, 1996). Estes, por sua vez, irão subsidiar além da elaboração do seu próprio
conhecimento a de tantos outros estudos. O discurso interno acadêmico, registrado, por exemplo,
em monografias, teses, dissertações ou artigos científicos, tem seus reflexos em debates sociais,
quando ultrapassam os muros das universidades em apresentações de eventos científicos ou nas
discussões sociais.
Nesse sentido, os canais de comunicação científica possuem o intuito de divulgar a
produção científica tornando-as públicas, visto que a “[...] realização de pesquisas e a
comunicação de seus resultados são atividades inseparáveis.” (MEADOWS, 1999, p. 161). Por
isso, há de se considerar por quais canais esse discurso é difundido, de que modo e em quais meios
os estudos dos pesquisadores estão sendo publicizados, uma vez que estes são considerados o elo
entre os cientistas e seu público.
Existem múltiplos canais de comunicação científica, que possibilita a identificação
dos modelos de comportamento de pesquisadores na produção e disseminação do conhecimento,
de acordo com Meadows (1999) podem ser classificados conforme o tipo de publicação, a
exemplo, dos periódicos, livros, capítulos de livros, congressos etc., no âmbito nacional e
internacional. Mas, independentemente da categorização, que não alcança unanimidade na
literatura científica consultada, os canais de comunicação científica são relevantes para o
entendimento do percurso científico.
Para dimensionar esse percurso, medir a ciência, prática usual desde o início do século
XX, é cada vez mais necessário, considerando o crescimento e discussões que são propostas pelas
diversas áreas do conhecimento. As métricas são fundamentais quando auxiliam pesquisadores,
Instituições de Ensino Superior (IES), órgãos governamentais e multinacionais nas tomadas de
decisão, para o direcionamento dos recursos destinado à pesquisa.
A bibliometria considerada, um conjunto de metodologias e técnicas estatísticas, para
medição da comunicação escrita, em especial, da produção técnico-científica, propicia essa
prática, uma vez que, na visão Oliveira e Gracio (2013) permite uma abordagem que oferece um
diagnóstico confiável da produção científica de uma área, no seu tempo e espaço. Assim, a
bibliometria é considera “[...] um conjunto de métodos e técnicas quantitativas e estatísticas que
propicia mensurar a produção científica de um determinado escopo, seja ele um grupo de pesquisa,
um departamento, uma instituição ou um país [...].” (PINHEIRO; CAETANO; OLIVEIRA, 2019,
p. 17) que possibilita mapear a produção científica no que se refere as tendências de investigação,
linhas de pesquisa, autores mais produtivos, tipos de publicação mais utilizado dentre outros.
Ligada com o desenvolvimento político e econômico dos países a dimensão da
produção científica vem sendo estudada, por ser considerada o registro das conquistas realizadas
pelo avanço técnico-científico. Segundo Bassoli (2017, p. 17), os indicadores bibliométricos
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análises bibliométricas se firmam como fonte confiável de mensuração e uma das técnicas mais
utilizadas e adequadas para estudos qualitativos e quantitativos.
Desde sua origem até os dias de hoje, a bibliometria não só recebeu outras
denominações, como também foi ampliando suas aplicações nas diversas áreas do conhecimento,
sempre com seu objeto de estudo focado na produção científica escrita. Porém, esse foco não está
somente em livros, conforme a origem do seu termo remete, mas também em todos os âmbitos da
ciência, segundo a definição de Mostafa e Máximo (2003).
O termo bibliometria foi usado pela primeira vez em 1934 por Paul Otlet, que definia
bibliometria como sendo “[...] a parte definida da Bibliografia que se ocupa da medida ou da
quantidade aplicada ao livro [...]” (OTLET, 1986, p. 20). Otlet (1934) considerava que todos os
elementos bibliográficos seriam passíveis de mensuração, aludindo, assim, a bibliometria como a
aritmética ou matemática bibliológica.
Todavia, antes de Otlet, F. J. Cole e N. B. Eales, em 1917, utilizaram o termo
‘bibliografia estatística’ ao analisarem, estatisticamente, uma bibliografia de Anatomia
Comparada (FONSECA, 1986). Cronologicamente, Wyndham Hulme também utilizou esse termo
anteriormente à Otlet, no ano de 1922, em uma conferência na Universidade de Cambridge
(GARFIELD, 1986).
Para Costa e Vanz (2012, p. 98), a bibliometria “[...] auxilia os pesquisadores na
medida em que se presta a avaliar quantitativamente diversos aspectos da produção científica, não
dedutíveis de maneira frívola.” Por meio das técnicas quantitativas de mensuração é possível
traçar o perfil do mundo científico. Nesse sentido, na concepção de Araújo e Alvarenga (2007), a
bibliometria, enquanto área de estudo da Ciência da Informação, tem um papel relevante na análise
da produção científica de um país, uma vez que seus indicadores podem retratar o comportamento
e o desenvolvimento de uma área do conhecimento.
Em 1969, o termo bibliometria foi definido como “[...] a aplicação da matemática e
de métodos estatísticos aos artigos científicos e aos outros meios de comunicação [...]”
(POLANCO, 1995, não paginado). Tanto Cole e Eales quanto Hulme, ao realizarem seus estudos,
utilizaram uma espécie de ‘microbibliometria’, ou seja, a bibliometria aplicada a uma determinada
área da ciência ou campo do conhecimento científico.
Segundo Fonseca (1986, p. 10), “[...] como a Bibliografia, os estudos bibliométricos
podem ser classificados em nacionais, ou macrobibliométricos, e especializados ou
microbibliométricos.” Ademais, de acordo com Silva (2008), a macrobibliometria estuda a
produção bibliográfica, tendo uma abrangência maior que a microbibliometria, como, por
exemplo, ao analisar estatisticamente a produção bibliográfica de um país.
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Cumpre ressaltar aqui que, embora alguns considerem a bibliografia estatística (ou
estatística do livro) como sinônimo de bibliometria, ela não significa a mesma coisa. Otlet (1934)
já assinalava isso na sua primeira obra sobre o assunto.
Para Araújo (2006), a bibliometria trata-se de uma técnica quantitativa e estatística de
medição dos índices de produção e disseminação do conhecimento científico, assim como ocorre
com a demografia, ao enumerar a população. Ela surge no início do século como sintoma da
necessidade do estudo e da avaliação das atividades de produção e comunicação científica.
Basicamente, ela consiste na aplicação de técnicas estatísticas e matemáticas para descrever
aspectos da literatura e de outros meios de comunicação, sobretudo através da análise quantitativa
da informação. Em princípio, em 1923, ela foi conhecida como “bibliografia estatística”.
Posteriormente, em 1934 o termo “bibliometria” foi criado por Otlet. Mas esse termo só se
popularizou em 1969 (VANTI, 2002, p. 153).
Figueiredo (1977) aborda que a bibliometria, desde sua origem, é marcada por uma
dupla preocupação: a análise da produção científica e a busca por benefícios práticos imediatos
para bibliotecas (desenvolvimento de coleções, gestão de serviços bibliotecários).
Teoricamente, segundo Araújo (2006), existem três leis básicas que regem a
bibliometria: Lei de Lotka, que estuda a produtividade dos autores; Lei de Bradford, que estuda a
produtividade dos periódicos e, por fim, a Lei de Zipf, que estuda a frequência com que as palavras
aparecem nos textos científicos.
A Lei de Lotka, formulada em 1926, foi elaborada a partir de um estudo sobre a
produtividade de cientistas, tendo em vista a contagem de autores presentes no Chemical
Abstracts, entre 1909 e 1916. Lotka descobriu que uma larga proporção da literatura científica era
produzida por um pequeno número de autores (ARAÚJO, 2006). A Lei de Lotka foi, desde então,
objeto de larga produção científica.
A Lei de Bradford, denominada lei da dispersão e publicada em 1934, segunda lei da
bibliometria, que incide sobre conjuntos de periódicos, tem o objetivo de descobrir a extensão na
qual artigos de um assunto científico específico aparecem em periódicos destinados a outros
assuntos, estudando a distribuição dos artigos em termos de proximidade ou de afastamento. A
Lei de Bradford “[...] foi muito utilizada para aplicações práticas em bibliotecas, tais como o
estudo do uso de coleções para auxiliar na decisão quanto à aquisição, descarte, encadernação,
depósito, utilização de verba, planejamento de sistema (ARAÚJO, 2006, p. 15).
A terceira lei da bibliométrica clássica é a Lei de Zipf, formulada em 1949. “Ela
descreve a relação entre palavras num determinado texto suficientemente grande e a ordem de
série dessas palavras (contagem de palavras em largas amostragens).” (ARAÚJO, 2006, p. 16).
Zipf ao estudar a frequência de palavras na obra de Ulisses de James Joyce, concluiu que “[...]
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existia uma regularidade fundamental na seleção e uso das palavras e que um pequeno número de
palavras é usado muito mais frequentemente.” (ARAÚJO, 2006, p. 16), a partir desse estudo ele
formula o princípio do menor esforço que significa que as palavras mais usadas indicam o
conteúdo do documento.
As análises bibliométricas compõem os Estudos Métricos da Informação (EMI) que
são considerados como técnica de avaliação da atividade científica e tecnológica, mensurando o
desenvolvimento da ciência e o progresso tecnológico, que propiciam auxílio na tomada de
decisão e na elaboração de políticas públicas e científicas.
Os EMI podem ser concebidos como bibliometria, cientometria, patentometria entre
outros, que utilizam-se de métodos matemáticos e estatísticos possibilitando análises
quantitativas. Vale ressaltar que os mesmos atuam a partir de um contexto científico ou
tecnológico, isto é, a partir das publicações que representam os resultados das pesquisas científicas
e tecnológicas. No Quadro 1 a seguir verifica-se a distinção das características das subáreas dos
EMI conforme os autores a área.
Quadro 1- Características das Subáreas dos EMI
SUBÁREAS CARACTERÍSTICAS
Bibliometria Aplicação de métodos matemáticos e estatísticos para
livros e outros meios de comunicação. Considerada,
um conjunto de metodologias e técnicas estatísticas,
para medição da comunicação escrita, cujo
procedimento acontece mediante a mensuração de
documentos; palavras em documentos; palavras,
nomes e citações em registros bibliográficos; ou seja,
envolve a quantificação da produção,
disseminação e uso da informação registrada.
Cientometria Estuda a estrutura e as propriedades da informação
científica e as leis do processo de comunicação. É a
mensuração da comunicação científica em suas
diferentes áreas do conhecimento.
Informetria/Infometria Trabalha de forma ampla com os processos de
comunicação em ciência e com a mídia eletrônica.
Esse subcampo inclui temas como a análise estatística
do texto (científico) e os sistemas de hipertexto,
biblioteca, circulações, medidas de informação em
bibliotecas eletrônicas, bem como processos e
aspectos quantitativos de recuperação de informação,
com principal preocupação de descrever e analisar os
fenômenos e as leis implicadas na própria
informação.
Webmetria/Webometria Consiste no uso e aplicações dos métodos da
Informetria, agora aplicados em novo ambiente
World Wide Web (WWW).
Patentometria Constituindo-se como uma subárea da Informetria,
que analisa as patentes e utiliza as abordagens da
Bibliometria.
Altmtria O uso de dados webométricos e cibermétricos em
estudos cientométricos. Indicadores de atenção
online, que se dedicam à compreensão do impacto
social dos resultados parciais e finais de pesquisa
na web social.
Fonte: Araújo (2018); Oliveira (2018); Oliveira e Gracio (2013).
Página 752 de 2230
Diante disso, percebe-se que os EMI podem se tornar instrumentos úteis na otimização
da comunicação científica, recuperação da informação, assim como fornece apoio na formulação
de políticas e na tomada de decisão nas instituições acadêmicas, além de oferecer leituras mais
ricas da realidade, considerando aspectos contemporâneos que afetam diretamente a ciência, logo
os EMI consolidam-se como uma área ampla com diversas aplicações nas diferentes esferas do
conhecimento.
3 METODOLOGIA
O estudo caracteriza-se como bibliométrico de caráter descritivo, uma vez que utilizou
de técnicas padronizadas de coleta de dados, procurando compreender a descrição das
características da produção científica dos docentes permanentes no Programa de Pós-Graduação
em Cultura e Sociedade – PGCult, entre os anos de 2016, quando iniciou o Programa até o
momento, 2019, bem como o estabelecer relações entre variáveis que emergiram sobre o objeto
de estudo ao decorrer da pesquisa.
Segundo Morales et al. (2017) estudos de caráter bibliométricos vêm sendo realizados
na área da educação dentro de três perspectivas: a) os que estudam as revistas científicas da área;
b) os que analisam a produção científica em educação em uma perspectiva global nos diferentes
formatos e, c) os que analisam a produção científica em áreas específicas dentro das ciências da
educação;
Esta pesquisa se aproxima da perspectiva c, quando considera como unidade de análise
docentes permanentes no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade traçando
inicialmente o seu perfil, no que refere: área de atuação, tempo de conclusão de doutorado e
instituição, linhas de pesquisa e tempo de atuação no PGCult. Em seguida, a produção
bibliográfica a partir dos: artigos completos publicados em periódicos, trabalhos completos em
anais de congressos, resumos expandidos publicados em anais de congressos, apresentação de
trabalhos e orientações concluídas no programa.
Com relação ao índice H foi verificado que somente dois professores possuíam perfil
no Google Scholar e por isso somente esses dois apresentam o índice H calculado, que corresponde
23 e 5 cada um. O fato de ter poucos professores cadastrado na plataforma chama atenção, uma
vez que o Google Scholar é uma ferramenta de pesquisa muito utilizada na localização de fontes
de informação e de perfis de pesquisadores.
4.2 Grandes Áreas de Atuação
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) classifica
em sua tabela de áreas do conhecimento nove grandes áreas, sendo elas: Ciências Exatas e da
Terra; Ciências Biológicas; Engenharias; Ciência da Saúde; Ciências Agrárias; Ciências Sociais
Aplicadas; Ciências Humanas; Linguística, Letras e Artes; Multidisciplinar. Na pesquisa com os
docentes permanentes do PGCult foram identificadas, de acordo com a tabela da CAPES, quatro
grandes áreas de atuação (Gráfico 1). Cabe esclarecer que o mesmo professor pode estar
vinculado a mais de uma área. A Ciências Humanas teve destaque com maior número de
professores (12).
Essa constatação se explica, pois o PGCult abrange áreas do conhecimento multi e
interdisciplinares, o que se objetiva em suas duas linhas de pesquisa: Expressões e Processos
Socioculturais e Cultura, Educação e Tecnologia.
Gráfico 1 – Grande área de atuação
2). As demais subáreas agregam menos de quatro professores. Mais uma vez percebe-se a ênfase
as áreas de ciências humanas (história e educação) e linguística (letras).
Gráfico 2 – Área de atuação
docentes do PGCult foi desenvolvida na seguinte disposição (Quadro 2): artigos completos
publicados em periódicos; livros completos; capítulos de livros; trabalhos completos e resumos
expandidos publicados em anais de eventos científicos; apresentação de trabalhos.
Quadro 2 – Quantidade de publicação por tipo de produção bibliográfica
A pesquisa demonstrou que nos três anos pesquisado nenhum professor publicou em
Revista Qualis A1 e uma grande concentração dos professores publicou em revistas Qualis C
(Gráfico 6). Isso é preocupante, uma vez que a publicação em Qualis de baixa classificação afeta
diretamente a avaliação do Programa de Pós-Graduação, pois ele funciona como um dos
parâmetros de avaliação.
Gráfico 6 – Qualis dos periódicos de publicação
publicado neles, após os devidos acréscimos e complementações são publicados em outros tipos
e formatos “[...] quando os autores acham que vale a pena, as pesquisas relatadas em congressos
podem também aparecer em periódicos [...]” (MEADOWS, 1999, 165).
Os trabalhos completos publicados em anais de eventos científicos foi terceiro maior
canal de publicação utilizado pelos professores pesquisados (Gráfico 9). Seguindo na direção
contrária os resumos expandidos obtiveram somente 13 publicações, tal ocorrência se dá, talvez,
pelo baixo valor acadêmico atribuído a este tipo de produção bibliográfica.
Gráfico 9 – Trabalhos publicados em anais de eventos científicos
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado procurou analisar o perfil e a produção científica dos docentes
permanentes no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (PGCult), entre os anos de
2016, quando iniciou o Programa até o momento, 2019.
Nesse sentido, a pesquisa revela que quanto ao perfil:
a) um quantitativo insignificante de professores com cadastro no Google Acadêmico
(Índice H);
b) grande concentração na área das Ciências Humanas (História, Educação e Letras);
c) tempo de Doutoramento de 48 meses, 17 no Brasil, com concentração na região
Sudeste e 2 em Portugal;
d) renovação do quadro de professores (26%); Descompasso de número de
orientação e professores.
No que diz respeito a produção bibliográfica revela que os professores do corpo
docente permanentes do PGCult, de acordo com o registro na Plataforma Lattes, concentram suas
produções bibliográficas em maior número em apresentações de trabalhos em eventos e em artigos
científicos publicados em periódicos. Tal fato demonstra serem esses os canais de divulgação de
preferência dos pesquisadores do Programa.
O caminho percorrido por essa pesquisa reforça a importância de se estudar os
processos e os canais de comunicação científica destes e demais Programas da Universidade
Federal do Maranhão.
REFERÊNCIAS
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a ligação entre pobreza e educação,
refletindo sobre o contexto histórico em que se assenta as desigualdades sociais e suas implicações
no âmbito escolar, além de elucidar de que forma a pobreza é manifestada nos currículos escolares.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, cuja fundamentação teórica contempla
autores clássicos e contemporâneos. Utilizamos, ainda, livros didáticos de História mais antigos e
atuais para analisar de que forma a pobreza vem sendo representada nos mesmos e como isso pode
afetar na formação da identidade das crianças das camadas sociais menos favorecidas. Os
resultados dos objetos apontam que as discrepâncias sociais afetam a educação escolar,
manifestando-se e alimentando-se por meio dos currículos escolares.
Palavras-chave: Pobreza. Educação. Currículo Escolar. Desigualdade Social.
Abstract: This article aims to analyze the link between poverty and education, reflecting on the
historical context on which social inequalities are based and their implications in the school
environment, and to clarify how poverty is manifested in school curricula. The methodology used
was the bibliographic research, whose theoretical foundation includes classic and contemporary
authors. We also use older and current history textbooks to analyze how poverty has been
represented in them and how it can affect the formation of the identity of children from the poorest
social classes. The results of the objects indicate that social discrepancies affect school education,
manifesting and nurturing themselves through school curricula.
Key words: Poverty. Education. School curriculum. Social inequality.
INTRODUÇÃO
O presente artigo analisa os aspectos da pobreza em seu contexto histórico, logo, pauta seu
vínculo com a educação, chegando a reflexões sobre sua influência no processo de ensino-
aprendizagem. De acordo com Garcia e Hillesheim (2017):
Página 766 de 2230
Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo fazer uma reflexão sobre as
desigualdades sociais e sua relação com a educação. Estudos sobre a formação das estruturas da
sociedade nos mostram que à medida em que o modo de produção capitalista foi se
engrandecendo, principalmente pelo aproveitamento da força de trabalho e das mudanças
tecnológicas, milhões de pontos de trabalho vieram a ser destruídos e o acúmulo de capital foi se
concentrando nas mãos de poucos, deixando assim, um enorme quantitativo de cidadãos sem
acesso ou sem poder usufruir da riqueza socialmente produzida.
No que diz respeito à metodologia, trata-se de uma pesquisa bibliográfica que nos permitiu
refletir sobre as marcantes categorias pobreza, desigualdade e exclusão social. Assim, pretende
referenciar a análise das práticas político-sociais, evidenciando a realidade econômica e
educacional no Brasil, ao longo do contexto histórico e social, além de verificar como a pobreza
tem sido representada nos livros didáticos e como a desigualdade social repercute na formação de
crianças das classes menos favorecidas. Daí as questões-problemas: Qual a relação entre pobreza
e escola? Por que e como as culturas dos grupos sociais desfavorecidos economicamente vêm
sendo silenciadas no currículo escolar?
O texto que segue está organizado em 2 seções. A primeira propõe uma compreensão do
contexto histórico da exclusão social das pessoas pobres, pois há uma generalização da pobreza
em si, cuja desigualdade impulsiona a exclusão social. A segunda discorre sobre a representação
dos pobres em livros didáticos de história, na qual discutimos a visão estereotipada dos pobres e
o silenciamento cultural de diversas minorias sociais; debatemos ainda a representação da pobreza
na escola por meio do seu currículo, imposto pela política de livros didáticos, bem como os
conceitos de uma cultura totalmente distorcida da realidade enfrentada no decorrer de sua
construção histórica. Finalmente, apresentamos as considerações finais e em seguida as
referências bibliográficas.
Esperamos que este estudo possa contribuir com pesquisas futuras a respeito deste tema,
onde a pobreza, educação e desigualdade são assuntos fundamentais a serem discutidos. Porém,
sabemos que este estudo não se encerra aqui devido à problemática que envolve o tema.
O que é um pobre? Na maioria das sociedades humanas e das épocas da História, o pobre
tem sido, com grande frequência, tratado como um coitado, um inútil, um fracassado, um
preguiçoso, um suspeito, e até mesmo um culpado. [...] é possível que uma certa tradição
europeia considere o pobre mais como vítima do que culpado, e isto, numa percepção
multidimensional onde se somam a ignorância e a indigência, a desesperança pessoal e a
impotência social. (Albert,1992, p. 17 e 18).
Nessa perspectiva, é possível inferir a visão de como a minoria pobre era taxada ou
rotulada. No período que o Estado detém a posse do encargo da ordem social, nesta oportunidade
histórica, a figura do pobre, tal como sujeito em sua condição pré-definida divinamente, passa a
ser agregada à imagem de cidadão com direitos, tendo-se um novo significado do pobre, assim
como em seus papéis.
Todavia, com a chegada do Capitalismo e Revolução Industrial, o panorama social
conquistado, mudaria radicalmente. O pobre, passa a ser visto na sociedade capitalista, esta que
Página 768 de 2230
transforma os conceitos das relações humanas e comercializa quaisquer campo do dia-a-dia, como
um fracassado, um ser nulo socialmente, um ser isento incapaz de conquistar um nível financeiro
estabelecido (Euzébios Filho; Guzzo, 2009). Corroborando com essa assertiva, Costa (2005, p.
172 e 173) assevera que:
Afirmamos que a pobreza, como fenômeno humano, resulta diretamente das decisões
políticas. Porém, as decisões políticas são tomadas a partir da racionalidade do capital, já
que na sociedade moderna as necessidades humanas estão subordinadas a lógica
econômica da rentabilidade do capital. Desta forma, é o homem que serve à produção,
realizada somente na medida em que recria o capital em escala ampliada[...].
Indubitavelmente, a pobreza não pode ser generalizada de maneira singular e/ou global.
Todavia, assimilamos que a pobreza é resultante das atitudes humanas; logo, o que colhemos
atualmente é consequência de ações habituais em eventos concretos. De acordo com Garcia (2003,
p. 9) apud Wlodarski e Cunha (2005, p. 6):
O destino não estava traçado e o caminho não era único, ainda que o passado tenha o seu
peso no presente. O Brasil foi fundado sobre o signo da desigualdade, da injustiça, da
exclusão: capitanias hereditárias, sesmarias, latifúndio, Lei de Terras de 1850 (proibia o
acesso à terra por aqueles que não detinham grandes quantias de dinheiro), escravidão,
genocídio de índios, importação subsidiada de trabalhadores europeus miseráveis,
autoritarismo e ideologia antipopular e racista das elites nacionais. Nenhuma
preocupação com a democracia social, econômica e política. Toda resistência ao
reconhecimento de direitos individuais e coletivos.
das desigualdades sociais, como também um meio para a promoção da justiça e emancipação
social dos sujeitos.
[...] essa tradição contribuiu de forma decisiva para deixar em mãos de outras pessoas
(em geral, as editoras de livros didáticos) os conteúdos que devem integrar o currículo e,
o que é pior, a sua coisificação. Em muitas ocasiões, os conteúdos são contemplados pelo
alunado como formulas vazias, sem que a compreensão de seu sentido. (Santomé, 2001,
p. 161).
A sociedade, em sua essência, tem obrigação de fazer uma reflexão crítica a respeito das
injustiças que nos cercam cotidianamente. Dessa maneira, para não interferir no conhecimento
dos alunos com esse silenciamento, que na maioria das situações os impedem de conhecer as
diversidades culturais, a solução pensada seria apresentar a realidade por intermédio da leitura dos
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livros didáticos que, assim, auxiliam na construção contínua do pensamento crítico. Santomé
(2001) justifica essa afirmativa:
Nesse sentido, o currículo escolar constitui-se como uma ferramenta fundamental nesse
processo de socialização crítica:
Para que o ocultamento no currículo não afete os alunos no processo de aprendizagem por
imagem estereotipada das culturas silenciadas, o alunado deve adquirir consciência da realidade
dessas culturas, que a priori são silenciadas no currículo e no livro didático, reestruturando a
realidade ausentada, juntamente com professores e comunidade escolar.
Cultura e educação dos pobres na história e sua representação no livro didático de história
Com a aparição dos primeiros padres jesuítas ao Brasil, por volta de 1549, apresentava-se
os primeiros resquícios da educação no país, estabelecendo assim, uma fase que deixaria marcos
culturais e civilizatórios profundos. Instigados pela forte inspiração religiosa de alastrar a fé cristã,
os jesuítas foram, nesse contexto e época, os únicos educadores do Brasil durante mais de 200
anos. Visivelmente, o objetivo principal da Companhia de Jesus era o de conquistar fiéis e mão
de obra, certificando a conversão do povo indígena à fé católica e sua submissão aos senhores
brancos.
A educação primária foi primeiramente ensinada aos curumins145, mais à frente expandiu-
se aos filhos dos colonos. Existia também os centros missionários no meio dos povos indígenas.
A educação, com o passar do tempo, em especial o ensino de História no nível primário,
necessitava agregar âmbitos sociais, antes exilados no meio educativo, porém, sem inserir nos
planos curriculares sua participação na formação histórica do país (Bittencourt, 2011).
Para a maioria dos educadores que concordavam com a escolarização das classes
populares, a História a ser ensinada, desde o primeiro ano escolar, aos trabalhadores
livres que emergiam em substituição aos escravos deveria inculcar determinados valores
para a preservação da ordem, da obediência à hierarquia, de modo que a nação pudesse
chegar ao progresso, modernizando-se segundo o modelo dos países Europeus.
(Bittencourt, 2011, p. 64).
No transcorrer das primeiras décadas do século XX, nas áreas urbanas e rurais, havia uma
diversidade de escolas primarias, de escolas públicas que seguiam o modelo dos grupos
escolares e de muitas outras mais precárias, além de escolas particulares confessionais
ou criadas por grupos diversos de imigrantes e outros setores laicos que, muitas vezes,
atendiam alunos trabalhadores, em sua maioria adultos. (Bittencourt, 2011, p. 66).
O catecismo era um modelo de livro didático muito usado em diversas escolas elementares,
e vários conteúdos de história designados às crianças adotavam o mesmo modelo (Bittencourt,
2011). Conforme o método catecismo, a História era expressa por questionamentos seguidos de
respostas, e por meio da repetição exata do que estava no livro, os educandos eram avaliados. A
145
Curumins é o plural de curumim. Termo indígena dado aos: criados, garotos, meninos, rapazes, rapazinhos.
Página 772 de 2230
palmatória ou férula eram usadas como repreensão daqueles que tinham lapsos ou dúvidas dos
termos e palavras.
O nível secundário no Brasil caracterizou-se como curso oferecido pelo setor público, no
Colégio Pedro II do Rio de Janeiro. [...] A rede particular de escolas, para esse nível
escolar, desempenhou e continua a desempenhar importante papel, levando-se em conta
que o secundário foi criado para atender à formação dos setores de elite. (Bittencourt,
2011, p. 77).
Ao analisar outro livro didático de História, escrito por Silvia Panazzo e Maria Luisa Vaz
(2002), não foi identificada nenhuma preocupação em apresentar o tema estudado neste artigo,
levando-nos a crer que houve um silenciamento cultural, por parte dos autores de tal obra.
Em produções mais recentes como “Ligados.com história”, do 2º ano do Ensino
Fundamental, escrito por Leylah de Carvalhaes e Regina Nogueira Borela (2014); 3º ano do
Ensino Fundamental, escrito por Alexandre Alves, Letícia Fagundes de Oliveira e Regina
Nogueira Borela (2014), 4º ano do Ensino Fundamental, escrito por Lucimara Regina de Souza
Vasconcelos (2017), abordam indiretamente a minoria pobre em suas produções. Porém, a forma
como são exibidos caracteriza uma (re)produção negativa da figura pobre, de tal modo, é mostrado
o trabalho infantil, a precariedade do modo de vida, a escassa alimentação e a escravidão em
distintos contextos históricos.
Diante dos dados apresentados, percebe-se a insuficiência da abordagem da temática nos
livros didáticos de ensino, e quando abordado, a temática pobreza é apresentada de maneira
desfigurada. Os dados apontam que há o silenciamento e negação da cultura minoritária pobre,
confirmando as palavras de Santomé (2001, p. 161): “As culturas ou vozes dos grupos sociais
minoritários e/ou marginalizados que não dispõe de estruturas importantes de poder costumam ser
silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reação”.
Dessa forma, a análise reforça a reflexão sobre o modo como vem sido preparada a
estrutura curricular de algumas escolas, afim de apresentar aos discentes, conteúdos mergulhados
em ocultamentos e silenciamento de culturas minoritárias e marginalizadas, discretamente
impulsionando as desigualdades sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda existem os casos de racismo nos livros didáticos que descrevem os feitos da
colonização utilizando termos como descoberta, fatos heroicos, civilização dos povos primitivos,
entre outros, que contribuem para que os educandos acreditem que de fato esses povos eram
bárbaros, ignorantes, cruéis, etc.
Avaliamos como um erro no plano educacional brasileiro, omitir temas como a escravidão,
exploração e crueldade sofridas por alguns povos, formando uma visão de que os feitos de certos
povos na história foram os únicos caminhos que se tinha, também, mascarando a história e cultura
de outras etnias minoritárias, ou seja, privilegia uma parte e silencia a realidade de outra, de acordo
com uma visão histórica predestinada.
Acerca disso, o processo de escolarização pública no Brasil e o desafio de proporcionar
educação de qualidade para a sociedade, necessita estar articulado com o processo de
enfrentamento à desigualdade social e com a busca de uma sociedade mais justa. No entanto, a
justiça social passa também pela justiça curricular, entendendo a escola como um ambiente que
não apenas deve transmitir conteúdos prestigiados pela elite, mas também atentar-se aos conteúdos
significativos a cada classe social.
Os resultados das análises dos livros didáticos, acerca da inclusão de conteúdos e visões
sobre a cultura dos pobres, nos sugerem que há um ocultamento ao julgar-se a forma como é
transcrita e apontada tal manifestação. Observou-se um predomínio do silenciamento da etnia
minoritária ou sem poder em seu contexto, propondo a construção de uma visão estereotipada
configurada em mentalidades que buscam generalizar tal assunto, partindo de ideologias raciais
de grupos sociais que se beneficiam de outros.
Contudo, a constatação dessas desigualdades não impede os grupos oprimidos de exigirem
a transformação das estruturas sócio-políticas do país. Ao contrário, evidencia a importância de
continuar buscando a igualdade, fazendo com que suas vozes sejam ouvidas, além de lutar para
que a cultura e realidade histórica desses grupos minoritários sejam apresentadas nos livros
didáticos de forma correta e justa, sem a intenção de privilegiar determinados grupos sociais em
detrimento de outros.
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Página 777 de 2230
Abstract: This article addresses the National Program of Student Assistance - PNAES presenting
a systematic literature review that mapped academic productions at the master and doctoral level
produced by students from Brazilian universities on this program. In this sense, sixty-four works
that were available in the bank of theses and dissertations of Capes between the months of May
and June 2017 were analyzed. The results show a preponderance of studies in the areas of
education and social service, and a relatively balanced distribution of studies throughout the
national territory.
Keywords: Systematic literature review. Theses. Dissertations. National Student Assistance
Program.
1. Introdução
De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 205, “a educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da cidadania e à sua qualificação para o trabalho"
(BRASIL, 1988).
Corroborando com a Constituição Federal, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 –
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB – estabelece, no seu Art. 2º, que: “a
Educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
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solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996).
Assim, nos últimos anos, inúmeras ações foram empreendidas pelo Estado brasileiro,
particularmente pelo governo federal, no sentido de promover a democratização e garantir o
acesso ao ensino de nível superior no Brasil. Destacam-se programas como o PROUNI (Programa
Universidade para Todos), destinado à concessão de bolsas de estudo, integrais e parciais, a
estudantes de baixa renda para ingressarem em cursos de instituições privadas de ensino superior;
o FIES (Programa de Financiamento Estudantil), sistema de crédito educativo por meio do qual
os estudantes de instituições privadas recebem financiamento para quitar seus estudos; políticas
de ações afirmativas, que consistem em reservas de vagas no vestibular para alunos oriundos de
escola pública ou negros e pardos (BALDIJÃO; TEIXEIRA, 2011).
Destacam-se também o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), forma de ingresso em
algumas universidades, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), gerenciado pelo Ministério da
Educação (MEC), pelo qual instituições públicas de educação superior oferecem vagas a
candidatos participantes do ENEM; a criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão nas Universidades Federais (REUNI) (BALDIJÃO; TEIXEIRA, 2011).
O REUNI, instituído em 24 de abril de 2007, pelo Decreto Nº 6.096, tem como objetivo
principal ampliar o acesso e a permanência na educação superior. Suas ações preveem o aumento
no número de vagas em instituições públicas, com destaque para os cursos noturnos, inovações
pedagógicas, reestruturação acadêmico-curricular, combate à evasão, articulação da graduação
com a pós-graduação, ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil (definidas como
compromisso social), metas que visam à diminuição das desigualdades socioeconômicas no país
(BRASIL, 2007).
A redução das desigualdades socioeconômicas perpassa, necessariamente, pela
democratização e ampliação do acesso à educação superior gratuita, especialmente em
universidades públicas. O ingresso, apenas, não gera o efeito esperado, que é a formação dos
alunos. É necessária uma política que assegure a permanência e a conclusão com êxito.
Para tanto, o governo federal instituiu o Programa Nacional de Assistência Estudantil –
PNAES, através da Portaria Normativa nº 39, de 12 de dezembro de 2007, do Ministério da
Educação, e posteriormente regulamentado pelo Decreto nº 7.234 e 19 de julho de 2010, com a
finalidade de ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública
federal.
Tendo em vista a criação do PNAES, o presente trabalho busca realizar uma breve
descrição deste programa e identificar a quantidade de teses e dissertações já produzidas no país,
bem como as instituições estudadas no bojo deste programa, entre os anos de 2007 e 2016, a partir
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de uma Revisão Sistemática de Literatura. Para Sampaio e Mancini (2007, p.84) “as revisões
sistemáticas são particularmente úteis para integrar as informações de um conjunto de estudos
realizados”. Assim, busca-se ainda analisar se há algum tipo de concentração destes estudos em
determinadas áreas do conhecimento, instituições de ensino, estados ou regiões do país.
Para a consecução deste estudo foi necessária a organização de um protocolo de análise de
dados onde o primeiro passo foi a delimitação do tema e a elaboração da pergunta de investigação
que norteou todo o trabalho. Qual o quantitativo disponível de dissertações e teses sobre o
Programa Nacional de Assistência Estudantil? A partir desta grande pergunta elaboraram-se
alguns desdobramentos para que se pudesse analisar mais de perto aspectos mais específicos
destes trabalhos como, por exemplo:
a) Em quais programas de pós-graduação foram desenvolvidos estes estudos e em que áreas do
conhecimento se enquadram?
b) Quais instituições foram estudadas/pesquisadas?
c) Quais estados e regiões concentram o maior número de trabalhos?
A motivação para a realização deste estudo está no fato de que o PNAES é um programa
relativamente recente no âmbito do Estado brasileiro. Além disso, ambos os autores se interessam
pela temática, visto que um é aluno do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da
Universidade Federal do Maranhão, e tem como linha de pesquisa “Avaliação de políticas e
programas sociais” e a outra é assistente social desta instituição, lotada no setor Assistência
Estudantil, e desenvolveu um trabalho cujo objeto é a implementação do Programa Nacional de
Assistência Estudantil. Assim, também motivou a realização deste trabalho, identificar se já existe
algum trabalho que tenha estudado a implementação deste programa na Universidade Federal do
Maranhão.
Este artigo está estruturado da seguinte forma: a seguir, faz-se uma breve análise do
Decreto nº 7.234/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil –
PNAES; em seguida, destaca-se a metodologia e o desenho do estudo; e mais adiante os resultados
obtidos são apresentados e analisados; e por fim, apresentam-se as considerações finais.
possibilidades de permanência no curso superior, especialmente dos estudantes cujo acesso vem
sendo ampliado pelas políticas de expansão de vagas e ações afirmativas implementadas nos
últimos anos.
Sabe-se que para os estudantes oriundos das camadas mais pobres, somente o ingresso não
se faz suficiente para a conquista da diplomação, tendo em vista os diversos custos com a
escolarização universitária que poderão representar um “peso” no orçamento individual e familiar,
que eles podem não conseguir corresponder. Assim, os debates nos últimos anos se concentraram
não somente quanto a urgência da implementação de políticas de expansão de matrículas no ensino
superior, mas também em associá-las à promoção de políticas que propiciem igualmente a
inclusão dos grupos sociais excluídos (MARTINS, 2006).
Contudo, é importante destacar que diversas instituições de ensino já possuíam ações de
assistência estudantil, mas é a partir da criação deste programa que o Governo Federal assume um
papel efetivo no financiamento dessas ações. O PNAES foi regulamentado pelo Decreto nº 7.234
de 19 de julho de 2010.
De acordo com este decreto, o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES,
executado no âmbito do Ministério da Educação, tem como finalidade ampliar as condições de
permanência dos jovens na educação superior pública federal, e tem como objetivos: I –
democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal;
II – minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da
educação superior; III – reduzir as taxas de retenção e evasão; e IV – contribuir para a promoção
da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010).
Conforme o artigo 3º deste decreto, o PNAES deverá ser implementado de forma articulada
com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, visando o atendimento de estudantes
regularmente matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino
superior (BRASIL, 2010). E as ações de assistência estudantil deverão ser desenvolvidas nas
seguintes áreas:
I - moradia estudantil;
II - alimentação;
III - transporte;
IV - atenção à saúde;
V - inclusão digital;
VI - cultura;
VII - esporte;
VIII - creche;
IX - apoio pedagógico; e
X - acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação (BRASIL, 2010).
Ainda de acordo com o decreto, estas ações de assistência estudantil serão executadas por
instituições federais de ensino superior, abrangendo os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Página 781 de 2230
A revisão sistemática da literatura (RSL) é uma técnica muito utilizada nas ciências da
saúde, mas que pode ser utilizada em todas as áreas do conhecimento. Na área das ciências sociais
e humanas, esta técnica vem ganhando espaço e despontando em anais de congresso, revistas,
artigos científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado, como opção metodológica
relevante.
Enquanto a revisão da literatura simples ou também chamada de narrativa, apenas analisa
a visão ou conceitos de um número restrito de trabalhos de uma forma mais descritiva e discursiva,
a revisão sistemática de literatura é mais ampla e analítica, pois a partir de um problema ou
pergunta bem definida recupera-se um conjunto muito maior de trabalhos (BOTTENTUIT
JUNIOR; SANTOS, 2014).
Para Mendes, Silveira e Galvão (2008) uma revisão de literatura sistemática deverá levar
em consideração algumas etapas importantes, são elas: Definição do tema, objetivos e questão de
pesquisa; Estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; Definição das informações a serem
extraídas e categorização dos estudos; Análise dos estudos selecionados; Interpretação e discussão
dos resultados e; Síntese do conhecimento ou das informações obtidas.
Assim, para a consecução deste estudo, o primeiro passo foi a delimitação do tema através
da formulação da pergunta de investigação que versou sobre a verificação do quantitativo
disponível de dissertações e teses sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES
no país. Em seguida, elaboraram-se os fatores de inclusão e exclusão para que pudéssemos obter
um quantitativo significativo de trabalhos a serem analisados.
A partir do estabelecimento destes critérios, iniciou-se a busca por trabalhos na base de
dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) nos meses de
maio e junho de 2017, utilizando os seguintes descritores: “PNAES”, “Programa Nacional de
Assistência Estudantil”, “Plano Nacional de Assistência Estudantil” e “Política Nacional de
Assistência Estudantil”. A utilização desses descritores visou selecionar o maior quantitativo
possível de dissertações e teses sobre este programa, visto que apesar do Decreto nº 7.234/2010
dispor sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil, o próprio site do Ministério da
Educação se refere a este programa como “Plano Nacional de Assistência Estudantil”, além disso,
Página 783 de 2230
observou-se, durante a pesquisa, que alguns trabalhos utilizam a expressão “Política Nacional de
Assistência Estudantil” para se referir a este programa.
Os fatores de inclusão e exclusão são os descritos a seguir:
Fatores de Inclusão Fatores de Exclusão
Para a formação da base de dados documental das teses e dissertações que fizeram parte
da amostra deste estudo, executou-se uma busca sistemática no banco de Teses e Dissertações da
Capes. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é uma fundação
vinculada ao Ministério da Educação que tem como atribuições a avaliação da pós-graduação
stricto sensu, acesso e divulgação da produção científica, investimentos na formação de
especialistas de alto nível e promoção da cooperação científica internacional. Conforme
informações do site desta instituição, como forma de oferecer acesso a informações consolidadas
e que reflitam as atividades do sistema nacional de pós-graduação brasileiro, a Capes coloca à
disposição da comunidade acadêmica o Banco de Teses e Dissertações na qual é possível consultar
todos os trabalhos defendidos na pós-graduação brasileira ano a ano.
Neste sentido, foi possível pré-selecionar um quantitativo de 75 trabalhos. No entanto,
alguns deles, apesar de se enquadrarem em algumas das categorias de inclusão, não foram
contabilizados para o computo final por serem estudos de cunho exclusivamente teórico ou que
não estudavam o Programa Nacional de Assistência Estudantil em até três instituições federais de
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ensino superior específicas. Desta forma, foram excluídos desta análise os trabalhos de Saccaro
(2016), Prada (2015), Nascimento (2013), Zambello (2015), Lepore (2014), Carvalho (2012) e
Barros (2014). Entre os trabalhos que não fizeram parte do banco de dados deste artigo merecem
destaque os trabalhos de Silveira (2012), que faz uma análise sobre as políticas de permanência
das universidades federais brasileiras a partir de dados de quatorze Universidades Federais;
Taufick (2013), que faz uma avaliação da Política de Assistência Estudantil dos institutos federais
para o PROEJA considerando dados de trinta institutos federais; e Mussio (2015), que faz uma
análise da alimentação no âmbito da assistência estudantil considerando dados e informações de
sessenta e três universidades federais brasileiras. Também foi excluído do presente estudo o
trabalho de Pereira (2016), por ter como campo de análise não uma instituição federal de ensino
superior, e sim de uma Associação de Assistência ao Adolescente.
Após a formação da base de dados de trabalhos a serem analisados, criou-se um
instrumento de análise destes trabalhos baseado em fichas de análise de produções científicas,
onde se definiu as informações a serem extraídas, que contemplou nove categorias de análise,
entre elas o autor da tese ou dissertação, o título do trabalho, o ano da defesa, nome do programa
de pós-graduação, Instituição de Ensino, área de conhecimento/avaliação, Instituição de Ensino
pesquisada, unidade da federação e região da instituição pesquisada.
Após análise de todos os trabalhos encontrados foi possível considerar sessenta e quatro
dissertações de mestrado e duas teses de doutorado que se encontravam dentro dos padrões de
análise pré-estabelecidos nos fatores de inclusão e exclusão.
4. Resultados
Ano N %
2010 1 1,56%
2011 0 0,00%
2012 7 10,94%
2013 13 20,31%
2014 13 20,31%
Página 785 de 2230
20 2015 18 28,13%
2016 12 18,75%
15 Total 64 100,00%
10
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Nota-se que a maior concentração de trabalhos sobre o PNAES ocorreu entre os anos de
2013 e 2016, contando com um total de 56 trabalhos, o que representa 87,5 % do total de trabalhos
que fizeram parte do banco de dados desta pesquisa. Esta concentração pode ser explicada pelo
fato que a maioria das pesquisas buscou identificar como o programa vinha sendo implementado,
e para isso precisa-se de um tempo de implementação para se fazer uma análise, considerando que
o programa foi instituído no ano de 2007.
Percebe-se ainda uma curva ascendente no número de trabalhos produzidos a partir do ano
de 2012, o que demonstra um maior interesse dos pesquisadores neste programa, a partir de sua
consolidação no cenário das políticas públicas de educação em âmbito nacional. O número menor
de trabalhos recenseados no ano de 2016 pode ser explicado pela defasagem no tempo entre a
defesa do trabalho e a disponibilização no banco de dados da CAPES, visto que este processo não
ocorre de maneira automática. Assim, novos trabalhos podem ser disponibilizados após conclusão
desta pesquisa, realizada entre os meses de maio e junho de 2017.
Outro ponto de interesse neste artigo foi o tipo de programas de pós-graduação, se
mestrados acadêmicos, profissionais ou doutorados, e as áreas de conhecimento dos referidos
programas. Neste quesito vale destacar que de acordo com a Portaria Normativa nº 17, de 28 de
dezembro de 2009, do Ministério da Educação, o mestrado profissional é uma modalidade de pós-
graduação stricto sensu que possibilita:
Outro foco deste artigo foi identificar as áreas do conhecimento destes trabalhos, visando
identificar as áreas preferencias em que foram produzidos estes estudos. Para efeito de análise
quanto às áreas de conhecimento, este artigo considerou as quarenta e nove áreas de avaliação dos
programas de pós-graduação definidas pela Capes. Os resultados estão dispostos na tabela abaixo:
Nota-se que a maioria dos trabalhos (67%) foi produzida nas áreas de Serviço Social e
Educação. Isto pode ser explicado pelo fato do PNAES se tratar de uma política pública com
interfaces tanto com a política de assistência social quanto com a política de educação, tornando-
se assim alvo preferencial de pesquisadores tanto da área de educação quanto da área de serviço
social. Nota-se também que parte relevante dos trabalhos (20%) são oriundos de programas de
pós-graduação de natureza interdisciplinar ou de programas na área de administração pública e de
empresas, que se dedicam a estudar programas de governo de modo geral.
Página 788 de 2230
3% 3%
6%
9% 35%
11%
33%
Serviço Social
Educação
Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo
Interdisciplinar
Outros
Planejamento Urbano e Regional / Demografia
Sociologia
2
1 1 2
2
2 1
1
4 1
1
4
1
4
2
10
3
2
4 3
REGIÃO N %
Sudeste 20 31,25%
Nordeste 14 21,88%
Sul 12 18,75%
Centro-oeste 9 14,06%
Norte 9 14,06%
Total 64 100,00%
Os nove estados da federação mais estudados foram: Minas Gerais (10), Rio Grande do
Sul (6), Paraná (5), Bahia (4), Distrito Federal (4), São Paulo (4), Tocantins (4), Rio de Janeiro
(3) e Espírito Santo (3). Estes estados somados representam 67% do total de estados pesquisados.
Nota-se que em contraposição a alguns estados que tiveram diversas instituições de ensino
examinadas, apenas três estados ainda não tiveram suas instituições de ensino como campo de
estudo do PNAES, são eles: Acre, Amapá e Rio Grande do Norte. Destaca-se que um dos trabalhos
teve como campo de estudo uma instituição de ensino que possui localização em mais de um
estado da federação, a Universidade Federal da Fronteira Sul, que engloba os estados do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
5. Considerações Finais
não tiveram nenhuma instituição em seu território investigada, observou-se ainda a realização de
trabalhos em todas as regiões do país, a distribuição de trabalhos entre as regiões demonstra certa
correlação com a distribuição populacional do país, sendo as regiões mais populosas as que
apresentaram o maior número de trabalhos.
Como possibilidade de investigação futura sobre o PNAES, sugere-se: mapear os
principais instrumentos de análise utilizados na realização destes trabalhos; identificar os
principais resultados encontrados; e analisar os êxitos e limitações a implementação deste
programa. Desta forma, poderia se construir um panorama geral da execução deste programa no
país, visando dar transparência às ações públicas e melhorar as políticas e ações do Estado,
recomendando e sugerindo modificações na formulação, na implementação e nos resultados.
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Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora. 2013.
Resumo: O artigo aborda os principais aspectos pedagógicos desenvolvidos pelo Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) nos processos educativos de suas crianças, denominadas de “sem
terrinha”. Para tanto, realizou-se, de maneira inicial, levantamento bibliográfico referente à
formação do campo brasileiro, assim como dos movimentos sociais oriundos do mesmo, até se
chegar ao MST. Posteriormente, abordou-se as especificidades dos processos pedagógicos do
MST e, por fim, através de pesquisa de campo, como tais aspectos vêm sendo inseridos no
assentamento Vila Diamante. Concluiu-se que os princípios do movimento vêm sendo
implementados dentro da comunidade, e que a participação de professores, crianças e famílias tem
sido fundamental durante esse processo.
Palavras-chave: MST. Vila Diamante. Educação.
Abstract:The article addresses the main pedagogical aspects developed by the Landless Workers
Movement (MST) in the educational processes of their children, called “landless”. To this end, an
initial bibliographic survey was carried out regarding the formation of the Brazilian countryside,
as well as the social movements that came from it, until reaching the MST. Subsequently, the
specificities of the MST's pedagogical processes were addressed and, finally, through field
research, how such aspects have been inserted in the Vila Diamante settlement. It was concluded
that the movement's principles have been implemented within the community, and that the
participation of teachers, children and families has been fundamental during this process.
Keywords: MST. Vila Diamante. Education.
INTRODUÇÃO
Neste artigo intitulado “Sem Terrinha e o direito à Educação Infantil: abordagem preliminar
a partir da vivência no assentamento Vila Diamante” elege-se por objeto de estudo a educação de
crianças que vivem com suas famílias no assentamento rural do Movimento dos Trabalhadores
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Sem Terra (MST) Vila Diamante, localizado no município de Igarapé do Meio – MA,
identificando as dificuldades enfrentadas pelas famílias e as estratégias formuladas pelo
movimento para assegurar o direito à Educação do Campo às suas crianças.
Parte-se da ideia de que por um longo período da história brasileira a educação foi
considerada um bem restrito às pessoas das classes sociais abastadas. A conquista por escolas que
abarcassem as classes mais desfavorecidas foi fruto de luta. Apesar de hoje a educação, de acordo
com a Constituição Federal de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA,1990),
ser direito de todas as crianças e dever do Estado a sua garantia, sua efetivação ainda é precária.
Frente às suas inúmeras conquistas, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
encontra o desafio da efetivação de políticas públicas dentro das comunidades assentadas, levando
em conta que as necessidades básicas nesses ambientes são as mesmas dos demais segmentos da
sociedade, e que sem elas a sobrevivência e a reprodução social se tornam inviáveis. Desconsiderar
o processo educacional nos assentamentos rurais significa comprometer o desenvolvimento de um
segmento que compõe a sociedade.
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É importante frisar que por se tratar de um contexto permeado pelo ativismo e pela
militância, infere-se que a infância nesses ambientes traz para as crianças um conhecimento único
a respeito das temáticas defendidas pelo MST. Esse aprendizado é incorporado na vida de todos
que ali estão, mais do que ensinado é algo vivenciado e, partindo do princípio de que a educação
vai além dos ensinamentos escolares, este fator se torna decisivo no processo de formação
humana, social e cultural das crianças que ali residem.
O trabalho buscou compreender de que forma acontecem essas atividades, se estão sendo
ou não efetivadas, a visão das crianças (enquanto público alvo) acerca do que vem sendo
desenvolvido nos assentamentos com relação à educação, assim como da comunidade assentada
em geral. Ademais, a pesquisa analisa a Educação do Campo dentro das escolas do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em particular no assentamento Vila Diamante, na
perspectiva de efetivação da proposta pedagógica do Movimento.
De modo geral, compreende-se que o Brasil possui uma Questão Agrária, que tem
múltiplas expressões e raízes históricas pela gênese desta formação social. É sabido que desde a
invasão do território pelos europeus, principalmente portugueses, as terras foram apropriadas
através de Sesmarias e Capitanias Hereditárias, e que o modelo de exploração deu-se pelo
latifúndio, monocultura, com a utilização do trabalho escravizado (FERNANDES, 2013).
Tal contexto provoca, até os dias atuais, profundas marcas, pois como é de conhecimento
também, o Brasil não chegou a realizar a reforma agrária, por conseguinte, dado a imensa
concentração de terras, e grande número de pessoas que necessitam dela para produzir, está
estabelecido um acirrado conflito no campo brasileiro.
É possível concluir, através da enorme quantidade de terras utilizada, que se trata de uma
produção em larga escala. Contrastando com tal fato, é legado à maior parte da população rural
sobreviver com o pouco da terra que lhe resta, ou como muito frequentemente ocorre, são levados
a servir de mão-de-obra aos grandes proprietários de terra, sujeitando sua força de trabalho à
exploração do capital, dando então movimento à dinâmica do Agronegócio no Brasil.
Abordar essa lógica significa analisar os resquícios que a colonização do Brasil deixou
na atualidade. Aquele foi um período em que a colônia foi organizada para suprir as necessidades
dos países europeus, marcado pela força de trabalho escrava, e o intenso controle da Coroa
Portuguesa que tinha como única meta a obtenção de lucro através dos produtos advindos daquela
terra. Disso, se conclui que, no Brasil, o domínio da terra nunca seguiu a lógica da povoação, mas
sim, do mercado.
Ou seja, não haveria como ser diferente dada a relação de explorador x explorado (o
objetivo dos europeus no Brasil era de "explorar"), que proporcionou reflexos em todos os âmbitos
da colônia, e na questão territorial não poderia ser de outra forma.
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Não se pode deixar de incluir nesse contexto, a promulgação da Lei nº 601, do ano 1850,
a primeira Lei de Terras, que foi o momento em que se passou a ter no Brasil a terra como
mercadoria. Tal medida foi tomada na tentativa de evitar que os recém-libertos se apossassem das
terras, e passassem a produzir nas mesmas. Foi o ponto de partida para a geração do latifúndio no
Brasil, visto que apenas os colonizadores possuíam capital para investir nas terras (STEDILE,
2011).
Vale a observação de que a modernização do campo foi implantada pelo Estado e que,
apesar dos grandes fazendeiros terem um papel primordial nesse processo, o Estado brasileiro não
só apoiou como também financiou toda essa nova dinâmica, visando o crescimento
exclusivamente econômico do país. Conclui-se daí a "parceria" entre o público (representado pelo
governo) e o privado (empresários rurais) que muitas vezes não é percebida (PRADO JUNIOR,
2011).
(...) o objetivo era evitar que a questão agrária se transformasse num problema nacional.
Na pretensão de ter o controle sobre a questão agrária, o governo planejava usar o
Estatuto da Terra, conforme a sua concepção de reforma agrária, em que constavam a
utilização da tributação e os projetos de colonização, de modo que a desapropriação era
uma exceção. No entanto, no final da década de 70, o aumento do número de conflitos
fundiários obrigou o presidente da república a utilizar, intensamente, o recurso da
desapropriação. (FERNANDES, 2000, p. 43)
construção da luta e teve importante atuação no sentido da defesa dos direitos da classe
camponesa. Antes disso, na década de 60, eram fundadas as Comunidades Eclesiais de Base
(CEB's), que ajudaram a politizar os camponeses através de debates e discussões sobre a situação
na qual se encontravam.
A CPT foi muito importante na construção de diversas lutas camponesas que eclodiram
por algumas regiões do Brasil, sobretudo, aquelas que deram base ao hoje consolidado Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Através da mobilização e apoio dados aos
camponeses, a CPT conseguiu articular lutas que se tornaram vitoriosas, mostrando à classe
camponesa a força que tinham e do que eram capazes.
Alguns autores, como Mitsue Morissawa, datam a origem do MST em 1979, quando a
Fazenda Macali foi ocupada no Rio Grande do Sul. Antes disso, muitas outras ocupações deram
embasamento ao movimento, como a ocupação na Fazenda Sarandi, também no Rio Grande do
Sul, organizada pelo Movimento dos Agricultores Sem Terra – MASTER146.
É ainda daquele ano que datam-se as ocupações nas glebas de Macali e Brilhante, também
no Rio Grande do Sul. A ocupação veio depois que os trabalhadores rurais já haviam feito suas
reivindicações ao governo e as mesmas não haviam sido atendidas. Apesar de toda a repressão das
tropas policiais, os camponeses resistiram e permaneceram nas terras até que definitivamente
conquistaram o local.
Os camponeses que não puderam permanecer nessas áreas, por falta de espaço, ocuparam
em outubro de 1980 a Fazenda Anonni, localizada no município de Sarandi - RS. No mês seguinte,
diversas famílias representando os camponeses que estavam acampados, se organizaram no centro
de Porto Alegre para pressionar o governo. Parte das famílias foi instalada em assentamentos nos
municípios de Rondinha e Palmeira das Missões.
Ainda em 1980, famílias que não haviam conquistado assentamentos nas lutas anteriores
ocuparam a Encruzilhada Natalino, perto da Fazenda Annoni e das glebas Macali e Brilhante.
Com o decorrer do tempo, o número de famílias dentro do acampamento crescia, assim como a
organização do mesmo. Definiram grupos, funções, estratégias de atuação, e elegeram, inclusive,
uma coordenação. É sustentado em toda a organização e politização do acampamento da
Encruzilhada Natalino que nasce o Boletim Sem Terra, importante documento do MST (MST,
146
O Movimento dos Agricultores Sem Terra – MASTER surgiu em 1960 e tinha como principal reivindicação a
Reforma Agrária. Oriundo do município de Encruzilhada do Sul – RS, surgiu depois que um proprietário de terras
tenta retomar uma área localizada no distrito de Faxinal que era habitada por cerca de 300 famílias.
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online).
É importante destacar que enquanto os camponeses lutavam naquele estado, vários outros
estados também eram cenários de movimentos similares. Em Santa Catarina, em 1980, os
camponeses conquistaram as terras da Fazenda Burro Branco. Dois anos depois, no Paraná, os
camponeses conquistam as terras da Fazenda Annoni, na cidade de Marmeleiro, no Mato Grosso
do Sul, conquistaram o assentamento Padroeira do Brasil, no município de Nioaque. Em 1984, em
Curitiba, trabalhadores rurais acamparam em frente à sede do INCRA manifestando a necessidade
que tinham de serem assentados. Obtiveram êxito no ano seguinte quando o governo do estado os
assentou na Fazenda Imaribo, no município de Mangueirinha.
Todas essas lutas deram origem a lideranças e a um processo que se tornaria cada vez
mais unificado e coeso. O apoio da Igreja e da CPT foi significativo no sentido de organizar os
camponeses na busca pela terra. Destaca-se ainda que apesar de várias lutas em prol da terra
estarem acontecendo também nesse período dentro do Brasil, se tratavam de lutas isoladas, não
havia uma articulação entre elas na tentativa de se unir por um bem comum como as que aqui
foram mencionadas (MORISSAWA, 2001).
Em Janeiro de 1984, já seria realizado o 1º Encontro Nacional dos Sem Terra, na cidade
de Cascavel, no Paraná. Esse evento foi de suma importância dentro da história das lutas
camponesas, visto que foi através dele que surgiu o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
Nesse momento foram estudadas todas as lutas que haviam sido travadas, as táticas
adotadas, os resultados obtidos e, diante tudo isso, é fundado o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra. Estava então oficializado que tal movimento seria a entidade máxima de representação
e organização das lutas camponesas no país, a articulação agora seria ainda maior e abrangeria um
maior número de estados (MST, online).
as lutas pela terra e contra a exploração são históricas e acontecem de norte a sul neste país desde
a origem do mesmo.
Além de ocuparem em terras campestres, realizam tal ação em prédios públicos, nas
capitais e em frente a bancos. Há também os Acampamentos Permanentes. Quando a ocupação se
torna inviável, como quando há a determinação de Reintegração de Posse por parte da Justiça, os
camponeses se organizam em áreas próximas àquelas que haviam sido ocupadas, ou ao longo de
rodovias. A resistência é a característica central.
Esses acampamentos só têm fim com o assentamento de todos que estavam acampados,
diferente dos acampamentos provisórios que tem por finalidade atrair a atenção do poder público
e da sociedade. Com o objetivo alcançado eles são desfeitos. Há ainda marchas pelas rodovias,
que levam as intenções do movimento à sociedade, adquirindo adeptos da causa e pressionando o
poder público. Destacam-se ainda jejuns, greves de fome, manifestações em grandes cidades e
vigílias.
Tudo isso explica que para que as famílias se mantenham dentro de um assentamento, é
necessária uma estrutura básica mínima para que sejam viáveis a sobrevivência e a reprodução da
comunidade. Dentro desse contexto, infere-se a quantidade de ações que os camponeses devem
desenvolver - levando em conta a ausência de atenção do poder público - para suprir todas as
necessidades de seus membros, desde a infância até a velhice.
Diante disto, os "sem terrinha", denominação que abrange todas as crianças dos
acampamentos e assentamentos do MST, são envolvidos nas lutas, e recebem todo o aprendizado
necessário para se entender o movimento por parte dos adultos, além de contarem com o auxílio
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Uma hipótese levantada com frequência é que nosso sistema escolar é urbano, apenas
pensado no paradigma urbano. A formulação de políticas educativas e públicas, em geral,
pensa na cidade e nos cidadãos urbanos como o protótipo de sujeitos de direitos. Há uma
idealização da cidade como o espaço civilizatório por excelência, de convívio,
sociabilidade e socialização, da expressão da dinâmica política, cultural e educativa. A
essa idealização da cidade corresponde uma visão negativa do campo como lugar do
atraso, do tradicionalismo cultural. Essas imagens que se complementam inspiram as
políticas públicas, educativas e escolares e inspiram a maior parte dos textos legais. O
paradigma urbano é a inspiração do direito à educação. (ARROYO, 2007, p. 158).
A Educação do Campo surge atrelada aos movimentos sociais, em especial ao MST, que
desde sua origem reivindicou a presença de escolas capazes de politizar e transformar os
acampamentos e assentamentos rurais. Dentro da agenda política do Brasil, a Educação do Campo
passou a ser componente em 1997 através da realização do I Encontro Nacional de Educadores da
Reforma Agrária. É nesse momento ainda que o Estado demonstra atuação dentro dos projetos e
ações do PRONERA.
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Diferente do que muitos defendem, a Educação do Campo não se caracteriza como uma
proposta de Educação, bem mais amplo que isso, busca-se uma nova concepção de Educação.
Dessa forma aborda-se aqui uma política educacional capaz de responder aos interesses sociais
dos camponeses e que rompa com a tradição da educação convencional marcada por reproduzir a
lógica da dominação, formando sujeitos que se submetem e aceitam o sistema capitalista,
inviabilizando assim a superação da situação na qual se encontram (CALDART, 2008).
Com base nisso, não será apenas a implementação de práticas pedagógicas de cunho
político que proporcionará a transformação do campo, pois se trata de uma realidade com desafios
ainda maiores, como a formação de professores, uma profissionalização que não se limita às
“funções consideradas específicas do meio rural”, estrutura das escolas do campo, a relação dessas
escolas com os movimentos sociais, visto que são estes os protagonistas do processo de origem
da Educação do Campo, em conjunto com os trabalhadores rurais.
trabalhadores rurais para o agronegócio, isso significa que são processos educativos que não terão
significância na vida dos camponeses uma vez que serão úteis para uma produção que beneficiará
unicamente os grandes empresários, ou seja, não há, nesta modalidade, perspectiva de superação
ou transformação da situação social na qual se encontram.
Dentro do MST, a luta pela educação e, mais especificamente por escolas dentro dos
assentamentos e acampamentos, é tão antiga quanto a luta pela terra, de acordo com os
documentos do movimento data-se da década de 80, mesmo período em que se tem notícias das
primeiras escolas dentro dos assentamentos rurais. Refere-se a uma bandeira que sempre foi
defendida pelo movimento, nunca de forma isolada à defesa da Reforma Agrária, pelo contrário,
são tratados como fatores interdependentes.
A ideia de se lutar pela educação dentro do MST, inicialmente, era fundamentada no fato
de a educação ser um dos direitos sociais e o movimento desde os seus primórdios vem lutando
por estes. Com o passar do tempo a Luta pela educação ganha nova roupagem, em virtude da
percepção, por parte dos integrantes do movimento, de que assim como eles, grande parte do
Campo brasileiro também estava privada do acesso à Educação.
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Não faria sentido ainda, frequentar uma Instituição que desconheça a realidade de seus
alunos, visto que os profissionais da educação, em geral, não são preparados para o campo,
tampouco para ambientes regados à militância. Dessa forma, foi percebido que a Escola
Convencional não permite a entrada dos “sem terra” e que, justamente por desconhecerem, muitos
profissionais acabam desrespeitando a realidade e os saberes deste público. Concluiu-se que é a
Escola que deve de adaptar aos alunos, e não o contrário (SAVELI, 2000).
Com base na preocupação do movimento com a educação é que surgem, dentro do MST,
as Escolas Itinerantes. São criadas na tentativa de garantir o acompanhamento pedagógico de
crianças - denominadas de sem terrinha - adolescentes, jovens e adultos mesmo quando na situação
de acampados.
As Escolas Itinerantes são organizadas dentro dos próprios acampamentos, dessa forma,
detinham de poucos instrumentos que pudessem proporcionar o mínimo de conforto para que o
processo de aprendizagem fosse mais efetivo. Em geral, não havia mesas e cadeiras, tampouco
cadernos e lápis, o conhecimento era o principal e único instrumento dentro desses espaços (MST,
1998).
Com a mudança no nome da área educacional destinada aos Sem Terrinha, surgem novas
propostas, ideias e novos desafios, tais como a necessidade de envolver as famílias das crianças
no processo de educação a fim de que as ideias fossem perpetuadas por toda a comunidade.
Hoje, o principal método pedagógico destinado aos sem terrinha consiste justamente em
envolvê-las em todas as atividades do movimento nos seus mais variados setores, tais ações
sempre baseadas na valorização da infância e de atividades lúdicas que ao mesmo tempo em que
respeitam seus limites de idade, facilitam o aprendizado.
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Com base nesses aspectos, os sem terrinha são preparados para o mundo, aprendem a se
relacionar com as pessoas e com as situações que lhes são postas, respeitando as diferenças e
buscando soluções para os problemas conjunturais que são colocados em conjunto com os demais
assentados ou acampados. Dessa forma, a Educação Infantil no MST visa a construção de sujeitos
culturais, sociais e cognitivos (MST, 2004).
Assim, são levados a compreender sua condição de sujeitos de direito, assimilando seu
cotidiano com as relações de gênero, de poder, com o trabalho e as próprias lutas,
consequentemente aprendem a serem críticos e contribuem com suas visões para o crescimento
do movimento.
Hoje, os Sem Terrinha representam a luta do MST pela educação de qualidade dentro dos
assentamentos. Através de todas as atividades nas quais vêm sendo inseridos, compreendem desde
cedo qual a intenção do movimento e colaboram, conscientemente, para que os objetivos de sua
comunidade sejam alcançados. Por meio de um link no site oficial do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra, os Sem Terrinha levam à sociedade todas as suas produções e
demonstram como estão colaborando na luta contra a concentração fundiária, e todas as demais
formas de dominação.
O Maranhão, como estado reflexo do país no qual está situado, possui uma trajetória
marcada pela política do coronelismo e oligarquias, trazendo como consequência a forte
concentração de terras decorrente da formação de latifúndios. Tal ideia caracteriza-se como um
dos principais fatores que justifica a situação de miséria que boa parte do estado se encontra.
É dentro desse contexto que, no final da década de 1980, o MST passa a ser organizado
dentro do estado, mesmo momento em que acontecem as primeiras ocupações nas cidades
maranhenses Imperatriz e Açailândia. Dentro dessa perspectiva, em Março de 1989, tem início a
história do Assentamento Vila Diamante.
Três lideranças do MST vindas do sul do estado se deslocaram até a região onde hoje se
localiza o assentamento no intuito de articular e disseminar o Movimento na região da Baixada
Ocidental Maranhense e, assim que chegaram, foram recebidos pela Igreja Católica da região e
pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais, logo deram início aos trabalhos de organização dos
trabalhadores rurais. Tais articulações contavam com a presença de povoados vizinhos, como: São
Benedito, Acoque, São Vicente da Palmeirinha, entre outros. Em um desses momentos, foi
decidido que no dia 25 de Junho de 1989 haveria uma reunião no Clube de Mães de Igarapé do
Meio na intenção de que fossem deliberadas ações referentes à ocupação.
Após a ocupação, inicia-se a luta pela conquista da regularização das terras pelo INCRA.
No dia 15 de Novembro daquele mesmo ano as famílias interditaram a BR 222 como forma de
chamar a atenção do governo federal. Até o objetivo dos trabalhadores rurais ser alcançado,
travaram fortes lutas para garantir a permanência nas terras.
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Somente quatro anos após esses acontecimentos, em 1994, as terras foram desapropriadas
para a Reforma Agrária quando o INCRA enviou sua equipe técnica para acompanhar as famílias
que estavam acampadas e com a finalidade de, juntamente com os trabalhadores rurais, elaborar
um projeto de produção agrícola.
A luta por educação dentro da Vila Diamante é tão antiga quanto a sua origem, uma vez
que ainda na situação de acampados as famílias entenderam a importância de uma escola no lugar.
Após realização de assembleia, escolheram o local e os educadores responsáveis pelas aulas, estas
aconteceriam dentro de um galpão e também embaixo das árvores, enquanto Maria Delma de
Sousa, Antonia Maria de Almeida de Sousa e Antonia de Sousa, irmã da Delma, seriam as
educadoras.
Apesar disso, as iniciativas da própria comunidade não eram suficientes para satisfazer
as necessidades básicas das famílias, uma vez que as ações do Poder Público ainda eram
deficientes. Frente a isso, no dia 24 de Agosto de 1992, homens, mulheres e crianças que estavam
acampados se organizaram em frente e Prefeitura de Vitória do Mearim (até então, o município
do Igarapé do Meio ainda não havia se emancipado), na intenção de chamar a atenção do Governo
Municipal para as suas questões. A resposta às reivindicações veio através da repressão das forças
policiais.
Em 1996, durante o Encontro dos Sem Terrinha, foi escolhida uma comissão composta
por crianças de todo o Maranhão a fim de negociar com o Governo do Estado e com o INCRA a
construção de uma estrutura escolar no assentamento. Em 1997, a demanda foi atendida e criou-
se a Escola Municipal Raimundo Cabral.
Tal episódio despertou a revolta não apenas dos professores que estavam lutando pelo
pagamento de seus salários, como também da sociedade em geral, o que fez com que várias
pessoas se unissem para atear fogo na prefeitura e também na casa do então prefeito de Igarapé
do Meio, Ubiratan Amorim.
Hoje, além da escola Raimundo Cabral que abrande do Jardim I ao 1º ano, o assentamento
conta com o funcionamento de outras duas instituições escolares, a Escola Municipal Luzia
Mendes de Sousa, que atende do 2º ao 9º ano, com funcionamento durante os três turnos, e tem
como atual diretora a Sra. Denilde, além da Escola Maria Barros, destinada aos programas Pró-
Jovem e PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).
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Com base nisso, uma das principais reivindicações da comunidade é pela instituição de
uma escola de Ensino Médio, uma vez que até o momento, os adolescentes do assentamento
devem se deslocar até a sede da cidade de Igarapé do Meio para terem acesso às aulas. Atualmente,
existe um processo licitatório para a construção de uma Escola de nível médio no Povoado Morada
Nova, localizado próximo à Vila Diamante.
Durante visita ao Assentamento, um dos moradores, o Sr. Noé, relatou que a Biblioteca
da comunidade no momento está em desuso em virtude da perda da chave do local, e da queda de
um raio sobre a Rádio Comunitária, localizada próxima ao prédio da Biblioteca, que também
acabou afetando a estrutura do local. Citou ainda a importância que teve o extinto “Telecentro”,
um ambiente com computadores, na época doados pelo Banco do Brasil, onde crianças e
adolescentes começaram a se habituar com tais tecnologias.
Apesar disso, o Sr. Noé afirmou que a grande maioria dos jovens que concluem o ensino
médio, ou até mesmo superior em outras cidades, retorna ao assentamento e que, aqueles que estão
prestes a ingressar no Ensino Superior, também relatam o desejo de atuarem profissionalmente
dentro do próprio assentamento, seja em umas das Escolas, no Posto de Saúde, ou nos casos em
que a graduação é voltada a agricultura, com as plantações do local.
A instituição conta com duas salas de aula, uma cozinha e uma secretaria. O corpo
docente é formado por seis professoras, a gestão da escola é responsabilidade da Sra. Francisca e
53 crianças estão matriculadas.
Seis jovens que fizeram parte dos Sem Terrinha foram ouvidos e, ao relembrarem a
infância na Escola Raimundo Cabral, destacaram elementos que consideraram úteis ao
entendimento que hoje possuem a respeito da terra, e mais especificamente da comunidade em
que moram.
místicas, tentam recriar a prática para as novas crianças. Recentemente, fizeram uma mística
referente ao revolucionário Che Guevara.
Adeilson, 19 anos, relatou que no Encontro era possível se identificar através das
atividades realizadas e que, além disso, era possível conhecer outras realidades, levando em conta
o contato com outras pessoas. O processo de troca de experiências era intenso e ele pôde observar
que a luta por boas condições dentro dos assentamentos não poderia parar, uma vez que existiam
comunidades que ainda não haviam conseguido o básico.
Uma observação feita pelos jovens, diz respeito ao fato de que as demandas de todos os
sem terrinha nesses encontros eram referentes à educação, fato que demonstra o quanto as crianças
- enquanto autoras das demandas - se preocupavam com o fator educacional e sentiam a carência
de uma educação de qualidade que satisfizesse os interesses do campo.
Ricardo, 19 anos, mencionou o fato de o Encontro ter lhe ensinado, inclusive, a se tornar
uma pessoa melhor e que, graças aos ensinamentos dos professores que estavam presentes no
evento, deixou de ser uma criança rebelde e incompreensiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Frente a todo esse conhecimento, adquirido tanto pelas escolas conquistadas, quanto
pelos adultos que aprenderam com aqueles que estavam no acampamento – afinal isso também é
educação 147 – a única saída disponível àquelas pessoas, assim como foi aos seus ancestrais, seria
a de lutar.
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Fortaleza. 2013.
147
Há aprendizagens e produção de saberes em outros espaços, aqui denominados de educação não formal. Portanto,
trabalha-se com uma concepção ampla de educação. Um dos exemplos de outros espaços educativos é a participação
social em movimentos e ações coletivas, o que gera aprendizagens e saberes. Há um caráter educativo nas práticas
que se desenrolam no ato de participar, tanto para os membros da sociedade civil, como para a sociedade mais geral,
e também para os órgãos públicos envolvidos – quando há negociações, diálogos ou confrontos. (GOHN, 2011, p.
333).
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Abstract:The school reality, notably that of EJA, is characterized by a variety of ideas, intentions,
subjects and cultures. Knowing this reality is the first step towards building a welcoming school
environment, capable of integrating differences, promoting teaching and healthy living. The
present work seeks to contribute to the understanding of diversity in the EJA - MA, focusing on
the profile of the students, considering that this modality covers distinction between the subjects
(youth, adults, elderly, people with disabilities, prisoners, young people in conflict with the law ,
different ages, different ethnicities, different social classes, different school trajectories and unique
life stories). This diversity was linked to the dropout rates in 2016 and 2017 of the State Schools
that make up the Regional Education Unit of São Luís - MA. The data were categorized using
Bardin as a reference. Both by the literature and by the experiences made possible during the
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performance of this work, it was possible to perceive how much the school and the teacher
influence the high school evasion rate in this modality, notably when they assume a rigid and
authoritarian stance, or purely mechanical, contributing to a loss of sense of the social function
of education itself.
Keywords: EJA. Diversity. School evasion. State schools.
Introdução
Trata-se de tarefa que exige uma ampla mobilização de recursos humanos e financeiros por parte
dos governos e da sociedade.
O movimento que amplia a definição do campo de necessidades para além das carências
dos indivíduos, reportando-a às demandas das sociedades é, porém, o mesmo que incita à
superação da concepção compensatória da Educação de Jovens e Adultos, segundo a qual sua
finalidade se restringiria a possibilitar ao aluno a recuperação do tempo perdido. Com efeito, as
propostas atuais em EJA é “tanto consequência do exercício da cidadania, como condição para
uma plena participação na sociedade” (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura [UNESCO], 1998 como citado em Fonseca, 2012, p. 89). Questões vitais para
a sobrevivência da comunidade humana, como as que destaca o documento da 5ª Conferência
Internacional de Educação de Adultos (V CONFITEA) que constam “do desenvolvimento
ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento
socioeconômico e científico” (UNESCO, 1998 como citado em Fonseca, 2012, p. 47), e as quais
ainda podemos acrescentar muitas outras como a da tolerância religiosa, do acesso e do respeito à
diversidade cultural, da democratização das informações, dos recursos e dos procedimentos de
promoção e manutenção da saúde física e mental etc. Têm na Educação da população uma
condição necessária (mas não suficiente) para seu equacionamento, o que deveria, portanto, definir
as iniciativas de Educação Básica de adultos e de jovens, que não foram incluídos em unidades
escolares, como ações preferenciais e planeadas.
Os educandos (alunos e alunas de variadas idades, de etnias diversas, de classes sociais
distintas, de trajetórias escolares diferenciadas, de histórias de vida singulares etc.) são sujeitos da
diversidade que não podem ficar de fora de políticas públicas no espaço educacional. No dizer de
Soares, Paiva e Barcelos (2014, p. 26):
Para Paulo Freire (2018, p. 59) ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando:
[...] que alguém se torne machista, racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como
transgressor da natureza humana. Não me venha com justificativas genéticas,
sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude
sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados.
Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça
a força dos condicionamentos a enfrentar.
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Metodologia
Com o propósito de chegar a uma compreensão mais real do objeto de estudo, foi escolhido
o método qualitativo. Esse entendimento tem como concepção Minayo (2014, p. 57), a qual
menciona: “Esse tipo de método que tem fundamento teórico, além de permitir desvelar processos
sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares, propicia a construção de novas
abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante a investigação”.
Os dados relativos ao número de alunos que abandonaram as escolas e de matriculados
entre os dois anos (2016 e 2017) foram obtidos junto à Supervisão de Estatística Educacional da
Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (SEDUC/MA).
Fez-se um levantamento estatístico dos anos de 2016 e de 2017 de alunos da Educação de
Jovens e Adultos por sexo nas escolas estaduais dos municípios de Alcântara, Paço do Lumiar,
Raposa, São José de Ribamar, São Luís (municípios que compõem a Unidade Regional de
Educação de São Luís/MA). Posteriormente, a categorização de dados, separando os números de
alunas que abandonaram a escola dos números de alunos dentre os dois anos. Enfatizou-se também
a quantidade de alunos matriculados por sexo nesses 2 anos. Em seguida, procedeu se à análise
crítica das concepções presentes sobre os índices e motivos de abandono de escolas.
A partir de estudos de artigos e de marcos teóricos relacionados com o tema, verificou-se
o papel da escola e dos professores da modalidade EJA na promoção de uma educação voltada ao
tratamento das questões social, econômica, etária, existentes no universo da EJA, bem como se
analisou as causas das categorias de abandono na referida modalidade de ensino.
Para a análise documental dos dados estatísticos, utilizaram-se categorias propostas por
Ceratti (2008) e de outros autores de artigos sobre o tema em estudo.
Algumas definições, do Censo Escolar - levantamento de dados estatístico-educacionais
de âmbito nacional realizado todos os anos e coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que trata do principal instrumento de coleta de
dados sobre estabelecimentos de ensino, turmas, alunos, profissionais escolares em sala de aula,
movimento e rendimento escolar, são necessárias para a compreensão e análise do tema. Nesta
pesquisa, denominamos de abandono – quando o aluno deixou de frequentar a escola antes do
término do ano letivo sem requerer formalmente sua transferência.
A proposta curricular da EJA referente ao Ensino Fundamental, a SEDUC-MA estabelece
a organização do ensino em quatro etapas com duração de 800 horas cada, totalizando o tempo
escolar com 3.200 horas. Já para o Ensino Médio, a SEDUC-MA determina um tempo de 2000
horas em duas etapas (MARANHÃO, 2018).
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Resultados e discussão
Para os sujeitos da EJA, a decisão de retomar os estudos, ou até mesmo de iniciá-los requer
um replanejamento de suas vidas, principalmente do educando trabalhador. Assim surge, o papel
do professor e da escola para um olhar diferenciado para esses alunos e alunas, já que os índices
de abandono escolar nessa modalidade de ensino são reais e elevados, em vários estabelecimentos
de ensino. O tema de estudo, dessa forma, deveria ser avaliado e entendido de forma mais ampla,
principalmente porque se trata de uma questão preocupante.
Tornar as turmas da EJA parte da comunidade escolar é fundamental para o sucesso da
aprendizagem e para evitar a evasão escolar. Os sujeitos da EJA expressam significados que,
muitas vezes, a escola ou não está preparada, ou não possui instrumentos eficazes para
compreender e superar. Pelos dados mostrados na tabela 1, com os dados categorizados tendo
Bardin (2011) como referência, observa-se que o abandono escolar é um traço marcante na
modalidade de ensino da EJA, principalmente pelo sexo masculino, mesmo tendo matrículas
quase equiparadas com alunos do sexo feminino.
Nota-se, a partir do Censo Escolar dos anos de 2016 e 2017, que há uma prevalência maior
de alunos do sexo masculino em relação ao sexo feminino no que tange ao abandono escolar, este
fato está de acordo com o trabalho de Ajala (2011), pois de acordo com esta autora, esse abandono
se dar à fadiga masculina que ocorre devido à ocupação de cargos e/ ou serviços braçais que ocorre
na maioria dos casos, dificultando a disposição em permanecer em sala de aula no fim do dia.
Tabela 1 – Quantidade alunos por sexo de abandono escolar nos anos de 2016 e 2017.
Já a persistência das mulheres por mais tempo no âmbito educacional nos deixa claro que
elas deixaram de serem invisíveis, pois segundo Louro (2014) por muito tempo as diferenças entre
homens e mulheres foram restritas à diferença entre sexos, sob a justificativa de que havia bases
biológicas que determinavam como imutáveis tais diferenças. Nessa premissa, as mulheres, então,
assumiam a posição de subalternização com base em sua capacidade exclusiva de reprodução. As
relações de gênero no país têm sofrido mudanças consideráveis nas últimas décadas e as mulheres
avançaram em direitos nos muitos aspectos da vida cotidiana – trabalho, educação, saúde,
moradia, segurança e política, em particular, com estratégias de sobrevivência ao machismo
personificado nas mais diferentes formas.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2007 como citado
em Leoncy, 2013), as mulheres são maioria na Educação de Jovens e Adultos, correspondendo a
53% das vagas ocupadas. E de acordo com essa mesma autora, a escassez de estudos sobre as
relações de gênero dentro da educação de mulheres jovens, adultas faz com que não haja ainda
levantamentos suficientes sobre as barreiras sociais impostas ao sexo feminino que inviabilizam
não só sua adesão à escola, como também sua permanência nesta.
Em alguns trabalhos pesquisados como o de Souza e Alberto (2008) citam como fatores
internos do abandono escolar, a rigidez da escola com esta modalidade de ensino, o despreparo
dos professores, a má qualidade do ensino, a falta de motivação por parte do aluno. Com isso, com
intuito de diminuir esse abandono escolar, são necessários: Horários flexíveis para atender às
necessidades dos alunos trabalhadores, dada a sua especificidade, o estímulo a uma prática
educativa libertadora, a formação continuada aos professores que atuam nessa área. A escola
torna-se um espaço de formação que não pode reforçar preconceitos, mas valer-se dessa premissa
para uma formação cidadã crítica e sem reprodução de ideologia. Paulo Freire (2011) ao trazer o
seu método de ensino para uma perspectiva baseada numa educação emancipadora/ libertadora,
aspira a um aluno crítico e participativo na sociedade. Assim, a necessidade de se refletir sobre o
papel da escola, do docente e do discente a entenderem sua tarefa social dentro do campo
educacional, considerando a realidade do aluno para adequá–la à prática escolar.
Segundo Ceratti (2008), fatores externos que propiciam o abandono escolar na modalidade
EJA: Distância da escola até suas casas, opção de desenvolver uma atividade remunerada, o
esgotamento físico, entre outros fatores.
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Alunos da EJA percebem-se pressionados por parâmetros de uma sociedade onde o saber
letrado é muito importante. Isso foi constatado em uma pesquisa com alunos ingressantes numa
etapa equivalente ao 3º ciclo do Ensino Fundamental (5ª série) de um projeto de EJA, as razões
declaradas pelos alunos para o retorno à escola foram organizadas em 2 grupos: no primeiro grupo,
estavam as motivações externas ou pressões da vida social, que incluíam: “oportunidade de
ascensão na empresa, maior exigência de escolaridade, conquistar profissão mais valorizada,
entrar no mercado de trabalho, conquistar melhor emprego, melhoria de salário, etc.” (Horta, 1999,
p. 42); o segundo grupo era composto pelas motivações internas ou de ordem pessoal, onde foram
reunidas respostas tais como: “preciso ter um objetivo na vida”, “agora deu vontade”, “quero me
sentir útil”, “sinto falta dos estudos”, “para melhorar minha qualidade de vida”, “agora eu vou
cuidar de mim”[...] (Horta, 1999, p. 42).
Entre os alunos do sexo masculino, para nossa surpresa, mesmo considerando que a
amostra era predominantemente formada por adultos, com idade superior a 30 anos, 54,8% das
motivações declaradas foram classificadas como motivações internas, índice que cresce no
público feminino (71,1%), em cujas entrevistas, sob formulações diversas, por várias vezes se
ouviu a frase: “agora eu vou cuidar de mim”.
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O valor atribuído a escola, o qual se revela nessa formulação que as alunas da EJA dão à
sua decisão de retomar os estudos, instaura, em seu projeto educativo, uma corresponsabilidade,
o que pode ser visto nesse cuidado de si, definido pelos sujeitos como prioridade atual de suas
vidas. Essas moças e senhoras, quando se permitem e se decidem a cuidar de si, elas apostam na
escola como uma ação de cuidado consigo mesmas. Elas, mas também eles, trazem para a escola
a esperança de que o processo educativo lhes confira novas perspectivas de autorrespeito,
autoestima e independência.
Cumpre, assim, aos docentes dessa modalidade de ensino, considerar esse tripé –
necessidade, desejo e direito – ao acolher seus alunos e alunas e tomá-los como sujeitos de
conhecimento e aprendizagem, para pautar suas ações educativas, em particular, no seu
componente curricular.
Nas práticas educativas, os educadores devem saber que o ensinar exige saber escutar
conforme nos diz Paulo Freire (2018, p. 118):
Pelo o que foi mencionado, podemos perceber que tanto a escola como os
educadores têm dificuldades em trabalhar em conjunto com o público da EJA. Tal cenário está a
exigir de todos educadores e gestores dos sistemas de ensino, um permanente e radical repensar
de nossas representações e conceitos sobre educação, bem como de uma profunda mudança em
certas atitudes e práticas pedagógicas. Este cenário que hoje vivemos na escola em geral, e na
escola de jovens e adultos em particular, está a demonstrar, a denunciar, a falência a um certo
modelo de ensino e de escola, segundo Boaventura Santos (2000) chama de processos de
silenciamento e de desconsideração pelas diferentes formas de saber que não o conhecimento
científico. Mais uma vez fica explícita a urgência em repensarmos os nossos papéis como
professores e as funções para essa instituição tão importante chamada escola. Isto não só é urgente
como é uma questão de prestação de contas a esta grande parcela da sociedade que teve negada
uma educação de qualidade.
Considerações finais
quem são os sujeitos da EJA, construir uma convivência harmoniosa e útil, para que os conteúdos
a serem trabalhados façam sentido, tenham significado e, sobretudo, sejam elementos concretos
na formação dos alunos, instrumentalizando-os pelo domínio de conhecimentos e os habilitando
a intervenções significativas em suas realidades.
Há, em todos os níveis de escolarização, certa diversidade. Entretanto, nas salas de aulas
da EJA, a heterogeneidade se manifesta mais gritante, incluindo a referente ao gênero, idade,
procedências, escolaridade, letramento, etc, indicando a importância da escola e dos professores
considerarem de forma mais efetiva a questão da diversidade, facultando um ambiente adequado
para um ensino de qualidade.
A metodologia de ensino-aprendizagem dos docentes da EJA deve contemplar os costumes
e os hábitos, os comportamentos desses alunos, visando uma aproximação com a realidade dos
educandos. A formação de profissional que atenda essa modalidade de ensino é colocada como
questão central nos debates sobre discussões temáticas que envolvem a Educação de Jovens e
Adultos. A atuação das Universidades na formação destes docentes permanece tímida e criticada.
É irrisório o número de Faculdades de Educação que formam professores voltados para atuar nessa
população específica. Em muitos casos, sem um quadro de educadores com formação inicial para
atuar com essa população, as iniciativas governamentais e não-governamentais têm procurado
realizar essa formação em serviço.
A análise aqui apresentada se manteve no campo qualitativo, os dados coletados ajudaram
a visualizar como tem sido o abandono escolar por sexo na modalidade de ensino da EJA. Sendo
assim, este estudo, abre possibilidades para novas abordagens e pesquisas sobre o tema, tão carente
de pesquisas no que tange à diversidade nos sujeitos da EJA e ao abandono escolar.
Referências
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Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70.
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https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25665
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Resumo :Este trabalho trata sobre o Projeto de Intervenção Interdisciplinar “Roda de Conversa”,
um projeto de ensino da UFMA-Pinheiro, promovido pelo Programa Foco Acadêmico, da Pro-
reitoria de Assistência Estudantil (PROAES). O projeto foi desenvolvido na escola municipal José
Erivan Cordeiro, em Pinheiro-MA, com objetivo de desenvolver competências e habilidades de
cunho pedagógico, interdisciplinar e específico da formação docente, por meio da integração entre
a comunidade acadêmica e os profissionais da educação básica. A metodologia englobou pesquisa
documental e observação direta para análise da documentação pedagógica e do acompanhamento
das rotinas. Além de uma revisão bibliográfica sobre os temas relacionados às problemáticas da
escola e, para tanto, recorreu-se aos estudos de Cogo & Nadal (2013), Oliveira (2010), Nogueira
(2005). Foram realizadas rodas de conversas para compartilhamento de conhecimentos, opiniões,
experiências e proposições. Durante o projeto houve uma visita técnica à escola Maria José
Aragão, em São Luís, para reconhecimento do seu histórico de superação frente a uma realidade
adversa. Ao final das atividades constatou-se a necessidade imediata de intervenções na escola
José Erivan, percebendo-se ainda a desarticulação entre o corpo docente, o serviço de
acompanhamento pedagógico e gestores, que dificulta a implementação de meios para a superação
das problemáticas existentes. Concluiu-se que a superação dos entraves que dificultam o alcance
dos objetivos da escola, não estão e nem virão de fora para dentro, mas sim da construção conjunta,
oriunda do reconhecimento de sua realidade, predisposição em construir proposições e,
principalmente, o envolvimento e responsabilização dos membros da comunidade escolar.
Palavras-chave: Educação. Realidade Escolar. Intervenção Pedagógica
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Abstract: This paper addresses the Interdisciplinary Intervention Project “Roda de Conversa”, a
teaching project at UFMA-Pinheiro, promoted by the Academic Focus Program, from Pro-Rectory
of Student Assistance (PROAES). The project was developed at the José Erivan Cordeiro
municipal school, in Pinheiro-MA, with the objective of developing pedagogical, interdisciplinary
and specific competences and skills of teacher education, through integration between the
academic community and professionals of basic education. The methodology included
documentary research and direct observation for the analysis of pedagogical documentation and
the monitoring of routines. In addition to a bibliographic review on the themes related to the
school's problems, and, therefore, the studies of Cogo & Nadal (2013), Oliveira (2010), Nogueira
(2005) were used. Conversation circles were held to share knowledge, opinions, experiences and
propositions. During the project there was a technical visit to the Maria José Aragão school, in
São Luís, to acknowledge its history of overcoming in the face of an adverse reality. At the end
of the activities, it was found an immediate need for interventions at the José Erivan school,
noticing still the disarticulation between the teaching staff, the pedagogical support service and
managers, which makes it difficult to implement means to overcome existing problems. It was
concluded that overcoming the obstacles that hinder the achievement of the school's objectives,
are not and will not come from outside to inside, but from the joint construction, arising from the
recognition of its reality, predisposition to build propositions and, mainly, the involvement and
accountability of members of the school community.
Keywords: Education. School Reality. Pedagogical Intervention.
INTRODUÇÃO
de Conversa, para a seleção de dois temas mais interessantes ao corpo docente. Na Fase II foram
realizadas as seguintes atividades: visita técnica à uma outra escola, com histórico de superação
de condições adversas e resultados negativas de rendimento escolar; pesquisa e estudo sobre os
temas selecionados; planejamento, execução e avaliação das Rodas de Conversa; reunião de
avaliação das Rodas de Conversa pela equipe executora; e, por fim, produção deste relatório.
Com o desenvolvimento do projeto obteve-se em destaque dois resultados. O primeiro de
cunho individual, refletido em cada participante e expresso por meio de sua maior e melhor
percepção sobre a prática docente, assim como repercutindo também no seu desempenho durante
seu percurso de formação inicial e na futura prática profissional. O segundo resultado, de cunho
mais social, teve reflexo no ambiente escolar, campo de estudo. Pois, acredita-se que a partir das
atividades desenvolvidas com o corpo docente e técnico durante a execução do projeto, a
comunidade escolar usufruiu do processo de autoconhecimento e autoavaliação, possíveis de
promoção das intervenções necessárias para a superação de suas dificuldades ou melhoria de seus
processos pedagógicos.
Este trabalho foi estruturado após o término de todas as atividades, realizadas entre os
meses de janeiro a junho de 2019 e é originário dos registros e percepções dos bolsistas durante a
realização da Fase II do projeto. Para melhor compreensão serão apresentadas a seguir seções que
tratam da metodologia utilizada, a visita técnica na escola Maria José Aragão, o planejamento e
execução das duas rodas de conversa e por fim, as considerações finais.
METODOLOGIA
O projeto foi desenvolvido em etapas, onde a primeira foi a apresentação do projeto para
SEMED Pinheiro, que indicou como escola-campo a escola José Erivan Cordeiro, considerada
pela equipe como carente de intervenções pedagógicas, tendo em vista as diversas ocorrências já
registradas. Depois da apresentação do projeto e escolha da escola-campo começou a etapa de
observação na escola, que aconteceu nos meses de setembro, outubro e novembro de 2018. Os
quatro bolsistas foram divididos em dupla e as observações feitas nos turnos matutino e vespertino,
onde puderam conhecer a proposta pedagógica da escola, a estrutura administrativa e educacional,
e a dinâmica geral de funcionamento.
Uma etapa inesperada, mas de muita importância para o trabalho foi a visita técnica na
escola Maria José Aragão, na cidade de São Luís, que teve como objetivo principal reconhecermos
um caso de sucesso frente a difícil realidade do entorno e situação complexa que a escola se
encontrava. Foi um momento de pesquisa, onde o grupo foi dividido em duplas e realizadas
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entrevistas com o diretor, funcionários, alunos e pais de alunos. Tivemos a oportunidade de ver a
dinâmica da escola, trabalhos realizados pelo diretor, funcionários e alunos.
Para a maior instrução dos participantes sobre os temas a serem desenvolvidos no projeto,
foram realizadas sessões de estudos. As reuniões ocorriam semanalmente, com intuito de após a
leitura dos artigos, discutir sobre o tema, onde cada um pudesse compartilhar o seu conhecimento
sobre o tema abordado.
Também eram desenvolvidos encontros para o planejamento de todas as etapas do projeto,
que sempre ocorreram semanalmente na UFMA-Pinheiro. Esses encontram serviam para sanar as
dúvidas, apresentar sugestões e organizar os estudos, a visita técnica e das rodas de conversa.
As rodas de conversas foram planejadas e marcadas de acordo com o calendário da escola,
um dos temas foi escolhido pela equipe da SEMED, em uma reunião, e o outro tema foi escolhido
pelos participantes, ao final da primeira roda de conversa, através de um questionário.
O tema da primeira roda de conversa foi “Família e escola: resgatando valores”. A segunda
roda de conversa teve como tema “A violência na escola: impasses e desafios da prática docente”.
Ambas as rodas de conversas tiveram quatro horas de duração e compartilharam os mesmos
procedimentos metodológicos: exposição do tema, de forma dialogada, para conhecimento teórico
sobre os temas abordados, onde houve a participação dos alunos, pais de alunos, participantes do
grupo, diretor e demais funcionários, em seguida foram aplicados questionários para avaliação da
atividade e entrega dos certificados de participação.
Posteriormente os bolsistas e a coordenação do projeto se reuniram para avaliar a atividade
realizada, oportunidade em que compartilhavam suas perspectivas e aprimoravam seus
conhecimentos. Ao fim de toda a execução, o grupo passou a se reunir para a elaboração do
relatório final do projeto.
A visita técnica na escola estadual de Ensino Médio Maria José Aragão, localizada no
bairro da Cidade Operária, em São Luís, possibilitou que a equipe reconhecesse diversas questões
educacionais, por meio do Professor Wilson Chagas, diretor da escola, e sua equipe, visualizando
perspectivas de fazer diferente e do quanto é possível acreditar nessa prática tão nobre e
enriquecedora que é a educação e suas mudanças claras na vida de cada cidadão.
Os assuntos voltados à escola sempre estiveram na pauta de discussão do grupo de tralho,
sendo tratado nas reuniões quinzenais, em alguns casos sendo observado pelos participantes como
algo utópico, curioso e impressionante, tendo em vista os diversos problemas que a educação
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Dentro de tal perspectiva, Prof. Wilson Chagas nos mostrou o quanto o envolvimento e a
preocupação em se desprender da comodidade gerada pelo descaso, é importante nesse processo
de transformação. E, assim, aproximando-se com a finalidade de conhecer as diversas realidades
que seus alunos se encontram, foi possível entender e assim trabalhar de forma sistemática e ativa
para que a mudança em torno do processo aconteça. Percebemos a importância do
comprometimento da direção, equipe técnica e docente, demais servidores, a família e
precisamente os alunos que são peças fundamentais nesse processo tão importante.
A supervisora da escola como agente importante do trabalho, fez uma abordagem da
importância de procurar estratégias que sistematizem a construção de um conhecimento que venha
a agregar valor ao processo ensino-aprendizagem, sempre procurando meios que facilitem essa
união entre teoria e prática. Destacou, ainda, o quanto é essencial manter o equilíbrio nesse
processo, principalmente utilizando o diálogo e a troca de ideias entre o professor, supervisor e
alunos.
Silva (2017) respalda em seu texto o quanto é necessário à importância da afetividade não
só para o ambiente educacional, mas para as questões sociais dentro e fora da escola, trabalhando
assim a forma como tal fator é importante:
Muitas vezes o afeto em algumas instituições recebe pouca importância provocando um ranço nas
relações interpessoais. Nestes ambientes em que a educação é considerada um depósito de
informações, onde um ensina e o outro aprende o professor que deveria ser o mediador do
conhecimento, é visto como o agente ativo da exclusão escolar e social. Sabemos que esta relação
possui um caráter unilateral, autoritário e punitivo, que não considera o aspecto sócio emocional
resultando num distanciamento entre educador e educando. A afetividade quando valorizada dentro
do processo ensino-aprendizagem traz inúmeros benefícios aos seus agentes, para o professor
oferece confiança, a sensibilidade e o manejo necessário para entender o que seus alunos estão
sentindo em determinados momentos e a habilidade e competência para encontrar possíveis
soluções para certos conflitos. Para os alunos, o simples fato de sentir-se valorizado e respeitado
como ser humano já aumenta sua disposição para aprender e cooperar com seu professor e seus
colegas (SILVA, 2017, p. 3).
O diretor tem um papel essencial para que tudo ocorra bem na escola, demonstrando que
há uma grande importância na transmissão do conhecimento, porém, é essencial que questões
como dá atenção aos alunos seja fator crucial para que a mudança ocorra. Assim, haja uma relação
recíproca entre os envolvidos no processo, principalmente respaldada no diálogo, respeito, afeto,
limites e principalmente confiança, fazendo com que aconteça um processo gradual de
crescimento e realizações para todas as pessoas inseridas no âmbito escolar e humano da escola.
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A arte foi e é a principal força transformadora na escola Maria José de Aragão, visto que
a atenção sobre uma construção a pequenos passos, foram possíveis mudar, segundo o Prof.
Wilson, plantar frutos para que sejam colhidas flores, e assim mostrar o potencial de cada um. Foi
esclarecido que a arte foi essencial nesse processo, trazendo para tal ambiente a introdução de
práticas criativas, visando assim o envolvimento por parte dos alunos e aguçando sua aproximação
de forma prazerosa com a leitura, com a dança, com a arte e principalmente criando uma relação
mais próxima com a escola que fazem parte.
Foi apresentado à equipe informações sobre a dinâmica de funcionamento da escola, onde
a vice-diretora, a coordenadora pedagógica e professores sempre utilizam estratégias para que o
trabalho aconteça da melhor forma. Há cobranças constantes para que as famílias estejam
presentes nesse processo de ensino-aprendizagem dos alunos.
É comum na escola a utilização de métodos artísticos como estratégia educativa, onde se
realizam projetos de leitura, incluindo concursos de poesia, teatro, música, e dança como é o caso
da crioula, do projeto e espetáculo de dança chamado Baião de Dois, Quixumba e o Cacuriá, dança
típica do estado do Maranhão, surgida como parte das festividades do divino Espírito Santo, sendo
tais projetos respaldados no respeito, liderança, organização e posição proativa de ambos os
envolvidos na dança.
Além das danças, a escola trabalha com projetos como o GAMAR (Grupo de Arte Maria
José Aragão), que visa envolver não só os alunos, mas a comunidade do entorno da escola, fazendo
com que haja a transparência para todos do que está sendo trabalhado de forma construtiva e
criativa dentro da escola. Dessa forma, por meio da arte é possível fazer a união entre
conhecimento, prática e pedagogia, juntando o útil e o agradável na prática educativa.
A coordenação, juntamente com o corpo docente, se preocupa em basear as práticas de
ensino com os princípios da interdisciplinaridade, interrelacionado as disciplinas de História,
Língua Portuguesa e Artes. Percebeu-se pelos relatos recebido, o quanto os alunos se preocupam
em sempre fazer o melhor, priorizam e levam consigo a responsabilidade desde o momento de
realizar os passos das danças de forma correta, até a compra dos matérias utilizados para confecção
das obras de artes que produzem e que se encontram facilmente ornamentando a escola. Isso
demonstra há nos alunos um sentimento de pertencimento, atrelado a aproximação de uma
identidade cultural, despertando em cada aluno o respeito à escola e a construção de valores morais
e sociais, preparando-se para a realidade fora da sala de aula. Raffestin (1993) demostra em sua
obra a importância de incitar na vida do aluno esse sentimento de pertencimento:
“Nota-se que muitos alunos não vêm valorizando esses sentimentos dentro do ambiente
escolar e fora dos muros da escola não é diferente a não valorização de culturas,
ambientes, relações é uma característica das gerações atuais. Como os educandários são
representações e referências para as comunidades escolares, assim a revitalização destes,
exige a colaboração não apenas dos alunos, como de toda a comunidade escolar, que
passa pela afeição de pertencimento e de cuidado com o meio. Mas, para transformar o
meio escolar em um espaço favorável à aprendizagem, é imperioso encorajar a
comunidade escolar nas atividades dentro da escola direcionando todos de que a escola
é um ambiente agradável de estar. Tendo em vista que, pelo quadro de deterioração em
que se depara a maior parte dos prédios escolares, faz-se essencial articular atividade que
instigam toda a comunidade escolar recuperar estes ambientes sensibilizá-los para o zelo
e embelezamento com o patrimônio escolar de forma a sentirem-se pertencentes à escola”
(SILVA, 2018, p. 3).
Ao atestarmos a realidade da escola José Erivan, percebemos que tudo que foi abordado
na matéria do programa Repórter Mirante se comprovava. Constatou-se o quanto havia ocorrido
transformações extraordinárias na escola, onde no pátio, biblioteca e inclusive na sala do diretor,
se encontram diversas obras de artes produzidas pelos alunos. O que encheu toda a equipe da
certeza de que naquele lugar há muito sentimento, dedicação, envolvimento e uma exemplar
relação de cooperação na escola. Os professores, alunos e a coordenação fazem parte da
construção real daquele quadro de mudanças, com a uma grande finalidade, que é a mudança
social na vida de cada um.
Fomos informados que a demanda de vagas na escola vem aumentando, fazendo com que
muitas famílias insistam em colocar seus filhos, visto serem cientes da importância do trabalho
que vem sendo desenvolvendo no contexto educacional do Centro de Ensino José Aragão. Por não
conseguir atender a toda a demanda, há pressão por parte dos professores devido à superlotação e
a falta de mais profissionais, que possam possibilitar um maior acolhimento às necessidades da
escola. O diretor destacou que a escola realiza muitas matrículas, mas há uma diversidade de
critérios a serem seguidos, entre eles está à importância da relação familiar no processo de ensino-
aprendizagem, onde a família deve está apta a fazer seu papel de forma a participar das decisões,
dos problemas e trabalhar nos seus filhos o respeito com as regras, patrimônio, com os servidores
da instituição e demais colegas.
Para a realização da última atividade da visita os componentes do grupo se dividiram, e
em dupla fizeram perguntas à direção da escola, à um grupo de alunos, aos professores e para
alguns pais atuantes no contexto da escola. As respostas às perguntas possibilitaram um
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conhecimento maior sobre o que ocorre diariamente na escola, a partir de perspectivas diferentes.
Foram declarados os diversos valores inseridos no cotidiano da escola e o quanto isso é presente
na vida das pessoas que fazem parte.
Na conclusão da visita tivemos o prazer de assistir uma apresentação do grupo de dança
GAMAR, que demostrou todo talento e amor com que desenvolvem essa atividade, marcada por
muito carisma e dedicação.
O grupo participante da visita concluiu essa atividade compreendendo em definitivo a
importância de não se tornar mais uma vítima do descaso com a educação brasileira, como foi
declarado pelo diretor Prof. Wilson Chagar, procurando sempre fazer a mudança, mesmo diante
do contexto social que nos encontramos, nos tornando assim futuros docentes capazes de construir
o novo, de transformar os problemas em soluções, nos mostrando atuantes e esperançosos quanto
a dias melhores, dias onde a educação seja prioridade e o caminho da mudança.
A 1ª Roda de Conversa foi realizada no dia 23 de maio de 2019 na escola José Erivan
Cordeiro, onde os organizadores puderam contar com a participação de alguns familiares de
alunos, professores, direção e coordenação pedagógica, além dos próprios alunos. Cerca de 42
pessoas se fizeram presentes.
O tema dessa roda de conversa foi escolhido pelo secretário de educação do município, o
diretor titular da escola e a coordenadora pedagógica, na reunião em que os integrantes do grupo
foram entregar o relatório parcial da pesquisa (com informações sobre a Fase I do projeto, a
observação). A escolha pelo tema Relação Família-Escola foi unânime, por ser considerada como
uma das principais problemáticas da escola.
Família e escola são os principais pontos de sustentação do indivíduo, mas por vezes
apresentam-se numa relação conflitante, comprometendo a formação das crianças. Essa educação
partilhada constrói o caráter do cidadão consciente que buscamos ter hoje em nossa sociedade,
pois a educação passa pela família e pela escola, mostrando seus reflexos na sociedade.
Max Weber (1864-1920) construiu uma teoria em que demonstra como funciona
basicamente a hierarquia de sociabilização de um indivíduo, colocando em tese os agentes
fundamentadores para uma vida em sociedade. Em formato piramidal, a família é a primeira base,
logo após a escola, a igreja (instituição religiosa) e o estado. Essa organização é inspirada em
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instituições sociais sem nenhum agravante, avaria ou configuração que altere suas formas. Mas,
em análises realizadas da atualidade, observa-se que em situações reais, a família e a escola têm
dividido a primeira base, já que a escola tem assumido muitas vezes a responsabilidade de educar
crianças naquilo que deveria ser aprendido na família.
Por lei a educação não é uma incumbência somente da escola, a Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), em seu Art. 2º, afirma que a educação, é dever da família e do estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho. O Art. 5º afirma que o acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo,
podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical,
entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder
público para exigi-lo.
O Código Civil brasileiro, em seu Artigo 1.634, parágrafo I, afirma que o dever de criar e
educar é dos pais, e sendo assim, podemos afirmar que no cenário legislativo há uma série de
sustentações legais, todas definindo que ambas as instituições sociais possuem especificidades na
educação do indivíduo. Dessa forma, o entendimento sobre educação tem que ser cultivado como
um direito, primeiramente do indivíduo, posteriormente da sua família conceder esse direito e por
fim, do estado criar artifícios para sua escolarização.
O Código Penal pode interpretar a tal falta de participação familiar como abandono
intelectual do menor, e segundo o Art. 246, deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária
de filho em idade escolar, gera penalidade de detenção de quinze dias a um mês, ou multa. Essas
medidas tendem a ser tomadas como o extremo da situação, e devem ser evitadas, por isso há a
necessidade de não descumpri-las, pois são agravantes que só tem um prejudicado: o menor de
idade.
O Art. 53º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que a criança e o adolescente
têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício
da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: 1) igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola; 2) direito de ser respeitado por seus educadores; 3) acesso à escola
pública e gratuita próxima de sua residência. Ainda, em seu parágrafo único deixa claro que é
direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da
definição das propostas educacionais.
Para finalizar, devemos compreender que a escola é um espaço coletivo, que apesar da
consciência disso, tem encontrado grandes problemas em relacionar-se com outros agentes,
principalmente a família. Diversos problemas são decorrentes, e o acúmulo deles geram o
estancamento das ações relacionais. Não é possível encontrar agentes perfeitos, tampouco esperar
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que estes apareçam para que se possa fazer algo. Tem de haver o enfrentamento das problemáticas,
com soluções inteligentes e conjuntas, a iniciar dentro da escola. Realizar um trabalho conjunto é
essencial para o sucesso escolar, cumprindo as leis, contudo, não é de maneira alguma fácil.
O planejamento da Roda de Conversa iniciou-se com estudos teóricos, através de textos
científicos sobre o tema e discussões em equipe sobre as melhores metodologias possíveis a serem
aplicadas na execução. Para a realização desta roda de conversa, foram necessários alguns recursos
audiovisuais, como notebook, data show, som amplificado e microfones. Todos os recursos
utilizados foram importantes para a melhor execução do cronograma.
Iniciamos a execução da roda com uma dinâmica chamada “O garotinho chamado amor”,
onde os participantes foram convidados a interagir uns com os outros de acordo com o que a
dinâmica sugeria. Essa dinâmica serviu para que os participantes se sentissem mais à vontade e
agissem com naturalidade durante as discussões acerca do tema.
Logo após, iniciou-se o momento da explanação teórica, com os conteúdos que abordaram
o tema. Foi trazido uma série de pontos para discutir a temática da roda, abordando todos os
agentes e suas atribuições no processo educacional de crianças e adolescentes, dando ênfase
principalmente para a família e a escola. Dentre os pontos abordados, podemos destacar:
- Legislação que trata sobre as obrigatoriedades, direitos e deveres da educação
- Quais as atribuições educativas da família e da escola
- Desconstrução das ideias de família e escola perfeita
- A fragilidade nas relações família-escola atualmente
- Fatores influenciantes para a escola estabelecer vínculos com a família
- O problema da busca por culpados e a necessidade de um bom profissionalismo docente.
- A escola como um espaço coletivo e de diversidade de públicos.
A abordagem desses pontos teve como principal objetivo deixar claro quanto aos papéis
de cada agente do processo educativo, além de tentar conscientizar que ambas as partes precisam
estarem juntas, apesar das condições e situações contrárias e mitos sobre família ideal/perfeita e
escolas sem problemáticas, que afastam ainda mais estes que deveriam caminhar juntos.
Após a abordagem teórica da roda de conversa, foi exibido um vídeo em que uma
psicopedagoga é entrevistada e fala sobre a importância das instituições família e escola estarem
juntas no processo, trazendo reflexões que expõem a necessidade disto em qualquer realidade que
seja, para o melhor desenvolvimento da aprendizagem do indivíduo.
Por fim, deu-se início às discussões, onde os alunos, pais presentes, professores e gestores
tiveram espaço para exporem suas concepções, opiniões, experiências e ideias.
No momento de conversas da roda, houve várias contribuições de discentes e docentes, em
um bom andamento das mediações, com bastante entusiasmo. As falas foram muito valiosas para
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A segunda roda de conversa realizada na escola José Erivan Cordeiro ocorreu no dia 05 de
setembro de 2019 e mais uma vez contou com o apoio da direção e coordenação da escola. O tema
abordado foi escolhido pela maioria dos participantes da roda de conversa anterior, que indicaram
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como a relevância do tema violência escolar é alta no cotidiano desta escola, sendo um dos pontos
em que precisa de uma atenciosa intervenção. Essa roda contou com a presença dos discentes e
docentes da escola e foi dividida entre explanação teórica, discussão do tema e contribuições para
práticas.
A violência, na nossa atualidade é um dos mais fortes impasses entre as análises estatísticas
e a prática, isto porque ela se manifesta de várias formas e ao adentrar no ambiente escolar, ganha
proporções delicadas. O termo “violência escolar” diz respeito a todos os comportamentos
agressivos e antissociais, incluindo também os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos
criminosos e etc. A intervenção e solução geralmente dependem de fatores externos, que atingem
diretamente a escola ou mesmo, em casos delicados, surgem/acontecem nela.
Muitas vezes são necessárias ações interventivas que estão além da capacidade e da
competência da instituição, a qual possui outra proposta – a educação formal – que visa a formar
indivíduos capazes de refletir sobre seus atos, proporcionar o desenvolvimento da criatividade e
de potencialidades do estudante. O fato é que a violência escolar se enraíza no cotidiano escolar e
por vezes acaba passando por despercebida, e quando passa a ser vista, pode ser num desfecho
nem sempre reversível (BECKER & KASSOUF, 2016).
De certa forma, apesar de hoje haver uma emergência no tratamento adequado da
violência, não podemos trata-las como novidade das últimas décadas, por isso entende-se que ela
é um fenômeno existente desde as primeiras relações humanas, perpassando em todas as
civilizações históricas, em todos os períodos, sociedades e culturas. A violência não pode ser
tratada com naturalidade pelo simples fato de comprovada pela história, pois apesar de sua
existência ser antiga, ela sempre apresentou-se danosa para as relações sociais. Na escola, é
extremamente perigoso a não-atenção aos assuntos no cerne da violência, pois como espaço de
transformação e sociabilidade, ela se apresenta como empecilho para o aprendizado e as relações
escolares.
É relevante pensar a violência como um termo complexo, pois sua repercussão ultrapassa
o entendimento de agressão física. Há uma ampla necessidade de compreender que a ação violenta
está presente na falta do diálogo, pois quando este isenta-se, há maiores probabilidades de haver
violência dos diversos tipos existentes na sociedade, e no contexto do entorno escolar, as
problemáticas sociais são fortes percussoras de atos violentos (BECKER & KASSOUF, 2016).
A situação social, no que tange ao envolvimento com a criminalidade, drogas lícitas e
ilícitas, condições socioeconômicas e falta de infraestrutura (moradia e acesso aos serviços de
utilidade pública) são agravantes da violência que repercute na escola. A condição familiar
também tem se mostrado um forte indicativo de despontamentos violentos na escola, na medida
em que muitas famílias não conseguem contornar situações como indisciplina e nem intensificam
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o cultivo de valores sociais como honestidade e respeito. Muitos ambientes familiares também
acabam sendo espaços de aprendizado da violência, quando os próprios entes se chocam em atos
conflituosos, agravando ainda mais a solução deste problema.
Nas escolas, a identificação de crianças e adolescentes que não reconhecem os limites da
instituição, do outro e até mesmo de si próprio, comprometem o trabalho escolar, tendo em vista
que isso é o primeiro e principal passo para que valores humanos sejam cultivados. O respeito, a
humildade, a honestidade, a cooperação e etc, são fundamentais para que não haja um espaço
propício para a propagação de ações violentas (ROSA, 2010).
De forma bem específica, a escola é um ambiente de encontros humanos, e conflitos podem
ocorrer em qualquer momento do processo, entretanto, é papel da escola identificar os tipos de
violência existentes, não somente a física, mas todas aquelas que nem sempre são vistas
abertamente. A violência psicológica, verbal, sexual e contra o patrimônio público, possuem
também danos que nem sempre são fáceis de contornar, não podem ser apenas corrigidos
superficialmente, mas precisam de soluções aprofundadas (ROSA, 2010).
Uma atenção necessária que tem preocupado as escolas de forma geral, é sobre a violência
para os docentes. Em 2013 uma pesquisa global da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) com mais de 100 mil professores e diretores, colocaram o
Brasil no ranking dos países que mais agridem professores no cotidiano de ensino. Esse
levantamento indica que dos professores que participaram, 12,5% afirmaram serem vítimas de
agressões verbais ou intimidação por parte doe alunos pelo menos uma vez por semana, o que
resultou colocando o país em primeiro lugar na pesquisa. (Fonte: G1/Educação).
A segunda roda foi planejada com todos os integrantes do grupo, juntamente com a
coordenadora do projeto, que em reuniões, puderam chegar em elaborações didáticas que melhor
comtemplariam a temática proposta.
Agendada previamente com a direção e coordenação da escola, a roda de conversa ocorreu
no dia 05 de setembro de 2019, com quatro horas de duração. Devido a um atraso inicial foi
necessária a eliminação da primeira atividade, o vídeo e partimos para as apresentações da equipe
e logo em seguida, começamos a explanação do conteúdo programático. Nesse momento, o diretor
da escola e a coordenadora pedagógica estavam presentes, auxiliando-nos no que fosse preciso,
entretanto, pouco tempo depois, ambos se ausentaram, e a equipe responsável ficou desassistida.
O conteúdo programático foi aplicado somente para alunos e professores, já que outros
sujeitos não foram comunicados previamente pela direção ou coordenação da escola, sendo o
público alvo dessa roda de conversa, somente os docentes e alguns discentes. O total de
participantes foi de 24 pessoas, sendo 17 alunos, 06 professores e uma secretária.
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O conteúdo foi executado através de slides de maneira aberta e simples, com uma
linguagem mais acessível e de fácil compreensão, abordando os seguintes pontos:
Após a explanação do conteúdo, foi exibido a reportagem sobre o Centro de Ensino Médio
Maria José Aragão. Durante a exibição, os entrevistados explanaram sobre as atitudes e ações que
deram sucesso na evolução nos resultados daquela escola, assim como na solução dos altos índices
de violência. De certo, o uso desse instrumento serviu para sensibilizar os participantes,
instigando-os para posteriormente realizar ações interventoras para problemáticas existentes, entre
elas, a violência.
Por fim, abriu-se as discussões sobre o tema, onde alguns professores e alunos apontaram
de forma incisiva o quanto a temática da roda é relevante de ser trabalhada, tendo em vista que a
questão da violência é crescente na sociedade e na escola. Após isso, abriu o momento de
proposições onde os participantes puderam sugerir ou indicar possíveis primeiros passos (numa
intenção de coletividade), onde pudesse haver pensamentos que levassem a ações práticas
posteriormente.
A execução desta segunda roda de conversa foi de certo modo mais difícil do que a
primeira, principalmente pela escola não demonstrar efetivamente uma organização prévia para
tal acontecimento. A não comunicação da direção e coordenação para o corpo docente afetou a
organização e o planejamento, entretanto, o que mais ficou evidente foi o quanto a maioria do
corpo docente presente na escola não demonstrou interesse em participar se ausentando antes que
a atividade iniciasse. Poucos professores permaneceram na escola após o início da roda, e menos
ainda foram os que contribuíram de alguma forma, sendo a maior contribuição dos próprios
alunos. O próprio diretor e a coordenadora pedagógica da escola se retiraram do espaço após
algum tempo de fala da equipe causando uma sensação de desconforto.
Após a explanação do conteúdo foram abertas oportunidades para que os participantes
pudessem voluntariamente expor suas compreensões e opiniões sobre a temática. Nesse momento,
foi notável que os alunos presentes demonstraram ansiedade para falar, tendo em vista a vivência
na escola e o quanto os assuntos abordados são necessários. Muitos deles reafirmaram que vivem
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ou já vivenciaram situações de violência na escola, seja de qual for o tipo, assim como os danos
causados por uma situação violenta pode ser permanente.
As discussões foram mediadas pela equipe para que houvesse espaço para todos aqueles
que quisessem fazer suas considerações, pudessem ter tempo de fala. Contudo, houve uma
problemática inquietante, que foi o fato dos docentes presentes não se manifestarem diante das
instigações feitas pela equipe, levando-nos a pensar que havia uma insatisfação de estar ali, ou
mesmo desinteresse de abordar essa temática.
Ao serem convidados a falarem sobre ações que pudessem levar a soluções para a violência
escolar existente ali, nenhum docente se propôs a citar ou sugerir algo, mesmo após várias
elucidações sobre a necessidade de ser dado o primeiro passo para resultados positivos na prática
escolar. Após perceber essa negação à fala pública, deu-se oportunidades para os alunos exporem
ideias, dos quais afirmaram em suas falas que a escola precisa estar atenta à violência que acerca
e está no seu interior, principalmente para as violências não-físicas.
Ao direcionarmo-nos para a escola para a realização desta segunda roda de conversa, não
houve nenhuma resistência por parte de sua liderança. Muitos professores durante a presença no
cotidiano da escola nos apontaram a importância de abrir espaço para tratar de problemáticas
seríssimas de forma explícita, na tentativa de um consenso e, consequentemente, para possíveis
iniciativas práticas. Entretanto, na realização desta roda, não percebemos visivelmente os docentes
de forma geral, instigados em buscar soluções para a problemática apresentada, pois não se
movimentaram nas proposições práticas, e a própria retirada de vários professores, diretor e
coordenador, demonstraram o quanto a conscientização de que ações precisam ser realizadas é
necessária no corpo docente daquela escola.
No término da roda de conversa, cada participante avaliou a execução a partir de um
questionário que contemplava a relevância do tema; a organização das atividades; infraestrutura;
nível de discussões; desempenho dos mediadores e; sua participação, avaliando-as entre excelente,
bom, mediano, ruim e péssimo. Todas as avaliações consideraram o tema como excelente e bom,
ou seja, os participantes reconheceram que foi uma abordagem necessária.
Havia nas fichas um espaço para observações e sugestões para próximas rodas, ou seja,
onde cada participante pudesse escrever, caso não se sentisse na liberdade de falar abertamente.
Nestes espaços, diversos participantes fizeram pontuações sobre o tema para a escola, assim,
julgamos importante trazer algumas dessas sugestões pessoais mais recorrentes. Foram os temas
mais sugeridos:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo o que foi observado e vivenciado, percebeu-se que a maioria das problemáticas
contidas na escola José Erivan Cordeiro tem um nível de complexidade que ultrapassa sua
condição de superá-las sozinha. E nessa perspectiva, requer-se uma ação imediata da gestão
municipal de educação, no cumprimento do seu papel de promotor, administrador e incentivador
do estabelecimento e desenvolvimento de uma proposta pedagógica capaz de correspondente às
demandas da escola.
Tendo em vista todos os aspectos e problemas na escola podemos considerar que é preciso
cada vez mais ser trabalhada a relação entre a família-escola, onde ambos devem desempenhar
seu papel quanto aos fatores primordiais ao conhecimento e desempenho no ambiente escolar dos
jovens e crianças. Percebe-se a grande deficiência do papel familiar quanto ao ensino, pois é bem
comum perceber crianças e adolescentes a mercê dos problemas sociais por falta de participação,
ou mesmo de pulso dos seus responsáveis, e isso se torna ainda mais agravante quando se percebe,
através dos relatos, que muitas dessas famílias são os núcleos desses problemas sociais.
Além disso, órgãos competentes da área de segurança, saúde e assistência social precisam
atuar efetivamente na realidade do entorno, pois é necessário um olhar diferenciado e
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especializado naquela localidade. Urge ações diretas sobre as vulnerabilidades sociais e suas
consequências que se configuram no exercício da violência e da criminalidade, a fim de a escola
possa sustentar ações pedagógicas que sejam impactantes tanto interna, quanto externamente à
instituição.
Utilizar a escola Maria José Aragão como base para pensamentos positivos foi crucial para
que pudéssemos chegar na conclusão de que as iniciativas para melhorias precisam acontecer em
algum momento, e mais do que isso, acontecer bem, de forma que o trabalho seja em coletividade
e bem ocorrido. É preciso despertar o interesse, através do contato da realidade vigente que
necessita de intervenção de todas as partes.
Agradecemos imensamente a gestão municipal de educação em Pinheiro-MA, na pessoa
do Prof. Augusto Miranda, pela parceria e confiança atribuídas a nós no início desse trabalho na
escola José Erivan Cordeiro. Agradecemos também a toda a comunidade escolar pela acolhida e
confiança em nos apresentar de forma sincera a sua realidade.
REFERÊNCIAS
BECKER, Kalinca Léia. KASSOUF, Ana Lúcia. Violência nas escolas públicas brasileiras:
uma análise da relação entre o comportamento agressivo dos alunos e o ambiente escolar.
Nova Economia, v.26 n.2 p.653-677, 2016.
LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal, Coordenação de
Edições Técnicas, 2017.
ROSA, Maria José Araujo. Violência no ambiente escolar: refletindo sobre as consequências
para o processo ensino aprendizagem. Itabaiana: GEPIADDE, Ano 4, Volume 8 | jul-dez de
2010.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 2ed. São Paulo: Cortez Brasília, DF:
MEC/UNESCO, 2003.
Página 850 de 2230
148
Mestrando em Cultura e Sociedade (PGCULT/UFMA).. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Tecnologias
na Educação (GEPTED/UFMA). jailson.rviana@gmail.com.
149
Especializando em Design Instrucional (Centro Universitário Senac – São Paulo). Bacharel em Biblioteconomia.
Docente do Centro Universitário Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. Bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Tecnologias
Digitais na Educação (GEP-TDE) e Grupo de Estudos e Pesquisas na Análise de Materiais Publicados, de Divulgação
da Ciência, em Mídia Digital ou Impressa (GEP-DCMIDI). Grupo de Estudos e Pesquisas em Patrimônio Cultural
(GEPPaC). mauricio.jmc@outlook.com.
150
Mestre em Educação Multimídia pela Universidade do Porto (2007), Tecnólogo em Processamento de Dados pelo
Centro Universitário UNA (2002) e Licenciado em Pedagogia pela Faculdade do Maranhão (2016). É também
Especialista em Docência no Ensino Superior pela PUC-MG (2003), Engenharia de Sistemas pela ESAB (2010) e
Educação a Distância pelo UNISEB (2015). joaobbj@gmail.com.
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e discussão dos resultados foi mediante a aplicação da Análise de Conteúdo de Bardin (2016).
Aborda-se os aspectos teóricos e conceitos acerca de tecnologias digitais no Ensino Superior, bem
como App-Learning, a partir de autores como Moran (2012), Prensky (2012), Oliveira, Souto e
Carvalho (2016), dentre outros. Segundo os resultados da coleta dados, foi observado o
engajamento dos alunos para com o conteúdo, bem como para expansão das abordagens em sala
de aula. Relata-se as potencialidades do aplicativo, sobretudo como ferramenta de apoio a
aprendizagem, não apenas na disciplina de Educação de Jovens e Adultos, mas a continuidade no
decorrer da graduação. Reforça que a adoção do GoConqr pode representar ganhos em sala de
aula, visto as possibilidades de adaptação dos conteúdos de diferentes áreas do conhecimento,
servindo como um rico recurso de apoio à aprendizagem no Ensino Superior. Conclui que o uso
de tecnologias digitais em sala de aula no Ensino Superior, em especial nos cursos de Licenciatura
pode contribuir com a prática docente, bem como otimizar a compreensão de conteúdos
complexos numa linguagem clara, simples e gamificada. Tal investigação terá continuidade, uma
vez que, pretende-se comparar as experiências do uso do GoConqr entre os cursos de Licenciatura
e Bacharelado no Instituto Federal do Maranhão, Campus São Luís – Monte Castelo.
Palavras-chave: GoConqr Tecnologias Digitais no Ensino Superior. Metodologias Ativas no
Ensino Superior. Relato de Experiência no Ensino Superior.
Abstract:Experience report on the applicability of the GoConqr tool in the dynamics of the
contents of the youth and adult education (EJA) discipline with students of Degree in Chemistry
of the Federal Institute of Maranhão, Campus São Luís - Monte Castelo. It aims to report the use
of the GoConqr application as a systematization resource of content related to the implementation
of eja in the history of Brazil, as well as unveil the possibilities of adopting such application in
undergraduate courses in Higher Education. Methodologically consists of an exploratory and
descriptive study, of qualitative approach, since it is dedicated to presenting the experience of
using a digital technology as a didactic instrument in Higher Education, as well as its contributions
in learning degree in chemistry. The research starts from bibliographic research, using previously
elaborated materials, such as books, articles, theses, dissertations, among others. The field
research was conducted between August and September, had a sample of 12 (twelve) students
regularly enrolled in the Youth and Adult Education Discipline, for this purpose, a data collection
instrument was used as a data collection instrument. mixed questionnaire, built in Google Forms,
in turn sent to students through the Google Classroom Learning Virtual Environment. The analysis
and discussion of the results was through the application of Bardin content analysis (2016). The
theoretical aspects and concepts about digital technologies in Higher Education are approached,
as well as App-Learning, based on authors such as Moran (2012), Prensky (2012), Oliveira, Souto
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e Carvalho (2016), among others. According to the results of the data collection, students'
engagement to content, as well as for the expansion of approaches in the classroom, was observed.
The potentialities of the application are reported, especially as a tool to support learning, not only
in the discipline of Youth and Adult Education, but continuity during graduation. It reinforces that
the adoption of GoConqr can represent gains in the classroom, given the possibilities of adapting
the contents of different areas of knowledge, serving as a rich resource of learning support in
Higher Education. It concludes that the use of digital technologies in the classroom in Higher
Education, especially in undergraduate courses can contribute to teaching practice, as well as
optimize the understanding of complex content in clear, simple and gamified language. This
investigation will continue, since it is intended to compare the experiences of the use of GoConqr
between bachelor's and bachelor's courses at the Federal Institute of Maranhão, Campus São Luís
- Monte Castelo.
1 INTRODUÇÃO
dinamização em suas teorias alinhando as aulas ao ensino das metodologias ativas usando
aplicabilidades que possam despertar mais atenção de seus alunos (RUBTSOVA, 2016).
Com isso mencionamos a gamificação que é uma metodologia que tem por objetivo
potencializar o ensino e a aprendizagem dos alunos com games e até mesmo jogos. Lembrando
que o jogo é algo meramente passatempo e a gamificação tem um intuito pedagógico, objetivo
alinhado, meta a ser alcançada e aprendizagem em evidência. A gamificação deu início nas áreas
de marketing com finalidade de motivar e trazer novos clientes e até mesmo fidelizá-los, de acordo
com Zichermann e Cunningham (2012), esse metodologia tem feedback, conflitos, sistemas de
recompensas, objetivos claros, diversão, com objetivo de engajar os alunos a terem motivação
assim como vemos jogadores com bons games.
Como isso a gamificação vem sendo apresentada como uma grande possibilidade de
aprender de maneira dinâmica, jogando, brincando, se divertindo em sala de aula, tornando-a um
espaço híbrido, cheio de conquista, saindo da zona tradicional, onde os alunos passam a ser os
autores do próprio conhecimento. Nos tempos atuais a gamificação está sendo uma das
metodologias que mais despertam atenção de seus alunos, que possuem um processo de
colaboração, de troca de conhecimento, de espírito de competitividade boa, mas lembrando que
para tal a mediação e objetividade do professor tem que estar evidente para que a atividade ocorra
de forma calma.
nasce um processo de avaliação de acordo com o perfil do aluno (FALCÃO, 2016). Exemplo disso
é quando professor passar uma atividade em grupo usando pesquisa em repositório de pesquisas
e afins geralmente cada um busca afinidade com alguma parte e assim começam a dividir a
atividade proposta e assim nasce interesse para além somente do conteúdo proposto, pode
incentivar e aguçar a criatividade dos alunos.
Os alunos trazem uma nova forma de ser avaliado a partir de suas inovações e criações
junto as tecnologias digitais que muitas vezes é o cotidiano do aluno, os smartphones, tablets,
jogos eletrônicos, televisões digitais, tudo isso eles a cada dia mais estão submerso nesse mundo
que muitas vezes é diversão para eles e com atividade e planejamentos orientados o professor pode
transformar esse cotidiano em uma forma dinâmica de aprender e reaprender (PRENSKY, 2012).
Nesse sentido, percebe-se que uma série de elementos interferem no processo de
aprendizagem, sobretudo as tecnologias, pois “Elas interferem em nosso modo de pensar, sentir,
agir, de nos relacionarmos socialmente e adquirirmos conhecimentos. Criam uma nova cultura e
um novo modelo de sociedade.” (KENSKI, 2012, p. 23).
Nesse sentido podemos dizer que avaliação é uma tarefa que oriunda muitas vezes da
ação e do planejamento do professor, que tem como finalidade repassar o conhecimento, fazer o
aluno refletir, discutir e aprender. Com esse cenário tecnológico as avaliações deixam de ser
tradicionais, padrões, aquelas onde os alunos apenas marcavam e nem expressavam seus
sentimentos, suas angústias e afins. Os alunos podem trazer novas formas de ensino a partir do
uso dos aplicativos, dos games e afins.
Segundo Hoffmann (2003) o processo de avaliação tem que permitir buscar novos
rumos, novas maneiras de pensar, refletir, aprender. O professor tem que pensar que a medida em
que ele submete uma avaliação, ele também será avaliado. Com isso a avalição nos tempos digitais
tem que ser um momento de conexão com outras formas de avaliar, olhar aquilo que não está
implícito, visualizar para além das notas amarradas, provas fechadas, ensino maçantes, visualizar
os bolsos dos alunos que possuem celulares, WhatsApp, Facebook, Instagram entre outras
ferramentas que fazem esses indivíduos mais conectados e mais conectados com suas realidades.
4.1 GoConqr
151
Disponível em: <https://www.goconqr.com/pt-BR/info/>. Acesso em: 29 jan. 2020.
Página 857 de 2230
Como pode ser observado no Gráfico 1, a maioria dos alunos afirmou já ter utilizado
aplicativos no processo de aprendizagem, além do GoConqr. Ressalta-se que o uso de tecnologias
digitais é natural e faz parte do cotidiano escolar, além disso estas são capazes de motivar e
possibilitar aos alunos múltiplas formas de aprender (ATANASIO et al., 2017; COSTA;
DUAILIBE; BOTTENTUIT JÚNIOR, 2018). Em seguida os discentes foram inquiridos acerca
de quais aplicações já tinham experienciado em sala de aula, cuja disposição pode ser vista no
Gráfico 2:
Gráfico 5 – O uso de ferramentas tecnológicas pode ser mais explorado em sala de aula?
Diante dos resultados do Gráfico 5, pode-se destacar que 58,3% afirmou que as
ferramentas podem ser mais exploradas em sala de aula, como recurso avaliativo, visto a
Página 860 de 2230
Como pode ser visto no Quadro 1, os alunos em sua maioria consideraram positiva a
experiência de uso do GoConqr em sala de aula, ressaltando características pontuais da aplicação,
dentre elas a facilidade de uso, que a aula se tornou mais envolvente e interessante. Tais resultados
fazem interface com os resultados encontrados por Romio e Paiva (2017), ao acentuarem com
base em sua experiência com o GoConqr, que o uso de jogos e quizzes é capaz de trabalhar e
desenvolver diferentes competências no processo de aprendizagem, tornando o esse processo mais
engajado e motivador.
Página 861 de 2230
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo relatar o uso do aplicativo GoConqr como
recurso de sistematização dos conteúdos relacionados à implementação da EJA na História do
Brasil, bem como desvelar as possibilidades de adoção de tal aplicação nos cursos de licenciatura
no Ensino Superior. Após todos as abordagens, bem como a apresentação da percepção dos alunos
do Curso de Licenciatura em Química é possível afirmar que o uso de tecnologias digitais e de
recursos gamificados na sala de aula pode trazer novas possibilidades pedagógicas para abordar
diferentes conteúdos.
Cabe destacar, que embora os alunos estejam abertos às novas metodologias e recursos
de aprendizagem ativa, é indispensável que o professor seja capacitado para tal, de modo que este
seja capaz de realizar seu planejamento e tenha acesso as metodologias que emergentes nesse novo
cenário educacional na era digital. Vive-se em um cenário onde as metodologias ativas de
aprendizagem estão em alta e, consequentemente, os métodos avaliativos também têm devem se
adequar a essa nova perspectiva de ensino e aprendizagem.
Ressalta-se que as tecnologias digitais, os recursos gamificados, dentre outros
recursos, por si só não são capazes de conferir plenos benefícios para a aprendizagem, uma vez
que cabe ao docente traçar seus propósitos, objetivos, feedbacks com vistas a somar na sala de
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aula. Gamificar e usar tecnologias diversas é sair da zona de conforto, dos meios tradicionais e
buscar formas inovadoras que podem despertar mais ainda a atenção dos alunos.
Nesse sentido, com base nos resultados apresentados e discutidos, constata-se que o
GoConqr é uma aplica que tem múltiplas aplicações e usos em sala de aula, não restringindo-se
apenas ao processo de avaliação, mas de construção colaborativa e compartilhamento do
conhecimento. Os alunos do curso de licenciatura em Química do IFMA – Campus São Luís
Monte Castelo se mostraram receptivos quanto ao uso dessa aplicação, quanto nos impactos que
estava teve na aprendizagem dos conteúdos de EJA. Com base nisso, é possível ressaltar que estes
sairão docentes com uma visão diferenciada das tecnologias digitais, e, certamente serão capazes
e motivados a utilizadas em suas práticas docentes no futuro.
Abordar o uso de tecnologias digitais é indispensável para o aperfeiçoamento das
práticas em sala de aula, não esgotando-se neste estudo. Acredita-se que outras investigações serão
realizadas, tendo tanto o GoConqr como objeto, quanto outros recursos de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Arnaldo Henrique de Oliveira; SILVA, Gabriela Passalini; LOBINO, Maria das
Graças Ferreira. Metodologia de projetos e o uso do aplicativo GoConqr com estudantes do
Curso Técnico em Meio Ambiente do IFES – Campus Ibatiba. In: Encontro Latino Americano
de Iniciação Científica, 22., 2018. Anais eletrônicos [...] Vale do Paraíba: UNIVAP, 2018.
Disponível em: http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2018/anais/arquivos/0762_1004_01.pdf.
Acesso em: 26 jan. 2020.
COSTA, Maurício José Morais; DUAILIBE, Rafael de Oliveira; BOTTENTUIT JÚNIOR, João
Batista. Metodologias ativas em sala de aula: uso do Plickers no ensino de Geografia em uma
escola da rede pública em São Luís, MA. Revista Tecnologias na Educação, ano 10, n. 27, v.
27, 2018.
ESTEBAN, M. T. O que sabe quem erra? reflexões sobre avaliação e fracasso escolar. 3. ed.
Rio de Janeiro: DP&A, 2002.198p.
MORAN, José Manuel, MASSETTO, Marcos T., BEHRENS Marilda Aparecida. Novas
tecnologias e mediações pedagógicas. Campinas, SP: Papirus, 2012.
OLIVEIRA, Fabio Caires de; SOUTO, Daise Lago Pereira; CARVALHO, José Wilson P.
Seleção e análise de aplicativos com potencial para o ensino de química orgânica. Revista
Tecnologias na Educação, ano 8, n. 17, v. 17, dez. 2016.
PEREIRA, Bianca Raquel Garcia Fagundes et al. O uso do Mentimeter como ferramenta de
apoio ao docente. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA,
6., 2018. Anais eletrônicos [...] Ponta Grossa: UFTPR, 2018. Disponível em:
http://www.ileel.ufu.br/sielp2019/wp-
content/uploads/2019/11/caderno_de_resumos_sielp_2019.pdf. Acesso em: 25 jan. 2020.
PRENSKY, M. From digital natives to digital wisdom: hopeful essays for 21st century
learning. California: Corwin, a Sage Company, 2012.
ROMIO, Tiago; PAIVA, Simone Cristine Mendes. Kahoot e GoConqr: uso de jogos
educacionais para o ensino da matemática. Scientia cum Industria, v. 5, n. 2, p. 90-94, 2017.
Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre como se dá o processo da construção
do conhecimento do espectador teatral adulto nos espaços ludovicenses. Reflexão que faz parte
da minha pesquisa de mestrado em Artes Cênicas da UFMA/PPGAC, intitulada A CONSTRUÇÃO
DO CONHECIMENTO NA RECEPÇÃO TEATRAL DA CENA CONTEMPORÂNEA EM SÃO
LUÍS: o teatro como acontecimento. Pesquisa na qual tem como objeto empírico o espectador
adulto em espaços tradicionais de São Luís. Por ser uma pesquisa em fase embrionária alguns
aspectos metodológicos ainda estão em processo de definição. Entretanto, ao que tange o
referencial teórico apresento alguns estudiosos que possibilitarão um diálogo para a construção de
tais reflexões. Primeiramente Denis Guénoun (2003) por valorizar o espectador no acontecimento
teatral. Momento em que enfatiza que o verdadeiro sentido do termo “théatron” se encontra no
espectador. Com isto a função e importância do teatro passa a estar no ver a si mesmo na
arquibancada e no que o ator tem para mostrar colocando este, o espectador, como peça
fundamental para o acontecimento do teatro. Para Guénoun (2003), a recepção
teatral/arquibancada é vista como local de entendimento do processo da construção de
conhecimento para além do palco. Em seguida, para dialogar sobre as teorias da recepção teatral,
busco Flávio Desgranges (2009) por ele abordar fenômenos, que considero relevantes para as
reflexões: “traços mnemônicos” e a “sinestesia”. Fenômenos que possibilitam a compreensão de
como o espectador se relaciona com a cena teatral. Por último, relaciono as contribuições dos
teóricos citados com o conceito de “acontecimento teatral” do crítico e historiador argentino Jorge
Dubatti (2016). Parto do princípio que, com base nestes teóricos, durante a recepção teatral o
espectador está submetido a um constante diálogo com a “poiesis” do ator e que neste diálogo
alguns “fenômenos” acontecem com o espectador. Fenômenos estes que fogem da minha área de
conhecimento, mas que sem a sua compreensão não seria possível uma reflexão pautada no
processo da construção do conhecimento durante o acontecimento teatral.
Palavras-chave: Teatro. Espectador. Percepção. Conhecimento.
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Abstract: This article aims to reflect on how the process of building the knowledge of the adult
theatrical spectator in ludovic spaces takes place. This reflection is part of my master's research
in Scenic Arts at UFMA/PPGAC, entitled THE CONSTRUCTION OF KNOWLEDGE IN
THE THEATRAL RECEPTION OF THE CONTEMPORANCE IN SÃO LUÍS: the theater as
an event. Research in which the adult spectator in traditional spaces of São Luís is the empirical
object. Being a research in embryonic phase some methodological aspects are still in the
process of definition. However, as far as the theoretical reference is concerned, I present some
scholars who will enable a dialogue for the construction of such reflections. First of all, Denis
Guénoun (2003) for valuing the spectator in the theatrical event. A moment in which he
emphasizes that the true meaning of the term "théatron" is found in the spectator. With this the
function and importance of the theater becomes in seeing oneself in the bleachers and in what
the actor has to show placing this, the spectator, as a fundamental play for the theatrical event.
For Guénoun (2003), the theatrical reception/bench is seen as a place of understanding of the
process of knowledge construction beyond the stage. Next, in order to dialogue about the
theories of theatrical reception, I look for Flávio Desgranges (2009) for his approach to
phenomena, which I consider relevant for the reflections: "mnemonic traits" and "synesthesia".
Phenomena that enable the understanding of how the spectator relates to the theatrical scene.
Finally, I relate the contributions of the mentioned theorists with the concept of "theatrical
event" by the Argentine critic and historian Jorge Dubatti (2016). I assume that, based on these
theorists, during the theatrical reception the spectator is subjected to a constant dialogue with
the actor's "poiesis" and that in this dialogue some "phenomena" happen with the spectator.
Phenomena that escape from our area of knowledge, but that without their understanding it
would not be possible a reflection based on the process of knowledge construction during the
theatrical event.
Keywords: Theater. Spectator. Perception. Knowledge.
INTRODUÇÃO
Estas são algumas das reflexões que fazem parte da minha pesquisa de mestrado152.
Por ser uma pesquisa em fase embrionária alguns aspectos metodológicos ainda estão em
processo de definição.
Para o presente artigo tenho como objetivo fazer uma reflexão de como se dá o
processo de construção do conhecimento do espectador teatral nos espaços teatrais a partir dos
teóricos aqui apresentados. O que me levou a uma revisão bibliográfica pautada em estudiosos
da educação, história do teatro, da antropologia e da filosofia do teatro ocidental.
Este artigo está dividido em três momentos. No primeiro, busco dialogar com Denis
Guénoun (2003) sobre o sentido do termo “théatron” dentro do contexto da Antiga Grécia
dando destaque ao espectador teatral. No segundo, apresento as teorias da recepção teatral de
Flávio Desgranges (2009) abordando fenômenos que é passível de acometer o espectador no
momento da recepção. No terceiro, relaciono as contribuições destes teóricos com o conceito
de “acontecimento teatral” do crítico e historiador argentino Jorge Dubatti (2016) dialogando
com o contexto artístico de São Luís. E para finalizar trago minhas considerações sobre as
reflexões.
152
Pesquisa de mestrado em Artes Cênicas da UFMA/PPGAC, intitulada A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
NA RECEPÇÃO TEATRAL DA CENA CONTEMPORÂNEA EM SÃO LUÍS: o teatro como acontecimento que tem
como objeto empírico o espectador ludovicense adulto e tem como objetivo geral investigar no contexto artístico
ludoviscense, a recepção do espectador para entender seu processo de construção do conhecimento teatral.
153
Este espetáculo é atualmente composto por César Boaes, Adeilson Santos e Charles Júnior com o texto de Bruno
Magno e figurino de Beto Modas.
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pertence ao espectador, trago Denis Guénoun (2003) por desenvolver algumas teorias e
descobertas em relação ao público de teatro na antiguidade. Algumas das suas descobertas
abriram caminhos para algumas reflexões neste artigo. Uma delas é pensar sobre o tempo que
o espectador gasta ao assistir um espetáculo e o que acontece durante este tempo. Esta primeira
etapa é referente somente ao espaço do espectador que perpassam por cinco fatores que o
compõe, são eles: o político; o espaço semicircular; o texto e por último os elementos símbolos
apresentados por João Maria André (2012).
O primeiro fator abordado por Guénoun (2003) no teatro é o político. Para ele, o
político está na reunião das pessoas e tudo aquilo que envolve esta reunião. Se pensarmos no
exemplo citado acima sobre o espetáculo Pão com Ovo (2015), o político para Guénoun (2003)
estaria em todo o aparato para colocar o espetáculo em funcionamento como, por exemplo, a
divulgação, a venda de ingressos e etc., pois para este teórico, o político no teatro da Antiga
Grécia se dava pela congregação de pessoas em um determinado espaço, ou seja, o horário
marcado, o tempo de reunião e além de tudo, a união de pessoas estranhas para um objetivo em
comum, assistir a uma apresentação teatral.
A reunião de pessoas que saem das suas casas para assistirem a cenas teatrais me
intriga e me=== faz pensar o motivo pelo qual elas se reúnem em um local e horário
determinado. Para Guénoun (2003), esta reunião é política. Sendo assim, posso entender de que
forma o político entra no teatro, ou o teatro entra no político, pois para este teórico, a ideia
política do teatro é:
Quando falamos que vamos ao teatro, significa dizer que vamos à arquibancada,
pois o termo designa o lugar do público, o lugar de onde se vê, como afirma Guénoun:
(A palavra: púbico. Mas também a palavra: teatro. Lembremos que, no lugar teatral
grego, de onde nos vem o termo, “teatro” – théatron – não designa a cena que é
designada pelo termo skênê -, mas sim as arquibancadas onde se senta o povo. Isto
mudará: mais tarde, a palavra passa a dominar, realmente, a área de representação, o
francês clássico vê os atores “sur le théâtre”. E este deslocamento de um espaço à outro
é signo de uma história. Para nós, “teatro” designa por extensão o prédio em seu
conjunto. Mas, no começo, o teatro é lugar do público – do público reunido.)
(GUÉNOUN, 2003, p. 14)
semicircular de uma arquibancada no teatro (também conhecida como teatro de arena ou semi-
arena) permite com que o público veja o ator, a si mesmo e também seus colegas espectadores
observando as suas reações faciais e emocionais diante do que é visto em cena.
Num grupo, para que cada um veja todos os demais, é preciso estar em círculo. O círculo
não é a organização que permite que as pessoas se ouçam (é possível escutar alguém
que está atrás de nós), mas é precisamente a estrutura que permite que as pessoas se
vejam e distingam as demais não como massa, mas como reunião de indivíduos: permite
ver os rostos – reconhecer-se. (GUÉNOUN, 2003, p. 20-21)
[...] o público do teatro não é uma multidão. Nem uma aglomeração de indivíduos
isolados. Este público quer ter o sentimento, concreto, de sua existência coletiva. O
público quer se ver, se reconhecer como grupo, quer perceber suas próprias reações, as
emoções que o percorrem, o contágio do riso, da aflição, da expectativa. É uma reunião
voluntária, fundada sobre uma divisão. É, ao menos como esperança, como sonho, uma
comunidade. (GUÉNOUN, 2003, p. 21).
Com base nas pesquisas de Guénoun (2003), e fazendo um pararelo com as reações
do espetáculo Pão com Ovo (2015) citado anteriormente, o púbico busca ter no teatro, um
sentimento de existência coletiva, tanto pela identificação com a cena, quanto pela identificação
com as reações dos outros espectadores. Como o espectador se identifica por meio da cena
teatral? Por que o texto que está no corpo do ator, dialoga com a realidade destes espectadores.
Dessa forma, o que é apresentado aos olhos e ouvidos do espectador é o próprio texto no corpo.
Página 872 de 2230
Fonte:
Google Imagens (2019)
Segundo Guénoun (2003), o texto é apresentado como uma das razões pela qual o
espectador se reúne na arquibancada. O que lhes é apresentado aos olhos? O corpo do ator.
Mas, o que o corpo do ator traz para a cena? O texto. Este se apresenta como atração aos olhos
pelo corpo do ator, pois é “isto que eles vêm fazer no teatro: ver a passagem do texto pelos
corpos. Ideia curiosa.” (GUÉNOUN, 2003, p. 64)
O texto se manifesta por meio do corpo do ator tendo em vista que a expansão do
corpo em cena possibilita também a comunicação dos diversos elementos simbólicos culturais
nas artes performativas, ideia esta defendida por João Maria André (2012) em sua publicação
Multiculturalidade, identidade e mestiçagem: o diálogo intercultural nas ideias, na política,
nas artes e na religião de forma que o teatro se torna um campo de tradução e, portanto, de
construção de conhecimento uma vez que o espectador, juntamente com o ator, se tornam
participantes na tradução dos elementos simbólicos culturais presentes no “verbo-corpo” do
ator através de uma leitura semiótica e semântica.
A cultura que está no corpo do ator se comunica com os espectadores e dessa forma
temos uma “análise da interculturalidade” nas encenações teatrais (ANDRÉ, 2012). Portanto,
o diálogo intercultural surge no teatro por meio do diálogo entre o espectador e a cena teatral.
O corpo do ator carrega elementos culturais que a percepção do espectador
identifica na cena teatral. Este corpo expande também os limites da comunicação e leva o
espectador a ouvir e ver o texto por meio do corpo. É por isso que o espectador do teatro quer
ver o visível em si, em sua efetividade sensorial. Ver verdadeiramente. Fazer advir diante das
arquibancadas (de si) algo de real, fisicamente apresentado, a ponto desta efetividade da
apresentação tornar-se pouco a pouco sinônimo do próprio teatro. A apresentação desta
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fisicalidade possibilita o surgimento de outro elemento apresentado aos olhos, além do corpo e
do texto, os elementos simbólicos.
O espetáculo Pão com Ovo (2018), por exemplo, é composto por figurinos que
carregam elementos regionais da cultura maranhense. Além dos figurinos, o sotaque e gírias na
fala dos personagens fazem referências a vida cotidiana dos espectadores ludovicenses.
154
Tambor de Crioula ou Punga é uma dança de origem africana praticada por descendentes de escravos africanos no
Estado do Maranhão.
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155
Aquele que tem reminiscências, lembranças. Termo usado na psiquiatria freudiana.
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do seu próprio passado. Sendo assim, o encontro do espectador com a cena é vinculado com a
produção de experiências (DESGRANGES, 2009). E o desenvolvimento desta experiência
possibilita o surgimento do pensamento crítico. Mas, segundo Desgranges (2009), não se trata
aqui de um retorno nostálgico, e sim de um retorno de forma narrativa por meio de uma trama
de espaço e tempo que convida o espectador a mergulhar em si mesmo e produzir uma
“experiência aurática” por meio de uma arte “não-aurática”156. Dessa forma, o espectador
participa do ato artístico já que passa por suas entranhas (DESGRANGES, 2009).
De semelhante forma Augusto Boal fala de dois tipos de auras em sua obra A
Estética do Oprimido (2009). A aura é produzida pelo olhar subjetivo, não pela coisa concreta,
pois existem auras públicas e auras privadas.
Sendo esta afirmação verdadeira – e é! –, podemos dizer que, em menor medida, até
mesmo a cópia de um santinho de igreja ou qualquer amuleto, religioso ou profano,
pode ter sua aura, dependendo da paixão do fiel e da sua relação passional com esse
objeto. Exceções não invalidam regras; existem auras públicas e auras privadas.
(BOAL, 2009, p. 42)
Mais uma vez a obra se relaciona com o espectador de forma íntima. O significado
e importância se encontra no sujeito e não no objeto. A aura, portanto, está no espectador que,
semelhante a Walter Benjamin, entra em contato com a obra dentro de um tempo/espaço, pois,
as " Auras se perdem e se ganham ao sabor do diálogo social, capricho das culturas.” (BOAL,
2009, p. 43).
Outro fenômenos que analiso neste trabalho e que se encontra no campo da
recepção teatral é a sinestesia. Fenômeno também da psiquiatria que impulsiona à uma nova
criação instigado pelos sentidos corporais.
Além dos traços mnêmicos, a sinestesia157 também é um fenômeno que possibilita
tanto o contato com o objeto da arte quanto novas criações por meio dele. Augusto Boal
menciona a sinestesia em sua obra A Estética do Oprimido (2009) quando se refere ao cérebro
e conhecimento. Ele acredita que acontece um fenômeno dentro da estética chamado de
sinestesia que possibilita o diálogo entre os sentidos resultando em novos comportamentos e/ou
pensamentos e criações.
Pois era apenas uma reprodução da verdadeira obra de Cézanne em uma revista.
156
157
Na definição estilística é o cruzamento se sensações; associação de palavras ou expressões em que ocorre
combinação de sensações diferentes numa só impressão.
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Para lá dos debates teóricos e ideológicos há as experiências artísticas que nos mostram
que é possível um mundo em que a cultura transporta pelos nossos corpos, pelas nossas
festas e pelas nossas experiências performativas converge em rituais de unidade e em
celebrações das diferenças que pontuam a nossa comum humanidade. (ANDRÉ, 2012,
p. 209)
Este terceiro momento tem como objetivo relacionar as contribuições dos teóricos
citados anteriormente com o conceito de “acontecimento teatral” de Jorge Dubatti158 (2016).
Jorge Dubatti (2016) entende o teatro como acontecimento teatral. Para ele o
acontecimento teatral é a junção de três aspectos, são eles: o convívio, a poiesis e a expectação.
Este conceito surge de uma disciplina que analisa a relação ontológica do teatro com o mundo
de forma bem minuciosa, com intuito de evidenciar uma “essência filosófica” pouco estudada
na teoria teatral. Dessa forma, o amante de teatro se torna um “filósofo do teatro” (DUBATTI,
2016).
Jorge Dubatti elaborou estas ideias com base na necessidade de novas formulações,
interpretações e pensamentos, a filosofia teatral é uma disciplina que possibilita reanalisar o
158
Crítico, historiador e docente universitário com especialização em teatro. Jorge Dubatti é professor adjunto regular
de História do Teatro Universal da Universidade Nacional de Buenos Aires (UNB), dirigindo o projeto de
investigação UBACyT (História do Teatro Universal e Teatro Comparado: Origem e Desenvolvimento do Teatro da
Vanguarda Histórica – 1896-1939). Coordena a área de investigações em Ciência da Arte no Centro Cultural da
Cooperação Floreal Gorini. Fundador e Diretor desde 2001 da Escola de Espectadores de Buenos Aires. Tem
ministrado disciplinas e seminários sobre História e Teoria Teatral na graduação e pós-graduação em diversas
universidades argentinas e internacionais como professor visitante.
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fazer teatral. Sua finalidade é ajustar à teoria, os métodos e as análises, que já são utilizadas há
muito tempo, para a observação da prática teatral.
No que tange a análise do fazer teatral, encontro conexões do entendimento desses
termos de convívio e expectação com as ideias de teóricos abordados anteriormente, uma vez
que tudo que compõe um espetáculo teatral tem como pilar a relação o espectador e o ator.
Tanto o que é mostrado no palco quanto o que é sentido na plateia estão de certa
forma interligados, pois “o convívio, a poiesis corporal in vivo e a expectação estão a tal ponto
imbricados e são tão inseparáveis na teatralidade que devemos falar em convívio poético-
espectatorial” (DUBATTI, 2016, p. 37). Desta relação, vários fatores foram analisados neste
artigo como a exibição dos elementos simbólicos no corpo do ator, na narrativa, no texto e na
recepção.
A relação de Dubatti com Desgranges e Augusto Boal está nos fenômenos que
compõe a experiência artística do espectador na recepção teatral dentro do convívio entre o ator
e o espectador e entre o espectador e outros espectadores. O convívio dos corpos.
Relaciono o termo expectação apresentado por Dubatti (2016) com o instante onde
os fenômenos da percepção apresentados por Desgranges (2009) acontecem. Neste instante da
expectação onde os fenômenos da sinestesia, dos traços mnemônicos e outros fenômenos
surgem, possibilita ao espectador uma experiência que não se limita apenas a comtemplar a
poiesis, mas que também:
[...] a multiplica e contribui para sua construção: há uma poiesis produtiva gerada pelo
trabalho dos artistas, e outra receptiva. Ambas se estimulam e se fundem no convívio,
resultando em uma poiesis convivial. (DUBATTI, 2016, p. 37)
Este artigo teve como foco contribuir para a compreensão de como funciona o
processo da construção do conhecimento na recepção teatral partindo do ponto de vista
histórico, arquitetônico, antropológico e da recepção teatral analisando os envolvimentos do
espectador durante a recepção e como participante do ato político, uma vez que este ato político
acontece desde o momento em que a hora e o local do espetáculo é marcado. Guénoun (2003)
me auxiliou numa visão histórica sobre a função e posicionamento do espectador na
arquibancada da Antiga Grécia e principalmente onde posso encontrar a função do político no
teatro ainda nos tempos atuais.
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REFERÊNCIAS
Gabriel Braga
Aluno de Comunicação Social - Rádio e TV (UFMA)
Email: gabrielgustavo997@gmail.com
Jorge Sousa
Aluno de Comunicação Social - Rádio e TV (UFMA)
E-mail: jorge_leandroms@hotmail.com
Letícia Mendonça
Graduada em Comunicação Social - Rádio e TV (UFMA)
Email: leticiamendonca4@gmail.com
Maurício Marques
Aluno de Comunicação Social (UFMA)
Email:mauriciomarquescastro@gmail.com
Rakel de Castro
Professora Doutora do Departamento de Comunicação Social/CCSO UFMA. E-mail:
rakeldecastro@gmail.com
Universidade Federal do Maranhão
RESUMO: O presente trabalho pretende apresentar formas de inclusão de alunos com deficiência visual
dentro da rotina acadêmica através de um podcast informativo, possibilitando, assim, aos discentes com
deficiência visual (DV), o conhecimento dos afazeres iniciais dentro da universidade no curso de
Comunicação Social. Partindo de conceitos sobre Educomunicação, acessibilidade, os boletins
informativos, em formato de podcast, irão auxiliar os alunos com deficiência visual a conhecerem seus
direitos, informações sobre horários, turmas e departamentos especializados.
Palavras-chave: Educomunicação. Acessibilidade. Deficiente Visual. Podcast.
ABSTRACT: The present work intends to present ways of inclusion of students with visual impairment
within the academic routine through an informative podcast, thus enabling students with visual
impairment (DV) to know the initial work within the university in the Course of Social Communication.
Starting from concepts about Educommunication, accessibility, newsletters, in podcast format, will help
students with visual impairment to know their rights, information about schedules, classes and
specialized departments.
Keywords: Educomunicação. Accessibility. Visually impaired. Podcast.
1. INTRODUÇÃO
organizado por estudantes das habilitações em Jornalismo, Rádio & TV, e Relações Públicas, para
prestar informações aos recém-chegados alunos. Constatou-se, então, a necessidade da elaboração
de um produto inclusivo para contribuir como suporte na apresentação das dependências do Centro
de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, Campus São Luís, além de auxiliar os
alunos com deficiência visual a conhecerem seus direitos, informações sobre horários, turmas e
departamentos especializados.
Nos últimos anos houve um crescente número de estudantes com um determinado grau de
deficiência ingressantes nas Instituições de Ensino Superior (IES). Percebeu-se que com o Curso
de Comunicação da UFMA não foi diferente. Partindo do pressuposto que um dos principais
papéis da Universidade é a inclusão, acessibilidade e permanência dos estudantes em percurso
educativo e/ou de formação profissional, realizou-se uma pesquisa de Campo dentro da
Universidade Federal do Maranhão, de cunho qualitativo-exploratória e que lançou mão de
entrevistas episódicas com os mais variados setores da IES para construir uma peça sonora e assim
disponibilizar aos alunos deficientes visuais (DV´S) todas as informações essenciais para a
convivência acadêmica (do NTI à biblioteca, do Departamento à Direção de Centro...).
Após a pesquisa e posterior elaboração do produto “Papo de calouro: A Universidade ao
alcance de todos”, podemos observar que a Universidade Federal do Maranhão tem se mostrado
preocupada com a inclusão de alunos com vários tipos de deficiências, ainda assim isso não é
suficiente para a ideia de oferecer igualdade de oportunidades e processos autônomos de uma
construção do conhecimento libertador, como previu Paulo Freire (1984; 2011).
Teoricamente o estudo tentou relacionar educação e tecnologia, numa perspectiva de
pensar a inclusão do estudante cego. Sendo o podcast um produto que pode ser acessado com mais
facilidade na nossa era de cibercultura é compreensível sua utilidade em um ambiente acadêmico
voltado a estudantes deficientes visuais; portanto, indicando a possibilidade de usar tal produto
como uma ferramenta que amplia a acessibilidade na educação.
2. EDUCOMUNICAÇÃO
O termo Educomunicação começou a ser utilizado em meados dos anos 1960 quando
alguns estudiosos perceberam a ligação entre as áreas de Comunicação e Educação e essa ligação
estava condicionada a presença da mídia dentro do processo de formação social dos indivíduos.
Autores da área da Educação como Paulo Freire e da área da Comunicação como Mario Kaplún
foram pioneiros nesse novo tipo de pesquisa. A autora Eliany Machado (2008) da Escola de
Comunicações e Artes de São Paulo (ECA-USP) comenta que a Comunicação, por ser uma área
interdisciplinar, reconhece também o processo de ensino e aprendizagem dentro do próprio Campo
de estudo da Comunicação. Segundo ela:
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Outro conceito relevante que podemos mencionar aqui é do autor Ismar Soares (2002) que
conceitua a Educomunicação da seguinte forma:
Dessa maneira, “de facto a educomunicação tem-se afirmado, nos últimos anos, como um
campo de intervenção social que procura incluir a comunicação no processo da mediação
educacional” (DIEGUES, 2010, p. 33). As ferramentas disponibilizadas pela Comunicação aliadas
as ações educativas, formando a Educomunicação, geram novas possibilidades para que se pense
em práticas de construção da cidadania. Para Cecília Peruzzo:
159
Para mais informações, acesse: <www.eca.usp.br>
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desenvolver essa relação entre Comunicação, Educação e Tecnologia através do aluno cego como
o principal público alvo, mas não estritamente. Ou seja, fazer uso da mídia dentro desse contexto
para auxiliar os discentes do curso em questão. Vitor Diegues (2010) aborda a educomunicação
justamente no contexto escolar, mas suas afirmações também podem ser perfeitamente alocadas
dentro do ambiente acadêmico.
mp3) e Broadcast (transmissão)” Junior e Coutinho (2009). Os programas podem ser acessados
em sites, aplicativos ou podem ser baixados no próprio aparelho celular e ser consumidos off-line,
ou seja, qualquer aparelho que reproduza áudio pode ser usado para acessar os programas e não
só no Ipod, por isso, a pesquisadora Magaly Prado usou o termo “audiocast” em sua dissertação
de mestrado (Carvalho, 2012).
Outro aspecto também importante é a possibilidade de criação de um podcast está no baixo
custo para produzir um programa desse tipo. Praticamente qualquer pessoa interessada e
tendo em mãos algum dispositivo apropriado será capaz de produzir e distribuir o seu conteúdo
via internet. Tábata Flores (2014) explora essa ideia afirmando que:
[...] a grande inovação que o podcasting propõe: o “poder de emissão” na mão do ouvinte.
Com isso, não existe mais uma produção de conteúdo centralizado nas mãos de uma
mídia. Cada usuário produz seu conteúdo descentralizadamente, disponibilizando-o na
rede da melhor maneira que lhe convier (MEDEIROS, 2005, p. 5)
O podcast pode ser usado para diversos fins, entre eles, o que cabe para esse trabalho, a
educação e informação. Em 2006 o pesquisador Marcello Medeiros identificou quatro modelos de
produção de podcast, sendo um deles o modelo “educacional”:
Através desse modelo de podcast é possível disponibilizar aulas, muitas vezes em forma
de edições continuadas, semelhantes aos antigos fascículos de cursos de línguas que eram
vendidos nas bancas de revistas. Algumas experiências estão sendo testadas por
professores que utilizam essa ferramenta como uma forma de disponibilizar aulas
ministradas ou uma como forma de reposição. Na página do Itunes Store, é possível
baixar alguns exemplos de podasts educacionais como o “French Pod Class”, que são
aulas de francês em formato podcast (MEDEIROS, 2006, p. 6).
Esse modelo e tantos outros podem ser encontrados na web em várias plataformas, até o
Google já lançou um aplicativo para acessar somente podcast. Por se tratar de um conteúdo
acessível e pela facilidade também de produção e disponibilidade, é interessante utilizar o podcast
neste trabalho aliando sua produção a educação e acessibilidade.
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Sendo o podcast um produto que pode ser acessado com mais facilidade é compreensível
sua utilidade em um ambiente acadêmico voltado a estudantes deficientes visuais, a sua “forma
de distribuição [...] propicia, para os deficientes visuais, o acesso a materiais em tempos e locais
diversos” (FREIRE, 2008, pg.198), essa característica indica a possibilidade de usar esse produto
como uma ferramenta de acessibilidade na educação.
A utilização de tal produto sonoro tem o propósito de ser um aparato comunicacional
acessível a todos e apresentar aos alunos calouros, entre eles os deficientes visuais, as
dependências da instituição e os serviços oferecidos em cada setor, entretanto, é válido salientar a
importância desses ambientes possuírem condições de acessibilidade física para todos os públicos,
de acordo com as normas estabelecidas na ABNT (2004), como aponta José Manzine:
A Universidade Federal do Maranhão, Campus São Luís160, com pouco mais de 50 anos
de fundação possui um conjunto arquitetônico repleto de prédios, sendo alguns deles modernos e
outros, em sua grande maioria, com estrutura antiga, com vários andares e pouca acessibilidade
aos professores e alunos com mobilidade reduzida. O Núcleo de Acessibilidade (NUACE) da
UFMA tem entre as suas atribuições à função de garantir o acesso às dependências da IES a todos
os alunos com deficiência:
É válido ressaltar que a função de tornar a IES mais acessível não cabe apenas ao NUACE,
sendo uma função e obrigação de todo o corpo de docentes e discentes ao longo dos centros,
departamentos e demais ambientes da instituição. O Centro de Ciências Sociais (CCSO)161, abriga
160
Disponível em: < https://portais.ufma.br/PortalUfma/paginas/fotos_aereas.jsf >
161
Disponível em: < https://portais.ufma.br/PortalProReitoria/proen/paginas/pagina_estatica.jsf?id=66 >
Página 887 de 2230
vários cursos da UFMA e foi um dos primeiros prédios construídos no Campus São Luís. Sua
estrutura antiga possui pouca acessibilidade arquitetônica, entretanto, nos últimos anos foi
possível à instalação de piso tátil (ou podotáteis) e placas em braile em todos os blocos do CSSO,
através dos esforços de professores e coordenadores do Centro, conforme aponta Lindalva Maia
Maciel, Diretora do CSSO, durante entrevista concedida ao podcast Papo de Calouro:
Nos últimos anos é perceptível o crescente número de estudantes com determinados graus de
deficiências nas IES, resultantes das políticas de cotas estabelecidas no Artigo 3º da Lei nº 13.409,
de 28 de Dezembro de 2016, que garante a este público vagas e o acesso nas Universidades:
Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta
Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e
por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas
no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com
deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição,
segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE. (PLANALTO, 2016, s/p)
Ao longo da pesquisa de campo para a construção deste trabalho, foi possível obter a
relação dos alunos atendidos pelo NUACE durante os períodos de 2019 e com esses dados
observar o número de alunos com DV`S no CSSO. Por muitos anos foram caracterizadas pessoas
com deficiência visual aquelas que possuem a cegueira total ou a baixa visão, conforme Barreto e
Barreto:
No grupo das deficiências visuais existem duas categorias, que são a cegueira e a baixa
visão. A cegueira total, ou simplesmente amaurose, pressupõe completa perda de visão.
A visão é nula, isto é, nem a percepção luminosa está presente. É considerado cego
parcial ou baixa visão aquele que apresenta alguma percepção luminosa que possa
determinar formas a curtíssima distância. (BARRETO E BARRETO, 2014, p.41).
Já em 2019, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 1.615/2019162 que classifica
a visão monocular (cegueira em apenas um olho) como deficiência visual, garantindo os mesmos
direitos e benefícios das pessoas com deficiência. Com essa alteração, construímos uma tabela
162
Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/135839 >
Página 888 de 2230
com dados obtidos no NUACE, apresentando a quantidade de alunos DV`S que ingressaram em
cursos do CSSO ao longo de 2019:
A adesão cada vez mais gradativa de pessoas com deficiência nas IES demonstra a
necessidade de políticas mais inclusivas para que todos tenham os mesmos direitos nesses
ambientes, usufruindo e contribuindo para a construção de um saber cada vez mais igualitário com
apoio e respeito mutuo. Conforme aponta Sonza e Santarosa:
Podemos citar como exemplos: os ampliadores de tela [...] as linhas braile [...] a
impressora braile [...] os sistemas NVDA4 e Jaws5 [...] e o navegador de voz que permite
o uso do computador e a navegação na internet por comando de voz. Dentre eles, um dos
mais conhecidos e utilizados é o sistema DOSVOX. (BARRETO E BARRETO, 2014,
p.41).
Para esse trabalho, levamos em consideração o uso do Podcast como um dispositivo que
pode auxiliar os deficientes visuais, além de servir como um elemento educomunicacional,
evidenciando o uso das mídias dentro do processo de ensino aprendizagem.
4. PAPO DE CALOURO.
O projeto Papo de Calouro163 originou-se da observação da semana do calouro, evento
realizado por estudantes veteranos das três habilitações (Relações Públicas, Rádio e TV e
Jornalismo) do Curso de Comunicação Social da UFMA, que durante as primeiras semanas de
cada período letivo organizam o tradicional trote e a partir do período 2016.1, além do trote,
passaram a apresentar as dependências da instituição acadêmica e sanar dúvidas recorrentes aos
alunos calouros, como explica Alessandro Vale et al:
163
Disponível em: < https://soundcloud.com/gabriel-gustavo-3/programa-papo-de-calouro-a-universidade-ao-
alcance-de-todos >
Página 890 de 2230
Ingrid Guterres Simas, Assistente de Gabinete da Biblioteca Central (CEB Velho) foi a
nossa segunda entrevistada e explicou como o estudante pode obter o cartão de acesso único
(CAU) e sobre o Serviço Ledor, que visa auxiliar os DV`S em suas pesquisas acadêmicas:
[...] Orientou como os alunos podem fazer o seu cadastro e sobre os serviços
destinados aos usuários com deficiência visual e baixa visão, por meio do Serviço
Ledor, que foi iniciado em novembro de 2017, onde bolsistas da biblioteca auxiliam
nas leituras, interpretação de imagens e nos trabalhos acadêmicos, disponibilizando
duas salas, lupas eletrônicas e computadores. (BRAGA, Gabriel; et al. 2019, s/p).
Página 891 de 2230
O passo seguinte às entrevistas foi à parte técnica do trabalho, com a criação do roteiro,
decupagem, onde analisamos as informações mais pertinentes que deveriam estar contidas na peça
sonora, a gravação das vinhetas, locução e edição do produto sonoro:
A etapa final foi à criação de paper sobre o podcast e o processo de divulgação, que iniciou
na própria disciplina Educação e Tecnologia, apresentando um seminário sobre a parte escrita e a
peça sonora. Em seguida, participamos do Congresso Regional Intercom Nordeste 2019164, onde
o trabalho figurou entre os 05 melhores da região. Foi possível fazer a divulgação também por
meio de uma matéria165, elaborada pela a Assessoria de Comunicação (ASCOM) e publica no site
da instituição e uma matéria veiculada pela TV Universitária (TV UFMA). 166
Com todo esse acervo em mãos (podcast, papper e matérias), resolvermos enviar por e-
mail e por mensagens privadas nas redes sociais para outros setores da instituição, a exemplo
Rádio Universitária, Diretório Acadêmico, NUACE e também gravar tudo em mídia física (CD´S)
e entregarmos nos locais que colhermos as entrevistas, como forma agradecimento como nova
forma de divulgação. A Professora Flávia Moura, que leciona a disciplina Teorias da
Comunicação, ofertada no primeiro período para as três habilitações de Comunicação Social, nos
permitiu apresentar o podcast aos alunos em um breve bate papo durante a ministração da sua
aula.
164
Disponível em: <http://www.portalintercom.org.br/publicacoes/jornal-intercom/2019-2/02-2-2-2/ano-15-n-451-
sao-paulo-12-de-fevereiro-de-2019-issn-1982-372/chamadas-1333/confira-o-site-do-congresso-regional-intercom-
nordeste-2019 >
165
Disponível em: < https://portais.ufma.br/PortalUfma/paginas/noticias/noticia.jsf?id=54826>
166
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=9LoERn1Egvo >
167
Disponível em: <https://portais.ufma.br/PortalUfma/paginas/noticias/noticia.jsf?id=54580 >
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É válido ressaltar que uma das formas que utilizamos para demonstrar a importância da
inclusão de todos, em especial dos DV´S neste trabalho, foi destinar a Maurício Marques, aluno
deficiente visual e membro desta equipe, a função de realizar as entrevistas, locução do podcast e
a apresentação do papo de calouro nos seminários, pois somente com o tratamento igualitário entre
as pessoas poderemos criar uma Universidade e uma sociedade melhor, a exemplo do que
enfatizamos nos minutos finais da nossa peça sonora.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS:
BARRETO, Maria Angela de Oliveira Champion; BARRETO, Flávia de Oliveira Champion.
Educação inclusiva: contexto social e histórico, análise das deficiências e o uso das
tecnologias no processo de ensino-aprendizagem – 1ed, - São Paulo. Érica, 2014.
BRAGA, Gabriel et al. Portal Intercom. Disponível em: <
http://portalintercom.org.br/anais/nordeste2019/expocom/EX67-0407-1.html > Acesso em: 24
jan.2020.
MANZINE, Eduardo José. Inclusão e acessibilidade. Disponível em: <
https://www.unifio.edu.br/wp-content/uploads/2019/07/Inclus%C3%A3o-e-Acessibilidade.pdf >
Acesso em: 21 jan.2020.
PLANALTO. Lei N° 13.409, de 28 de Dezembro de 2016. Acesso em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13409.htm#art1 > Acesso em:
20 jan.2020.
PROEN. Atribuições do Núcleo de Acessibilidade (NUACES). Disponível em: <
https://portais.ufma.br/PortalProReitoria/proen/paginas/pagina_estatica.jsf?id=43 > Acesso em:
21 jan.2020.
QUIXABA, Maria Nilza Oliveira. A inclusão na educação: Humanizar para educar melhor.
São Paulo: Paulinas, 2015.
SONZA, Andréa Polleto; Santarosa, Lucila Maria Costi. Ambientes digitais virtuais:
Acessibilidade aos deficientes visuais. Disponível em: <
https://www.seer.ufrgs.br/renote/article/view/13637/7715 > Acesso em: 21 jan.2020.
VALE, Alessandro Borges Carvalho et.al. Evento como forma de Compreensão, Integração e
Relacionamento: Semana do Calouro Comunicação Social 2016.1 da UFMA. Acervo do autor
MEDEIROS, Marcello S. Podcasting: produção descentralizada de conteúdo sonoro. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 28, 2005. Rio de Janeiro.
Disponível em: Acesso em 18 março 2014.
Resumo: Inclusão educacional é um direito assegurado aos surdos pelas principais leis de
acessibilidade vigente em nosso País. O uso de tecnologias assistivas (TA) no ambiente escolar é
uma forma de inclusão eficaz, que visa facilitar a interação comunicativa entre surdos e ouvintes,
promovendo ao surdo sua autonomia linguística e contribuindo para a qualidade do seu
aprendizado. O presente artigo tem como objetivo geral analisar o uso de TA para o processo de
inclusão de surdos no Instituto Federal do Maranhão – IFMA, campus Zé Doca. A pesquisa foi
exploratória baseada em estudo de caso com aplicação de questionário e com observação de
atuação de professores e intérpretes em sala de aula. Os dados levantados foram analisados
baseados nos autores MANZINI (2005), BENVENUTO (2006), BERSCH; MACHADO (2012),
que tem estudos sobre o uso de tecnologia para inclusão e acessibilidade de surdos. Os resultados
evidenciaram que o Instituto realiza a inclusão de surdos desde o momento do ingresso até sua
conclusão, principalmente, com o Tradutor Intérprete da Língua de Sinais – TILS para realizar a
mediação entre professores e estudantes surdos por meio da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Entretanto, percebemos que, apesar da presença de TILS ainda são necessários maiores
investimentos em recursos de tecnologias assistivas e em capacitação profissional.
Palavras-chave: Tecnologias Assistivas. Inclusão. Surdos. Acessibilidade.
Abstract: Educational inclusion is a right guaranteed to the deaf by the main accessibility laws in
force in our country. The use of assistive technologies (AT) in the school environment is a form
of effective inclusion, which aims to facilitate the communicative interaction between deaf and
listeners, promoting deaf their linguistic autonomy and contributing to the quality of their learning.
This article aims to analyze the use of AT for the inclusion process of deaf people at the Federal
Institute of Maranhão - IFMA, campus Zé Doca. The research was exploratory based on a case
study with the application of a questionnaire and observation of the performance of teachers and
interpreters in the classroom. The data collected were analyzed based on the authors MANZINI
(2005), BENVENUTO (2006), BERSCH; MACHADO (2012), who has studies on the use of
technology for inclusion and accessibility for the deaf. The results showed that the Institute
performs the inclusion of deaf people from the moment of admission until its conclusion, mainly
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with the Sign Language Interpreter Translator - TILS to mediate between teachers and deaf
students through the Brazilian Sign Language - Libras. However, we realized that, despite the
presence of TILS, greater investments in assistive technology resources and professional training
are still needed.
1. INTRODUÇÃO
A tecnologia assistiva pode ser utilizada em todo espaço escolar, de uma forma inovadora,
criativa e planejada, proporcionando inclusão e acessibilidade aos alunos, em especial aqueles
com necessidades educacionais específicas para obter uma aprendizagem mais significativa.
Diante disso, o este artigo buscou analisar a presença e o uso de tecnologias assistivas para
o processo de inclusão dos surdos no Instituto Federal do Maranhão – IFMA, campus Zé Doca. A
instituição foi escolhida por ser considerada inclusiva e ter estudantes surdos e profissionais com
conhecimentos específicos na área da surdez.
A pesquisa foi norteada pelas perguntas: Qual a importância das Tecnologias Assistivas
para promover a inclusão escolar nas instituições educacionais? De que forma as Tecnologias
Assistivas possibilitam um processo de ensino aprendizagem satisfatório? Como as Tecnologias
Assistivas, estão sendo trabalhadas no ambiente escolar? Os questionamentos serviram para
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A inclusão significa basicamente deixar de excluir o aluno, para que ele seja parte
integrante da escola, ou seja, sendo visto como cidadão, um ser humano capaz de realizar todas as
atividades educacionais em sala de aula.
[...] A palavra do surdo se expressa através da língua de sinais. [...] A surdez começa
então a metamorfosear-se naqueles que, ainda que seu ouvido funcione perfeitamente, se
tornam incapazes de escutar uma palavra que se expressa de maneira diferente da sua. É
a presença do outro que escuta ou que não quer ouvir que começa a definir o “ser surdo”
(BENVENUTO, 2006, p. 228).
Apenas matricular e inserir alunos com necessidades educacionais, como a surdez, não é
fazer inclusão. Se assim fizer, na verdade estamos excluindo, em vez de incluir, porque quando o
aluno surdo é matriculado na escola, sem assistência este passa a ser um estrangeiro em sua própria
sala de aula. A educação inclusiva começa verdadeiramente quando o surdo interage com os seus
colegas e professores desenvolvendo suas capacidades cognitivas, onde o ambiente escolar é
favorável à sua aprendizagem fornecendo subsídios para que o surdo se sinta acolhido como parte
do processo educacional, tendo acesso aos conteúdos trabalhados através da Língua de Sinais.
Segundo Sassaki (1997, p. 167) “a sociedade deve adaptar-se às necessidades das pessoas
com deficiência para que estas possam desenvolver-se em todos os aspectos de sua vida.” Dessa
forma verifica-se que, a escola precisa estar preparada e equipada para atender o surdo, pois não
é o aluno com necessidade que deverá adaptar-se sozinho, mas a sociedade, em especial a escola
precisa cumprir seu papel de fornecer recursos, ferramentas e serviços para a inclusão desde o
ingresso, a permanência e a conclusão do curso deste aluno.
A Lei 13.146/2015, chamada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI),
e também conhecido como “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, foi criada “destinada a assegurar
e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”. Nesta perspectiva, a escola
precisa ter pessoas que saibam se comunicar com o surdo, utilizando a Libras na comunicação
para viabilizar o processo de ensino aprendizagem. Nessa situação, insere-se a figura do Tradutor
Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - TILS em sala de aula para auxiliar os surdos na
compreensão dos conteúdos curriculares e para mediar à comunicação entre professores e alunos
em Libras. Quadros (2004, p. 11) conceitua o profissional TILS como a “pessoa que traduz e
interpreta a língua de sinais para a língua falada e vice-versa em quaisquer modalidades que se
apresenta - oral ou escrita”.
Os profissionais de todas as áreas devem ter capacitação linguística em Libras para atender
a demanda dos alunos surdos, principalmente, os professores. Os professores precisam elaborar
estratégias, com metodologia inclusiva que atenda adequadamente a prática educativa e assegure
a qualidade do processo ensino e aprendizagem.
A escola deve incluir os surdos para que estes consigam progredir, em sentido de
conhecimento e adquiram sucesso profissional, acadêmico e pessoal. Entretanto, é um grande
desafio promover a inclusão através de implementação de tecnologias assistivas nas instituições
de ensino por requerer esforço de todos os indivíduos envolvidos no processo, direta ou
indiretamente. A sociedade precisa se mobilizar em promover a educação inclusiva, entre outros
quesitos, por ser um direito dos surdos assegurado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, no
art. 28, nos incisos IV a XIV.
No entanto, sabemos que promover e efetivar a inclusão na escola não é uma tarefa fácil,
ainda que necessária. A escola tem que se adequar; ou seja, as barreiras atitudinais e
comunicacionais devem ser superadas, bem como os professores precisam se especializar, a fim
de melhor atender aos alunos com necessidades especiais. Segundo Rosseto (2005), a inclusão
escolar se refere a todo o sistema, desde o vigia, zeladores, até os diretores e professores.
capacidade de entender e aplicar informações por meio da percepção aguçada de outros sentidos,
que no caso dos surdos, ocorre por meio da visão. Felipe (2006), enfatiza esta capacidade ao dizer
que a:
Libras é uma língua de modalidade gestual-visual que utiliza, como canal ou meio de
comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais que são percebidos pela visão;
portanto, diferencia da Língua Portuguesa, uma língua de modalidade oral auditiva, que
utiliza como canal ou meio de comunicação, sons articulados que são percebidos pelos
ouvidos. (FELIPE, 2006, p. 21).
O surdo é um sujeito visual, então ele capta as informações com maior facilidade por meio
de vídeos, softwares e aplicativos com textos e imagens, entre outros. Todos esses recursos podem
ser considerados Tecnologias Assistivas, por auxiliarem os alunos surdos a realizarem e
entenderem tarefas. Por exemplo, o aparelho de celular pode ser usado pelo professor para diversas
atividades: mensagens de textos curtas, simples e objetivas, chamadas por vibração, recursos e
estímulos visuais como imagens, cores e figuras, bem como aplicativos de dicionários, software,
sistemas de legenda e avatares em Libras.
O Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES foi à primeira escola para surdos no
Brasil, criada durante o império em 1856. A instituição tem um site em que disponibiliza materiais
diversos para ajudar na inclusão e acessibilidade linguística de surdos. Os recursos disponíveis na
plataforma podem auxiliar o professor e o Tradutor Intérprete de Libras em sala de aula. O
Dicionário Ilustrado de Libras é um desses recursos, pois oferece a possibilidade de traduzir sinais
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para o português e vice-versa. A Figura 3 ilustra um exemplo de como esse dicionário online
funciona e como disponibiliza as informações sobre uma palavra pesquisada.
O uso de TA não envolve somente uso de softwares digitais e aplicativos web, mas todos
os instrumentos, estratégias ou metodologias que ampliam as potencialidades dos surdos e
auxiliam na assimilação dos conhecimentos promovendo sua autonomia.
Fazer TA na escola é buscar, com criatividade, uma alternativa para que o aluno realize
o que deseja ou precisa. É encontrar uma estratégia para que ele possa “fazer” de outro
jeito. É valorizar o seu jeito de fazer e aumentar suas capacidades de ação e interação, a
partir de suas habilidades. É conhecer e criar novas alternativas para a comunicação,
mobilidade, escrita, leitura, brincadeiras, artes, utilização de materiais escolares e
pedagógicos, exploração e produção de temas através do computador e etc. é envolver o
aluno ativamente, desafiando-o a experimentar e conhecer, permitindo assim que
construa individual e coletivamente novos conhecimentos. É retirar do aluno o papel de
espectador e atribuir-lhe a função de ator [...] (BERSCH, 2006, p. 22).
Matos (2015) salienta também, a necessidade de uso da TA, ao dizer que “a sociedade
precisa garantir a essas pessoas (surdos) a possibilidade de ter uma participação ativa nesses
espaços educacionais, dentre elas as IES, sem obstáculos que os impeçam acessar, permanecer e
concluir seus estudos” (MATOS, 2015 p.8). Compreende-se então, que as escolas necessitam criar
maneiras de desenvolver um ensino de qualidade, respeitando as diferenças e garantindo a inclusão
dos seus estudantes surdos para que estes consigam ter êxito no seu processo de educação formal,
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O uso de sistema interativo como lousa digital e outras tecnologias são estimulantes e
auxiliam os surdos. Desta forma, as tecnologias são grandes aliadas no processo de aprendizagem
e precisam ser efetivadas. Sendo assim, o uso e conhecimentos de TA se fazem necessários no
ambiente escolar, a fim de estimular o raciocínio e o desenvolvimento intelectual de pessoas com
deficiência, que no caso dessa pesquisa são surdos.
4. METODOLOGIA
foi aplicado no dia 04 de junho de 2019, para 06 (seis) monitores que estavam na instituição.
Depois foi encaminhada uma cópia do questionário no Google Forms para 02 (dois) monitores
ausentes, para o Tradutor Intérprete de Libras - TILs e para o professor de educação especial.
6
5. Ausência de TA inviabiliza inclusão.
Os dados da tabela 2 foram construídos a partir das respostas dos entrevistados a respeito
das Tecnologias Assistivas que estão sendo utilizadas na instituição.
Fonte: Autora.
168
Gráfico 01 – Resultado do levantamento de dados no questionário aplicado aos monitores do NAPNE, professor
de Educação Especial e TILS, sobre o uso de Tecnologia Assistiva, no IFMA – campus Zé Doca.
169
Os números se referem às respostas positivas sobre o uso de TA utilizadas pelos entrevistados.
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A tabela 2 apresenta que as Tecnologias Assistivas mais usadas no IFMA, Zé Doca, são
TILS, recursos visuais e materiais impressos, apesar da ausência de aplicativos na instituição os
170
monitores utilizam seus celulares como suporte para o aplicativo Hand Talk para auxiliá-los
em relação ao vocabulário. Os entrevistados apontam que a ausência de TA como: aplicativos de
tradução, jogos e quadro interativo dificultam a qualidade da acessibilidade linguística dos surdos.
170
Aplicativo de celular com personagem virtual Hugo, avatar em animação 3D, criado para traduzir do português
para a Língua Brasileira de Sinais. Fonte: http://www.handtalk.me/app
Página 908 de 2230
O professor precisa estar adequado a essa nova situação. Para muitos alunos, o mundo
digital parece familiar, pois eles nasceram na Geração Net. Os docentes, por sua vez,
precisam conhecer e se adaptar a essa nova realidade. Nesse caso, a situação se agrava,
sendo indispensável à formação adequada. (EMER 2011, p.35)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As tecnologias assistivas são imprescindíveis para a inclusão escolar, por oportunizar aos
alunos surdos dignidade e respeito, melhorando assim o seu processo de aprendizado que é direito
garantido pelo Decreto 5.626/2005 e pela Lei 13.146/2015, que regulamentam a formação de
profissionais em Libras e a inclusão em todos os espaços públicos e privados.
Verificamos que na instituição ocorre a inclusão por meio de Tradutor intérprete de Libras,
recursos visuais e materiais impressos. Todos recursos de Tecnologias Assistivas que são usados
com o objetivo de eliminar barreiras linguísticas entre professores e alunos no ambiente escolar.
O profissional Tradutor Intérprete de Libras é preponderante para mediar o ensino e a
comunicação entre o professor e o surdo no IFMA, sem o TILS o surdo fica alheio às informações
ministradas, não conseguindo interagir com o professor e com os colegas, dificultando seu
aprendizado. No entanto, destacamos que ter um intérprete de Libras na escola não é o suficiente,
são necessários outros recursos para promover a acessibilidade como materiais didáticos e
paradidáticos em Libras, vídeos legendados, entre outros.
A informática cada vez mais faz parte do nosso cotidiano por vivermos numa constante
transformação e evolução tecnológica. Sendo assim, os profissionais da educação precisam
acompanhar o ritmo tecnológico, considerando que TA pode ser uma grande aliada aos estudos,
conferindo maior independência e autonomia aos estudantes, principalmente, as pessoas com
deficiência, como os surdos. Um dos caminhos na execução dessa tarefa é a consolidação de
políticas públicas que visem mais recursos e formação de professores em inclusão e acessibilidade
para o uso de recursos tecnológicos assistivos para alunos e professores. Os recursos vão
oportunizar mais autonomia de conhecimento e aprendizado aos professores e alunos, porém se
não houver capacitação dos docentes para usar os recursos tecnológicos, o investimento não
conseguirá atender com qualidade os alunos com deficiência. Os profissionais somente poderão
utilizar melhor as tecnologias se souberem manusear os equipamentos e souberem suas
finalidades. Assim, poderão potencializar suas práticas pedagógicas e o aprendizado do surdo.
REFERÊNCIAS
_______, Machado. Tecnologia Assistiva- TA: Aplicações na Educação/ Módulo III. Santa
Maria, 2012.
_______, Tonolli José; Introdução à tecnologia assistivas. Porto Alegre: CEDI (Centro
Especializado em Desenvolvimento Infantil), 2013. Disponível em
http://www.assistiva.com.br/Indroducao_Tecnologia_Assistiva.pdf acesso 20/04/2019.
BRASIL. Decreto nº 5.626. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe
sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de
2000. Diário Oficial da União, Brasília, 22 de dezembro de 2005.
________. Lei Nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em
17/01/2020.
EMER, Simone de Oliveira. Inclusão Escolar: Formação docente para o uso das TICs
aplicada como Tecnologia Assistiva na sala de recurso multifuncional e sala de aula. Porto
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ABSTRACT: For decades, fish was the main source of survival in riverside communities. The
diversity of fish in a river is an indicator of their availability and their preservation is necessary.
The study environment is the Mearim River more precisely in the city of Pedreiras, one of the
main rivers in the state of Maranhão and the main river in its hydrographic basin that also bears
its name. It was defined as a study area within the Municipality of Pedreiras, in the Middle Course
of Mearim using GPS. The data collection was preceded by informal interviews with former
fishermen, incursions into the field for the purpose of land and aerial photographic recording, in
addition to the survey of local environmental conditions such as the use of soil and riparian forest.
Studies with this purpose are of great importance, since such surveys provide subsidies for the
elaboration of public environmental policies and planning of land use as well as the preservation
of ichthyofauna in aquatic environments.
Keywords: Riparian Forest, Mearim River, Pisco, Land Use.
INTRODUÇÃO
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Os estudos voltados à compreensão das alterações relativas quanto ao uso do solo e sua
cobertura do solo são bastante relevantes para a compreensão de sua dinâmica independentemente
da escala, bem como seus impactos nos mais diversos âmbitos como por exemplo o ambiental,
econômico, social, etc. (ANDRADE; RIBEIRO; LIMA, 2015); (COLDITZ et al. (2012).
Na região estudada, a pecuária ocupa imensas extensões ao longo do Mearim, tal fato gera
danos silenciosos ao longo de toda a sua bacia, canais de abastecimento são assoreados por
ausência de vegetação ciliar em seu entorno, aliado a tal prejuízo, menciona-se que inúmeras
nascentes não mais existem, ocasionando a passos largos o que não se deseja ver, o assoreamento
e por fim, a morte do Mearim.
Lentamente, o Mearim vem perdendo recarga de suas águas por seus contribuintes, ao
andar em meio às pastagens (em grande parte degradadas) próximas ao rio, se vê que muitos canais
não são mais profundos ou simplesmente encontram-se bastante rasos em função do deslocamento
de solos vindo das partes superiores.
O estreitamento da vegetação ciliar ao longo do rio é perceptível por terra ao penetrar áreas
mais próximas de suas margens, percebe-se que, a faixa existente não apresenta a largura ideal
conforme preconiza a legislação vigente, fato que resulta noutro fator agravante, a redução no
número dos pontos de desova, fato percebido durante as entrevistas informais realizadas nas
visitações em campo.
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Contudo, tal decréscimo nestes pontos implica diretamente na reprodução dos espécimes,
bem como na variedade e oferta, cada vez menor. Como exemplo, cita-se o surubim
(Pseudoplatystoma corruscans) espécie bastante ameaçada. Na década de 1990, era comum ver
pescadores com exemplares de surubim maiores que 1,00 metro, atualmente, dificilmente
exemplares com tamanho superior a 50 centímetros.
Outras espécies de menor valor comercial, porém com grande importância social é a
branquinha, a mesma anda comprometida em função de não acompanhar a sua procura, pois
pescadores utilizam redes com malha cada vez menor, capturando os menores espécimes.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Caracterização do município de Pedreiras
Figura
01: Limites do Município de Pedreiras. Fonte: Dados da pesquisa (2019).
O Município em questão tem seu território inserido na Bacia Hidrográfica do rio Mearim,
a maior do estado do Maranhão, ocupando cerca de 29,84% da área do estado, com extensão de
99.058 quilômetros quadrados, abrangendo 83 municípios cuja população totaliza 1.681.307
habitantes, 25,6% da população do Maranhão, a sede municipal, está alocada nas coordenadas
UTM (Universal Transversa de Mercator) E: 544702.47 e N: 9494410.52, MC: 45, conforme
IBGE (2010).
O principal rio desta bacia é o Mearim, um dos mais importantes do estado do Maranhão.
O rio Mearim possui 930 (novecentos e trinta) quilômetros de extensão, nascendo na serra da
Menina, entre os municípios de Formosa da Serra Negra, Fortaleza dos Nogueiras e São Pedro
dos Crentes a uma altura aproximada de 400 a 500 metros (CODEVASF, 2019).
Geomorfologicamente o Mearim é dividido em três cursos: Alto Mearim, que vai de suas
cabeceiras até a barra do rio das Flores possuindo 400 (quatrocentos) quilômetros de extensão. O
Médio Mearim inicia-se a partir da barra do rio das Flores até Seco das Almas, localidade situada
após a cidade de Bacabal, compreendendo um trecho cuja extensão é de 180 (cento e oitenta)
quilômetros. Por fim, o Baixo Mearim, que se inicia a partir do Seco das Almas até a Baía de São
Marcos, num trecho que compreende 170 (Cento e setenta) quilômetros (CODEVASF, 2019).
Segundo GUERRA (1955, p.450) apud Feitosa e Almeida (2002, pág. 35) que, utilizando-
se da classificação climática de Köppen (1948), aponta em seu trabalho Tipos de Clima do
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Nordeste a existência de somente um tipo de clima no Maranhão que é Aw, acolhendo a existência
de uma variação para o subtipo Aw’.
Após a coleta dos pontos de interesse, foram criados arquivos do tipo polígono
georreferenciados no formato shapefile utilizando o software Quantum Gis (Qgis) contendo as
referências necessárias para a construção de uma base cartográfica da área estudada, objetivando
a confecção dos mapas de uso do solo.
consegue alcançar o então território do Alto Mearim, hoje Médio Mearim (FERNANDES, 2012),
local onde estava situada as terras pedreirenses, um marco que propiciou a ocupação de uma região
que há séculos encontrava-se isolada. Partindo do princípio de que a localidade é dotada de
riquezas naturais como terras férteis e águas a atenção dos aventureiros em busca de tais recursos
para trabalhar foi despertada.
De acordo com Lago (1976), “O ano de 1877 foi de grande importância para Pedreiras,
pois, àquele tempo ali chegaram mais de cem famílias nordestinas perseguidas pela seca. ”. Estes,
tinham sua força braçal “aproveitada” nas lavouras de arroz e algodão, culturas em franca
expansão e que ditavam a economia na época.
EMBRAPA (2013), menciona que nos anos de 1970, o Maranhão atingiu a primeira
colocação na produção nacional de arroz em terras altas e atingiu a segunda colocação na produção
total de arroz, cujas áreas produtivas ocupavam 20% das áreas de cultivo no país e participando
com 18% da produção nacional.
Ao longo das incursões a campo, pode ser perceber a diversidade no tocante ao uso do
solo, onde logo notou-se a ausência de instruções técnicas ou de quaisquer conhecimentos
voltados à preservação/conservação do solo e, por conseguinte dos recursos hídricos, uma vez que
a área abordada é margeada por um dos mais importantes rios do estado do Maranhão.
Tratando-se de zona rural, o uso do solo é bastante diversificado, dos quais observou-se
criação de porcos em chiqueiros construídos à base de alvenaria, porém bem próximos do rio,
balneários, pecuária, culturas de ciclo curto (vazantes), roça de toco ainda bastante comum e o
próprio povoamento humano que traz consigo uma vasta gama de problemas, dentre eles o
descarte de água servida e dejetos humanos diretamente no rio
Figuras 02 e 03: Cultivo temporário às margens do rio Mearim. Fonte: Dados da pesquisa, 2019.
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Conforme citado anteriormente, a roça de toco que ainda é largamente utilizada sobretudo
em todo o estado e não diferentemente das demais regiões do estado, na localidade estudada tal
prática ao longo dos anos foi a grande responsável pelo desmatamento senão por grande parte
destes. A prática consiste na derrubada da vegetação e posteriormente sua queima ou coivara,
como resultado obtém-se as cinzas, que são utilizadas (HADLICH, 2002) como adubo na correção
da acidez do solo. Este modelo agrícola trazido pelos colonizadores e que diversos autores
consideram como sendo oriundo da cultura indígena, era a derrubada de mata com posterior
queimada ou coivara, usando a cinza resultante como adubo (RENAUX, 1995 apud HADLICH,
2002).
Figura 04: Roça de toco próximo da mata ciliar. Figura 05: Roça de toco queimada e encoivarada.
Fonte: Dados da pesquisa, 2020. Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
A região de Pedreiras é bastante conhecida por sua vultuosa produção de banana, segundo
IBGE (2015), foram produzidas 7.135 toneladas do fruto, em 493 hectares, com rendimento médio
de 14.473 kg/hectares, elevando o Município à primeira posição segundo o ranking da Instituição,
tal fato justifica-se em função da qualidade dos solos e das imensas áreas destinadas para a cultura.
É sabido que as grandes civilizações tiveram sua origem próximo aos cursos d’água, como
por exemplo a Mesopotâmia, e, partindo deste princípio diversas são as comunidades existentes
ao longo das margens do rio Mearim, dentre elas o Povoado Pau D’árco.
Conforme a figura 06, vê-se diversas residências encravadas na área de várzea do rio,
ficando suscetíveis às inundações nos períodos de grandes cheias, conforme ocorreu no ano de
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2009, várias residências do Povoado São Raimundo (vizinho a este) sofreram como o aumento do
nível do rio e, segundo relatos, houveram dois desabamentos de residências.
Figura 06: Vista aérea do Povoado Pau D’Árco. Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
Apesar de ribeirinhas muitas comunidades não sobrevivem somente da pesca, nas mesmas
há diversas formas de sobrevivência como pequenas criações de gado, mercearias, bares, oficinas
de manutenção de motocicletas e outra prática bastante antiga, denominada agricultura de vazante.
Segundo EMBRAPA (2004), as vazantes: “São as faixas de terras situadas às margens dos
açudes, barragens, lagoas e leitos dos rios, que são cobertas pelas águas durante o período chuvoso
e descobertas durante a época seca”.
Nesta prática, são desenvolvidas culturas como milho, vinagreira, quiabo, maxixe,
melancia, pepino dentre outras, onde parte da produção é comercializada entre os produtores e os
feirantes no Mercado Municipal de Pedreiras além da Feira da Agricultura Familiar promovida
pela Prefeitura Municipal de Pedreiras, em apoio ao desenvolvimento econômico.
Cabe lembrar que, conforme apresenta a figura 07, vê-se um estreitamento da mata ciliar
que margeia o rio, onde, esta mostra-se estreita se comparada à área descoberta, bem como canais
de drenagem (figura 08) que desaguam no rio sem qualquer cobertura vegetal, contribuindo para
o aumento da carga de sedimentos depositada no leito do rio, onde, de acordo com Addiscott
(1997) apud Santos e Sparovek (2011), “Quando localizadas em áreas agrícolas, previnem ou
minimizam a movimentação de sedimentos gerados durante o processo erosivo.”
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Figuras 07: Vazante próximo do rio Mearim. Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
Figura 08: Canal de drenagem com ausência de mata ciliar em seu entorno. Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
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Figura 09: Exemplificação de uso do solo observado na área de estudo. Dados da Pesquisa, 2019.
Segundo relatos de antigos moradores, a várias décadas atrás, antigos lagos tiveram se
barramento aberto, para que fosse aproveitado a sua área com pastagens adaptadas às áreas
alagadiças. Da mesma forma, o desmatamento próximo aos canais de drenagem colabora aos
poucos para o assoreamento do Mearim.
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Figuras 10 e 11: Pecuária próximo a área de estudo e pastagem de capim Mombaça. Dados da pesquisa 2020.
Por representar sinônimo de prosperidade, a pecuária ao longo dos anos veio de encontro
à substituição da orizicultura, os antigos campos de arroz foram deixados de lado e cederam seu
lugar às pastagens africanas como Mombaça (Megathyrsus maximus), braquiária (Brachiaria
brizantha Satrf), dentre outros. Mesmo se tratando de pequenas propriedades a pecuária bovina
tem o seu espaço garantido e divide o ambiente com a ovinocultura, suinocultura e avicultura,
mesmo que em menor escala.
A importância deste rio para o estado é tamanha que ao longo de seu curso suas águas são
drenadas para a dessedentação de milhares de maranhenses, abastecer incontáveis rebanhos
bovinos e atende às demandas de projetos de irrigação além de servir como fonte de alimento para
todas as cidades ou pelo menos grande parte das cidades por ele banhadas.
Figura 12: Usina de bombeamento da Termelétrica Parnaíba. Fonte: Dados da Pesquisa, 2020.
Dotado de rica fauna, o rio Mearim sofre com a grande pressão em seus estoques
pesqueiros, onde com base em relatos de pescadores, observou-se que o volume de pescado já não
é mais o mesmo de outrora. Era comum chegar nas comunidades ou no cais próximo à rodoviária
municipal e se deparar com surubins de cerca de 1 (hum) metro de comprimento ou pouco mais
que isso, atualmente, algo raro de se encontrar nas águas pardacentas deste rio.
Segundo os pescadores, os possíveis locais de reprodução dos peixes ao longo do rio foram
alterados ou não existem mais, o que impede a sua reprodução. É cada vez mais comum observar
a menor oferta dos peixes de maior valor comercial oriundos do rio Mearim.
A ausência de consciência ambiental por parte dos pescadores exerce uma grande pressão
sobre os estoques de pescado do rio. Cada vez, mais estes utilizam redes de pesca e tarrafas com
malhas menores capturando espécimes fora do tamanho ideal para consumo. Mesmo no período
de defeso “Piracema” a captura não cessa. Ao chegar no principal ponto de venda do Município
(Mercado do Peixe) verifica-se abertamente a venda livre dos pescados sobre os balcões.
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Figuras 13 e 14: Pescado com tamanho irregular à venda no Mercado do Peixe em Pedreiras.
As águas servidas, como as utilizadas nas pias de cozinha e águas oriundas de máquinas
de lavar roupas, vem carregadas de diferentes poluentes. Mesmo diante da modernidade, fatos
culturais são percebidos, ao longo de todo o curso do rio Mearim, a lavagem de roupas diretamente
nas águas deste ainda é uma prática bastante comum.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fertilidade das águas do Mearim é um capítulo à parte. De lá já saíram para outros estados
o suculento surubim, peixe de alto valor comercial e até hoje bastante procurado, porém, em
escassez.
Registra-se aqui a preocupação com futuro do rio nas próximas décadas, pelo risco de sua
morte em função dos maus tratos por ele sofridos e o lado estático do poder público com relação
ao mesmo. É necessário lembrar a importância do Mearim tem para o estado, o mesmo doa suas
águas para dessedentar milhares de maranhenses, animais e manter uma fauna e ictiofauna
invejável, além, de mais recentemente, ceder água para um dos maiores empreendimentos
voltados à geração de energia do País, a Usina Termelétrica Parnaíba, que faz o aproveitamento
da produção de gás do Mearim, sobretudo das cidades de Lima Campos, Pedreiras e Trizidela do
Vale.
Mas os cuidados com o rio iniciam-se pelo manejo dos solos que o margeiam e de sua mata
ciliar, muito se ouve falar dela e de sua importância crucial no equilíbrio ecológico e funcional do
rio, porém, esquece-se dos reais cuidados e atenção não dados à mesma e de sua importância para
a manutenção e o desenvolvimento da ictiofauna local.
É praticamente impossível pensar na sobrevivência do rio sem pensar nos solos em seu
redor, a qualidade dos mesmos tem de ser monitorada, evitando que muitos problemas não sejam
deslocados para os cursos d’água e consequentemente para o Mearim e, em seguida, para a Baía
de São Marcos.
É de suma importância lembrar a importância lembrar que o rio não dispõe da mesma
quantidade de recursos como outrora, aos poucos nota-se que o pescado tem diminuído e que a
sua oferta também, obrigando muitas vezes os pescadores a não respeitar o período de defeso e
consequentemente acarretando no desequilíbrio ecológico local.
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Os conteúdos dos Trabalhos completos do III SIICS são de inteira responsabilidade dos autores.
Eixo 2: Gênero,
Literatura e Filosofia
Organizadores do Eixo: Prof. Dr. Luciano da Silva
Façanha e Profa. Dra. Zilmara de Jesus Viana de
Carvalho
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Resumo: O corpo sexuado não é “natural”. Gênero seria o resultado de tecnologias que
produzem corpos-sexuais. Porém, há corpos que escapam ao processo de produção dos gêneros
inteligíveis e desobedecem às normas de gênero, mostrando que não somos predestinados a
cumprir aos desejos das estruturas corpóreas e que há possibilidades de transformação dessas
normas. Em uma perspectiva queer, os julgamentos dos comportamentos ditos “anormais”
estariam relacionados à abjeção. Discursivamente, a abjeção refere-se a corpos cujas vidas não
são consideradas vidas e cuja materialidade é entendida como não importante. Assim, estudei
o romance de Montello, Uma sombra na parede, que apresenta uma história de amor entre duas
mulheres, misturando ficção, memória e história. O olhar masculino marca a narrativa,
naturalizando as relações heterossexuais e vendo como “anormal” o amor entre pessoas do
mesmo sexo. Dessa forma, estudo esse enredo, “dramático e trágico” como “criação e
testemunho” para relatar a naturalização da heteronormatividade e as cenas vivas da dinâmica
da abjeção, do “entre dois”, do “ambíguo”. Nesse sentido, a literatura pode ser tomada como
um ritual, na medida em que, tendo ocupado o lugar do sagrado veste-se com o poder do horror
para, simultaneamente, resistir e desvelar o abjeto.
Palavras-chave: Abjeção. Heteronormatividade. Literatura. Estudos queer.
Abstract: The sexed body is not "natural". Gender would be the result of technologies that
produce sexual bodies. However, there are bodies that escape the production process of
intelligible genres and disobey gender norms, showing that we are not predestined to fulfill the
desires of corporeal structures and that there are possibilities for transforming these norms. In
a queer perspective, the judgments of the so-called “abnormal” behaviors are related to
abjection. Discursively, abjection refers to bodies whose lives are not considered lives and
whose materiality is understood to be unimportant. So, I studied Montello's novel, A Shadow
on the Wall, which presents a love story between two women, mixing fiction, memory and
history. The male gaze marks the narrative, naturalizing heterosexual relationships and seeing
same-sex love as “abnormal”. Thus, I study this plot, “dramatic and tragic” as “creation and
testimony” to report the naturalization of heteronormativity and the live scenes of the dynamics
of abjection, of “between-two”, of “ambiguous”. In this sense, literature can be taken as a ritual,
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insofar as, having taken the place of the sacred, one dresses with the power of horror to
simultaneously resist and unveil the abject.
Keywords: Abjection. Heteronormativity. Literature. Queer studies.
A título de introdução...
171
Agda Adriana Zanela, ao escrever sua tese de doutorado sobre A epopéia [sic] maranhense de Josué Montello:
desvendando a poética montelliana em quatro romances, argumenta que embora alguns estudiosos considerem o
conjunto da obra de Montello como uma saga, é preciso observar que “[...] apesar de os romances tratarem dos
vínculos familiares, da herança e hereditariedade, não se pode considerar o conjunto como uma saga. Aqui, como na
epopeia, embora a disposição mental da saga esteja presente, o que o autor quer resgatar é a noção de identidade de
um povo que habita o mesmo local e compartilha da mesma herança cultural e histórica, mas que não pertence
necessariamente à mesma família (ZANELA, 2009, p. 37).
172
Reconheço que há normas gramaticais no que se refere aos usos da próclise, da mesóclise e da ênclise. Peço licença
então para, aproximando meu texto escrito do ato de fala considerada “não padrão”, utilizar a próclise, rompendo, em
muitas situações, com a norma, mantendo assim uma uniformidade estilística.
173
Neste trabalho, sempre que citar pela primeira vez um/uma autor/a utilizarei prenome e sobrenome, na tentativa
de fugir à generificação masculinista, mesmo que esteja utilizando a primeira menção no sistema de chamada. Faço
isso, sobretudo, como forma de chamar atenção para a produção acadêmica realizada por mulheres. Enquanto escrevia
o trabalho fiz outras tentativas, enfatizando a autoria apenas quando era feminina, por exemplo. Depois de muito
pensar cheguei à conclusão de que, tanto em termos visuais, quanto em questões de visibilidade da produção
intelectual feminina, poderia usar prenome e sobrenome nas ocorrências de autoria feminina e masculina.
Página 934 de 2230
(1993), Enquanto o tempo não passa (1996) e A mulher proibida (1996), cada um com enredos
diversos, como “uma tetralogia da vida contemporânea, dada a atualidade dos temas que os
inspiraram”.
Hill (2007) ressalta as influências bíblicas e de Aluísio Azevedo na produção literária
de Montello, que obviamente pode ser percebida no romance em questão, através da narrativa
de uma história moralizadora e recriminadora do amor entre mulheres, mantendo o autor preso
à naturalização do sexo, fazendo-o levar a protagonista a viver na sombra, escondida, sem
revelar seus desejos e sentimentos.
É preciso ressaltar que a temática de homens que amam homens e/ou de mulheres que
amam mulheres não é inédita na produção literária brasileira. Em 1895, Adolfo Caminha já
havia narrado um amor entre dois rapazes, no romance intitulado Bom-Crioulo, assim como
em O ateneu, de Raul de Pompéia e O cortiço, de Aluísio Azevedo, onde há amores entre
rapazes e entre moças. Mas é necessário entender, como chama atenção o livro O desejo da
nação: masculinidade e branquitude no Brasil de fins do XIX (2013) de Richard Miskolci, que
trabalhou sociologicamente, com documentos históricos, dentre outras fontes, três romances
do final do século XIX, quais sejam: O ateneu, Bom-Crioulo e Dom Casmurro, que havia
naquele momento um projeto maior de nação, o qual visava produzir uma sociedade civilizada
branca e heterossexual e que considerava como ameaça negros, mulheres e homossexuais,
dentro do qual essas obras se inseriam.
Embora reconheça a existência de obras literárias escritas por mulheres que retrataram
o amor entre mulheres, creio que o projeto de uma nação que pretendia invisibilizar negros,
mulheres e homossexuais, dava aos homens letrados, de classes mais abastadas, brancos e
héteros, maior destaque. Não é à toa que a temática do amor entre mulheres também apareceu
em O primo Basílio, de Eça de Queiróz e Papéis avulsos, de Machado de Assis, no conto D.
Benedita, cujo trecho narrativo da cena serve de epígrafe em Uma sombra na parede. No
Diário do entardecer de 24 de agosto de 1967, Montello escreve a seguinte anotação sobre
Machado de Assis e sua narrativa, fazendo citações do conto:
Relendo os Papéis avulsos, aconteceu-me o que habitualmente ocorre nos meus
regressos ao pequeno mundo de Machado de Assis: em vez de ater-me ao objeto da
pesquisa, andei a ler um trecho aqui, outro ali, outro mais adiante, levado pela sedução
da prosa do velho feiticeiro literário. De repente, nas emoções desse passeio, travei
as sobrancelhas, redobrando de atenção. Seria possível o que eu estava lendo? E por
que, até agora, ninguém atentara para a página erótica de Machado de Assis, no
livro de 1882?
Porque o que eu tinha diante de mim, espantado, era uma cena de
homossexualismo feminino, transparente, perfeita, habilmente concatenada,
sem deixar dúvida alguma quanto à sua natureza.
Em Machado de Assis? No Machado de Assis que, em 1878, escrevendo sobre O
primo Basílio, pedia contas a Eça de Queiroz pelas cenas ousadas do seu romance?
Sim, é verdade. No mesmo Machado de Assis.
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O episódio – nítido, claro, objetivo, sem deixar dúvidas – está no conto “D. Benedita”.
A página reclama leitura atenta, dando mesmo a impressão de que o autor, intimidado
pela escabrosidade do tema, sustem a pena, dando-lhe um desfecho que
interrompe a narrativa, abreviando-lhe o fecho natural.
.......................................................................................................................................
A cena erótica aí está, sem subterfúgios, transparente, muito clara. O que
atualiza o velho Machado, numa hora em que tudo é permitido. (MONTELLO,
1998, v. 1, p. 948-9, grifos do autor em itálico, grifos meus em negrito).
174
Escolhi utilizar uma linguagem não-binária a partir do símbolo “@”– fugindo à norma padrão, que coloca o uso
do masculino como um gênero marcado, admitindo seres de ambos os sexos a partir de uma generificação masculinista
– para designar um gênero neutro, sem marcações, sem hierarquias. Há outras possibilidades, as mais conhecidas
além do @, são o “x” e o “e” como substitutos do “a” e do “o” em palavras com gêneros masculino e feminino. Minha
opção está baseada na percepção do @ como uma grafia que desvela ao mesmo tempo e em um mesmo nível o “a” e
o “o”. Nesse sentido, me parece coerente, a partir de uma perspectiva derridiana da desconstrução que questiona as
binariedades, acionar essa aglutinação do “a” e do “o” em um único símbolo.
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175
Embora reconheça que expressões sexuais de gênero diferentes do modelo heterossexual, falocêntico e reprodutivo
incluem lésbicas, gays, bissexuais travestis e transexuais dentre outros, e que, portanto, poderia usar o termo
LGBTfobia, incluindo nela a lesbofobia, a homofobia, a transfobia e a bifobia, adoto o conceito de homofobia de
Daniel Welzer-Lang (2001, p. 465) que a define “como a discriminação contra pessoas que mostram, ou a quem se
atribui, algumas qualidades (ou defeitos) atribuídos a outro gênero. A homofobia engessa as fronteiras de gênero.”
Tomo-o por entender o prefixo “homo” como “semelhante” e não significando “gay”.
176
Daniel Welzer-Lang (2001, p. 465) afirma que em uma pesquisa realizada com 500 indivíduos que interrogava
sobre “como [...] reconheciam pessoas homossexuais na rua” eles em geral falaram apenas de homens homossexuais
pois parece que “(o lesbianismo é invisível)”.
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como heterossexual – era casado com Yvonne Montello, com quem tinha duas filhas –,
maranhense, porém residente mais da metade de sua vida no Rio de Janeiro que, rememorando
as lembranças de sua cidade natal, irá contar a história de Ariana, se colocando como escritor
e narrador ao mesmo tempo. Mas o que há neste enredo, ao mesmo tempo “dramático e trágico”
que o torn a importante como “criação e testemunho” para a perspectiva dos estudos queer, a
partir da crítica à naturalização da heteronormatividade?
Entre sombras?
177
Escola pública ainda existente em São Luís.
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Também é Mata Roma quem inicia a narrativa acerca do outro noivo de Ariana: “─ Foi
ele, o João Emílio [irmão de Ariana], que apresentou à Ariana o seu segundo noivo, o Marcelo,
engenheiro da Western. Não tão bonito quanto o Otavinho, porém vistoso, com uma
expressão mais viril” (MONTELLO, 1995, p. 17, grifos meus). Ao apontar a virilidade de
Marcelo como um atributo que poderia torná-lo mais desejável, Montello acaba por estabelecer
fronteiras entre o masculino e o feminino. Isso parece mais evidente se se comparar sua posição
à do comentário de 11 de março de 1986 no Diário de minhas vigílias, já citado acima, no qual
Montello afirma, de maneira mais jocosa que crítica, que os homossexuais estavam lutando por
seus direitos de maneira “quase” viril.
Assim, no contexto de Uma sombra na parede, o homem não precisaria ser bonito, mas
viril, porém Ariana, descrita por Mata Roma e pelo próprio Marcelo, tinha a beleza natural
como algo que a tornava mais desejável, mais feminina. Para Mata Roma: “[...] A Ariana por
ser alta e bonita, com aqueles olhos verdes no rosto moreno, já suscitava paixões”
(MONTELLO, 1995, p. 14). Também Marcelo, em uma de suas conversas após o término do
noivado, afirmou: “[...] eu estava na janela, recostado no balcão, quando vi uma sombra na
parede178. Uma sombra nítida, bem recortada, na parede branca. De perfil, alta, esguia, o cabelo
apanhado para trás. [...] Nessa noite, comecei a pensar que ias ser minha mulher”.
(MONTELLO, 1995, p. 40-1).
Observo que ao utilizar a ideia de masculinidade e/ou feminilidade, não são as
categorizações generalistas, homogêneas e sólidas, presas a papéis sociais que estou pondo em
foco, mas as configurações de gênero. Segundo Butler (2014c, p. 48, grifos da autora), “[...] o
gênero não é um substantivo, mas tampouco é um conjunto de atributos flutuantes, pois vimos
que seu efeito substantivo é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras
da coerência do gênero”. Portanto, este é um debate também ficcional, assim como a própria
noção de identidade o é, na medida em que tanto a coerência quanto a estabilidade do gênero
são socialmente construídas. Neste sentido, as relações de gênero devem ser pensadas como
plurais, assim as masculinidades e/ou feminilidades seriam tão somente efeitos que emergirão
em contextos sociais, históricos e culturais específicos, nada homogêneas, daí o uso no plural
e não no singular (Kelly Cristina KOHN, 2014). Além disso, a ideia de performatividade faz
pensar na impossibilidade da virilidade como uma característica espontânea dos homens. No
caso da mulher, Denise da Costa Siqueira e Aline Almeida de Faria, ao estudarem as
representações do corpo feminino na mídia escrita, pensada como um dispositivo de poder nos
Segundo Silva (2016, p. 52), “A sombra, projeção que se esmaece, que não perdura, que diz que algo está ali, mas
178
não é palpável, está próximo, mas ao mesmo tempo distante e fugaz é a imagem que Josué Montello escolheu para
nomear seu romance”. Esta é a analogia que se estende a Ariana em algumas passagens do romance, como a citada
acima.
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termos foucaultianos, encontraram o corpo feminino com poucos artifícios, como a primeira
categoria de beleza. Segundo elas, “[...] nos anos 1960 o corpo feminino foi valorizado por seu
aspecto ‘natural’, por sua beleza inata, paralelamente a um momento de emancipação
feminina” (SIQUEIRA; FARIA, 2007, p. 181). Parece ser exatamente esse o momento que
Ariana vive e através desses atributos “naturais” é definida como bela. Por óbvio, assim como
a virilidade, também a beleza é ficcional, na medida em que as duas são construídas e
performatizadas dentro de um contexto cultural específico.
Como Marcelo era católico, o casamento seria na igreja. O “poeta” então toma a
narrativa da história e passa a descrever as atitudes e pensamentos de Ariana no dia do seu
casamento com Marcelo: “Ela fazia tudo devagar, lutando contra o tempo. [...]. Mas foi no
momento de pôr o vestido de noiva que lhe veio, mais forte, imperativa, a determinação de não
ir à igreja. [...] E ouvindo a própria voz: ─ Acabou-se. Não me caso. Ponto final!”
(MONTELLO, 1995, p. 24).
O casamento hétero aparece como uma necessidade para a manutenção da própria
sociedade (RICH, 2010). Mas as atitudes de Ariana aqui apresentadas reforçarão a afirmativa
de Butler de que é no processo de repetição dos atos que as resistências aparecem.
No romance, os pensamentos de Ariana sobre a sua posição como mulher não surgiram
apenas no dia do casamento. Um mês antes ela havia proposto o adiamento da data, devido a
uma promoção que o noivo estava esperando. Mas a resposta de Marcelo tornou inadiável o
evento: a promoção seria o presente de casamento da Western para ele. Com todos os
preparativos, “[...] Ariana se tornara irascível, nervosa, quase intratável, a ponto de dizer ao
irmão, a quem por vezes confiava o que sentia: ─ É como se eu não tivesse pele: tudo me dói”
(MONTELLO, 1995, p. 25).
Se sua enxaqueca havia voltado e todo o seu corpo doía, parece claro que a resistência
não lhe era confortável. No dia do seu casamento, logo cedo foi à Igreja para, em um ritual, se
confessar antes da cerimônia. Na oração que faz a Nossa Senhora da Conceição, afirma: “O
mais difícil vai ser dominar a repulsa do meu corpo. [...]. Há momentos em que me
desoriento. Sou eu que sou assim? Ou há outras moças como eu? Não sei. Sei apenas o que
se passa comigo” (MONTELLO, 1995, p. 27, grifos meus).
Tais questionamentos, dores e angústias se corporificam na medida em que somos
apresentados a uma única possibilidade de construirmos sentidos rígidos para nossas
sexualidades: sou homem porque possuo pênis e desejo mulheres, sou mulher porque possuo
vagina e desejo homens. Ou seja, a heteronormatividade impõe um modelo de relações
amorosas e/ou sexuais apenas e tão somente entre pessoas do sexo oposto. Todavia, há sujeit@s
que escapam a esse processo de produção de corpos-sexuados, o que pode trazer dores,
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O “sexo”, que na perspectiva de Butler se aparece como gênero e como norma desde o
início, na medida em que se constitui um ideal regulatório, recorrendo novamente a um termo
foucaultiano, é “[...] uma espécie de poder produtivo, o poder de produzir — demarcar, fazer,
circular, diferenciar — os corpos que ela controla. Assim, o ‘sexo’ é um ideal regulatório cuja
materialização é imposta”. Essa materialização se dá “através de uma reiteração forçada destas
normas” que acaba por desvelar o fato “de que a materialização não é nunca totalmente
completa, que os corpos não se conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua
materialização é imposta”. Assim, são esses processos de performatização das normas que
produzem instabilidades e questionamentos sobre a hegemonia dessa mesma regulação abrindo
a possibilidade de novas rearticulações e de resistências (BUTLER, 2000, p. 151-2).
Dessa forma, no romance, embora a produção de gênero seja apresentada como
“natural”, ela será performatizada ao longo das narrativas. Em certo momento, a tia de Ariana,
Cremilda, a admoesta de que “[...] para ser fêmea, uma boa fêmea, uma fêmea completa, o
primeiro requisito é a feminilidade. E tu, pelo abandono em que estás, te esqueceste de tua
obrigação fundamental como mulher!”. E ainda continua ressaltando que as fêmeas estão no
mundo para apreciar seus homens e não para permanecerem sozinhas “─ Não queiras ficar para
tia, minha boboca. Não, não queiras. O talhinho que temos em nós, cá embaixo, foi Deus quem
abriu. Delicado. Protegido. Não contraries a astúcia divina. Por favor, Ariana, casa-te,
agarra teu macho. [...]”. (MONTELLO, 1995, p. 57; 62, grifos meus). A fala de Cremilda
chama a atenção para o fato de que a normas de gênero e a heterossexualidade compulsória
colocam a mulher que não casa em uma condição menor. Assim, é melhor se casar que “ficar
para titia”. Neste sentido, a pedagogia dos gêneros hegemônicos, tão claramente destacada no
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Severino porque “A conversa dela com o Severino, e do Severino com ela, era a Creusa. Não
tinham outro assunto. Sempre a Creusa” (MONTELLO, 1995, p. 79).
Logo após o velório, Ariana interpela seu irmão sobre a atitude de sua mãe, mas, a
resposta de João Emílio será a de que a vida possui “mistérios”. Já quase ao final do romance,
será a própria Ariana que falará ao seu pai sobre o seu “mistério”.
─ Há muito mistério na vida alheia, mana. E na nossa também. (MONTELLO,
1995, p. 82, grifos meus).
─Cada um de nós, pai, nasce com o seu mistério. Um dia, sobre o meu, ei de ter
uma conversa com o senhor. Para isso preciso de tempo e de coragem. Peça a Deus
por mim. (MONTELLO, 1995, p. 297, grifos meus).
Claro está que há várias possibilidades para se pensar o sentido da palavra mistério aqui.
Na perspectiva de Montello, por exemplo, a lesbianidade parece essência e vem à tona, sendo
“descoberta”, mas permanecendo “misteriosa”. Seria então possível pensar que nesse caso o
“mistério” estaria ligado à mulher que por se constituir como o Outro do discurso, estava
invisibilizada. Nesse sentido Simone de Beauvoir (2009, p. 347; 349) afirma que “[...] Mistério
para o homem, a mulher é encarada como mistério em si. [...]. Mantida à margem do mundo, a
mulher não pode definir-se objetivamente através desse mundo e seu mistério cobre apenas um
vazio”. Todavia, prefiro tomar esse “mistério” a partir da perspectiva de Eve Kosofsky
Sedgwick, autora feminista norte-americana, ao falar sobre o armário. Este termo tem sido
usado tanto popularmente como por movimentos sociais e pelos estudos de gênero e queer. Em
geral é utilizado para designar homossexuais não assumid@s (dentro do armário) ou
assumid@s (fora do armário), mas é preciso pensar em suas implicações, assim como na
própria ideia de “mistério”, que me parece sinônima à de armário. Sedgwick (2007).
Dona Mariazinha parece ter vivido na pele as dificuldades dessa dualidade entre
segredo e revelação, público e privado em relação à sua amizade com Creusa. Isto pode ser
percebido tanto nas insinuações e indiretas que escutava de sua irmã mais velha, Cremilda,
quanto nos conflitos entre mãe e filha. Para além dessas questões, quem sabe, na perspectiva
do narrador, causados pela bissexualidade ou homossexualidade da mãe – o romance apenas
dá indícios, levanta dúvidas, não esclarece a questão – fica claro que, para Montello, a
“homossexualidade feminina” é mais fácil de escamotear.
De acordo com Denise Portinari (1989), as “homossexualidades femininas” são
produzidas em meio ao silêncio, enquanto as masculinas são ruidosas. Talvez, o que Portinari
esteja chamado de silêncio e o que Montello reconhece como dissimulação, seja na verdade a
possibilidade de uma performance de gênero mais próxima do que se considera um padrão
feminino heterossexual, tornando a lesbianidade invisível ou um “mistério”, para retomar a
expressão montelliana. Além disso, Guacira Louro observa que enquanto os meninos sofrem
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está contido no feminino e vice-versa, mas principalmente que estas oposições foram e são
historicamente construídas e performatizadas como um processo repetitivo de educar os
corpos.
No romance, as dicotomias continuam. Em determinado momento, Ariana chega a
levantar dúvidas sobre a semelhança do seu amor por Malu e o de sua mãe por Creusa.
Entretanto, pensa imediatamente que isso não seria possível por causa da autoridade e rigor do
pai e da fragilidade e recato da mãe. Em meio a dúvidas, questionamentos e tentativas de
esquecimento, não há respostas sobre esta questão, ela apenas perpassa o romance. Como
afirmei, as dúvidas pairam no ar, os “mistérios” e as sombras na parede ora se vão, ora
retornam, talvez para lembrar, como afirmou João Emilio, que todos nós temos nossos
“mistérios”, ou para ensinar, performaticamente, às mulheres a lição de Cremilda, de que nosso
destino é o casamento com um homem. Mas, há uma certeza: Ariana, de alguma forma, luta
contra estes ensinamentos, resiste de alguma forma às regulações. Há, nos termos de Butler,
um agenciamento na protagonista que talvez o narrador não consiga se dar conta: além de não
se render a um casamento, a ter filhos e a ser uma esposa devotada, ela também decide não
dividir Malu com um homem. Além disso, também decide retomar o curso de Direito que
começou. Em um diálogo com o pai, o modo como a produção de gênero é performatizada
discursivamente abre espaços para resistências e agenciamento: “Sou mulher, mas não nasci
para esperar marido, ou para depender de príncipe encantado, [...]. Não, isso não. Quero
depender de mim. Só de mim. Do meu trabalho. Da minha competência. Sabendo que posso
ser eu própria. [...]. Senhora de minha vontade. Dona de mim (MONTELLO, 1995, p. 110).
Estabelecer a lesbianidade como versão feminina da homossexualidade, relacionando a
mulher a um comportamento masculinizado não deixa de ser uma forma de invisibilizar as
mulheres. O que pretende Montello quando narra as mudanças no cabelo, na forma de se vestir
que, apontarão em Ariana, características mais masculinas, as quais contrastam com a descrição
inicial dela em quem além da beleza havia uma feminilidade “natural”? Invisibilizá-la como
mulher, utilizando essa descrição como um recurso pedagógico para que suas leitoras não
sigam seus passos?
É nessa busca infindável de si e de “sua natureza” – já apontei anteriormente como
Montello chama atenção para essa questão – que Ariana decide ir até a praia do Olho d’Água,
onde os pais tinham uma casa em que durante sua infância, no período das férias escolares,
costumava ficar lá com Malu. Tanto que Rosa, a antiga empregada da casa, entre a felicidade
de vê-la depois de tanto tempo, lhe pergunta: “─Cadê a meninazinha que sempre vinha aqui
passar férias com a senhora? Sumiu também. Deve estar uma moça, assim bonita como a
senhora” (MONTELLO, 1995, p. 91). Ariana confessa a saudade que sente de Malu, mas
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afirma que nos quase dez anos em que a amiga foi para São Paulo prometendo voltar, nunca
voltou. A pergunta de Rosa, entretanto, faz Ariana retornar à sua infância e leva o narrador a
afirmar que ela teria voltado ao lugar onde passara parte da infância na esperança de que suas
lembranças “lhe restituíssem alguma coisa que não saberia precisar e definir e que
participava de sua própria condição, naquela hora, naquelas circunstâncias (MONTELLO,
1995, p. 95, grifos meus).
Esse aspecto, ora aparece no romance com um caráter de ambiguidade, como no
parágrafo acima, ora aparece como a própria condição feminina. Ao longo de toda a obra, a
normalização do corpo feminino será traduzida como algo natural, “a sua própria condição”,
como a narrativa da constatação da chegada da menstruação, enquanto Ariana se encontrava
na praia do Olho d’Água: “─São elas, sim – reconheceu, ao mesmo tempo que lembrava os
dias em que as mesmas dores a atormentavam, por força de sua condição (MONTELLO,
1995, p. 105, grifos meus). Entretanto, não há nada assim tão ontológico no fato de uma mulher
menstruar, como faz parecer Montello. A menstruação pode ser experimentada por algumas
mulheres como aquilo que João Nery denominou de “monstruação”. Nesse sentido, alguém
poderia objetar que ele é um homem trans. Entretanto ele conta que, em outubro de 2011,
quando foi convidado pela produção do programa da Marília Gabriela, durante a entrevista fez
menção ao termo e “[...] ela pareceu se identificar e mencionou o tratamento a que se submeteu
para deixar de menstruar” (NERY, 2017, p. 83).
Finalmente, após o falecimento de dona Mariazinha, Malu chega para visitar a amiga.
Malu, diferentemente de Ariana, já havia viajado o mundo todo devido ao trabalho que possuía
e parecia não pretender deixar seu trabalho para voltar a morar em São Luís. Como a amiga
precisava, por ordem da companhia aérea, ficar hospedada em um hotel conveniado, na praia
do Olho d’Água, bem distante do centro da cidade onde se localizava o sobrado, e também pelo
fato de haver muito que conversar e contar sobre o tempo em que elas haviam ficado separadas,
sem notícia uma da outra, Ariana decidiu deixá-la de carro em seu destino. Quando chegaram
ao hotel já era tarde, Malu convidou a amiga a dormir com ela e a aproveitar mais algumas
horas para matarem a saudade.
No dia seguinte, tomaram o café e foram até a praia. Enquanto Ariana tomava sol, Malu
foi tomar banho de mar. Como as ondas estavam revoltas, Malu começou a se afogar e, ao
perceber a situação, Ariana se lança ao mar para salvá-la, e, depois de muitas tentativas
consegue retirá-la da água, iniciando uma respiração boca a boca, enquanto percebia diante do
pavor que a situação lhe provocava que “algo acontecia no seu próprio ser, transformando-
lhe o desespero em êxtase crescente, fundindo os dois corpos, amalgamando-os,
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completando-os, no paroxismo da posse mórbida que fazia refluir a vida no corpo renascido.
(MONTELLO, 1995, p. 169, grifos meus).
Com toda a dificuldade Ariana carregou Malu até o hotel para poder continuar a
socorrê-la com a ajuda do gerente do hotel, o senhor M. Michel. Após a visita do farmacêutico,
já que o médico não fora encontrado, Ariana passou o resto do dia a cuidar da amiga. Antes de
dormirem, enquanto ajudava Malu a vestir o paletó do pijama, acabou roçando a ponta dos seus
dedos em um dos mamilos de Malu, produzindo em Ariana um impulso de tocá-la mais, ao
mesmo tempo em que tentava se reprimir. A luta de Ariana contra seus desejos também aparece
em outras ocasiões. Depois que Malu estava recuperada, Ariana a leva até a casa na praia do
Olho d’Água onde passavam as férias quando crianças. Enquanto estavam no quarto e Malu
decide tirar a roupa devido ao calor, crescia em Ariana “[...] o impulso de tocar-lhe os seios
nus [de Malu] [...]. E, de repente, como ao choque de um pensamento impuro, reagiu: ─
Não; isso não!” (MONTELLO, 1995, p. 181; 193, grifos meus).
O amor por amigas de escola ou vizinhança parece ser um enredo comum. Entretanto,
apesar de ser um espaço para essas descobertas, também não é possível esquecer que “a escola
se constitui aparato atravessado por planos, cujas linhas produzem hegemonias que circulam
como tecnologias de controle e disciplinamento dos corpos [...]” (Adriana SALES; Leonardo
Lemos SOUSA; William Siqueira PERES, 2017, p. 72).
Ariana sem poder mais controlar seu desejo crescente, em um momento em que ambas
estavam deitadas em camas de solteiro unidas, para relembrar a infância, e com Malu
aconchegada em seus braços, “[...] Os dois corpos se juntavam, completando-se, [...], ambas
de olhos cerrados, ambas unidas, até que os dois seres deram a impressão de que se fundiam e
transbordavam, no supremo desmaio da carne apaziguada”. (MONTELLO, 1995, p. 195).
Assim: “ela sabia ter decifrado o seu próprio mistério. Não que de todo o ignorasse. Não.
Mas tudo quanto suspeitava, e que lhe vinha da adolescência, como algo impreciso e vago,
que em silêncio havia dissimulado e reprimido, abria-se em certeza plena” (MONTELLO,
1995, p. 199, grifos meus).
Como tenho reiteradas vezes afirmado, o corpo sexuado não é “natural”. O gênero,
nesse sentido, seria tal qual proposto por Paul B. Preciado (2017) o resultado de tecnologias
sofisticadas que produzem corpos-sexuais. Mais que isso, tanto os papéis quanto as práticas
sexuais que “naturalmente” são atribuídas a homens e mulheres, na verdade “[...] são um
conjunto arbitrário de regulações inscritas nos corpos que asseguram a exploração material de
um sexo sobre outro” (PRECIADO, 2017, p. 26). Dessa forma “a (hétero)sexualidade, longe
de surgir espontaneamente de cada corpo recém-nascido, deve se reinscrever ou se reinstituir
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Ariana se lembre da figura de Mundiquinha Dourado, a colega de seu pai dos tempos de Liceu
que era lésbica, como uma mulher alta e gorda “[...] com seu cabelo curto, seus sapatos de meio
salto, seu paletó de xadrez, sua gravatinha borboleta, sua saia justa por cima da meia de homem
[...]” (MONTELLO, 1995, p. 201). Berenice Bento chama atenção de que até o uso de certa
indumentária, para algumas pessoas pode não ser não fácil: “as dúvidas ‘por que eu não gosto
dessas roupas? [...] Por que tenho esse corpo?’ Levam os sujeitos que vivem em conflito com
as normas de gênero a localizar em si a explicação para suas dores, a sentir-se uma aberração,
uma coisa impossível de existir. (BENTO, 2011, p. 551). Já chamei atenção acima de como as
roupas, desde os modelos até as suas cores e o estilo do corte do cabelo parecem ser importantes
no processo de aceitação ou negação de determinados corpos.
Esta, entretanto, não é a primeira vez que Mundiquinha aparece na narrativa. Quando
tia Cremilda admoestou Ariana a casar e se tornar de um homem só, cumprindo seu papel de
fêmea, falou a sobrinha com escárnio: “─ Só não quero que nossa família tenha em ti uma
virago, como a Mundiquinha Dourado” (MONTELLO, 1995, p. 63). Se pensar no romance
como um texto educativo, posso concluir que Montello alcança êxito ao ir tecendo ao longo da
narrativa a história de Mundiquinha que mesmo sendo “rica e prendada, escrevendo nos jornais,
publicando pequenos livros didáticos” (MONTELLO, 1995, p. 203) não fora poupada dos
processos sociais de abjeção mais perversos. Era preciso contar a história de Ariana chamando
atenção para o fato de que fugir à norma é perigoso, por isso não é à toa que as lembranças de
Ariana voltam sempre à Mundiquinha, lembrando a ela que há espaços de abjeção reservados
aqueles que ousam “seguir sua natureza”.
Mundiquinha viveu em São Luís no período em que Ariana ainda era uma criança, fora
na verdade colega de escola do senhor Ribas, “[...] amaria [...] outras mulheres, quase
sempre escuras, [...]. Seu andar pendulado, seu rosto sem pintura, seu traje (em boa parte)
masculinizado, sua voz grossa [...] tinham contribuído para que se firmasse a reputação viril da
professora” (MONTELLO, 1995, p. 203, grifos meus). Em certa ocasião, com medo de estar
passando por mudanças físicas depois que reconheceu que amava e desejava mulheres, Ariana
questiona a seu pai se ele havia sido colega da Mundiquinha Dourado e se suas mudanças na
forma de se comportar, vestir e andar foram notadas de imediato. Mais uma vez a resposta vem
carregada daquilo que Montello considerava serem atributos femininos “naturais”: “[...] Ela
era uma moça como as outras. Não digo que fosse bonita. Mas também não era feia. Foi das
primeiras, aqui em São Luís, a cortar o cabelo à la garçonne. À moda dos homens. [...]. Em
nossa turma, quem mandava era ela” (MONTELLO, 1995, p. 276). Além de mandona e usando
um corte de cabelo masculino, o senhor Ribas afirma que ela foi passando por uma lenta
transformação: “ao olhar para ela, não sentia a mudança. Até que, de repente, vi que o andar
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dela era outro, e outra também a entonação da voz. O casaco em forma de paletó, a
masculinizava. Mas, nos modos, no olhar, nas mãos bem tratadas, era ainda a Mundiquinha
Dourado”. (MONTELLO, 1995, p. 278).
Embora fosse uma professora respeitada na cidade, por ser eficaz na aprovação de
candidatos a concursos públicos e escolas superiores, como já afirmei não foi poupada de
processos de abjeção: sua residência teria sido alvo de pichações no muro denunciando que ela
“[...] mais homem que mulher, atraía mulheres” (MONTELLO, 1995, p. 204). Interessante
notar que o comentário do narrador não se restringiu ao fato de Mundiquinha amar mulheres,
mas mulheres negras. E os relatos continuam: “Mundiquinha Dourado não pode mais sair
à rua. E quando saiu, [...], logo os moleques das esquinas afluíram por trás de seus passos
enquanto crescia o coro de vaia unânime: ─ Sapatão! Sapatão! Sapatão!” (MONTELLO,
1995, p. 204, grifos meus). No auge do seu desespero, ela que “nunca tivera um namorado,
mesmo na fase em que, [...], ainda teria traços de beleza” (MONTELLO, 1995, p. 203), se casa
com um homem. Três dias depois do casamento, sai um pequeno cortejo com o corpo de
Mundiquinha, que a própria Ariana pode ver da janela de seu quarto no sobrado da família. O
que seriam “traços de beleza”? Um rosto feminino, esguio, com cabelos ondulados e boca e
olhos em destaque, em detrimento disso ela teria assumido um jeito masculinizado, com voz
grossa, o que teria “contribuído para que se firmasse a [sua] reputação viril” (MONTELLO,
1995, p. 203). A descrição de Montello é aquela que, conforme denuncia Silvia Aguião (2008),
foi estereotipada na figura da lésbica masculinizada, caminhoneira, sapatão, deixando de
considerar as variedades de performances que a lesbianidade possui.
As injúrias sobre a “anormalidade” de Mundiquinha e seus amores e, o medo inicial de
Ariana de estar se “transformando em uma Mundiquinha”, seriam o resultado de um dispositivo
pedagógico na medida em que, desde criança o processo educativo caminha no sentido de
transformá-las em heterossexual? Como considera Foucault (2014), a criança seria um artefato
biopolítico que irá garantir a existência de um “adulto normal”. Mais que isso, essa “política
de gênero” dá forma aos corpos de maneira a desenhar os órgãos sexuais como
complementares. Nesse sentido, os enunciados de gênero, pronunciados desde o nascimento,
como “é uma menina e/ou é um menino”, até os insultos como os citados acima “Sapatão!
Sapatão! Sapatão!”, nada descreveriam. São o que Butler chama de “enunciados
performativos”, que se materializam com a “prática reiterativa e citacional pela qual o discurso
produz os efeitos que ele nomeia”, ou seja, continua ela: “as normas regulatórias do ‘sexo’
trabalham de uma forma performativa para constituir a materialidade dos corpos e, mais
especificamente, para materializar o sexo do corpo, para materializar a diferença sexual a
serviço da consolidação do imperativo heterossexual” (2000, p. 111).
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179
A ideia de suplementaridade é atribuída a Jacques Derrida (2004). O autor chama atenção para o fato de que os
significados se organizam por meio de uma dinâmica de presença e ausência, assim, o que parece fora de um sistema
já está dentro dele, e o que parece “natural”, é na realidade, histórico.
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representavam impedimentos morais. Não haveria uma relação pública amorosa, porém de
amizade, embora houvesse o compartilhamento dos bens que Ariana possuía, estes não
passariam a Malu após a sua morte. Nesse sentido, as regulações estatais sobre casamento,
partilha de bens, adoção, assédio, dentre outras, para além da própria normatização, produz
“[...] parâmetros de pessoas, isto é, a construção de pessoas de acordo com normas abstratas,
que ao mesmo tempo condicionam e excedem as vidas que fabricam – e quebram.” (BUTLER,
2014a, p. 272).
Entre várias situações, sobretudo na performatização dos cuidados de Ariana com o pai
doente, renunciando a sua vida pessoal e viajando por um longo tempo com ele para o interior
de São Paulo a fim de lhe restaurar a saúde dos olhos. Ariana, ao sentir que seu amor não se
realizaria, lembra de “Mundiquinha Dourado, masculinizada pelo tempo e pela vida”
(MONTELLO, 1995, p. 302), pensa em suicídio, mas decide viver, “senhora de si”, ora
guardando o seu “segredo”, ora desvelando-o, formada em Direito, e se sentindo “respeitada”
na cidade, algo que sempre pensou diante de lembranças das situações de abjeção vividas por
Mundiquinha.
Se não pode ir à busca do seu amor, enquanto cuidava da saúde do pai em Campinas,
fez-se amiga de um médico paulista – Genaro – que embora não fique claro, também parecia
compartilhar seus conflitos e seu espaço de abjeção, tanto que ao final os dois se unem não
como marido e mulher, como se poderia esperar dentro dos padrões de “normalidade” da
perspectiva heterossexual hegemônica. Mas, como narra Montello (1995, p. 313, grifos meus):
Vi-os duas vezes em Paris, nos últimos anos, quando eu ali morava: [...]. Ela, sempre
de terninho bem cintado, elegante, com um tom levemente azul na prata dos cabelos;
ele, mais gordo, já querendo curvar-se, [...].
Tornei a vê-los em Paris, mês passado, um amparando o outro, de braços dados,
sempre felizes. [...] Ambos eufóricos, como desinteressados do tempo e da idade,
cada qual com seu mistério mal guardado, e sempre sob as bênçãos do bom Deus,
que continua a proteger-nos como seus filhos, até mesmo quando dá a impressão
de que nos esquece, ou que estende até nós a piedade de sua indiferença.
Interessante pensar como a condição de mulher e de boa filha, ao mesmo tempo traz,
na narrativa montelliana, punições e recompensas a Ariana, dando-lhe um “final feliz”, ora
reafirmando, como no caso de dona Mariazinha e Creuza, a impossibilidade da união entre
duas mulheres, ora chamando a atenção de que se ousasse passar dos limites estabelecidos
como o fez Mundiquinha Dourado, certamente viveria não na subversão apenas, mas,
sobretudo, na abjeção. Assim, na perspectiva de Montello, é melhor ser uma sombra na parede,
seguindo a vida com seu “mistério”, na invisibilidade, afinal tod@s certamente têm algum...
À guisa de conclusão...
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REFERÊNCIAS
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Resumo: A análise das representações de mulheres difundidas internacionalmente por meio dos
materiais publicitários produzidos pela EMBRATUR (Instituto Brasileiro de Turismo) se faz
necessária para expor de que modo elas contribuíram para a construção simbólica da imagem do
gênero feminino brasileiro no exterior. Neste artigo, uma dessas imagens, veiculada no período
da ditadura militar, será estudada através da Semiótica Peirceana, a fim de demonstrar os
mecanismos em ação dentro e fora de construções imagéticas como essa que fomentaram a
consolidação de estereótipos problemáticos, cujos impactos ainda são notórios no que concerne à
percepção internacional da mulher brasileira.
Palavras-chave: Turismo, Publicidade, Gênero, Semiótica.
180
Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Discente no curso de Especialização em
Arte, Mídia e Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus São
Luís: Centro Histórico. E-mail: ribeirosoaresluana@gmail.com
181
Especialista em Design Gráfico pelo California Institute of the Arts (CALARTS). Discente nos cursos de
Especialização em Arte, Mídia e Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
(IFMA), Campus São Luís: Centro Histórico e de MBA em Direção de Arte para Propaganda, TV e Vídeo da
Universidade Estácio de Sá. E-mail: jocy.meneses@gmail.com.
182
Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM/SP). Professor do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus São Luís: Centro Histórico. E-mail: diego.ferreira@ifma.edu.br.
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1 Introdução
atrativos naturais e culturais. Quando essa imagem é mal planejada, atrai turistas indesejáveis.
Como exemplo, é possível mencionar aqueles indivíduos que buscam o “turismo sexual”,
estimulados por um discurso publicitário que apresenta a figura feminina nativa como um atrativo
a ser desfrutado em determinada localidade.
O estereótipo explorado na publicidade turística no período da ditadura militar, através das
campanhas da EMBRATUR veiculadas entre os anos de 70 a 80, expõe o “produto: mulher
brasileira” a partir de um discurso que situa sua imagem entre o “exótico” e o “erótico”. Nessas
imagens, o descaso com as cidadãs brasileiras é patente, exibindo seus corpos como produtos
turísticos a serem comercializados e consumidos. Ao exibir seus corpos bronzeados em biquínis
minúsculos, foi difundida — sob a chancela de um órgão oficial do “governo” — uma imagem
depreciativa da mulher brasileira no exterior, apresentada como um atrativo “sexual”.
Focar nas mulheres enquanto atrativos turísticos de cunho sexualizado, simbolizando-as
como mulheres-objetos, submissas e disponíveis, causa efeitos negativos tanto às nossas cidadãs
quanto ao desenvolvimento do turismo no país. Este modo de oferecer seus corpos como se fossem
atrativos turísticos, utilizando suas representações como estratégias para conquistar turistas, torna
salutar a discussão sobre o modo como essas imagens contribuíram para a construção da imagem
da mulher brasileira e os impactos decorrentes disso dentro e fora do país.
3 Metodologia
A definição de signo é central para o estudo em Semiótica. Santaella (1994, p. 78) assevera
que “o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como
signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa, diferente dele. Ora, o signo
não é objeto. Ele apenas está no lugar do objeto”. Segundo a autora,
na definição de Peirce, o signo tem uma natureza triádica, quer dizer, ele pode ser
analisado: em si mesmo, nas suas propriedades internas, ou seja, no seu poder para
significar; na sua referência àquilo que ele indica, se refere ou representa; e nos tipos de
efeitos que está apto a produzir em seus receptores, isto é, nos tipos de interpretação que
ele tem o potencial de despertar nos seus usuários (SANTAELLA, 2007, p. 5).
Santaella (1994, p. 61) explica que “Peirce estabeleceu uma rede de classificações sempre
triádicas (isto é, três a três) dos tipos possíveis de signo”. Dentre as discutidas em maior
profundidade, destaca-se a tríade que toma “a relação do signo com seu objeto dinâmico”
(SANTAELLA, 1994, p. 62). Nessa classificação,
Os signos são denominados ícones, índices ou símbolos tendo em vista a relação que
mantêm com o objeto que representam: um ícone é sempre uma qualidade do objeto, e
sua representação é sempre possível e não necessária, porém única, intransitiva e
intraduzível; um índice é realmente afetado pelo objeto que representa e tem, portanto,
com ele uma relação direta; o símbolo liga-se ao objeto que representa com a força de
uma convenção, de uma lei, uma associação de ideias obrigatórias. Como se vê, essa
classificação esclarece o significado das designações de ícone, índice e símbolo, de modo
a rever o uso que o senso comum faz desses vocábulos (FERRARA, 2007, p. 11).
A fim de operacionalizar a leitura de imagens publicitárias, a autora propõe que “são três
os pontos de vista que devemos percorrer para a leitura de uma peça publicitária impressa: o ponto
de vista das qualidades visuais, o ponto de vista dos índices internos e externos à mensagem e o
ponto de vista das convenções culturais” (SANTAELLA, 2012, p. 138).
Acerca do primeiro nível de leitura, que equivale à análise das relações icônicas, convém
destacar que ela “deve se voltar para os aspectos qualitativos da mensagem” (SANTAELLA,
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No segundo nível, em que a análise ocorre sob o ponto de vista indicial, “a mensagem é
vista como algo que existe em um espaço e tempo determinados. [...] Sob esse ângulo, as
qualidades que a compõem [...] passam a ser vistas em função da sua manipulação e uso” e, assim,
“de um lado, a mensagem é percebida em sua relação com o contexto a que pertence” e “de outro
lado, é percebida de acordo com as funções que desempenha, as finalidades a que se presta”
(SANTAELLA, 2012, p. 139).
No que diz respeito ao terceiro nível de leitura, executado sob o ponto de vista das
convenções culturais que sancionam as relações simbólicas, deve-se considerar (i) “os padrões de
design da mensagem e os padrões de gosto a que esses designs atendem”; (ii) “o poder
representativo da mensagem”; e (iii) “o tipo de usuário ou consumidor que a mensagem visa
atingir e que significados os valores do produto referendado pela mensagem podem ter para esse
tipo de receptor” (SANTAELLA, 2012, p. 140).
4 Leitura de imagem
Na imagem publicitária objeto do presente estudo (figura 1), as cores e formas presentes
tanto na fotografia quanto no símbolo evocam o discurso da brasilidade. Ao representar as
“belezas naturais” do país, são utilizadas imagens que unem a paisagem e a figura feminina, como
se ambas estivessem disponíveis aos visitantes. As cores da bandeira nacional no símbolo do
Brasil estão profundamente conectadas com os supostos “nacionalismo” e “patriotismo”
apregoados pela ditadura. O corpo bronzeado da modelo e os tons que remetem à praia, somados
à forte luminosidade, transmitem um convite ao mar, ao clima quente e favorável à “diversão”. A
silhueta curvilínea da jovem fotografada partilha da aparência convencionalmente atribuída à
mulher brasileira, bela e voluptuosa. Seu traje e sua postura corporal aludem simultaneamente a
ideias opostas: tanto à pureza e à fragilidade, quanto à disponibilidade e à sensualidade. O
posicionamento e a forma das letras confere destaque às mensagens transmitidas por meio de
palavras, que fazem de modo “provocativo” o convite ao encontro e explicitam o local onde ele
se desenrolará, o Brasil. Relacionando texto e imagem, as palavras estão conectadas com a postura
“sedutora” da modelo, à altura de sua boca, explicitando que é ela quem faz o convite.
Essa imagem fez parte de um material publicitário produzido e distribuído em 1983 pela
EMBRATUR. No início da década de 1980, ainda o Brasil ainda se encontrava sob o “governo”
da ditadura militar, cujos impactos nocivos ao país extrapolaram a esfera sociocultural e se
manifestaram inclusive na econômica, marcada pela estagnação e pelos altos endividamentos, ao
contrário do que era dito por aqueles que acreditavam no “milagre econômico”, expressão usada
para designar um suposto período de “crescimento” da economia brasileira.
A ditadura disponibilizou recursos para áreas como o turismo e a hotelaria na tentativa de
aquecer a economia. A criação da EMBRATUR, em 1966, inicia a divulgação do Brasil no
exterior utilizando os seguintes motivos para visitar o país: o litoral, o carnaval e a mulher
brasileira. As ações promocionais do órgão nesse período eram difundidas em 11 mercados
potenciais, dentre eles os Estados Unidos, o Canadá, o Chile, a Venezuela, a Alemanha e a
Espanha.
O contexto histórico e social daquele período restringia a mulher brasileira a um papel
inferior ao exercido pelos homens, dentro de um cenário evidentemente machista e repressor. A
EMBRATUR representava comumente em seus materiais publicitários destinados ao público
internacional mulheres seminuas em posturas “sedutoras” situadas em meio às “belezas naturais”
do país, apresentando seu corpo como um atrativos do local, como se elas estivessem predispostas
a “acompanhar” os turistas que chegassem no território nacional, o que contribuiu para a
reafirmação e disseminação dos infames estereótipos da “sensualidade” e da “vulgaridade” da
mulher brasileira.
Página 961 de 2230
Na imagem aqui analisada, vemos uma mulher de biquíni branco, com uma bebida na mão
e utilizando como acessórios colares e pulseiras, situada em uma ambientação praiana, com a
finalidade de caracterizar o país como um local hospitaleiro, quente e onde é possível encontrar
uma “bela companhia”. É notório o olhar da mulher fixo à câmera e, consequentemente, ao público
que tinha acesso a esse material publicitário, intensificando o “flerte” com o espectador. Sua
fisionomia funciona como um convite e é acompanhada da legenda em inglês “See you there”,
sugerindo a ideia de que ela está disposta a ter um encontro com alguém, o que reforça tanto o
discurso que classifica a mulher brasileira como “sedutora” e “fácil” quanto o endereçamento
privilegiado dessa imagem ao público masculino.
É notório o modo como esta imagem partilha dos cânones de representação do corpo
feminino. Convencionou-se perceber e tratar a mulher, dentro e fora das imagens, como um
“objeto da visão” (BERGER, 1999, p. 49). Essa convenção se fez (e ainda faz) presente em grande
parte da história das imagens ocidentais. Discutindo a questão a partir da história da arte, Berger
(1999, p. 66) comenta que as formas de representar a figura humana e de consumir essas
representações têm no gênero um importante marcador de diferença: “A mulher é representada de
uma maneira bastante diferente do homem — não porque o feminino é diferente do masculino —
mas porque se presume sempre que o espectador ‘ideal’ é masculino, e a imagem da mulher tem
como objetivo agradá-lo”.
Sturken e Cartwright (2001, p. 80, tradução nossa) apontam que “a convenção de retratar
mulheres como objetos do olhar e homens como espectadores continua a existir hoje, embora em
um contexto imagético consideravelmente mais complexo”. As autoras asseveram que faz parte
do cânone de representação dos corpos humanos a exposição das mulheres de modo a enfatizar
seu status como entidades sexuais, o que é perceptível desde a gênese da arte ocidental às
abundantes imagens publicitárias da contemporaneidade.
Na publicidade, as representações da mulher foram e ainda estão ligadas ao status de
corpo-objeto, sua imagem construída em associação à sexualização. As alusões à sexualidade são
estímulos que fixam a atenção do consumidor, reforçando a ideia de que “o sexo vende”, uma das
máximas mais apregoadas no meio publicitário. É importante ressaltar que “a publicidade não
inventa coisas; seu discurso, suas representações estão sempre relacionados com o conhecimento
que circula na sociedade” (SABAT, 2001, p. 12). Assim, o papel social conferido às mulheres nas
sociedades ocidentais vê-se refletido nas imagens produzidas dentro de suas dinâmicas:
Ao utilizar essas estratégias como forma de atingir consumidoras/es, a publicidade está
trabalhando a partir de um currículo cultural que é constituído nas relações sociais e que
opera como constituidor dessas mesmas relações. Tal currículo cultural faz parte de uma
pedagogia específica, composta por um repertório de significados que, por sua vez,
constroem e constituem identidades culturais hegemônicas. Pelas imagens publicitárias,
podemos observar como as relações de gênero estão sendo vistas por determinada
sociedade, ou seja, quais os significados mais ligados às mulheres e aos homens, ou quais
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Toda a discussão até então feita sobre gênero e representação aplica-se à imagem aqui
discutida. No entanto, é importante trazer à baila a questão da interseccionalidade ao estudar o
corpo feminino presente nessa imagem. Desse modo, faz-se necessário perceber em que panorama
geral essa fotografia de uma mulher brasileira está situado, uma vez que “as mulheres brasileiras
são representadas seguidamente através de seus corpos exageradamente sexualizados. O elo entre
gênero e nacionalidade ajuda a construir discursos sobre elas e seus corpos” (BALLERINI, 2018,
n. p.). Albuquerque, Bragança e Lima (2019, p. 449) clarificam que
a imagem que se cria em relação à mulher brasileira, imagem esta construída e
disseminada sobretudo pelos meios de comunicação de massa, é permeada por forte teor
sexual, objetificando e submetendo tal mulher ao desejo e fetiche alheio (sobretudo, mas
não exclusivamente, ao desejo e fetiche masculino). [...] essa imagem é exposta como
uma representação da identidade nacional brasileira como um todo, gerando um
estereótipo em relação à própria representação do Brasil enquanto país, ao tomar-se em
conta as representações das mulheres: a imagem de um país de sexo fácil, festas, carnaval,
futebol e cerveja.
A construção simbólica da mulher brasileira está, desse modo, perpassada por estereótipos
construídos e reforçados no curso da história por aparelhos públicos e privados. A própria
sociedade brasileira é conivente com a subjugação da mulher e participa ativamente do processo
de instituição e perpetuação desse tipo de discurso e prática.
A imagem estudada foi produzida e replicada por um órgão oficial do “governo” do Brasil
então em exercício, o que demonstra um flagrante desrespeito às cidadãs brasileiras. No entanto,
essa representação não destoa da realidade vivida pelas mulheres antes, durante e depois do
período em que ela foi elaborada e distribuída. Compreender as violências simbólicas praticadas
contra as mulheres, vítimas desse aparelho midiático e estatal, é salutar para as discussões não
somente sobre o turismo no país, mas também para a cada vez mais necessária denúncia dos
reflexos deixados no imaginário coletivo por esse tipo de postura daqueles que compõem e
representam a sociedade brasileira.
5 Considerações finais
executadas por homens, tornaram banal a percepção de que o corpo da mulher brasileira é
convidativo ao olhar e às ações masculinas.
Essa forma de exibir e oferecer as mulheres brasileiras foi empregada no período da
ditadura militar como uma estratégia para conquistar turistas, corroborando com a imagem de uma
mulher-objeto, que infelizmente ainda é notória na atualidade em discursos como o do presidente
da República Jair Messias Bolsonaro que, em abril de 2019, em meio a uma controversa fala sobre
o turismo LGBTQ+, convidou: “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à
vontade”183 (apud LIMA, 2019).
Devemos refletir sobre imagens e discursos como esses, uma vez que eles impulsionam a
percepção do Brasil como um local ideal para a prática do turismo sexual, disseminando a ideia
de que no país seria autorizado aos turistas desfrutar, dentre as tantas maravilhas que tornam o
território brasileiro um destino de férias ideal, de mulheres bronzeadas, sensuais e disponíveis
cujas representações servem, implícita ou explicitamente, ao estímulo de desejos dessa ordem.
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FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura sem palavras. 5. ed. São Paulo: Ática, 2007.
183
Nesse contexto, a EMBRATUR se posicionou através de nota, afirmando que “em campanhas publicitárias, [...] a
autarquia tem a preocupação de não exibir e não exaltar corpos masculinos e femininos, para não ter conotação sexual”
(apud MARIZ, 2019), postura claramente diferente da adotada no passado.Em resposta à fala do presidente, governos,
órgãos e entidades de diversos estados, como Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Alagoas
e Espírito Santo, lançaram campanhas de repúdio ao turismo sexual.
Página 964 de 2230
LIMA, Juliana. As mulheres e o turismo no Brasil, da Embratur a Bolsonaro. Nexo Jornal, São
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(Coleção TextosDesign).
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção
Primeiros Passos).
Resumo: Este artigo aborda a crítica do filósofo alemão Friedrich Nietzsche à moral judaico-cristã
e a proposta de transvaloração dos valores como superação do cristianismo. Toma-se como base
para a pesquisa bibliográfica às obras, Genealogia da moral, O Anticristo, e Assim Falou
Zaratustra. Estrutura-se em dois tópicos, o primeiro discorre sobre o processo genealógico da
moral, apontando a origem dos valores “bom” e “mau” e o ideal ascético como negação da vida
em favor do mundo de Deus. O segundo tópico aponta a crítica de Nietzsche ao cristianismo,
responsável por tornar o homem um decadente, e, identifica a transvaloração dos valores como
proposta nietzschiana de superação do cristianismo.
Palavras-Chave: Nietzsche; Transvaloração dos valores; Moral; Cristianismo; Super-homem.
Abstract: This article discusses the criticism the German philosopher Friedrich Nietzsche to
moral Judeo-Christian tradition and the proposal of transvaluation of values such as resilience of
Christianity. Take as basis for the literature search to works, Genealogy of morals, the Antichrist,
and thus spoke Zarathustra. Structured in two threads, the first discusses the genealogical process
of morality, pointing the origin of values "good" and "bad" and the ascetic ideal as denial of life
in favor of the world of God. The second topic points to Nietzsche's critique of Christianity,
responsible for making the man a decadent, and identifies the transvaluation of values as
Nietzschean proposal of overcoming of Christianity.
Keywords: Nietzsche; Transvaluation of values; Morale; Christianity; Superman.
1 INTRODUÇÃO
A filosofia de Nietzsche é uma crítica à sua época, surge num tempo e espaço
determinado e preciso, segundo Scarlett Marton quando o filósofo afirma ter nascido póstumo ele
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quer com isso dizer que não pertence ao seu tempo, está além do seu próprio tempo e por essa
razão a sua crítica radical. Para Giacoia Junior, Nietzsche realiza um diagnóstico do homem
moderno, um homem que se ver como o último homem, herdeiro do progresso do iluminismo e
capaz de construir uma sociedade igual para todos os homens, livre de violência e exploração.
A obra de Nietzsche costuma ser dividida em três fases184: primeiro período, o do
jovem Nietzsche, entre os anos de 1870 a 1876; o segundo período, entre os anos de 1876 a 1882;
e o terceiro período, Nietzsche maduro, entre os anos de 1882 a 1889.
O terceiro período da filosofia Nietzschiana que inicia com Assim Falou Zaratustra
(1883 – 1885), está voltado para a desconstrução da metafísica, a crítica a moral, além de
preocupações com a educação, a política e a cultura. Em análise aos escritos desse período, a
saber, Assim falou Zaratustra (1883-1885), Genealogia da moral (1887) e O Anticristo (1888),
percebe-se uma crítica ao homem moderno, nos seus aspectos artísticos, religiosos, morais e
políticos, bem como a proposta de transvaloração dos valores para superar a moral de “bem” e
“mal”, ou seja, a moral cristã.
Segundo Nietzsche, a moral é um conjunto de valores estabelecidos na sociedade a
qual seus membros devem obediência aos costumes determinados pela tradição, torna-se uma
autoridade e o ser moral tem que cumprir nos atos mais difíceis e até mesmo se sacrificar pelos
costumes. O filósofo tenta resolver o problema da moral, e busca saber a origem dos preconceitos
morais, das ideias de bem e mal, e não se preocupa apenas com os conceitos, busca saber ainda
como eles são aplicados na sociedade.
No livro Assim falou Zaratustra (1883 – 1885), Nietzsche critica todas as esferas da
tradição ocidental, além de propor a doutrina do além-do-homem, um homem além do bem e do
mal, valores esses relativizados pelo homem moderno, que se julga o “último homem”185. Em
Genealogia da moral (1887), o filósofo filologicamente busca saber a origem dos termos bem e
mal, traça uma série de críticas a moral judaico-cristã, considerando-a uma moral de rebanho,
onde o homem é guiado por um pastor sem possibilidades de desprendimento, pois em caso de
rebelião é considerado o pior dos homens e será punido por castigos divino. Além disso, trata dos
ideais ascéticos, ideais inventados pelos sacerdotes, que consiste na ideia de que existe outro
mundo, o mundo de Deus, que subordina o homem na terra. Em O Anticristo (1888), Nietzsche
184
Divisão elaborada por Giacoia Junior, no livro Nietzsche (2000).
185
Conforme Giacoia Junior “o último homem simboliza a modernidade, que considera a si mesma o ponto mais
avançado do desenvolvimento histórico da humanidade, acreditando que a finalidade dessa história consistia
precisamente na chegada do moderno. Orgulhoso de sua cultura e formação, que o elevaria acima de todo passado, o
último homem crê na onipotência de seu saber e de seu agir. Para Zaratustra, entretanto, o último homem representa
o mais inquietante rebaixamento de valor do ser humano, a transformação do homem numa massa impessoal de seres
uniformes. O bem supremo almejado pelo último homem — sua concepção de felicidade — é uma combinação de
mediocridade, conforto, bem-estar, ausência de sofrimento e grandeza” (2000, p. 53).
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Uma tábua de valores se acha suspensa sobre cada povo. Olha, é a tábua de suas
superações; olha, é a voz de sua vontade de poder.
Louvável é o que ele julga difícil; o que é indispensável e difícil considera bom,
e o que liberta da necessidade suprema, o raro, dificílimo — ele exalta como
sagrado.
O que faz com que domine, vença e brilhe, para horror e inveja de seu vizinho:
isso julga elevado, o primeiro de tudo, a medida, o sentido das coisas
(NIETZSCHE, 2011, p. 57).
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Nessa passagem o personagem constata que as tábuas de valores foram criadas pelo
próprio homem, fruto de suas superações, ou seja, o desejo de ir além dos outros povos, uma
vontade de dominação, de subjugar o outro. Foi o homem que primeiramente pôs valores nas
coisas, “para se conservar — foi o primeiro a criar sentido para as coisas, um sentido humano!”
(NIETZSCHE, 2011, p. 58).
Para Antonio Edmilson Paschoal, Nietzsche é o primeiro a utilizar o termo
"genealogia", com o "sentido de busca de herança dos antepassados, de conhecimentos sobre a
origem daquele que ainda vive". No entanto, deve ser acrescentada a ideia de investigação, "da
busca pela herança deixada pelos antepassados, o seu engajamento, a partir do qual sua
investigação ganha forma". O autor entende ainda que, o procedimento genealógico se articula
com uma "transvaloração [e não uma mera destruição] de todos os valores" (PASCHOAL, 2000,
p. 3-5).
De acordo com Paschoal a genealogia consiste ainda numa interpretação, dessa
maneira, uma proposta de reinterpretar, ao passo que propõe a inversão do sentido da interpretação
dominante.
O que ele pretende é tomar as regras do jogo, assumir o próprio ‘impulso tirânico’
da filosofia, sem, contudo, querer ocultar o solo de onde se exprime, sua realidade
perspectiva. Com isto, Nietzsche não se propõe simplesmente a ‘desmascarar’ a
filosofia ou a pretensão à verdade dos filósofos; como estes, pretende portar uma
máscara (tendendo mesmo para uma caricatura) como forma de mostrar que
todas as demais filosofias também são máscaras. A diferença é que ele não
procura cristalizar sua perspectiva como uma ‘verdade’, com o que estaria
negando o jogo das perspectivas, mas fazer seguir o próprio jogo, mantê-lo em
movimento – se é que ele poderia parar. Nietzsche atua como uma vontade de
poder ativa que torna o interpretar ativo, que pelo seu dizer ‘sim’ ao próprio jogo
quer oferecer-lhe a possibilidade de dar seus próximos passos e com isto levar o
homem moderno à sua auto-superação (PASCHOAL, 2000, p. 6, grifos do autor).
Em Ecce Homo (1880), Nietzsche afirma que a genealogia da moral consiste em “três
decisivos trabalhos de um psicólogo, preliminar a uma transvaloração de todos os valores”. Em
que
[...] necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor desses
valores deverá ser colocado em questão — para isto é necessário um
conhecimento das condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se
desenvolveram e se modificaram (moral como consequência, como sintoma,
máscara, tartufice, doença, mal-entendido; mas também moral como causa,
medicamento, estimulante, inibição, veneno), um conhecimento tal como até
hoje nunca existiu nem foi desejado (NIETZSCHE, 2009, p. 12, grifo do autor).
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Dessa forma, o filósofo sugere um estudo genealógico da moral, pois os valores morais
foram criados para servir a uma classe de homens doentes, homens fracos, homens de rebanho, e
foi apresentada como a única verdade. O homem de espírito livre não pode se deixar guiar por
uma moral de rebanho, uma moral fraca, e para superar esses valores inventados por uma raça
vingativa e venenosa, Nietzsche propõe uma transvaloração dos valores, propõe o surgimento de
um novo homem, um homem além do bem e do mal.
Nietzsche não se preocupa apenas com os conceitos “bom” e “mau”, busca explicar
como eles são aplicados na sociedade. Com pressuposto, historicamente o cristianismo considera
alguns valores como bons em si mesmo, e alguns filósofos fizeram uma mumificação desses
conceitos tornando-os eternos e imutáveis.
O filósofo percebe que a moral não é algo inerente ao homem, ela foi desenvolvida no
homem, o homem foi o responsável por atribuir valores as coisas e começou a agir conforme esses
valores que se tornou moral. Portanto, de onde vem à ideia que o bem é melhor que o mal? Quem
disse que o bem é melhor que o mal?
Descobri então que todas elas remetem à mesma transformação conceitual – que,
em toda parte, ‘nobre’, ‘aristocrático’, no sentido social, é o conceito básico a
partir do qual necessariamente se desenvolveu ‘bom’, no sentido de
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No entanto, a raça dos sacerdotes que advinham dos “bem nascidos” foram os
responsáveis por fazer emergir uma inversão de valores, uma raça que sofria segundo Nietzsche,
de problemas mentais e que inventaram uma cura para as doenças que afetam a sociedade pior do
que o verdadeiro antidoto. Demonstrou-se “ser mil vezes mais perigoso, em seus efeitos ulteriores,
do que a doença de que deveria curar? A própria humanidade sofre ainda os efeitos dessas
veleidades de cura sacerdotais” (NIETZSCHE, 2009, p. 22).
Os escravos se unem aos sacerdotes em troca desse remédio, um deus, outro mundo.
Acham motivo para afirmar que a vida é má, injusta, miserável. Nietzsche ressalta que o que
diferencia o homem dos outros animais é justamente o que os sacerdotes a serviço da aristocracia
com o poder de dominar e hostilizar o fez, os guiaram ora sentido a realização de sonhos, ora em
rumo à explosão de sentimentos, sem contar com um plano de fuga e encontro com Deus. Nessa
oposição de valores predominantes leva o homem a uma superioridade e faz nascer o mal.
Destaca-se que a oposição de bem e mal se inicia com a oposição entre a raça
sacerdotal e a raça dos guerreiros, ambos, participantes da aristocracia, mas mesmo pertencendo
à aristocracia os sacerdotes não tinham poder, nem dinheiro, pois esses bens advinham da guerra,
algo que os sacerdotes eram contra. Os sacerdotes, os guerreiros fracassados, os homens
internalizam os seus desejos e usam os judeus, o povo, os escravos, para seu plano de vingança.
Os sacerdotes propõem a anulação do mundo da vida em nome de um mundo sem
instintos, sem sofrimentos, sem problemas. Eles remetem a vida para um mundo do nada,
transferem o valor da vida para o mundo de deus.
A vingança de uma raça venenosa e vingativa foi responsável por uma indignação dos
escravos, dos pobres, pois com um plano de vingança, transformaram tudo que era mau para os
guerreiros em bom, ou seja, os judeus inverteram radicalmente todos os seus valores.
Não se consegue perceber que do ódio judeu e do plano de vingança judaico acontece
à inversão de valores, mas é entendido por Nietzsche que se trata de dois mil anos para uma
sociedade sem esclarecimento entender. É posto em questionamento a crucificação de Jesus de
Nazaré como sendo apenas um instrumento de vingança de Israel e que sua morte e crucificação
foi simplesmente uma estratégia de comparação a um deus crucificado por lutar pela salvação do
homem. Prova disso é que Israel com seus ideais triunfa até hoje sobre os ideais dos nobres.
Quem venceu o combate sobre a moral? “O povo venceu – ou ‘os escravos’, ou ‘a
plebe’, ou ‘o rebanho’, ou como quiser chamá-lo – se isto aconteceu graças aos judeus, muito
bem! Jamais um povo teve missão maior na história universal” (NIETZSCHE, 2009, p. 25). A
moral do homem comum venceu e é por isso que tudo se cristianiza tudo se plebeiza:
O ressentimento dos escravos é o responsável por criar valores, para isso nega a si
mesmo e o seu mundo, essa negação de si em nome de outro mundo é em geral a moral dos
escravos. O escravo precisa se autodeclarar arrebatado para convencer que está correto em sua
avaliação sobre os valores de bem e mal, enquanto um nobre afirma a si mesmo, sua existência,
não se vitimiza, mesmo quando sente ódio é um sentimento natural humano, não pensa em
vingança e quando isso acontece nem se compara com a vingança dos pobres ou escravos que
precisam falsificar a imagem do objeto desprezado, a fim de ridicularizá-lo e torná-lo monstro.
Para Vânia Azeredo, os valores “bom e ruim sempre tiveram seu estabelecimento
associado à nobreza ou à vilania segundo a vontade que estava por trás de determinado tipo de
homem”. Em um primeiro momento o tipo de homem nobre atribuía para si o valor “bom” e
“ruim” para o seu oposto. “Mas, em segundo momento, houve uma inversão, que se estabeleceu
quando o bom, outrora sinônimo de nobre, passou a ser atribuído a tipo vil, e o mau, outrora
sinônimo de vil, enquanto ruim, passou a ser atribuído ao tipo nobre” (2000, p. 58).
Os escravos saem vitoriosos do combate, mas como não puderam tornar-se senhores
de si mesmos criaram alguns valores como: a memória, justiça, adaptação e o pior deles, o castigo,
que leva o homem a não agir, fazendo com que crie uma má consciência. E o medo de ser castigado
faz o homem reprimir seus instintos e criar um mundo interior.
Segundo Nietzsche o esquecimento propicia a calma, tranquilidade, cuida da
manutenção da ordem psíquica, e uma vez ocultado essa faculdade o homem não pode exercer sua
vontade de poder. Criam a memória para que o ressentimento nunca deixe de cessar e causar
danos:
Educar o animal homem foi uma das formas de impregnar uma má consciência, uma
consciência de dívida com Deus, uma dívida que sempre terá que ser paga com o sofrimento, com
crueldade, “sem crueldade não há festa: é o que ensina a mais antiga e mais longa história do
homem; e no castigo também há muito de festivo!” (NIETZSCHE, 2009, p. 51). A moralização
domestica o animal homem e acaba reprimindo seus instintos.
O que revolta no sofrimento não é o sofrimento em si, mas a sua falta de sentido;
mas nem para o cristão, que interpretou o sofrimento introduzindo- lhe todo um
mecanismo secreto de salvação, nem para ingênuo das eras antigas, que explicava
todo sofrimento em consideração a espectadores ou a seus causadores, existia tal
sofrimento sem sentido. Para que o sofrimento oculto, não descoberto, não
testemunhado, pudesse ser abolido do mundo e honestamente negado, o homem
se viu então praticamente obrigado a inventar deuses e seres intermediários para
todos os céus e abismos, algo, em suma, que também vagueia no oculto, que
também vê no escuro, e que não dispensa facilmente um espetáculo interessante
de dor (NIETZSCHE, 2009, p. 53, grifo do autor).
Dessa maneira, segundo Nietzsche o que mais repugnava não era o sofrimento, mas
segundo ele próprio um sofrimento sem sentido. Inventaram os deuses para justificar essa
crueldade, criam o castigo para despertar um sentimento de culpa, uma má consciência, uma vez
que não reprime seus instintos e não paga sua dívida é mandado de volta a um estado selvagem.
A moral dos costumes aprisionou o homem e tornou-lhe decifrável. Como diz Vânia
Azeredo, “a moralidade do costume é percebida como a capacidade ou mesmo a condição do
humano de obedecer a leis, cujo referencial regulador encontra-se em uma superioridade imanente
expressa na figura da tradição” (2000, p. 93). Segundo Nietzsche somente quando o homem se
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livrar das grades que lhe aprisionam será novamente autônomo, independente e dotado de vontade
de poder. “O homem livre”, um homem de instinto dominante, que afirma o bom e despreza o
mau a partir de si mesmo e que tem consciência de sua supremacia.
As religiões com seus cultos são fontes de crueldade, para Nietzsche a má consciência
é justamente o oposto da privação de instintos, não agir de acordo seus instintos, obrigando-se a
desenvolver interiormente, isso é a má consciência. “Vejo a má consciência como a profunda
doença que o homem teve de contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu”
(NIETZSCHE, 2009, p. 67).
O ascetismo, a afirmação de outro mundo, pertence ao domínio das religiões que
precisam tornar as coisas inesquecíveis para que continue o seu triunfo mantendo na memória dos
escravos os infortúnios naturais, como a repressão de seus instintos. O ideal ascético é a doença
mais perigosa dos padres e de seus rebanhos.
Para Nietzsche os valores metafísicos seriam resultado de uma invenção, e essa
invenção desencadeou os ideais ascéticos. O que são ideais ascéticos? Segundo Vânia Azeredo,
Nietzsche apresenta este ideal como o único vigente e, nesse sentido, como
suporte metafísico da religião, da moral, da filosofia e da ciência. A sua
significação está diretamente relacionada com a busca de sentido e a salvaguarda
da vontade de potência. Nesse ideal quer-se o nada, mas se preserva o querer,
possibilitando compreender o significado expresso na transposição do valor ao
plano imaginário (2000, p. 139).
Vânia Azeredo observa que “a contradição de que Nietzsche está falando é a de luta
contra a própria vida e, ao mesmo tempo, do retirar dessa luta a maneira de preservar a vida”
(2000, p. 142).
O sacerdote é astuto, consegue ferir os sadios e transformar em doentes da mesma
forma que domesticam os doentes, “é o responsável direto pela introdução da culpabilidade e pela
transformação do doente em pecador, através da mudança de direção do ressentimento”
(AZEREDO, 2000, p. 139).
‘Eu sofro: disso alguém deve ser o culpado’ – assim pensa toda ovelha doente.
Mas seu pastor, o sacerdote ascético, lhe diz: ‘Isso mesmo, minha ovelha!
Alguém deve ser culpado: mas você mesma é esse alguém – somente você é
culpada de si!...’. Isto é ousado bastante, falso bastante: mas com isto se alcança
uma coisa ao menos, com isto, como disse, a direção do ressentimento é –
mudada (NIETZSCHE, 2009, p. 109, grifos do autor).
O sacerdote é o doente indicado para mostrar ao rebanho que a culpa não está no outro,
mas nele mesmo, ele mesmo é o culpado de sua desgraça e com uma paixão doentia faz buscar o
consolo no cristianismo, o cristianismo é religião do consolo. Desde o início do cristianismo pode
se perceber a vontade de rebanho, juntar o máximo possível de doentes para serem tratados.
Segundo Nietzsche o rebanho foi formado por um instinto de proteção dos mais fracos,
dos plebeus, dos escravos e os sacerdotes foram os que com sabedoria souberam organizar esse
rebanho, reduzem todos os membros do rebanho a uma única coisa. O ideal ascético reduz tudo a
sua única interpretação, se coloca como o poder supremo, o poder que dar sentido a todos os outros
abaixo de si.
A genealogia da moral nietzschiana não se contenta apenas com a análise histórica dos
conceitos morais, é uma preparação para uma transvaloração dos valores, empreendimento esse
que está vinculado ao livro O Anticristo. Obra em que Nietzsche traça uma crítica ao cristianismo,
religião que segundo o filósofo é responsável por tonar o homem doente.
Nietzsche considera tudo que parte do cristianismo como danoso ao homem, com essa
religião da compaixão a humanidade se transformou num rebanho, tornou-se um animal
doméstico. Dessa forma, o filósofo acredita que os valores cristãos precisam ser superados.
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A rejeição dos valores cristãos se dá por serem postulados metafísicos, uma vez que,
Nietzsche, acredita serem esses valores, históricos, sociais e produzidos pelo próprio homem.
Apontando assim, o projeto de transvaloração dos valores, projeto esse que visa se “opor aos
valores superiores, e mesmo à negação desses valores, a vida como condição do valor, propondo
a criação de novos valores, que sejam os valores da vida, ou melhor, propondo a criação de novas
possibilidades de vida” (MACHADO, 2017, p. 123).
Para que a transvaloração dos valores seja posta em prática, faz-se necessário
compreender o cristianismo como responsável por tornar o homem um ser decadente, para isso,
Nietzsche utiliza-se de sua obra O Anticristo. Entretanto, não basta compreender o cristianismo
como a ruina da vida humana, o homem precisa inverter os valores cristãos, valores que são frutos
de uma inversão de homens ressentidos, homens fracos, e criar valores para além do bem e do
mal.
Nietzsche ressalta que a humanidade não se superou, mas nos lembra de que de vez
por outra surge os super-homens186, porém, o cristianismo travou guerras contra os instintos vitais
desse homem superior. Da guerra cristã contra os instintos do homem superior, surgem valores
fracos, homens decadentes, homens que negam seus próprios desejos. Nietzsche entende os
conceitos cristãos como decadência, privam os instintos, privam a vontade de vida, uma vontade
de poder e todos os valores cristãos carecem dessa vontade de poder.
Na guerra entre os nobres e os escravos, o cristianismo tomou o partido dos escravos,
dos fracos, transformando-os nos fortes.
Nietzsche afirma que o homem com vontade de poder já existe e foi justamente por
isso que a religião no cristianismo criou seu modelo de homem, o oposto do homem digno de vida.
Segundo o filósofo, o cristianismo travou guerra contra todos os instintos desse homem de valor,
do super-homem.
Para Nietzsche o cristianismo é a religião da compaixão que por sua vez é entendido
como sofrimento, prova disso é que Jesus de Nazaré morreu por compaixão, compaixão é
sinônimo de negação da vida. Contudo, os cristãos chamam a incitação à compaixão de Deus.
O filósofo destaca que o homem se considera superior aos outros animais, se enche de
vaidade e se coloca como uma coroação da criação. Porém é o contrário,
não é absolutamente a coroa da criação, cada ser existente se acha, ao lado dele,
no mesmo nível de perfeição... E, ao afirmar isso, ainda afirmamos muito: pois
ele é, considerado relativamente, o animal mais malogrado, o mais doentio, o que
mais perigosamente se desviou de seus instintos — e com tudo isso, é verdade,
também o mais interessante! (NIETZSCHE, 2007, p. 19).
Pois graças ao cristianismo que criou uma série de conceitos, por exemplo: “Deus”,
“alma”, “pecado”, “castigo”, “reino de Deus”, “tentação do Diabo”, “presença de Deus”, “juízo
final”, “vida eterna”, que nem enquanto moral ou enquanto religião tem nada a ver com a
realidade. “O conceito de ‘Deus’ foi, até agora, a maior objeção à existência” (NIETZSCHE, 2017,
p. 39). O cristianismo é contrário à realidade, do ódio cristão ao real criou-se um mundo
imaginário.
186
No Dicionário Nietzsche, o super-homem é apresentado como “aquele que pode ir além do niilismo e de sua
possibilidade de repetição eterna” (MARTON, 2017, p. 106).
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O conceito cristão de Deus — Deus como deus dos doentes, Deus como aranha,
Deus como espírito — é um dos mais corruptos conceitos de Deus que já foi
alcançado na Terra; talvez represente o nadir na evolução descendente dos tipos
divinos. Deus degenerado em contradição da vida, em vez de ser transfiguração
e eterna afirmação desta! Em Deus a hostilidade declarada à vida, à natureza, à
vontade de vida! Deus como fórmula para toda difamação do ‘aquém’, para toda
mentira sobre o ‘além’! Em Deus o nada divinizado, a vontade de nada
canonizada!... (NIETZSCHE, 2007, p. 23, grifos do autor).
Paulo simplesmente deslocou o centro de gravidade de toda aquela existência para trás
dessa existência — na mentira do Jesus “ressuscitado”. Segundo Nietzsche, Paulo quis com isso
chegar ao poder, “quis os fins, portanto quis também os meios... O que ele mesmo não acreditava,
acreditavam os idiotas aos quais lançou a sua doutrina. — Sua necessidade era o poder”
(NIETZSCHE, 2007, p. 48).
O cristianismo travou guerra mortal, desde os mais secretos cantos dos instintos
ruins, a todo sentimento de reverência e distância entre os homens, ou seja, ao
pressuposto de toda elevação, todo crescimento da cultura — com o ressentiment
[ressentimento] das massas forjou sua principal arma contra nós, contra tudo o
que há de nobre, alegre, magnânimo na Terra, contra nossa felicidade na Terra...
(NIETZSCHE, 2007, p. 49).
estado cristão, a ‘fé’, tem de ser uma forma de doença, todos os caminhos retos,
honestos, científicos para o conhecimento têm de ser rejeitados como caminhos
proibidos pela Igreja (NIETZSCHE, 2007, p. 62, grifos do autor).
Eu condeno o cristianismo, faço à Igreja cristã a mais terrível das acusações que
um promotor já teve nos lábios. Ela é, para mim, a maior das corrupções
imagináveis, ela teve a vontade para a derradeira corrupção possível. A Igreja
cristã nada deixou intacto com seu corrompimento, ela fez de todo valor um
desvalor, de toda verdade uma mentira, de toda retidão uma baixeza de alma.
(NIETZSCHE, 2007, p. 78).
Assim, o filósofo alemão vê o cristianismo como o responsável por todo o caos criado
na ordem social, acabou com a esperança da vida, negando a realidade, enquanto a Igreja cristã é
um parasita, o cristianismo é uma grande maldição. Como afirma Scarlett Marton:
De acordo com Scarlett Marton, “se a ruína do cristianismo trouxe como consequência
a sensação de que ‘nada tem sentido’, ‘tudo é em vão’, trata-se agora de mostrar que a visão cristã
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não é a única interpretação do mundo – é só mais uma”. Dessa forma, faz-se necessário a supressão
da moral cristã, é justamente nisto que “consiste o projeto nietzschiano de transvaloração de todos
os valores” (MARTON, 1993, p. 65).
Nietzsche fala por meio de Zaratustra que os povos colocam suas valorações acima de
si, como criações divinas, ao olhar para os mares falavam de “Deus”, mas que vos ensinou a falar
“super-homem”. “Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser superado”
(NIETZSCHE, 2011, p. 13).
Dessa forma, Scarlett Marton sustenta que antes o homem era visto como criatura de
Deus que dava sentido as coisas, agora não é mais que uma ponte para o além-do-homem187.
Para que viva o super-homem, Nietzsche pensa numa transvaloração dos valores.
Segundo Scarlett Marton, essa transvaloração consiste em suprimir, inverter e criar valores:
Transvalorar é, antes de mais nada, suprimir o solo a partir do qual os valores até
então foram engendrados. [...] Transvalorar é, também, inverter os valores. Aqui,
Nietzsche conta realizar obra análoga à dos alquimistas: transformar em ‘ouro’ o
que até então foi odiado, temido e desprezado pela humanidade. É deste ângulo
de visão que denuncia o idealismo e reivindica a efetividade. [...] Transvalorar é,
ainda, criar novos valores (2000, p. 60-62).
187
Scarlett Marton enfatiza que: “não se trata de um tipo biológico superior ou de uma nova espécie engendrada pela
seleção natural, mas de quem organiza o caos de suas paixões e integra numa totalidade cada traço de seu caráter, de
quem percebe que seu próprio ser está envolvido no cosmos, de sorte que afirmá-lo é afirmar tudo o que é, foi e será.
Fazendo surgir novos valores, ele intervém num momento qualquer do processo circular, que é o mundo, e assim
recria o passado e transforma o futuro” (1993, p. 69).
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Ou seja, com a transvaloração dos valores será instituído uma nova tábua de valores,
valores instituídos a partir do próprio homem e não mais em favor de outro mundo, pois
“Nietzsche mostra que os valores são ‘humanos, demasiado humanos’, ou seja, são valores criados
pelos próprios homens tendo assim uma história, com isso, há uma destruição das amarras
dogmáticas que impuseram os valores como criação de Deus” (MARTON, 2016, p. 11-46).
De acordo Scarlett Marton o além-do-homem situa-se para além das velhas dicotomias
da filosofia e está ligado diretamente ao projeto de transvaloração dos valores e indica a
necessidade de uma completa subversão da cultura ocidental.
Após zombarem de Zaratustra ele diz: “o homem é uma corda, atada entre o animal e
o super-homem – uma corda sobre um abismo” (NIETZSCHE, 2011, p. 16).
Os homens criaram para si seus valores de bem e mal e colocaram acima de si.
Segundo Nietzsche, Zaratustra viu muitos países e muitos povos, sendo assim, descobriu o bem e
o mal de muitos povos. “Zaratustra não achou maior poder na terra do que o bem e o mal”. Achou
uma tábua de valores suspensa sobre cada povo. “Olha, é a tábua de suas superações; olha, é a voz
de sua vontade de poder” (NIETZSCHE, 2011, p. 57).
Agora que Deus está morto, que a moral cristã foi destruída, Nietzsche implora para
que os homens permaneçam fiéis à terra:
Permanecei fiéis à terra, irmãos, com o poder da vossa virtude! Que vosso amor
dadivoso e vosso conhecimento sirvam ao sentido da terra! Assim vos peço e
imploro. Não os deixeis voar para longe do que é terreno e bater com as asas nas
paredes eternas! Oh, sempre houve tanta virtude extraviada! Trazei, como eu, a
virtude extraviada de volta para a terra — sim, de volta ao corpo e à vida: para
que dê à terra seu sentido — um sentido humano! (NIETZSCHE, 2011, p. 74).
Assim o homem precisa tomar para si a responsabilidade de ser criador, de criar novos
valores, valores que sejam demasiadamente humanos. Como afirma Scarlet Marton até agora foi
o homem, concebido enquanto criatura em relação a um Criador, quem avaliou e, como fruto de
sua avaliação, estabeleceu valores que desvalorizaram a Terra, depreciaram a vida, desprezaram
o corpo. É preciso, pois, combater esses valores, para que surjam outros. Tornando-se criatura e
criador de si mesmo, o além-do-homem prezará os valores em consonância com a Terra, com a
vida e com o corpo (2016, p. 11-46).
Um dia os homens falaram de Deus ao olharem para o que estava distante, mas
Zaratustra lhes ensinou a falar “super-homem”, pois segundo ele:
Deus é uma conjectura; mas eu quero que vossas conjecturas não excedam vossa
vontade criadora.
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Podeis criar um deus? — Então não me faleis de deuses! Mas bem poderíeis criar
o supra-homem.
Talvez não vós mesmos, irmãos! Mas podeis vos converter em pais e ancestrais
do super-homem: e que esta seja a vossa melhor criação! —
Deus é uma conjectura: mas quero que vossas conjecturas se mantenham nos
limites do pensável.
Podeis pensar um deus? — Mas que a vontade de verdade signifique isto para
vós, que tudo seja transformado em humanamente pensável, humanamente
visível, humanamente sensível! Vossos próprios sentidos deveis pensar até o fim!
E o que chamais de Mundo, isso deve ser criado primeiramente por vós: vossa
razão, vossa imagem, vossa vontade, vosso amor deve ele próprio se tornar!
(NIETZSCHE, 2011, p. 81).
Ou seja, a criação do homem não pode exceder a si próprio, não é possível criar um
deus, por outro lado é possível criar um super-homem. O super-homem é o criador, aquele que
cria tudo que pode ser pensado, tudo que é possível.
Nietzsche diz que quando Zaratustra desceu das montanhas e falou para os homens
pela primeira vez, deparou-se com a presunção dos homens, esses achavam saber o que é “bom”
e o que “mau”, porém, perturbou “esta sonolência ao ensinar que ninguém sabe ainda o que é bom
e mau — a não ser aquele que cria! — Mas esse é aquele que cria a meta para os homens e dá à
terra seu sentido e seu futuro: apenas ele faz com que algo seja bom ou mau” (NIETZSCHE, 2011,
p. 187).
O filósofo pela boca de Zaratustra propõe que sejam derrubadas as velhas tábuas de
valores e que “o homem é algo que tem de ser superado, — que o homem é uma ponte e não um
fim: declarando-se bem aventurado por seu meio-dia e entardecer, como o caminho para novas
auroras” (NIETZSCHE, 2011, p. 189).
Supera a ti mesmo também no teu próximo: e um direito que podes arrebatar, não
deixeis que te seja dado!
Aquilo que fazes, ninguém pode fazer a ti. Vê, não existe retribuição.
Quem não pode comandar a si mesmo, deve obedecer (NIETZSCHE, 2011, p.
190).
Para Nietzsche o homem é algo que precisa ser superado, essa superação precisa ser
uma autossuperação, ou seja, o homem precisa superar a si mesmo. Não pode esperar que o outro
faça por ele, pois os que não fazem por si devem ser comandados.
Segundo Nietzsche é necessário que surja uma nova nobreza que que seja procriadora
e cultivadora de novas tábuas de valores, tábuas de valores inspiradas em sua própria nobreza,
pois diferente da plebe que quer tudo de graça, a nobreza sempre reflete sobre o que pode dar em
troca da vida. Que essa nobreza seja semeadora do futuro, “vossa nobreza não deve olhar para
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trás, mas adiante! Deveis ser expulsos de todas as terras pátrias e avoengas!” (NIETZSCHE, 2011,
p. 194).
Mesmo sabendo que a plebe acredita que os homens são todos iguais, que ‘não há
homens superiores’, que todos são iguais, diante de Deus. Zaratustra afirma que é necessário saber
que “agora morreu esse deus”. Que esse deus era o maior perigo e somente com sua morte “vem
o grande meio-dia, somente agora o homem superior torna-se — senhor!”, e acrescenta: “Deus
morreu: agora nós queremos — que o super-homem viva” (NIETZSCHE, 2011, p. 271-272).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
______. Extravagâncias: ensaios sobre a filosofia de Nietzsche. São Pualo: Unijuí, 2000.
______. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. Tradução de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das letras, 2008.
______. Genealogia da moral: uma polêmica. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo:
Companhia das letras, 2009.
______. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Tradução de Paulo César
de Souza. São Paulo: Companhia das letras, 2011.
Cláudia da Silva188
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha189
Resumo: O século das luzes uma das definições do século XVIII, marcado pelo o Iluminismo em
alguns países da Europa, sobretudo na França onde um ganhou destaque pelos filósofos, homens
de letras que publicavam tratados filosóficos, políticos e religioso e culturais na Enciclopédia. O
Iluminismo é exaltado por esses pensadores como a luz que veio salvar a humanidade de todos os
males. Rousseau chama atenção sobre essa exaltação à razão, pois o autor acredita que em quase
nada as artes e as ciências contribuíram para o aprimoramento da civilidade, e sim para
disseminarem o luxo, o egoísmo e as futilidades humanas, fortalecendo desse modo as
desigualdades sociais.
Palavras-Chave: Iluminismo. Progresso. Exaltação suprema da Razão. Rousseau. Natureza.
Abstract: The century of lights, one of the definitions of 18th century, marked by the
Enlightnment in some European countris, especially n France, where one gained prominence by
philosophers, men of letters Who published philosophical, political and religious and cultural
treatises in the Encyclopedia. The Enlightenment is extolled by these thinkers as the light that
came to save humanity from all evils. Rousseau draws attention to this exaltation of reason,
because the author believes that in almost nothing the arts abd sciences contributed to the
improvement of civility, but to dissiminate luxury, selfishness and human futility, thus
strengthening social inequalities.
Keywords: Enightenment. Progress. Supreme exaltation od Reason. Rousseau. Nature.
INTRODUÇÃO
188
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (UFMA) Pesquisadora do GEPi Rousseau–
UFMA/CNPq. Professora do IESMA/Faculdade Católica. E-mail: marvite.mc@hotmail.com
189
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade–UFMA. Professor do DEFIL –UFMA.
Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa Interdisciplinar Jean-Jacques Rousseau UFMA (GEPI Rousseau UFMA),
registrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq E-mail: lucianosfacanha@hotmail.com
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sociais, esclarecendo as coisas sobre aquilo se mostra como desconhecido e sempre na tentativa
de levar o homem à plena felicidade.
Rousseau ao ver um anuncio que a academia de Dijon lança sobre o restabelecimento das
artes, se elas tinham alguma contribuição para os costumes, Rousseau, então manda seu trabalho
e é premiado em seu Primeiro Discurso pela academia em 1750. O autor responde a academia de
forma negativa, inflamando seu discurso com a ideia que os costumes e a moral estão em nada
contribui para os costumes, estimula a depravação em razão da valorização atribuída as artes e a
luxuria, despertando o gosto pela vaidade.
Rousseau passa a ser lido, reconhecido, amado e odiado, embora todo esse vendaval em
torno, nada muda seu modo de ver e agir em relação as ciências e as artes. A educação era uma
das grandes preocupações de Rousseau, fato este que ele esclarece em sua obra O Emilio ou da
Educação. Esta deveria ser livre dos excessos institucionais. Assim como o homem é fruto da
natureza a educação também deve ser iniciada por ela.
Rousseau chama atenção sobre essa exaltação à razão, pois o autor acredita que em quase
nada as artes e as ciências contribuíram para o aprimoramento da civilidade, e sim para
disseminarem o luxo, o egoísmo e as futilidades humanas, fortalecendo desse modo as
desigualdades sociais.
Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo de
natural ou física[...]; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou
política, por que depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou,
ao menos, autorizada pelo consentimento dos homens. (ROUSSEAU.J-J,
Discurso sobre a desigualdade. 1978, p. 235).
Jean-Jacques Rousseau acreditava que a natureza tenha um caminho reto, onde ela jamais
degenera um filho seu. Em sua obra, o Segundo Discurso (1978, p. 87), ele afirma que “Foi
preciso fazer muitos progressos, adquirir-se muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de
geração para geração, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza”. Ou seja, toda
depravação moral vem do próprio homem e de seu afastamento do estado de natureza.
Portanto, não há como fugir de um contexto histórico, os homens não estão fora de um
determinado tempo histórico, de uma certa mentalidade que permeia e dita as regras numa dada
sociedade, num tempo específico. Isso não quer dizer que haja uma relação mecânica de causa e
efeito, entre aquele contexto histórico e a própria existência do ser humano, as relações entre os
homens e seus tempos são muito mais complexas, sobretudo quando se considera que num dado
contexto cultural (e histórico) há sempre brechas, espaços de diferentes enfrentamentos com o
mundo, que não necessariamente aquele dado pelo paradigma da conjuntura histórico-social na
qual se está inserido. Em seu Segundo Discurso Rousseau diz:
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Oh! Homem, de qualquer região que sejas, quaisquer que sejam tuas opiniões,
ouve-me; eis tua história como acreditei tê-la lido nos livros de teus semelhantes,
que são mentirosos, mas na tua natureza que jamais mente. Tudo a que estiver
nela será verdadeiro; só será falso aquilo que, sem querer, tiver misturado de
meu. Os tempos de que vou falar são muito distantes; como mudaste! É, por
assim dizer, a vida de tua espécie que vou descrever de acordo com as qualidades
que recebestes, e que tua educação e teus hábitos puderam falsear, mas que não
puderam destruir (ROUSSEAU, 1978, p. 237).
No Segundo Discurso (1978, p. 224), Rousseau descreve que “as paixões, por sua vez,
encontram sua origem em nossas necessidades e seu progresso em nossos conhecimentos, pois só
se pode desejar ou temer as coisas segundo as ideias que delas se possa fazer ou pelo simples
impulso da natureza”; sendo assim, logo fica claro o porquê do autor tecer sua crítica ao progresso
das ciências. “o homem selvagem, privado de toda espécie de luzes, só experimenta as paixões
desta última espécie não ultrapassando, pois, seus desejos e suas necessidades físicas”. Voltemos
ao Primeiro Discurso de Rousseau (1978, p. 335), onde “A necessidade levantou os tronos; as
ciências e as artes os fortaleceram”.
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Embora, o Iluminismo esteja presente no pensamento grego, a efervescência que ele provoca
no século XVIII, parece novidade, principalmente em Paris, espaço para todo tipo de arte por ser
uma sociedade já corrompida pelos costumes, e sua influência estará na posterioridade,
preocupação essa de Rousseau. Quando ao século referido por Cassirer, vejamos o que diz Salinas
Fortes (2004, 12-14), em sua obra O Iluminismo e os reis filósofos
Quando falamos em Iluminismo não estamos nos referindo a uma doutrina
sistemática susceptível de ser exposta como um todo uno e coerente. Ao
contrário, não apenas nos encontramos diante uma multiplicidade de pontos de
vista doutrinários heterogêneo mas, além disso, [...], uma das características
principais do “espírito” do Iluminismo consiste justamente na sua aversão aos
grandes sistemas filosóficos do século anterior.
Nota-se, portanto, que os iluministas acabam herdando a confiança na razão, uma convicção
herdada dos racionalistas como Descartes, Spinoza e Leibniz, mas também não se pode esquecer
que eles de modo semelhante, são herdeiros da razão apresentada na experimentabilidade de John
Locke. Enfim, podemos dizer que a razão iluminista é uma razão orientada, fiscalizada e limitada
pela experiência, mesmo considerando que o homem não se reduz à razão, entende-se que
quaisquer indagações sobre os homens e suas relações sócio históricas só podem ser feitas através
da razão. E quanto a esta razão, “Cada século”, dirá Diderot, “tem um espírito que o caracteriza:
o espírito do nosso parece ser o da liberdade.” (SALINAS FORTES, 2004, p. 16). Já para o
filósofo alemão Immanuel Kant, citado por Reale e Antisere em sua obra História da Filosofia
volume II, (1990, p. 669), vai além afirmando que “O Iluminismo é a saída do homem do estado
de minoridade que ele deve imputar a si mesmo”. Essa minoridade descrita por Kant não é a de
sua estatura física, mas a de sua ação intelectual diante de suas atitudes. Sabedoria e coragem no
agir por si próprio.
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Diante das inúmeras definições acerca do que foi o Iluminismo, Maria das graças Sousa em
sua obra Ilustração e História: O pensamento sobre a história no Iluminismo francês, cita
Condorcet. “O século é, portanto, uma época feliz na qual a razão saiu vitoriosa na luta contra a
ignorância. Os séculos seguintes só lhe acrescentarão novas luzes, e o progresso só terminará com
o mundo. Seu limite é a duração do universo”. (2001, p. 11). É importante notar que o Iluminismo
surge em alguns países da Europa, sobretudo na França com os enciclopedistas (Voltaire, Diderot,
Montesquieu, Rousseau. Assim vale destacar que muitos acontecimentos políticos contribuíram
para a manifestação do Iluminismo, como o Renascimento, a Contra-Reforma, a Revolução
Inglesa entre outros movimentos como o aprimoramento da ciência no século XVIII. Ainda de
acordo com Luciano Façanha, não é uma tarefa fácil caracterizar o Iluminismo diante de tantas
ideias, de pensamentos diferentes, uma vez que ele vem de outros países e outras culturas
A isso também se acresce a circunstância de que tal época está longe de constituir
uma grandeza homogênea, pelo contrário, ela representa, nos diferentes países
europeus, uma pluralidade de diversificações de tal modo rica que talvez fosse
mais rigoroso falar de vários iluminismos do que de um só. (FAÇANHA, 2006,
p. 45).
Um homem que se preocupava e falava sem medo do homem. Sendo Rousseau um homem
de “contradições e incoerências” como diz Salinas fortes, (1989, p.11), “passemos a palavra a
Rousseau”: “Escrevi diversos assuntos, mas sempre nos mesmos princípios: sempre a mesma
moral, a mesma crença, as mesmas máximas e, se quiserem, as mesmas opiniões”. (Grifo do
autor.) E por essa diversidade de opiniões que para ele, o homem sem os instintos e as paixões, a
razão acaba se tornando meramente acadêmica, de outro lado, sem a disciplina que é oferecida
pela razão, as paixões junto com os instintos conduzem ao caos social.
Logo, por Rousseau ter uma mente eclética, por andar por muitos ramos do conhecimento
e tratar dos argumentos mais diversificados como a música, a pedagogia e política, política e
religião, todos esses elementos nos possibilita evidenciar os pontos principais de seu pensamento
como será apresentado em três definições chamadas “resumos” por Cláudio Dalbosco em seu livro
da Educação natural em Rousseau das necessidades das crianças e dos cuidados do adulto (2011,
p. 117-118),
[...] sendo que cada uma delas permite situá-lo de modo diferente no contexto
iluminista do século XVIII: a primeira concebo como um otimismo quanto aos
rumos da civilização humana; a segunda, trata-o de primitivista; e por último, a
terceira apresenta Rousseau como um “dialético” da razão.
Continua Dalbosco. “De todas estas interpretações, a primeira é a que menos tem amparo
textual só seu próprio pensamento”. Rousseau dentro do contexto iluminista consegue denunciar
o que se pode denominar de imoral, de excessos e, embora, confie na racionalidade humana, ele
não parece simpático ao extremo do racionalismo, no sentido do esquecimento dos instintos e das
paixões humanas e o processo de construção da história, pois a medida que a razão se forma na
consciência humana, a depravação se constitui, portanto, o homem deve seguir primeiramente a
voz da natureza, assim, ele jamais se afastará de caminho e de sua felicidade.
Enquanto se percebe no Contrato Social a concepção política rousseauniana, em sua obra O
Emílio ou da Educação é exposta a sua doutrina pedagógica. Mas é no Segundo Discurso,
Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens que o autor tratará
mais especifica e diretamente acerca do homem na construção do processo histórico, de como este
vive na história e sob que condições a constrói. Jean Starobinski (1991, p. 34), constata que
Rousseau “faz a história de seus pensamentos”. Passa-se a palavra a Rousseau:
É fácil de ver que nessas mudanças sucessíveis da construção humana que se
deve procurar a origem primeira das diferenças que distingue os homens, os
quais, na opinião comum, são naturalmente tão iguais entre si quanto o eram
antes os animais de cada espécie [...]. (ROUSSEAU, 1978, p. 227, 228). (grifo
do autor).
As diferenças surgem com a expansão da vista, com as novas aquisições das coisas e com
o afastamento do estado natural. Diante disso, ocorre uma clara manifestação de um pensamento
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extremamente crítico, que coloca o seu próprio tempo em questão e em debate. É, pois a razão a
condutora do novo modo de agir, ou seja, na questão racional iluminista “Rousseau era iluminista,
porque considerava a razão como instrumento privilegiado como para a superação dos males em
que séculos de desvio haviam lançado o homem e para a vitória sobre eles”. Reale e Antisere
(1990, p. 767).
O fato é que seria um absurdo pensar um homem capaz de fugir totalmente de seu tempo.
Como diz Luciano Façanha em seu artigo Da natureza ao diagnóstico do ‘mal-estar na
civilização’ em Rousseau (2014, p. 74). “Assim, diante de conflitos suscitados, como o de ser um
iluminista e ter passado boa parte de sua vida tecendo críticas à confraria dos iluministas, Rousseau
muitas vezes foi considerado “homem estranho””. Portanto, diante dessa diversidade controversa
manifesta em Rousseau, só pode ser pensada no espaço de sua existência crítica diante de seu
próprio tempo, e do movimento que foi parte indiscutível dele.
Portanto, dentro do processo histórico critico filosófico do iluminismo, Rousseau é um
iluminista pensando enquanto iluminista, é também um homem que critica as próprias estruturas,
que marcam o seu tempo e espaço, a sua história. Rousseau é um homem pensando e sentindo o
iluminismo e ao mesmo tempo em que é um homem repensando e re-significando o “século das
luzes”
REFERENCIAS
DALBOSCO, Cláudio Almir. Educação natural em Rousseau das necessidades das crianças
e dos cuidados do adulto. São Paulo: ed. Cortez, 2011.
FAÇANHA, Luciano da Silva. Para ler Rousseau: uma interpretação de sua narrativa
confessional por um leitor da posteridade. São Paulo: Edições Inteligentes, 2006.
FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os Reis Filósofos. São Paulo: Brasiliense, 2004.
FORTES, Luiz Roberto Salinas. Rousseau: o bom selvagem. São Paulo: ed. FTD, 1989.
Página 995 de 2230
ROUSSEAU. Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes. São Paulo: Abril Cultural,
1978.
THE LAIC LITERATURE IN THE FRENCH MIDDLE AGE OF THE 12th CENTURY AND
ITS RELATIONSHIP IN THE CONSTRUCTION OF THE VISION OF CAVALRY.
Resumo: A sociedade de corte, na França do século XII, era movida por aparências, modeladas
por padrões balizados sobre a égide cristã, onde cada um desempenhava um papel estritamente
definido por sua posição social e por seu sexo, homens e mulheres eram cerceados por obrigações
e imposições que visavam disciplinar corpos e mentes com barreiras estabelecidas, e tais
parâmetros eram espelhados pelas manifestações culturais, que buscavam arrebanhar audiências
com seu conteúdo baseado em grandes feitos de cavaleiros valorosos, fieis e leais ao rei e a Deus,
num ambiente que respirava o ímpeto cruzado, várias serão as formas de expansão desse
pensamento, sobretudo nas cidades que se reestruturaram no período para receber de volta a
nobreza. Tais características podem ser apreendidas na análise das obras literárias produzidas no
período, entre elas a canção de gesta e o roman que trazem aspectos da realidade em que os povos
do medievo estavam inseridos, além de criar uma série de leis e regras que deveriam ser seguidos
e conhecidos por todos dessa sociedade. A literatura nesse período faz o papel de moralizadora,
como instrumentos para incutir na mente do público valores e moldes de comportamento além de
pacificar suas ações violentas reduzindo assim o descontentamento da Igreja.
Palavras-chave: Literatura. Idade Média. Cavalaria. Cultura.
Abstract: Court society in France’s 12th-century was driven by appearances, shaped by standards
based on Christian aegis, where each played a role strictly defined by their social position and
gender, men and women were surrounded by obligations and impositions aimed at disciplining
bodies and minds with established barriers, and these parameters were mirrored by cultural
manifestations, which sought to gather audiences with their content based on great deeds of valiant
knights, faithful and loyal to the king and God, in an environment that breathed the momentum
crossed, there will be several ways of expanding this thought, especially in cities that were
restructured in the period to receive the nobility back. Such characteristics can be apprehended in
the analysis of the literary works produced in the period, among them the gesta song and the roman
that bring aspects of the reality in which the medieval peoples were inserted, besides creating a
series of laws and rules that should be followed and known to everyone in that society. Literature
in this period plays the role of moralizing, as instruments to instill in the public's mind values and
patterns of behavior in addition to pacifying its violent actions thus reducing the Church's
discontent.
Keywords: Literature. Middle Ages. Cavalry.Culture.
Introdução
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Para se inserir entre os seus semelhantes, e ser por eles aceito, o ser humano teve que
se adaptar à realidade social a ele imposta, essa configuração é dada desde seu nascimento, São
Tomás de Aquino em sua Suma Theológica, assim como Aristóteles analisava que o homem, como
ser sociável, necessitava desse convívio, sendo um infortúnio viver fora dele. No período
medieval, só era aceitável o isolamento, se a pessoa fizesse parte de uma ordem religiosa, que
via no recolhimento uma forma de aproximação com Deus.
Nessa época, a participação social era importante, visto que as redes de relações
engendradas eram complexas e plurais, o vivente dessa realidade assumia diversas personas, que
não se resumiam em somente seguir papeis designados por uma ordem trifuncional determinada
como se imagina.
Vendo-se inserido nessa concepção, cada individuo via-se diante duma ordenação
social estabelecida e quase imutável, e por isso, deveria se resignar e aceitar tal coerência,
pensando numa recompensa que seria alcançada no momento em que fossem julgados no fim.
Para o homem medieval, as coisas seguiam a lógica celeste, e restava a todos se
resignarem com sua sorte, já que a possibilidade de ascensão social pequena, os mais humildes
olhavam para cima e viam a nobreza e o clero, já a nobreza olhava para baixo e via uma massa de
pessoas destinadas a servir, sem questionar, sua autoridade previamente determinada pelas mãos
divinas.
Dentro dessa realidade social, a camada com maior fonte de riqueza, a terra, era a
nobreza, estamento econômico que recebia rendas da reserva dominal, cultivada por um vasto
número de criados, que o sustentava e lhe dava a liberdade para não explorar fisicamente seus
campos.
E pelo fato da sociedade europeia viver no clima de constante instabilidade e por ter
sempre presente o espírito bélico das Cruzadas, seus membros viam nas práticas de guerra um
movimento cotidiano, o que desencadeava uma série de consequências para as outras categorias
dessa tripartição.
A verdade é que na sociedade medieval, cada um era obrigado a viver de acordo com
a forma de vida em que nasceu e do meio em que as oportunidades surgiam, como um
190
DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. 2 ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p.76.
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“confinamento social”. Os mais nobres possuíam o controle, por suas armas e sua ideologia de se
acharem superiores aos demais. Ao pensar assim, os membros desse estamento não têm escrúpulos
em desprezar os outros e praticar a falta de moderação e dar vazão a seus impulsos.
Esse padrão de ordens implantadas advém da visão que o homem medieval possuía de
uma vida social harmônica, engendrada por Deus, ao contrário da lógica de convivência terrena
concebida pelo homem, carregada de pecado, vícios e paixões sem controle, que necessitava de
uma vigilância constante.
A esse mundo teoricamente organizado à perfeição de Deus, o homem do medievo
precisava encaixar-se, e para isso tinha que seguir regras estabelecidas, convencionadas ante os
poderes do céu e da terra.
O céu tendo como representante a Igreja, instância de representação de Deus, lugar de
salvação, mostra ao homem o modelo de comportamento reto, cristão, que o levará para a morada
celeste. Já a terra tem como emissária as realizações do homem, que induzem ao pecado, como o
paganismo e ao uso extremado da força, que desumaniza a figura criada por Deus, a sua imagem
e semelhança, que não tem outro fim senão a danação eterna.
A oposição entre o aqui embaixo e o além é inseparável da dualidade moral que estrutura
o pensamento cristão. Essa dualidade é, de resto, o fundamento do modelo das duas
cidade, que Agostinho lega à Idade Média e em virtude do qual o mundo se divide em
dois conjuntos opostos: a cidade de Deus , que reúne os justos daqui de baixo e a cidade
do Diabo , da qual fazem parte tanto os seres vivos atormentados pelo pecado como os
danados e os diabos que povoam o inferno.191
1-Transmissão de modelos.
A maioria da população medieval era formada por iletrados, como então passar a
mensagem de como se deveria ou não agir, mostrar as consequências do vício e as maravilhas do
paraíso?
191
BASCHET, Jerôme. A Civilização Feudal: do ano 1000 à colonização da América. São Paulo: Globo,2006,
p.375.
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A quem fosse incumbida essa missão seja os representantes da Igreja, os clérigos, seja
os laicos jograis, ambos usavam de estratégias para a transmissão de suas mensagens, através de
palavras, ou de imagens.
No caso da palavra, para chegar ao público a que se destinava, o portador dela deveria
expô-la ao maior número possível de pessoas, e para isso a memória era fundamental, como nos
diz Le Goff:
Muitos dos homens da Idade Média são analfabetos, como é o caso da grande maioria
dos leigos até ao século XIII. Nesse mundo de iletrados, a palavra tem uma força especial.
Das pregações o homem medieval extrai noções, anedotas, instrução moral e religiosa. E
certo que o texto escrito tem um grande prestigio baseado no prestigio das ≪Sagradas
Escrituras≫ e dos clérigos, homens de escrita, a começar pelos monges, como o
scriptorium — o lugar da escrita, o aposento essencial de todos os mosteiros —
comprova. No entanto, o grande veículo de comunicação e a palavra. Isso pressupõe que
a palavra seja bem conservada. O homem medieval e um homem de memória, de boa
memória192.
O melhor desenvolvimento dessa metáfora foi de João de Salisbury, por volta de 1159,
no seu famoso Policraticus: a comunidade política (res publica) é um corpo do qual o
rei é a cabeça, o Senado o coração, os juízes e governadores de províncias os olhos,
ouvidos e língua, os guerreiros as mãos, os arrecadadores de impostos e fiscais o ventre
e o intestino, os camponeses os pés. Na realidade medieval, o Estado típico era, portanto,
um reino193.
Uma ideia que usa o corpo como exemplo é de significação religiosa, onde Cristo é a
cabeça, porém posteriormente, é pensada uma nova configuração, usando o mesmo objeto, mas
enquadrando-o na imagem política, a cabeça não é mais o Cristo e sim o monarca - que gera a
disputa entre a Igreja e o Estado, para ver quem era mais essencial na fisiologia politica.194
Dentro dessa perspectiva, de ressignificação modelares, muitos daqueles que
“pertenciam ao mundo”, no fim de suas vidas entregavam seu corpo a causa celeste, abrindo mão
dos vícios terrenos e abraçando o hábito monástico como uma forma de reparação física e
espiritual.
192
LE GOFF, Jacques. O Homem Medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989. p.27.
193
FRANCO JR, Hilário. Idade Média Nascimento do Ocidente. Brasília: Ed. Brasiliense, 2001. p.67.
194
LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas. Uma História do Corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira,2006, p.169.
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Outras visões trazem a imagem do corpo como portas para o pecado, em que por meio
dele, despontam os pecados capitais, que levam o homem a queda, e onde no inferno segundo
alguns textos da época, esses pecadores tem que pagar suas penas.
E mesmo após a morte, esses pecadores sentem os martírios, afligidos por uma espécie
do que Le Goff chama de “receptáculos incertos”196 , pois apesar da ausência de um corpo físico,
os mortos apresentam sensações corporais.
A materialidade é onde se dá a danação, mas também a salvação e dentro do espaço
físico que o cristão deve buscar a fiança para a recompensa final. E para isso, é necessária a
indicação de como proceder, e tomando em conta tal perspectiva, percebe-se a construção de
modelos que regerão as formas de comportamento social.
Essas regras são definidas de acordo com a camada social em que individuo está inserido,
e tais códigos serão construídos através de uma complexa e intricada teia discursiva.
Durante a Idade Média, a dialética de prevalência discursiva não é diferente das demais
épocas, numa sociedade onde poucos sabiam escrever e grande parte das ideias se disseminava
através da oralidade, e o significado das palavras adquiria um peso relevante.
[...]Muitos dos homens da Idade Média são analfabetos, como e o caso da grande maioria
dos leigos até ao século XIII. Nesse mundo de iletrados, a palavra tem uma forca especial.
Das pregações o homem medieval extrai noções, anedotas, instrução moral e religiosa. E
certo que o texto escrito tem um grande prestigio baseado no prestigio das ≪Sagradas
Escrituras≫ e dos clérigos, homens de escrita, a começar pelos monges, como
scriptorium — o lugar da escrita, o aposento essencial de todos os mosteiros —
comprova. No entanto, o grande veículo de comunicação e a palavra. Isso pressupõe que
a palavra seja bem conservada197
Grande parte desse conteúdo era repassado e ganhava significados de acordo com a classe
que absorvia o discurso e dela fazia uso, atribuindo signos repletos de ideologias.
Como em toda complexa sociedade, a população do medievo tinha necessidades de
comunicar-se e em seu caso, a palavra, o gesto e o signo ganhavam nuances que seriam
decodificadas para quem se destinasse a mensagem, geralmente passadas pelos clérigos em suas
pregações, ou pelos jograis -pessoas que declamavam as diversas ideias que circulavam na
sociedade.
195
DUBY, Georges. História da vida privada 2: da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras,
1990, p.40.
196
LE GOFF, Jacques. Os Limbos. Signum Revista da ABREM. São Paulo, v.5: Associação Brasileira de Estudos
Medievais, 2003.p 264.
197
LE GOFF, Jacques. O Homem Medieval. Lisboa: Ed. Presença, 1989, p.27.
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Nessa posição, clérigos e jograis “manobram” a língua a sua maneira, mesmo que não
sejam autores dos discursos, fazem as vezes de usurários de discursos de outros, sejam eles dos
doutores da Igreja, ou de autores de obras de ficção (trovadores). Que através de contos e
provérbios, expandiam as ideias dos detentores do poder.
A oralidade que, com o passar do tempo, além das mensagens religiosas, se propagará na
cultura laica, onde a voz será produtora da emoção, e numa sociedade iletrada, a palavra dada vale
mais do que a palavra escrita. Ela é ainda uma herança dos povos germânicos, cujas leis eram
fixas no direito consuetudinário, além do religioso de que o entendimento do sagrado se dá pela
palavra199.
No exercício da oralidade, a relação subjetiva de transmissão de informação se concretiza,
dá a presença do autor na prática discursiva.
Para que um líder fosse efetivamente constituído era necessário criar em torno dele uma
imagem construída através de discursos que embasasse suas capacidades de governo, de luta, seu
trato com o povo e suas qualidades cristãs.
[...]percebemos como todo regime político estabelece uma base, um imaginário social
constituído por utopias e ideologias, mas também por mitos, símbolos e alegorias,
elementos poderosos na conformação do poder político, especialmente quando adquirem
a aceitação popular[..]200
E para que o poder político material fosse estabelecido, era necessária a construção da
identidade de um poder simbólico que o embasasse. Na Idade Média, vários elementos foram
usados para isso, territórios com a mesma língua, religião, fronteiras definidas e um exército forte,
além de ideias que funcionassem não só do ponto de vista jurídico como também no campo
simbólico, algo que transcenda a racionalidade, fazendo-os ser sentidos, compreendidos,
assimilados.
[...]Um poder político, com efeito, não é somente composto de homens que instauram e
manobram certas ideias e exercem certas ações. Ele visa se fazer reconhecer, identificar
e, se possível, favoravelmente apreciar, graças a todo um sistema de signos e de
emblemas dos quais os principais são aqueles que são vistos[...]201
198
GREIMAS apud POSSENTI, Sírio. Os Limites do Discurso. São Paulo: Ed. Parábola,2009, p.110.
199
ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz. A “Literatura” Medieval. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1993, p.
46.
200
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador : D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p.20.
201
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Os símbolos do poder. Brasília: UnB Editora, 1995, p.14.
Página 1002 de 2230
possibilidades de sustento e circulação de ideias se configuravam, mas que apesar disso, tinham
bases tradicionais de comportamento.
O revigoramento das cidades trouxe de volta a valorização da cultura local, que teve
nas cortes citadinas um campo prolífico, que tinham além da nobreza (vinda do campo e que trazia
com ela suas impressões e visões de mundo), a emergente burguesia comercial, que era abundante
e de grande importância para a economia dessas localidades.
A cidade é o centro da civilização no século XII, lugar de segurança, manifestação da
ordem e da civilidade; é para lá que seguem aqueles que buscam refinamento e instrução.
Observando essa realidade, as obras culturais realizadas nesse momento, buscam inspirar-se nesse
espaço de convivência e usam a cidade como polo de atração.
É nas cidades que a literatura vai se expandir, deixando de ser somente feita pela Igreja,
e passam também a serem produzidas pelos laicos; com isso, novas formas de cultura se destacam,
tornando-se meios expressão e de diferenciação de um determinado grupo. Uma dessas categorias
particularmente vai se aproveitar dessa nova modalidade de escritura, a cavalaria, que deixa de ser
somente uma categoria profissional e se impõe como hierarquia.
Além disso, há outros avanços no que se refere às técnicas de metalurgia, e agricultura,
a mobilidade aumenta e com isso o campo de visão de mundo do homem do período se alarga. A
aristocracia se renova integrando novos elementos, mostrando um código de ética mais bem
definido, fundindo nobreza e cavalaria. “A absorção da nobreza pela cavalaria é tal que se torna
difícil reivindicar ser nobre sem ser cavaleiro.” 202
Afora das mudanças econômicas provenientes das práticas de comércio, a corte trouxe
outro tipo de transformação que aconteceu concernente ao comportamento. O cavaleiro estava
acostumado a levar uma vida repleta de combates; desde pequeno foi preparado para isso, tinha a
agressividade na sua essência, e com a vida na corte, essa prática passa a ser limitada, em meio a
regras e proibições, que se tornaram autolimitações34.
Essa transformação ocorrerá no período que Marc Bloch chama de tomada de
consciência203 que se dará no momento em que o homem medieval passa a trabalhar sua erudição,
onde os espíritos são convidados a “raciocinar adequadamente”. Instigando o nobre a buscar mais
conhecimento e ilustração.
Com isso, ficam evidentes as diferenças culturais e econômicas na França, que no
momento possuía dois polos distintos: o norte e o sul. Essa polarização estará presente nas
produções culturais durante todo o século XII.
202
BASCHET, Jerôme. op. cit., p.116.
203
BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. São Paulo: Martins Fontes,2012, p.131.
Página 1004 de 2230
As obras produzidas nesse marco cronológico foram escritas ou no dialeto d’oil, com
relação às canções de gesta (geralmente o anglo-normando) ou no dialeto d’oc, no que concerne
ao romance, que tem vida mais longa e prolífica. Respectivamente falados ao norte e ao sul
francês.
Entretanto, o verdadeiro centro de elaboração da grande poesia lírica da Idade Média, foi
o sul da França, na região do Languedócio, comumente chamada Provença. O seu
aparecimento coincide com o nascimento das canções de gesta aia Norte da França, no
século das gêneses (XI)204
204
SPINA, Segismundo. A Cultura literária medieval: uma introdução. São Paulo: Ateliê Editorial, 1997. p.26-
27.
205
HERR, Jacques. A História Medieval. Rio de Janeiro: DIFEL, 1988, p.164.
206
SPINA, Segismundo. A Lírica trovadoresca. São Paulo: Edusp, 1996, p.22.
Página 1005 de 2230
épico e lírico, mostrando o alcance social dessa prática cultural, embasada em elementos do
cotidiano e do passado, acrescidos de imaginação e gerando uma identidade específica de cada
localidade.
A literatura que se desenvolve no chamado círculo cortês é geralmente constituída nas
cidades. Quando esta surgiu, houve uma maior preocupação da nobreza com modos de
comportamento, buscando engendrar uma teia de práticas comportamentais, onde se foi
convencionado o que era ou não socialmente aceito. “Tal civilidade, estritamente cavalheiresca,
exclusiva da vida palaciana e nascida simultaneamente nos dois hemisférios da França, no decurso
do século XI, rapidamente se difundiu e se afirmou em toda a Europa romana e anglo-
germânica.”207
No período entre os séculos XI - XIII, essa produção feita pelos leigos, terá uma
função disciplinadora, onde tentará barrar o tom de agressividade vigente na sociedade. Surge a
ideia de incentivar a civilidade por parte da nobreza, que ao utilizar o conceito de civilizado, o
coloca como um meio de fundar uma autoconsciência aristocrática, que fabrica para si uma
autoimagem baseada na concepção de um modo de proceder socialmente aceitável, iniciado num
estrato elevado da elite cavalheiresca que queria se distinguir tanto para os outros, como para seus
próprios olhos, forjando uma imagem baseada num código de leis próprio e exclusivo.
207
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. vol. 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p.76.
208
Ibidem, p.190.
209
Paz de Deus é definida, em 989 d.C., no Concílio de Charroux. Aí se estipula, pela primeira vez, a existência de
períodos de paz obrigatória.
210
YOUNG, Robert J.C. Cultura e a História da Diferença. In:______.Desejo Colonial :hibridismo em teoria,
cultura e raça. São Paulo: Perspectiva,2005, p.37.
Página 1006 de 2230
meio quem era civilizado e quem não era. Uma das formas dessa determinação estava na cultura,
muito difundida com a produção literária.
Mesmo tentando afastar-se das amarras religiosas, as obras apresentavam ainda
elementos constitutivos dos ensinamentos cristãos, pois a vida cotidiana era fortemente inspirada
pela religião. Isto também se reflete na construção no ideal nobre de perfeição.
A nobreza usava a literatura para o fortalecimento do ideário de modelo perfeito ,
forjando mitos e criando modos de expressão próprios e convivência social, divulgando novas
formas de sociabilidade, de modelos estéticos, conduta de vida nobre, uma forma de “ditar” moda
“captando” a essência de pessoas reais e transportando-as para um mundo onde todas as coisas
são possíveis, as pessoas boas são reconhecidas pela honra e as más punidas por seus atos.
A elite manipula os seus e, além dela, o clero e os servos absorvem as obras, gerando
efeitos na sociedade como um todo: dentro da nobreza, essa ideologia se traduz em códigos e
costumes, entre os clérigos vem a aceitação, ou críticas que a repudiam tais produções, já entre os
servos, pode-se concluir que a opinião deles é pouco conhecida, sabe-se que sua visão de mundo
é de abnegação diante de uma realidade imutável, onde nada se pode fazer. Somente com o
advento da burguesia que estas ideias serão contestadas mais energicamente, gerando disputas e
com o tempo, algumas mudanças político-sociais.
As produções da literatura funcionarão como um meio de projeção de atitudes
coletivas e individuais, além de padrões de sensibilidade gerados a partir de um microcosmo que
expressa a percepção de um elemento da mentalidade coletiva do homem medieval. Ultrapassando
barreiras de classe e ordem social, influenciando a todos sem distinção e moldando tradições e
costumes.
Molde que se espalhará e fundamentará a identidade de uma época, em que a moral
do cavaleiro não era somente sua, mas de seu estamento, não somente pessoal, mas social, o que
pede um comportamento incontestável211.
Mesmo envolvido nessa lógica de que faz parte de um grupo, uma ordem e uma
família, o nobre medieval começa a se dar conta da sua dimensão como ser único dentro de uma
conjuntura social.
A esse mundo teoricamente organizado à perfeição, o homem do medievo precisava
encaixar-se e para isso tinha que seguir regras alhures estabelecidas, convencionadas ante os
poderes do céu e da terra. Para isso, ele teria que seguir regras e estas estabeleciam um novo perfil
de nobreza, civilizado e culto.
Os livros eram artigos de luxo, a educação e o ensino formal eram quase
exclusivamente privilégio dos clérigos, os oratores não tinham somente a prioridade sobre o
211
DUBY, Georges. O cavaleiro, a mulher e o padre. Lisboa: Publicações Dom Quixote,1988. p. 29.
Página 1007 de 2230
acesso à leitura, como também grande parte do que era produzido era feito por eles, que ganham
concorrência com as produções feitas por e para leigos.
As obras da literatura laica expressavam o ponto de vista do estamento a que era
dirigida: a nobreza. Construía sua autoimagem, além de resgatarem fatos do passado, suprindo
algumas aspirações mundanas, ausentes nas obras clericais, que se as pusessem, geralmente eram
representadas sobre um viés negativo.
Com a intensa circulação de nobres foram se formando pequenas cortes. Nelas, o rei
era visto sob uma aura quase sobrenatural, etérea, distante, e quem fosse próximo a ele, seria
valorizado pois para frequentar a corte régia era necessário obter um certo refinamento e numa
sociedade eminentemente guerreira poucos tinham um refinamento e um grau de instrução
satisfatório.
Com o advento das cidades, estas se tornaram o centro de tudo o que era novo e
elitizado, vendo isso, as pequenas cortes começaram a imitá-la e essa reprodução era disseminada
pelos trovadores que de passagem pelas cidades e vilas reproduziam seus hábitos aos senhores dos
distantes feudos visitados por eles.
Essa noção era embasada no princípio onde esses exemplos eram chaves para manter
a ordem social, e determinar as funções de cada estrato na dinâmica social, e nessa época, a
narrativa histórica se confunde com a religião nas hagiografias, e com a ficção com as gestas, que
tinham como uma das temáticas fatos reais.
Essa visão de demarcação de espaços físicos de poder, entra em consonância com
século XII, envolvidos em conflitos territoriais onde essa mensagem se dissemina, no momento
em que ocorre um processo de escrituração e burocratização nas instâncias religiosas e políticas
do que hoje é a França, numa forma de fortalecer o poder real e reduzir a fragmentação
institucional feudal, o texto se torna um meio de validação e referência aos modelos de práticas
sociais.
E este artifício valioso, foi utilizado para benefício próprio da nobreza, pois, no século
XII, a monarquia francesa passou por diversos embates na determinação sobre a quem de fato a
coroa pertencia, e, para legitimar sua posição, os reis do período usavam a descendência carolíngia
212
ALVARES, Maria C. Daniel. La Chanson de Roland In:______. Grandes Epopeias da Antiguidade e do
Medievo. Blumenal: EDIFURB,2014, p.270.
Página 1008 de 2230
como mote para sua posição213 e para comprová-la, buscavam nas narrativas sobre a vida do
monarca carolíngio, laços de semelhança e parentesco com o rei do período.
Além de refletir essa tendência na produção artística escrita do período, a França teve
precedência nas criações das formas literárias dos séculos XI e XII, possuindo uma estrutura
feudal organizada, e um terreno fértil para a construção de um espírito cavalheiresco e cortês bem
desenvolvido.
Isto é perfeitamente compreensível, uma vez que à França devemos aquelas condições
ideológicas, morais, políticas e econômicas, que permitiram o aparecimento dessas
matrizes literárias: a organização feudal e a consequente formação do espirito
cavalheiresco; a cortesia e seu corolário-a dignificação da mulher e uma nova concepção
do amor, desconhecida da Antiguidade Clássica214
Todavia, nestes tempos, o escrito desenvolve-se a par do oral e, pelo menos no grupo dos
clérigos e literatos, há um equilíbrio entre memória oral e memória escrita,
intensificando-se o recurso ao escrito como suporte da memória. [...] Durante muito
tempo, no domínio literário, a oralidade continua ao lado da escrita e a memória é um
dos elementos constitutivos da literatura medieval.215
213
DUBY, Georges. Idade Média na França (987-1460):De Hugo Capeto à Joana D’Arc. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor,1992, p. 30.
214
SPINA, Segismundo. A Cultura literária medieval: uma introdução. São Paulo: Ateliê Editorial, 1997, p.37.
215
LE GOFF, Jacques. História-Memória. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, v.I, 1984, p.29.
Página 1009 de 2230
primitivo romantismo com uma insaciabilidade juvenil. Ao passo que em alguns gêneros de
literatura –como a poesia lírica- a expressão de desejo e posse se ia tornando mais requintada”.216
A modalidade literária laica nasce como uma alternativa de distração e divertimento
àqueles que não tinham acesso às obras escritas em latim, ou por não serem clérigos ou por serem
iletrados. As principais obras em língua nacional são escritas em honra aos cavaleiros. Essa
tradição de tratar dos feitos guerreiros vem de séculos anteriores como uma espécie de literatura
histórica, e somente a partir do século XI, essa tradição deixa de ser somente oral e passa a ser
transmitida também na forma escrita.
As narrativas em línguas nacionais, receberão dessa literatura, elementos estruturais
como a roupagem prosódica e o tom das velhas gestas, elas só assumiram um caráter mais factual
a partir do século XII, quando ela passa a ser produzida por pessoas que não fazem parte do ciclo
dos clérigos217.
Essas formas de expor ideias eram voltadas às cortes e falavam do mundo da nobreza,
se tornaram um veículo eficaz de transmissão de moldes sociais, produtos das transformações que
ocorreram no campo da produção intelectual medieval.
A produção em prosa ganha destaque, e a novela de cavalaria também passa a ser
usada e aos poucos - toma o lugar das histórias curtas usadas no ensino religioso - evoluindo para
um gênero narrativo, que sofrerá evoluções em estilo, destino e público-alvo.
No que diz respeito à cultura, a polarização entre cultura sofisticada (clerical) e cultura
simples (vulgar)218, cabe aqui apontar que existem algumas diferenças em relação ao uso desses
termos no medievo, e sua utilização nos séculos posteriores.
Na Idade Média Central a cultura erudita poderia ser traduzida por cultura clerical, já
que era a Igreja que detinha o monopólio da cultura intelectual, e os demais estratos sociais
usuários das línguas locais, eram produtores da cultura popular ou vulgar, pois eram mais
partidários das práticas culturais anteriores ao cristianismo, herdadas de seus ancestrais pré-
216
HUZINGA, Johan. O Declínio da Idade Média. São Paulo: Editora Verbo EDUSP.1978. p.75.
217
Ibidem, p. 129.
218
Aqui usando a nomenclatura adotada por Hilário Franco Jr, que assim explica: A primeira expressão é usual na
historiografia medievalística, pois providencialmente tem duplo sentido de “eclesiástica”- e esse grupo social
dominou a cultura sofisticada até pelo menos o século XII – e de “letrada”, acepção que a palavra ganha desde fins
do século XIII, quando cresce o segmento laico alfabetizado. Dessa forma, a expressão contempla ainda as mudanças
sociais do período. Pela mesma razão, propomos cultura “vulgar” ao invés de “laica”, [...] a distinção social
clérigo/leigo não correspondia a uma distinção cultural. Ademais, “vulgar” era a palavra usada pelos próprios
medievais para indicar algo diferente de clerical, sobretudo no domínio linguístico – as falas vulgares, vernáculas,
diante do latim-, o que justifica ainda mais o uso da expressão, já que aquela cultura (como popular) era
essencialmente oral”. FRANCO JUNIOR, Hilário. Meu, teu, nosso: reflexões sobre o conceito de cultura
popular. Revista USP, Brasil, n. 11, p. 18-25, nov. 1991, p. 22.
Página 1010 de 2230
cristãos219. Mais tarde erudito teria uma significação mais ligada ao refinamento e folclórico a
algo mais pitoresco.
Mas ambas culturas não são isoladas na sociedade medieval, uma influi sobre a outra
simultaneamente, transformando estruturas e meios de expressão, que mudam de acordo com a
intensidade dessa influência. “Sempre que há o contato de uma cultura com outra ocorre um
processo de transculturação, o que implica mudanças contínuas, não hierarquizadas de elementos
culturais díspares, responsáveis pela proposição de novas montagens”. 220.
Numa sociedade dividida em estratos, onde nobreza e pobreza eram previamente
segregadas formando universos distintos, a cultura folclórica aparecia como um elemento de
ligação que para os primeiros, servia para confirmar sua estada no poder e para o segundo um
meio de aceitação de sua condição. E a Chanson exprime precisamente essa bipolaridade, pois é
erudita em sua estrutura frasal e na versificação, mas é folclórica em algumas temáticas e
caracterização de personagens.
3.Conclusões Finais
No período identificado como Idade Média Central não existiam na França assim
como em parte da Europa, salvo exceções, grandes domínios políticos e sim pequenas possessões
de terra nas mãos da nobreza; que com esses privilégios, se assenhoravam da autoridade e
controlavam seus servos com laços de fidelidade em ocasiões de guerra e paz.
Eram necessárias tais medidas para a manutenção da ordem e do sistema vigente. O
poder era medido pela terra e pelos aliados, quem obtivesse a terra teria possibilidade de conseguir
alianças, que ajudavam a conquistar mais territórios.
A nobreza foi a maior proprietária de terras, e recebia rendas da reserva dominal
cultivada por um vasto número de criados, que os sustentavam e lhes dava a liberdade para não
explorarem fisicamente seus campos.
Quando este estamento desloca-se para a cidade, terá que se adaptar à uma nova
realidade onde esse estrato começa a dividir lugar com a burguesia ascendente, e esse nobre, terá
que fazer mutações em suas expressões culturais para exibir quem é, sobretudo no que se trata ao
que será escrito e declarado nos salões, como por exemplo sobre o que deverá ser divulgado acerca
das memórias de seus antepassados que seriam perpetuadas em formas de canções de gesta.
E ainda, uma vez que sabemos o interesse que os homens da época feudal dedicavam ao
passado e o prazer que sentiam ao ouvi-lo contar [...]. As linhagens senhoriais por seu
lado tinham as suas tradições, por intermédio das quais foram transmitidas várias
219
LE GOFF, Jacques. Para Uma Outra Idade Média - Tempo, Trabalho E Cultura No Ocidente. [Tradução
Thiago de Abreu e Lima Florêncio e Noéli Correia de Melo Sobrinho] Petrópolis: Vozes, 2013, p.286-296.
220
CANDIDO, M. R. (Org.). Memórias do Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2010, p.89.
Página 1011 de 2230
recordações, verdadeiras ou deformadas e, tanto nas salas das praças fortes como sob as
arcadas do claustro, fala-se com prazer dos antepassados.221.
A nobreza acaba utilizando assim essa estrutura imagética para compor suas memórias
dando-lhes ressignificações, adaptando-as à realidade do público a quem são dirigidas, fazendo-
se atrativa, direta ou indiretamente, reafirmando valores e trazendo novas perspectivas de visões
sociais onde essa elite ainda era protagonista: “A literatura cortes do século XII, está num
momento em que o Estado está começando a se libertar do emaranhado feudal e o poder público
se sentia novamente capaz de modelar as relações sociais.”222
Essas recordações serão expostas nos salões e áreas de grande circulação de nobres,
em moldes específicos de acordo com seu território de origem, língua local e público consumidor,
mas apesar disso, essas memórias geralmente eram produzidas em formato de manifestações
artísticas cantadas, escritas e declamadas.
REFERÊNCIAS
ALVARES, Maria C. Daniel. La Chanson de Roland In:______. Grandes Epopeias da
Antiguidade e do Medievo. Blumenal: EDIFURB,2014.
BASCHET, Jerôme. A Civilização Feudal: do ano 1000 à colonização da América. São Paulo:
Globo,2006.
BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. São Paulo: Martins Fontes,2012, p.131.
CANDIDO, M. R. (Org.). Memórias do Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ,
2010.
DUBY, Georges. O cavaleiro, a mulher e o padre. Lisboa: Publicações Dom Quixote,1988.
______________. História da vida privada 2: da Europa feudal à Renascença. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
______________. Idade Média na França (987-1460):De Hugo Capeto à Joana D’Arc. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor,1992.
_______________. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. 2 ed. Lisboa: Editorial
Estampa, 1994.
_______________. Idade Média, Idade dos Homens: do amor e outros ensaios. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. vol. 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
FRANCO JUNIOR, Hilário. Meu, teu, nosso: reflexões sobre o conceito de cultura
popular. Revista USP, Brasil, n. 11, p. 18-25, nov. 1991.
_______________________. Idade Média Nascimento do Ocidente. Brasilia: Ed. Brasiliense,
2001.
GREIMAS apud POSSENTI, Sírio. Os Limites do Discurso. São Paulo: Ed. Parábola,2009.
HERR, Jacques. A História Medieval. Rio de Janeiro: DIFEL, 1988.
HUZINGA, Johan. O Declínio da Idade Média. São Paulo: Editora Verbo EDUSP.1978.
LE GOFF, Jacques. História-Memória. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, v.I,
1984.
DUBY, Georges. Idade Média, Idade dos Homens: do amor e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras,
222
2011, p.73.
Página 1012 de 2230
Resumo: Este plano teve por objetivo realizar uma investigação do trabalho artístico musical sob
o recorte dos estudos de gênero e geracionais. Nossa questão de pesquisa é: de que forma a mulher
se faz presente na produção artística musical contemporânea e no mercado da música em São Luís
– MA? Investigamos a participação feminina no trabalho musical – seja como compositora,
arranjadora ou intérprete – considerando as diversas gerações de musicistas; a sua importância no
contexto artístico cultural local; e, as desigualdades, diferenças e dificuldades específicas do
gênero feminino no trabalho artístico musical. Utilizamos o método de pesquisa qualitativa, com
base em estudos bibliográficos, documentais e na observação direta da atuação de musicistas na
cena musical da capital. Após definir uma amostra (não probabilística) de seis casos de musicistas
que atuam em São Luís-MA, realizamos entrevistas semiestruturadas com estas artistas
selecionadas. Constatamos fatores importantes que condicionam o trabalho artístico das mulheres
na cena musical na capital ludovicence, tais como: a falta de infraestrutura, a instabilidade no
trabalho das musicistas; a falta de reconhecimento profissional, o que, pelo fato de serem
mulheres, é ainda mais acentuada; a ausência ou a insuficiência de apoio do setor público e
privado. Os processos de criação e de produção destas musicistas são atingidos por estes fatores,
levando principalmente a situações de trabalho instáveis, ao desenvolvimento de trabalhos
paralelos a fim de garantir sua sustentação econômica, e, a caminhos dificultosos no universo
musical. Nosso estudo pretende contribuir com entendimento das condições de trabalho das
musicistas em São Luís-MA, e, possivelmente, para as de todo o país, com o intuito de impulsionar
políticas e ações sociais que promovam a participação das mulheres em situações de maior
igualdade no mercado da música.
Palavras-chave: música, gênero, trabalho.
Abstract: This plan aimed to carry out na investigation of musical artistic work based on genre
and generation studies. Our research question is: How is the woman presente in contemporany
musical artistic production and in the music Market in São Luís – MA? We investigate female
participation in music work, considering the different generations of musicians; it’s importance in
the local cultural artistic contexto; and, the inequalities, diferences and difficulties specific to the
female gender in musical artistic woek. We use the qualitative research method, based on
bibliographic, documentar studies and direct observation of the performance of musicians in the
capital’s music scene. After defining a sample (not probabilistic) of six cases of musicians who
work in São Luís – MA, we conducted semi – structured interviews with these selected artists. We
found important factors that condition the artistic work of women in the music scene in the capital,
such as: the lack of infrastructure the instability in the work of the musicians. Our study intends
to contribute with na understanding of the working conditions of musicians in São Luís – MA in
223
PROJETO DE ORIGEM: O trabalho do artista: Investigação social das relações de trabalho na produção musical
contemporânea e do mercado de trabalho do músico em São Luís – MA.
Página 1014 de 2230
order to promote social policies na actions that promote the participation of women in situations
of greater equality in the music Market.
Keywords: music, genre, work.
01 – INTRODUÇÃO
O plano apresentado visa realizar uma investigação do trabalho artístico musical sob o recorte dos
estudos de gênero. Questionamos de que forma a mulher se faz presente na produção artística
musical e no mercado da música em São Luís – MA. Investigamos sobre a participação feminina
no trabalho musical – seja como compositora, arranjadora ou intérprete – considerando as diversas
gerações de musicistas; a sua importância no contexto artístico cultural local; e, as desigualdades,
diferenças e dificuldades específicas do gênero feminino no trabalho artístico musical.
O plano está associado ao projeto de pesquisa “O trabalho do artista: Investigação social das
relações de trabalho na produção musical contemporânea e do mercado de trabalho do músico em
São Luís – MA” que tem por objetivo geral investigar as diversas formas de trabalho do músico
no heterogêneo e diversificado mercado da música - em seus diversos estilos musicais - as suas
relações, condições e processos de trabalho e de produção, e as dinâmicas do mercado de trabalho
do músico em São Luís do Maranhão, no contexto das indústrias culturais e criativas e das políticas
neoliberais contemporâneas, relacionando às questões geracionais e de gênero e as desigualdades
geradas a partir destes fatores no mercado da música.
02 – JUSTIFICATIVA
A pesquisa realizada contribui significativamente para compreender e explicar de que forma as
mulheres integram o mundo da música em São Luís, e de que forma as mulheres estão imersas em
dinâmicas e desdobramentos que compõem a cadeia criativa da música e o mercado dessa arte na
capital. A partir dos resultados apurados é possível criarmos possibilidades. Podemos contribuir
com políticas e ações que melhorem a vida das mulheres musicistas em São Luís, no que tange o
preconceito de gênero e que promovam suas potencialidades, mostrando de fato, que elas também
compõem, cantam, tocam e produzem com qualidade em um universo predominantemente
masculino, onde, constantemente, são invisibilizadas.
03 - OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL: Este Plano de Trabalho teve como objetivo investigar as condições e
dinâmicas do trabalho artístico musical destacando o trabalho feminino na produção musical e nos
demais postos constituintes da cadeia criativa da música em São Luís - MA.
04 - METODOLOGIA
A metodologia de pesquisa qualitativa foi a adotada neste trabalho. Uma revisão crítica de
literatura sobre o tema foi realizada: Gênero e trabalho artístico musical. Fizemos uma pesquisa
Página 1015 de 2230
05 - RESULTADOS
5.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
Iniciamos nossos estudos a partir do entendimento de que a música não se vincula somente a uma
tangibilidade material, mas que, transcende às subjetividades dos indivíduos no meio social. Em
Mundos da Arte – Mundos da arte e atividade coletiva, Howard Becker (2010) trabalha de forma
ampla, o trabalho artístico e os diversos mundos pertencentes às mais variadas artes, como um
macrocosmo que inclui os mundos da música. . A existência desses mundos dá um pontapé à
sociologia das artes, que possibilita entender a respeito das redes que geram a arte. Presente
também no mundo das artes está a divisão do trabalho: cada indivíduo que participa na produção
e realização das obras de arte possui sua tarefa específica. O que distingue estas obras é a
“expressão do talento e da imaginação de um grande artista” (BECKER, 2010, p. 39), ou seja,
nesse período, a personalidade do artista já era considerada, entretanto, os seus direitos não lhes
eram reservados. BECKER (2010) aponta para o trabalho do artista: é ele quem executa as
atividades ditas nucleares e sua condição depende do seu talento materializado na realização de
suas obras de arte.
O reconhecimento do artista possui relevante consideração nos diálogos estabelecidos pelo
sociólogo em sua obra. Ele afirma que “a reputação de um artista é o resultado da soma das
apreciações feitas a toda a sua produção” (BECKER, 2010, p. 45), ou seja, a partir do olhar do
outro é que ele estabelece propensões a obter sucesso em seu trabalho ou não. Os mundos da arte
são definidos como redes de cadeias que cooperam entre si e estabelecem ligações entre os seus
participantes. Estes mundos determinam o que é ou não é arte e suas classificações, o que faz
destes, um sistema social com maior amplitude.
Ao darmos continuidade aos nossos estudos, utilizamos ADORNO (2011) em Introdução à
Sociologia da Música – Doze preleções teóricas, onde orienta que para que a sociologia da música
seja executada de forma concisa, é necessário que compreendamos as estruturas sociais que estão
anexadas na música e o significado da “vida musical”. Para o autor, cada som e cada reação a ele
– interiorizados do social - são registrados por relações de produção, condições econômicas e
ideológicas que regem o universo musical, sendo uma das tarefas prioritárias da Sociologia da
Música, investigar como ocorre esse processo e para isso, se faz necessária uma vivência empírica
no universo musical.
O centro de interesses da Sociologia da Música está no conflito entre as forças de produção e suas
relações, entretanto não se refere apenas à materialidade, senão que ao “que não se materializou e
foi denegado” (ADORNO, 2006, p. 401). Os talentos dos sujeitos adentram-se à preocupação
sociológica da música e visualiza-se, portanto, a pressão social como um fator repressor ao
desenvolvimento destes. Dessa forma, há a necessidade de compreender o contexto local para que
se compreenda, portanto, o macrocosmo das relações sociais e sua dialética gerada a partir da
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música. O mercado capitalista altera as obras a partir do momento que as reproduz e as adequa às
suas normas e o que antes, possuía um status elevado dentro desse mundo, vêm a alterar-se apenas
como entretenimento, determinando a música como um bem de consumo para ser negociado.
Ao nos debruçarmos sobre as pesquisas documentais, utilizamos o Plano da Secretaria da
Economia Criativa: Políticas, diretrizes e ações, 2011 -14, material produzido de forma
colaborativa, sob regência da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
e pela Unidade Especial para Cooperação Sul – Sul do Programa das ONU para o
Desenvolvimento. Produzido em 2012, este relatório apresenta a perspectiva global das Nações
Unidas sobre a economia criativa. Através de gráficos, imagens e esquemas, o plano apresenta
além das demais cadeias do mercado artístico, os arranjos da produção musical e os atores
necessários para que essa cadeia venha a se desenvolver. De acordo com o relatório realizado, “a
música é uma das principais indústrias criativas, contendo um grande valor cultural e econômico
para todas as sociedades” (BRASIL, 2012, p. 143). Ela não estabelece limites fronteiriços, o que
contribui para a mistura de diversos estilos musicais e estabelece um diálogo entre as culturas,
sejam elas próximas ou as mais distintas.
Fonte: Plano da Secretaria da Economia Criativa: Políticas, diretrizes e ações (MinC, 2012)
A partir dos recursos tecnológicos, a música pôde se expandir e novas dimensões no que diz
respeito à sua criação, à produção, reprodução, comercialização e consumo foram surgindo nos
mercados nacional e global. Além de ser uma expressão cultural, a música é uma indústria que
fomenta o comércio mundial, emprega milhares de indivíduos e gera renda por todas as partes.. A
indústria da música enfrenta na contemporaneidade um grande paradoxo: enquanto o consumo,
em especial, pela juventude vem aumentando, ao mesmo tempo, os compositores, produtores e
artistas vêm recebendo menos rendimentos do que antes.
As gravadoras que dominam a produção, comercialização e distribuição formam um mercado
oligopolista de quatro grandes multinacionais que se sobrepõe com 80% de domínio no mercado
mundial da música. São elas: SONY, Universal Music, EMI e Warner Music. Apesar de estes
poucos grupos ocuparem lugares de privilégio nesse mercado, há, em contraposição, milhares de
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A partir dos estudos teóricos realizados, selecionamos seis mulheres musicistas (amostra não
probabilística) da cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão, para investigar e
compreender o desenvolvimento dos seus respectivos trabalhos, tendo em vista que as pesquisas
averiguadas indicam forte desigualdade de gênero no campo da música.
Patativa, Dicy Rocha, Célia Sampaio, Núbia Rodrigues, Nanda Preta e Lena Machado são as
mulheres musicistas nas quais nos debruçamos para adentrar em seus mundos, investigarmos suas
particularidades na vivência geracional, na questão de gênero e criarmos perspectivas sobre as
condições de trabalho no universo artístico musical na capital ludovicence predominantemente
masculino. Buscamos também o entendimento que é de extrema importância a participação das
musicistas enquanto trabalhadoras na cidade de São Luís como integrantes ativas na economia da
cultura no Maranhão.
A necessidade de produzir-se independentemente devido à falta de infraestrutura, de apoio, de
logística, aos baixos cachês, a desvalorização das artistas locais é evidente em todas as
entrevistadas. Utilizam-se das redes sociais e de amigos para criarem links que as possibilitem
chegar a outros cantos da cidade e do país.
PATATIVA
Iniciamos nossa coleta de dados com a sambista Maria do Socorro Silva, Patativa, 82 anos, natural
de Pedreiras, interior do Maranhão. A artista popular, que só obteve a possibilidade de gravar o
seu primeiro disco aos 76 anos, apesar de trabalhar como musicista, compositora, intérprete –
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cantora desde os anos 80 discorre como até hoje não conseguiu garantir uma vida estabilizada para
“morrer tranquila”. A instabilidade e a incerteza no mercado na prática musical, a falta de
reconhecimento pelo público e seus pares, a dependência da ajuda do Estado e a falta de políticas
públicas específicas são apontados por Patativa como fatores determinantes das desigualdades no
meio musical ao qual está inserida. Suas composições retratam suas condições emocionais, suas
experiências de vida e traumas sofridos por violências cometidas contra ela durante sua trajetória.
Em sua letra intitulada Xiri Meu, Patativa expressa o enfrentamento a um assédio sofrido durante
a sua mocidade, assim como outros sambas que marcam sua carreira a partir dos momentos vividos
pela artista. Sua experiência de vida retrata a estrutura social ao qual está envolvida e elucida sua
trajetória não somente por um viés econômico, senão que por seus sentimentos, sua sensibilidade
ao compor suas polêmicas letras, como formas de expressão.
Desde muito jovem, Patativa expressa a sua música, entretanto, nunca assegurou meios de
subsistência somente através dela. Moradora da periferia da capital, Patativa reclama da falta de
atenção do Estado para com os artistas locais, principalmente para com as mulheres. Compositora
de mais de duzentos sambas, Patativa conta que os cachês recebidos por cada show não são
suficientes para que ela possa se manter e, além disso, atrasam o pagamento. Ademais, a
burocratização das leis de incentivo à cultura inviabiliza a inserção da artista em muitos projetos
disponibilizados pela prefeitura de São Luís e pelo estado do Maranhão. A entrevistada cita
também a desigualdade no tratamento e no recebimento dos cachês comparado aos artistas que
estão na cena musical nacional: “Queria eu pelo menos um camarim pra me arrumar. Enquanto
eu tô ganhando R$ 5 mil no Réveillon pra receber em três meses, Leci Brandão vem e ganha R$
50 mil na hora pra cantar duas músicas” (PATATIVA, 2018).
O pouco reconhecimento da artista gerado através do seu trabalho, a incomoda porque o sente
desvalorizado. Patativa deixa nítida a sua insatisfação:
Não vendi nenhum CD por menos de R$ 20,00, porque, porra! Qual é? Aí achei
um cara lá na Praia Grande: Pô, Patá! Vinte reais? Vinte reais, qual o problema?
Só porque eu sou maranhense, sou lá de Pedreiras, da terra de João do Vale, pobre
lascada, negra, aí vocês não dão vinte. Meu irmão, a única coisa que eu tenho pra
vender na minha vida, é esse CD. (PATATIVA, 2018).
Com seu registro certificado pela Secretaria Municipal de Cultura, Patativa afirma desconhecer a
existência de algum sindicato que represente legalmente suas queixas e direitos. Entretanto, possui
registradas suas canções que asseguram sua porcentagem nas leis respectivas aos direitos autorais.
De acordo com a sambista, “é pouquinho, mas sai” (PATATIVA, 2018).
DICY ROCHA
Dicy Rocha, 39 anos, formada em Comunicação e Marketing, pós-graduada em Gestão da Cultura,
moradora da capital ludovicence há dez anos, natural do sul do estado, da cidade de Imperatriz
não possui formação em música, se considera como autodidata e a sua experiência com esse campo
inicialmente foi ainda muito jovem, onde atuava nos trabalhos com crianças. Dicy teve como
primeira influência, o seu pai que sempre ouviu Música Popular Brasileira e sua avó, que cantava
histórias para ela em sua infância. O seu maior interesse é produzir com qualidade. Como os
demais casos, a artista não sobrevive apenas da música, ela é assessora de comunicação do Centro
de Cultura Negra do Maranhão e da Rede Amiga da Criança e ainda compartilha o seu tempo
diário com os cuidados do seu filho de dois anos de idade. A concepção do reconhecimento
material da cantora através do CD está desvinculada dos padrões da indústria cultural. A sua
intenção não é divulgar um trabalho para as massas e sim, transmitir, estimular sentimentos,
mensagens e causar identificações que pudessem transformar a realidade de quem a escuta. Com
um disco gravado com uma “variação rítmica infinita” (DICY, 2018), a cantora e os demais
músicos levaram quatro anos para finalizá-lo. A artista afirma que o intuito principal, antes mesmo
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do ato, foi produzir um show que contemplasse o que desejava apresentar para aí sim, criar um
formato de CD, o “Rosa Semba”, lançado em 2016, gravado, mixado, finalizado e masterizado no
Maranhão, algo não recorrente na cena local. Ela conta que teve que recorrer à editais para
permanecer resistente às pressões das gravadoras, que desejavam sempre fundamentar as suas
vontades em detrimento da sua. Com esse auxílio da política de cultura do Estado, não foi
necessário depender de empresários e então pôde determinar os seus rumos a partir do que
desejava apresentar em seu material de trabalho, “na linha da produção independente, autônoma
e fiel” (DICY, 2018). Em relação à indústria, essa autonomia envolve uma insegurança, há a
necessidade de se auto promover, de divulgar o trabalho nas redes sociais e nos mais variados
locais da cidade e do estado.
De acordo com Dicy, é extremamente necessário o/a artista se aprimorar no seu ramo, já que
contribui quando vai atuar com os demais profissionais, dialogar para que a sua voz tenha valor
técnico e ele/a tenha condições de dialogar com os praticantes de outras áreas. Com um registro
de musicista, a artista popular vê maiores possibilidades para desenvolver o seu trabalho no
mercado da música no Maranhão e no cenário nacional, se inscrevendo nos editais para participar
dos circuitos de shows fomentados pelas políticas de cultura de Estado.
Pontua a cantora, como afirmação à revisão bibliográfica declarada pelo Relatório das
Organizações Unidas sobre Economia Criativa, a importância dos lançamentos das faixas avulsas,
sem inserção em um material como o CD, que alimentam a indústria cultural e incentivam a
produção local. Entretanto, de acordo com Dicy, lançar o disco como um material tangível de
reconhecimento do público e de seus pares abriu possibilidades de participar de editais, que antes
não poderia, não tendo esse trabalho na mão, o registro. A cantora afirma: “Eu já participei de
feira de música, participei de rodas de negociação com produtores porque eu estava com o meu
disco na mão, com o material ali, físico também, pra ser compartilhado” (DICY, 2018).
Quanto à cadeia de produção da música no Maranhão, Dicy elucida que:
A música independente tá muito fortalecida por conta de ter toda uma cadeia
produtiva já afinada, equipada e agindo com
profissionalidade, mas fazendo formação. Aqui, a gente tem muito profissional,
mas a gente tem pouca formação pra nossa cadeia de produção (DICY ROCHA,
2018).
O que falta na cena estadual para a artista é uma articulação feita em coletivo que trabalhe com a
produção, distribuição e consumo do público alvo. Enfatiza que é necessário um aperfeiçoamento
técnico dos profissionais da cadeia de produção da música. Além da busca em estudar feita pelos
músicos, os técnicos de som e os produtores precisam estar alinhados com as atualizações do
mercado fonográfico maranhense. Quanto às demandas enquanto mulher nesse meio
predominantemente masculino, Dicy questiona o quanto falta sensibilidade aos companheiros de
profissão para com os momentos de gravidez, onde sentiu na pele, já que no mesmo tempo em
que trabalhava o seu CD, estava grávida. Quando colocou a voz no registro fonográfico, a artista
já estava com sete meses de gravidez, sem fôlego e como tinha que seguir prazos por conta dos
patrocinadores que não compreenderam o seu momento de gestação, teve que gravar da forma que
podia, entretanto nada lhe agradou, já que não estava alinhada como gostaria para colocar voz ao
seu projeto. A cantora apresentou esse trabalho de acordo com a demanda dos apoiadores e em
seguida, após o nascimento do bebê, gravou novamente a voz, de acordo com o que acreditava
estar bom para a produção do seu trabalho, em resistência às imposições do mercado. Para ela, a
ideia predominante em São Luís e também presente em um contexto nacional, é de que “a mulher
musicista tem uma função mais do microfone e de estar linda, visualmente falando, estar afinada
com sua voz, e de não estar antenada com o que está acontecendo ao redor” (DICY, 2018). Apesar
de serem poucas em comparação aos homens, as mulheres também são instrumentistas, compõem
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as bandas, sempre resistindo com muita qualidade para garantir suas respectivas autonomias no
mercado da música. Dicy exemplifica uma situação que muito lhe incomodou a esse respeito:
(...) O Javier, que era o músico que estava fazendo toda a captação do áudio, em
alguns momentos, eu percebia o não interesse em não perguntar: Dicy, mas tu
achas que... Gosta assim? Porque a gente propôs assim, tu gostas assim? Então,
é muito forte essa coisa do machismo, mesmo nos meninos que são mais
sensíveis, nos músicos mais sensíveis. (DICY ROCHA, 2018)
Para a cantora, é fundamental estar vigilante para garantir que os homens “permitam” que ela
esteja no mesmo nível de decisão para coisas que eles acham que não é necessária a sua
intervenção. A partir de sua fala, a artista afirma que essa ideia e essas práticas são recorrentes,
por isso, a importância em estar sempre atenta, enfrentando as opressões de cunho machista. A
sua esperança é encontrar ainda pelo caminho musical muitas mulheres como técnicas de som,
profissionais da iluminação, encarregadas da produção. Gostaria, conta a cantora, de trabalhar
com mulheres na mesa de som, de trabalharem em cooperação para alcançarem êxitos em suas
práticas musicais. Seria gratificante para ela ser regida por mulheres comandando o seu trabalho.
Vê a importância em estabelecer esse equilíbrio de gênero na profissão não somente para as
mulheres, senão que para todos, inclusive para os colegas homens que atuam no mercado da
música.
Em relação aos contratos firmados com o Estado e com as empresas privadas, Dicy afirma que é
recente o estabelecimento dos contratos formais: ainda estão aprendendo a lidar com a burocracia
nesse aspecto, em relação aos editais, de escrever suas respectivas propostas, de produzir os seus
projetos. De acordo com a artista, essa burocratização do sistema dos contratos formais tem gerado
conflitos internos, já que como muitos não estavam acostumados a escrever e precisaram se
atualizar para concorrerem a essa forma democrática de inserção nas políticas da cultura, tanto
nas instituições públicas como nas privadas. O que acontecia anteriormente eram os convites
informais e os acessos dos chamados “quem indica”, sem a necessidade de produzir um trabalho
escrito, formal, para consolidarem suas propostas. Produtoras vêm surgindo, artistas passam a
estar mais organizados quanto aos seus materiais (release, portfólio). No que tange os contratos,
ela afirma que é algo que “temos que vencer” (DICY, 2018), já que não é uma prática das casas
de shows de São Luís propor esse tipo de documentação e que os artistas que começam a
estabelecer essas formalidades passam a ser vistos de forma desvalorizada. Recorrente na capital
ludovicence, os acordos informais estão associados ao “mau caratismo, nada a ver com a cadeia
produtiva” (DICY, 2018), de acordo com a cantora, por estabelecerem contratos boca a boca e os
empresários recorrerem a outros artistas que dizem “cobrar mais barato” (DICY, 2018) para
prestar um serviço em seu estabelecimento, correndo o risco de, ainda no final da apresentação,
os donos das casas de shows dizerem que não lucraram muito e pagarem menos do que o
combinado, o que atrapalha significativamente a organização financeira e o reconhecimento dos
profissionais da música.
CÉLIA SAMPAIO
Célia Sampaio, 55 anos, ensino médio completo, com especialidade na área da enfermagem,
profissão em que atua até hoje, nasceu em São Luís. Influenciada pelos ritmos afros da Liberdade,
bairro em que foi criada na capital ludovicence, recinto marcante da cultura popular maranhense
com aspectos que integram o bumba meu boi, o tambor de crioula, as religiões de matriz africana,
o tambor de mina, a festa do divino, o reggae, Célia deu início à sua história nas artes. Atualmente
reside na região metropolitana da ilha, em Paço do Lumiar. A chamada “Dama do Reggae” não
dedicou os seus estudos na área da música, entretanto teve oportunidades de fazer cursos de canto
para aprimorar a sua voz após iniciar a sua carreira musical. A cantora declara:
Eu comecei cantando no movimento negro, uma necessidade que o meu grupo
do bloco afro viu porque a maioria era de homens cantando e compondo e depois
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Em relação ao seu registro como musicista, Célia possui a carteira como cantora popular pela
Ordem dos Músicos, entretanto, ela não foi validada no Maranhão, já que a instituição está
desativada no estado e não possui recolhimento da contribuição anual dos músicos que integram
a cadeia produtiva da música no Maranhão. Para que apresentasse um show pelo Sesc e realizasse
sua apresentação na Virada Cultural em São Paulo, a cantora teve que registrar a sua carteira na
capital paulista para que pudesse realizar a sua apresentação. Quanto ao registro das suas canções,
Célia deveria se encaminhar a AMAR SOMBRÁS (Associação de Músicos, Arranjadores e
Regentes Do Brasil), postergou a sua ida à instituição e enfrentará problemas, porque agora, para
que realize o registro das canções, é necessário passar pela Biblioteca Nacional e os trâmites
burocráticos estão mais difíceis de acessar. Além da Associação, a artista tem conhecimento de
outro órgão responsável pelos músicos em São Luís: o ECAD (Escritório Central de Arrecadação
e Distribuição de Direitos Autorais). Quando realiza shows de grande porte, os agentes do
escritório se fazem presentes para articular o repertório da cantora, recolher os tributos referentes
à arrecadação que o constrói. Além do ECAD, há o sindicato dos músicos, mas que não atua nas
questões referentes aos músicos do estado maranhense. Está omisso à suas reais obrigações.
NUBIA RODRIGUES
Núbia Rodrigues, 25 anos, natural de São Luís, cantora de reggae, em formação acadêmica, traz
consigo o interesse pela música a partir das influências do seu pai, amante da música, que lhe
presenteou com um violão quando tinha 15 anos de idade, o que a impulsionou a querer tocar e
cantar e de aí em diante, nunca mais parou. Compositora, a artista começava a expressar a sua
subjetividade nas letras musicalizadas: “Sentimento de corpo, do que eu sou aqui, mas também
tem muita questão de vivência, do olhar também sobre o outro. Expressar o que se sente, o que se
vivenciou.” (NUBIA, 2019).
As apresentações frequentes da artista passaram a ser em um projeto organizado por uma turma
do Cohatrac, chamado “Sebo no Chão”, organizado em uma praça do bairro. A artista afirma que
nunca participou de cursos relacionados à música, porém elucida a importância em se inserir em
uma capacitação voltada aos músicos. Paralelo ao trabalho na música, Núbia leciona aulas de
inglês e matemática em um cursinho popular na periferia da capital.
Em relação à instabilidade financeira, Núbia afirma que por mais que seja difícil sobreviver da
música, é esse o caminho que quer. Os cachês, insuficientes para remunerar toda a banda, são
sempre divididos em igualdade. Quanto aos contratos, a banda era representada por uma
produtora, devido às questões burocráticas, mas a partir das pesquisas da artista, compreendeu que
era mais vantajoso para a banda possuir um cadastro do MEI (Micro Empreendedor Individual),
e a partir daí, utilizam o seu próprio CNPJ para oficializar as negociações com os empresários e
com o Estado.
Núbia não possui carteira de musicista, mas já ouviu falar a respeito. O que anda buscando
atualmente é se filiar na AMAR, pra poder distribuir a sua música legalmente. Crê que é interesse
se filiar à associação pelo fato de facilitar a distribuição e o acesso aos seus registros fonográficos.
Cita que há, inclusive, plataformas digitais como o Spotify que exigem a filiação à AMAR para
que suas canções estejam nas playlists da rede e para que possa receber royalities pelas músicas
que estão sendo distribuídas pelo mundo e ganhe maior visibilidade entre os consumidores de sua
arte. Para ela, o mercado da música em São Luís possui muitas dificuldades, entre elas, a falta de
reconhecimento entre os seus pares, entre os empresários e o público de modo geral. A
desvalorização do artista ainda é latente na realidade da cena musical na capital. A cantora sente
o preconceito por parte dos donos dos bares por serem músicos, por não serem vistos como
trabalhadores. Principalmente pelo fato de ser mulher trabalhando na noite. Entre os próprios
profissionais, a artista exalta: “Pode não estar visível para todo mundo, mas nos bastidores, é
recorrente. Por exemplo, tu chegas a determinados lugares, tu vais olhar o line up, o roteiro de
quem vai tocar, só tem homem.” (NÚBIA, 2018) Apesar de ter muitas lutadoras que antecederam
a resistência de hoje para que as mais novas pudessem continuar galgando os seus passos no
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mundo da música atual, ainda há muito que enfrentar para que as mulheres assumam o seu
protagonismo e possam fazer a sua música a sua maneira, sem a necessidade em seguir padrões
opressores no meio artístico ou em qualquer que estejam inseridas.
A cantora, compositora, intérprete e instrumentista Núbia Rodrigues aponta para os fatores que
dificultam a sua permanência no mercado da música pelo fato de ser mulher: Por muito tempo, as
mulheres tiveram que estar “por debaixo dos panos”, somente no plano de back in vocals, mesmo
possuindo talento e qualificação para ocupar os espaços nas tomadas de decisões, porém, o
machismo intrínseco nas práticas diárias da vida social estagna as possibilidades e potencialidades
das mulheres para alcançarem postos de reconhecimento no trabalho com a música e em tantos
outros. A partir desse entendimento, Núbia sente a necessidade de trabalhar com mulheres, para
que se sinta mais confortável em produzir sua música.
Em São Luís, existem alguns coletivos de representatividade feminina na música, como o coletivo
“sómanas”, composto exclusivamente por cerca de trinta mulheres musicistas, instrumentistas,
percussionistas, cantoras, compositoras, produtoras e técnicas de som. Um enfrentamento às
opressões masculinas no universo artístico da música. De acordo com a artista, “a mulher é a força
total do universo” (NÚBIA, 2019). Quando juntas, logram transformar a realidade em um curto
intervalo de tempo.
FERNANDA MONTEIRO
Fernanda Monteiro Oliveira é natural de São Luís, 33 anos e reside no bairro Cohatrac IV na
capital. Graduada em Arquitetura e Urbanismo, Nanda Preta atua nos palcos da cena musical
ludovicence há quatorze anos, compõe a banda Afrôs como produtora e cantora, assim como uma
banda infantil, onde também é vocalista. A artista, que nunca frequentou cursos de música, teve
como origem do seu interesse pela música, o gosto musical de sua mãe e isso lhe acompanhou por
toda sua infância e adolescência. Para a artista, “o talento musical é fundamental para o
desenvolvimento da profissão” (FERNANDA, 2019). Acredita que o dom, a aptidão pela música
reflete a realidade de muitos músicos, assim como há aqueles que, de acordo com o tempo, se
desenvolvem através das experiências vividas e do estudo teórico. Da mesma forma, o estudo e a
prática constante é que fazem do músico, um exímio profissional, mesmo não possuindo registro
profissional, como é o seu caso.
Na banda Afrôs na qual é fundadora, Nanda elucida que os cachês da sua banda variam entre R$
5.000,00 e R$ 20.000,00 reais, de acordo com o contratante. O quantitativo é dividido de forma
igualitária, ademais reservam uma porcentagem para serviços utilizados pelo grupo que envolvem
essa cadeia produtiva, tais como figurinista, cenógrafo, mídias sociais, assessoria de imprensa,
técnicos de som, produção executiva, que sem eles, muito dificultaria a apresentação da banda.
Além desse trabalho, Fernanda, como percussionista, acompanha outros artistas da cidade e recebe
entre R$ 250,00 a R$ 400,00. É produtora cultural e gestora financeira e de projetos sociais em
uma Organização Não – Governamental. A música, na vida financeira da musicista representa 1/3
dos seus rendimentos.
Vários desafios são apresentados na vida profissional dos músicos em geral. Para a artista:
(...) faltam bons técnicos na área da música; a
desvalorização do trabalho do músico cotidiana,
falta articulação em rede dos músicos locais; o machismo ainda presente no
trabalho. (FERNANDA, 2019)
Como cantora, Fernanda afirma não sentir violência de gênero por seu ofício. Diferentemente do
ofício de percussionista, que afirma sentir preconceito quando atua nessa área. Quanto ao mercado
de trabalho na ilha de São Luís, a sua opinião é que existe uma divisão entre “quem faz música
comercial para sobreviver e quem faz música autoral na tentativa de fazer seu som ser conhecido”.
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O seu segundo disco, O Samba de Minha Aldeia, de 2010, é fruto de um projeto que a cantora
acompanhava fielmente, o “Clube do Choro Recebe”, todos os sábados, no restaurante do Chico
Canhoto, localizado no bairro dos Vinhais. A partir desses encontros realizados entre os artistas
maranhenses, a artista foi contemplada por um plano fonográfico da secretaria de cultura do
estado, que tinha por objetivo apoiar o trabalho de artistas maranhenses nas produções de seus
discos e concretizou mais uma produção, O Samba de Minha Aldeia, que tem como temática o
samba maranhense. Durante o desenvolvimento do seu trabalho, a artista aponta para as
dificuldades nesse meio pelo fato de ser mulher. Os diretores musicais sempre querem prevalecer
a sua opinião, subestimando o papel da produtora, no caso, a própria Lena. Encara como um
obstáculo a ser superado, o conhecimento técnico sobre a música, para que possa se impor com
autonomia nas deliberações do processo de produção dos seus discos.
A sua perspectiva sobre o seu trabalho é também lançar um olhar sobre as mulheres, porque, como
afirma a intérprete, “eu tenho essa formação da luta pela igualdade, da valorização do que a mulher
faz, do trabalho que a mulher faz, da criatividade feminina na construção dessa sociedade”
(LENA, 2019). Tanto é que, no último trabalho da artista, essa preocupação do papel das mulheres
na produção do seu disco se destacou com a quantidade de parceiras que agregou nesse feitio. A
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A artista identifica o seu trabalho como música popular brasileira feita no Maranhão, a partir das
raízes do estado com a missão de se mesclar a outros ritmos do nordeste, como o maracatu.
Destaca que a preocupação de quem promove os editais lançados pela prefeitura de São Luís e do
estado do Maranhão é voltada para eventos específicos ao invés de se dedicarem aos processos
culturais que visam consolidar uma agenda cultural que gere uma economia criativa nessa área no
decorrer do ano. A necessidade do músico em “se meter em mil e quinhentas coisas pra viver no
mês, tocar não sei quantas vezes pra não sei quantas pessoas” é a cada dia, mais latente no universo
musical e esse fator, muito preocupa a artista que, apesar de possuir outra renda, tem amigos e
amigas que tentam viver somente da música e enfrentam em seu dia a dia, os obstáculos em
sobreviver dessa arte. A criatividade existe, entretanto, os recursos materiais e as disposições
financeiras não colaboram com o fluir criativo do universo musical de Lena Machado, que afirma
ter a música “hora como dádiva, hora como castigo” (LENA, 2019).
CONCLUSÕES
Atravessando as gerações mais jovens, Célia e Patativa questionam as condições estruturais para
realizar os shows. A instabilidade dos cachês que recebem impossibilita que se programem e
organizem melhor a sua vida financeira, principalmente à quem não possui nenhum recurso
provindo de outra fonte, assim como é o caso da Núbia, de 25 anos, ocaso mais jovem entre as
musicistas que participaram dessa pesquisa, que afirma ser difícil permanecer neste universo
justamente pela ausência de estabilidade econômica. Nanda Preta, de 33 anos, em contraste com
Núbia que não tem a certeza de quanto faturará ao mês, de 25 anos, gera uma renda de 1/3 com a
música no valor final que arrecada entre os demais empregos.
No estudo realizado, as seis musicistas, Patativa, Dicy Rocha, Núbia Rodrigues, Célia Sampaio,
Nanda Preta e Lena Machado participam de quase todo o processo de produção dos seus trabalhos,
pela necessidade em garantir a autonomia e disseminar as suas músicas. Durante o ano da
pesquisa, foi possível constatar aspectos relevantes como alguns fatores que interferem na lógica
do desenvolvimento do trabalho artístico, entre eles estão: a instabilidade profissional, a ausência
de reconhecimento pelos seus trabalhos, – principalmente por serem mulheres - em que se incluem
os poucos investimentos na profissão por parte de grandes empresas ou do Estado, através de
políticas, por meio de editais e concessões privadas. Estes pontos interferem na produção das
musicistas, em seus processos criativos e na continuidade de suas carreiras profissionais,
caracterizando assim, momentos instáveis e incertos no mundo artístico da música.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor. A Indústria Cultural. In: COHN, Gabriel (org.) Theodor W.
________ Os músicos e seu trabalho. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP, V.25, N.1,
Junho de 2014.
SEGNINI, L. & BULLONI, Maria Noel (orgs). Trabalho artístico e técnico na Indústria
Cultural. São Paulo: Itaú Cultural, 2016.
Resumo: O presente trabalho analisa o romance A cidade sitiada, de Clarice Lispector. O terceiro
romance da escritora foi publicado em 1949 e escrito em um período em que a sua autora vivia
em Berna, na Suíça. Na referida obra, o espaço, enquanto elemento constituinte da narrativa, ganha
dimensão privilegiada, uma vez que está diretamente vinculado à protagonista Lucrécia Neves.
Por isso, elegemos analisar as configurações do espaço na obra citada. Inicialmente apresentamos
a escritora Clarice Lispector no contexto da literatura brasileira e peculiaridades da sua escrita, a
partir de pesquisa biográfica realizada. Para embasar a análise da obra, utilizamos como aporte
teórico os pressupostos da Geografia Humanista Cultural, a partir dos geógrafos Eric Dardel
(2015) e Tuan (2012, 2013), com a finalidade de promover o diálogo entre a Literatura e a
Geografia.
Palavras-chave: A cidade sitiada; Literatura; Espaço; Geografia Humanista Cultural.
Abstract: The present study analyzes the novel A cidade sitiada by Clarice Lispector. The
author´s third novel was published in 1949 and written at a time when her author lived in Bern,
Switzerland. In this work, space, as a element of the narrative, gains a privileged dimension, since
it is directly linked to the protagonist Lucrecia Neves. For this reason, we have chosen to analyze
the configurations of the space in the reported work. Initially, we present the writer Clarice
Lispector in the context of brasilian literature and the peculiarities of her writing, based on a
biographical research. To support the analysis of the novel, we used as theoretical contribution the
assumptions of Humanist Cultural Geography, based on the geographers Eric Dardel (2015) and
Tuan (2012, 2013), in order to promote the dialogue between Literature and Geography.
Keywords: A cidade sitiada; Literature; Space; Humanist Cultural Geography.
Introdução
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Clarice,. Este é o título dado a uma biografia da escritora Clarice Lispector, publicada no
Brasil, em 2009, pela editora Cosac Naify. A escolha do título (Clarice vírgula), segundo
Benjamin Moser (2009), se deu pelo fato de que algo sempre pode ser desvelado sobre Clarice
Lispector, principalmente, sobre sua vasta obra, da qual fazem parte romances, contos, crônicas,
traduções, dentre outros.
O livro A cidade sitiada é o terceiro romance de Clarice Lispector onde se narram os
processos pelos quais passam São Geraldo e Lucrécia Neves. O primeiro é um pequeno subúrbio
que passa por diversas transformações no decorrer da narrativa, enquanto a segunda, a
protagonista, é uma jovem que vive em São Geraldo, mas que, com o passar do tempo, começa a
sentir-se entediada no subúrbio e vislumbra uma possibilidade de futuro caso se mudasse para
uma cidade mais desenvolvida.
Lucrécia passou por transformações assim como São Geraldo, estabelecendo-se desse
modo uma relação indissociável de mudanças entre o espaço da narrativa, aqui representado pelo
subúrbio São Geraldo, em momentos distintos, e a protagonista do romance.
Mediante o que foi colocado até aqui, o presente artigo investigará a relação da personagem
Lucrécia com a cidade São Geraldo. Para tanto, o trabalho está estruturado da seguinte forma:
Inicialmente, faremos algumas considerações sobre a escrita e circunstâncias de
composição da obra analisada. Em seguida, apresentaremos um breve percurso da Geografia
Humanista Cultural, apresentando os principais conceitos apresentados pelos geógrafos Eric
Dardel, no livro O Homem e a Terra: natureza da realidade geográfica (2015); Yi–Fu Tuan,
Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente (2012) e Espaço e lugar:
a perspectiva da experiência (2013), que constituirão a base teórica deste trabalho.
Posteriormente, serão analisadas as configurações do espaço no romance A cidade sitiada, tendo
como referência os pressupostos teóricos da Geografia Humanista Cultural, sob o olhar de Dardel
e Tuan.
Finalizaremos com a apresentação das considerações finais da investigação empreendida.
Com a finalidade de incursionar por uma dentre as diversas possibilidades de leitura da
obra de Clarice Lispector, este trabalho pretenderá contribuir com um novo olhar sobre a escrita
da autora à luz da Geografia Humanista Cultural e promover um diálogo entre o discurso literário
e o discurso geográfico.
Certamente, Clarice não tinha consciência da grave crise política pela qual passava o
Brasil, em seus primeiros anos da infância, e era apenas uma criança que começava a ler. O país
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vivia o início da década de 30, afetado pela crise econômica mundial, ocasionada pela queda da
Bolsa de Nova York, em 1929. Tal fato afetou diretamente a organização política do país que vivia
a queda da República Velha, liderada pelo presidente Washington Luís que foi substituído pelo
governo Provisório de Getúlio Vargas. Nesse clima de incerteza política dos anos 30, após a
Revolução Constitucionalista ocorrida em São Paulo e a criação da Ação Integralista Brasileira,
em 1934, proclama-se no Brasil uma nova Constituição, que teve como acontecimento decorrente
a tomada do governo por Getúlio Vargas e a instauração do Estado Novo que perdurou até 1945.
Assim, quando Clarice Lispector muda-se para a então capital federal, Rio de Janeiro, o Brasil
vivia sob a Era Vargas.
Já no Rio de Janeiro, Clarice Lispector escreve seu primeiro romance, Perto do coração
selvagem (1944), que a lança no panorama da literatura brasileira moderna. Inicialmente seu
primeiro livro causou certo espanto e estranhamento nos leitores e críticos da época. Isso se deu
pelo modo como o enredo da obra está organizado. O livro conta a história de Joana, uma jovem
que perde a mãe e, futuramente, o pai e vai morar com uma tia com quem vive por pouco tempo,
pois ela a leva para um internato por não ter mais condições de cuidar da menina. Narrado em um
tempo não linear, o livro conta a vida de Joana, intercalando momentos da infância e da vida
adulta.
Como a cidade no romance A cidade sitiada. Assim, se Clarice não localiza a paisagem
em suas obras em um território, é porque o faz no território da linguagem, da escrita. Contudo,
isso não significa dizer que as paisagens não existem e que os espaços nas narrativas são anulados,
mas da ampliação desse elemento no contexto da literatura brasileira. Por isso ocorre, nas obras
da escritora, uma dependência das outras partes das narrativas à narração em si, em detrimento do
que é narrado, além de focalizar enredos que priorizam as digressões e impressões dos
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Nas últimas décadas, com as transformações que o mundo passou e com o avanço da
ciência, houve a necessidade de se investigar as novas questões que o homem contemporâneo
enfrenta em seu meio.
Nessa perspectiva abriram-se novas possibilidades de investigação para a geografia.
Dentre elas, a Geografia Humanista Cultural que busca na cultura, nos valores e na subjetividade
humana compreender a relação do homem com o meio de sua existência.
Assim, o clamor por uma disciplina que tratasse de forma ampla os temas geográficos nos
estudos das humanidades, superando uma visão de análise cartesiana predominante até então,
apontam para o início dos anos 20 do século XX.
A geografia humanista teve alguns precursores como Carl Sauer, David Lowenthal, John
Wright e Yi-Fu Tuan. Enquanto Sauer influenciou os geógrafos que propuseram a geografia
humanista, “Wright foi um precursor e um visionário. Destacou o valor da subjetividade e do
senso geográfico do homem comum, aprofundou-se no domínio dos mapas mentais, preconizou
o alargamento das relações entre a geografia e as Humanidades – a criação de uma geografia
humanista”. (HOLZER, 2016, p. 55). Assim, Sauer convida os geógrafos a voltarem sua atenção
a trabalhos de não geógrafos, como meio de investigar sobre o homem.
Toda essa argumentação a favor da subjetividade leva à questão central que Wright
propõe: a de que os geógrafos não devem utilizar-se somente de sua imaginação
geográfica, mas utilizar-se, também, da de outros que a empregam com sensibilidade.
Isso porque a geografia tem dois domínios distintos: uma área nuclear reduzida em que
estão os estudos formais, e uma área periférica muito mais ampla. Essa área periférica
inclui a geografia informal de trabalhos não científicos (livros de viagem, ficção,
pinturas). (HOLZER, 2016, p. 53).
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Se por um lado a geografia humanista está diretamente ligada à geografia cultural, o que
as diferencia é que a geografia humanista valoriza o mundo vivido e a intenção humana como
elemento de modificação e ligação afetiva com o habitat, com valorização da ação do indivíduo.
Privilegiando a atuação do indivíduo no meio ambiente, a geografia humanista teve como
aportes a fenomenologia e o existencialismo, como aponta Relph:
Eric Dardel foi um precursor nas pesquisas sobre o conceito de lugar, um dos
conceitos-chave da geografia humanista, assim como os de paisagem, espaço, experiência e
percepção.
No livro O Homem e a Terra: natureza da realidade geográfica (1952), Dardel apresenta
as bases para uma geografia fenomenológica, como possibilidade para refletir sobre a condição
do ser no mundo.
Assim, apoiado na ideia de que a relação do Homem com a Terra deve ser pensada como
uma relação que perpassa uma geografia primitiva e, por isso, vista como una, indissociável,
Dardel mostra como se dá essa relação Homem-Terra da perspectiva de quem observa as atitudes
e vivências humanas no mundo, em diferentes espaços geográficos. Em contraposição ao espaço
geométrico, uma vez que este “é homogêneo, uniforme, neutro”, o espaço geográfico “é feito de
espaços diferenciados” e “tem um horizonte, uma modelagem, cor, densidade”. (DARDEL, 2015,
p. 2).
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Por isso, a experiência do homem na Terra não pode ser ignorada, uma vez que “a geografia
não implica somente no reconhecimento da realidade em sua materialidade, ela se conquista como
técnica de irrealização, sobre a própria realidade” (DARDEL,2015, p.5, grifo do autor). O autor
assegura também que a geografia primitiva que está na base do ser norteia o Homem que tenta
descobrir/conhecer/explorar/desbravar o mundo.
O homem habita espaços marcados por valores múltiplos e dotados de significados, nos
quais vive experiências geográficas distintas. Essas experiências são possíveis de ser depreendidas
sobretudo dos espaços geográficos a partir de uma reflexão sobre o “ser-no-mundo”.
Dardel faz uma relação entre as modificações que o homem faz no espaço construído, por
exemplo, e aponta para uma eterna necessidade do homem por construir lugares, como reflexo de
uma vontade primitiva de locomover-se. Algo que está nele, na sua relação primordial com a
Terra, ou seja, algo que lhe é indissociável.
Assim, ao observar o homem que constrói seu habitat por necessidade e, portanto, modifica
a “cor” e forma da natureza, temos um homem que inconscientemente demonstra o que está além
do visível, pois, ao mesmo tempo, “o espaço construído coloca em cheque o alcance do olhar,
apaga e submerge o desenho natural dos lugares”. (DARDEL, 2015, p. 29). Ao construir espaços,
passamos a vislumbrar a cultura do homem através dos espaços que ele cria/ modifica/altera.
A realidade geográfica é o lugar onde o homem dá sentido à sua existência, onde ele se
constitui e atribui significados. É a realidade marcada por uma presença. “A realidade geográfica,
é para o homem, então, o lugar onde ele está, os lugares de sua infância, o ambiente que atrai sua
presença”. (DARDEL, 2015, p.34).
Ao tratar da experiência do homem com o lugar, Dardel revela que
Há, no lugar de onde a consciência se eleva para ficar de pé, frente aos seres e aos
acontecimentos, qualquer coisa de mais primitivo que o “lar”, o país natal, o ponto de
ligação, isto é, para os homens e os povos, o lugar onde eles dormem, a casa, a cabana, a
tenda, a aldeia.
[...]
Antes de toda escolha, existe esse “lugar” que não pudemos escolher, onde ocorre a
“fundação” de nossa existência terrestre e de nossa condição humana. Podemos mudar
de lugar, nos desalojarmos, mas ainda é a procura de um lugar; nos é necessária uma base
para assentar o Ser e realizar nossas possibilidades, um aqui de onde se descobre o
mundo, um lá para onde nós iremos. (DARDEL, 2015, p.41, grifos do autor).
Dardel fala de um lugar que o homem não pode escolher: a Terra, e que a busca por um
lugar sempre se dará nesse mesmo lugar, que é onde ocorre a “fundação” da condição humana, ou
seja, a existência humana só pode ser constituída na Terra. Sem ela não há possibilidade da
experiência geográfica. Um elo que só pode ser percebido a partir da vivência.
Pensar o espaço como uma forma de se conhecer sobre o homem se tornou mais uma
possibilidade de abarcar o humano na construção da sua existência. Nesse viés o trabalho do
geógrafo Yi-Fu Tuan também abriu caminho muito frutífero para se investigar sobre a dimensão
existencial e cultural do homem a partir das suas experiências geográficas.
A experiência é um termo que abrange as diferentes maneiras por intermédio das quais
uma pessoa conhece e constrói a realidade. Essas maneiras variam desde os sentidos mais
diretos e passivos como o olfato, paladar e tato, até a percepção visual ativa e a maneira
indireta de simbolização. (TUAN, 2013, p.17).
Segundo Tuan, a experiência passa pela sensação e percepção, esta última definida como
“uma atividade, um estender-se para o mundo”. A sensação é qualificada pelo pensamento. Daí a
experiência envolve sentimento e pensamento, que são maneiras de conhecer: “Assim, a
experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência. Experienciar é aprender;
significa atuar sobre o dado e criar a partir dele”. (TUAN, 2013, p. 18).
O ser humano vive constantemente no espaço, constrói sua existência nele, de modo a lhe
atribuir significados e valores, o que faz com que o espaço deixe de ser vago e comum para se
tornar agregado de valores. É esse espaço que se torna lugar afetivo de que trata Tuan (2013, p.
14):
As ideias de “espaço” e “lugar” não podem ser definidas uma sem a outra. A partir da
segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça
do espaço, e vice-versa. Além disso, se pensarmos no espaço como algo que permite
movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que localização
se transforme em lugar.
Espaço é movimento e liberdade. Lugar é pausa e localização. Pausa necessária para que
o espaço se torne inteiramente familiar, ordenado e com significado, para que se torne um lugar.
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O espaço aberto não tem caminhos trilhados nem sinalização. Não tem padrões
estabelecidos que revelem algo, é como folha em branco na qual se pode imprimir
qualquer significado. O espaço fechado e humanizado é lugar. Comparado com o espaço,
o lugar é um centro calmo de valores estabelecidos. (TUAN, 2013, p. 72).
O lugar é o que nos traz segurança, aconchego e é familiar. Por isso, “se definirmos lugar
de maneira ampla como um centro de valor, de alimento e apoio, então a mãe é o primeiro lugar
da criança”. (TUAN, 2013, p. 42). Ou como um objeto, “o lugar pode adquirir profundo
significado para o adulto mediante o contínuo acréscimo de sentimento ao longo dos anos. Cada
peça dos móveis herdados, ou mesmo uma mancha na parede, conta uma história”. (TUAN, 2013,
p. 47).
Desse modo o lugar é sinônimo de proteção, segurança e intimidade, assim como são os
objetos que nos são familiares ou uma pessoa que nos transmita proteção. Temos então o amor
humano por um lugar ou topofilia, definida assim por Tuan (2012, p. 135-136):
A palavra “topofilia” é um neologismo, útil quando pode ser definida em sentido amplo,
incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material. Estes
diferem profundamente em intensidade, sutileza e modo de expressão. A resposta ao
meio ambiente pode ser basicamente estética: em seguida, pode variar do efêmero prazer
que se tem de uma vista, até a sensação de beleza, igualmente fugaz, mas muito mais
intensa, que é subitamente revelada. A resposta pode ser tátil: o deleite ao sentir o ar, a
água, terra. Mas permanentes e mais difíceis de expressar são sentimentos que temos para
com um lugar, por ser o lar, o locus de reminiscências e o meio de se ganhar a vida.
O homem vive em espaços e está à procura de lugares, de lugares que lhe transmitam o
sentimento topofílico. Se um espaço não transmite segurança e proteção, o ser humano busca
transformá-lo, dando-lhe características e particularidades suas, significando-o e familiarizando-
o, tornando um espaço qualquer em lugar; um lugar onde possa finalmente repousar e se localizar.
Por isso, transformar um espaço em lugar e reconhecê-lo exige tempo.
Nessa perspectiva, Tuan demonstra como o homem tem percebido o subúrbio e a cidade
como espaços que se contrapõem. Para ele, “a cidade é lugar, um centro de significados, por
excelência. Possui muitos símbolos bem visíveis. Mais ainda, a própria cidade é um símbolo”.
(TUAN, 2013, p. 211). “(...)A cidade transcende as incertezas da vida; ela reflete a precisão, ordem
e a predição dos céus” (TUAN, 2012, p.211), enquanto
Quando um operário cria um mundo, ele não apenas modifica seu próprio corpo como a
natureza exterior. Uma vez terminado o edifício ou o complexo arquitetônico, torna-se,
então, um meio ambiente capaz de afetar as pessoas que nele vivem. O espaço construído
pelo homem pode aperfeiçoar a sensação e percepção humana. (TUAN, 2013, p. 128)
Refletir sobre a experiência geográfica do homem como parte da sua dimensão existencial
é a proposta da Geografia Humanista Cultural224. Nesse sentido a literatura se mostra como um
campo privilegiado para esse diálogo, pois revela e informa sobre a condição humana e situa
indivíduos e coletividades num determinado lugar e tempo.
Tem-se assim a possibilidade de um diálogo mais amplo entre Geografia e Literatura, pois
vemos as duas se reinventando para dar novas respostas a velhas perguntas, já que a
experiência do homem sobre a terra, seus sentimentos, dores, identidades, angústias e
afetividades continuam sendo a maior terrae incognitae a ser explorada por escritores e
geógrafos. (OLIVEIRA; MARANDOLA JR. 2010, p.135).
A narrativa literária inscreve sujeitos e paisagens. Como esta é modificada por aquele;
sujeitos culturais, que percebem e concebem as paisagens a partir de suas experiências. Ao
construir e modificar as paisagens, os sujeitos “falam sobre si”, marcam seu presente e o seu
passado.
O texto literário como material simbólico de uma cultura, ao situar os sujeitos, situa as
diferentes maneiras como eles percebem as paisagens e o modo como se dá essa relação sempre
de troca mútua e cambiante.
Dardel e Tuan, ao longo dos seus trabalhos, enfatizam as experiências humanas como a
fonte na qual é possível perceber como o homem concebe ou concebeu os espaços e as paisagens.
No vivido está a inscrição do humano. É o registro da sua essência.
224
A Geografia Humanista Cultural busca analisar a relação do homem com a natureza, valorizando a experiência,
o mundo vivido, a subjetividade e a cultura dos indivíduos, com base no existencialismo e na fenomenologia.
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Assim, elegeremos alguns conceitos apresentados por Dardel e por Tuan a fim de
analisarmos a experiência geográfica dos sujeitos na literatura contemporânea como resultado de
suas experiências com a paisagem, especificamente, no romance A cidade sitiada, de Clarice
Lispector.
Ela representava, portanto, uma recusa ao progresso pelo qual alguns moradores tanto
ansiavam. Ora, o progresso de S. Geraldo tornou-se algo inevitável e com ele as reações dos
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(...) A cidade, como realidade geográfica, é a rua. A rua como centro e quadro da vida
cotidiana, onde o homem é passante, habitante, artesão; elemento constitutivo e
permanente, às vezes quase inconsciente, na visão de mundo e no desamparo do homem;
realidade concreta, imediata, que faz do citadino “um homem da rua”, um homem diante
dos outros, sob o olhar de outrem, “público” no sentido original da palavra. (2015, p.28,
grifo do autor)
É por meio dela que as coisas passam a ganhar forma, assim como o subúrbio. Lucrécia
sente falta de S. Geraldo e vice-versa.
Com o passar do tempo, a protagonista passou a sentir-se incomodada em S. Geraldo, a
estranhar os novos modos das pessoas e do subúrbio. Passou a não sentir-se mais como parte do
subúrbio que ela ajudou a dar forma à medida que S. Geraldo foi sendo reconstruída: “Porque S.
Geraldo a asfixiava com sua lama e seus cravos boiando nos esgotos”. (LISPECTOR, 1998b, p.59)
Lucrécia passou a sonhar com uma cidade, com a vida em uma grande metrópole e com
tudo que ela pode oferecer a uma pessoa. A possibilidade de realização desse sonho se deu através
do casamento com Mateus, o homem que lhe daria uma cidade.
Mateus, diferente de Lucrécia, era um homem que não mantinha uma relação muito íntima
com a sua cidade. Ao mostrar as coisas que via à Lucrécia, ele tentava mostrar-se a ela e queria
transformá-la, ou seja, queria que ela visse como ele via, pelos seus olhos. “Mesmo na sua cidade,
Mateus Correia continuava a ser forasteiro, um homem que de todos os lugares tirava o que lhe
aproveitasse.” (LISPECTOR, 1998b, p. 120). Lucrécia “com surpresa viu que aquele homem nada
desejava de melhor do que segui-la e agregar-se à cidade da mulher, ele que não pertencia a
nenhuma”. (LISPECTOR, 1998b, p. 128).
Entretanto, ao mudar-se para a nova cidade, Lucrécia começou a sentir falta de S. Geraldo
e passou a buscá-lo na paisagem da nova cidade, porém não o encontrou: “E quando o advogado
reapareceu tão ocupado, olhou-o de longe quase tola, solta nestas ruas que não eram suas, com um
homem que falava e conduzia – um advogado!” (LISPECTOR, 1998b, p. 116).
Lucrécia sentia-se parte do subúrbio por diferentes razões. Uma delas porque ela era vista
por S. Geraldo. Quando mudou para a cidade com o marido, ela passou a sentir-se invisível porque
não era vista pelas pessoas:
nas calçadas cheias de gente ninguém olhava para ela, cujo vestido cor- de- rosa teria,
todavia encanto em S. Geraldo. [...] Na verdade as coisas novas é que a olhavam e ela
passava entre elas correndo atrás do advogado. Uma vez fora do subúrbio, desaparecera
sua espécie de beleza, e sua importância diminuíra. (LISPECTOR, 1998b, p. 116).
Segundo Tuan (2013, p.19), “ver e pensar são processos intimamente relacionados. Em
inglês, ‘eu vejo’ significa ‘eu entendo’. Há muito tempo, que já não se considera a visão apenas
um simples registro do estímulo da luz;”.
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Lucrécia tornou-se uma pessoa inexperiente na cidade porque não a via, não entendia o
novo espaço. Este não era lhe familiar.
Se por um lado a cidade representou um espaço ideal, almejado pelas pessoas, por outro
se tornou também uma paisagem do medo, pois “o medo da cidade como um ambiente físico não
pode ser nitidamente isolado do medo dos habitantes da cidade”. (TUAN, 2005, p. 250).
Se por um lado S. Geraldo representou para Lucrécia o amor e a segurança por um
ambiente, a cidade representou o seu oposto, a insegurança e o medo.
É no percurso da sua existência que o homem a constrói e dá-lhe sentido. Nessa caminhada,
perspectivas sobre o mundo e as coisas mudam, assim como as ideias sobre os lugares que
ansiamos. Lugares que, a partir das experiências e significados adquiridos no transcorrer do
tempo, tornam-se sinônimo de segurança e aconchego onde o homem possa desenvolver o amor,
o sentimento topofílico.
Tuan afirma que, para reconhecer um lugar como seguro, precisamos vivenciar o seu
contrário, ou seja, a insegurança de um espaço. No espaço, o lugar é invocado. O ser humano
precisa do espaço para reconhecer o lugar.
A cidade representou para Lucrécia um espaço e S. Geraldo um lugar. Foi na insegurança
da cidade que ela invocou a presença de S. Geraldo:
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(...) um espaço desconhecido se estende à nossa frente. Após algum tempo, conhecemos
alguns referenciais e os caminhos que os ligam. Eventualmente o que foi uma cidade
estranha e desconhecida se torna um lugar familiar. O espaço abstrato, carente de
significado exceto pela estranheza, torna-se um lugar concreto, cheio de significado.
(TUAN, 2013, p.243).
Nesse contexto temos uma personagem que viveu em um subúrbio com o qual teve uma
relação muito forte, a qual foi quebrada quando ela se mudou para uma cidade. Ao tentar recuperar
esse vínculo com o subúrbio, não consegue mais: “Assim, a trajetória de Lucrécia, por exemplo,
coincide com as mudanças espaciais da personagem ao longo da obra. O espaço está ligado não
somente à dimensão física, mas ontológica das personagens (...)”. (RIBEIRO, 2014, p. 61).
S. Geraldo mudou. Não precisava mais da mocinha. Ganhou autonomia. Com seus “carros,
de condutores invisíveis, deslizavam n´água e de súbito mudavam de direção, não se sabia por
quê. S. Geraldo perdera os motivos e agora funcionava sozinho.” (LISPECTOR, 1998b, p.132)
Lucrécia, após perceber a transformação de seu antigo subúrbio, tenta manter alguma coisa
com o receio de perder o último vínculo que ainda tinha, porque “desfazer-se de seu habitat em S.
Geraldo é deixar para sempre a construção de seu olhar durante todos os anos vividos nesse
ambiente. Representa a separação definitiva entre a mocinha e ambiente, uma deserção de um
território sitiado por ela mesma”. (RIBEIRO, 2014, p. 73).
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Lucrécia tinha S. Geraldo como referência de lugar seja para buscar outros lugares, seja
para saber que o que ela encontrou não era o que procurava. Em qualquer lugar que esteja, sempre
busca encontrá-lo. Assim, o espaço na narrativa ganha uma importância muito grande. O homem
habita espaços e anseia encontrar um lugar, onde possa finalmente repousar a sua existência e
encontrar-se na Terra.
S. Geraldo inicialmente é um subúrbio que se transforma em uma cidade. Temos, portanto,
um espaço modificado pelo homem que, através da cultura, transforma o espaço que vive,
modifica, assim, a paisagem e o modo como esta é vivenciada e percebida.
Enquanto espaço que ainda está sendo construído, a cidade em que se transformou S.
Geraldo precisa da subjetividade dos seus moradores para adquirir sentido para eles.
Especialmente, para Lucrécia que viveu a experiência da ausência do lugar quando teve a
liberdade do espaço, pois,
Quando vivia no subúrbio, Lucrécia era parte indissociável dele. Ela se via em cada parte:
na rua do mercado, no morro do pasto, nos objetos de sua casa. Em uma conversa com Perseu e
sua mãe, a moça afirma sobre o subúrbio:
Para Lucrécia a casa, os objetos e as pessoas pertencem a S. Geraldo, assim como ela
pertencia a ele. S. Geraldo representava o mundo para ela.
Ora, se a relação de Lucrécia com seu subúrbio está marcada na paisagem e nas coisas que
a cercam, é nelas que a moça procura os traços do seu subúrbio quando ela não o habita mais:
S. Geraldo não estava mais no ponto nascente, ela perdera a antiga importância e seu
lugar inalienável no subúrbio. Havia mesmo planos de construção de um viaduto que
ligaria o morro à cidade baixa... Os terrenos do morro já começavam a se vender para
futuras residências: para onde iriam os cavalos? [...] Nesse período Lucrécia Correia se
agregou enfim ao que sucedia. Terminando por admitir que sonhara com este progresso
e lhe dera sua própria força. Reconhecendo aqui e ali marcas de sua construção.
(LISPECTOR, 1998b, p. 138).
Segundo Ribeiro (2014, p. 10), “o questionamento e a reflexão sobre o ser, sua essência e
seu deslocamento ou função no mundo representam indagações a serem revisitados ao longo de
diversas obras de Clarice Lispector”. Reflexão essa que perpassa a busca do ser humano por um
lugar no mundo, como ser terrestre que habita a terra e tem necessidade de espaço.
E assim Lucrécia continua a sua busca. Ao deixar a cidade e retornar a S. Geraldo e não se
adaptar mais à vida lá, muda-se para uma pequena cidade, que era uma ilha, para repousar por
causa da saúde. Para Tuan (2012), a ilha tem um lugar especial na imaginação do homem e é
sinônimo do estado da inocência e recomeço e que, com as atribulações da vida moderna, passou
a representar o lugar para onde o homem pode ir para fugir da vida cotidiana. Naquele local, ela
começa a imitar a nova paisagem do lugar, na tentativa de construir e achar um lugar para si:
Lucrécia cheirava o ar salgado, farejava com cuidado aquilo tudo que lhe pareceu de uma
realidade fria e ligeira como de um córrego – e que tanto lembrava a silenciosa época
anterior ao progresso de S. Geraldo. Uma casa leve, construída sobre terra arenosa;
depois de alguns dias percebeu que também acordava de pele branca e cílios negros, toda
em claro e escuro, tanto já começara a imitar a nova paisagem. (LISPECTOR, 1998b, p.
145).
No seu terceiro romance, Clarice, além da história em si, lança seu olhar para algumas
problemáticas ligadas à literatura de modo geral que surgiram ao longo da sua carreira, às quais
tenta responder e teorizar sobre dentro da própria construção da narrativa.
Na narrativa A cidade sitiada as personagens veem o espaço e este as vê. Cria-se uma
relação de interdependência entre os personagens e o espaço da narrativa, onde uma paisagem que
lembra uma pintura é o palco para os personagens suburbanos mostrarem-se, em confronto com o
espaço da cidade. Como afirma Nunes, assegura-se que, em A cidade sitiada, “(...) intensifica-se
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o sentido do lugar, da localização espacial da protagonista, Lucrécia Neves, como ambiente que
circunscreve os seus atos e lhes dá sentido: um certo subúrbio em crescimento, chamado S.
Geraldo”. (NUNES, 2004, p. 292).
Considerações finais
A obra de Clarice Lispector como um todo nos apresenta o ser humano em uma
perspectiva de nascimento para a descoberta de um mundo que parece nascer/surgir no instante
em que incursionamos na sua escrita, na sua linguagem única que tenta narrar o indizível.
As narrativas clariceanas são o fio condutor da tessitura de vidas encontradas no seu
acontecer cotidiano. Assim, a linguagem é para a escritora um caminho a ser descoberto e
reencontrado nos seus textos.
Em 1949, a escritora publicou o seu terceiro romance, A cidade sitiada. Se comparado com
os dois anteriores, este se diferencia em alguns aspectos formais, mas a estrutura interna é a
mesma: uma tentava de abarcar a dimensão humana.
O espaço é um dos elementos da narrativa literária e, por isso, deve ser analisado como
parte de um todo que ganha sentido em uma dimensão maior, em especial, no livro A cidade
sitiada. Nesta perspectiva, a nossa análise voltou-se para o espaço da narrativa.
Clarice foi uma escritora que rompeu com o paradigma no modo de se pensar a literatura
brasileira, por isso também o espaço nas suas obras ganha ótica e dimensão únicas. Rompendo
com a ideia do localismo, ou seja, do espaço que fazia referência a uma determinada região do
país, o espaço na obra clariceana é apresentado em uma dimensão existencial.
As mudanças no modo de conceber os problemas humanos nas últimas décadas e,
consequentemente, a maneira de entendê-los levou a Geografia a modificar os seus modos de
investigação. Assim, a Geografia Humanista voltou seu olhar para as experiências humanas na
terra como meio de se abarcar a totalidade da dimensão humana.
A nossa análise teve como referencial teórico as ideias da Geografia Humanista Cultural,
fundamentadas especificamente a partir das ideias e conceitos dos geógrafos Eric Dardel (2015) e
Yi-Fu Tuan (2012, 2013). A escolha de tais teóricos deu-se em detrimento de outros porque as
suas ideias sobre o espaço abarcam o homem na sua dimensão existencial e universal. O ponto
comum do pensamento de Tuan e Dardel é que ambos colocam a experiência do homem no mundo
como fundamentais para compreender a condição do homem na Terra, pois a construção humana
é um acúmulo de experiências.
Ao elegermos dois geógrafos enquanto base teórica deste trabalho, tentamos promover um
diálogo entre a Literatura e a Geografia, pois a arte literária e a ciência geográfica têm no homem
e nas suas experiências um ponto de reflexão e de interesse em comum.
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REFERÊNCIAS
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São Paulo: Perspectiva, 2015.
HOLZER, Werther. A geografia humanista: sua trajetória 1950-1990. Londrina: Eduel, 2016.
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LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998a.
MOSER, Benjamin. Clarice, uma biografia. Trad. José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac Naify,
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__________. Topofilia: um estudo da percepção, atitude e valores do meio ambiente. Trad. Lívia
de Oliveira. Londrina: EDUEL, 2012.
Abstract: The ground of the relationship between Aesthetics and Mysticism is discussed in the
Nietzschean writings on tragedy based on elements which link the image of Dionysus to the so-
called Mysteries. It is argued that Aristophanes’ writings play an important role in both content
and form of presentation of Nietzsche’s proposal of 1872, in addition to the well-known criticism
directed at Socrates. It begins with a panoramic view of the play so that, subsequently, themes
arising from it and developed in writings of the philosopher. Finally, it remains to be shown how
the Nietzschean hypothesis of the relationship between the birth of tragedy and the Dionysian
Mysteries finds part of its foundation in the comprehensive and ambiguous conceptualization of
the term μουσικὴ (mousikḗ) in this Aristophanic comedy.
Keywords: Nietzsche; Aristophanes; tragedy; comedy, Frogs.
1 Introdução
Influxos de autores como Valentin Rose, Jacob Burckhardt, Müller-Strübing, entre outros,
ofereciam elementos de composição para um tal brainstorming.
227
Como o fizera o jovem Wilamowitz-Müllendorf a propósito da publicação de O Nascimento da Tragédia em 1872:
Wilamowitz-Müllendorf, U. Filologia do futuro! in Machado: 2005, pp.55-78; 129-148.
228
Apesar de revelarem maior aproximação com um núcleo de pensamento posterior ao projeto wagneriano aqui
tratado, extrapolando, portanto, os objetivos do presente trabalho, é importante mencionar que entre os cursos sobre
a História da Literatura Grega, ministrados entre 1874-1876, Nietzsche trata analítica e historicamente da comédia
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assumem em As Rãs um significado especial tanto quanto pelo seu teor estético e mítico, quanto
por sua estrutura paródica. Enquanto fonte histórica e estética, Aristófanes oferece a Nietzsche
uma visão também totalizante para observação e interpretação dos fenômenos culturais e
elaboração das narrativas sobre eles. Ao modo aristofânico, o termo μουσικὴ (mousikḗ) consiste
em uma ampla e diversa visão de conjunto sobre a arte.
À época de As Rãs, Eurípedes constava entre os trágicos admirados por suas obras.
Curiosamente, Dionísio se refere a ele no verso 80 como πανοῦργος (panourgos), isto é, como um
poeta astucioso, habilidoso, aldrabão, trapaceiro, em escapar de dificuldades, e que este seria
capaz de qualquer coisa. Assim, apesar de referir-se à habilidade, o termo assume conotação
pejorativa. Isto se evidencia nas atitudes pregressas do poeta no enredo da peça, pois, no mundo
subterrâneo já vigoraria uma lei, a respeito das artes mais nobres, que determinava que todo
homem “superior aos seus rivais” fosse sustentado no Pritaneu e se sentasse perto do próprio
Hades. “Isto até aparecer outro mais capacitado que ele em sua arte”, caso em que teria “de lhe
ceder o lugar.” Ésquilo ocupara o trono da tragédia, mas ao chegar àquele mundo, Eurípedes fizera
campanha junto aos criminosos, que eram em grande número no Hades. E, no dizer do escravo do
Hades: “(...) essa gente, vendo a desenvoltura dele para falar dos prós e contras, suas sutilezas,
(KGW II-5. Die Komödie, §10; pp. 152-173), com um tópico especial dedicado a Aristófanes, entre outras menções
ao comediógrafo. Para este artigo importa dizer que tais cursos também contam com parte das fontes clássicas já
utilizadas nesses escritos de 1869-1872, como o compêndio dos Sudas, Bernhardy, Otfried Müller, Usener e Aristóteles,
por exemplo, caracterizando um aprofundamento de estudos no tema da comédia e, em especial, no método de
observação de Aristófanes.
229
À exceção de uma passagem citada por Nietzsche adiante, que contém tradução nossa, todas as citações de
Aristófanes e Eurípedes neste trabalho correspondem às traduções brasileiras de Mário da Gama Kury. Utilizaram-se
outras traduções, para fins comparativos.
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seus artifícios, apaixonou-se por ele e decidiu que ele era mais competente; e, presunçoso como
é, ele se apoderou do trono onde se sentava Ésquilo.” (vv. 760-780)
Observe-se se essas passagens ainda não são conclusivas quanto à primazia tradicional
de Ésquilo, pelo menos sugerem certa usurpação quanto à fama de Eurípedes quando estava entre
os vivos, dada a efetividade dessa entre os mortos na peça. Mas a narrativa avança e afirma a
superioridade de Ésquilo pela submissão de Sófocles, outro grande trágico reconhecido, que na
peça ocupa um papel secundário (vv.786-795):
Xantias: E por que Sófocles não reclamou também o trono da tragédia? Escravo:
Ele tirou o corpo fora; quando chegou aqui ele primeiro abraçou Ésquilo, deu a mão a ele
e deixou-o na posse pacífica de seu lugar. Mas agora, como diz Clidemides, Sófocles está
preparado para ser o reserva; se Ésquilo for o vencedor ficará em seu lugar; se não for
assim, ele disputará com Eurípides.
230
No original (vv. 1515-1519; grifou-se): ταῦτα ποήσω· σὺ δὲ τὸν θᾶκον | τὸν ἐμὸν παράδος Σοφοκλεῖ τηρεῖν | καὶ
διασῴζειν, ἢν ἄρ᾽ ἐγώ ποτε | δεῦρ᾽ ἀφίκωμαι. τοῦτον γὰρ ἐγὼ | σοφίᾳ κρίνω δεύτερον εἶναι.
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arte. Assim, precisamente no coro, encontra-se a reflexão: “É bom, então, não ficar perto de
Sócrates conversando com ele, desdenhando a música e as partes mais importantes da arte trágica.”
(vv. 1491-1495)231 Aristófanes inverte em sua comédia a inovação na forma proposta por
Eurípedes, o dramaturgo crítico do coro que o preteriu em favor da dialética. A paródia
aristofânica se apresenta na estrutura mesma da peça: nessa passagem, é do coro que parte a crítica
(e galhofa) ao filósofo dialético que tem seu paralelo metodológico no tragediógrafo derrotado.
Ressalte-se que esse efeito cômico do coro ao final da comédia é a exaustão conclusiva
da fórmula fundamental da peça: o coro a caçoar de Eurípedes. Mantendo a tradição da Comédia
Antiga de conter coros com nomes de animais, essa peça é uma paródia da crítica da arte. Ao invés
de um erudito tagarelando sobre assuntos privados no palco, há rãs barulhentas a incomodar o
deus do teatro com seu canto repetitivo.
231
No original: χαρίεν οὖν μὴ Σωκράτει | παρακαθήμενον λαλεῖν, | ἀποβαλόντα μουσικὴν | τά τε μέγιστα παραλιπόντα
| τῆς τραγῳδικῆς τέχνης. Em um tópico adiante haverá uma discussão mais detalhada sobre a tradução dessa
passagem.
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geralmente próprio das representações do deus e de suas mênades –, e por cima destas vestes usa
pele de leão e carrega uma clava (em referência a virilidade de Hércules). O irmão fantasiado leva
Hércules aos risos (vv. 45-48): “Não posso mesmo conter as gargalhadas vendo uma pele de leão
por cima de uma roupa amarela. Que significa este modo ridículo de se vestir? Qual é a relação
entre o coturno e o porrete? Por onde você viajou?”
Nós, filhas das águas pantanosas, harmonizamos nossos tons com os sons das flautas;
vamos repetir este canto harmonioso, coax, coax, que entoamos nos pântanos em honra
de Diôniso Nísio, filho de Zeus, quando a multidão embriagada na festa das panelas se
reúne para celebrar as orgias nos lugares consagrados. Brequequequequex, coax, coax.
Há, pois uma notória relação do ctonismo com essas celebrações, popularmente
conhecidas como “festas das flores” de cunho primaveril. Durante as Antestérias aconteciam as
celebrações ao deus do vinho novo e o contato com o mundo do além e dos mortos.
A ida ao submundo ressalta, pois, a origem ctônica do jovem deus e, com isso, a força
totalizante da realidade promovida pelo misticismo do mistério. Reivindica-se o princípio daquela
ordem cultural e sobre ele afirmam-se suas representações. Nesse sentido, assim que consegue
chegar até a porta do palácio, Dionísio é convidado por Hades a decidir, junto a ele o agôn entre
Ésquilo e Eurípides pela posse do trono de honra da tragédia.
Com este famoso agôn, Aristófanes radicalizou para a posteridade uma oposição a
relacionar os dois poetas: Ésquilo como representante da tragédia na sua forma mais
antiga, severa, hierática, majestosa, ainda próxima da épica e dos valores por ela
celebrados; Eurípides como o promotor de um outro modelo revolucionário, amoral, mais
próximo da sociedade, fragmentada e decadente, do tempo da guerra do Peloponeso.
(Silva: 2014, pp. 18-19)232.
232
Cf. a introdução à tradução portuguesa de M. F. Silva (2014).
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Esse ágon não significa apenas o “combate” entre dois poetas, mas entre dois grandes
pensadores e influenciadores de extrema importância para a sociedade grega da época, e sobretudo
em dois cenários de crenças mítico-religiosas atenienses. Nesse sentido, a necessidade de um poeta
retornar para a cidade não se fazia por Sófocles estar morto, mas porque a cidade precisava ser
salva. Dionísio encontra a salvação para a cidade e para o estado de decadência da tragédia pela
ressureição de Ésquilo.
Fora do enredo da peça, não seria possível que Ésquilo retornasse à vida, mas a lição
pedagógica da comédia é que Atenas poderia ser capaz de recuperar todos os seus valores
tradicionais representados pela figura do poeta na peça: unidade, disciplina, honra, isto é, o que
conferia grandeza à arte e às formas de vida nos tempos em que o poeta vencedor reinava entre os
vivos.
Caracterizado como deus das artes das musas, e como aquele que originou a tragédia
antiga grega em sua mais pura originalidade, Dionísio demonstrou ser mais astucioso que o
próprio Eurípedes. Sua real intenção sempre fôra resgatar Ésquilo, mas por temer que a astúcia
euripidiana e os empecilhos típicos do submundo o impedissem de realizar sua “odisseia” pelo
método convencional utilizou-se do disfarce no Hades para promover a reconciliação da força
plástica sensorial com a força dialética já presente no público da pólis de então.
Nesse sentido, os poetas trazem à cena suas propostas de regeneração social e cívica,
de modo que a recuperação da pólis foi assimilada à do próprio teatro e, em ambos os casos, pela
figura de Dionísio. Isto se exemplifica com o fato de que, assim como em As Rãs, em As Bacantes
(Eurípedes) Dionísio é ator e ao mesmo tempo personagem. Para além do gênero (o primeiro
comediógrafo e o segundo com tragédia, trata-se de duas versões distintas de Dionísio e do
Dionisíaco: Aristófanes a apresentar um lado mais místico do dionisismo e Eurípedes um
dionisismo mais urbano, menos orgiástico que os cultos originais.
Como o ator que se traveste e deixa de ser ele mesmo para ser um outro, para se tornar
personagem, Penteu, ao assemelhar-se a uma bacante, tem sua individualidade dissociada
mediante ação mimética que confunde ilusão e realidade. Dionísio, o protagonista, em toda a peça
instiga a ação que se desenrola ao emular simultaneamente, o figurinista (ao fazer com que Penteu
se vista de bacante), o coreógrafo e o diretor artístico da peça. O deus do teatro se expressa em
duplicidade e subversão da ordem.
Eurípides consta, assim, tanto na peça aristofânica quanto nos escritos nietzschianos
em questão como oposição ao mistério na arte, questão também presente em Visão Dionisíaca do
Mundo. “A falta de conhecimento de si no homem é o problema de Sófocles, a falta de
conhecimento sobre os deuses no homem o problema de Ésquilo.” (Nietzsche/VD: 2005, p. 51) O
mistério estético pressupõe o disfarce da máscara (Verkleidung), a mortalidade dos seres humanos
na terra (Erde) e a reconciliação (Versöhnung) entre elementos agonais. O enredo de As Rãs se
faz claro quanto a esses três aspectos: há cenas de disfarce de Dionísio no caminho rumo ao Hades,
bem como momentos de tensão harmônica entre o humano e o divino, o masculino e o feminino,
o cômico e o trágico.
pôde ser levado ao palco e, como consequência, houve uma decadência dos deuses em favor
daquele mesmo homem comum. Eis então uma apropriação significativa de As Rãs: um poeta que
leva a vida ordinária para o palco e é inimigo dos deuses.
Esse tema é determinante para o diagnóstico que o então professor de filologia faz da
cultura moderna: a conversão do conteúdo mítico em conteúdo prático implica na conversão da
arte em entretenimento dialético. A tragédia perde seu caráter original ao ter um coro de
expectadores e não mais um coro lírico-musical como antigamente. Em um tal sentido, a
representação do cotidiano de certa forma sofrido daquele povo ganha certo significado quando
aquele homem comum observa aquela mesma existência refletida e, de certa forma, vivenciada
pela figura de suas divindades.
Outra questão importante é o fato de que para Nietzsche Eurípedes aparece como o
poeta que seduz o povo, que pensava por si e não pelo povo. Como tal, há um enfraquecimento
político e cultural da pólis, que tende a deixar de ser o objeto da ação cômica, cuja reflexão era
provocada pela experiência estética e religiosa, e passa a ser deslocada para o indivíduo. Nisto
consistiria a decadência: no deslocamento dos problemas da πόλις (pólis) para os problemas do
οἶκος (oikos). Esta preocupação com a cidade também aparece ao final de As Rãs, no verso 1500:
“Parta alegremente, Ésquilo; salve a sua pátria valendo-se de sábias lições, e cure os loucos (eles
são numerosos).” Paralelamente, se, em Aristófanes, a escolha de Ésquilo envolve a percepção do
mundo como totalidade pela experiência plena dos sentidos através de um coro vivo e musical,
cuja totalidade se expressa cultural e politicamente na pólis, em Nietzsche, há a reivindicação de
uma questão semelhante em seu próprio tempo.
233
Nietzsche/DM: 2005, p.18; traduziu-se.
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O tema schlegeriano expressa, assim, um ideal do ideal heleno, uma projeção de uma
ideia sobre a antiga arte grega. Nietzsche se apropria dessa questão, direcionando-a para o seu
projeto de reforma cultural alemã a partir da música. Do ideal ético-estético de grandeza ele
buscava partir para o ideal estético-técnico de harmonia e totalidade.
Eis, portanto, a importância de todo o conjunto que compunha a tragédia grega antiga:
o poeta, o coro, o ator (que utilizava máscaras). A visão de conjunto implicaria na elevação da
representação da imagem cotidiana do homem, mas não somente isto, diria respeito também à
fuga do grego da vida pública, da vida do mercado. A ponderação de Nietzsche é a de que o heleno
ia ao teatro não para fugir do tédio de sua própria existência por alguns instantes, assim como
fazia o alemão moderno.
E aqui está o berço do drama. Pois ele não começou com alguém que tivesse se disfarçado
e quisesse enganar os outros: não, começou antes, quando o homem está fora de si e se
crê transformando e encantando. No estado de “estar fora de si”, do êxtase, somente um
passo é ainda necessário: que nós não voltemos a nós mesmos novamente, mas entremos
em um outro ser, de modo que nós nos portemos como encantados.236
234
KGW/FP-1869,1[100]; p. 45; traduziu-se. Neste fragmento Nietzsche cita a seguinte obra: SCHLEGEL, A.V.
Vorlesungen über dramatische Kunst und Literatur; in: Sämtliche Werke; 3.ed.; v.VI, E. Böcking: Leipzig:1846; lição
XIX; p.61.
235
Nietzsche/ST:2005; p. 31.
236
Nietzsche/DM: 2005; p. 20.
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são impulsos artísticos da natureza para o jovem Nietzsche, teriam dado origem à tragédia e
revelariam a relação dos gregos com a dor e sua perspectiva trágica de mundo.
Cabe perguntar sobre o que confere a força reconciliadora em uma tal tensão. A
resposta a essa questão aproxima-se de uma imagem ctônica dionisíaca: o epíteto juvenil Íaccos,
vinculado à questão dos mistérios em As Rãs de Aristófanes, que será analisada no tópico a seguir.
237
Westerkamp: 2015, p.128; traduziu-se.
238
Em um dos cursos sobre a História da Literatura Grega, ministrado em 1874, Nietzsche trata analítica e
historicamente da comédia. Tais cursos, contudo, revelam uma aproximação maior com um núcleo de pensamento
posterior ao projeto wagneriano aqui tratado, extrapolando, portanto, os objetivos do presente trabalho. Vale,
entretanto, fazer uma curta menção ao fato de que Nietzsche acolhe grande parte dos conceitos aristotélicos
fundamentais sobre a comédia, citando, brevemente, o primeiro parágrafo do texto, para fins de demonstração: “Não
se sabe, diz Aristóteles na Poética (cap. V), quem introduziu a máscara cômica, quem o [diálogo] prólogo, e quem a
multiplicidade de atores, todas essas coisas que se sabem da tragédia, cuja evolução nos é conhecida. Somente quando
a comédia já tinha todas estas formas, chegaram até nós os nomes dos poetas famosos. Portanto, a comédia já está
pronta em tais aspectos quando se começa a prestar atenção aos seus autores.” (Die Komödie, § 10; pp. 152-153;
traduziu-se).
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O jovem Nietzsche e seu amigo Erwin Rhode parecem trilhar a partir desse mesmo
ponto aristofânico mítico – Rohde rumo aos mistérios de Deméter de Elêusis, Nietzsche em
direção aos mistérios dionisíacos239. No verão de 1872, no contexto da “polêmica sobre O
nascimento da tragédia”, Nietzsche escreve ao amigo:
Aristófanes fala claramente sobre “música estimulante”: (...) Sobre a posição de Sócrates
diante da arte trágica há uma passagem muito peculiar em As Rãs, de Aristófanes, 1491:
“Convém não se sentar ao lado de Sócrates a conversar e desdenhar das artes das musas,
esquecendo-se as habilidades mais vitais da arte trágica” etc. – Tu sabes que quando
pensei em “Dionísio entre as musas”, pensei na aquarela de Genelli pendurada em
Tribschen. Diz novamente aos filólogos que meu Sócrates tem mãos e pés240: sinto o
contraste da minha descrição tão fortemente em oposição aos outros que todos parecem
tão mortos e deteriorados para mim. – A Moira como justiça eterna nas mãos de Zeus é
a representação fundamentalmente esquiliana. A relação de Ésquilo com os mistérios
também é sugerida por Aristófanes.241
239
Sobre essa questão, vale observar a consideração filológica de Cancik (1999: pp. 44-45): “Karl Otfried Müller
(1797-1840) admite que a tragédia possa surgir “de um culto” de Dionísio. Mas nem Müller, nem J. Bernays, nem J.
L. Klein ou outros precursores de Nietzsche expressamente nomeiam “os mistérios” como o culto específico do qual
a tragédia teria surgido. Somente Nietzsche (1869/70) e, ao mesmo tempo, seu amigo de faculdade Erwin Rohde
teriam voltado a derivação dos mistérios de Dionísio e de Deméter de Elêusis, respectivamente para os centros de
suas teorias.”
240
A expressão “ter mão e pé” (Hand und Fuß haben) remonta épocas em que se punia crimes com amputações de
membros. Seu valor simbólico consistia na realização das tarefas diárias de manutenção da vida. Quem era privado
dessas funções por esse motivo não era mais um sujeito de pleno direito. Portanto, algo que tem uma mão e um pé é
precisamente como deveria ser, não lhe faltando nada essencial. (Richter: 1893, p. 58.)
241
Carta a Erwin Rohde: 16/07/1872: 239, KSB 1.25; traduziu-se.
242
Deve-se ressaltar que a edição bilíngue alemão-grego de 1856, com introdução e comentários de Herbert Pernice,
também segue nesse sentido: “Und verschmäht die Musenkunst”. Essa edição contém referência honrosa ao Prof.
Carl Steinhart, professor de Schulpforta, com quem Nietzsche convivera. Para enriquecimento da reflexão, constam
ainda as seguintes traduções consultadas: 1 – língua portuguesa: a) “desdenhando a música e as partes mais
importantes da arte trágica” (Kury: 2004, p. 231); b) “à margem da arte” (Silva, 2014, p. 157); c) “descartando a arte”
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A escolha pela segunda acepção tem o intuito de, além de conferir realce às nove
musas – dada a convocação expressa que o coro faz a elas entre os versos 875 e 884 – destacar a
compreensão ampla da poesia teatral grega. Enquanto parte de celebrações dionisíacas, o teatro é
uma arte múltipla e viva onde a visão de conjunto é decisiva tanto da perspectiva do palco em
direção ao público (atores) quanto da plateia em direção ao palco (público). Esse tema é muito
caro ao projeto de Nietzsche de então pela relação das artes das musas com a hipótese de
nascimento da tragédia – e da possibilidade do seu renascimento a partir da música alemã.
Com efeito, a posição central de Dionísio cercado de musas do quadro de Genelli em
Tribschen revela a unidade que (re-)concilia diferentes formas e impulsos estéticos, a
ambiguidade dinâmica das personas assumidas como disfarce e o mistério da dança. E que essa
seja uma memória dos domínios do casal Wagner, ressalta o contexto do projeto wagneriano
supramencionado de valorização do mito, em meio ao qual Nietzsche busca um paralelo com
Aristófanes ao valorizar a “representação fundamental” de Ésquilo.
É nesse sentido que a visão trágica esquiliana confere unidade à realidade pela ideia
de destino e vitalidade musical na poesia, opondo-se à posição socrática afastada da arte. Por isso
o tipo socrático delineado por Nietzsche “tem mão e pé” (Hand und Fuß haben), ou seja, é um
conceito completo da forma de vida dialética por excelência. No tópico anterior restou evidente a
relação realista de Eurípedes com os deuses, ao passo que Ésquilo, nascido em Elêusis, permanece
submisso às divindades. No excerto citado, concernente à relação de Ésquilo com os mistérios
sugerida por Aristófanes, Nietzsche se refere à passagem entre os versos 871 e 889, quando antes
de iniciar o combate, Dionísio deseja que sejam feitas orações aos deuses suplicando iluminação:
Diôniso: Vamos começar; tragam incenso e brasas; antes do início do combate quero
suplicar aos deuses que iluminem meu julgamento. (Dirigindo-se ao coro) Vocês aí,
cantem um hino em honra das Musas.
Coro: Castas filhas de Zeus, nove Musas cujos olhares observam os sutis fabricantes de
discursos, os fecundos artesãos de pensamentos, quando o amor da disputa os leva às vias
de fato e às armas de seus artifícios mais delicados, e com ímpetos estudados e sinuosos
se atacam verbalmente! Venham contemplar o poder de duas vozes eloqüentes! Venham
ajudá-los e inspirem seus versos! Esta luta de gênios vai começar.
Diôniso (dirigindo-se a Eurípides e Ésquilo): Vocês também, façam suas invocações
antes de recitar seus versos.
Ésquilo (queimando incenso): Deméter! Você que formou meu coração, torne-me digno
de seus mistérios!
Diôniso (dirigindo-se a Eurípides): Queime incenso você também!
Eurípides: Muito obrigado; tenho de invocar outros deuses.
(Soares: 2014, p. 207); d) “e esquecendo das Musas” (Andrade: 2014, p. 291); 2 – língua inglesa: a) “discarding
artistry” (Sommerstein: 2002, p. 167); b) “cast the Muses’ work aside”(Johnston: 2015; p. 167); 3 – língua espanhola:
“rechazar las artes de la Musa” (Fernández e Schvarz: 2011, p. 241).
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aos mistérios de Elêusis no conteúdo da sua obra. A partir do verso 316 de As Rãs, a imagem
dionisíaca de Íaccos é evocada no coro dos iniciados devotos de Deméter. O epíteto Dionísio
Íaccos refere-se ao espírito que projetava a alma coletiva para a procissão dionisíaca. Íaccos é “o
deus jovial” (v. 395), “inventor da melodia mais doce do festejo” (vv. 397-398), o “deus que
dança”, “amigo dos coros” (vv. 400-410). Ele é o deus dançarino que rejuvenesce o mundo com
vinho novo e reconcilia a terra para um novo ciclo.
Ora, como demonstra Cancik (1999, pp. 36), ao partir dos mistérios dionisíacos
deriva-se a ideia totalizante de que a apresentação de diferentes formas míticas representa os
sofrimentos de Dionísio e cria-se possibilidade para um possível renascimento (moderno) da
243
Consta na Poética (1449a9-12): “Tendo surgido, portanto, no início, da improvisação - tanto a tragédia como a
comédia, uma a partir dos autores de ditirambos, outra dos autores de cantos fálicos, (...)”.
244
Nachlass/FP-1869,1[67], KGW III-3.26-27; traduziu-se.
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tragédia no espírito da música alemã wagneriana. Isso explica o tom pouco analítico do livro de
Nietzsche de 1872 que tanto incomodou o jovem Wilamowitz. Com efeito, os escritos sobre a
tragédia ganham autenticidade metodológica com uma escrita mística, na medida em que
confirmam como modus operandi os objetivos do projeto: encantar o leitor pela estética e pela
mística de maneira a despertar o seu interesse em uma produção da cultura em tais termos.
Segundo a visão hodierna, como fonte estética e histórica, Aristófanes pode oferecer
ao leitor sua perspectiva criativa das transformações culturais da pólis de então e sugere as
condições fáticas a partir e sobre as quais lança sua produção teatral. Mas, como ponderava
Vischer245 (1840, p.3), fontes estéticas podem ser passíveis induções a erros, dado o seu caráter
simbólico: “(...) escritores mais novos parecem ter interpretado as piadas de Aristófanes
literalmente. Portanto, vale a pena investigar como a comédia antiga deve realmente ser usada
como fonte histórica.” Nietzsche, contudo, está convencido da fonte aristofânica em sua
metodologia.
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_____________. Rãs. Tradução de Maria de Fátima Silva. Coimbra: Annablume, 2014.
245
“Foi Wilhelm Vischer-Bilfinger quem promoveu vigorosamente e foi responsável pela nomeação do jovem
Nietzsche para a Basileia.” (Pernet: 2014, p. 131; traduziu-se).
246
Nachlass/FP 1869,3[7], KGW III-3.60; traduziu-se.
Página 1064 de 2230
ANDRADE, Tadeu Bruno da Costa. A arte de Aristófanes: estudo poético e tradução d'As
rãs. 2014. Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. doi:10.11606/D.8.2014.tde-15052015-
094808. Acesso em: 2020-01-30.
CANCIK, H. et. al. Philolog und Kultfigur – Friedrich Nietzsche und seine Antike in
Deutschland. / Hubert Cancik; Hildegard Cancik-Lindemaier. Stuttgart; Weimar: J.B. Metzler,
1999.
DOVER, K.J. Aristophanes frogs. New York: Oxford University Press, 1993.
JARESKI, K. Os Paradoxos de Dioniso n’As Bacantes de Eurípides. Contexto - Revista
do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santos, ano XV -
n. 14 – 2007. pp. 215-236.
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Resumo: O presente texto visa fazer um aparato histórico do surgimento do conceito de Filosofia
da Psicanálise no Brasil a partir das várias abordagens que lhe compõem desde a sua primeira
aparição no texto “Filosofia da Psicanálise” livro de 1991, organização de Bento Prado Jr e Luiz
Roberto Monzani. Prado Jr apresenta a filosofia da psicanálise como uma mutualidade entre
saberes filosóficos e psicanalíticos, para o autor se trata de uma colaboração entre as disciplinas e
não de uma submissão de uma em relação a outra. No texto de Monzani 2008, “O que é Filosofia
da Psicanalise?” o autor segue a mesma abordagem de colaboração entre esses saberes, essa
disciplina é apresentada não como um método de investigação da filosofia em relação à
Psicanálise, mas sim, de um conjunto de abordagens teóricas que se entrelaçam e englobam um
estudo aprofundado sobre o conhecimento psicanalítico que traça um histórico dos saberes e
analisa os procedimentos e encadeamentos discursivos e os próprios critérios de verdade da
disciplina onde a filosofia coloca questões à Psicanálise e vice-versa. Trata-se de uma
epistemologia que analisa os próprios fundamentos de verdade da psicanálise e não de critérios
impostos pela filosofia. Faz-se uma leitura interna do discurso psicanalítico, analisando sua
construção, seus conflitos e contradições. Na genealogia da psicanálise, trata-se de abordar
conceitos chaves que determinaram e constituíram determinado discurso, não tendo importância
seu valor de verdade. O texto de Simanke 2010, seguindo a mesma abordagem “Psicanálise e
Filosofia: um diálogo possível?” resume essa relação pelo filosofar sobre a Psicanálise, com ela e
a partir dela, que estuda e se interroga sobre os pressupostos dos conceitos que fundamentam a
psicanálise. No texto de Ana Carolina Soria 2016, “Há uma relação entre filosofia e psicanálise?”
relata um pouco sobre essa forma colaborativa entre as duas disciplinas, demonstrando que as
ideias que fundamentam a psicanálise possuem algo de filosófico na construção e fundamentação
de conceitos e desses conceitos surgem questões filosóficas.
Palavras-chave: Filosofia. Psicanálise. Relação. Colaboração.
Abstract: The present text aims there do a historical pomp of the appearance of the concept of
Philosophy of the Psychoanalysis in Brazil from several approaches that compose him from his
first apparition in the text “Philosophy of the Psychoanalysis” I release of 1991, organization of
Benedictine monk Prado Jr and Luiz Roberto Monzani. Meadow Jr presents the philosophy of the
psychoanalysis as a mutuality between knowing philosophical and psychoanalytic, for the author
it is the question of a collaboration between the disciplines and not of a submission of one
regarding other one. In the text of Monzani 2008, “what is a Philosophy of the Psychoanalysis?”
the author follows the same collaboration approach between knowing those, this discipline is
presented I do not eat a method of investigation of the philosophy regarding the Psychoanalysis,
but yes, of a set of theoretical approaches that are intertwined and include a study deepened on the
psychoanalytic knowledge that draws a historical one of to know and analyses the proceedings
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and discursive chains and the criteria themselves of truth of the discipline where the philosophy
puts questions to the Psychoanalysis and vice-versa. It is the question of an epistemologia that
analyses the bases themselves of truth of the psychoanalysis and not of criteria imposed by the
philosophy. There is done an internal reading of the psychoanalytic speech, analysing his
construction, his conflicts and contradictions. In the genealogy of the psychoanalysis, it is the
question of boarding concepts keys that they determined and constituted determined speech, when
his real value is not important. The text of Simanke 2010, following the same approach
“Psychoanalysis and Philosophy: a possible dialog?” it summarizes this relation for
philosophizing on the Psychoanalysis, with her and from her, which studies and if is questioned
on the presuppositions of the concepts that substantiate the psychoanalysis. In the text of Ana
Carolina Soria 2016, “Is There a relation between philosophy and psychoanalysis?” it reports a
little on this form colaborativa between two disciplines, demonstrating that the ideas that
substantiate the psychoanalysis have something of philosophical one in the construction and
fundamentação of concepts and of these concepts philosophical questions appear.
keywords: Philosophy. Psychoanalysis. Relation. Collaboration.
Cabe salientar uma epistemologia da psicanálise que se diferencia das demais ciências,
justamente porque a filosofia da psicanálise não deve agir como um tribunal que impõe critérios
a ser seguido, mas sim, analisar a partir dos próprios fundamentos de verdade postos pela
disciplina. Faz-se uma leitura interna do discurso psicanalítico, analisando sua construção, seus
conflitos e contradições. Esse tipo de leitura investiga a ideia de verdade que brotam dos próprios
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critérios internos da disciplina psicanalítica, ou seja, a psicanálise não é objeto da filosofia, mas
há uma contribuição de sua parte para com ela.
No texto de Monzani “o que é filosofia da psicanálise?” o autor faz uma breve menção e
distinção entre o que conhecemos como uma filosofia da ciência e a filosofia da psicanalise.
Filosofia da ciência aparece aqui como uma investigação metodológica que procura saber se os
resultados de uma determinada disciplina estão ou não de acordo com um determinado critério de
verdade, frequentemente, “clássico.” Para o autor esse tipo de filosofia ou epistemologia é válida,
porem insuficiente, principalmente quando se fala em Psicanálise.
Simanke em seu texto “O que a filosofia da psicanalise é e o que ela não é” tenta demarcar
a partir de um ponto de vista histórico em relação a filosofia da ciência e como esta se constituiu
passando pela própria filosofia da biologia e demais para demonstrar a partir de uma epistemologia
negativa aquilo que ela não é.
O mesmo mostra em seu aparato histórico como partiu-se do campo de uma epistemologia
da psicanalise para falar em uma filosofia da psicanalise em uma organização do conceito por
Bento Prado Jr, a importância disso se dá na desmistificação de como seria essa relação, visto que
a epistemologia sempre buscou demarcar verdades e falsidades baseada em um estruturalismo
filosófico que buscava demarcar o que era ou não ciência partindo de uma univocidade de critérios
de verdade, e quando falamos em filosofia da psicanalise estamos falando em um diálogo entre
esses saberes, visto que a disciplina criada por Freud não pode ocupar o lugar de subordinada da
filosofia.
1 – Filosofar sobre a psicanálise, tendo esta como objeto de interrogação. Trata-se de uma
investigação interna tanto do campo de pesquisa quanto das teorias psicanalíticas; entender os
desdobramentos e contribuições das obras dos grandes teóricos para a disciplina. Um filosofar
sobre ela, isto é, olhar para a psicanálise como objeto de interrogação filosófica, não como
subordinação, mas sim pensando em um estudo interno de suas teorias buscando entender seus
desenvolvimentos e implicações. Esse primeiro momento segue um movimento que vai da
filosofia para a psicanálise.
Ana Carolina Soliva Soria em seu texto “Há uma relação entre filosofia e psicanalise?”
apresenta uma abordagem sobre a teoria freudiana onde conceitos fundamentais surgiram de
pressupostos e a partir de conceitos filosóficos, além do compartilhamento dos problemas
existenciais do mundo, Freud trabalha com uma ideia de homem, claro essa ideia é o homem real,
mas baseia toda sua teoria partindo de um ponto de vista do homem. Parte-se também do
compartilhamento de problemáticas e de um viés onde a filosofia põe questões à psicanálise e
vice-versa.
REFERENCIAS
Simanke, R. T. (2010). O que a filosofia da psicanálise é e o que ela não é. ETD - Educação
Temática Digital, 11, 189-214. https://doi.org/10.20396/etd.v11iesp.906
HOW PASSIONS DERVE FROM THE KINDS OF KNOWLEDGE IN THE BOOK THE
SHORT TREATISE ON GOD, MAN & HIS WELL-BEING
Abstract: The aim of this abstract consist in to present the relationship between the theory of
knowledge and the theory of passions in the Short Treatise on God, Man and His well-being,
which is the first work of Dutch philosopher Baruch de Spinoza. To the deepening this
presentation, the method used was the analysis of chapter 2 and chapter 3 of the “second part: of
man and how much belongs to him” of the Short Treatise. These being the first results of this
research, which deals with the continuities and ruptures on the affectivity’s theme in Spinoza,
especially this research consists, in general, in the itinerary that exists between The Short Treatise
and the book III of the Spinoza’s Ethics, which deals with the origin and nature of the passions.
The Short Treatise has a pedagogical aspect that is not found in the other works of Spinoza, this
work is arranged in chapters, and deserves to be read and understood as authentic Spinoza’s
philosophy. In short, we will deal here with the relationship between the passions and the kinds
of knowledge in Spinoza's Brief Treatise, and especially how these passions derive through our
way of knowing. In this sense, Spinoza demonstrates how each passion derives from each kind of
knowledge, and may or may not correspond to each of them. With this we realize that Spinoza's
theory of passions is based on his theory of knowledge.
Keywords: Baruch of Spinoza. Short Treatise. Knowledge theory. Passion theory.
.
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1. INTRODUÇÃO
Buscaremos investigar a respeito das paixões na obra O Breve Tratado de Deus, do homem e
do seu bem-estar, que é a primeira obra do filósofo holandês Baruch de Spinoza, o nosso interesse em
tratar do tema da afetividade nesta obra consiste na diferença com a qual ele é abordado na obra prima
de Espinosa que é a Ética demonstrada à maneira dos geômetras. A filósofa Marilena Chauí afirma no
prefácio do Breve Tratado que o núcleo das duas obras é o mesmo, entretanto existe algumas diferenças
entre as obras, a Chauí aponta cinco diferenças, gostaríamos de destacar uma para demonstrar a distinção
das obras em relação ao tema da afetividade, a diferença é a de uma nova organização do conjunto das
paixões, na Ética nos temos a tríade alegria, tristeza e desejo, já no Breve Tratado o Espinosa trabalha
as paixões a partir da demonstração, selecionando quatro paixões do quatro das seis paixões primitivas
listadas no texto As paixões da alma de Descartes. Portanto, nosso interesse reside em compreender
como as paixões estão caracterizadas na primeira obra do filósofo, para então compreender como as
paixões no Breve Tratado contribuem para nós identificarmos as continuidades e rupturas a certa do
tema da afetividade entre o Breve Tratado e a Ética.
Abordaremos especificamente os capítulos 2 e 3 da "segunda parte: do homem e de quanto lhe
pertence" onde Espinosa trata das coisas que particulares e limitadas que concernem ao homem, ou seja,
em que o homem consiste e o que se segue disso, pois tendo abordado Deus, o que é universal e infinito
na primeira parte da obra, ele então apresenta e caracteriza as origens das paixões na segunda parte, esta
caracterização consiste na relação entre teoria das paixões e teoria do conhecimento.
Para compreendermos como se caracterizam as paixões para Espinosa em sua primeira obra,
Investigaremos primeiramente a sua teoria do conhecimento que se encontra no capítulo 2 da segunda
parte intitulado “o que são opinião, a crença e o conhecimento claro”, a partir deste capítulo,
observaremos a necessidade de se falar de uma teoria do conhecimento para então se construir uma
teoria das paixões, e como essa relação terá grandes implicação na forma como entendemos as paixões.
Neste capitulo Espinosa relaciona a origem das paixões aos tipos de conhecimentos dos quais elas
correspondem. Tendo investigado sua teoria do conhecimento, buscaremos então compreender como
as paixões derivam dos tipos de conhecimento a partir do capitulo 3 da parte dois que tem por título
“Origem da paixão. Da paixão vinda da opinião”, do qual Espinosa trata da maneira pela qual as paixões
vêm a nascer da opinião, e como ocorre a correspondência entre tipos de conhecimento e paixões, para
então compreendermos como elas se originam e se caracterizam.
Analisaremos então, como o Espinosa relaciona a origem das paixões aos tipos de
conhecimento, ou seja, as paixões derivando dos tipos de conhecimentos. Buscando compreender em
que consiste a teoria do conhecimento de Espinosa no Breve Tratado, e assim como as paixões derivam
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dos tipos de conhecimento, para então ser capaz de percebermos como se definem e se caracterizam as
paixões para Espinosa no Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar.
[4] De sorte que colocamos o conhecimento como causa próxima de todas as paixões na mente,
porque consideramos totalmente impossível que alguém que não conceba nem conheça de
acordo com os princípios e modos precedentes possa ser movido ao amor, ao desejo, ou a
qualquer outro modo da vontade. (Espinosa, 2012, p.94)
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Dito isto, para apontar de maneira clara como as paixões derivam dos tipos de conhecimento
para Espinosa, trataremos agora de algumas paixões particulares que ele seleciona como base para suas
demonstrações, e como elas derivam dos tipos de conhecimento. As paixões estão vinculadas aos
conceitos que são fornecidos pela opinião a respeito dos objetos, entretanto, é importante apontar que o
ato de conhecer no Breve Tratado não advém de movimentos da vontade ou da cognição do sujeito, pois
a vontade nada pode mover ou causar, ela é apenas uma ideia, a vontade não pode ser causa das ações,
pois a ideia do objeto não reside em um movimento da vontade. Dessa forma, não existe afirmação ou
negação nossa em relação a natureza, os objetos que se afirmam em nós e não o contrário, pois não há
como afirmar ou negar algo dos objetos sem que uma causa exterior nos obrigue a isto.
Doravante, a correspondência das paixões em relação ao tipo de conhecimento, pode ocorrer,
ou não. Espinosa seleciona quatro paixões particulares como base para suas demonstrações: a
admiração, o amor, o ódio, e o desejo. Essas paixões selecionadas integram o quadro das seis paixões
primitivas listadas no texto de René Descartes “As paixões da alma”. Deixando de fora desta primeira
demonstração, a alegria e a tristeza. Observando ainda a qual modo de conhecer elas correspondem ou
não, ou seja, de quais modos de conhecimento elas podem se originar.
A admiração deriva unicamente da opinião, que ocorre a partir da universalização de casos
particulares, ela é produzida quando se depara com uma situação que contradiz a generalização efetuada,
ou seja, a admiração reside naquele que conhece os objetos pelo primeiro tipo de conhecimento, que é
a opinião, este se surpreende quando observa algo que contradiz a sua conclusão que foi universalizada
a partir de casos particulares. Entretanto, uma conclusão formal nem sempre precede a admiração, ela
também se produz também a partir do que presumimos não de um outro modo, ou seja, quando
presumimos que é somente da forma como conhecemos. Espinosa aponta que geralmente a admiração
acontece em muitos filósofos, pois não se propõem a contemplar nada mais do que o que eles julgam
ser verdadeiro. Não há admiração em quem extraí conclusões verdadeiras, a admiração corresponde
somente à opinião.
Já o amor que se origina da opinião, consiste na inclinação de se unir com o objeto, pelo
conhecimento que se tem dele, logo o vê como bom, como se fora deste não houvesse nada mais perfeito,
mas quando conhece outro objeto pela opinião e o considera melhor que o anterior, desvia-se
imediatamente do primeiro para o segundo e assim sucessivamente, o amor do primeiro tipo de
conhecimento, é comparativo se deslocando sempre de um objeto para outro objeto, pois o amor aqui
está vinculado ao conhecimento fornecido a respeito de um objeto através do ato de opinar. O amor que
se origina da crença, surge do ouvir dizer que um objeto é bom, então se inclina á ele, sem saber nada a
respeito. Espinosa afirma que este amor ocorre com frequência nas crianças para com seus pais, quando
eles afirmam que algo é bom, de imediato elas se inclinam sem saber nada a respeito, logo, certamente
está sujeito ao erro. Sobretudo, o terceiro tipo de amor, é aquele que nasce de conceitos verdadeiro, é o
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amor de deus, isto é, a verdade, pois se chegarmos a conhecer Deus, que tem o ser, as causas e toda a
perfeição, devemos necessariamente amá-lo, ou seja, quanto maior e magnífica se mostra a coisa, maior
é o amor em nós, entretanto este amor do conhecimento claro é falado apenas posteriormente em sua
obra “[7] Do amor que nasce de conceitos verdadeiros, aqui não é o lugar de falar, por isso nós o
deixaremos de lado”(Espinosa, 2012, p.96), pois não existe uma identificação entre o conhecimento
claro e as paixões, pelo contrário, existe uma identificação entre este conhecimento e a liberdade que
é assim, o oposto da passividade.
O ódio que deriva de um erro da opinião, ele aparece contra aquilo que tenta prejudicar o
objeto que é tido como bom, ele tende a afastar aquilo que causa mal ao objeto, ou seja, aquele que
concluiu que algo é bom para si, e outra pessoa tenta prejudicar o objeto amado, o ódio surge contra o
autor da ação que prejudicou o objeto amado. Já o ódio que tem origem na crença, surge do ouvir dizer
que um objeto é mau, ele se revela o ódio contra este objeto sem saber nada a respeito. Podemos aqui
observar que o ódio é contrário ao amor, pois sempre objetiva devastação, enfraquecimento e
aniquilação. Enquanto que o amor visa sempre a melhoria e o fortalecimento do objeto. Espinosa
exemplifica o ódio que advém da crença no ouvir, através do ódio entre diferentes expressões religiosas,
e afirma que a maioria dos casos consistem em pura ignorância acerca dos cultos e dos costumes uns
dos outros. O ódio surge contra um objeto, que nos causa desconforto ou sofrimento, então, supomos
que o mal está na natureza do objeto, o que não pode ser possível, visto que o ódio jamais terá lugar no
conhecimento claro.
Sobretudo o desejo que tem origem na opinião, consiste no apetite ou atração por um objeto
que conjecturamos ser bom, ou seja, é uma disposição na mente para alcançar ou manter o que já
experimentamos como bom, logo o desejo, assim como o amor tende ao que supomos ser bom através
do ato de opinar. Ou seja, existe uma proximidade na forma com a qual o Espinosa trabalha o desejo e
o amor, pois ambos opinam sob a aparência do que é bom, se inclinando à ele, o desejo que deriva da
opinião não só se inclina ao que é bom, como também se dispõe a conservar este objeto, aqui está sua
relação com o amor, visto que o desejo da opinião reside o temor de perder o objeto amado, por isto,
não apenas se inclina mas também conserva, pois ama. Quanto ao desejo que tem origem na crença,
reside no ouvir dizer que um objeto é bom, então adquire apetite e atração por este objeto. Espinosa
exemplifica o desejo que deriva da crença no ouvir dizer, através do que se observa nos enfermos que,
apenas por ouvir o médico dizer que tal remédio é bom para o seu mal, logo se inclina ao remédio. O
desejo que tem origem na crença também ocorre pela experiência, portanto, Espinosa exemplifica
através da prática dos médicos que quando descobrem um bom remédio para sanar um determinado mal,
eles consideram esse remédio como infalível.
Em suma, Espinosa demonstra como cada paixão deriva de cada tipo de conhecimento, pois
as paixões na mente derivam do modo de conhecer, sendo que cada paixão pode corresponder ou não a
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TABELA ANALÍTICA
TIPOS DE
CONHECIMENTO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DESCARTES, René. As paixões da alma. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2005.
ESPINOSA, Baruch de. Breve tratado de deus, do homem e do seu bem estar. Ed. Autêntica, São
Paulo, 2012.
Resumo: O sentimento de medo sempre acompanhou o homem desde os tempos mais remotos.
Ele pode ser potencializado pela imaginação ou conhecimento da mente humana, assim sendo,
temores ganham maior evidência do que a realidade factual dos acontecimentos. Esses temores
podem ser direcionados a seres sobrenaturais, às pessoas e a lugares. Paisagens podem despertar
nos homens sentimentos diversos, inclusive o de medo e de horror. Na narrativa “Medo”, presente
na novela Vasto Mundo (2001), da autora brasileira, Maria Valéria Rezende, conhecemos um
pistoleiro nordestino que acredita que sua coragem e valentia determinaram seu destino e seu
ofício de matador de aluguel, por isso desconhece o sentimento de medo, entretanto um
acontecimento o leva a ter uma experiência de horror com o sobrenatural e todos os seus temores
são trazidos à tona tornando-o um homem fragilizado e covarde. Diante disso, esse trabalho
objetiva a investigação das configurações do sentimento de medo na seguinte narrativa e como a
paisagem de escuridão e horror são responsáveis por atingir de forma profunda as subjetividades
de um homem destemido. Essa análise fundamenta-se nos pressupostos teóricos da Geografia
Humanista Cultura, de base fenomenológica, e estudos sobre a identidade regional nordestina,
dentre os eteóricos utilizados na elaboração desse trabalho, destacam-se os apontamentos de Eric
Dardel, Yi-Fu Tuan, Duval Muniz Albuquerque Júnior.
Palavras-chave: Medo. Paisagens do medo. Vasto Mundo. Maria Valéria Rezende.
Abstract: The feeling of fear has always accompanied man since the earliest times. It can be
enhanced by imagination or knowledge of the human mind, so fears gain greater evidence than
the factual reality of events. These fears can be directed to supernatural beings, people, and places.
Landscapes can arouse in men diverse feelings, including fear and horror. In the narrative “Fear”,
present in the novel Vasto Mundo (2001), by the Brazilian author, Maria Valéria Rezende, we met
a northeastern gunman who believes that his courage and bravery determined his destiny and his
role as a hit man, so he does not know the feeling. In fear, however, an event leads him to
experience horror with the supernatural, and all his fears are brought to life, making him a
weakened and cowardly man. Given this, this work aims to investigate the configurations of the
feeling of fear in the following narrative and how the landscape of darkness and horror are
responsible for profoundly reaching the subjectivities of a fearless man. This analysis is based on
the theoretical assumptions of the Humanistic Geography Culture, based on phenomenology, and
studies on northeastern regional identity, among the eteorics used in the elaboration of this work,
highlight the notes of Eric Dardel, Yi-Fu Tuan, Duval Muniz. Albuquerque Junior.
Keywords: Fear. Landscapes of fear. Vasto Mundo. Maria Valéria Rezende.
1 INTRODUÇÃO
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Ao ser inspirada na própria vida e experiências humanas, a literatura desperta nos leitores
um contentamento que somente ela o pode fazer a partir do elemento estético (COUTINHO,
2008), aquele que ler não somente imerge em um novo mundo criado a partir da ficção, mas,
muitas vezes, identifica-se com as situações vivenciadas por personagens igualmente diversos e
em alguns casos, singulares. Para além das personas encenadas, ambientes metafísicos e
metafóricos são costumeiramente eleitos como cenários para o desenrolar das tramas, atribuindo,
portanto, verossimilhança às narrativas. Por isso, não é incomum encontrarmos personagens
enfrentando dilemas, conflitos ou experimentando sentimentos humanos em potencial
profundidade.
Em “Medo”, uma das narrativas que compõem a obra Vasto Mundo (2001) de Maria
Valéria Rezende, nos deparamos com a história de um pistoleiro nordestino que vivia sempre a
desafiar o perigo e se considerava um homem “protegido” por sua fé e pelos políticos poderosos
que lhe deviam favores. Conquanto, por um ínfimo motivo praticou um assassinato por vontade
própria. A partir da sua fuga e reclusão para uma cabana abandonada no meio da mata, o homem
passa a ter uma experiência de horror com a visita rotineira de um espectro, até então,
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desconhecido. Em razão disso, o destemido pistoleiro passa a ser refém do medo que sente pela
criatura impalpável e com o tempo toda sua virilidade e coragem se esvai até que um trágico
desfecho o acomete.
Essa narrativa ambientada no Nordeste brasileiro, mais precisamente no sertão da Paraíba,
traz a figuração de uma paisagem de horror materializada pelo medo da escuridão que invade
todas as noites e traz sensações negativas e angustiantes ao protagonista. Esse medo acaba por
atingir diretamente suas subjetividades: um homem antes temido e intimidador se torna fragilizado
e amedrontado, perdendo sua virilidade e coragem que tanto o orgulhava.
O Nordeste como cenário não é uma exclusividade desta obra de Rezende, a autora
costuma eleger essa região e seus moradores, como verdadeiros protagonistas da grande maioria
de sua composição literária. Entretanto, longe dos estereótipos, com paisagens marcada por
intempéries, o sertão criado por Rezende, é vital, tal qual em Guimarães Rosa.
Torna-se importante destacarmos que apesar de Rezende iniciar na literatura aos 60 anos,
é uma autora que tem alcançado projeção no cenário de produção literária no Brasil, sendo,
inclusive, agraciada com importantes prêmios, como o prêmio Jabuti.
Vasto Mundo – obra objeto desta análise – foi publicado em 2001, nela, o chão – narrador
– nos conta a história de uma pequena vila nordestina Farinhada e de seus moradores. Com um
gênero passível a questionamentos e discussão, a narrativa de Rezende pode se encaixar no gênero
novela, tais quais as predicações de Massaud Moíses (2013, p. 331), apontam:
Constitui-se uma série de unidades ou células dramáticas encadeadas, com início, meio
e fim. De onde parecer uma fieira de contos enlaçados. Todavia, cada unidade não é
autônoma: a sua fisionomia própria resulta de participar de um conjunto, de tal forma
que, separada dela, não tem, as mais das vezes razão de ser. Ou, ao menos quando
destaca, perde algo do seu significado, e acaba comprometendo a progressão em que se
inscreve.
Vasto Mundo (2001) é constituído por dezoito células que interligadas entre si tematizam
a realidade do homem sertanejo desumanizado pelos poderes políticos, mas acolhido pelo chão, o
solo seco, mas generoso, que nutre os farinhenses não só de acolhimento, mas de provisão. De
forma mútua também recebe afeto e dependência de seus moradores, que são completamente
permeados do sentimento de apego ao lugar de origem e de pertença.
Diante de tais premissas, cabe a essa obra uma leitura espacializada, considerando,
principalmente, a relação do protagonista da narrativa “Medo” com o espaço de exclusão em que
se encontra e sobretudo a forma que aquela paisagem de escuridão aliada ao sentimento de medo
atinge a sua identidade.
Como aporte teórico para tal análise foram eleitos os pressupostos da Geografia Humanista
Cultura, de base fenomenológica e existencialista, e algumas considerações sobre a identidade
nordestina tanto as dos indivíduos quanto a identidade regional e de lugar. Para tanto, dentre os
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autores utilizados se destacam as predicações de Yi-Fu Tuan, Eric Dardel e Durval Muniz de
Albuquerque Júnior.
Destarte, “se os habitantes da Idade Média se deleitavam com a cor e a beleza de suas
igrejas e festividades, eles também viam sordidez e sujeira nos seus arredores cotidianos; se
conheceram muito melhor o trabalho e o perigo, o fastio e o medo” (TUAN, 2010, p. 118). Tais
assertivas demonstram como a mentalidade à época estava ligada à imaginação, que engendrava
a amplitude de sentimentos.
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Para além de medo, outros componentes podem evocar sentimentos diversos nos homens,
casas cercadas, com muros altos, ao mesmo tempo em que despertam a sensação de segurança é,
por outro lado, “uma lembrança constante da vulnerabilidade humana” (TUAN, 2010, p. 12). De
forma contrária, uma paisagem campestre, evoca sensação de paz.
Fenômenos naturais também propiciam paisagens de medo, de morte. Elas levam os
indivíduos a temerem as forças da natureza, aquelas que escapam aos poderes humanos, como a
seca quando atinge as regiões áridas ou fortes tempestades e furacões que dizimam cidades e
assolam países. Como ainda pontua Tuan (2010, p. 13),
Existem muitos tipos de paisagens do medo. Entretanto, as diferenças entre elas tendem a
desaparecer na experiência de uma vítima, porque uma ameaça medonha, independente de sua
forma, normalmente produz duas sensações poderosas. Uma é o medo de um colapso iminente
de seu mundo e a aproximação da morte – a rendição final da integridade ao caos. A outra é uma
sensação de que a desgraça é personificada, a sensação de que a força hostil, qualquer que seja
sua manifestação específica, possui vontade.
São homens que parecem desafiar a própria morte e serem desprovidos de qualquer temor.
A ideia de que, viver em constantes ameaças, geográficas e humanas, os fazem mais fortes e
valentes tem permeado o imaginário coletivo desde a década de 20, marcando, inclusive, a
literatura escrita durante o Modernismo brasileiro.
Podemos perceber essa configuração no personagem protagonista da narrativa “Medo”, de
Maria Valéria Rezende (2001). A partir de sua exclusão experimenta na mais profunda medida o
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sentimento de medo e de horror diante das sombras que o visitam todas as noites, fato que esfacela
completamente os aspectos mais forte de sua identidade, inclusive sua macheza e valentia, como
veremos na análise a seguir.
firme; aparência de cansaço que ilude, pronta a se transfigurar diante de qualquer incidente [...].”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013, p. 18). Principalmente, aqueles que confrontam ou se
relacionam de forma valente com a morte.
Para além de seu ofício subversivo e de sua coragem em potencial, o matador de aluguel,
de “Medo” (2001), possui características instigantes que evidenciam sua humanidade como: os
sentimentos intimistas e de apego ao seu lugar; sua fé, que se manifesta de forma devota e religiosa
e a virilidade tão valorizada.
A narração nos conta que, “nos tempos de calmaria, sem serviço, pescava no açude, botava
arapucas no mato e se entretinha com suas gaiolas de passarinhos. [...]. Era homem de bem e de
sossego.” (REZENDE, 2001, p. 33, grifo nosso). Podemos perceber no seguinte trecho supracitado
que não há hostilidade em relação ao seu lugar e a vida que leva cotidianamente, pelo contrário, o
trecho mencionado evidencia o sentimento de espaciosidade, posto que, a “espaciosidade está
intimamente associada com a sensação de estar livre” (TUAN, 2013, p. 70).
Assim, os momentos vivenciados naquele lugar, independente de sua profissão, expressam
a ligação interna que o une à aquela paisagem e, portanto, manifesta a sua relação de apego e
afetividade com aquele espaço. Evidenciando não apenas sua humanidade, mas sua geograficidade
- a relação visceral entre o homem e a Terra - com os seus espaços de habitação e existência
(DARDEL, 2015).
Outro aspecto elementar do protagonista é que se trata de um homem religioso que acredita
veementemente nas mazelas do mundo e da vida, mas não as teme, pois segue convicto que sempre
tomou os cuidados necessários para se manter protegido de qualquer desgraça, conforme
demonstra o trecho da obra:
Ele era prevenido: ia a cada dois anos a Juazeiro do Norte, deixava no túmulo do Padrinho
as ofertas de costume, a vela maior que houvesse, não tirava do pescoço o terço de
romeiro e carregava sempre no bornal, junto com as balas, o bentinho que lhe ficara da
mãe, enrolado num pano. Três vezes se confessara com frei Damião. Dissera tudo: que
se deitara com mulher-dama e com mulher casada, que embuchara uma moça e depois a
abandonara na zona, que chamara nomes, que jurara o Santo Nome em vão, que pensara
em fazer acordo com o Cão. As mortes não disse, que não entravam no rol dos pecados.
Recebera a bênção e tomara a Santa Comunhão das mãos do frade santo. (REZENDE,
2001, p. 33).
A maior medida de prevenção é a fé. Percebemos que sua confiança é estabelecida a partir
dos ritos religiosos que pratica ou nos artefatos que carrega consigo. Tuan (2015) aponta que a fé,
em algumas sociedades e culturas, funciona como um elemento de segurança e controle quanto ao
impalpável. Podemos relacionar essas assertivas à perspectiva que o homem dá às práticas
religiosos que executa, ele acredita que segue resguardado. Entretanto, um dia foi surpreendido
por um inesperado acontecimento,
Quando Rominho disse, rindo, que enquanto ele andava pelo mundo, se fazendo de
macho, José Marciano andava botando-lhe chifres com sua mulher, subiu-lhe um fogo à
cabeça, montou a égua de raça do doutor, foi disparado bater no roçado de Marciano e
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descarregou-lhe no peito seis balas de trinta e oito, sem lhe dar o tempo de uma ave-
maria. Voltou à fazenda ainda doido de ódio, para procurar a mulher e acabar com ela.
Rominho esperava-o na porteira, sempre rindo: “Tu ficaste louco, homem? Ôxe, sair
correndo assim só por causa de uma brincadeira! Tu não vê que eu só tô mangando de
tu, que tua mulher nunca teve nada com ninguém não, homem?” Era tarde, já estava feito
o desmantelo. (REZENDE, 2001, p. 33-34).
Cego pela indignação e disposto a manter sua honra inabalada, o homem utilizou suas
habilidades profissionais em uma vingança particular e voluntária, pois,
Um homem sem honra não existia mais, era considerado um pária na sociedade. O
adultério feminino, por exemplo, tinha que ser duramente punido pelo marido sob pena
de ficar desonrado. Nestes casos a morte do amante e da esposa era o que faria este
homem ser novamente aceito no convívio social. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013, p.
179).
Ceifou a vida de um inocente e ao perceber que havia praticado um ato injusto escondeu-
se em uma cabana facilitada por seus aliados políticos e foi ali naquele espaço de reclusão no meio
da mata que o homem passou a vivenciar uma experiência até então desconhecida: “acordava com
o sol a pino, encharcado de suor, sedento e esfomeado. E agora descobriu que era medo aquela
mão gelada e dura esmagando-lhe o peito, o tremor no corpo inteiro, o suor frio, as tripas se
retorcendo, cada noite.” (REZENDE, 2001, p. 31).
A sensação experimentada pelo matador, causa-lhe estranhamento, pois pela primeira vez
sente-se vulnerável e afligido por sentimentos de medo que se manifesta não só no seu estado
psicológico, mas em seu corpo com sintomáticas físicas. O estado do personagem concatena com
os apontamentos de Tuan (2015, p. 7-11),
Os medos são experimentados por indivíduos e, nesse sentido, são subjetivos; alguns, no
entanto, são, sem dúvida, produzidos por um meio ambiente ameaçador, outros não. [...]
O que é medo? É um sentimento complexo, no qual se distinguem claramente dois
componentes: sinal de alarme e ansiedade. [...] A imaginação aumenta imensuravelmente
os tipos e a intensidade de medo no mundo dos homens.
O medo do homem não acontece de forma voluntária, tem uma origem. O espaço que está
no meio da floresta, necessariamente não o assusta quando há luz. Seus sentimentos em relação
ao lugar só mudam quando a paisagem se transforma a partir das trevas que se instalam com a
chegada da noite. Foi durante a experiência com a escuridão que ele descobrira que a aflição que
sentia era medo,
O pior era o medo atocaiando-o na noite. No princípio, quando a sensação terrível o
assaltara na escuridão, não sabia que era medo.. [...] E agora? que descobrira que era
medo aquela mão gelada e dura esmagando-lhe o peito, o tremor no corpo inteiro, o suor
frio, as tripas se retorcendo, cada noite. (REZENDE, 2001, p. 32-33).
Portanto, a paisagem de horror que se configura a partir das trevas é responsável pelas
sensações de ansiedade, ameaça e descontrole que passam a atormentar diariamente o homem:
Sobressaltou-se no coaxar dos sapos como se fosse um sino dando as horas, horas de
trevas, de medo, de morte. [...] Velas, candeeiros tornavam ainda mais escura a escuridão.
Porque a faziam mover-se como coisa viva, recuar e avançar para ele, provocá-lo, zombar
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do pavor que o assombrava. [...] Quando a noite chegou, veio com ela aquela coisa
danada. (REZENDE, 2001, p. 31-32).
Tuan (2005, p. 25) ressalta essa relação de hostilidade que os homens têm com o escuro,
principalmente, por que está imbricada de outros sentimentos negativos que reverberam na falta
de controle,
O medo do escuro é mundial. [...] A escuridão produz uma sensação de isolamento e de
desorientação. Com a falta de detalhes visuais nítidos e a habilidade de movimentar-se
diminuída, a mente está livre para fazer aparecer por mágica imagens, inclusive de
assaltantes e monstros, com o mais leve indício perceptível.
Os medos ainda são fortalecidos pela imaginação do homem, aquilo que se teme, se torna
mais intenso à medida que o homem perde a noção da realidade factual e dimensiona suas
experiências a partir de seus temores. O medo pode subverter significativamente a relação
existencial dos indivíduos com os espaços e lugares; com o outro semelhante e consigo mesmo.
O personagem da ficção de Rezende (2001) tem todos esses aspectos abalados significativamente.
Se antes ele sentia a sensação de bem-estar quanto a espaciosidade vivida, agora, a partir dessa
experiência com uma paisagem de horror, “a sensação de espaciosidade passa ao seu oposto –
apinhamento” (TUAN, 2013, p. 78), isto é, a sensação de mal-estar, agonia e desassossego
provocada pela falta de liberdade e a privação.
Profundamente afetado pelo sentimento de medo, o antigo homem destemido deu lugar a
um ser frágil, covarde e virilmente vulnerável. Quando os capangas voltaram lhe trouxeram uma
mulher, mas ele não conseguiu tocá-la: “Não pôde. Não teve vontade. As noites de pavor tinham
tirado sua macheza. “Não diga nada que eu lhe mato”. [...] porque não podia dar parte de frouxo,
só pediu padre para confessar, que era de preceito, mas disseram que não tinha”. (REZENDE,
2001, p. 35).
Tuan (p. 2005, p.11) afirma que, “a capacidade de sentir vergonha e culpa amplia muito a
extensão do medo humano”. Permeado de medo e vergonha, o matador que antes concebia sua
existência e destino a partir de sua coragem, se torna refém dos sentimentos que trazem à tona sua
fragilidade humana, espiritual e física.
As sombras tomaram forma e a partir das trevas surgiu um ser identificável pelo homem:
o espectro responsável por todo o seu terror. O homem entendeu sua tórrida penitência quando o
que sentia era, “medo do cão, porque se desviara do seu caminho: sem mandado de ninguém,
matara com raiva um inocente [...]. (REZENDE, 2001, p. 33).
De acordo com o Dicionário de Símbolos (2019): “Cão: Não há, sem dúvida, mitologia
alguma que não tenha associado o cão (...) à morte, aos infernos, ao mundo subterrâneo.
(CHEVALIER, CHEERBRANT, 2019, p. 166)”. Diante disso, o medo do Cão é um dos grandes
temores que em algum momento atormenta os estados psicológicos do homem, seja momentâneo
ou constantemente.
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O medo tomara de conta. A própria morte antes não temida, passou a ser a realidade mais
palpável do homem que sempre fora tão valente e viril. Tentou salvar sua honra, mas a mesma
solução foi também a causa de sua desgraça, a morte de um inocente no fim foi a dívida ideal para
que o Cão viesse ajustar o débito em aberto.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não apenas habitamos os espaços, mas nos relacionamos de forma intrínseca e profunda
com cada meio que vivemos e experienciamos. As paisagens diversas, geográficas ou humanas,
expressam essa relação visceral do homem com a Terra, sua geograficidade, e por meio dela
sentimentos humanos também veem à tona em plena profundidade. Os espaços e lugares possuem
atribuições diversas que são estabelecidas a partir das experiencias vivenciadas, por isso podem
ter significados bons e ruins.
Portanto, o homem pode vivenciar uma paisagem de horror, seus temores, sobretudo, o
sentimento de medo aliado à imaginação humana potencializa esses terrores. Vimos claramente
reverberações dessas relações na narrativa “Medo” (2001). O personagem protagonista, torna-se
refém de um terror que se configura a partir do medo que sente por um cenário de escuridão e
trevas.
Seu medo se potencializa quando ele entende que por conta de um feito injusto, sua
penitência chegaria como aconteceu no desfecho da obra. Por meio disso, pudemos perceber como
paisagens de horror interferem de forma significativa no relacionamento do homem com o meio
e para além disso, o relacionamento consigo próprio, já que sua sensação de paz, espaciosidade e
sossego são roubados e trocados por apinhamento, agonia, perda do controle que fortalecem o
medo.
À luz do exposto, concluímos que as paisagens podem provocar nos homens sentimentos
de paz e aconchego, mas também apinhamento e outras sensações de mal-estar. Esse fenômeno
evidencia a relação intrínseca do homem com a Terra, e conforme acentuou Dardel (2015), relação
que é capaz de afetar carne e sangue, capaz de atingir profundamente as subjetividades do homem,
seja pela satisfação em potencial ou caos.
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REFERÊNCIAS
ALBURQUEQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nordestinos: invenção do “falo” uma história do
gênero masculino (1920 – 1940). 2. ed. São Paulo: Intermeios, 2013.
DARDEL, Eric. O Homem e a Terra: a natureza da realidade geográfica. Trad. Werther Holzer.
São Paulo: Perspectiva, 2015.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 2013.
REZENDE, Maria Valéria. Vasto Mundo. 1. Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. Tradução: Lívia de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP,
2015.
Resumo: Em Genebra o teatro de comédia é proibido para que não contribua com desregramento
da sociedade e na formação dos jovens. Com base nisso, o filósofo Jean-Jacques Rousseau elabora
uma Carta esclarecendo sobre a não permissão dos espetáculos em Genebra, afirmando que o
teatro é apenas um entretenimento inútil aos homens como os cidadãos da pequena cidade de
Genebra. Em vista disso, desenvolve sobre as peças teatrais através dos espetáculos de comédia e
da tragédia em sua diferença para elucidar sobre o teatro moderno pode ser um viés de corrupção,
como de comédia que prescinde em qualquer identificação e piedade e a tragédia que não provoca
de modo duradouro os mesmos sentimentos longe dos palcos. Desse modo, estende-se que o teatro
seja bom para os bons e maus para os maus. Diante disso, objetiva-se neste trabalho esclarecer o
contraponto das tragédias gregas e suas características e a comédia estabelecida no século XVIII,
como ponto principal criticado pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau.
Palavras-chave: Teatro, Tragédia, Comédia, Genebra, Rousseau.
Abstract: In Geneva, comedy theatre is forbidden so that it does not contribute to the unrulerof
society and the formation of young people. Based on this, philosopher Jean-Jacques Rousseau
draws up a Letter clarifying the non-permission of the shows in Geneva, stating that theatre is just
useless entertainment for men like the citizens of the small town of Geneva. In view of this,
develops on plays through the shows of comedy and tragedy in its difference to elucidate about
modern theater can be a bias of corruption, as of comedy that dispenses with any identification
and piety and tragedy that does not lastingly provoke the same feelings away from the stage. In
this way, it extends that the theater is good for the good and bad for the bad. In view of this, the
objective of this work is to clarify the counterpoint of Greek tragedies and their characteristics and
the comedy established in the eighteenth century, as the main point criticized by the philosopher
Jean-Jacques Rousseau.
Keywords: Theatre, Tragedy, Comedy, Geneva, Rousseau.
INTRODUÇÃO
O termo Teatro surgiu na Grécia em meados do século VI a. C., como uma manifestação
artística e resultado das festas dionisíacas, que eram realizadas em homenagem ao deus Dionísio,
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o deus do vinho, festas e fertilidade. Na Grécia, o Teatro era uma manifestação sagrada e acontecia
durante a primavera, era marcado por máscaras, ornamentos e tablado.
A grande inovação deu-se quando se criou o diálogo entre coreutas e o corifeu. Cria-se
assim a ação na história e surgem os primeiros textos teatrais.
Quando se discute a origem do Teatro, principalmente na Grécia, e consequentemente as
tragédias, recorremos ao filósofo grego Aristóteles, em sua obra Poética, apresenta três versões
para o surgimento da tragédia.
A primeira versão argumenta que a tragédia, e o teatro, nasceram das celebrações e ritos
a Dionísio, o deus campestre do vinho.
A segunda versão relaciona o teatro com os Mistérios de Eleusis, uma encenação anual do
ciclo da vida, isto é, do nascimento, crescimento e morte.
A terceira concepção para o nascimento da tragédia, e a aceita por Aristóteles, é de que o
teatro nasceu como homenagem ao herói dório Adrausto, que permitiu o domínio dos Dórios sobre
os demais povos indo-europeus que habitavam a península. O teatro seria a dramatização pública
da saga de Adrausto e seu triste fim.
Para Aristóteles, a tragédia não era vista com pessimismo pelos gregos e sim como
educativa. Tinha a função de ensinar as pessoas a buscar a sua medida ideal, não pendendo para
nenhum dos extremos de sua própria personalidade. Para o filósofo, entretanto, a função principal
da tragédia era a catarse, descrita por ele como o processo de reconhecer a si mesmo como num
espelho e ao mesmo tempo se afastar do reflexo, como que "observando a sua vida" de fora.
Com um salto de doze séculos depois da análise aristotélica sobre o Teatro, no século das
luzes inicia-se um discussão sobre a instauração de um Teatro na República de Genebra, na
Enciclopedie entre 1751 a 1772, onde o Filósofo Denis Diderot e Jean Le Rond d’Alembert
discorre sobre uma companhia de comédia, onde os genebrinos teriam bons costumes e
refinamento de gosto com os espetáculos instaurados.
Em contrapartida, O filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau publica a Carta a
d’Alembert em 1758, onde crítica o Teatro como uma forma de arte inadequada para a República
de Genebra. O iluminista analisa os espetáculos sob o ponto de vista da questão moral que este irá
ocasionar, e sob o teor do conteúdo a ser apresentado. Segundo Rousseau, os espetáculos causam
uma ruptura entre o homem e seus aspectos políticos e morais.
Rousseau afirma que o teatro não tem função de educar os cidadãos para ter bons costumes
ou moralidade, como propõe d’Alembert. Uma peça de teatro, deve assumir o seu papel de apenas
entretenimento para o público, sendo jamais confundido ou misturado com uma função
pedagógica-moral.
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Diante do progresso iluminista do século XVII com suas ideias de Liberdade, Fraternidade
e igualdade. A República de Genebra considerada como modelo de estrutura política dada como
esclarecida está voltada para querela sobre o teatro através dos filósofos D’Alembert e o genebrino
Jean-Jacques Rousseau. Em virtude de um verbete Genebra publicado no tomo VII da
Enciclopédia onde o filósofo D’Alembert ressalta a companhia de teatro, mais precisamente o de
comédia, na republica, com intuito de refirmar o gosto, os sentimentos até a educação dos jovens
genebrinos, pois uma república sábia e esclarecida como a pequena cidade de Genebra, deveria
permite os espetáculos. Segundo D’Alembert:
Genebra teria espetáculos e bons costumes, e gozaria de ambos; as
representações teatrais educariam o gosto dos cidadãos, e lhes dariam uma finura
de tato, uma delicadeza de sentimento muito difícil de adquirir sem esse auxílio;
a literatura lucraria com isso sem que a libertinagem fizesse progressos, e
Genebra reuniria a sabedoria da Lacedemônia à polidez de Atenas.
(D’ALEMBERT, 2015, p. 180)
Para elucidar essa questão do teatro, vale lembrar que o filósofo Genebrino é observador
do homem e da sociedade que permeia praticamente em todas as obras que levaram os conflitos
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para o período. Além de questionamento para posterioridade sobre questão como a emancipação
do homem pelas luzes do uso da racionalidade.
Nesse sentido, que Rousseau considera afirma que o teatro como função pedagógica para
ensinar os bons costumes constitui um grande equivoco, bem como, em só afirmar que os
espetáculos são bons ou maus em si mesmos por uma pergunta que não analisar seus efeitos para
quem os espetáculos de comédia foram feitos.
Dessa forma, Rousseau explica que esse teatro consiste em representar os costumes que
estão em sociedade, para tal afirmação remete atenção para os autores dos espetáculos, todo autor
quer público, neste caso, representará somente nos palcos aquilo que agradar o público, visto que
é perceptível o gosto do próprio espectador no teatro e os espetáculos resultam do gosto do povo,
de cada nação como o teatro da grande Paris.
O Teatro, em geral, é um quadro das paixões humanas, cujo original está em
nossos corações; mas se o pintor não se preocupasse em adular essas paixões, os
espectadores logo iriam embora e não mais quereriam ver-se sob uma luz que os
levaria a se desprezarem a si mesmos. Pois, se ele dá cores detestáveis a algumas
delas, isto ocorre somente com aquelas que não são gerais e que são naturalmente
odiadas. Assim o autor não faz com isso mais do que acompanhar o sentimento
do público; e essas paixões desprezadas são sempre usadas para ressaltar outras,
senão mais legitimas, pelo menos ao gosto dos espectadores. (ROUSSEAU,
2015, p. 46-47)
Partindo dessa consideração, em que os homens estivesse controle das paixões saberia
dominar-se diante dos espetáculos e o palco não teria esse poder sobre os sentimentos e os
costumes, faz necessário entrar nos objetivos que nortear este trabalho, que é compreender de
como o filósofo observa a comédia e a tragédia estabelecida no século XVIII para que possa não
elucidar a compreensão do seu pensamento, mas voltar a pensar acerca dessas instituições que
rodea o homem com intuito dos que os iluministas apontam como o progresso do homem, e
Rousseau apresenta como degeneração da sociedade.
Rousseau ressalta que a comedia proporcionar “ser uma coisa e parecer outra, dizer isto e
fazer aquilo, renunciar a si próprio e atentar muito para a opinião”, pois o ridículo (....) “é a arma
favorita do vicio”. Assim, como descreve sobre o dramaturgo Molíere quando tentou corrigir o
teatro cômico não ocasionou nada que pudesse ter alguma repulsa ou interesse do público, pois
houve uma tentativa de enfrentar o gosto geral “atacando as modas, os ridículos; mas sem nem
por isso chocou o gosto do público”, por isso salienta Rousseau, o antigo teatro chocava o gosto
do público e não teatro do século polido, em vista de que” todo autor que quer retratar os costumes
estrangeiros toma, no entanto, grande cuidado para harmonizar a sua peça com os nossos próprios
costumes. Sem essa preocupação nunca se tem êxito, e o próprio sucesso dos que tomaram esse
cuidado não raro tem causas bem diferentes das que supõe um observador superficial”.
(ROUSSEAU, 2015, p.42)
No segundo Discurso247, aquilo que progride com a razão e a civilização é algo não por
acaso negativo: a desigualdade. Na Carta, a mesma degradação reaparece na história do teatro: a
tragédia antiga se abre para toda a cidade grega, ao passo que o teatro clássico francês é
“exclusivo”, feito para uma minoria, exibindo em toda parte os sinais da mesma desigualdade.
Quando se fala sobre teatro e representação, vêm à tona as aclamadas tragédias gregas,
onde se dá uma forma de dramatização caracterizada por sua seriedade, dignidade e a presença da
representação de deuses, do destino ou de contextos da sociedade.
Para Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) na obra titulada Poética, a tragédia é uma arte
mimética, uma forma específica de imitação, de uma ação de caráter elevado que, suscitando o
terror e a piedade, tem por efeito a purificação, a cartase, dessas emoções.
Sendo assim, quando trás essa tragédia, esse sofrimento, esse sentimento de súplica ou
pena, o espectador se prende aos personagens, chora com eles, sofrem com eles, ficam tensos no
embate “Vilão X Mocinho”, e foca no orgulho dos heróis quando finalmente derrotam o mal e
perpetuam paz e segurança.
Diferente da comédia, que imita homens inferiores com o objetivo de fazer uma
sátira ao comportamento de homens dessa categoria, a tragédia tem como
protagonistas homens nobres e ilustres, cujas ações refletem a grandeza e a
elevação moral desses personagens (CAMPOS, 2012, p. 35).
247
Discurso sobre a Origem e os fundamentos da Desigualdade entre os homens (1755)
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Nas narrativas trágicas a catástrofe caracterizava um dos pontos altos do espetáculo e por
meio do qual o poeta despertava comoção e pavor no público que acompanhava a trajetória de
algum célebre herói.
A imitação das ações representadas revelam diferenças de caráter dos homens e expressa
seus pensamentos através de suas diferentes formas de agir. Com isso a tragédia apresenta o
protagonista na situação de agente, geralmente em situações de conflito e diante de uma decisão
que precisa tomar.
Na tragédia ação e destino estão intimamente relacionados e representa a inevitável
dependência do destino em relação ao caráter do herói. “A perspectiva da ação humana mediante
o destino funesto imposto pelas divindades é o pano de fundo da narração trágica” (CAMPOS,
2012, p. 31).
Diante do conflito do herói, o público lamenta o fim do personagem cuja vontade de bem
agir revelava seu bom caráter. E é nesse momento que o espectador do teatro se compadece do
herói e, assim, o poeta, coloca seu espectador diante da condição humana, estabelecendo uma
relação de identidade entre o herói e o público.
As tragédias exploram os aspectos da ação humana relacionados com o destino, a
catástrofe, o trágico, o infortúnio e explora os inúmeros reveses que ocorrem inclusive com as
pessoas de bom caráter.
Assim, Rousseau ratifica que o efeito geral dos espetáculos é de reforçar o caráter nacional,
acentuar as inclinações naturais e dar novas energias a todas as paixões. Dessa maneira podemos
observar sobre a representação do amor seja pela tragédia ou a comedia no teatro.
O amor do belo é um sentimento tão natural no coração humano quanto o amor
de si mesmo; ele não nasce do um arranjo de cenas; o autor não o leva para lá,
mas o encontra ali; e desse puro sentimento que ele favorece nascem as doces
lágrimas que faz correr. (ROUSSEAU, 1993. p. 45)
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Esse amor representado consiste em nutrir apenas uma emoção passageira que não dura
apenas naquele momento do palco ao publico, como Rousseau observa ao trata do Diogenes
Laécio “o coração prefere comover-se como os males fictícios do que com os verdadeiros” às
vezes as imitações causam mais lagrimas do que aquelas que sejam puras sem ser sufocados pelas
paixões.
O que faz Rousseau perguntar “por que meios o teatro poderia produzir em nós sentimentos
que não teríamos, e nos fazer julgar seres morais do modo diferente do que nos mesmos
julgamos?”
O genebrino, dessa forma pondera o homem em suas palavras “nasceu bom”, em virtude
de que “está em nós e não nas peças a fonte do interesse que nos prende ao que é honesto e nos
inspira aversão pelo mal. Não há arte que produz esse interesse, mas apenas as artes que se valem
dele.” (ROUSSEAU, 2015, p. 52) Assim como, “Nas brigas em que somos meros espectadores,
tomamos imediatamente o partido da justiça, e não há ato de maldade que não provoque em nós
uma viva indignação, desde que não lucremos nada com ele: mas quando nosso interesse é
envolvido, nossos sentimentos logo se corrompem; e só então preferimos o mal que nos é útil ao
bem que a natureza nos faz amar.” (ROUSSEAU, 2015, p. 52).
Em vez que, ratifica Rousseau, o homem é uno, mas é modificado pelas religiões, pelos
governos, pelas leis, pelos costumes, pelos preconceitos e pelos climas torna-se tão diferente de si
mesmo (ROUSSEAU, 2015, p. 45) e que não se deve procurar o que é bom para os homens em
geral, como caso apresentar os espetáculos em Genebra, e sim o que é bom em tal tempo e em tal
lugar, pois” no fundo, depois que um homem foi admirar algumas belas ações fabulosas e chorar
desgraças imaginarias que mais se pode exigir dele? Não está ele contente consigo mesmo? Não
aplaude sua bela alma? Não está em dia com tudo o que deve à virtude, graças à homenagem que
acaba de lhe prestar? Que mais queriam que ele fizesse? Que ele próprio praticasse a virtude? Ele
não tem papel a representar: não é ator (ROUSSEAU, 2015, p.54). Assim o genebrino alega que
as representações no teatro não se aproximam dos homens, mas se afasta, pois na palavra do
filósofo seria uma loucura querer transportar seriamente para sociedade o que serve apenas para
alegrar o público no palco.
No último momento da Carta, observamos a seguinte conclusão: Genebra não é Paris e o
que vale para as leis vale para os espetáculos. Genebra tem geografia, clima, religião, costumes,
maneiras e leis próprias. E, principalmente, não é uma Monarquia, é uma República, à qual não
convém um teatro aristocrático, mas espetáculos que celebrem a igualdade. Por isso, Rousseau
dirige o seguinte apelo aos genebrinos, usando imagens que sugerem a analogia entre o teatro
moderno e a prisão:
Não adotemos esses espetáculos exclusivos que encerram tristemente um
pequeno número de pessoas num antro escuro; que as mantêm temerosas e
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CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O teatro surgiu a partir do cotidiano do ser humano, através das suas necessidades. O
humano primitivo caçava e era selvagem, por isso sentia necessidade de dominar a natureza.
Nessas necessidades surgem o desenho e o teatro na sua forma mais primitiva.
Aristóteles percebeu o quanto o efeito visual, ou o espetáculo, era importante. E esse
espetáculo mostrava uma história diretamente a uma platéia. E o teatro grego fez uso abundante
do espetáculo.
Séculos depois a discussão acerca dos espetáculos veio a tona após um verbete publicado,
onde a proposta de instaurar uma companhia de teatro na republica genebrina causa espanto e
indignação. Visto em que, na visão do autor da proposta, Jean Le Rond d’Alembert, o teatro
causaria bem para Genebra, visando a educação e finura de tato aos cidadãos genebrinos. E apesar
de não se tolerarem comédias em Genebra, a solução apontada pelo filósofo é de leis para a boa
conduta dos comediantes e assim Genebra estaria livre de libertinagem e propícia à bons costumes.
Nesse sentido, Rousseau recusa a cena privada, afirmando que esta seria inútil e vaga
dentro de uma República e que a levaria ao ócio e tragédias. Afirma também que o teatro não tem
função pedagógica, não se pode confundir educação e divertimento, e o teatro é a apenas um fator
de diversão para os cidadãos.
Entretanto, como alternativa, o genebrino defende as celebrações públicas, reproduzidas
ao ar livre, em que os cidadãos de Genebra não precisaria ser um personagem ou um espectador,
diferente do Teatro, ao invés de encenações, eles viveriam o próprio espetáculo, um grande festa
para todos as cidadãos da República. A festa coletiva daria a todos a mesma importância. E a festa
jamais seria confundida como um aspecto educativo e sim lazer e distração.
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REFERÊNCIAS
ROUSSEAU, J-J. Carta a D’Alembert sobre os espetáculos. Tradução: Roberto Leal Ferreira,
Unicamp: São Paulo, 2015.
Diderot, D. e D’Alembert. Enciclopédia ou Dicionário Raciocinado das ciências, das artes e dos
ofícios. Volume: 4 política. Tradução: Maria das Graças de Souza, Pedro Paulo Pimenta. Thomaz
Kawauche. I ed. São Paulo: Editoria UNESP, 2015.
CAMPOS, Joyce N. Ação, Destino e Deliberação na Tragédia Grega e na Ética aristotélica.
Goiânia: Universidade Federal de Goiás – Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2012.
(Dissertação de Mestrado)
ARISTOTE. La Poétique. Texte, traduction et notes par Roselyne Dupont-Roc et Jean Lallot.
Paris: Seuil, 1980.
______________. A Poética de Aristóteles. Tradução e notas de Ana Maria Valente, prefácio de
Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 200
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Resumo: O gênero textual carta possui elementos que o diferem do texto denominado Petição
Inicial, comum na linguagem jurídica, sendo esta última a peça processual que instaura o processo
jurídico, levando ao Juiz-Estado, os fatos que compõem o direito, denominados causa de
pedir, fatos e fundamentos, bem como o pedido propriamente dito. Nas formas de Estado onde o
particular não pode realizar a autocomposição de seus conflitos em razão da não detenção do
monopólio da força, o sujeito busca a intervenção do Estado, a fim de solucionar seus conflitos,
especialmente quando estes não se resolvem por meio da negociação. Na discussão ora proposta,
tem-se como objetivos discutir a busca da resolução de conflitos vivenciados por uma mulher
escravizada, a partir da escrita de uma carta, descrevendo-se os aspectos jurídicos e
epistemológicos nela presentes, cujo destinatário foi o Governador da Província do Piauí (Sec.
XVIII); discutir o conceito e características de uma petição; verificar em que medida o gênero
textual carta pode ser considerado uma petição jurídica, mostrando ainda os caminhos que levaram
ao reconhecimento de Esperança Garcia como primeira advogada do Estado do Piauí. A discussão
tem como premissa o diálogo interdisciplinar, chamando a atenção para o fato de que uma petição
pode ser produzida por alguém do povo, ainda que este não tenha a formação específica na área
do direito. A mulher negra, ainda que escravizada, a despeito dos estereótipos com que via de
regra, é retratada, em obras diversas, sendo, muitas vezes, apresentada como submissa e passiva,
sempre se opôs à escravidão, buscando as mais diferentes estratégias para alçar sua liberdade.
Palavras-chave: Direito. Petição Inicial. Carta. Gênero textual
Abstract: The letter textual genre has elements that differ itself from the text called the Initial
Petition, common in legal language, the latter being the procedural document that establishes the
legal process, taking to the Judge-State, the facts that compose the law, called cause of asking,
facts and grounds, as well as the request itself. In the forms of State where the individual cannot
self-compose his conflicts due to the non-holding of the monopoly of force, the subject seeks,
State intervention in order to resolve his conflicts, especially when these are not resolved through
negotiation. In the discussion now proposed, the objectives are to discuss the search for the
resolution of conflicts experienced by a slave woman, from the writing of a letter, describing the
legal and epistemological aspects present in it, whose address was the Governor of the Province
of Piauí (Sec. XVIII); discuss the concept and characteristics of a petition; verify the extent to
which the letter textual genre can be considered a legal petition, also showing the paths that led to
the recognition of Esperança Garcia as the first lawyer in the State of Piauí. The discussion is
based on interdisciplinary dialogue, drawing attention to the fact that a petition can be produced
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by someone from the people, even if they do not have specific training in the area of law. The
black woman, even though enslaved, despite the stereotypes with which she is, as a rule, portrayed,
in different works, being often presented as submissive and passive, has always opposed slavery,
seeking the most different strategies to raise her freedom.
Keywords: Law. Inicial petition. Letter. Textual genre
1 INTRODUÇÃO
O gênero textual carta foi, ao longo dos anos, o principal meio de comunicação entre as
pessoas, sendo também conhecida como correspondência; já foi um dos mais aplicados na
comunicação do cotidiano. A principal característica desse gênero textual é a existência de um
emissor (remetente) e um receptor (destinatário). Os fatores de textualidade subjazem o gênero
textual carta, observando-se que a intencionalidade é o fator primeiro, pois, quem escreve uma
carta, tem uma intenção comunicativa que se realiza por meio desta. A situacionalidade é outro
fator que se identifica em uma carta. Ao produzir seu enunciado, o emissor o faz em um
determinado contexto, ou seja, em uma dada situação comunicativa.
O texto epistolar carta traz uma ou mais informações ao destinatário, inserindo-se, nesse
contexto a informatividade que está relacionada à previsibilidade do texto; assim, um texto
informativo deve conter informações que situem o leitor, mas, ao mesmo tempo, lhe traga
informações sobre fatos até então desconhecidos, o instigando a argumentar, ainda que
internamente com o emissor. Nela, o emissor se vale de seu conhecimento acerca do mundo para
verbalizar, produzindo seu discurso a um outro, que também o fará a partir do seu campo social.
Ou seja, ao enunciar, o emissor o faz a partir de das leituras prévias que o fez, sejam estas leituras,
em uma acepção freiriana, do mundo ou da palavra propriamente dita.
Nessa acepção, o emissor toma como referência outros textos, em uma relação de diálogos
com estes, a partir do fator denominado intertextualidade, o que implica pontuar que todo texto se
constitui um intertexto, haja vista advir de muitos diálogos produzidos entre aquele que enuncia e
outros textos. Ainda como fator de textualidade, situam-se a coesão e coerência textual,
considerados de extrema importância na enunciação e recepção de textos. Enquanto a coerência
diz respeito à harmonia de sentido entre o que é enunciado, a coesão refere-se à estrutura formal
da sequência linguística, o que ocorre por meio de conectivos. Tais fatores são bastantes relevantes
na aceitabilidade do texto pelo receptor, pois, este somente aceitará o enunciado, se este lhe fizer
sentido.
Considerando, pois, estes fatores, objetiva-se, por meio deste trabalho, discutir a busca da
resolução de conflitos vivenciados por uma mulher escravizada, a partir da escrita de uma carta,
descrevendo-se os aspectos jurídicos e epistemológicos nela presentes, cujo destinatário foi o
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2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA
O Piauí foi colonizado a partir em meados do século XVII, na década de 1660, sendo seu
povoamento, de acordo com Mott (2010), ocorrido do litoral para o interior, possivelmente em
razão dos engenhos erradicados no litoral, o que inviabilizava a criação de gado, de forma
concomitante com o cultivo da cana de açúcar, o que faz com que se evidencie uma disparidade
em relação a outras capitanias, ou seja, a presença dos engenhos no litoral, impossibilitava a
presença do gado no mesmo território em que eram plantadas as lavouras de cana.
No que concerne à escravidão negra, homens, mulheres e crianças vindos da África,
passaram a trabalhar de forma forçada, sem qualquer tipo de ganho, nas fazendas ali presentes.
Havia, segundo França et al (2015, p. 24) dois grupos. Um deles pertencia à Coroa e outro grupo,
pertencente a particulares.
Os escravos pertencentes a Coroa são aqueles que residiam nas antigas fazendas de
Domingos Afonso Mafrense. Este resolveu sair do Piauí e deixou todos os seus bens aos
jesuítas. Porém, com a chegada do Marquês de Pombal, e a expulsão dos jesuítas, em
1760, tudo que pertencia aos padres missionários agora era de propriedade da Coroa.
Esta saída de Domingos Afonso Mafrense mudou a vida dos trabalhadores de suas
fazendas, ainda que os jesuítas não oferecessem uma vida mais leve a seus subordinados,
conforme afirma Souza (2009). Os padres jesuítas também tiveram em seu jugo, primeiramente
indígenas e, posteriormente, negros, que para estes trabalhavam na condição de escravizados.
Era preciso, pois, catequizar homens e mulheres, ensinando-lhes as primeiras letras, para
que estes, em função das leituras bíblicas aceitassem mais facilmente os fundamentos do
catolicismo cristão, ao mesmo tempo em que não se rebelassem contra seus senhores.
Foram, pois, muitos os que aceitaram a fé cristã, ao mesmo tempo em que cabe se destacar
o papel dos jesuítas na aquisição da leitura e escrita, bem como de que forma tal aquisição deram
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um diferencial em relação aos outros negros e negras que não dominavam a arte da leitura e da
escrita. A negra Esperança Garcia esteve entre o rol de escravizados que liam e escreviam,
conforme descreve Souza (2009, p. 2):
Alguns historiadores asseguram que, além de Esperança Garcia, haveria outros escravos
alfabetizados nas fazendas de gado da Província do Piauí, estas de propriedade e
gerenciadas pelos padres Jesuítas até a ascensão do Marquês de Pombal. Mas estudiosos
piauienses como o historiador Solimar Lima (UFPI) ponderam quanto à existência de
inúmeros cativos alfabetizados no Piauí, considerando-se a falta de provas materiais,
como a inexistência de outros documentos que tenham sido escritos por escravos neste
Estado, ou mesmo escolas que admitissem escravos ou os filhos destes durante a
administração colonial portuguesa. Os estudos acerca da educação ou do ensino das
primeiras letras ao trabalhador escravizado no Brasil e, particularmente, no Piauí, ainda
são muito restritos ou de difícil acesso.
[...] o caráter violento em relação ao senhor e escravo no Piauí foi uma realidade. Era
necessário que houvesse ordem e disciplina, e os castigos físicos foram os meios
utilizados para garantir a organização. Havia resistência dos escravizados, eles
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almejavam por liberdade, porém, era mais provável surgir a alforria nos engenhos de
açúcar do que na zona pecuária. A média de vida dos escravos no século XVIII, no Piauí,
era de 35 anos em média.
Ainda que a vida entre os jesuítas não fosse necessariamente um viver sem trabalho e
obrigações, este era muito diferente agora sob o jugo da coroa, o que explica a longevidade dos
escravizados. Separada do marido e dos filhos mais velhos, Esperança Garcia passou a viver, com
seus companheiros, sob o jugo do Capitão Vieira Couto. Pode-se observar, em sua carta, o
sofrimento advindo do fardo que foi a escravidão negra, com toda a sorte de maus-tratos e castigos,
consumados à guisa de adestrar para o trabalho homens, mulheres e até mesmo crianças que
viviam na Fazenda, sob o jugo de seu administrador, o Capitão Antônio Vieira do Couto,
doravante Capitão Vieira do Couto.
Esperança Garcia, segundo Sousa et al (2017) escreve uma carta petição ao então
Governador da Província de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, a fim de
que este conhecesse a situação de abusos, castigos físicos e maus-tratos em que esta vivia com seu
filho menor e os outros negros e negras, a quem chama no texto de companheiros.
A escravizada usa como principal estratégia a religiosidade das autoridades, ratificada
pelos padres, durante o período em que estes residiram no Brasil, convindo ressaltar que muitos
desses povos que viveram na condição de escravizados, tinham a própria religião, geralmente
cultuadas em seus países de origem, mas para aliviarem seu jugo, assumiram a religião do
colonizador, tendo, inclusive, nela se batizado.
Para fins de reflexão acerca do texto produzido por Esperança Garcia, inserido inicialmente
no gênero textual carta e, posteriormente tendo sido este reconhecido como uma petição jurídica,
cabe inicialmente trazer à Segundo Mott (2010) a carta-petição de Esperança Garcia, cujo
destinatário foi o Governador da Província do Piauí, distingue-se de outros documentos da mesma
tipologia, qual seja, do gênero textual carta, em razão de seu teor, qual seja, uma denúncia de uma
autoridade a quem esta deveria ser submissa e obedecer sem contestações, enquanto escravizada.
Esperança Garcia, ao escrever para o governador da província, ao escrever para o
Governador da Província de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro expõe o
administrador da fazenda, Capitão Vieira do Couto, denunciando suas atrocidades, ao mesmo
tempo em que tal ato coloca em dúvida seu poder de mando, enquanto senhor e administrador de
uma fazenda da Coroa, pois, o teor da carta deixava explícito que este não tendo força para
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dominar uma mulher, certamente não teria poder de administrar uma fazenda inteira, com todos
os bens que esta possuía, inclusive os negros e negras que ali viviam, sob seu jugo.
À guisa de contextualizar a discussão, trazendo-a para os dias hodiernos, buscamos na
Carta Magna Brasileira o fundamento para ratificar o pedido feito ao governador da província,
ainda que se observe que o texto de Garcia fora redigido no ano de 1770, portanto, mais de
duzentos anos antes que o País, já uma república tivesse seu documento basilar, a Constituição da
República do Brasil (1988) e exatos cento e dezoito anos antes da assinatura da Lei Áurea, que
oficialmente declarou o término da escravidão negra no Brasil, o texto em questão demonstra que
a escravizada estaria à frente do seu tempo, sem imaginar os significados que subjazem seu escrito.
Esperança Garcia se coloca, ainda que sem o saber, no artigo 5º da CF, que dispõe que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade
ou abuso de poder;
É, pois, na busca pelo direito à própria vida; esta se vê ameaçada, assim como a seus
companheiros de infortúnio; na busca pela igualdade, ainda que se possa afirmar que nem mesmo
em mais de duzentos e cinquenta anos e três séculos depois, o direito das minorias, entre estas,
mulheres negras se possa dizer que haja igualdade entre os cidadãos brasileiros.
Foi, na tentativa de se sentir na segurança de seu lar, na acepção de que este seria onde
estava sua família (marido e filhos), E. Garcia escreve aquele que mais que uma simples carta,
seria um documento a ser reconhecido enquanto dispositivo jurídico e além de mostrar que a
escravidão negra não sufocou os ideais de liberdade e o senso de repulsa e revolta ao regime
escravocrata, imposto a negros e negras, ainda lhe conferiu o título de primeira advogada do estado
do Piauí.
Cabe, pois, chamar a atenção para o fato que, no tocante ao teor de sua carta, fazendo-se
uma análise desta, enquanto petição, a fim de discutir-se o fato de Esperança Garcia, em uma
época em que não havia advogadas, especialmente negras, expõe, com todos os elementos
imprescindíveis a uma petição jurídica, os fatos, a causa de pedir e o pedido, propriamente dito, o
que se fez a partir da análise de cada enunciado presente no texto epistolar enviado ao Governador
da Província do Piauí, como segue:
“Eu sou uma escrava de V.S.a administração de Capitão Antonio Vieira de Couto,
casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões,
aonde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal.
A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança
que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não poço explicar que sou um colchão de
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pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus
escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma
criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.S. pelo amor de Deus e do seu
valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a
fazenda aonde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.248
De V.Sa. sua escrava, Esperança Garcia”
248
Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi
adeministrar, q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de sua caza, onde
nella passo mto mal. A primeira hé q. ha grandes trovoadas de pancadas em hum filho nem sendo uhã criança q. lhe
fez estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas, tanto q. cahy huã vez do
sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds. esCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar
a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar. Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto.
ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a fazda. aonde elle me tirou pa eu viver
com meu marido e batizar minha filha q. De V.Sa. sua escrava Esperança Garcia. Texto transcrito em Português
arcaico.
249
Código de Processo Civil.
250
Ainda que não se trate de uma profissão, usou-se a identificação feita por Esperança Garcia, para designar suas
funções.
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3 CONCLUSÕES
Nos propusemos por meio deste trabalho discutir em que medida um texto epistolar,
inserido no gênero textual carta, enquanto documento escrito, pode ir além de seu propósito inicial,
circunscrevendo-se enquanto petição jurídica. O documento redigido por Esperança Garcia possui
do ponto de vista da estrutura, todos os elementos de textualidade necessários à composição de
um texto, tanto em sua forma, como em relação aos aspectos semânticos.
Ao mesmo tempo, trata-se de um documento, produzido na modalidade escrita da Língua
Portuguesa, que se classifica, a partir de todos os elementos apresentados como gênero textual
petição jurídica, não podendo, pois, ser classificado como simples carta. O texto contém todos os
elementos necessários a uma petição inicial, identificação da peticionária, o destinatário, a causa
de pedir e o pedido propriamente dito.
No que diz respeito à relação de poder, que emerge a partir da leitura da petição de
Esperança Garcia, esta se evidencia, quando a escravizada coloca em dúvida o poder de mando e
governança do Capitão Vieira Couto, cuja obediência de seus subordinados deveria ser
indubitável; ao ser contestado, o senhor de escravos acaba desmoralizado diante da sociedade local
e do próprio Governador da Província de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro.
O texto quebra estereótipos, construídos ao longo da história do Brasil, os quais mostram
a submissão dos sujeitos negros e negras escravizados; ao contrário, esses sujeitos buscaram
formas de sobrevivência e mesmo a busca de se rebelar contra a situação que se lhes apresentava,
buscando estratégias para conseguir o que desejavam, ainda que na maioria das vezes, muitas
dessas estratégias não tenha sido exitosa.
Ao reconhecer Esperança Garcia, como primeira advogada do estado, a Ordem dos
Advogados do Piauí, lhe concede o título, sendo o dia 06 de setembro, data da redação do texto,
instituído como o Dia da Consciência Negra, no Piauí.
Referências
MOTT, Luiz. Piauí Colonial: população, economia e sociedade. Teresina: FUNDAC - Coleção
Grandes Textos, 2010.
NUNES, Célis Portella e ABREU, Irlane Gonçalves de. Vilas e Cidades do Piauí. In: SANTANA,
R. N. Monteiro de (org.). Piauí: Formação, Desenvolvimento, Perspectivas. Teresina – PI:
Editora FUNDAPI, 1998.
SOUZA, Elio Ferreira de. A carta da escrava ‘Esperança Garcia’ de Nazaré do Piauí: uma
narrativa de testemunho precursora da literatura afro-brasileira. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/arquivos/artigos/criticas/ArtigoElioferreira1cartaesperancaga
rcia.pdf. Acesso em: dez.2019.
WOOLLEY, Patrícia Domingos. Os jesuítas nos setecentos europeus: autoridade, ensino e
poder. In: Revista Cantareira, 6ªed on-line, 2009. Disponível em: <
http://www.historia.uff.br/cantareira/novacantareira/index.php?option=com_content&v
ew=article&id=129: osjesuitasnosetecentos-ed6&catid=61:artigos-ed6&Itemid=79>. Acesso em
jan. /2020.
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Resumo: Na obra intitulada Sobre a Pedagogia, o filósofo prussiano Immanuel Kant aborda uma
educação prática, pautada na formação do caráter moral, ou seja, voltada para a personalidade.
Formação esta que prepara o educando-formando para agir mediante máximas, por meio do uso
de sua própria razão, em outras palavras, a servir-se de si mesmo, a fim de torná-las universais
segundo o imperativo categórico, bem como para a moderação através dos deveres consigo mesmo
e deveres para com os outros. Nestes, reside a noção de dignidade humana que consiste em saber
o próprio valor como pessoa, isto é, como fim em si mesmo, e, da mesma maneira, o respeito pelos
demais como pessoa também, e não apenas como meio para se atingir uma finalidade. Tal plano
pedagógico, que é imprescindível para o desenvolvimento da humanidade para o melhor - uma
sociedade moral - pretende que o homem cumpra seu dever diante das leis, pois sentiu antes a
coação destas, e foi podado a usar a liberdade de forma ponderada, a ter autonomia e a cultivar
uma boa vontade. Nesse sentido, o presente trabalho objetiva abordar a noção de dignidade do
homem e a moralidade por meio de um processo educativo, conseguindo atingir, assim, um reino
dos fins, que seria a expressão por excelência da dignidade do homem.
Palavras-chave: Educação. Moral. Liberdade. Dignidade. Deveres.
Abstract: In the work entitled About Pedagogy, the Prussian philosopher Immanuel Kant
addresses a practical education, based on the formation of the moral character, that is, focused on
the personality. Formation that prepares the student to act through maxims, through the use of his
own reason, in other words, to serve yourself, in order to make them universal according to the
categorical imperative, as well as for the moderation through duties to with myself and duties
towards others. In these, lies the notion of human dignity, which consists in knowing one's own
value as a person, that is, as an end in itself, and, in the same way, respect for others as a person
as well, and not only as a means to achieve a goal. Such a pedagogical plan, which is essential
for the development of humanity for the better - a moral society - intends that man fulfills his duty
before the laws, because he felt the coercion of them before, and was able to use freedom in a
considered way, having autonomy and cultivating goodwill. In this sense, this paper aims to
address the notion of human dignity and morality through an educational process, thus achieving
a kingdom of ends, which would be the expression par excellence of human dignity.
Keywords: Education. Moral. Freedom. Dignity. Duties.
A educação é uma arte que se aperfeiçoa através das gerações, cujo desenvolvimento se dá
não apenas no indivíduo, mas na espécie. Isso se deve pelo fato de que as disposições naturais do
homem não se desenvolvem por si mesmas, antes estão em germe, como uma semente que deve
ser cultivada, e que até então, não possui a nota da moralidade. Isto é, diferentemente dos animais,
o homem não possui instinto, logo, precisa de cuidados e proteção, bem como de instrução e
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formação. A dificuldade encontrada é que quem recebeu uma má educação, acaba não educando
bem sua posteridade. Nossos filhos levarão algo ou não desta geração, e acrescentarão algo a outra.
E, assim, a educação vai caminhando devagar à perfeição, como a um ideal difícil, mas não
impossível de realização.
Nesse sentido, o que confere a característica de ser tão árduo o caminho para se alcançar a
humanidade - destinação do homem - é justamente o que nele é inerente, por ser tanto um ser
sensível quanto inteligível, a saber, por meio da vontade e através da liberdade, o homem age de
maneira boa ou má, pela virtude ou pelos vícios. As crianças nascem com grande pendor à
liberdade, e se não forem disciplinadas, permanecerão selvagens e menores por toda sua vida. Ou
seja, com uma liberdade sem limites, farão o que der na telha, prejudicando o desabrochar de suas
disposições para a habilidade, para a prudência e para a moralidade.
Então, de que forma pode um ser dotado de liberdade se submeter a coação de leis? E como
se cultiva a liberdade sob coação? Como fomentar a consciência de uma dignidade humana? De
que maneira os vícios sepultariam o direito da humanidade? O papel da educação seria justamente
o de preparar a criança para conviver em sociedade, para se dar a própria lei, de ser livre nas suas
escolhas, a tratar os demais e a si mesmo como pessoa, fazendo florescer a moralidade.
Desse modo, faz-se necessário demonstrar como seria essa pedagogia. A educação é
dividida em dois tipos, a educação física, e a educação prática. A primeira, é negativa e diz respeito
à disciplina, com o intuito de transformar a mera animalidade em humanidade tanto no indivíduo
quanto na sociedade, isto é, da selvageria ou liberdade sem limites, a sentir a coação das leis. Diz
respeito ao cuidado, proteção e subsistência. Aqui, o educando é passivo, e ainda menor - depende
de outro- e não segue máximas. Não iremos abordar inteiramente a educação física, mas vale
deixar claro que esta precede a educação prática, e é assaz importante, pois segundo Kant: “O
descuido da disciplina é um mal maior que o descuido da cultura, pois esta pode ser recuperada
posteriormente; o elemento selvagem, porém, não pode ser removido, e um engano na disciplina
nunca pode ser reparado.” (KANT, 2012, p.12.)
A educação prática ou moral, diz respeito ao que está relacionado com a liberdade, e
através da formação instrui o aluno a agir livremente, a ser hábil, prudente e moral. Esta é
caracterizada como ativa, uma vez que o educando se pauta em máximas, age por si mesmo e não
pela direção de outrem. A ação boa aqui não é tida pelo hábito, mas simplesmente pelo bem, por
máximas alicerçadas por princípios do dever. Dessa maneira, o homem deve ser cultivado,
obtendo habilidades ou aptidões, as quais o torna capaz de realizar quaisquer fins. A prudência
pressupõe a qualidade de ser hábil, e é a capacidade de usar todas as habilidades para se alcançar
um fim determinado. É caracterizada pelo verbo civilizar.
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Na Antropologia de um ponto de vista pragmático, Kant discorre sobre o caráter por duas
vias, tanto sobre o caráter físico quanto o caráter moral. O primeiro, o físico, afirma que o homem
possui este ou aquele caráter e refere-se ao que é sensível neste; o segundo, o caráter moral, que
diz respeito a um caráter em geral, ou é único ou não é nenhum, relaciona-se com a liberdade, e,
nesse sentido, diferencia o homem dos demais animais, fazendo jus a um ser racional e capaz de
escolha, atentando ao que este faz de si mesmo.
Assim, o caráter moral é pautado por princípios morais, destituído de qualquer móbil ou
influência de inclinações ou paixões, conferindo um homem com a índole moral e com uma boa
vontade. O filósofo prussiano demonstra em Sobre a Pedagogia que o caráter é resistente e nos
habitua a respostas demolidoras, e, sobretudo, impede que inclinações se tornem paixões. Como
bem diz o dito da divisa estoica citado pelo autor: Sustine et abstine - Aguenta e abstém-te. Para
Sêneca, e nesse ponto assemelha-se ao que Kant quer mostrar, não se trata apenas de se abster em
face dos sentimentos mais corrosivos ou das emoções que nos assolam, mas de aprender a não
ceder a estes, a não se deixar levar. Em lugar de abster-se (que seria uma espécie de covardia em
face dos desafios com que nos deparamos cotidianamente), o conselho é conter-se. Para
demonstrar isso de uma melhor forma, Kant cita Horácio: Vir propositi tenax, “O homem é justo
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e tenaz no seu propósito/em sua firme mente não se perturba com o furor dos cidadãos impondo
a injustiça/nem com o vulto do ameaçador tirano.”(HORÁCIO, 2008, livro III).
Nesse sentido, um homem que sempre viveu viciosamente e quer se converter de uma hora
para outra, tornando-se de uma só vez igual àquele que se aplicou o bem em toda sua vida, é
inviável. No entanto, pode-se sim, em um processo gradual, que este possa vir a agir por uma boa
vontade, uma vez que possui disposições originárias para o bem, que não podem ser enxertadas,
e o mal não deriva daí como uma raiz. Em outras palavras, este pode se transformar, porque possui
liberdade para poder mudar um estado de coisas no mundo. “Donde se segue que a formação
moral do homem não deve começar pela melhoria dos costumes, mas pela conversão do modo de
pensar e pela fundação de um caráter.” (KANT, 2008, p.57).
Vale salientar que uma boa vontade é aquela cuja ação é ilimitada e absolutamente
genuína, ou seja, é em si mesma e possui valor absoluto, desprovida de qualquer móbil ou
inclinação, ou até mesmo da soma destes. A razão, como faculdade prática, influi sobre a vontade,
pelo princípio do querer, e, dessa forma, esta vontade não será apenas boa para se alcançar algo,
mas também será boa em si mesma. Neste conceito de vontade boa, está contido o conceito de
Dever. A relação entre os dois está na ação, no que confere o princípio do querer, e o valor, pelo
princípio da vontade, esta se vê “colocada contra a parede”, entre seu principio formal que é a
priori; e o que é material, isto é, ao móbil, que é a posteriori. Caso a ação seja praticada por dever,
a vontade é determinada, assim, segundo o principio formal do querer em geral, o qual apenas é
a priori, sem materialidade. “Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação
das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade.” (KANT, 1980, p. 123). Essa
vontade não é apenas influenciada pela razão objetivamente, possui também móbiles que influem
subjetivamente. Nesse sentido, a determinação da vontade segundo leis objetivas é obrigada pelo
Dever, que também chama-se mandamento ou imperativo. “Quer dizer, a relação das leis objetivas
para uma vontade não absolutamente boa representa-se como a determinação da vontade de um
ser racional por princípios da razão, sim, princípios esses porém a que esta vontade, pela sua
natureza, não obedece necessariamente.” (KANT, 1980, p. 124).
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Há, pois, uma divisão dos deveres consigo mesmo: a divisão objetiva dos deveres para
consigo mesmo - formal e informal -; e a divisão subjetiva dos deveres para consigo mesmo
(deveres perfeitos), especialmente como ser moral, a qual iremos nos aprofundar nesse texto. Essa
divisão subjetiva diz respeito ao homem visto como um ser animal e moral, ou somente moral.
Tanto em um como no outro há virtudes e vícios. No que se refere à animalidade, quanto à virtude:
preservação do ser humano; conservação da espécie e guardar o desfrute dos prazeres da vida;
quanto aos vícios: o suicídio, não naturalidade sexual e gula sobre alimentos e bebidas. O suicídio,
por exemplo, como Kant dá o exemplo na Fundamentação, é contraditório, pois que vai contra a
natureza, uma vez que matar a si mesmo é destruir a vida, da qual a lei é a sua conservação,
consequentemente demonstrando a não universalização do mesmo pelo imperativo categórico.
Isso é, segundo Höffe: um dever para consigo mesmo como dever perfeito que é a proibição do
suicídio, e como dever imperfeito, a “proibição do não-desenvolvimento das capacidades
próprias.” (HÖFFE, 2005, p. 209).
O dever do homem consigo mesmo como ser moral, a saber, caracteriza-se “no que é
formal na harmonia das máximas de sua vontade com a dignidade da humanidade em sua pessoa.”
(KANT, 2003, p. 262). Tem como virtude o amor à honra; e tem como vícios a mentira, a avareza
e o servilismo, os quais batem de frente com a moral, ferindo a dignidade homem e tornando-o
uma mera coisa desprezível. Sendo assim, todos esses vícios possuem algo em comum, a saber:
violação da dignidade humana, conferindo a si como objeto de desprezo. O servilismo, por
exemplo, refere-se fortemente quanto à dignidade da humanidade dentro de nós, e mostra que a
verdadeira humildade está em comparar-se a lei moral, e não ao outro. Podemos ver isso quando
Página 1116 de 2230
Kant menciona a respeito da educação das crianças, que educá-las baseando-se em mostrar por
meio de exemplos que este ou aquele é melhor que ela não lhe ensinará nada, apenas alimentará
inveja e hipocrisia, antes deve-se formá-las segundo a razão.
Os deveres para com os outros residem no amor e no respeito pelos demais, que se realizam
através do amor em particular: dever de beneficência, de gratidão e de solidariedade. E os vícios
do ódio aos homens: a inveja, a ingratidão, a malícia; do respeito: a moderação ou humildade. Dos
vícios acarretados por violação desse dever: soberba, detratação e escárnio. E, por fim, a união do
amor com o respeito: a amizade.
A veneração e respeito pelo direito dos homens têm de lhe ser ensinados
muito cedo, e tem de se velar muito para que os ponha em prática; por
exemplo, se uma criança encontrar uma outra criança pobre e a empurrar
orgulhosamente para fora do caminho ou simplesmente afastar de si com
um tal empurrão, ou lhe bater, etc., não se lhe deve dizer: não faças isso,
isso dói, sê compassivo! É uma criança pobre, etc., deve-se antes fazer-
lhe o mesmo tão orgulhosamente e com a mesma força, porquanto a sua
conduta repugna ao direito da humanidade. (...). (KANT, 2012, p. 69).
Destarte, para tanto, precisa-se ter autonomia, e o seu conceito consiste em dar a si sua
própria lei, sendo dela o próprio autor. De acordo com a comentadora Soraya Nour: “(...) a
autonomia faz de um ser racional, que se relaciona consigo próprio dando-se sua própria lei, uma
pessoa, conferindo-lhe “dignidade”.”(NOUR, 2013, p. 12).
A segunda fórmula relaciona-se com a pluralidade dos fins, eis a forma: Age de tal
maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre
e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. O homem não é taxado como um
mero preço, que pode ser trocado ou comprado, mas sim um valor que confere a este a capacidade
de se dar fins e de ser fim em si mesmo, e não meio para outra finalidade. É considerado, assim,
como pessoa, e possui um valor interno absoluto, isto é, uma dignidade. Põe-se então em
igualdade com os demais seres humanos, por meio do respeito mútuo e por respeito à lei moral.
conseguinte, ele pode e deve valorar-se tanto por um baixo padrão quanto por
um alto padrão, dependendo de se vê a si mesmo como um ser dotado de sentidos
(em termos de sua natureza animal) ou como ser inteligível (em termos de sua
predisposição moral). (KANT, 2003, p. 277)
Segundo Kant, além de se ver como pessoa, deve-se enxergar como ser humano, e sempre
sobrepor a sua razão diante de sua animalidade, de forma que não a deixe prejudicar sua dignidade,
cumprindo os deveres e buscando sempre seus fins, um fim em si mesmo, não de forma servil,
mas com auto-estima.
(...) a ligação sistemática de vários seres racionais por meio de leis comuns. (...)
se se fizer abstração das diferenças das pessoas entre os seres racionais e de todo
o conteúdo dos seus fins particulares, poder-se-á conceber como um todo do
conjunto dos fins (tanto dos seres racionais como fins em si, como também dos
fins próprios que cada qual pode propor a si mesmo) em ligação sistemática (...).
(KANT, 1980, p. 139).
Em vista disso, a educação seria uma condição de possibilidade para a formação de um ser
humano autônomo, livre, moral e esclarecido, que pensa por si mesmo, sem a muleta de outrem
ou de um livro. A educação prática possibilita a realização de um reino dos fins, que está
intimamente ligado a seres humanos conscientes de seus respectivos valores e de sua própria
dignidade. Isso se dá através do desenvolvimento de todas as disposições naturais, por meio de
orientação e instrução, uma vez que a virtude é algo a ser adquirido, isto é, não é inata. “A virtude
é produto da pura razão prática, na medida em que esta ganha ascendência sobre tais inclinações
com percepção de sua supremacia (fundada na liberdade).” (KANT, 2003, p. 319). Ademais, a
virtude deve ser ensinada e cultivada, assim como o caráter moral nas crianças deve ser formado,
a fim de que estas possam escolher bons fins para toda sociedade. Ao aprender as máximas, saberá
que deve agir segundo o dever e a lei moral, e não apenas por hábitos, exemplos, ou por temor a
Deus. Através dos deveres para consigo mesmo, e para com os outros, vê uma maneira de se
regular pela razão.
A relação entre a educação e a dignidade é justamente que, somos todos dignos, pois temos
dentro de nós a lei moral, no entanto, essa se vê como possibilidade - a dignidade-. Como nossas
potencialidades estão em germe e devem ser desenvolvidas por meio da liberdade e da vontade, a
educação seria a efetivação da dignidade humana, através da formação do caráter moral. Caráter
Página 1118 de 2230
esse que é da espécie, que com a realização de uma sociedade moral, o potencialmente digno se
tornaria de fato digno. Pois que uma sociedade que desenvolveu suas habilidades e é civilizada,
ou seja, teve um progresso técnico-científico, não quer dizer que chegou a um progresso moral.
REFERÊNCIAS
Abstract: It addresses aspects of gender, female authorship, memory and orality, considering the
androcentric perspective present in the discourses on the authorship of cordéis. Reflecting on the
space given to women in the production and dissemination of their cordéis, it is worth asking:
251
Esse artigo é resultante das pesquisas e trabalhos desenvolvidos no âmbito do grupo de pesquisa Saberes -
Informação, Cultura, Patrimônio Cultural e Sustentabilidade, da Universidade Federal do Cariri (UFCA).
Página 1120 de 2230
How do women's authorship in the literature of string and what themes are worked on in these
works? It aims to analyze the presence of female authorship in the corpus of cordéis of the
"Coleção Centenário", launched in 2016 in allusion to the hundred years of the city of Juazeiro do
Norte. The choice of locus and the object of research is given by Juazeiro do Norte already be
endorsed for its cultural diversity, having in the collection of institutional support for the
publication of cordéis which deal with various topics, many linked to the figure of, but limited,
when we think about the aspect of female authorship. The bibliographic research is used as a
methodology, and thematically analyzes what subjects they write in that colecion. Finally, the
performance of women as a producer of culture and authorof cordéis is evidenced, making use of
different themes and approaches, thus breaking with the silencing and exclusion to which they
were submitted in the discourses and official history, and which brings new memories and poetics
to emerge.
Keywords: Cordel literature. Female authorship. Feminist Criticism. Memory.
1 INTRODUÇÃO
Esse estudo é embasado nas reflexões sobre uma nova historiografia do folheto na qual se
inclui a presença feminina (Santos, 2009)252 de modo que falar hoje desse documento de memória
pressupõe pensar também as mulheres nessa seara. Nessa perspectiva, cabe-nos indagar: Como se
dá a autoria feminina na literatura de cordel e quais temáticas são trabalhadas em suas obras?
Analisando, especificamente, o corpus de cordéis “Coleção Centenário” de Juazeiro do Norte.
A metodologia é composta por levantamento bibliográfico e análise temática, visando
pleitear autoria feminina nos estudos da cultura popular, mais precisamente no cordel, verificando
as produções na coleção em tela e as temáticas utilizadas pelas autoras.
Para melhor compreensão acerca do objetivo proposto, as seções estão organizadas da
seguinte forma: breve reflexão sobre memória e oralidade, exposição dos cordéis de autoria
feminina na referida coleção, destaque das temáticas abordadas nas obras por intermédio de
termos identificadores e, por fim, contemplar a atuação da mulher enquanto produtora da cultura,
mormente a literatura de folhetos.
A voz, com seus usos e concepções, já foram temas de estudo de inúmeras pesquisas e,
diante de tantas reflexões, há um consenso de ser um território volante e movediço, ligado aos
aspectos das mudanças culturais, das poéticas orais e das hibridações (oralidade-escrita), sendo
possível de verificar, de certa forma, como os processos históricos agem em sua estrutura, bem
como em suas significações e relações (produtor-receptor-pesquisador).
Por razões oriundas da própria dinamicidade da voz, Zumthor (1997) considera que esta
ultrapassa a palavra. “[...] A voz não traz a linguagem: a linguagem nela transita sem deixar traço”.
Por meio de suas explanações, podemos compreender as poéticas orais como obras de caráter
sonoro, proferidas através da voz, ao mesmo tempo, que se constituem como expressão do
coletivo, pois representam as histórias, saberes e identidades dos lugares por onde vive e transita
o poeta, que os apresenta para um público.
Considerando esses elementos, Alcoforado (2007) considera que o texto oral é
simultaneamente um texto artístico e um texto etnográfico, mantido na memória do seu
transmissor, que o ajusta ao universo cultural do seu grupo.
Esses e outros elementos podem ser percebidos no momento da performance. Segundo
Zumthor (1997), essa corresponderia a uma ação complexa pela qual a mensagem poética é
gênero nas poéticas das vozes”, Francisca Pereira dos Santos (2009).
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Essa exclusão pode ser chamada de “Memoricídio”, no qual podemos compreender como
o “nome deste apagamento deliberado da história das mulheres, promovido pelo corporativismo
masculino de professores, editores, jornalistas - intelectuais de maneira geral" (DUARTE, 2019).
Para compreender a exclusão promovida pelo corporativismo masculino de diversos
intelectuais, devemos enfatizar a existência de um sistema patriarcal, assunto tratado em diversas
pesquisas em âmbitos acadêmicos e sociais. O referido sistema, incorporado pela sociedade e
instituições, gera discursos androcêntrico arraigados de exclusões, de apagamentos e de
silenciamento das mulheres.
Contudo, atualmente podemos ver movimentos e edições de cordéis nos quais as mulheres
participam ativamente, a exemplo da “Coleção Centenário”. Essa presença mais veemente das
mulheres na historiografia dos folhetos é impulsionada por fatores que podem ser associados com
a tipologia de mudanças estruturais abordada por Hall (2000) que pauta a notoriedade de
transformações nas sociedades modernas no final do século XX. A tipologia em questão foi
responsável por levantar e trazer à cena outros sujeitos sociais, em exemplo se faz imprescindível
salientar o movimento feminista, sendo responsável por deslocar identidades culturais nacionais
e tradicionais em diversos âmbitos, bem como na seara poética.
A literatura de cordel com seu universo de particularidades oriundas das contadoras e dos
contadores de histórias, é permeada por lendas, memórias e rimas que nos direcionam para as
formas de narrar histórias na percepção das cordelistas.
Seguindo essa concepção, a escolha do lócus e objeto da pesquisa dá-se pelo fato de
Juazeiro do Norte já ser referendada por sua diversidade cultural, manifestada através das
expressões religiosas, artísticas, culturais e ambientais. Pautas visíveis também nas produções de
cordéis na região do Cariri Cearense253.
A Coleção Centenário nasce como parte das ações comemorativas aos 100 anos de
Juazeiro do Norte, em 2011, e obteve apoio institucional para a publicação de cordéis que versejem
sobre temas que referendem a cidade, suas histórias, seus agentes e personagens fundadores.
A referida coleção é dividida em duas seções: Cordéis Clássicos (volumes 1 e 2) e Cordéis
Contemporâneos (volumes 3 e 4), totalizando 100 cordéis (o número faz alusão ao centenário da
cidade). Grande parte dos cordéis contemplam a figura do Padre Cícero e a fundação do município
253
Cariri Cearense é uma região localizada no Estado do Ceará, no Nordeste do Brasil. O Cariri é formado por 31
(trinta e uma) cidades e se encontra no Sertão nordestino. Considerado um dos grandes polos culturais do Nordeste,
também conhecido pela religiosidade, acompanhada pela devoção aos santos, e tendo grande ênfase em seus
artesanatos, mestres e diversas manifestações culturais. Juazeiro do Norte é a principal cidade dessa região.
Página 1124 de 2230
Cordéis Clássicos
Maria Rosário Lustosa Padre Cícero do Juazeiro e...: Quem é ele? 12p.
da Cruz
Padre Joaquim de Alencar Peixoto: O baluarte 16p.
da emancipação política de Juazeiro
Cordéis Contemporâneos
Sebastiana gomes de Padim Ciço abençoa o Juazeiro: Nos 100 anos 12p.
Almeida (Bastinha) de vida gloriosa
Fonte: Tabela elabora pelos autores com base na “Coleção Centenário”, 2011.
elemento importante para história de Juazeiro do norte? As autoras abordam algum conteúdo
feminista?
Tendo como objetivo visualizar os assuntos trabalhados pelas autoras, foram atribuídos
termos para os cordéis. A atribuição realizada após a leitura dos folhetos, pelos autores da
pesquisa, visa facilitar a compreensão e enfatizar a produção feminina para a Coleção Centenário.
Os termos utilizados buscam expressar as temáticas abordadas pelas poetisas.
Além disso, trazemos informações que descrevem as xilogravuras das capas dos folhetos
como meio de contribuir com a análise das temáticas abordadas no cordel, a partir da atribuição
de termos sobre a poética e também sobre as capas.
Deste modo, a xilogravura, como arte de gravar em madeira, pode ser apontada como
objeto que complementa, ao mesmo tempo que dá movimento e se apropria como um dos
elementos fundamentais no conjunto desta linguagem poética. Possibilitando assim que seu
significado se faça em concordância com os poemas escritos sobre a história de Juazeiro do Norte,
podemos assim dizer “a literatura de cordel se apresenta como fenômeno dos mais singulares e
relevantes da cultura do povo nordestino[...]” (LOPES, 1982. p.07). Segue na tabela 2 abaixo, a
exposição dos termos identificadores atribuídos para os cordéis da Coleção Centenário:
Tabela 2: Exposição dos termos extraídos dos cordéis de autoria feminina da Coleção Centenário:
Cordéis de Autoria Feminina: Coleção Centenário
Cordéis Clássicos
atirando em outro.
Cordéis Contemporâneos
cordéis em análise é Anne Rice254, retratada em um diálogo com o Padre Cícero no folheto “Padre
Cícero e a Vampira”.
Apenas um cordel de autoria feminina tem conteúdo feminista: “Embalando Meninas em
Tempos de Violência” de Salete Maria que denuncia a violência contra a Mulher e o Feminicídio,
sobretudo em Juazeiro do Norte, com versos elaborados a partir de uma releitura das tradicionais
cantigas de roda. Vejamos alguns versos do folheto citado, permeados de lirismo e denúncia
social:
Salete Maria255
254
Escritora norte-americana, autora de séries de terror e fantasia.
255
Trecho do cordel “Mulheres Fazem” de Salete Maria. Disponível em:
http://cordelirando.blogspot.com/2008/06/mulheres-fazem.html
Página 1131 de 2230
REFERÊNCIAS
LOPES, José de Ribamar - org. Literatura de Cordel; antologia. Fortaleza: BNB. 1982. p. 07
SILVA, Salete Maria da. Embalando meninas em tempos de violência. Editora IMEPH,
Fortaleza/CE. 2012.
ZUMTHOR, Paul. A letra e a Voz: a ―literatura‖ medieval. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
ZUMTHOR, Paul. Introdução a poesia oral. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.
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Resumo: A crítica de Jean-Jacques Rousseau aos espetáculos aponta para algo mais sério, que
termina por abranger conceitos-chaves de suas obras, como a piedade –, um sentimento natural
que se altera como a sociabilidade do homem, sendo o teatro um dos meios para essa alteração; o
ser e o parecer –, conceitos complementares e opostos que a cena teatral não parece bem distinguir,
criando assim, confusão ao entendimento da plateia. Deste modo, o presente trabalho se propõe
expor a correlação entre o comediante a partir da leitura da Carta a D‘Alembert sobre os
Espetáculos, obra de Jean-Jacques Rousseau e Narciso, mais especificamente, a crítica de Luiz
Roberto Salinas Fortes, sobre o tema do comediante e sobre o simulacro de Narciso, no texto
“Teatro e Narcisismo”, em que Salinas Fortes apresenta uma minuciosa análise sobre o
personagem da peça Narciso ou o amante de si mesmo, também escrita por Rousseau, e a maneira
como o comediante, ator de quem Rousseau emprega parte da Carta a analisar o ofício e o talento
do mesmo, enquanto executa seu trabalho na cena teatral, e Narciso, personagem da peça, escrita
por Rousseau em sua juventude. Quando Narciso se traveste de um personagem fictício, põe em
xeque a piedade, o ser e o parecer. Assim, iremos perceber que tanto o comediante, aquele que
atua no palco dando vida a outrem que não ele mesmo, e Narciso, aquele que se traveste de um
ser imaginário com vista à vaidade, põem em questão a verdadeira piedade, aquela originária do
estado de natureza, que, segundo Rousseau, cada homem a tem, ainda, gravada em seu coração,
bem como fica evidente o encanto das pessoas por parecerem o que não são. Ademais, a instalação
de um Teatro em Genebra, tornou-se o ponto crucial para estas reflexões de Rousseau e, dentre
outros objetivos, alertar para que o parecer (ou o amor-próprio) não fosse ainda mais exaltado
através da encenação de peças teatrais: a tragédia e a comédia.
Palavras-chave: Rousseau. Comediante. Narciso. Piedade.
Abstract: Jean-Jacques Rousseau's criticism of the shows points to something more serious,
which ends up covering key concepts of his works, such as piety -, a natural feeling that changes
like the sociability of man, with theater being one of the means for that change; the being and the
opinion - complementary and opposing concepts that the theater scene does not seem to
distinguish well, thus creating confusion for the audience's understanding. In this way, the present
work proposes to expose the correlation between the comedian from the reading of the Letter to
D'Alembert on the Spectacles, work of Jean-Jacques Rousseau and Narciso, more specifically, the
criticism of Luiz Roberto Salinas Fortes, on the the comedian's theme and the Narcissus
simulacrum, in the text “Teatro e Narcisismo”, in which Salinas Fortes presents a detailed analysis
of the character of the play Narciso or the lover of himself, also written by Rousseau, and the way
the comedian , actor whose Rousseau uses part of the Letter to analyze his craft and talent, while
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performing his work in the theatrical scene, and Narciso, character of the play, written by
Rousseau in his youth. When Narcissus dresses up as a fictional character, he puts piety, being
and opinion in check. Thus, we will realize that both the comedian, the one who acts on the stage
giving life to someone other than himself, and Narcissus, the one who wears an imaginary being
with a view to vanity, call into question true piety, that which originated in the state of nature,
which, according to Rousseau, each man still has engraved in his heart, as well as the charm of
people for looking like they are not evident. In addition, the installation of a Theater in Geneva,
became the crucial point for these reflections by Rousseau and, among other objectives, to warn
that the opinion (or self-love) was not further exalted through the staging of theater plays: tragedy
and comedy.
Keywords: Rousseau. Comedian. Narcissus. Pity.
O verbete Genebra está inserido, por Rousseau, na Carta a D’Alembert. Ele contém
várias considerações de D’Alembert sobre a cidade de Genebra256: religião, a falta de gosto dos
genebrinos por não terem na cidade um Teatro, as leis que seriam incapazes de corrigir os maus
costumes da juventude, incluindo-se também a licenciosidade dos comediantes, ou seja, dos atores
das companhias de teatro, comuns na Europa, à época . É assim, que o talento e a profissão de
comediante se torna um dos temas que compõe as digressões desenvolvidas por Rousseau na
Carta, levando a uma discussão que chega aos mesmos princípios de sua filosofia, no que se refere
à antropologia filosófica, o pressuposto da bondade natural e a degeneração do homem primitivo,
a qual o teatro se tornara um condutor da mesma.
A problemática do teatro (o teatro clássico francês ou a comédie), lembremos, surge
quando o filósofo D’Alembert257 publica no volume de número VII da Enciclopédie, o verbete
Genebra. Afora os elogios à cidade e seus habitantes, o verdadeiro interesse do acadêmico é o de
que Genebra pudesse à época, comportar um Teatro que pudesse “educar o gosto dos habitantes e
lhes dar uma finura de tato”. Além do que, Genebra se tornaria agradável aos franceses, caso
deixasse de privar-se aos espetáculos, pois se tornaria mais prazerosa aos homens que a ela se
destinassem, como o eram a filosofa e a liberdade do lugar.
Eis o ponto de que Rousseau parte para tratar não só dos males que o teatro traria à
pequena república de Genebra, como para fazer uma verdadeira análise das tragédias e das
comédias, naquilo que estas representaram para os gregos tanto quanto destes mesmos gêneros
nos autores modernos do ponto de vista do enredo e da encenação, o estilo dos autores e a
256
Um dos benefícios que favorecia Genebra era a sua localização, tendo tornado-se um importante centro comercial,
cuja geografia do local beneficiava a economia. “(Sua localização privilegiada fará dela um importante cruzamento
de grandes vias que ligavam os quatro cantos da Europa, ao mesmo tempo que sua bacia hidrográfica possibilitará o
estabelecimento de amplas relações comerciais desde a época romana” (PISSARA, et al., 2006, p. 11)
257
Jean le Ron d’Alembert (1717-1783) fora matemático e filósofo francês, também é o autor do Discurso preliminar
da Enciclopédia do ano 1751. A questão de Rousseau com D’Alembert, dentre outras, se devia ao fato de Rousseau
ser colaborador da Enciclopédia e cidadão de genebrês e não ter sido o escritor do verbete Genebra.
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adequação à realidade e atualidade das peças258; deixando claras as referências aos poetas trágicos
gregos e à Poética de Aristóteles.
Para além destas e outras questões discutidas de forma pormenorizada (como, os
personagens de algumas tragédias e comédias do período, a exemplo do Misantropo de Molière),
o que Rousseau enfatiza em primeiro lugar é a forma como o homem em sua essência, isto é, as
virtudes, os sentimentos, os vícios e as paixões são tratados na cena teatral pelas tragédias e as
comédias, na medida em que ambas não retratam o homem em sua forma real, pois o tornam ou
superior – na tragédia, ou inferior – na comédia naquilo que realmente não são259. Enquanto a
tragédia demonstra poderes que o homem não tem, portanto, superior; a comédia o ridiculariza
por ser virtuoso, logo, o inferioriza; isto influenciaria de maneira direta e indireta o espectador ali
presente, por seu efeito ser momentâneo. Pois, por se tratar da imitação de atos e atitudes que não
condizem com a realidade, em tal caso, em nada reforçam a ideia pedagógica e de correção de
maus costumes, com que pretendiam D’Alembert e Diderot. Pois, nas palavras de Rousseau:
O teatro é um quadro das paixões humanas cujo original está em nossos corações;
mas se o pintor260 não se preocupasse em adular essas paixões, os espectadores
logo iriam embora e não mais quereriam vê-se sob uma luz que os levaria a se
desprezarem a si mesmos (ROUSSEAU, 1993, p.41).
Então, algo que venha distorcer os sentimentos originais que no homem é herança de seu
estado de natureza, tudo muda de direção. Todo o perigo reside aqui, quando o teatro encena os
vícios e as paixões humanas, pois, no pensamento idealizado de Rousseau, os genebrinos seriam
o povo que mais dispõe das atribuições do estado de natureza em meio à civilização. Ademais, na
visão do filósofo, o teatro tem a função de entreter e divertir. Conforme assevera Franklin de
Matos:
O teatro clássico francês, cena ilusionista que separa radicalmente o palco e a
plateia, é o grau máximo de afastamento em relação à unidade da Natureza,
enquanto a festa cívica espartana é a aproximação máxima, pois cada espectador
é ao mesmo tempo ator e, portanto, o próprio espetáculo (MATOS, 1993, p. 12).
258
Rousseau é veemente em afirmar que os espetáculos devem se adequar à realidade de cada povo, por isso mesmo,
uma tragédia grega não teria o mesmo efeito sobre os genebrinos assim como tivera para os gregos. Ou seja, para
cada espaço-tempo, espetáculos adequados. Por isso, a defesa e proposição de Rousseau para que em prevalecesse a
festa cívica em espaço aberto ao invés da cena fechada do teatro.
259
“O grande efeito provocado pela tragédia não é propriamente despertar em nós a piedade, mas lisonjear nosso
amor-próprio, fazendo com que nos acreditemos melhores do que realmente somos [...]. Em outros termos, o que ele
diz é o seguinte: a comédia pretende ensinar a amar a virtude, mas na verdade ensina apenas a temer o ridículo: ora,
o ridículo só pode ser evitado através do vício; portanto, a comédia acaba fazendo exatamente o contrário do que
pretende. Entre a intenção virtuosa do autor (...) e o resultado vicioso da obra, o aparato cômico provoca um desvio
radical de percurso.” (MATOS, 2015, p. 20-21).
260
Essa ideia de Pintor é desenvolvida melhor por Rousseau em Da Imitação Teatral, em que compara os Pintores
com o Poetas, ambos imitam sem de fato possuírem a ideia verdadeira das coisas e conceitos como a possuem o
Artífice e o Filósofo.
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Essa é a tese do libelo rousseauniano. Aqui, é importante ressaltar que Franklin de Matos
estabeleceu uma escala cuja Natureza é a ideia reguladora para a representação, a representação
política e os espetáculos. Como se escala fosse uma régua e a régua a natureza, então, com relação
aos espetáculos, se fosse possível medir nessa escala, o ideal é a festa cívica espartana e o oposto
disso, ou seja, a festa corrompida, o teatro clássico francês. Ou seja, quanto mais próximo o
homem demostrar ações de seu estado de natureza primitivo, mais original será.
Assim, salvaguarda para os genebrinos para não serem ainda mais expostos pela cena
teatral aos danos da corrupção dos costumes e valores está na linha antecessora ao que de mais
capital pode afetar de forma pessoal os cidadãos desta República, a imitação do que não se é, no
que consistiria numa representação nada benéfica tanto para o indivíduo, como para a sociedade,
pois há, no teatro, duas espécies de representação, as coisas representadas – o conteúdo; as cenas
dos personagens representantes, em outras palavras, os personagens que os comediantes levam ao
palco podem influenciar diretamente sobre seu caráter e indiretamente sobre o caráter da plateia.
A defesa de Rousseau é para que tanto o comediante enquanto ator, quanto o espectador, sejam o
mais possível parecido consigo mesmo, íntegro e não queira ser o que não é, porque isso tem uma
implicância notadamente política.
Se o ser e o parecer, o amor de si e o amor-próprio, as paixões humanas e os vícios são
discutidos e analisados do ponto de vista do teatro, outro conceito que vem à tona é a pitié,
sentimento natural no homem, que o teatro faz uma falsa representação. O teatro, além de excitar
os vícios e as virtudes do homem de bem; o amor de si exaltar o amor-próprio, também enfraquece
o verdadeiro sentimento de piedade. Pois, a piedade que o teatro fomenta, não dura para além do
término das peças. A piedade enquanto sentimento natural que dá ao homem e aos animais a
capacidade de se pôr no lugar do outro, de imaginar o sofrimento do outro como se em si fosse, é
reforçada pela encenação apenas artificialmente ou, imediatamente, pois não passa daquele
momento. Se não reforça, o espectador não se torna responsável ou sensível aos fatos encenados.
“Pois”, diz Rousseau, “não somos capazes de nos pôr no lugar de quem de modo algum se parece
conosco” (Rousseau, 1993, p. 42).
A tragédia, seguindo o viés aristotélico da Poética, levaria à compaixão teatral, diz,
Rousseau, mas, que piedade é essa? “Uma emoção passageira e vã, que não dura mais do que a
ilusão que a produziu; um resto de sentimento natural sufocado pelas paixões; uma piedade estéril
que se nutre de algumas lágrimas e nunca produziu o menor ato de humanidade” (Rousseau, 1993,
p. 46). E continua:
Respondo que, mesmo que assim fosse, a maior parte das ações trágicas, sendo
apenas puras fábulas, acontecimentos que sabemos serem da invenção do poeta,
não produzem uma grande impressão sobre os espectadores; de tanto lhes mostrar
que queremos instruí-lo, não os instruímos mais. Respondo também que essas
punições e essas recompensas sempre agem através de meios tão pouco usuais
Página 1137 de 2230
que não esperamos nada de parecido no curso natural das coisas humanas.”
(ROUSSEAU, 1993, p. 49).
Por outro lado, Salinas aponta para o fato de que o narcisismo é posto em cena pela figura
do comediante/ator no momento em que este se traveste de um personagem para expor-se no
palco, podendo ocorrer o mesmo em sociedade.
Ora, narcisista de Jean-Jacques Rousseau realiza o comediante: mascara-se,
traveste-se, brilha pela aparência e vive um personagem, que neste caso, é apenas
uma idealização de si, Ego ideal, eu supervalorizado. O comediante, pondo-se
imaginariamente no lugar de um personagem fictício, busca fazer-se passar por
outro, mas por mero jogo. O narcisista é aquele que usurpa os lugares, que tira o
261
Peça esta escrita por Rousseau aos dezoito anos de idade. A Coleção Os Pensadores, traz apenas o prefácio desta
obra de filósofo.
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Vale ressaltar, que os atores, ou seja, os comediantes foram duramente criticados por sua
profissão e talento, sendo mesmo acusados de licenciosidade e de maus exemplos, sugerindo
D’Alembert que somente leis mais severas poderiam corrigi-los, estendendo-se também à
juventude; a aplicação das leis a eles é falaciosa, porém, sua profissão é mal vista, pelo fato de,
como Valério-Narciso, representarem o que de fato, não são: virtudes que não possuem, paixões
superficiais, “ridicularizar a bondade e a simplicidade”, o que pode, enfim, influenciar a plateia a
imitar em sociedades tais atitudes, por “ter como profissão o talento de enganar os homens, e de
exercer hábitos que, só podendo ser inocentes no teatro, em todos os outros lugares servem apenas
para fazer o mal.” (Rousseau, 1997, p. 92).
Que é o talento do comediante? A arte de imitar, de adotar um caráter diferente
do que se tem, de parecer diferente do que se é, de se apaixonar com serenidade,
de dizer coisas diferentes das que se pensam com tanta naturalidade como se
realmente fossem pensadas, e, enfim, de esquecer seu lugar, de tanto tomar o
lugar do outro. Que é a profissão do comediante? Um ofício pelo qual ele se dá
como espetáculo em troca de dinheiro, de submeter à ignorância e às afrontas de
que se compra o direito de lhe fazer, e põe publicamente sua pessoa à venda.
Desafio a todo homem sincero a dizer se não sente no fundo da alma que nesse
comércio de si mesmo há algo de servil e de baixo. (ROUSSEAU, 1997, p. 92)
Percebemos que em Da Imitação Teatral 262 Rousseau torna mais enfática a discussão.
Pois ao retomar Platão com relação à questão da imitação em relação às ideias e objetos
verdadeiros e sua representação pela pintura, reprodução ou elaboração de um conceito, fica ainda
compreensível o que está em jogo do ponto de vista da cena teatral e dos atores, sendo a ação de
Valério enquanto Narciso, uma consequência. Tanto que Rousseau é enfático em afirmar que o
mesmo princípio adotado por Platão quanto trata da imitação em relação ao mundo das ideias,
deve ser empregado para a representação teatral. Segundo Rousseau:
A cena representa os homens agindo voluntariamente ou por força, estimando
suas ações boas ou más, segundo o bem ou o mal que eles pensam ali haver e
diversamente afetados, por causa delas, de dor ou de volúpia. Ora, pelas razões
que já discutimos, é impossível que o homem deste modo representado esteja
jamais de acordo com ele mesmo; e como a aparência e a realidade dos objetos
de suas ações, segundo estejam afastados ou próximos, conformes ou opostos às
suas paixões; e seus julgamentos, móveis como elas colocam sem cessar em
contradição seus desejos, sua razão, sua vontade e todas as potências de sua alma.
(ROUSSEAU, 1995, p. 10).
262
Esse texto é, segundo Rousseau, um complemento da Carta. Nele, retoma a discussão platônica sobre a imitação
da arte enquanto o artista/pintor está a três graus do objeto verdadeiro. Rousseau pede que se aplique a mesma ideia
de Platão, no livro X da República ao Teatro, enquanto arte imitativa das paixões humanas.
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O ser humano com o passar do tempo e os passos dados no social o faze se perder dentro
de um mundo paralelo de falas e atos, supostamente artificiais, e mesmo dentro desse ambiente,
dito “real”, verifica-se a perda da virtude. As letras e as artes, e até mesmo a política existem agora
para que as pessoas evitem males piores.
A representação ou imitação seja teatral, seja sobre o artista que escreve fabulações com
vista a agradar ao público, seja para o indivíduo que quer ser outro, tem suas raízes gregas e
Rousseau atualiza no século XVIII. Como um dos grandes temas em sua filosofia, reverbera
diretamente em outros conceitos como a piedade e o amor de si, pois, são diretamente opostos à
representação.
REFERÊNCIAS
DENT, N.J.H, Dicionário de Rousseau. Tradução: Álvaro Cabral. Editora Jorge Zahar, Rio de
Janeiro, 1996.
Página 1140 de 2230
FORTES, Luis Roberto Salinas. Teatro e Narcisismo. In: Paradoxo do Espetáculo: política e
poética em Rousseau. São Paulo: Discurso editorial, 1997.
MATOS, Franklin de. Introdução: teatro e amor-próprio. In: Carta a D’ Alembert sobre os
Espetáculos. 2ª Edição. Tradução: Roberto Leal Ferreira. Campinas, São Paulo: Editora da
Unicamp, 2015.
NASCIMENTO, Milton Meira do. A farsa da representação política. São Paulo: Discurso
Editorial, 2016.
Resumo: Nos estudos de perspectivas feministas, tem-se direcionado o holofote à produção crítica
das dimensões de poder, cujo sistema enfatiza a dominação via aspectos sexológicos presentes nas
relações socioculturais, logo, na construção da consciência (ESTEBAN 2010). Em linhas gerais,
evidenciam denúncias quanto a falta de liberdade das mulheres em se expressarem sem que sejam
subjugadas na esfera da opressão masculina dominante. Esse arcabouço teórico centrado nas
diferenças sexuais tem sido questionado, a partir de perspectiva que valorizam as experiências
“nativas” ou princípios do pan-africanismo, desenvolvendo diferentes conceitos analíticos como:
amefricanidade (GONZALEZ, 1998), feminismo negro (CARNEIRO, 2001; RIBEIRO, 2018),
mulherismo africana (HUDSON-WEEMS, 2012), dentre outros. Esse novo modo de pensar as
relações de gênero, compreende o racismo como eixo estruturador das relações sociais. São os
estudos afrocêntricos e decoloniais, ancorados no território da teoria Pós-Crítica, que vem sendo
utilizado na análise das experiências de mulheres afrodescendentes, reinventando metodologias
de investigação que se afastam da padronização existente em perspectivas que tentam replicar a
mesma metodologia para diferentes objetos de estudo. É a partir da análise do Projeto de Pesquisa:
Mulheres Afrodescendentes no Magistério Superior: vozes epistêmicas (MafroEduc), criado em
2017, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA), que discutimos as possibilidades de construção teórica e metodológica dos
estudos afrodecoloniais a partir dos princípios da afrocentricidade (ASANTE, 2009) e
Decolonialidade (GROSFOGUEL, 2010; 2016). O estudo tem centralidade nas epistemologias de
mulheres afrodescedentes professoras universitárias e tem como resultado a produção de práticas
e reflexões educativas em redes interculturais, mediante a crítica aos saberes hegemônicos,
alicerçando novos olhares na ótica das mulheres afrodescendentes. São desenvolvidos estudos que
fazem arqueologia das memórias de gênero, raça, sexualidade ampliando as produções para, de e
com mulheres negras, além de possibilitar a criação de novas e possíveis linguagens
metodológicas crítico-reflexivas e contra-hegemônicas que priorizam os estudos latinos,
africanos, femininos e, de modo interdisciplinar, articulam áreas como a Música, Psicologia,
Direito, Pedagogia e Tecnologias.
Palavras-chave: Estudos Afrodecoloniais; MafroEduc; Produção do Conhecimento; Movimento
contra-hegemônico.
Abstract: The feminist perspective studies have been put spotlight in a critical production about
social power dimensions whose system emphasizes domination by sexual aspects existing in
social and cultural relationships, therefore, in conscious construction (ESTEBAN, 2010).
Basically, this studies put in evidence a complaint that talks about restriction of women liberty to
express themselves without be submitted by a oppressive masculine domination context. This
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theoretical structure, focused in sexual differences has been questioned, based in another
perspective that values “natives” experiences , or, pan-africanism elements developing some
concepts, for example: Amefricanity (GONZALEZ,1998) , Black feminism (CARNEIRO, 2001;
RIBEIRO, 2018), Africana womanism (HUDSON-WEEMS, 2012) and others. This new way to
think about gender relationships understands racism like a axis that structure social relationships.
The Afrocentric and decolonial studies, grounded in post critical theoretical territory have been
uses in black women experiences’ analysis, recreating investigation methodologies that depart
existing patterns in research perspectives that tries to apply a same methodology in many different
study objects. The authors discuss theoretical and methodological construction possibilities of
decolonial studies based in elements how Afrocentricity (ASANTE, 2009) and decoloniality
(GROSFOGUEL, 2010; 2016) by Research Project: Afrodescendant Women University Female
Professors: epistemic voices (MafroEduc), analysis. It was created in 2017 and has attachment
which Maranhão's Federal University Education Postgraduate (UFMA), focusing its studies in
epistemologies which treat about Afrodescendant women university professors and presents as
result educational practices ans reflections in a intercultural network, building new viewpoints
about Afrodescendant women conceptions. In this research project has been developed studies
which produce a gender, race and sexuality memory archaeology, raising academical and
theoretical production of, to and with black women, as soon, making possible the creation of new
and realizable methodological languages of critical-reflective and counter-hegemonic speech that
prioritize Latin studies, African studies, female studies, articulating areas how Music, Psychology,
Law, Pedagogy and Technologies in a interdisciplinary way.
Keywords: Afrodecolonial Studies; MafroEduc; Knowledge Production; Counter-Hegemonic
Movement.
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entre os homens. É um convite para análise de relações sociais e das distribuições dos agentes nos
espaços sociais estruturados via opressões e determinações sobre o outro via diferenças sexuais,
raciais, de classe, geração, dentre outras. Nessa ótica, discutiremos:
a) as contribuições dos estudos pan-africanos, cuja inspiração vem produzindo
conhecimento e prática em relação a mulher e a sociedade negra e o seu modo de
positivar a construção dos saberes históricos, filosóficos, econômicos da humanidade e
suas consequências nas opressões geradas pelo racismo, em África, nas Américas,
viventes do processo colonizador, e em outras partes do globo.
b) As contribuições de algumas formas de pensamentos alimentadas pelo movimento pan-
africano, a exemplo dos estudos sobre: Amefricanidade, Feminismo Negro e
Mulherismo Africana, que ampliam os estudos feministas tornando-os afrodecoloniais,
considerando as experiências afrodiaspóricas, a coletividade na negritude e sua
importância no debate atual.
Essa primeira geração de pensamento Pan-Africano travou uma luta pela formação
comunal dos negros contra os impactos do colonialismo, racismo e imperialismo europeu. A
segunda geração, formada a partir de 1920, apresenta heterogeneidade de pensamentos sobre as
relações do escravagismo com a construção do estado moderno. O liberalismo capitalista, ao lado
do debate marxista da época, secundarizavam as questões vinculadas aos problemas da
discriminação racial. Cheikh Anta Diop (1923-1986) surge com produção acadêmica africanista
entre os principais pensadores.
do Brasil sob um viés totalmente branco e europeu, que tangencia toda/os as/os representantes que
lhes indiquem o contrário (pessoas negras) e afirma a inexistência de um processo racializador
opressivo (racismo – democracia racial). O contrário disso, o país é uma América Africanizada.
As manifestações culturais de África geraram mudanças profundas na forma como os
agentes, que hoje habitam países da América caribenha e Brasil, se comunicam. Gonzalez (1988b)
aponta que, nesse primeiro local, as línguas inglesa, francesa e espanhola passaram por mudanças
devido as inserções feitas pelas linguagens africanas. Da mesma forma, no Brasil, essa dinâmica
foi registrada com o uso do “pretoguês”, “que nada mais é do que marca de africanização do
português falado no Brasil” (GONZALEZ, 1988b, p.70, grifos nossos), afinal, pretos eram os
escravos africanos e os nascidos em terras brasileiras eram “crioulos”.
Outras experiências como a dança, a comida, as crenças, as religiosidades, também são
mascaradas pelo apelo do branqueamento com adjetivações do tipo: populares, nacionais, típicas.
Esse ato performativo minimiza a importância significativa da participação da negritude na
formação social desses países (GONZALEZ, 1988b).
Adiante, Gonzalez (1988b) entende que o racismo se apresenta sobre os moldes da
colonização de duas formas. A primeira, característica de colonizadores, como Holanda,
Alemanha e Populações anglo-saxônicas, vem da manutenção da pureza branca (apesar da
evidência de estupros). Nessa ótica, são segregados aqueles cujo sangue tem traços da negritude,
mantendo a separação de corpos negros de não negros nesses espaços. A segunda, própria da
América latina, reconhece o racismo disfarçado, ou racismo por denegação que, influenciado pelas
ideias de miscigenação, assimilação e democracia racial, acobertam a lógica de opressão e
manutenção da superioridade branca evidente, esquecendo-se que temos muito mais uma América
de índios (ameríndia) e africanos/as (amefricana) eurocentrados pelo imperialismo colonial.
O racismo latino-americano apresenta um nível apurado de sofisticação, mantido sobre
uma ideia de branqueamento e hegemonia do pensamento europeu. Com isso, povos negros e
indígenas são postos e mantidos sobre uma condição de populações subalternas na estrutura social,
classes exploradas. Esse discurso é reforçado pelas mídias, literatura, educação, com autoridade
eminente para afirmar aquilo que é representado pelo branco. Isto cria um sistema de valorização
eurocêntrica, no qual a cultura negra e indígena não tem potência de alcance.
A única verdade aceitável para o Ocidente é a branquitude. Uma vez fortalecida, esta lógica
estraçalha, enfraquece e alija a identidade racial, produzindo uma consciência coletiva de
embranquecimento, expressa na transformação das características originárias (cabelo, olhos, boca,
nariz), na inserção dos sistemas de crenças (religiões ocidentais) e, por fim, na negação se si
próprio, pela negação da própria raça e cultura.
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e idealização da África, e, na mesma medida, volta o olhar para as/os amefricanas/os e sua
realidade.
Nessa direção, o feminismo negro, ao tratar das condições das mulheres negras, corpos
violentados no processo de exploração de trabalhos forçados, denuncia relações desumanizadoras
e de manutenção do controle pelo medo, denuncia identidades alicerçadas sob o mito da
democracia racial, fortalecendo assim, os argumentos posteriormente apresentados sobre a
necessidade de um feminismo enegrecido.
Às mulheres negras foi negado lugar institucionalizado de luta contra sua desumanização,
contra a coisificação de seu corpo que se tornou alvo do erotismo e dos estupros romantizados.
Afinal, a violência sexual perpetrada às mulheres negras também é liga da hierarquização de
gênero e raça existente na sociedade brasileira (CARNEIRO, 2011).
Esses elementos diferenciam-se daqueles protagonizadas pelas mulheres brancas. As
identidades das mulheres não podem ser refletida com o mesmo espelho. Quando tratamos da
questão da fragilidade e delicadeza feminina, o corpo negro não se enquadra porque sua história
retrata séculos de trabalhos forçados e violações sobre o corpo, depois, trabalho casas brancas e
nas ruas vendendo quitutes, não sendo, portanto, tratadas como frágeis. Hoje, a lógica de trabalho
doméstico e manutenção do próprio lar se mantém no cotidiano de muitas. Como regra social,
assumem, majoritariamente, trabalhos sem prestígio social e com vulnerabilidade às múltiplas
violências.
Seus traços físicos foram e continuam sendo reforçados como feios e indesejáveis,
contraditoriamente, para satisfação sexual, seu corpo é lugar de performance quente e submissa a
qualquer desejo do parceiro, ou de erotização como produto de exportação para prostituição e
exposição. Essa recusa pela aparência desdobra-se na negação de suas capacidades intelectuais,
destinando-lhes os cargos subalternos, o assédio no ambiente de trabalho e as disparidades nos
ganhos salariais (CARNEIRO, 2011).
O feminismo não pode ficar centrado apenas na lógica que questiona a supremacia
masculina, nesse sentido:
Saberes discentes:
concepções de Sexualidade Simone Cristina Silva
Dissertação 2018-2020
e Gênero no curso de Simões
Pedagogia UFMA - Codó
Políticas educacionais e
transversalidade de Gênero
Dissertação Ana Carla de Melo Almeida 2018-2020
na inclusão de mulheres no
mercado de trabalho.
Perspectivas de professoras
afrodescendentes no Glaucia Santana Silva
Dissertação 2019-2021
magistério superior da Padilha
UFMA
Educação e Sexualidade da
mulher negra escravizada
Dissertação no Brasil: o que dizem as Mariana Fernandes Brito 2019-2021
representações femininas na
historiografia brasileira?
Compositoras Maranhenses
Dissertação Fernanda Silva da Costa 2019-2021
afrodescendentes
LA FRONTERA:
Professoras
Glaucia Santana Silva
TCC Afrodescendentes no 2019
Padilha
Magistério Superior da
UFMA
A ESTRADA: professoras
afrodescendentes
TCC universitárias entrecruzam e Walquíria Costa Pereira 2019
entrelaçam memórias de
resistências
As identidades étnico
Samyra do Nascimento
Iniciação Científica raciais de professoras 2018-2019
Moraes Gomes
afrodescendentes na UFMA
Arqueologia de resistência
Iniciação Científica de memórias femininas aos Thays Coelho França 2018-2019
sistemas de poder
Práticas educativas de
mulheres professoras
Glaucia Santana Silva
Iniciação Científica afrodescendentes no 2018-2019
Padilha
magistério superior na
UFMA
Pedagogias afrocentradas na
Alexia Tomásia Ferreira
Iniciação Científica prática de professoras 2019-atual
Cavalcante
afrodescendentes
Professoras
afrodescendentes Vitória Raíssa Holanda da
Iniciação Científica 2019-atual
universitárias em Silva
movimento
Considerações
A Amefricanidade, proposta por Gonzalez (1988b) vem refletir acerca das interferências
dos povos africanos trazidos as Américas nos período de escravização, como a linguagem, e a
relevância de se pensar essas similaridades dessas pessoas negras das Américas; O feminismo
negro, que nessa discussão foi pensado a partir de Carneiro (2011), pensando o movimento no
Brasil e o Mulherismo Africana, pensado por Hudson-Weems (2012), voltado para uma ideia de
construção social dos povos negros africanos, que pensa a coletividade, a mulher enquanto agente
ativo e relevante na estrutura social e importância de retomada desse lugar.
Ao longo de seus quatro anos de existência, o Projeto MafroEduc vem buscando olhar para
a mulher compreendendo suas experiências, especialmente nas práticas de magistério superior,
considerando tanto as estratégias de opressão social, mas também na hegemonia branca e
masculina existente no ambiente universitário. A fim de ampliar seus debates, vem buscando nos
estudos decoloniais desconstruir a perspectiva eurocentrada ainda evidente na formação
acadêmica. Desta forma, as produções apresentadas evidenciam os resultados desse processo de
descolonização das mentes, produzindo para, com e a partir das negritudes, pautando na
construção de uma epistemologia afrocentrada e uma metodologia pós-crítica, de diálogo
constante com a pesquisa e suas/seus participantes.
Referências
BARBOSA, Muryatan Santana Barbosa. Pan-africanismo e teoria social: uma herança crítica.
África, São Paulo, v. 31-32, p. 135-155, 2011/2012.
FREIRE, Simone. 79 anos sem Marcus Garvin. Entenda seu legado. Alma Preta, São Paulo,
jun., 2019. Seção Realidade. Disponível em: https://www.almapreta.com/editorias/realidade/79-
anos-sem-marcus-mosiah-garvey-entenda-seu-legado. Acesso em 24 de jan. de 2020.
MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e Educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes;
FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (ORG.). Corpo, Gênero e Sexualidade: um
debate contemporâneo na Educação. 7 a edição. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 2011.
Página 1156 de 2230
Resumo: Objetiva-se apresentar a relação entre ética e dignidade humana no pensamento prático
kantiano, uma vez que para Kant o estabelecimento de um princípio puro da ética, livre de toda
influência empírica, figura como um fundamento sólido e consistente, para tratar o homem sobre
uma perspectiva universal, a saber, a da humanidade, sendo esta, bem como a moralidade as únicas
realidades que têm dignidade, pois o homem, como ser racional, existindo como fim em si mesmo,
isto é, como pessoa, cumpre sua finalidade, que é ser em si mesmo humano e sujeito moral,
independente de qualquer coerção externa. Para tanto, pautar-se-á a referida abordagem na análise
crítico-interpretativa da obra Fundamentação da metafisica dos costumes.
Palavras-chave: Kant. Dignidade. Moralidade. Pessoa. Humanidade
Abstract: The objective is to present the relationship between ethics and human dignity in
practical Kantian thought, since for Kant the establishment of a pure principle of ethics, free from
all empirical influence, appears as a solid and consistent foundation, to treat man on a universal
perspective, namely, that of humanity, being this, as well as morality the only realities that have
dignity, because man, as a rational being, existing as an end in himself, that is, as a person, fulfills
his purpose , which is in itself human and moral subject, independent of any external coercion. To
this end, this approach will be guided by the critical-interpretative analysis of the work
Foundations of the metaphysics of customs.
Keywords: Kant. Dignity. Morality. Person. Humanity
Introdução
O trajeto ético percorrido por Kant para chegar ao estabelecimento de uma compreensão e
consolidação da Dignidade Humana (como veremos ao longo desta comunicação) se dá,
primeiramente, na busca pelo conceito de dever fora da experiência, ou seja, no estabelecimento
de uma lei universal legisladora na esfera da própria razão que ordena a ação humana (esse projeto
ético-moral é inovador a partir de Kant). A dignidade humana não é um conceito empírico, pois a
experiência humana não fornece um aparato universal, dada as suas contingências, essa clareza é
trazida na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (de 1785). Como justifica Kant (2007, p.
40): “Na realidade, é absolutamente impossível encontrar na experiência com perfeita certeza um
único caso em que a máxima de uma acção, de resto conforme ao dever, se tenha baseado
puramente em motivos morais e na representação do dever”.
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isso, a vontade livre é sustentada pela ideia da lei moral, onde não cabe o atributo mimético como
fundamento da ação. Por esse motivo, os exemplos não servem como regra universal para a
humanidade, segundo os critérios elencados pelo filósofo, dentre outras coisas, porque aquilo que
é proveniente da experiência possui um alcance subjetivo e contingente. Se o exemplo tem alguma
utilidade e/ou função, será, nesse caso, apenas o de encorajar. Assim, do ponto de vista intelectivo,
faz-se necessário a investigação em torno do princípio capaz de fundamentar a ação moral.
A abordagem é única e exclusivamente de uma fundamentação da metafísica dos costumes,
isto é, do estabelecimento dos princípios racionais puros que orientam a ética kantiana. Em síntese:
[...] a pura representação do dever e em geral da lei moral, que não anda misturada com
nenhum acrescento de estímulos empíricos, tem sobre o coração humano, por intermédio
exclusivo da razão (que só então se dá conta que por si mesma também pode ser prática),
uma influência muito mais poderosa do que todos os outros móbiles que se possam ir
buscar ao campo empírico. (KANT, 2007, p. 46).
Os imperativos como ordem (dever) podem ser hipotéticos ou categóricos. São hipotéticos
os imperativos que estão no campo da ação possível, uma projeção dada aos critérios de ordem
como meio para chegar a um fim pretendido na esfera do querer. A título de exemplo, se o querer
ordena determinada ação, existe uma ordem hipotética que formula o meio de obter a necessidade
pretendida, então, necessariamente ele está correlacionado ao caráter finalístico de uma ação
desejada. O imperativo categórico não carrega a dimensão da finalidade da ação por ser necessário
em si mesmo; o dever, nesse viés, é uma ordem a ser cumprida e realizada, independente de
qualquer relação circunstancial.
Crendo na impossibilidade de eleger máximas universais advindas da experiência, como
fórmula deontológica, é fundamental que o caráter apodítico do imperativo categórico seja
evidenciado, pois este, independente das contingências e da realização do querer, determina a
vontade através do dever de alcançar o bem em si. Quanto à sua formulação, Kant elenca três das
quais se concretiza e fundamenta o princípio determinante da vontade e, por assim dizer, a própria
dignidade moral e humana. Esta é uma pretensão concreta e audaciosa da ética apresentada pelo
filósofo transcendental, visto entender a autonomia como elemento fundante da humanidade ética
(moral).
De acordo com Kant (2007, p. 59), há apenas um único imperativo categórico:
Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne
lei universal. De sorte, dele demais imperativos podem ser exprimidos: ‘age como se
máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza.
devem ser respeitados e valorizados por aquilo que são e não como meio para uma determinada
demanda. O homem não pode ser visto simplesmente como meio, tampouco sua dignidade pode
ser evidenciada por fatores empíricos, isto é, pela sua situação social, econômica, credo e tantas
outras que outrora segregavam os indivíduos.
Em Kant (2007, p. 77), “aquilo, porém, que constitui a condição só graças à qual qualquer
coisa pode ser um fim em si mesmo, não tem somente um valor relativo, isto é um preço, mas um
valor íntimo, isto é dignidade”. Torna-se evidente que a humanidade e a moralidade para o
pensamento kantiano são as únicas realidades que têm dignidade, pois o homem cumpre sua
finalidade, que é ser em si mesmo humano e sujeito moral, independente de qualquer coerção
externa. Como o ser racional existe com um fim em si mesmo, denomina-se pessoa.
O ápice de toda a fundamentação metafísica dos costumes exposta por Kant (2007, p. 79),
colocando o homem como um fim em si mesmo, é a ideia de autonomia, que “é, pois, o
fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional”. Por essa ideia, uma
vontade de tal forma submetida à lei, isto é, uma vontade incondicional, que exclua de si todos os
interesses e que se autodetermine, deve ser considerada como autolegisladora, como autora da lei.
Esse princípio é o da autonomia da vontade.
Conclusão
Tendo estabelecido as bases para a dignidade humana a partir da Fundamentação da
metafísica dos costumes, através da autonomia da vontade, ou seja, de uma vontade
autolegisladora, que se reconhece naquilo que a razão ordena, Kant, em sua Doutrina do Direito,
estabelece no plano jurídico a pessoa humana enquanto instância garantidora de Direitos.
O que aparecerá no cenário da segunda metade do século XX (pós segunda guerra mundial)
é a unidade, evidenciada por Kant, em dignidade humana e direito da pessoa humana, ou seja,
uma máxima moral dada por princípios universais respaldadas deontologicamente pelo direito.
Conferir uma dignidade humana é apresentar do ponto de vista jurídico a exclusão das hostilidades
vividas pela esfera global, respaldando um cenário de paz pela via do direito baseado na
hospitalidade universal.
Tendo realizado o percurso aqui apresentado, a partir da Fundamentação da Metafísica
dos Costumes – obra que antecedendo a Metafísica dos costumes e, por conseguinte, a Doutrina
da Virtude, destina-se a exposição dos fundamentos a priori da ética –, à guisa da sistematização
do conceito de “dignidade humana” utilizado por Kant, fechar-se-á o corolário pacifista, que pauta
seu projeto de paz eterna por meio da Doutrina do Direito. Com isso, estabelece-se no campo
ético a fundamentação para um princípio que se serve de um imperativo categórico, o qual está
fundamentado na dignidade da pessoa humana.
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Referências
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Edições 70, Ltda. Tradução
Paulo Quintela. 2007.
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Abstract: Recently, a reduction of the discourse in dialogues and debates is perceived that result
daily in misunderstandings that serve to propagate hatred, above all, in the poles of the political
sphere. The objective of this paper is to analyze the way in which this process simultaneously
makes us victims and executioners of the act of communicating and how language adapts to this
phenomenon based on the works of the philosopher Jean-Jacques Rousseau who reflects on the
origin of Language as well as well as other thinkers, like Márcia Tiburi, who reflect on the
probable destiny of the same.
Keywords: Philosophy; Language; Source; Truth; Rousseau.
INTRODUÇÃO:
As reflexões acerca da linguagem, sua origem e evolução mantêm-se sempre atuais,
uma vez que é um processo que marca e acompanha a evolução humana pois é a partir dela, da
Linguagem, que o ser humano passa a comunicar-se com o próximo e, somente assim, tornou-se
possível a vida em sociedade. Atrelada a essa temática, surge também a questão da verdade
proferida pelos discursos (ou não).
No século das Luzes, o filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau fomenta sua teoria
da Linguagem na obra Ensaio sobre a origem das línguas, onde ele expôs o que impulsionou o
homem a se comunicar. Percebe-se, então que, para Rousseau, não foram as necessidades que
fizeram o homem estabelecer a comunicação com seu próximo, como se pensou antes dele e até
264
Doutor em Filosofia (PUC-SP). Professor do Departamento de Filosofia da UFMA.
265
Mestra em Cultura e Sociedade (UFMA). Professora de Linguagens, códigos e suas tecnologias (SESI).
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mesmo tempos depois, mas sim as paixões, as emoções, os sentidos. O despertar da língua não
surgiu através das necessidades, mas das paixões, e são estes sentimentos que evidenciam gestos
e códigos que desembocam na comunicação que não se restringe apenas às palavras. Segundo
Rousseau, é através
dos sentidos que se desenvolveu a primeira forma de comunicação. “A palavra distingue os
homens dos animais; a linguagem as nações entre si – não se sabe de onde é um homem antes de
ter ele falado” (ROUSSEAU, 1978. p. 159). Antes de existir a fala, o homem não tinha consciência
de si mesmo, ele passa a ter essa consciência a partir do reconhecimento do outro. Ele precisou do
outro, de seu próximo, para construir moradias, para fixar grupos que favorecessem sua
sobrevivência, e é dessa relação com o outro que surgem as paixões. Das paixões, surge a
necessidade de conhecimento que leva o homem ao progresso. Esse progresso não é bem visto por
Rousseau, porque, nele, o homem não desenvolve suas virtudes, mas sim a indiferença e o egoísmo
em relação ao seu próximo. Neste ponto, a ideia de imaginação tem um papel importante para
elucidar as reflexões de Rousseau, porque também é através dela que, segundo o genebrino, que
chegou-se à razão. Ao ver o outro numa situação de perigo, o homem imagina-se no lugar dele,
chegando até a sentir piedade de seu próximo, mas instintivamente põe-se em fuga, pois ainda não
há o reconhecimento de si pelo outro.
Rousseau anuncia, de forma geral, o que viria a ser a sua filosofia política, as questões
morais, educacionais e de caráter memorialístico ao qual lhe asseguraria lugar entre os grandes
pensadores de todos os tempos. Jean-Jacques faz um alerta de como a linguagem humana se
“desenvolverá” ou “desenrolará” desde sua origem, apontando que a “evolução” da linguagem
está associada às transformações do homem e da sociedade.
problema do tempo, da saída do estado de natureza, do devir e da aparência, como a história das
línguas.
Segundo o genebrino, o homem era independente antes de estabelecer qualquer vínculo
com o próximo, o que delimitava a distância entre o estado de natureza e a vida em sociedade. A
linguagem permitiu que a vida em continuidade fosse possível e, sem ela, os homens
fizeram os homens falar foram paixões, suas primeiras expressões foram tropos. [...] A
princípio só se falou pela poesia, só muito tempo depois é que se tratou de raciocinar”.
Em A transparência e o Obstáculo, Jean Starobinski afirma a importância da reflexão
sobre a linguagem desenvolvida por Rousseau, tal reflexão ocupa um lugar relevante na vida e
obra do genebrino. Pois, de um lado, sua teoria leva em conta a história da sociedade e também
leva em consideração a educação do homem moderno e a investigação do problema da
comunicação, “a escolha dos meios de expressão preocupa em Rousseau o músico, o artista, o
romancista e, no supremo grau, o autobiógrafo” (STAROBINSKI, 2011, p. 409).
Jacques Derrida, em sua obra Gramatologia assegura que o Discurso sobre a
desigualdade quer “marcar o começo”, por isso aguça e radicaliza os traços primeiros
Para Rousseau, linguagem e sociedade estão tão ligadas que, admite-se que o homem
de não sociável tornou-se sociável, é preciso igualmente conjecturar que o homem, de não falante,
tornou-se falante. A linguagem, por sua vez, não é uma faculdade que o homem soube exercer de
imediato, foi necessário um longo processo de aperfeiçoamento. Assim como a “instituição
social”, a linguagem é um efeito tardio de uma faculdade primitiva, neste caso, é o resultado de
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Assim, a origem das línguas é, para Rousseau, uma das questões mais essenciais para
se compreender a formação da sociedade. Na trajetória da humanidade, a linguagem ganha forma
e se torna algo necessário para o homem social.
As redes permitem que o usuário acompanhe as notícias e se faça notícia, tal qual o seu
gosto, naquela “exposição de máscaras” em que as pessoas “pintam-se” como querem ser vistas,
mencionada por Rousseau no século XVIII ao se referir aos salões parisienses. Tudo em nome da
inserção num meio, de um status que as possa inserir no ambiente a que se aspira e, para isso, não
podendo ser elas próprias, representam, criando personagens para si a fim de agradar a outrem.
O amor a si mesmo, que só a nós diz respeito, satisfaz-se quando nossas necessidades
estão satisfeitas; mas o amor-próprio, que se compara, nunca está satisfeito e não poderia
estar, porque tal sentimento, em nos preferindo aos outros, exige também que os outros
nos prefiram a eles; o que é impossível (ROUSSEAU, 1989, p.236-237).
“fake news”.
O historiador Robert Darnton conta que as notícias falsas são relatadas desde a Idade
Antiga, do século VI: “Procópio foi um historiador bizantino do século VI famoso por escrever a
história do império de Justiniano. Mas ele também escreveu um texto secreto, chamado
“Anekdota”, e ali ele espalhou “fake news”, arruinando completamente a reputação do imperador
Justiniano e de outros. Era bem similar ao que aconteceu na campanha eleitoral americana”, diz
Robert Darnton ao jornal Folha de São Paulo.
Em 2016, o mundo estava “de olho” nas eleições presidenciais dos Estados Unidos,
quando notícias falsas foram disseminadas sobre os dois candidatos mais populares: o republicano
Donald Trump, eleito naquele ano, e a democrata Hillary Clinton. No monitoramento de notícias
falsas, os economistas Hunt Allcott e Matthew Gentzkow concluíram que as postagens pró-Trump
foram compartilhadas 30 milhões de vezes, enquanto as pró-Hillary 8 milhões. Naquele mesmo
ano deu-se o início da “era da pós verdade”, ou seja, o início de um período em que os fatos são
cada vez mais desvalorizados, enquanto que as paixões e as crenças ganham força. Para Francisco
Rozales, no texto Pós verdade, a era da mentira:
as sociedades, deslumbradas com o discurso e com a propaganda, deixam de lado a
verificação e a análise dos fatos, para, mansamente, aceitar como
Segundo Rozales, com a necessidade de voltar ao culto dos princípios e normas como a
honestidade e a verdade, a sociedade universal – agora tão integrada – deverá rejeitar e condenar
o engano e a mentira – a pós-verdade –, que facilitam a proliferação dos regimes autoritários e
corruptos. E também as práticas privadas, cujo único objetivo é o dinheiro, sem reparar nos meios
utilizados para obtê-lo.
Em 2018, o Brasil mergulhou na proliferação de notícias falsas, que ganharam impulso
durante a eleição presidencial. Muitos brasileiros só passaram a ter conhecimento do termo “fake
news” durante as eleições. A rede social que protagonizou a disseminação de notícias falsas foi o
Whatsapp. Em especial, a campanha de Jair Bolsonaro destacou-se pela utilização de notícias
falsas nessa rede social, como a notícia sobre um ‘kit gay’ supostamente distribuído pelo MEC
sob o comando do partido da oposição.
Nunca o ódio, a mentira (considerados paixões pelo cidadão de Genebra) e o
desrespeito ao próximo estiveram tão em evidência na história brasileira. Os discursos estão sendo
estruturados para fazer da destruição o seu fim, todavia, como bem pontua Márcia Tiburi em seu
texto Consumismo da linguagem: sobre o rebaixamento dos discursos afirma: “O processo das
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brigas entre partidários, candidatos, ou desafetos em geral, é inútil do ponto de vista de avanços políticos
e sociais, mas não é inútil a quem deseja apenas o envenenamento e a destruição social” (TIBURI, p.1,
2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
genebrino. Após isso, analisou-se a atual situação do caminho que a vida em sociedade tem
ofertado à linguagem através do fenômeno das “fake news”.
REFERÊNCIAS:
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
(Coleção Os Pensadores).
DARTON, Robert – entrevista Folha de S. Paulo; “Fake news viraram um grande negócio”.
2017. Disponível em: htps://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-
falsas-existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml. Acesso em:
01/02/2020.
MERELES, Carla; MORAES, Isabela. Notícias falsas e pós-verdade: o mundo das fake news
e da (des)informação (2017). Disponível em: https://www.politize.com.br/noticias-falsas-pos-
verdade/. Acesso em: 01/02/2020.
Página 1169 de 2230
ROZALES, Francisco. Pós verdade, a era da mentira. Revista Uno. número 27.
2017.Disponívelem:https://www.revista-uno.com.br/wp-
ontent/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf.
https://revistacult.uol.com.br/home/consumismo-da-linguagem-sobre-o-rebaixamento-dos-
discursos/ Acesso em: 01/02/2020.
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Abstract: Reflections on geographical space have permeated societies of different eras and
cultures, since man has always carried with him the need to know and explore the space in which
he lives and withdraws his subsistence. It was during the Renaissance, from the incipient studies
on the description of the shapes present on the surface of the earth that the first ideas of what
would later be called traditional geography arise. Concomitant with this Traditional Geography, a
branch of geographic studies was developed, namely, Cultural Geography, based on
phenomenology, which seeks to value the experiences of man and social groups with the lived
world and its relationship with space. This paper seeks to present the main epistemological
concepts that serve as the basis for the Humanist Cultural Geography, emphasizing the ideas of
the authors considered as pillars of this geographical aspect. For this purpose it will be used the
bibliographical research of the themes and authors related to the subject. Given this, we understand
that understanding the space, the landscape, the place from the perceptions, that is, in order to
express feelings and values, is still a challenge. However, we believe that through the debates and
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discussions on the subject new qualities will be developed and the horizons of this form of
knowledge that is based on the subject's sensitivity to his own understanding will be broadened.
Keywords: Cultural Humanist Geography. Phenomenology. Lived World. Space.
1 INTRODUÇÃO
Na verdade, só estranhei até agora o silêncio da casa – uma velha
casa de família, que lembra muito a meia-morada que deixei em
São Luís, cenário sempre lembrado de minha infância e juventude,
como a mesma sala de visitas, a mesma alcova, a mesma sala de
jantar, dois quartos de correr, banheiro, cozinha ampla, e ainda
uma nesga de quintal cimentado, com um tanque de lavar, um
limoeiro e um banco de pedra.
(Josué Montello – Um rosto de menina)
[...] a Geografia Humanista é definida por bases teóricas nas quais são ressaltadas e
valorizadas as experiências, os sentimentos, a intuição, a intersubjetividade e a
compreensão das pessoas sobre o meio ambiente que habitam, buscando compreender e
valorizar esses aspectos.
topofilia e topofobia. Por fim, será tratado sobre o geógrafo canadense Edward Relph e seus
conceitos sobre lugar e lugares sem-lugaridade.
e/ou desenvolvida entre o ser humano e esses espaços íntimos ligados a ela; nos apresentando
como isso contribui para o desenvolvimento de nossa subjetividade.
Para atingir isso, inicialmente, o filósofo apresenta uma concepção de imagem e
imaginação-imagem poética. Desse modo, para explicar essa imagem poética filosoficamente, ele
garante que isso só seria possível através da fenomenologia da imaginação, que resumidamente
seria: “[...] um estudo do fenômeno da imagem poética quando a imagem emerge na consciência
como produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade”
(BACHELARD, 2008, p. 2).
Assim, amparado seus estudos sobre o espaço, especificamente a primeira casa - a da
infância- Bachelard nos mostra a influência da nossa casa na constituição da nossa subjetividade,
analisando diferentes tipos de casas e recantos dessa casa (ninho, concha, porão, sótão, armários,
gavetas, entre outros) mostrando seus diferentes significados, que a priori seriam somente espaços
geométricos, frios e calculados. Portanto, a casa:
Para sustentar suas teorias, o filósofo cunha alguns termos e se apropria de alguns métodos
científicos. No que diz respeito ao primeiro, ele cunha o termo topofilia266 e topoanálise267; no
tocante ao segundo, ele se apropria da fenomenologia, especificamente, do método
fenomenológico. Logo, a casa é a forma que Bachelard encontra de personificar suas teorias em
relação aos espaços íntimos, como podemos perceber no excerto supracitado - utilizando o método
fenomenológico no intuito de atestar essas suas ideias. Assim, em A poética do espaço, os
neologismos topofilia e topoanálise ganham sentido a partir de produções literárias escolhidas por
Bachelard, no qual ele afirma que elas só podem ser analisadas por meio do método
fenomenológico, para que, enfim, as relações estabelecidas entre espaço e o homem sejam
exemplificadas.
Partindo da afirmação de Bachelard de que memória e imaginação não se dissociam, ambas
se aprofundam mutuamente, é que a GHC se apropria das concepções de espaço, intimidade,
imaginação e memória, estabelecendo finalmente uma relação plausível entre a ciência e a arte.
Para tanto, os trabalhos sobre espaços de geógrafos como Dardel, Tuan, Relph, por exemplo, se
aproximam bastante das ideias de espaço de Bachelard, tais como topofilia e espaço vivido. Como
266
Seriam todos os laços afetivos construídos pelos seres humanos com o meio ambiente, também chamado de “espaço
feliz”, “espaço de posse” ou “espaço amado”.
267
Trata-se de um estudo psicológico sistemático dos locais de nossa vida intima, na intenção de entender nosso ser
íntimo. (BACHELARD, 2008)
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consequência disto, finalmente um espaço objetivo é abandonado por esses geógrafos, sendo agora
substituído pela ideia de um espaço subjetivo, carregado de afeto: a expressão do lugar.
Os trabalhos do geógrafo francês Eric Dardel somaram-se com grande valia aos estudos
da GHC, pois graças a ele reflexões filosóficas emergem a priori para o saber geográfico. Suas
reflexões serviram para os caminhos epistemológicos de Tuan e Relph, devido à proposta
existencial que liga o homem à Terra. Décadas se passaram desde a publicação de seu clássico O
Homem e a Terra: natureza da realidade geográfica, no entanto continua atual para as discussões
que envolvem a compreensão da realidade geográfica e as questões humanas, via aporte
fenomenológico.
Como comenta Holzer sobre a obra de Dardel (2015, p. 141): “Seu objetivo é o de fazer
uma análise fenomenológica da relação visceral que o homem mantém com a Terra”, para
entender sua existência e essência no que diz respeito ao elo que liga o homem ao mundo.
A geografia é, para Dardel, não um conhecimento fechado e disciplinar, antes um saber
que engloba a realidade vivida e as experiências que relacionam o homem com o meio.
Dardelutiliza-se de outras áreas para entender a realidade geográfica, como em alguns renomados
autores da literatura como Baudelaire, Rimbaud, Saint-Exupéry e Victor Hugo. Vale-se também
da filosofia existencial de Heidegger e Kierkegaard e da fenomenologia de Gaston Bachelard.
Sobre as questões essenciais que envolvem a tese de Dardel, Jean-Marc Besse comenta
sobre a categoria “paisagem”: “Dardel pretende indicar que a paisagem constitui uma totalidade
própria que responde à inserção do homem no mundo” (BESSE, 2015, p. 139), logo suscitamos
que, para o homem se estabelecer, faz-se necessário situá-lo em determinado lugar.
A principal contribuição de Dardel para a GHC foi, principalmente, o estudo da
geograficidade e os fenômenos por ela percebidos. A geograficidade é a cumplicidade existencial
que liga o Homem à Terra, sentimento original que condiciona as atitudes, valores e demais ações
humanas:
Nesse sentido, medo, admiração, simpatia, amor, entre outros sentimentos colocam em
totalidade nossa subjetividade essencial para viver, pois nos fixamos em um lugar por atingir a
geograficidade sentida a partir da vivência que, por conseguinte, se configura como essência de
permanecer e pertencer ao lugar, como assegura Dardel, “[...] a experiência geográfica, tão
profunda e tão simples, convida o homem a dar à realidade um tipo de animação e de fisionomia
em que ele revê sua experiência, humana, interior e social” (2015, p. 6). Ainda para o autor, “[...]
a geografia pode assim exprimir, inscrita no solo e na paisagem, a própria concepção do homem,
sua maneira de se encontrar, de se ordenar como individual ou coletivo”. (DARDEL, 2015, p. 31).
Entendemos, assim, que o homem é fruto da ligação entre o Homem e a Terra, relação
fundamental para o equilíbrio existencial desde a infância, pois esse elo consolida a identidade, a
cultura e todos os sentimentos que envolvem os indivíduos. Conhecer e agir sobre a Terra é um
pré-requisito para o ser-no-mundo.
Diante dessas predicações, Dardel (2015, p. 33) nos assegura que “a ciência geográfica
pressupõe que o mundo seja conhecido geograficamente, que o homem se sinta ligado à Terra
como ser chamado a se realizar em sua condição terrestre”. De todo modo, para o autor, a imagem
da Terra é a condição para o homem se encontrar e sentir-se realizado.
Nessas circunstâncias, Dardel comenta sobre o lugar da paisagem em potencialidade nas
relações humanas:
o homem realiza sua existência, enquanto a Terra é uma possibilidade essencial de seu destino”
(DARDEL, 2015, p. 89).
Yi-Fu Tuan é um geógrafo chinês que contribuiu de forma significativa nos estudos da
geografia humanistas, conforme Nascimento e Costa (2016), amante das leituras de Maurice
Merleau-Ponty, é reconhecido como um dos autores fundadores da tendência humanista utilizando
a abordagem fenomenológica nos estudos da geografia.
As obras de Tuan são constituídas por conceitos como espaço, lugar, topofilia, topofobia,
cuja base de seus estudos são a experiência e a percepção. Cabe ressaltar, segundo Nascimento e
Costa (2016), que as obras de Tuan são fundamentalmente baseadas pela fenomenologia e pelo
existencialismo e tem como principal escolha o “lugar”, conceito espacial que mais atendia aos
seus propósitos, sendo apropriado para os estudos propostos por este autor.
Na década de 70 do século XX, Tuan juntamente com a autora Anne Butttimer foram
fundamentais contribuintes na busca por uma identidade própria para a geografia humanista,
ambos foram pioneiros no uso dos conceitos de lugar e de mundo vivido auxiliando na construção
de novas perspectivas metodológicas acerca da geografia (NASCIMENTO e COSTA, 2016).
Nos estudos de Tuan destaca-se a linha de estudo da geografia que traz a fenomenologia
como um de seus pressupostos: “[...] a Geografia Humanista procura um entendimento do mundo
humano através do estudo das relações das pessoas com a natureza, de seu comportamento
geográfico bem como dos seus sentimentos e ideias a respeito do espaço e do lugar (1982, p.
143)”.
O autor considera em sua obra Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência (1983), o
espaço e o lugar como termos familiares entre si que indicam experiência comum. O lugar
significa segurança, afeto e vínculo, enquanto o espaço representa a liberdade, as relações e
movimento. O espaço transforma-se em lugar quando cria-se vínculo e sentimento de afetividade
(TUAN, 1983).
Tuan também afirma que a partir do momento que se está no lugar consegue-se perceber a
amplitude do espaço, pois, o lugar é segurança e espaço é como estar livre pelo mundo, não limites
e nem vínculo afetivos. Desse modo, o autor pontua que o lugar seriam as pausas do espaço,
dotados de experiência, percepção e o valor que é atribuído a esse lugar (TUAN, 1983).
Na concepção de Tuan (1979, p. 387), entende-se lugar com:
[...] o lugar é uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de circulação; [...] o lugar, no entanto,
tem mais substância do que nos sugere a palavra localização: ele é uma entidade única, um conjunto
‘especial’, que tem história e significado. O lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas. O
lugar não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida
e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado.
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ele fosse explicado por meio de uma rigorosa abordagem fenomenológica que havia sido
desenvolvida por Husserl e Heidegger” (RELPH, 2014, p. 20).
Cada lugar carrega em si vários atributos de valor, constituindo territórios de significado
para os indivíduos, comunidades e para a própria cultura, o que possibilita o homem desfrutar de
todas as qualidades que o lugar oferece, seja nas formas de pertencimento, da emoção, da
memória, do fator social, entre outras.
Nessa perspectiva o estudo do lugar se desdobra em várias formas, sejam elas: localização,
sentido, enraizamento, lar, reunião, fisionomia, simbolismo, lugaridade. Pela interpretação do
lugar, podemos entender as maneiras como o homem se relaciona com o mundo, pois o seu sentido
está ligado à capacidade que tem de aprender e apreciar suas qualidades. Algumas pessoas, por
exemplo, não se sentem à vontade ou não se sentem atraídas por determinados lugares, mas isso
pode ser alterado à medida que nos pormenores encontrem virtudes que lhe chamem a atenção.
Esse pensamento se aproxima muito da concepção de topofilia proposta por Tuan.
Pensar o lugar como enraizamento se configura para Relph a partir da experiência
cotidiana: “Lugar é muitas vezes entendido como o onde se tem nossas raízes, o que sugere uma
profunda associação e pertencimento, mas também imobilidade” (RELPH, 2014, p. 24). Frente a
isso, compreendemos que a intersubjetividade é bem presente no fenômeno do enraizamento. O
lugar passa ser a primazia da existencialidade; talvez por isso, sobretudo, idosos, crianças e alguns
exilados têm dificuldades de deixar seu lugar, seja a cidade, o bairro ou a rua, pois o sentimento
de pertença é um fator da existência.
Pensando ainda na experiência do habitar, trataremos das qualidades que os lugares
possuem a partir da sua lugaridade, que são as inúmeras particularidades autênticas que geram
sentimentos de ligação, apego e admiração que condicionam o bem-estar sobre o lugar. É
importante ressaltar que “Sempre que a capacidade do lugar de promover a reunião é fraca ou
inexistente temos não-lugares ou lugares-sem-lugaridade. Essas ideias são importantes porque
permitem entender o lugar pela ausência, tanto quanto pela presença” (RELPH, 2014, p. 25). O
lugar-sem-lugaridade se caracteriza, assim, como um fenômeno de desinteresse pelo lugar,
motivado por diferentes situações que coloquem em desequilíbrio a relação ser/habitar. Já os não-
lugares são espaços planejados que, em essência, não foram criados para gerar sentimentos de
ligação existencial com as pessoas, como, por exemplo, supermercados e aeroportos.
Por tudo isso, intentamos dizer que o lugar para Relph tem características próprias, sendo
potencial para despertar sentimentos na condição humana, pelo fato de o seu sentido se
desenvolver a partir da experiência; experiências que precisam ser contínuas para renovação e
reforço do lugar. Em seu conceito mais significativo, o lugar se estende:
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[...] em suas ligações inextricáveis com ser, com a nossa própria existência. Lugar é um
microcosmo. É onde cada um de nós se relaciona com o mundo e onde o mundo se
relaciona conosco. O que acontece aqui, neste lugar, é parte de um processo em que o
mundo inteiro está de alguma forma implicado. Isso é muito existencial e ontológico.
(RELPH, 2014, p. 31).
Compreendemos que os trabalhos de Edward Relph dão prioridade aos estudos dos
sentidos e fenômenos que permeiam o lugar, emergindo categorias importantes, como a
lugaridade, o lugar-sem-lugaridade e o não-lugar. Assim como Yi-Fu Tuan, Relph incorpora a
temática da experiência para explicar o lugar e as relações existenciais estabelecidas a partir dele.
Deste modo, o lugar pode se configurar como reunião de pessoas, identidade individual e cultural.
Pode ser fruto íntimo na forma do Lar, podendo estar em todos os lugares e não estar em lugar
nenhum, no entanto, no sentido mais ontológico, pode carregar todas as formas existenciais da
humanidade, pois, para existir, é necessário ocupar um lugar.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
influência dos autores, Tuan elabora seu conceito de topofilia e dá início a estudos que expressam
a experiência, a percepção e o valor do espaço para o sujeito.
Dardel, em sua obra O Homem e a Terra: natureza da realidade geográfica, considerada a
precursora da GHC e também influenciada pelos estudos de Bachelard, inaugura a totalidade da
existência humana através da vivencia do espaço a que ele se refere como Terra, ou seja, traz a
relação intima entre homem e espaço, destacando os sentimentos do homem e a forma como o
espaço o influencia, trazendo em uma linguagem poética e sensível. Relph, através dos estudos de
Dardel e sendo um dos responsáveis pela divulgação da obra de Dardel, constrói também diversos
conceitos, dentre estes destaca-se o lugar, a lugaridade e o lugar-sem-lugaridade, buscando
vivenciar e sentir as qualidades do lugar.
Portanto, percebe-se as contribuições significativas desses autores para a GHC, que
atualmente compreende o aumento das pesquisas nessa vertente, mas que considerando os demais
ramos da Geografia as produções ainda são menores e dada também menos prestígio. Entender o
espaço, a paisagem, o lugar a partir das percepções, ou seja, de modo a expressar sentimentos e
valores, ainda é um desafio que se apresenta. Entretanto, acredita-se que através dos debates e
discussões sobre o tema serão desenvolvidas novas qualidades e também ampliados os horizontes
dessa forma de conhecimento que se baseia na sensibilidade do sujeito para a sua própria
compreensão.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo Martins
Fontes, 2008.
BESSE, Jean-Marc. Geografia e Existência: a partir da obra de Eric Dardel. In: DARDEL, Eric.
O Homem e a Terra: a natureza da realidade geográfica. Trad. WertherHolzer. São Paulo:
Perspectiva, 2015.
TUAN, Yi-Fu. Space and place: humanistic perspective. In: GALE, S. OLSSON, G. (orgs.).
Philosophy in Geography. Dordrecht: Reidel, 1979.
______. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. Trad. Lívia de Oliveira. São Paulo:
Difel, 1983.
Página 1183 de 2230
Resumo: Hans Jonas e o Princípio Responsabilidade: o progresso técnico como razão da natureza
modificada do agir humano. Aqui, procuramos analisar a necessidade da presença da
responsabilidade de forma ampla na atual sociedade. O próximo passo é mostrar os processos que
levaram a tal necessidade, como: o anuncio de um novo paradigma; O contexto moderno como
pressuposto inicial para a sobreposição do homo faber: Bacon e Descartes; Do homo sapiens ao
homo faber: de senhor a servo; De criador à criatura: a técnica como efeito do homem sobre si
mesmo; Vácuo ético: a técnica como reflexo de impotência ética. Por último, teceremos as
considerações finais.
Palavras-chave: Natureza. Técnica. Gênero Extra-humano. Homo Faber. Homo Sapiens. Vácuo
ético.
Abstract: Hans Jonas and the Principle Responsibility: technical progress as a reason for the
modified nature of human action. Here, we seek to analyze the need for the presence of
responsibility broadly in today's society. The next step is to show the processes that led to such a
need, such as: the announcement of a new paradigm; The modern context as an initial assumption
for the overlap of homo faber: Bacon and Descartes; From homo sapiens to homo faber: from lord
to servant; From creator to creature: technique as the effect of man upon himself; Ethical vacuum:
technique as a reflection of ethical impotence. Finally, we have made the final considerations.
Keywords: Nature. Technique. Extra-human genus. Homo Faber. Homo Sapiens. Ethical
vacuum.
Introdução
A civilização moderna encontra-se imersa em vários perigos que a cada passo dado pela
supremacia tecnológica tornam-se mais ameaçadores e manifestos. O processo completo de
extinção do gênero humano e não-humano, torna-se cada vez mais claro e possível.
O progresso científico, tornou-se uma espécie de “prometeu irresistivelmente descontrolado”,
cuja enorme capacidade de ação continua a aumentar, com regras menos capazes de controlá-la.
A técnica tomou nas mãos as “rédeas” do destino da humanidade, transformando-a em uma nova
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A sociedade mundial está passando por um momento chamado por alguns estudiosos de crise
civilizacional, onde o que está em jogo merece ser discutido de forma mais profunda que qualquer
outra ameaça que já houvera sido colocada em pauta nas discussões a nível planetário, como as
crises econômicas, políticas, sociais, religiosas, e até mesmo as doenças que se transformaram em
epidemias e pandemias, pois todas as crises citadas só ofereciam perigo direto ao gênero humano.
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No entanto, a ameaça que se presentifica merece ser discutida com certa urgência e cuidado. O
ecossistema ou bioreino está clamando por ajuda e anunciando seu real “atestado de óbito”, isto
em razão de tamanha gravidade está sendo causada por um ser humano antropocêntrico, voraz e
extremamente racional. Sobre isso nos acrescenta os autores que,
Surda para ouvir a voz de Gaia, por causa de uma tradição racionalista e
antropocêntrica, a humanidade precisa repensar a civilização que transformou os
6,2 bilhões de habitantes da terra em indivíduos vorazes e cobiçosos de viver
segundo um estilo tido como “de Primeiro Mundo”, baseado no uso
indiscriminado da tecnologia e no consumo desenfreado. (OLIVEIRA;
BORGES, 2008, p. 28)
Agora, o que está em risco não é somente o artefato da cidade - a polis - traduzida como ordem
menor, mas o todo, a ordem maior.
Hoje com o aumento do poder da técnica, a ação humana não se restringe somente à cidade,
mas ao equilíbrio maior. O paradigma da sobrevivência está sendo ameaçado de tal forma que nos
faz pensar não mais em uma “época de mudanças, mas em uma mudança de época”, isto em razão
de uma nova discussão ser colocada em cenário mundial. As discussões e preocupações estão
voltadas agora para um provável ecocídio, isto é, a destruição total do ecossistema que poderá
dizimar todos os seres humanos e também aquela categoria de seres que Hans Jonas classifica
como extra-humana268. Esta realidade que é causada pelo próprio homem comandado pela
técnica, seria uma forma de suicídio velado. É cada vez mais clara e conclusiva a total invasão e
o total domínio científico e técnico perante os olhos humanos e que se torna parte integrante, como
nos acrescenta o autor:
Numa progressão sempre crescente, o homem moderno se vê cercado cada vez
mais dos produtos e artefatos da ciência. A ponto de o físico alemão Werner
Heisenberg escrever que num futuro não muito distante os aparelhos e
instrumentos técnicos serão partes integrantes do homem, como a teia é parte da
aranha e a concha do caramujo. (LEÃO, 2002, p. 11)
Os gregos concebiam a natureza como uma ordem inviolável a que o homem devia se
submeter, e mesmo ele criando a cidade num primeiro momento como tentativa de rompimento
com esta submissão, não foi possível tal empreendimento pelo fato da técnica não conseguir
ultrapassar o reino da necessidade. No entanto, atualmente tais relações não se procedem mais
desta forma. Não é mais a ordem da natureza que legisla as leis da cidade, agora são as leis da
polis que estão no controle do destino da natureza. O espaço dos homens – a cidade, não está mais
envolvida pelo mundo natural, este envolvimento fica agora a cabo da cidade, ou seja, ao controle
do mundo artificial da polis. É a natureza que se encontra sob o domínio da técnica. Pois,
268
São todos os seres que fazem parte do ecossistema planetário, mas que, no entanto, estão fora do círculo
de relações do homem visto pela idade moderna como ser autônomo e racional. Estes seres até então não faziam
parte das reflexões éticas empreendidas pelos homens.
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Outro fator que modificou a relação entre homem e natureza foi a percepção judaico-cristã
acerca da natureza como terra que devia ser dominada. Neste sentido, a natureza é vista como
criatura de Deus. A bíblia nos mostra que a natureza passou a existir como vontades: vontade de
Deus e vontade do homem, o qual foi feito a sua imagem e semelhança e a quem Deus entregou a
natureza sob sua inteira responsabilidade. Ainda acerca de tal afirmação, nos enfatiza o autor
citando o livro do Gênesis que,
Depois Deus disse: ‘façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa
semelhança: domine sobre os peixes do mar e sobre os pássaros do céu, sobre
os animais domésticos, sobre todos os animais da terra e sobre todos os repteis
que se arrastam sobre sua superfície. (GALIMBERTI, 2006, p.515)
Neste sentido, há uma ruptura com a cosmovisão de mundo no que tange a natureza, pois esta
não se expressa mais como uma ordem imutável e inviolável, mas agora está sob o domínio de
uma vontade. Ocorre uma mudança de paradigma: passa-se de um significado cosmológico a um
significado antropo-teológico, isto é, o homem tem total liberdade para violar e interferir na ordem
natural e isso graças a uma vontade superior a sua – a vontade de Deus. Neste sentido a vontade
humana é secundária. No entanto, são vontades que estão de comum acordo quando se trata da
subjugação da natureza. Sobre tal questão religiosa acrescenta:
Até o dogma cristão emprestou seu apoio, observa a moral planetária. Em artigo
publicado em 1967 na revista Science (“Les Racines historiques de La crise
écologique), o historiador Lynn Whyte focalizava as desastrosas conseqüências
da teologia bíblica. Segundo ele, a doutrina da criação instituiu um dualismo
pernicioso entre o homem e a natureza. Deus criou a natureza não para si mesma,
mas para o bem-estar do homem. Tirou o ‘encanto” do meio ambiente, que deixou
de inspirar um sentimento de respeito religioso. A partir daí,o reino da indiferença
para com as coisas naturais podia ter início e nossos instintos predadores sentiram-
se livres. Segundo Lynn Whyte, o grande erro do cristianismo foi ter legitimado
com antecedência todos os excessos tecnocientificos. (LACROIX, 1996, p. 96)
É preciso que tomemos consciência das mudanças de tal cenário, que nos transforma cada vez
mais numa civilização de tecnocratas, e ampliemos nossa cosmovisão de mundo, possibilitando
desta forma, ultrapassarmos o espaço da polis e nos voltarmos para o bioreino, refletindo agora,
acerca de questões éticas a partir de uma responsabilidade ampliada, estendendo-se dos muros da
cidade dos homens ao espaço natural, do presente ao futuro. “Na sociedade tecnocientífica,
todavia, é preciso incluir na ação de agora o pensamento sobre a condição de integridade da
humanidade como um todo no futuro”. (SGANZERLA; OLIVEIRA, 2009, p. 265)
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Nossa casa é toda natureza. Esta última não é mais vista como algo separado, fragmentado,
distante do artefato da cidade, mas como um organismo conjunto e vivo que engloba a tudo e a
todos. Passa-se de uma visão de ação “intra-humana” a uma visão que abrace “toda comunidade
de vida” como dito por Oliveira e Borges. Neste sentido, a vida extra-humana e natureza
empobrecidas traduz-se também numa vida humana empobrecida.
Nunca no decorrer do processo histórico o homem teve tanto poder para interferir na realidade,
na natureza, e por efeito, em sua própria existência, colocando em risco não somente o seu habitat,
mas todo o ecossistema, afetando assim, também os outros seres vivos. Tal ameaça não contempla
somente as gerações presentes, mas esta possibilidade que se faz tão real, projeta-se para outras
gerações que não fazem parte nem do espaço e nem do tempo presente, do aqui-e-agora, mas estão
para além, no futuro, onde, no entanto serão diretamente afetadas no sentido de não poderem
exercer seu direito de vir a existir, e mesmo de habitarem uma realidade propícia à vida. Isso por
estarem submetidas a decisões e ações de gerações presentes, podendo correr o risco de não
realizarem a passagem que está ligada a duas categorias aristotélicas, que fazem daquilo que é
futuro tornar-se presente - ato e potência ou o devir.
Tudo supramencionado foi causado pelo agir humano unido à técnica, em um estágio de poder
hiperespecializado, tomando assim, rumos que levaram a dimensões catastróficas, fugindo do
controle humano, como nos é asseverado:
O progresso científico, de fato, transformou a técnica numa espécie de
‘prometeu irresistivelmente descontrolado’, cuja enorme capacidade de ação
continua a aumentar e com sempre menos regras capazes de exercer um controle
sobre ela. Ciência e tecnologia deram à razão um poder desmedido, mas fizeram
isso numa condição de profundo ‘vazio ético’. (MANCINI, 2000, p. 29)
A técnica como criação, ganha tal autonomia sobre seu criador – o homem – sendo
transformado em produto de sua própria criação, como sublinhado:
[...] Parece que se invertem os papéis, ou seja, o homem ‘cede’ seu lugar de
sujeito a ‘expedientes’ tecnológicos que operam sob forma de um processo
integrado e integrador; esses ganham vida própria e passam a posição de
comando – um processo autônomo que dita normas e maneiras de como o
homem deve proceder. [..] Jonas denuncia então que, o homo faber se colocou
acima do homo sapiens, visto que o triunfo do homo faber sobre seu objeto
externo significa, ao mesmo tempo, seu triunfo na constituição interna de homo
sapiens, da qual, outrora, ele costumava ser uma parte servil. (FONSECA, 2008,
p. 74).
equívoca e irresponsável à técnica, que vem se sobrepondo ao homem que se tornou também
parte desta engrenagem, contribuindo diretamente para com o interferir de forma desastrosa sobre
a natureza, modificando assim, não somente esta última, mas o próprio agir humano e suas
relações.
Este domínio da técnica vem travestido de boas intenções e tentativas de melhoria para o
planeta, mas na verdade são percebíveis sintomas que profetizam a falência do domínio da técnica
sobre o planeta, como nos é advertido:
[...] Essa tentativa de dominação técnica travestida da intenção de melhoramento
tem confluído numa série de fenômenos sociais e naturais que talvez indiquem
para o fracasso de seu mandato. Ao tentar melhorar o mundo o homo faber tem
contribuído para o agravamento das condições de indigência e de
enfraquecimento da vida como um todo [...] O ruído dos motores da civilização
tecnicista tem destruído o meio ambiente e ensurdecido o ser humano, incapaz
agora de ouvir a voz de Gaia [...] As práticas ecologicamente destrutivas e a
exclusão social ( que tem levado milhares de famílias às áreas de maior
vulnerabilidade) são os fatores óbvios que favorecem a gravidade dessa
situação.( OLIVEIRA; BORGES, 2008, p. 53)
É importante levarmos em conta que nem sempre foi assim, antes, nos primórdios da
civilização, o homem já se revestia de poderes técnicos que o ajudavam a tentar sobreviver diante
das peripécias da natureza. Entretanto, não tinha tanto poder de interferência, isto é, seus
conhecimentos técnicos não eram tão desenvolvidos como atualmente. Sendo assim, seu poder de
intervenção e modificação eram “inofensivos”. É a partir destas afirmações que iremos entender
o porquê da responsabilidade nunca ter estado no centro das teorias éticas até então. É exatamente
sobre esta e outras questões que iremos nos ocupar de agora em diante, tentando dar ênfase aos
pontos importantes que fundamentam este capítulo.
Diferente do animal que já nasce “preparado” para as condições ambientais que o esperam,
o homem tem que fabricar ou construir suas próprias condições de sobrevivência. Neste sentido,
entra em cena a cultura, que somente o homem pode produzir. Esta não é atribuída ou dada a priori
ao homem, mas é a posteriori, é trazida à realidade com a experiência. É a cultura que dá os
delineamentos, as coordenadas, ou melhor, as técnicas que propiciarão ao homem criar um
ambiente que o permita sobreviver diante das peripécias da natureza. Tal ambiente é chamado
também cultural.
Ao falarmos em cultura aparecem duas visões de mundo: a mitológica e a religiosa, que como
partes da cultura foram como que duas partes complementares de um mesmo objeto – “uma
bússola” - e tinham como função coordenar os passos do homem diante da natureza. Estas foram
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mais que uma bússola, pois não somente davam as coordenadas, mas determinavam ou davam as
indicações de como o homem devia intervir no meio natural, o que se pode fazer e o que se deve
deixar de fazer, deixar intocável. Destas duas cosmovisões, a atividade humana recolhia o caráter
do imodificável, da limitação e da impotência. Isto quer dizer que havia um caráter de
distanciamento do homem para com as intervenções, fazendo com que uso e aprimoramento da
técnica fossem realizados a passos lentos, senão quase sem utilidade.
Como mudar tal cenário? Como o homem irá fazer para que a técnica ganhe espaço diante
do intocável, imutável e imodificável mundo da natureza?
A solução para tais questionamentos, é agora, a substituição da interpretação de mundo do
viés religioso pela interpretação de mundo da técnica. É a técnica que depois do “desencantamento
do mundo”269 e da ineficiência da religião em seus aspectos de interpretação e de prescrições de
comportamento, vai passar a criar manifestações religiosas, este seria o remédio a impotência
técnica, como nos é suscitado:
O remédio a impotência técnica. [...] De fato, é natural não se resignar com a
morte e, portanto, construir representações do além, é natural cobrir com a
fantasia o intervalo que existe entre o que é controlável, assim como é natural
entregar-se, em relação ao que não é controlável, àquelas entidades superiores
que as religiões chamam de Deus, deuses ou destino. [...] Portanto, se a religião
esgotou a sua função como interpretação do mundo e como prescrição dos
comportamentos, mas não como remédio à impotência, então também a religião,
longe de ser uma expressão do espírito, está, em todos os seus aspectos, inscrita
na lógica da ação técnica, que gera expressões religiosas toda vez que a
transformação do mundo encontra o próprio limite. (GALIMBERTI, 2006, p.
114)
Na idade moderna, iremos ter Francis Bacon e René Descartes como aqueles que irão ser os
criadores de novas expressões religiosas, e que darão condições para que surja uma nova dimensão
humana. Sai de cena o homo sapiens e entra em cena o homo faber.
O contexto moderno como pressuposto inicial para a sobreposição do homo faber: Bacon e
Descartes.
Com a troca de paradigma ou a mudança de posição entre o homo faber e o homo sapiens,
que ocorreu com a época moderna não há mais como conservar a mesma concepção de agir
intelectual pensado pelos gregos como teoria ou mesmo como os latinos que a concebiam como
contemplação. Esse agir intelectual não é mais pensado como fim último, tendo como subordinado
269
Processo citado e descrito por Max Weber como “racional”, ocorrido na Europa que, ao destruir as imagens
religiosas do mundo, criou uma cultura profana. As ciências empíricas modernas, as artes tornadas autônomas e as
teorias morais e jurídicas fundamentadas em princípios formaram esferas culturais de valor que possibilitaram
processos de aprendizado de problemas teóricos, estéticos ou prático-morais, segundo suas respectivas legalidades
internas. (cf. discurso filosófico da modernidade p. 3-4)
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o agir prático, mas agora é o agir operacional que prevalece sobre o agir intelectual. Nos é
acrescentado que,
Razão significa, para os modernos, a capacidade de classificar e deduzir,
independentemente, de ordenar meios adequados para a efetivação dos fins
escolhidos. A essa racionalidade não interessa a investigação sobre o em-si das
coisas, pois sua preocupação básica está na capacidade de intervir eficazmente
no mundo. O conhecimento deixou de ser a presentificação do sentido das coisas
ao ser humano e transformou-se num mecanismo que permite ao sujeito
subordinar o mundo a si. (OLIVEIRA, 2000, p. 203-204)
Francis Bacon foi um dos primeiros filósofos a contribuir para com a inversão mencionada
acima. Pois com sua famosa máxima “conhecer é poder” já traduz todo o seu programa. O saber
em Bacon ganha outra conotação que não a dos gregos ou latinos, mas sim como poder. Sua
intenção é subjulgar, modificar a natureza, e desta forma refutar seu caráter de imutabilidade.
Agora o homem é “a medida de todas as coisas” como prescrito por Protágoras. Para os modernos
a natureza só é imodificável enquanto suas leis não são conhecidas pela razão humana.
Bacon se fundamenta para tal empreendimento na tradição judaico-cristã que prevê que Deus
colocou o homem na terra para dominar toda a natureza, e a partir desta atitude de dominação
fosse reproduzida ou refletida obras de verdade que, por consequência, modificar-se-ia o conceito
de alétheia por ‘emet, como mostrado:
Não mais a verdade na acepção grega de alétheia, que significa ‘desvelamento’
das leis imutáveis da natureza, função que cabe à theoria, mas a verdade na
acepção de ‘emet, que significa ‘fazer’ o que Deus prescreveu para o homem.
Uma verdade, pois, que não se contrapõe ao ‘erro’ ou à falsidade, mas à
‘infidelidade’ ao mandamento de Deus, ou à ‘preguiça’. Diferentemente da
verdade grega, a verdade hebraica não é algo que se conhece, mas algo que se
pratica ao se observar a lei de Deus. (GALIMBERTI, 2006, p. 319)
Aqui, a verdade grega não tem mais razão de ser, pois a contemplação foi subtraída pelo fazer,
que reflete a verdade hebraica. Este fazer tem em suas mãos, a partir do conhecimento cientifico,
tanto o controle sobre a natureza como os condicionamentos históricos que permitem modificar o
modo de ser ou estado de vida do homem.
Bacon, a partir da concepção judaico-cristã de ciência, funda a ideia de progresso. Quando
Bacon rompe com a ideia grega de aletheia – Verdade desvelada, contemplação, e troca pela ideia
de verdade construída, fazer, tentando levar a humanidade a um melhoramento, emancipação, de
fato, passa a existir a ideia de progresso, de modificação, de construção. Tal ideia foi cunhada na
visão cristã do termo schaton que abre uma concepção de futuro, mas, no entanto, se difere da
visão de schaton de Francis Bacon, como advertido:
Com Bacon, o conteúdo escatológico é separado da sua matriz religiosa. A utopia
da Nova Atlântida se resolve na imanência futura; mas o futuro foi aberto pela
idéia escatológica propagada pelo cristianismo. A essa idéia farão referência
todas as utopias seguintes, das científicas às revolucionárias, em cuja base é
sempre possível encontrar a idéia cristã do ‘homem novo’, destinado a viver em
‘novos céus e novas terras’ que já não estão projetados para a transcendência,
mas para um futuro imanente. Esse futuro não é para ser esperado, mas
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poderia ter deliberado a si mesmo, mas somente teria partido de um ser que o criou a sua imagem
e semelhança. Aqui, a natureza perde sua potencialidade, pois o homem agora é privilegiado. A
natureza não é mais a physis originária como pensavam os gregos, mas apenas ordem a qual foi
estabelecida por Deus para conduzir as coisas criadas. “A própria distinção cartesiana entre res
cogitans e res extensa reproduz a distinção cristã entre interioridade da alma e exterioridade do
mundo” (GALIMBERTI, 2006, p. 329). Por isso, Descartes bebe na fonte ou da concepção
judaico-cristã, pois, sua constante dúvida acerca da realidade só teria fim com a existência de
Deus. O mundo físico só passaria a existir de fato e sem erros, a partir da prova da existência deste
ser absoluto que é bom e perfeito.
O homem é biblicamente concebido como imagem e semelhança de Deus, por isso,
próximos. Homem e Deus têm uma relação de proximidade maior que o homem e o mundo. O
conhecimento do homem sobre Deus ou sobre sua substância é realizado a partir de si mesmo, por
vias da mente, internamente, pois a ideia de Deus é inata. Além disso, o homem é sua imagem e
semelhança. O mundo externo, os sentidos não têm nenhuma relevância nesta relação.
Entretanto, o mais interessante disso tudo é perceber que Deus foi trazido ao sistema
cartesiano apenas por questão de método, depois de ter se achado trancafiado em uma prisão
construída por seu método que de tudo duvidava, a única saída seria trazer Deus para dentro de
seu sistema. Deus aqui serve apenas como forma pura de argumentação. Pois, no sistema em geral
foi subtraído, não tendo nenhuma relevância a não ser a já supramencionada. O centro do sistema
não era Deus, mas a razão absoluta que deu total liberdade ao homem para ser criador da realidade.
Deus perdeu seu trono, deixando de ser o criador por excelência.
Descartes foi de suma importância para a idade moderna, onde a partir de seu método, tendo
a dúvida como fundamento, determina de forma irrefutável um princípio, que tem como meta
elevar o poder da razão humana tanto sobre os sentidos quanto sobre a tradição como
transmissora de conhecimento. Faz uma verdadeira virada de paradigma, como nos é advertido:
A importância desse momento de virada cartesiana na filosofia, com a
centralização na ideia de consciência, está no fato de Descartes, com isso, ter
encaminhado toda a filosofia moderna para um entusiasmo racionalista,
possibilitando um alicerce sobre o qual se instauraria uma nova ordem de valores,
fazendo o mundo e a natureza passíveis de ser dominados. Há, portanto, uma
dissociação entre sujeito e o mundo, entre o homem e a natureza, numa
perspectiva antropocêntrica, segundo a qual a razão humana tudo pode.
(OLIVEIRA; BORGES, 2008, p. 79)
Surgiria ainda nesta concepção, a ideia de que na natureza não existem forças sobre-humanas.
Pensar desta forma, é reverter toda a natureza em matéria que pode ser controlada pelo viés da
razão. Daí surgiria o lema: “tudo pode ser conhecido”. Pode ser revertido em vontade – vontade
do homem.
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Foi a partir destes dois filósofos, importantes contribuintes para o estabelecimento da idade
moderna, Bacon e Descartes, que o homem passa de homo sapiens a homo faber. Quando a
natureza, passa de ordem originária a ordem subjugada. Da cosmovisão grega à cosmovisão
judaico-cristã.
A sobreposição do homo faber ao homo sapiens significa, o homem que faz, o homem
técnico, o ser radicado na consciência (alma, razão) soberana e suprema capaz de dominar – na
equivocada interpretação do sujeitar – tornar objeto nas mãos do sujeito; submeter, subjugar,
sufocar, atrair para prevalecer, vencer, predominar. O domínio torna-se predomínio e subjugação,
próxima mesmo da vingança do homem contra a natureza.
Entretanto, os dias do homo faber como realeza estavam contados, pois a sua criação
conseguiu ultrapassar o seu criador que agora passa a ser objeto ou parte de uma gigantesca
engrenagem. No início, podemos dizer que o homo sapiens e o homo faber caminhavam juntos,
onde aquele que pensava era o mesmo que agia, o poder técnico era subjugado por ambos. Agora
este poder ganhou vida. Não é mais um meio que colabora para um fim, mas é um fim em si
mesmo, em que o homem dentro desta cadeia de relações é um simples aparato que contribui para
o domínio técnico que está com as rédeas do comando do “progresso”. Tanto o homo faber como
o homo sapiens foram subjugados. Tal cenário é traduzido numa frase de estória de bruxas: “o
feitiço virou contra o feiticeiro”. O homo faber tinha a falsa ideia de que estava na direção, no
entanto, esta dimensão do homem, tornou-se mais uma das partes desta imensa engrenagem que
se chama técnica. Mas, o mais perigoso disso tudo, é que este poder técnico que domina o homem
não sabe aonde vai. Não tem consciência dos fins e nem mesmo se interessa por eles.
Podemos dizer que tudo que o homem faz ainda é efeito da história natural. Mas há uma
grande diferença, é que agora essa é a primeira espécie, a nossa, que produz ela própria caminhos
voluntariamente escolhidos para sua evolução. Tal evolução podemos chamar de pós-biológica,
onde se refere a essa capacidade que a ciência atualmente exibi ou pelo menos propaga de poder
superar os limites que a natureza impôs não só a nossa espécie, mas a toda forma de vida
conhecida. Agora, somos autores da seleção natural, somos os sujeitos enquanto espécie daquilo
que vai ser a nossa descendência, o nosso futuro.
Neste sentido, se coloca imediatamente questões de ordem ética e moral que são de difíceis
soluções.
A ciência não pensa mais a tecnologia como a mera extensão das capacidades humanas, mas
pensa a tecnologia como uma maneira de aprimorar a espécie humana, de reformar a humanidade,
de fazer por meio da genética aquilo que a ideologia política, reformas sociais não conseguiram
fazer.
Jonas fala que atualmente estamos lidando com forças que nunca antes foram conhecidas, e
que por consequência de tal desconhecimento, fazemos questionamentos que enveredam pelo
mesmo patamar de novidade, isto é, que nunca foram feitas antes.
Tais questionamentos, surgem em um cenário de domínio e avanço por parte da biotecnologia
que cada vez mais interfere na natureza. As éticas que vieram antes, não faziam estes tipos de
questões que todos os dias se renovam com o desenvolvimento tecnológico e que aumentam em
rápida escala o campo da ação humana, como nos explica Jonas:
O homo faber aplica sua arte sobre si mesmo e se habilita a refabricar
inventivamente o inventor e confeccionador de todo o resto. Essa culminação de
seus poderes, que pode muito bem significar a subjugação do homem, esse mais
recente emprego da arte sobre a natureza desafia o último esforço do pensamento
ético, que antes nunca precisou visualizar alternativas de escolha para o que se
considerava serem as características definitivas da constituição humana.
(JONAS, 2006, p. 57)
Esta questão é problematizada por Jonas de forma pormenorizada em três pontos. O primeiro
versa sobre o prolongamento da vida. Pois, certos progressos da medicina celular nos dão
subsídios para modificarmos os processos químicos responsáveis por nosso envelhecimento e
desta forma adiarmos nossa finitude. No entanto, a questão não é tão simplória, haja vista, que
isso pode modificar o equilíbrio entre morte e procriação. Outra questão a ser colocada é quem
deve participar de tais benefícios? Quem pode pagar? Ou todos que precisarem? A este respeito,
nos fala Netto em seu artigo ‘longevidade: desafio no terceiro milênio’, que “ todos os problemas
dos idosos, sejam médicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, psicológicos representam
desafios que deverão ser enfrentados no terceiro milênio”. Devemos nos atentar para tal questão
também no que diz respeito à demografia, pois a fronteira deslocável que se impôs com o
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Para Jonas, “ter de morrer liga-se ao ter nascido: mortalidade é apenas o outro lado da fonte
duradoura da natalidade”. Neste sentido, a abolição da mortalidade implica diretamente na
abolição da procriação, já que a morte é a resposta da vida à procriação, ou seja, é no ato de morrer
que nos surge a promessa contínua e renovada da novidade, da “imediaticidade e do ardor da
juventude e ao mesmo tempo uma permanente oferta de alteridade”.
Outro aspecto ainda a ser considerado segundo Jonas, refere-se ao memento mori - (momento
da morte), que com seu prolongamento pode ser afetado. Além disso, talvez seja necessário um
limite imodificável de nossa expectativa de vida para nos motivar a “contar os nossos dias e fazer
com que eles contem para nós”, como nos assevera baseado na obra “Intermitências da morte”,
do autor português, José Saramago, o então professor:
Mas o que seria a vida sem o seu final? O que aconteceria se, de uma hora para
outra, os homens parassem de morrer? O que pode significar não morrer? [...]
‘No dia seguinte ninguém morreu’[...] De repente, num país qualquer,
simplesmente não se morre mais. O curioso é que o ocorrido, que a primeira vista
poderia prenunciar um tempo feliz, ou antes, uma eternidade feliz daquelas
pessoas que não mais morreriam, provoca as maiores tribulações e desarranjos;
a ponto de muitos desejarem que se volte a morrer naquela terra. Com perdão do
arranjo de palavras, a ausência da morte torna a vida funesta. (SANTIAGO,
2008, p. 14-17)
Por último, coloca Jonas que sua tese é a de que o presente que nos é posto hoje como
perspectiva sublinha questões,
que nunca foram postas antes no âmbito da escolha pratica, e de nenhum
principio ético passado, que tomava as constantes humanas como dadas, está à
altura de respondê-las. Contudo, essas questões devem ser encaradas, eticamente
e conforme princípios, e não sob a pressão de interesses. (JONAS, 2006, p. 59)
O segundo ponto versa sobre o controle de comportamento. Que segundo Jonas é uma questão
menos hipotética que a questão anterior, sendo que estas questões éticas se fazem menos
profundas. Contudo, estas entram numa relação direta com a concepção moral do homem,
passando da aplicação médica a aplicação social. Hoje, tornou-se realidade possível o controle do
comportamento por vias do desenvolvimento da medicina psicossomática; onde agentes químicos
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Do que foi supracitado, surge um questionamento que envereda pelo saber se aquilo que se
encontra estabelecido como ameaça não seria apenas a antítese entre o agir autônomo, maioridade,
e completa tutelagem; precisamos saber também se determinantes opostos e ambiguidades
fundamentais, como aquelas que falam da normalidade e patologia, agressividade e independência
não estão ligadas as condições que constituem o que Jonas chamou de “vida humana autêntica no
mundo.”
É importante considerarmos um enorme risco e de grandes proporções as mudanças de
direção, no que diz respeito às descobertas tecnológicas da ciência biomédica e de seu uso para
fins sociopolíticos, tendo como intuito, ações que visem ao controle e a manipulação de
comportamentos indesejáveis pela “sociedade”. Nos é acrescentado ainda que:
A funcionalidade social, seja qual for a sua importância, é apenas um lado da
coisa. Decisiva é a questão sobre que tipo de indivíduos tornam valiosa a
existência de uma sociedade como um todo. Ao longo do caminho da crescente
capacidade de manipulação social em detrimento da autonomia individual, em
algum lugar se deverá colocar a questão do valor, do valer-a-pena de todo
empreendimento humano. Sua resposta deve buscar a imagem do homem, da
qual nos sentimos devedores. Devemos repensá-la à luz do que hoje podemos
fazer com ela ou fazemos a ela e que nunca pudemos fazer
anteriormente.(JONAS, 2006, p. 60)
alcance das mãos. Em vez das surpresas ligadas à gestação e ao nascimento e que
excitava a mente dos pais e mães num passado não muito distante, agora vai se
impondo uma fria certeza: cada um tem o filho ou a filha que quiser, quando
quiser, com quem quiser e de maneira que quiser. (MOSER, 2004, p. 143- 144)
Atualmente, a seleção natural de Darwin vem dando lugar a seleção artificial, após a
descoberta feita pelos cientistas por meio do projeto genoma que tinha por missão conseguir o
mapeamento do gene humano. A partir daí foi aberta a porta para se evitar doenças hereditárias,
mas também para que os pais possam escolher, por exemplo, o sexo do bebê. Empresas
futuramente possam contratar somente aqueles que mais se adaptem a sua lógica empresarial e os
mais ágeis, os que irão adoecer menos. Tudo isso pode ser feito pelo mapeamento do gene. Como
toda revolução, essa promete incontáveis benefícios – e muitos questionamentos éticos.
Outro ponto a ser enfatizado dentro da problemática da manipulação genética é a questão
muito presente hoje no meio cientifico e que pode se tornar se não tivermos prudência, um dos
maiores desastres para a humanidade, podendo superar até mesmo a bomba atômica; estamos
falando da clonagem que com o avanço da ciência e da técnica pode agora além da clonagem de
animais, clonar também os seres humanos. No século passado, no ano de 1997, uma experiência
com ovelhas, realizado por um grupo de pesquisadores escoceses, criou Dolly, clone de uma
ovelha que continha as mesmas características de sua matriz. Essa possibilidade pode viabilizar o
desejo de reproduzir seres vivos iguais, o que permitiria, por exemplo, multiplicar um grande
número de vacas que produzem muito leite. Entretanto, o perigo da clonagem está justamente na
sua vantagem. Muitos pesquisadores alertam para o fato de que gerações idênticas de animais e
plantas ficariam muito suscetíveis a doenças. Uma simples bactéria, que venha tomar com um
indivíduo, poderia proliferar ameaçando toda a população.
Outra questão perigosa a ser observada é quanto à possibilidade de expor a espécie humana a
micro-organismos desconhecidos. Os pesquisadores alertam para o perigo de eles poderem vir,
até, a gerar doenças ainda desconhecidas, provocando a morte de muitos seres humanos. Além
disso, é um grande risco podendo fazer surgir super-homens, semelhantes aos idealizados pela
Alemanha nazista, ou até mesmo criar seres humanos em laboratório para serem banco de órgãos
vivos, como aqueles enfocados no filme “A Ilha”. Sobre tais questões é acrescentado que,
Ultrapassar esta barreira seria o mau uso que, somado às técnicas de engenharia
genética, permitiria realizar os desvarios da fantaciência:reproduzir
seletivamente gênios ou andróides ou mesmo seres que funcionassem apenas
como “ banco vivo de órgãos” para eventual transplante em favor de seus clones
recíprocos que tivessem sido levados à evolução como sujeitos racionais. Há que
se perceber aqui dois lados dessa evolução: um que assusta ou mesmo repugna
pelos possíveis maus usos e devastadores resultados atingindo a dignidade
humana; e outro que pode entusiasmar pelas possibilidades que abre exatamente
em favor da qualidade da vida humana.(PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2006,
p. 126)
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Aqui entra em cena o sonho do homo faber de tomar em suas mãos as rédeas de sua própria
evolução, contudo, sua intenção não é de conservação da espécie, mas de manipular, melhorar,
modificar, de acordo com seu próprio plano. Para o autor a questão agora é,
Saber se temos o direito de fazê-lo, se somos qualificados para esse papel criador.
[...] Quem serão os criadores de “imagens”, conforme quais modelos, com base
em qual saber? Também cabe a pergunta sobre o direito moral de fazer
experimentos com seres humanos futuros. Essas perguntas e outras semelhantes
[...] mostram de forma contundente até que ponto o nosso poder de agir nos
remete para além dos conceitos de toda ética anterior. JONAS, 2006, p. 61)
Estes pressupostos tornam clarividentes a mudança quanto as relações tradicionais entre homo
sapiens e homo faber. Para as éticas antigas a técnica sempre fora um meio, rumo as satisfações
humanas. Agora com a vitória do homo faber os rumos da humanidade estão sob o comando da
hiper-especialização técnica que faz o homem assumir o papel ilusório de “criador” de acordo
com as coordenadas ditadas pela técnica.
Neste contexto supramencionado, percebemos a crise dos paradigmas éticos tradicionais. Este
novo cenário, intimamente tecnocrata, consegue de certa forma, cooptar os pressupostos éticos,
senão, torná-los impotentes diante de tal poderio.
As finalidades técnicas não são escolhidas, são resultados advindos de seus procedimentos.
São resultados que não tem qualquer influência por parte da ética. Como tais, não prescindem de
reflexões éticas ou do agir ético. Se outrora, a ética teve alguma relevância perante a técnica,
moldando, modelando ou até mesmo controlando, agora a questão se inverteu. O braço do oleiro
que antes modelava, a partir de pressupostos éticos, mudou de lado. Isso significa dizer, que neste
cenário é a técnica que dá impulso à ética. E esta relação de inversão não se dar mais em uma
realidade natural, mas artificial que foi plasmada pela técnica a exemplo do demiurgo platônico.
Não importa de que forma a ética se posicione, ela não consegue impedir a técnica de continuar a
plasmar, transformar a realidade. Neste sentido, há a dissolvição do agir como reflexo dos fins em
detrimento do fazer como reflexo do produzir resultados, não importando mais sob o prisma de
quais fins.
Na Grécia antiga quando se falava em agir como práxis e em fazer como téchne havia uma
diferença no que tange as reflexões em que o homem estava no centro, e neste é percebido duas
capacidades: uma de contemplar como theoria e outra de produzir como poíesis. Por poíesis, os
gregos traduziam tanto a técnica como produção de artefatos, objetos, quanto a ética como
produtora de atos. Estas duas formas de produção tinham a natureza como justo meio, ou melhor,
como modelo para tais fins. Visualizando nesta também suas limitações. As transformações da
natureza servem à técnica como aprimoramento para o ato de produzir. Já à ética, o que lhe é útil
é o ordenamento da natureza que se traduz pela medida e pela ordem. Ambas, técnica e ética
partem da imitação daquilo que ocorre na physis para se desenvolverem.
Foi pautado nesta relação do homem como dimensão do produzir - produção tanto de atos
como de artefatos, tendo como coordenadas de desenvolvimento a natureza, que o aspecto de
produzir objetos, ou seja, a atividade técnica do homem, conseguiu se estabilizar de maneira sólida
deixando para trás a dimensão ética. Os motivos de tal ultrapassagem estão relacionados com a
mutabilidade e imprevisibilidade dos atos humanos como nos contado:
Desde então a técnica adquiriu uma estabilidade mais solida do que a ética
porque, não tendo de fazer outra coisa senão corresponder á regularidade da
natureza, a técnica podia estabilizar as regras do fazer num saber que,
oportunamente codificado, era possível transmitir como ciência (epistéme). Isso
não era possível para o agir, cujas regras, para serem eficazes, deviam adaptar-
se á mutabilidade das circunstancias, cuja imprevisibilidade, em vista do tempo,
do espaço, da sorte, da natureza dos agentes, exigia escolhas e decisões que
comportavam, ou uma readaptação das regras em uso, ou a invenção de novas
regras, que então resultavam difíceis de codificar e, portanto de transmitir.
(GALIMBERTI, 2006, p. 520)
Não era possível a ética adequar as leis da natureza aos aspectos contingentes e circunstanciais
dos homens. Não era possível fazer uma abordagem mecanicista dos atos humanos como fora
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possível fazer por vias técnicas. Não há uma lei geral que possa corresponder aos casos
particulares como feito na natureza. Além disso, a técnica é intimamente estruturada pelo cálculo,
pela matematização das coisas. Técnica e matemática têm ambas uma intima relação, senão, faces
de uma mesma “moeda”. Neste sentido, este aspecto da técnica que é a matemática também
explica o porquê da técnica ter ultrapassado a ética. O próprio Aristóteles em sua ética a Nicômaco
já sublinhava esta relação de distanciamento entre técnica como matematização do mundo e ética
como atos práticos contingentes, chamando a primeira de operações matemáticas de cálculo e a
segunda de operações matemáticas práticas, como nos sublinha o autor:
[...] pode-se facilmente extrair elementos suficientes para afirmar que Aristóteles
admitia uma profunda estranheza, se não até mesmo um contraste, entre as
operações matemáticas de cálculo e as práticas. Os mundos da matemática e da
ética parecem estar nos antípodas: uma é cientifica, puramente racional,
necessária, universal, verdadeira, rigorosíssima, desvinculada da natureza do
devir e da vida vivida – e é uma “coisa de jovens”; a outra não é demonstrativa,
relaciona-se com as paixões, é contingente e aproximativa, na melhor das
hipóteses tem valor em termos gerais e se mostra correta, mas apóia-se sempre
em casos particulares e na experiência de vida – e por isso é uma “coisa de
homens maduros”. ( CATTANEI, 2008, p. 22-23)
A abordagem grega no que diz respeito aos atos produzidos pela ética era diferente dos
objetos produzidos pela técnica, pois estes primeiros não poderiam, não se enquadravam dentro
daquilo que os gregos chamaram de epistéme ou ciência, pois nesta perspectiva, os atos não podem
ser vistos ou classificados como falsos ou verdadeiros, que conforme as habilidades do fazer
técnico se convertem em eficazes ou ineficazes, mas pelo contrário, em vez de serem analisados
a partir da epistéme, são analisados a partir de uma leitura da phrónesis que se traduz por
sabedoria, onde os atos se enquadram dentro de uma perspectiva de bem ou de mal.
No contexto das ações não há estabilidade. Nenhuma regra que se diga estável ou mesmo fixa,
mas pelo contrário, cabe ao agente dar importância aquilo que é apropriado. Aqui, não estamos
dizendo que a ética não tem consistência como discurso válido diante da realidade. O que estamos
tentando dizer é que os atos humanos não podem ser lidos a partir de leis gerais, mecânicas,
reproduzidas na physis, como outrora, tentaram fazer as ciências naturais, mas que por serem
inconstantes, são frutos de constantes reflexões éticas.
Como já mencionado, tal contexto em que a técnica dominará de fato a ética, é o mundo
moderno, que traz consigo a ciência e a técnica que serão faces de uma mesma cosmovisão. Este
cenário muda completamente a antiga visão cosmológica, pois agora a natureza é vista como um
centro laboratorial em que o homem experimenta seus objetivos. Agora, “saber é poder”. Este
lema de Bacon nos mostra que agora, o agir intelectual ou teoria não dita mais as coordenadas dos
fins e a técnica não é mais um meio para tal, mas um fim em si mesma. Um fim sem fim. Tal
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afirmação soa aos nossos ouvidos de forma paradoxal. Não há uma preocupação com os fins a
serem seguidos, mas somente com as intervenções sobre o mundo, sobre a natureza.
Considerações Finais
Em sua obra “O princípio Responsabilidade” Hans Jonas faz uma importante análise acerca da
sociedade mundial e, conclui que esta encontra-se dominada pela técnica, por isso, a denomina de
“civilização tecnocêntrica”.
Sua análise parte de um cenário pré-tecnológico, período antigo, em que a responsabilidade
para com a natureza não era necessária, a um cenário agora tecnológico, com suas várias nuances
ou fases, enfocando a contribuição dos pressupostos bíblicos, a partir de uma leitura dos modernos,
da ciência moderna e seus idealizadores como Bacon e Descartes e, concretizando-se na
contemporaneidade, que agora anseia pela responsabilidade de forma ampla e urgente.
Para Jonas a técnica chegou a um estágio tão avançado que conseguiu neutralizar as reflexões
éticas antigas, tradicionais, no seu dizer. As éticas tradicionais e seus pressupostos não conseguem
dar conta do novo paradigma que está posto à civilização – a técnica. Neste sentido, o autor
anuncia que somente uma outra ética, com novos pressupostos que vislumbrem, contemplem
novos atores afetados pela hiperespecialização técnica poderá reverter os efeitos catastróficos
causados.
Ele traz de volta em sua reflexão a dimensão do cuidado à vivência humana, da prudência, da
precaução, a percepção do alter, do outro em sua forma mais profunda e real que nos faz visualizar
novamente aquela relação existente de outrora em que homem e natureza caminhavam de forma
harmoniosa e respeitosa. Busca dialogar e modificar o agir humano, ou melhor, controlar o estágio
de poder hiperespecializado em que a técnica chegou. Técnica esta que transformou a civilização
em uma civilização intimamente tecnocêntrica, onde as relações entre os próprios homens
modificaram-se em proporções nunca antes imaginadas, ampliando-se para a natureza e, por
conseguinte, ameaçando até mesmo as gerações futuras.
Seu pensamento não direciona o olhar apenas para nossos contemporâneos, mas é um olhar de
tamanha radicalidade que se projeta aqueles que virão depois de nós, para que assim possamos
propiciar seu relacionamento com o ambiente propriamente humano e extra-humano, semelhante
ao que tivemos contato.
A partir da reflexão Jonasiana, podemos concluir que nem todo o conhecimento traz benefícios
para a humanidade e seu habitat. Precisamos acordar diante do perigo real acerca da perda de
controle sobre seus efeitos. Fatalmente, estamos caminhando para um momento em que a história
aponta em direção a necessidade de “proteger o homem de si mesmo e proteger do homem a
natureza e a sua própria natureza humana”
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REFERÊNCIAS
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tradicionais (Antropocêntricas). Revista eclesiástica brasileira (REB), Petrópolis. V. 68, FASC.
269.
GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus,
2006.
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a civilização tecnológica. Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea - (Org.)
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(col. – atualidade em destaque), 1996.
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planetária. São Paulo: Paulinas – (col. – ética e sociedade), 2000.
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(coleção: pensamento filosófico).
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2, n. 7, 2008, p. 14-17.
SIEBENEICHLER, Flávio Beno. A filosofia perante os desafios da ética num mundo globalizado:
ética da preservação versus ética do discurso. ETHICA – Cadernos Acadêmicos. Rio de Janeiro,
v.6, n.2, p.130-149, 1999.
SGANZERLA, Anor; OLIVEIRA, Joelson Roberto de. Jonas: para uma ética da Responsabilidade
com o futuro. Ética em Movimento. (Orgs.) – SGANZERLA, Anor; FALABRETI, Ericson S.;
BOCCA, Francisco V. São Paulo: Paulus, p. 261-269, 2009.
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Resumo: O presente trabalho tem por intuito explicitar a perspectiva da historia humana a luz da
filosofia da historia Kantiana, e, outrossim, observar como ocorre seu direcionamento para o
progresso, haja vista que - uma vez se aperfeiçoando as disposições naturais para o uso da razão,
que, por sua vez, estão em germe em tal faculdade – há de se conceber tal melhoramento humano,
uma vez que o homem estaria extraindo de si as potencialidades que são as suas, isto é, libertando-
se do estado de rudeza. Destarte, consta-se que somente em uma sociedade civil, por conseguinte,
uma sociedade onde as leis jurídicas garantiriam a coexistência das liberdades, que poder-se-ia
pensar em uma perspectiva de progresso social, pois somente em tais condições a “sociável
insociabilidade” poderia elevar os homens acima da animalidade.
Palavras - chave: História. Política. Progresso. Moral. Kant.
Abstract: The present work aims to explain the perspective of human history in the light of the
philosophy of Kantian history, and, moreover, to observe how it is directed towards progress,
given that - once the natural dispositions for the use of reason are perfected, which, in turn, are
germ in such a faculty - such human improvement must be conceived, since man would be
extracting from himself the potentialities that are his own, that is, freeing himself from the state
of rudeness. Thus, it appears that only in a civil society, therefore, a society where legal laws
would guarantee the coexistence of freedoms, that one could think of a perspective of social
progress, because only in such conditions the “sociable insociability” Could elevate men above
animality.
keywords: History. Politics. Progress. Moral. Kant.
– uma vez que essa é um traço natural no homem – esta pode ser mediada pela educação. Ora, se
à animalidade é um traço natural no homem e mesmo vivendo em sociedade ainda se terá conflito,
disso se inferi, que já no estado de natureza existe sociabilidade, entretanto, esta é limitada, e,
mediante o exercício da liberdade de forma irrestrita, tal condição social não seria possível de
desenvolver-se. Cumpri ainda salientar, que o conflito se expressa de forma necessária, dado que
é produtivo, pois é mediante esse que pode-se tirar o homem da condição de tranqüilidade e
preguiça, nessa perspectiva, as leis jurídicas, segundo o filosofo, teriam o propósito de administrar
a perpetuação dos conflitos em sociedade, por conseguinte, ter-se-á um aperfeiçoamento humano.
Dessa forma, a sociável insociabilidade do homem, isto é, à inclinação do homem para
está em sociedade, entretanto, à disposição para isolar-se quando não tem o seu “amado-eu”
satisfeito ao seu gosto, é o que promoverá a criação da arte e da ciência, as relações sociais e
morais, bem como as instituições jurídicas, assim, surge à característica insocial, como diz Kant,
“de querer dispor de tudo ao seu bel prazer, e, por conseguinte, espera resistência de todos os
lados, tal como sabe por si mesmo que, de sua parte, sente inclinação para exercitar a resistência
contra os outros”, nesse sentido, é tal resistência social que despertará no homem o interesse, bem
como a força para querer ultrapassar à inclinação para preguiça. Do mesmo modo, movido pelo
domínio de posse, interesse e dominação, com o objetivo de alcançar uma posição similar ao outro,
que, nesse sentido, considera seu adversário. Assim, tem-se os primeiros passos imediatos de
rudeza, para à cultura; que segundo Kant “Consiste no valor social do homem”, nesse sentido,
pouco à pouco desenvolve-se os talentos que já estavam em germe na razão, assim, começa-se a
desdobrar uma forma no modo de pensar, que, com o tempo, converterá a rudeza disposição
natural em princípios práticos, por conseguinte, na moralidade.
Nesse sentido, é graças ao interesse, à disposição para mandar, à ânsia de posse, etc. Que
aos poucos o homem consegue ultrapassar o estado de natureza, pois sem tais características, as
disposições da humanidade permaneceriam em um doce sono de Juno. Assim, o homem quer
concórdia; mas à natureza sabe o que é bom para á sua espécie, e quer discórdia, conforme a
ideia de uma historia universal, (quarta proposição), portanto, o homem quer ficar acomodado,
tranqüilo, bem como no estado de rudeza, pois em tal circunstância não existe o trabalho e o
desempenho - condições que elevariam o homem a acima do estado de animalidade – mas apenas
repouso, condição, por sua vez, que emergiria o homem cada vez mais à brutalidade, assim, como
a natureza sabe o que é bom para a espécie quer que este mergulhe no trabalho e na contradição
para que possa vir livrar-se com discernimento desse estado de acomodação.
Sendo assim, todas as disposições naturais devem ser desenvolvidas de acordo com um
fim, pois, esta, segundo o filósofo da Prússia, é a intenção da natureza, ou seja, que à humanidade
realize seu fim, desse modo, em uma sociedade civil, portanto, onde existe uma constituição civil
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justa que possa tornar à liberdade comum à todos. Uma vez realizando tal telos, poder-se-ia
realizar o plano oculto da natureza, portanto, de desenvolver o homem em função do seu
aperfeiçoamento humano. Cumpre reiterar, que o homem ainda é possuidor de inclinações, pois
este tem uma dimensão sensível, assim, é somente em uma sociedade civil que tais inclinações
produzem o melhor resultado, conforme, por analogia, diz Kant, “Como as arvores em um bosque,
justamente por cada uma procura tirar à outra o ar e o sol, se esforçam por buscá-los por cima de
si mesmas e assim conseguem um belo porte, ao passo que as que se encontram em liberdade e
entre si isoladas estendem caprichosamente os seus ramos crescem, deformadas, tortas e
retorcidas”, portanto, dentro de uma sociedade civil os homens não podem viver uns com os outros
mediante uma liberdade Barbara, mas conforme já pontuado, pela coexistência da liberdade
garantida pela constituição civilmente justa.
No mesmo sentido, cumprir-se-á explicitar a liberdade irrestrita que existe entre os estados,
portanto, o mesmo processo que encaminhou os homens à realizarem um plano da natureza, isto
é, á transitar do estado de natureza onde havia um exercício da liberdade de forma selvagem, para
um estado civil, por conseqüência, onde à coexistência das liberdades, realizar-se-á entre os
estados para que se torne possível uma comunidade civil mundial. Sendo assim, cada estado, para
atingir o objetivo de tranqüilidade e segurança entre as federações, é impulsionado por um
antagonismo inevitável, isto é, à tendência para atingir o cosmopolitismo, entretanto, de forma
conflituosa, pois com diz o filosofo de Kognisberg, “A natureza compele-os, primeiro, a tentativas
imperfeitas e, finalmente após muitas devastações, naufrágios, e até esgotamento interno geral das
suas forças, ao intento que a razão poderia ter inspirado, mesmo sem tantas e tão tristes
experiências, a saber: sair do estado sem leis dos selvagens e ingressar numa liga de povos” dessa
forma, seria como “A teoria atômica de Epicuro, portanto, das causas eficientes” isto é, mediante
vários choques acidentais, se chega sempre à uma forma, até, que, por caso, se consiga chegar a
uma forma que mantenha à sua forma. Assim, cada estado, por mais pequeno que seja, teria a
segurança, o direito, não do poder ou da decisão jurídica própria, mas da potencia unificada da
federação de nações.
Nesse sentido, as guerras que ocorrem entre os estados, nada mais são do que uma forma
de atingir o aperfeiçoamento das mesmas, por conseguinte, outros meios de atingir-se novas forma
de relações entre as nações, que, cabe salientar, não é a intenção dos homens, mas a realização do
propósito da natureza, pois a natureza persegue seu curso regular, a saber, o de conduzir
gradualmente a nossa espécie, desde o estado inferior, por conseguinte, o de rudeza, até o Maximo
de humanidade. Nessa perspectiva, uma vez que os estados tentem ultrapassar à sua liberdade
Barbara já fundada, isto é, por meio de armamentos contra os outros, e, por conseqüência, em
grandes devastações que a guerra configura, grandes males podem advir constrangendo à espécie
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à encontrar resistência, mediante outros estados, um estado, que seja saudável em si, fruto da
liberdade, portanto, não totalitário. Nesse sentido, enquanto os estado preocupam-se apenas com
uma visão ofuscada de expansão de seus territórios de forma violenta e danosa, ao invés de
esforçar-se para formar os seus cidadãos, e, estes, por sua vez, irem desenvolvendo um modo de
pensar, não configurar-se-ia o aperfeiçoamento humano, o estado deve aos poucos, através da arte
e da ciência, moldando à espécie humana, assim, constatar-se-ia um cosmopolitismo, portanto,
uma sociedade civil mundial. Do mesmo modo, algumas interpretações pode nos conduzir à inferir
que tal proposta Kantiana se configura como uma vã quimera, no entanto, como o filosofo mesmo
observa, isso é apenas um ideal à ser perseguido, tal visão seria uma teleologia prospectiva
empreendida pelo filosofo da Prússia.
Nesse sentido, à historia da espécie humana é pensada segundo Kant a partir de um ideia
racional, é imediato inferir, que tal proposta poderia se assemelhar a um romance ficcional, no
entanto, tal ideia poderia, sistematicamente, nos servir de fio condutor, se tomarmos em conjunto,
as pluralidades de ações humanas, portanto, sem um planto, assim, constatar-se-á um fio condutor
racional que perpassou as eras mediante o aperfeiçoamento intelectual, por conseqüência,
humano, a primeira constituição civil republicana em Roma, que absorveu a postura políticas dos
gregos aperfeiçoando-as, que, por sua vez, influenciaram os bárbaros, os mesmos que destruiriam
o estado de Roma, assim, todo o conhecimento que a posteridade desenvolveu, teve seu inicio, e
fora legado pelos esclarecidos para o futuro, mesmo com certas deficiências que ainda
permanecem enquanto germe em tal legado, poder-se-á aperfeiçoar pelo nome de revoluções.
Porém, Kant negará tal historia empírica em detrimento de uma historia a priori, portanto, uma
historia que tem como orientação a razão, por conseguinte, uma reflexão filosófica.
Nesse sentido, o filosofo observa que, mediante uma historia empírica, muitos documentos
se perderam, e outros foram reestruturados de acordo com posições que glorificavam um individuo
ou um grupo, sendo assim, diz Kant, “Juntamente com à ânsia de gloria dos chefes de estado e
dos seu servidores, para os encaminhar em direção ao único meio que lhes pode assegurar
recordação gloriosa em um tempo futuro, pode proporcionar um pequeno motivo para intentar
semelhante história filosófica”.
Sendo assim, uma vez entendendo à historia não em função do progresso da espécie, mas
uma historia do primeiro desenvolvimento da liberdade a partir da disposições originarias.
Portanto, não se trata, de empreender uma historia por conjecturas sobre os feitos humanos, mas
um primeiro começo, isto é, que não era nem pior e nem melhor do que nos encontramos,
conforme diz Kant, “Uma pressuposição que é conforme à analogia com a natureza não traz
consigo nenhum risco”. Nessa perspectiva, em começo conjectural da historia humana, opúsculo
de 1786, o filosofo da Prússia propõem um teleologia retrospectiva, desse modo, o pensador se
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submete à uma viagem, que, antes de ser, como uma andorinha em época de verão, é antes, um
retorno ao inicio, para tanto, o filosofo usa um documento histórico autêntico como mapa, e a
razão como fio condutor, uma vez feito isso, Kant propõe aos leitores um exercício concomitante,
a saber, abrir o livro sagrado e deixa ser guiado, passo -a – passo, investigando se o mesmo
caminho que a filosofia realiza mediante conceito à história constata. Cumpre observar que o que
Kant se propõem à fazer não é uma teologia da historia, mas uma analise filosófica da historia,
desse modo, o pensador abstrai todo o conteúdo místico de seu projeto.
Desse modo, para não devanear sobre certa conjectura, faz-se necessário tomar um
começo, aquilo que a razão humana já mais pode derivar de uma causalidade natural. Sendo assim,
admitir-se-á existência de um casal, de idade adulta, para que este reproduza sua espécie; nesse
sentido, infere-se que já no estado inicial da historia da liberdade mediante o desenvolvimento das
disposições originais, já existe, ainda que limitada, uma sociabilidade. Aos poucos forma-se uma
união familiar, o que, segundo o filósofo, fora o maior fim destinado à humanidade, em seqüência,
domina-se as ferramentas para caçar, pescar e plantar, assim, mediante á técnica e o trabalho as
disposições que já estão em germe na razão que proporciona - à habilidade de servir das suas
forças o eleva à cima da sua natureza rude - vão desdobrando-se, começa-se a desenvolver uma
forma de pensar, posteriormente à fala, começar, andar, condições essas que este teve que adquiri
por si só, pois à experiência corrobora tal condição; surge a necessidade de proteger o seu plantio
contra ameaças de predadores, assim, cria-se um Etos, ou seja, a sua morada fixa, por
conseqüência, à repetição do mesmo processo pelos seus congênitos, tem-se o surgimento das
primeiras vilas. Assim, com á ampliação das vilas para as cidades, criou-se leis para que pudessem
assegurar uma relação harmônica em sociedade.
Do mesmo modo, na sua condição primaria poder-se-ia comparar o homem á um animal
instintivo, pois este tem inclinações para o sexo bem como para alimentação, no entanto, logo
aparece a razão, manifestando-se como reguladora de tais aspectos instintivos, desse modo, o
primeiro homem que – vivendo tranquilamente em um jardim, ao se perceber fisicamente, usará
à folha de figo, tal circunstância expressa a primeira manifestação da razão, por conseguinte, os
primeiro passos para determinar as inclinações, ou seja, afastando-a de qualquer objeto dos
sentidos.
Nessa perspectiva, o presente esboço explicita a passagem do homem do seu estado de
rudeza, portanto, de natureza, para o estado de humanidade, estado este, onde há o exercício da
liberdade, ou seja, como diz Kant: “Se o homem ganhou ou perdeu com essa mudança isso deixa
de ser uma questão quando consideramos à destinação sua espécie que consiste em progredir
para á perfeição”. Portanto, a passagem da determinação da natureza para o estado de liberdade,
ou seja, da muleta do instinto para à condução racional, tal condição proporcionou o
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encaminhamento para o progresso da espécie, por mais que as primeiras tentativas para se alcançar
tal perfeição tenham sido vãs, isto é, mal sucedidas, no entanto, esse é um progresso na espécie
do pior para o melhor, para os indivíduos ao contrario, não é exatamente o mesmo. Assim, antes
da razão iniciar o seu reinado, por assim dizer, os homens mergulhavam na satisfação do bel-
prazer, por conseqüência, os males surgiam. Sendo assim, em uma sociedade civil, tendo um poder
político que possa apelar, bem como à educação para podar à animalidade, começar-se a tornar
possível o progresso da espécie, portanto, o aperfeiçoamento humano se positiva.
Referências
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita.
Ed. Bilíngue Alemão/Português. Tradução de Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
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Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a brusca chegada da modernidade e suas
implicações a uma vila portuguesa no conto O Largo do escritor português Manuel da Fonseca.
Para tanto, serão analisados os conceitos de memória e identidade e como estas se relacionam
entre si, o que nos fornecerá uma "explicação" do que ocorre entre os personagens e nas relações
sociais no conto, recorrendo a aportes teóricos de pensadores da atualidade como Tomaz Tadeu e
Judith Butler.
Palavras-chave: Memória. Identidade. Relações socais.
Abstract: This article aims to analyze the sudden arrival of modernity and its implications for a
Portuguese village in the short story O Largo by Portuguese writer Manuel da Fonseca. To this
end, the concepts of memory and identity and how they relate to each other will be analyzed,
which will provide us with an "explanation" of what happens between the characters and in the
social relationships in the story, using theoretical contributions from current thinkers such as
Tomaz Tadeu and Judith Butler.
Keywords: Memory. Identity. Social relations.
INTRODUÇÃO
(...) Veio o comboio e mudou a Vila. As lojas encheram-se de utensilios que,
antes, apenas se vendiam nos ferreiros e nos carpinteiros. O comércio
desenvolveu-se, construiu-se numa fábrica. As oficinas faliram, os mestres-
ferreiros desceram a operários, os alvanéis passaram a chamar-se de pedreiros e
também se transformaram em operário. Apareceu a Gaurda, substituiu os
pachorrentos cabos de paz, e prendeu os valentes. As mulheres cortaram os
cabelos, pintaram a boca e saem sozinhas. O senhores tiram agora os chapéus uns
dos outros, fazem grandes vénias e apertam-se as mãos a toda hora. Vão à missa
com as mulheres, passam as tardes no Clube, e já não descem ao Largo. Apenas
os bêbados e os malteses se demoram por lá nas tardes de domingo(...)
270
Mestra em Cultura e Sociedade PGCult/UFMA. Licenciada em Letras, professora de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias-SESI/FIEMA.
271
Mestra em Cultura e Sociedade PGCult/UFMA. Licenciada em Filosofia, professora de Filosofia da UFMA.
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saírem sozinhas após a chegada do comboio, como se comportavam antes? Não saíam sozinhas?
Não pintavam as unhas e nem cortavam os cabelos? Qual era a base identitária para tais ações? E
o que ocorreu para que mudasse?
Pensando nessas perguntas e tentando respondê-las, é que o artigo se desdobrará nas
discussões sobre identidade e memória. Que todos nós temos memória não duvidamos. Mas, como
ocorre o processamento de vestígios passados, como armazenar tantos acontecimentos? Mais
ainda, qual a influência da memória à identidade? A identidade é fixa ou mutável?
Para tentar responder tais questões, recorreremos a autores como Michal Pollak,
Kathryn Woodward, Tomaz Tadeu da Silva e Judith Butler.
MEMÓRIA E IDENTIDADE
notícias,
sempre se inventava algo que se assemelhava com a verdade, e ao passo que o tempo passava,
acabava se tornando uma verdade indestrutível. Ora, veio do Largo, e este era como que um
atestado de veracidade. E assim o Largo era o centro do mundo.
Quem dominasse o Largo, dominava a Vila inteira, e os mais espertos e inteligentes
logo tratavam de dominá-lo. No Largo, os bêbados riam, cambaleavam e caiam de cara no chão
sem se importar com plateia. Lá, no "centro do mundo", "os homens se sentiam grandes em tudo
que a vida dava, quer fosse a valentia, ou a inteligência, ou a tristeza." (Ibid., p.24) Também lá, os
senhores da Vila falavam de igual para igual com os mestres alvaneis, os mestres-ferreiros.
Se antes as notícias chegavam vagarosamente através de viajantes, agora, chegam a
toda hora de qualquer lugar do mundo, bastava só entrar nos diversos cafés e vendas que se
instalaram na Vila. As telefonias informavam tudo o que acontecia no mundo, desde as
profundezas do oceano até o céu. Os moradores imediatamente sabiam qualquer coisa que
acontecesse em qualquer lugar, e logo formavam um julgamento sobre. Nada no mundo já é
desconhecido, todos sabem sobre tudo e se interessam sobre tudo. Mas a Vila dividiu-se.
Cada clientela vai ao café que corresponde às suas condições de vida. O lugar onde
todos iam e sabiam só o que lhes interessavam, estava morto: o Largo. Os grupos de homens
dividiam-se de acordo com as necessidades e os interesses. Discutem o que dizem as telefonias e
os jornais e sentem cada vez mais que algo está acontecendo.
As crianças também se separaram: só brincam entre si somente se tiverem a mesma
condição, e esperam à porta nos cafés que os pais ou irmãos mais velhos frequentam. O Largo,
agora, pertencia a todo mundo. Lá vão as crianças, as mulheres e os homens, ao passo que "No
outro Largo, só os bêbados e os madraços dos malteses - e aqueles que não querem acreditar que
tudo mudou. O certo é que ninguém já liga importância a esta gente e a este Largo." (Ibid., p. 27)
O relato melancólico do narrador-personagem nos evoca a um passado glorioso que
não mais existe, mas que está cravado na memória não só dele, mas de outros personagens.
Logo no primeiro parágrafo de Memória e Identidade, Michael Pollak (1992) já define
qual problema tratará, que é o problema da relação entre memória e identidade social no âmbito
da história oral, o qual iremos apenas investigar e analisar o que nos interessa para o conto O
Largo.
Pollack afirma que, a priori, a memória parece se apresentar como um fenômeno
individual e íntimo. Porém, ainda que concordando com Maurice Halbwachs (2006) em seu livro
A Memória Coletiva, no qual afirma que a memória é fenômeno coletivo e social, e por isso, é
marcada por transformações e mudanças frequentemente, Pollak ressalta que há pontos invariantes
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na memória.
Através de entrevistas pela história oral, é possível perceber que as pessoas ao
contarem histórias voltam frequentemente aos mesmos acontecimentos, como se certos aspectos
da memória estivessem tão "calcificados" que fossem impassível de mudanças. Por outro lado,
muitos acontecimentos e fatos mudam de acordo com os interlocutores. Dessa forma, pergunta
Pollak, quais elementos que constituem tanto a memória individual quanto a coletiva? Ele inclui
três elementos:
Esse primeiro critério da memória diz respeito aos acontecimentos que nem sempre
são vividos pela pessoa, mas que está tão forte em seu imaginário que passa a servir de referência
em toda sua vida. Mais ainda, nos acontecimentos vividos por tabela, a pessoa chega a ter um
nível muito alto de identificação, sendo quase não possível de saber se os viveu ou não. Pollak
afirma ainda que é possível através da "socialização política, ou da socialização histórica, ocorra
um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos
falar numa memória quase herdada." (Id.)
O segundo elemento constituinte da memória são pessoas, personagens. Novamente,
afirma Pollak, aqui também podemos falar de personagens que realmente tiveram participação em
nossa vida, ou apenas viveram por tabela, mas que impregnaram tanto nossa memória que
passaram a ser pessoas quase que conhecidas. Há ainda personagens que não viveram
necessariamente no mesmo espaço e lugar da pessoa, como exemplifica Pollack "no caso da
França, não é preciso ter vivido na época do general De Gaulle para senti-lo como um
contemporâneo." (1992, p. 202)
Finalmente, além dos acontecimentos e personagens, a memória também é constituída
por lugares. Na memória, encontramos lugares com forte ligação tanto a uma lembrança pessoal
quanto a uma que não segue um tempo cronológico. Pode ser uma lembrança ligada a um lugar
de férias da infância, sem necessariamente ter uma ligação com a data específica em que ocorreu.
E há aqui, mais uma vez, os lugares vividos por tabelas, tanto na memória coletiva quanto a
individual, pois conforme Pollak, "Locais muito longínquos, fora do espaço-tempo da vida de uma
pessoa, podem constituir lugar importante para a memória do grupo, e por conseguinte da própria
pessoa, seja por tabela, seja por pertencimento a esse grupo." (1992, p. 202)
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Pollak nos relata as impressões de várias entrevistas que fez com pessoas que viveram na época
da guerra da Normandia, invadida por tropas alemãs em 1940, e que deviam ter nesse tempo entre
15, 16, 17 anos e tinham lembranças de soldados alemães com capacetes pontudos (casques à
pointe). Encontramos aqui, segundo Pollak, um caso de transferência por herança, pois os
"capacetes pontudos", apelido dado aos soldados alemães, são da época da Primeira Guerra
Mundial, utilizados até 1916, 1917. Certamente, essas pessoas projetaram na Segunda Guerra
Mundial a memória herdada de pais que viveram no tempo em que a Alemanha ocupou a Alsácia
e Lorena na Primeira Guerra. (POLLAK, 1992, p. 202). O mesmo ocorre com João Gadunha em
O Largo, que se apega desesperadamente à uma memória herdada.
Nas grandes faias que ainda rodeiam o Largo, João Gadunha, o bêbado, ainda insiste
em continuar a "tradição" de frequentar o Largo como o centro do mundo, mas todos zombam
dele e se afastam. Ele,
fala de Lisboa, onde nunca foi. Tudo nele, os gestos e o modo solene de falar, é
uma imitação mal pronta dos homens que ouviu quando novo.
- Grande cidade, Lisboa! - diz ele. - Aquilo é gente e mais gente, ruas cheias de
pessoal, como numa feira!
Gadunha supõe que em Lisboa ainda há largos e homens como ele conheceu,
ali, naquele Largo marginado pelas velhas faias. (FONSECA, 1982, p.27)
- Querem vocês saber? Uma tarde, estava eu no Largo do Rossio... (...) Estava eu
no Largo do Rossio a ver o movimento. Vá de passar o pessoal para baixo,
famílias para cima, um mundo de gente, e eu a ver. Nisto, dou com um tipo a
olhar-me de esguelha. Cá está um larápio, pensei eu. Ora se era!... Veio-se
chegando, assim como quem não quer a coisa, e meteu-me a mão por baixo da
jaqueta. Mas eu já estava à espera!... Salto para o lado e, zás, atiro-lhe uma
punhada nos queixos: o tipo foi de gangão, bateu com a cabeça num eucalipto e
caiu sem sentidos! (Ibid., p. 28)
"Um eucalipto?", lhe perguntaram. E esse pequeno detalhe fez com que todos rissem
dele. Se fosse na época antes do comboio chegar, todos ouviriam em silêncio. Agora, entretanto,
todos sabem de tudo. Mesmo após a zombaria, João Gadunha insiste: "Vocês já viram um largo
sem eucaliptos, ou faias, ou outra árvore qualquer?" (Id.) Com a história sem sucesso, João
Gadunha fica só e triste:
a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a
imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na
sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer
ser percebida pelos outros. ( POLLAK, 1992, p. 204)
Pollak afirma que na construção da identidade há três elementos: a unidade física, isto é, o
sentimento de possuir fronteiras físicas tanto no corpo quanto ao pertencimento de um grupo,
como em um coletivo; a continuidade dentro de um tempo físico, moral e psicológico; e
osentimento de coerência que consiste na unificação dos diferentes elementos constituintes do
sujeito. O rompimento desse sentimento de continuidade e unidade pode desencadear fenômenos
patológicos. Nesse sentido, é possível afirmar que a memória é um elemento constituinte do
sentimento de identidade na medida em que é fundamental para o sentimento de coerência e
continuidade do indivíduo ou grupo. (POLLAK, 1992, p. 2004) Entretanto, há um elemento que
escapa ao indivíduo: o Outro. Esse sentimento de continuidade e unidade é perdido no personagem
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de Ranito.
O Largo vai morrendo cada vez mais. Aos domingos é mais solitário, tendo como
companhia as faias silenciosas, já que todos ou estão no cinema, ou no campo, ou nos cafés. É em
dias assim que o velho Ranito sai às ruas amargurado. Antes era mestre-artífice e as pessoas o
respeitavam.
Agora, é tomado pela pobreza e desprestígio. Se enche de vinho e vai ao Largo
enfrentar os valentões que não mais existem. Dá golpes contra o ar, desafia homens que já
morreram, luta com fantasmas, até que finalmente se cansa do combate que ele mesmo forjou, e
tropeça "de tanta bebedeira e desilusão, não aceita que o Largo já morreu, (...) já não pode ver que
Largo é o mundo fora daquele círculo de faias ressequidas. Esse vasto mundo onde qualquer coisa,
terrível e desejada, está acontecendo. (FONSECA, 1992, p 30)
É nesse sentido que Pollak afirma:
Homem/Mulher
Nesse trecho de Cixous recortado por Woodwar, as mulheres estão associadas com a
natureza, com a emoção e com o coração, e não com a cultura, com a cabeça e com a racionalidade.
No Largo, é possível perceber a relação dicotômica entre mulheres/vida doméstica e homens/vida
pública.
No Largo, não havia distinção de classes: os donos do comércio, os camponeses, os
empregados da Câmara, os malteses, os misteriosos e arrogantes vagabundos se tratavam de igual
para igual. Lá, no Largo, também havia a melhor escola das crianças. Elas aprendiam as artes
observando os mestres artífices. Aprendiam ou a ser valentes, ou bêbados ou vagabundos. Tudo o
que aprendiam era vida, e o Largo estava cheio dela, dos valentões e das tragédias. E de
inteligência também. Já às mulheres, a instrução era outra. Percebemos aqui que poderia não haver
distinção de classe, mas é evidente que existe de gênero.
Às mulheres, pertencia a casa. Viviam para os homens e eram submissas a eles. Seus
afazeres consistia em pentear as tranças, fazer a comida e a cama. Sequer podiam sair sozinhas à
noite. Afinal, eram mulheres. Se queriam sair, precisavam sempre de um homem da família para
acompanhá-las. Quando visitavam as amigas, os homens deixavam-nas até o local pretendido e
esperavam em alguma loja perto enquanto aguardavam que saíssem para poder levá-las de volta
às suas casas. Até às missas iam sozinhas, porque os homens não entravam em lugar onde fossem
obrigados a tirar chapéu, já que eram homens que mandavam no Largo. Porém, depois que o
comboio chegou tudo mudou.
Ivan Domingues em O grau zero do conhecimento: o problema da fundamentação
das ciências humanas refaz toda a trajetória epistemológica do período clássico à modernidade.
Segundo o autor, desde do começo da filosofia, a base do saber estava assentada em duas ideias
distintas, porem complementares: o espírito de sistema e a metafísica.
O espírito de sistema, ideia de construir um sistema de conhecimento totalizante, na
qual as partes estão profundamente ligadas entre si quanto os corpos do universo formam um todo
ordenado. A metafisica, ideia de erguer um saber total da realidade em sua totalidade, de modo
que funde a si mesma e fazendo derivar as demais disciplinas particulares como pertencentes ao
todo. Existe, portanto, uma unidade que liga essas duas ideias que comporta uma ontologia de
princípios e lógica da identidade, de tal forma que todos os saberes, comportamentos, ideias,
devam estar subordinados a esse sistema. Essa ideia aparece também na crítica que Judith Butler
faz à metafísica da substância em Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade:
poder que provoca. A afirmação da identidade necessariamente exclui outra, e essa exclusão,
como vimos, nunca é inocente, mas possui privilégios ao definir o que pode o não ter valor.
Ruanito sentiu e enlouqueceu devido a uma virada hierárquica, isto é, à perda de privilégios.
Antes do comboio chegar tinha status e poder, era mestre-artífice, importante e
respeitado. Sua identidade era poderosa em relação a outras. Porém, depois que o comboio chegou,
essa relação foi subvertida e passou a ser o termo mais fraco. Agora, era pobre e beberrão.
Provavelmente era só mais um operário.
Algo interessante que destacamos no Largo é que os personagens que enlouqueceram
e sofreram com as mudanças foram justamente homens, e não mulheres. Nos parece que a
reclamação de uma suposta perda ou crise de identidade ou o abandono de uma suposta tradição
ocorre mais com quem perde privilégios, isto é, o termo até então considerado mais forte, do que
com o termo mais fraco. Pelo menos nesse conto.
Enfim, discussões sobre como a memória e a identidade se constroem são inúmeras,
mas podemos considerar no final desse trabalho que seus elementos e propriedades não são fixas
e estão sempre em negociação com o Outro que se apresenta e nos interpela.
REFERÊNCIAS
• FONSECA, Manuel da. O Largo in O Fogo e as Cinzas, obra completa. Lisboa: Editorial
Caminho, 1982.
• POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, n.
10, 1992.
• SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.), HALL, Stuart., WOODWAR, Kathryn. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
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Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar os efeitos da estética da recepção em dois
prólogos que antecedem duas edições do escritor espanhol Rafael Sánchez Ferlosio, Industrias y
Andanzas de Alfanhuí (1951), escritos por dois leitores críticos em épocas diversas: Agustín
Cerezales (1951), Juan Beneti Goitia (1970). A corrente crítica literária surge no horizonte da
década de 60, associada principalmente a Hans Robert Jauss, recepcionada no Brasil por Regina
Zilberman (1989), que acentua um processo dinâmico e dialético entre o leitor e a obra
mediatizada pelo autor. Nessa perspectiva dialógica, propõe-se que o valor estético e histórico da
obra se reconfigura a cada novo encontro com diferentes leitores que demandam de diferentes
épocas, isso porque ela, a obra de arte literária “não é um objeto que exista por si só, oferecendo
a cada observador, em cada época um mesmo aspecto. Não se trata de um monumento a revelar
monologicamente seu Ser atemporal. Ela é, antes, como uma partitura voltada para a ressonância
sempre renovada da leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência
atual” (JAUSS, 1994, p.25).
Palavras-chave: Leitores. Estética da Recepção. Prólogos. Industrias y Andazas de Alfanhuí.
Abstract: This work aims to analyze the effects of reception aesthetics in two prologues that
precede two editions of the Spanish writer Rafael Sánchez Ferlosio, Industrias y Andanzas de
Alfanhuí (1951), written by two critical readers at different times: Algustín Cerezales (2001), Juan
Beneti Goitia (1970). The current literary criticism appears on the horizon of the 1960s, associated
mainly with Hans Robert Jauss, received in Brazil by Regina Zilberman (1989), which emphasizes
a dynamic and dialectical process between the reader and the work mediated by the author. In this
dialogical perspective, it is proposed that the aesthetic and historical value of the work is
reconfigured at each new meeting with different readers who demand it from different times,
because it, the literary work of art “is not an object that exists by itself, offering each observer, in
each season, the same aspect. It is not a monument to reveal its timeless Being monologically.
Rather, it is like a score focused on the ever-renewed resonance of reading, freeing the text from
the material of words and giving it a current existence ” (JAUSS, 1994, p.25).
Keywords: Readers. Aesthetics of Reception. Prologues. Industrias y Andazas de Alfanhuí.
1 INTRODUÇÃO
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Este trabalho é parte de uma pesquisa monográfica intitulada A Estética da Recepção nos
Prólogos de Agustín Cerezales e Juan Benet Goitia em Indústrias y Andanzas de Alfanhuí, de
Rafael Sánchez Ferlosio, apresentada ao curso de Licenciatura em Linguagens e Códigos – Língua
Portuguesa, da Universidade Federal do Maranhão, UFMA Campus São Bernardo.
Tivemos como principal objetivo analisar os efeitos da estética da recepção em dois
prólogos que antecedem duas edições do escritor espanhol Rafael Sánchez Ferlosio, Industrias y
Andanzas de Alfanhuí (1951), escritos por dois leitores críticos em épocas diversas: Algustín
Cerezales (1951), Juan Beneti Goitia (1970). Nossa pesquisa se justifica pela relevância de estudar
os efeitos da estética da recepção em prólogos de obras voltadas ao público infantil, visto que não
identificamos durante as buscas de material produzido em sites de pesquisa acadêmica,
repositórios de monografias, teses e dissertações, resultados sobre respectiva corrente estudada a
partir dessa perspectiva.
Para tanto, nos fundamentamos nos estudos de Jauss (1994), principal expoente desta
corrente crítica literária; Zilberman (1979), que recepcionou os estudos da Estética da Recepção
no Brasil. Fundamentamo-nos ainda na pesquisa de mestrado de Ribeiro (2011), entre outros
autores que nos auxiliaram no processo da construção da pesquisa. Para discutirmos sobre os tipos
de leitores, recorremos as definições de Tasende (2000) e Calderón (2000), no intuito de
compreender o papel exercido por eles, isto é, os leitores, no processo de leitura do texto literário.
A estética da recepção é uma corrente teórico crítica da teoria literária que surgiu em
meados da década de 60, tendo como marco inicial do seu surgimento, a conferência de abertura
das atividades do ano letivo, proferida pelo então professor da escola de Constança, na Alemanha,
Hans Robert Jauss, percussor desta vertente teórica.
A estética da recepção teve como principal objetivo ressignificar a história da literatura,
oferecendo um leque de possibilidades para se trabalhar outros métodos de análise sobre a
historicidade da obra de arte literária. Entretanto, os efeitos provocados por este novo esboço
excederam para além dos objetivos primariamente propostos, contribuindo para as áreas de
estudos sobre literatura comparada, teoria crítica literária e ensino de literatura.
Essa nova vertente da teoria literária surge como uma crítica e provocação à história da
literatura que, demasiadamente, tenta através da história de uma obra literária, explicar de forma
absoluta o sentido/significado dela por si mesma. A crítica feita por Hans Robert Jauss, na
conferência de 1967, vai em direção à história da literatura porque estava fossilizada e presa,
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Desse modo, a estética da recepção se difere das outras correntes críticas pois concebe a
literatura enquanto manifestação e função social. Tendo como ponto de partida a relação dialética
existente entre o leitor e o texto, mediatizado pelo autor, a estética da recepção permite ao leitor
exercer um papel que é propriamente seu, ou seja, de atribuir ao texto literário a significação e
historicidade.
Assim sendo, as significações dadas aos texto por seus respectivos leitores se configuram
na dinamicidade de sentidos e valores tanto históricos quanto estéticos. Para tanto, considera-se
como relevantes as experiências de mundo vivenciadas antes do ato da leitura. É nesta perceptiva
que encontramos diferentes categorias de leitores, os quais se diferem durante a leitura, uma vez
que desfrutam de diferentes experiências de leitura, tanto de texto quanto de mundo.
3 OS LEITORES
272
Hans Georg Gadamer em “Ler é traduzir”, traz discussões sobre leitura e interpretação. O autor afirma que o ato
de ler um texto e interpretá-lo e semelhante ao processo de tradução de um texto de uma língua materna para uma
segunda língua. Se apropriando de uma passagem expressa por Friedcrich Schegel, que afirma que para compreender
alguem, é preciso ser tão inteligente como o autor, mais do que o autor, como também ser tão “burro” quanto o outro.
Assim, aduz “não é suficiente que se compreenda o sentido propriamente dito de uma obra confusa melhor do que o
autor a compreendeu. É preciso que se possa também conhecer, caracterizar e construir a própria confusão até os seus
princípios” (Gadamer, 2010, p. 126) Assim como não existe uma tradução fiel às palavras do autor de um texto, do
mesmo modo acontece com a interpretação da leitura. “O ler e o traduzir têm de superar uma distância” (Gadamer,
2010, p. 127), e esta distância, que não é apenas um distância temporal, é permeada de diferentes discursos de épocas,
experiências de vida entre outros aspectos condicionam e comprometem a significação do texto, que resulta na perda
ou ganho de informações uma vez contidas neles.
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Las experiencias de vida de cada intérprete o lector son las que dan origen a
diferentes lecturas de un determinado texto literario. Y es que los mismos textos
se prestan, a su vez, a esas diversas lecturas, ya que presentan, en su enunciación,
<huecos> o <lagunas> que el intérprete debe rellenar. Así, cuando alguien va
adentrando en la lectura de un texto, el sentido del relato se va transformando
paulatinamente.” (Wolfgang Iser in Calderón, 2000, p321)
Desse modo, as diferentes interpretações de um mesmo texto literário feito por distintos
leitores diz respeito as experiências pré-vivencidas por cada um deles, isto é, o leitor mediante ao
ato da leitura. Estas leituras são configuradas gradualmente durante o processo de decodificação
da palavra escrita.
Nesta perspectiva de distintos leitores, Tasende (2000), em Diccionário del Términos
Literários, apresenta-nos algumas categorias desses leitores. Detemo-nos, entretanto, a definição
de apensas um tipo, a saber: leitor empírico e leitor implícito.
O leitor ou leitor empírico, segundo a definição de Tasende (2000), é receptor externo da
obra literária escrita. Sem ele, o texto não goza do estatuto de obra literária, pois é ele “que da
vida a la obra y la convierte em la literatura”; (Tasende, 200, p.421) a presença do leitor é inerente
ao processo de recepção que o autor propõe à sua obra. Diferente da obra, que se apresenta
enquanto imutável em seu aspecto físico, o leitor manifesta-se variável.
comprensiva e interpretativa.” (Tasende, 2000, p.421) e para uma mesma obra, temos tantos
leitores, de tantas outras épocas diversas.
O leitor implícito é um conceito, segundo Tasende (2000, p.423), “introducido em
Narratología por W. Iser. Se trata de un ente abstracto, inherente a la obra literaria, un lector
supuesto y necesario para su existencia en cuanto que resulta un complemento interno
indispensable de su creación”; pressupondo a existência desse leitor, o autor se apropria da
linguagem - principalmente nos níveis fônico, sintático e semântico – para construir o seu texto:
“em ella las elipsis, las indeterminaciones, los juegos irónicos y metafóricos y otros recursos y
técnicas no podrían ser usados sin la presuposición de um lector implícito.” (Tasende, 2009, p.423)
Iser (1996 apud Ribeiro 2012) define leitor implícito como o espaço que habita entre o
leitor real e o texto. Trata-se de um elemento que é presente na construção obra escrita, isto é, da
obra de arte literária. O autor quando idealiza o leitor implícito, ele o transcreve para o texto e a
presença deste é percebida pelo leitor real – empírico – durante o ato da leitura. Partindo disso, o
leitor implícito é reconhecido como componente pertencente à estrutura do texto.
4 ANÁLISES
Gérard Genette (2009, p.09) conceitua os elementos paratextuais como um “meio do qual
um texto se torna livro e se propõe como tal a seus leitores”, um tipo de ‘vestíbulo’ que direciona
tanto à uma melhor acolhida (recepção) quanto a uma leitura mais pertinente. São elementos que
assumem, portanto, a função de apresentá-lo e tornar possível sua presença no mundo enquanto
livro. Parte integrante que se apresenta como ponte de mediação entre o leitor e o texto.
O paratexto compõe-se, pois, empiricamente, de um conjunto heteróclito de
práticas e de discurso de todos os tipos e de todas as épocas que, em nome de um
grupo de interesse, ou convergência de efeitos, que me parece mais importante
do que sua diversidade de aspecto, eu reúno sob este termo. (Genette, 2009, p.10)
Para Cerezales, Alfanhuí desperta no leitor uma nova percepção das coisas, através da sua
doce curiosidade:
Alfanhuí es, ante todo, una mirada limpia. Lo cual no significa aqui solamente
sin doblez, inocente y pura, que también, sino limpia en el sentido físico del
término, y además, informada por genuina y apacible curiosidad que la empuja
hacia la realidad más real de las cosas, aquella que se nos esconde y a la vez nos
brinda en las evidencias mismas, ese ‘otro lado’ ‘de donde no viene nunca el
conocimiento de las otras cosas; transpuestos el primer día, por detrás del último
muro de la memoria, donde nace la otra memoria: la memoria de las cosas
desconocidas’. (Cerezales, 2001)
No ato da leitura, a percepção da existências das coisas não reveladas - “de las cosas
desconocidas” - são alcançadas a partir de um sistemas de referência que o leitor constrói mediante
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a sua experiência de leitura Ao analisarmos o prólogo escrito por Cerezales, e meditarmos nas
considerações tecidas sobre a obra de Ferlosio, percebemos que ele assume o papel de leitor
denominado empírico.
La prosa de Ferlosio estrena aquí su prodigiosa precisión, su generosa abundancia y ese
buen todo característico que le permite incorporar giros arcaicos, tropos diversos, sin desmedro
de su concinidad y lozanía.” (Cerezales, 2001)
A obra de Rafael, divide-se em duas partes: “las industrias”, que e a fase de descobertas e
experimentos, “hasta la muerte del maestros en tierras de Guadalaja”; parte esta que segundo a
perspectiva de Goitiniana, é predominante o aspectos da história fantástica, e que é narrada a partir
de perspectiva autobiografada. Para Juan Benet, esta primeira parte está permeada pelo tom
oriental de inventividade,
Las cosas que había en el jardín de la luna, las visiones que tuvo Alfanhuí el dia
de viento, el castaño y los pájaros de colores – cuya mejor aspiración es, al
parecer, la descripción de una naturaleza genérica y morfológicamente
diferenciada de la del hombre y cuyo más alto exponente, em nuestro caso, es
esa admirable flauta en la que ‘en lugar de ser, como en las otras, el silencio
fondo y el sonido tonada, em ésta el ruído hacía de fundoy el silencio daba
melodía’. (Goitia, 1970, p. 13)
A segunda parte é constituída pelas andazas do menino que passou a viver como emigrante
nas terras de Madrid. Tal passagem rompe com as expectativas do leitor pois o tom muda e a prosa
passa a ser lida em um tom mais sério.
precisão e essência do poeta sejam encontradas. Este é o leitor denominado implícito que
manifesta-se nas entrelinhas da estrutura do texto, imaginado pelo autor no ato da escrita.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto nas exposições acima, a leitura destes dois leitores críticos apresentam-se
como diferentes, pois cada um dos autores tiveram diferentes experiência de leituras e como o
autor; ao que condiz com Tasende (2000, p.421) “cada lector es distinto y su lectura diferente a la
de cualquier otro, ya que depende de los condicionamientos propios de su época, su cultura, su
competencia, su situación, sus experiencias e incluso su estado de ánimo” e Calderón (2000, p321)
“las experiencias de vida de cada intérprete o lector son las que dan origen a diferentes lecturas de
un determinado texto literario.”
Os dois prólogos, além de apresentarem e recomendarem o romance ferlosiano, expressam
determinada postura crítica sobre a obra referenciada. Desse modo, os prólogos analisados
assumem o estatuto instância prefacial bem sucedida, pois como aduz Borges (in Genette 2009,
p.328), o prefácio “quando bem sucedido [...] é um modo lateral de crítica.”
Referências
GENETTE, Gérard. Paratextos Editoriais. Trad. Álvaro Faleiros – Cotia, SP: Ateliê Editorial,
2009.
RIBEIRO, Valdir Guilherme Alves. Recepção literária: a interação entre o texto literário e o leitor.
2011, p.76 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura)-Universidade da
Amazônia, Manaus, 2012.
TASENDE, Ana Maria Platas. Diccionário del términos literários. Madrid: Espasa Calpe, 2000.
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Abstract: When following an anthropological tradition inspired by the spirit of ethnography, and
considering the basic ethnographic method in the process of building this scientific field, the
purpose of this article is to show the processes of carrying out an anthropological examination of
urban studies. In this aspect, fieldwork and ethnographic text can be inserted into a becoming, a
flow, in which web of relationships are established in a creative way based on recognition
dynamics, as well as specific reflexes. In the spiral processes of intersubjectivity that show the
relationships experienced in the field, an inspired looking builds apparently insurmountable
273
Doutora em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro/ UERJ. Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Juiz de Fora/ UFJF. Bacharel em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia pela
Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente, atua como Professora Adjunta de Sociologia no Curso de Ciências
Humanas, Campus São Bernardo, da Universidade Federal do Maranhão/UFMA. Coordenadora do Grupo de Estudos
de Gênero e Educação Chita/ Gitã. Prestou consultoria para o escritório da ONU em assentamentos urbanos na
América Latina, ONUHabitat, de setembro de 2012 a março de 2013. Atuou como Agente de Suporte Acadêmico do
Curso de Formação de Gestores Escolares SEB/ MEC 2009 e da Especialização - Gestão e Avaliação da Educação
Pública/ Ceará, ambos oferecidos pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd/ FADEPE/
UFJF), nos quais teve a oportunidade de orientar alunos de Pós-Graduação e participar de bancas avaliadoras dos
trabalhos de conclusão de curso. Atuou como tutora a distância do Curso "Educação em Direitos Humanos",
UFF/PROEX.
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bridges, blurring symbolic boundaries. In this formation of subjectivities, relational, the bodies -
mainly those outlined on the margins - play a leading role. Gender, bodies and sexualities are
intertwined in the search for expansion of consciousness about the human being. In this way, we
seek in this work to demonstrate the importance of ethnography not only as a method, but to
consolidate a field of study wherein paths of approximation to other may reveal of apprehension
and construction of knowledge – open to the unexpected, to the unfinished and to the life’s
imponderables.
Keywords: Anthropological look. Bodies. Ethnography. Genre. Intersubjectivities. Sexualities.
Introdução
A antropóloga norte-americana Sherry Ortner (2011), em seu esforço de empreender uma
reflexão sobre as abordagens teóricas das diferentes tradições antropológicas que emergiram e se
consolidaram no século XX, ressalta: “A tentativa de ver outros sistemas com os pés no mesmo
chão dos nativos é a base, talvez a única base, da contribuição propriamente antropológica para as
ciências sociais” (ORTNER, 2011: 439). As análises aqui esboçadas comungam com essa
perspectiva e propõe, sem a pretensão de abarcar em amplitude o campo da antropologia e as
contribuições do método etnográfico, destacar o quanto o trabalho de campo – em minúcias e
detalhes da vida cotidiana que foge ao nosso controle – nos obriga a promover um movimento
constante de desconstrução e desnaturalização das nossas próprias categorias.
Para tanto, presto também uma homenagem as linhagens antropológicas que contribuíram
para a minha formação, em especial para o refinamento do olhar antropológico, tão necessário a
antropologia. Sem esses ensinamentos e os apoios – vindos de maneiras distintas, cercados de
muito afeto, acolhimento e encontros acadêmicos –, as linhas aqui escritas não existiriam. A “fé
no trabalho de campo” e a formação etnográfica são ensinamentos repassados que modificaram a
minha percepção acerca da profissão. Dessa forma, entendo que:
É essa nossa capacidade, sobretudo desenvolvida no trabalho de campo, de adotar a
perspectiva do povo em terra firme que nos permite aprender qualquer coisa — mesmo
na nossa própria cultura — para além do que nós já sabemos (de fato, enquanto um
número crescente de antropólogos está fazendo trabalho de campo nas culturas
ocidentais, inclusive nos Estados Unidos, a importância de manter a capacidade de
perceber a alteridade, mesmo aqui perto, está cada vez mais clara). É essa nossa
localização “no chão” que nos permite ver as pessoas não simplesmente como
reprodutores e reagentes passivos a um “sistema”, mas como agentes ativos e sujeitos da
sua própria história (ORTNER, 2011: 439).
É pela paixão que me faz fincar os pés “no chão” na tentativa de compreender as relações
de alteridade que, a seguir, procuro traçar percursos que relacionam a etnografia como basilar para
a construção do conhecimento antropológico. Para tal, pretendo destacar sua importância no
processo de produção de aproximações interpretativas, simbólicas, discursivas e práticas das
relações humanas, destacando a importância da antropologia brasileira na formação de etnógrafos
dedicados a pensar o outro não tão distante, nem por isso próximo (VELHO, 1978). Trajetórias
traçadas que tecem diálogos entre métodos, como a observação participante e a história oral.
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Como forma de organização do argumento, este artigo esta dividido em seções em que
destaco o surgimento da observação participante com o Malinowski, bem como diferentes
percepções sobre esse método – suas possibilidades e alcance na capacidade de compreensão das
relações sociais. Na segunda seção, faço um breve diálogo entre os métodos etnográfico e a
história oral como recursos para acompanhar e descrever trajetórias de vida. Na terceira parte,
dados da minha pesquisa de campo, executada durante a realização do mestrado, são apresentados
para destacar o quanto somos afetados em campo e o quanto esse processo é transformador das
nossas trajetórias pessoais e profissionais. Por fim, apresento algumas conclusões que representam
um convite para a continuação do diálogo quanto ao método etnográfico, suas contribuições e
centralidade na antropologia.
na visão antropológica – no aspecto social do comportamento leva à procura por sistemas que vão
sempre além do caso individual.” (FONSECA, 1999: 59).
A antropóloga Sherry Ortner (2011: 458) enfatiza que:
“as versões modernas da teoria da prática, de outro lado, são únicas em aceitar os três
lados do triângulo de Berger e Luckmann: que a sociedade é um sistema, que o sistema
é poderosamente constrangedor, e mesmo assim que o sistema pode ser feito e desfeito
por meio da ação e da interação humanas”.
As implicações do método etnográfico vão muito além, visto que os pressupostos teóricos
da disciplina antropológica baseiam-se no situar-se em campo, nas formas de se chegar ao nativo,
no contato, no “estar lá”, nas discussões sobre alteridade que promovem o diálogo entre
pesquisador e pesquisado – fator que possibilita que essa disciplina se renove sempre, seguindo
os fios necessários para entrar e sair de seus labirintos. Aqui cabe uma ressalva que o estar lá
representa muito mais uma construção discursiva do que distâncias e fronteiras geográficas.
Outros aspectos a serem destacados vinculam-se as nossas tentativas de acompanhar as
trajetórias e circuitos dos sujeitos, seguindo-os com perguntas obtusas. Traçar essas trajetórias
requer um diálogo acerca das metodologias utilizadas pela “História Oral”.
pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo
coerente”. (BERGER & LUCKMANN, 1985: 35). Desse modo, o self, ao narrar sua história de
vida, opera símbolos que a torna significativas, permitindo avaliá-la segundo seus próprios
valores.
As narrativas, para Taylor (1997) estão intimamente ligadas, no Ocidente, ao processo de
construção de identidades. Este processo se dá entre os indivíduos modernos pelo o
reconhecimento do que Taylor denominou de avaliações fortes:
[...] envolve discriminações acerca do certo ou errado, melhor ou pior, mais elevado ou
menos elevado, que são validadas por nossos desejos, inclinações ou escolhas, mas
existem independentemente destes e oferecem padrões pelos quais podem ser julgados.
Assim, embora não possa ser julgado um lapso moral o fato de eu levar uma vida que na
verdade não vale a pena nem traz realização, descrever-me nesses termos é, de certo
modo, condenar-me em nome de um padrão, independente de meus próprios gestos e
desejos, que eu deveria reconhecer (TAYLOR, 1997: 16 e 17).
A relação construída durante a pesquisa de campo é, antes de tudo, uma relação social,
com todos os componentes que a constituem – poder, status, hierarquia. O conhecimento
antropológico, como lembra Viveiros de Castro: “é imediatamente uma relação social, pois é
efeito das relações que constituem reciprocamente o sujeito que conhece e o sujeito que ele
conhece, e a causa de uma transformação (toda relação é uma transformação) na constituição
relacional de ambos” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002: 114). Toda narrativa pressupõe a escuta
e, assim, ao narrar suas histórias, encenam para si mesmo os próprios elementos que dão sentido
a sua vida. É uma busca por permanecer pelas palavras e pelo olhar do outro.
Assim, faço parte da tradição inciada por Claudia Fonseca e replicada por seus orientandos
e orientandas, espalhados em diferentes instituições pelo país, de repassar a formação etnográfica
indo a campo com suas alunas e seus alunos. Um fazer antropológico engajado, que se estabelece
nas margens em diálogos estabelecidos nas dobras do estado (DAS, 2004).
Sob esse aspecto, a pesquisa se torna também um ato político e rompe com a ideia de
neutralidade epistemológica, presente no surgimento da observação participante. Olhar é assumir
uma perspectiva e, nesse sentido, todo ponto de vista é orientado por trajetórias que se cruzam nas
relações estabelecidas em campo. Porque, durante nossas andanças, “há questões que despertam
nossa curiosidade, que necessitam da nossa atenção, que nos comovem, que nos dão a
oportunidade de pensar de outra maneira, meio de surpresa, meio desorganizada, meio rebelde,
meio detetive, meio artesão” (SCHUCH, 2016: 394). A partir de um encontro e de uma busca de
uma maneira de pensar, se estabelece um constante colocar e recolocar-se em campo.
Ao estudar relações afetivas e de trabalho de garotas de programa, foi o mistério que me
fez experimentar uma relação de intersubjetividade com as pessoas que conheci em campo. Para
adentrar os silêncios que povoam as vivências cotidianas, é preciso afetar-se pelas emoções e
lógicas presentes nas relações sociais postas em jogo no campo, aceitando ocupar espaços que
rompem com qualquer tentativa de neutralidade científica – pressuposto hierárquico e
colonizador. Como ressalta Jeanne Favret-Saada:
[...] aceitar, participar‟ e ser afetado não tem nada a ver com uma operação de
conhecimento por empatia, qualquer que seja o sentido em que se entende esse termo...
segundo a primeira acepção a empatia supõe distância: é justamente porque não está no
lugar do outro que se tenta imaginar o que seria estar lá, e quais “sensações, percepções
e pensamentos” ter-se-ia então. Ora, eu estava justamente no lugar do nativo, agitada
pelas “sensações, percepções e pelos pensamentos” de quem ocupa um lugar no sistema
de feitiçaria. Se afirmo que é preciso aceitar ocupá-lo, em vez de imaginar-se lá, é pela
simples razão de que o ali se passa literalmente inimaginável, sobretudo para um
etnógrafo, habituado a trabalhar com representações: quando se está em um tal lugar, é
se bombardeando pelas intensidades específicas (chamemo-las de afetos), que
geralmente não são significáveis. Esse lugar e as intensidades que lhe são ligadas têm
então que ser experimentados: é a única maneira de aproximá-los. Uma segunda acepção
de empatia insiste, ao contrário, na instantaneidade da comunicação, na fusão com o outro
que se atingiria pela identificação com ele. Essa concepção nada diz sobre o mecanismo
de identificação, mas insiste em seu resultado, no fato de que ela permite conhecer os
afetos de outrem. Afirmo, ao contrário, que ocupar tal lugar no sistema de feitiçaria não
me informa nada sobre os afetos do outro, ocupar tal lugar afeta-me, quer dizer, mobiliza
ou modifica meu próprio estoque de imagens, sem contudo instruir-me sobre aqueles
meus parceiros (FAVRET-SAADA, 2005: 159).
Durante a noite, com o movimento intenso da boite, os jogos de sedução entre as garotas
de programa, os clientes e os outros funcionários eram inúmeros. Múltiplos estímulos eram
emanados por todos e, assim, contribuíam para aguçar os sentidos das pessoas envolvidas nessa
atmosfera. O corpo, com seus gestos e suas comunicações não verbais, é o principal agente da
comunicação, construindo o campo semântico da sedução e da manifestação do desejo.
Os estudos sobre antropologia do corpo têm demonstrado como a corporalidade é a forma
primária pela qual experimentamos o mundo, representando fonte de expressão social de sentidos
e sentimentos não verbalizados. Em um processo de tradução da sociedade, o corpo, pelas
emoções, reage às regras, normas e preceitos sociais. Ao permitir a transgressão, ele cria o erótico.
Bourdieu concebe o “habitus como um corpo socializado, resultado de uma história coletiva que
se inscreve nas posturas, nos movimentos, nos gostos, que educa os sentidos e marca distinções
que são tão significantes quanto menos passíveis de se tornarem objeto de reflexão.”
(BOURDIEU, 1996: 56) Thomas Csordas, pelo conceito de corporificação, consolida essa
percepção do corpo a partir de experiência. “Corporificação, no sentido que estou usando, é um
ponto de vista metodológico no qual a experiência corpórea é entendida como sendo base
existencial da cultura e do eu e, portanto, um valioso ponto de partida para a análise deles.”
(CSORDAS, 1994: 2)274. Foi pelo meu corpo e suas características que adentrei nesse ambiente,
uma mulher, jovem, que se permitiu ser desejada, paquerada e aprendeu o poder do mistério como
elemento da sedução.
Durante os três anos em que me dediquei a pesquisa, tive que conviver com situações de
constrangimento e questionamento em variados espaços que me fizeram pensar as possibilidades
de escolha e de agenciamento destinados a essas mulheres. Dessas situações, para mim as mais
inusitadas foram as interlocuções com os meus professores da universidade em que tinha que
defender minha pesquisa. Para alguns dos meus professores, a vida daquelas garotas de programa
só era interessante para mim, antropóloga. Elas não possuíam consciência da situação degradante
em que viviam e, se tivessem, não estariam no lugar onde estavam. Em suas falas, havia sempre
um julgamento moral que as definiam como “menos humanas” – conceito desenvolvido por
Cláudia Fonseca – não tendo autonomia nem sobre o próprio corpo, nem sobre o prazer que ele
proporciona. Além disso, segundo eles, as situações de miserabilidade que elas viviam não
permitiam a elas refletirem sobre a realidade na qual estavam inseridas e eu, olhar de fora, teria o
papel de denunciar os abusos que elas sofriam, assumindo uma postura “salvadora”. Outros
professores e colegas de curso reiteradamente me indagavam sobre meu tema de pesquisa tentando
descobrir razões psicológicas “encobertas” para a minha escolha. Estes diálogos eram marcados
por comunicações nem sempre verbais de que eu estaria à procura de algo ou de experiências
acerca da minha sexualidade. Para essas pessoas, uma pergunta pairava sem ser verbalizada em
seus termos diretos, que era se eu me prostituía – sendo esse o motivo pelo qual resolvi realizar a
pesquisa.
Contudo, foram essas situações que me fizeram ter a dimensão, pelo menos parcial, do que
as pessoas que trabalham nessa casa de prostituição passavam. Foi a partir dessas situações pelas
quais passei durante o período da pesquisa, que ascendeu em mim uma luz para várias reflexões:
o quanto conviver em um ambiente de prostituição deixa cravado um sinal, quase impossível de
ser removido, e que faz com que seja tão difícil para quem trabalha ali deixar de trabalhar ou
vivenciar esse mundo. Os pés estão tão bem atados que desfazer os nós requer bem mais que uma
simples disposição, vontade, ou mesmo uma decisão pragmática oriunda de uma escolha racional.
Assim, como destaca Sherry Ortner (2011) ao citar Raymond Williams (1977):
Dizer que os homens definem e moldam as próprias vidas é verdade só em abstrato. Em
qualquer sociedade atual existem desigualdades específicas nos meios e, portanto, na
capacidade de realizar esse processo... Assim Gramsci introduz o necessário
reconhecimento da dominação e da subordinação em algo que, no entanto, ainda tem que
ser reconhecido como um processo integral (WILLIANS apud ORTNER, 2011: 445).
Dessa forma, para compreender as relações assimétricas e como essas se entrelaçam com
os símbolos e significantes que fazem operar os sistemas culturais em determinados contextos
sociais é importante ressaltar que, ao narrarmos às histórias das pessoas, elas não percam
materialidade, tornando-se abstrações do humano. Por isso o processo de afetar-se é necessário,
pois nos mostra as consequências de ocupar determinados lugares.
A pesquisa em alguns contextos torna-se um desafio profissional e pessoal para muitos
pesquisadores, sendo a desigualdade de gênero um fator que perpassa a pesquisa. Se não fosse
mulher, dificilmente seria indagada, mesmo que de forma velada, sobre as minhas práticas e
interesses. Minha sexualidade, meus desejos e minhas condutas não seriam alvo de um escrutínio
moral. Porém, foi essa entrada específica e o fato de ser mulher, jovem que me fez perceber os
efeitos da prática da prostituição nas rotinas e histórias dessas mulheres.
As limitações postas pelas nossas entradas e pelas nossas subjetividades durante a
realização da pesquisa – uma vez que tornar-se pesquisadora é um processo constante de
amadurecimento na compreensão de si e das relações estabelecidas com os outros – faz com que
as pesquisas se constituam como inacabadas, necessitando de retornos aos cadernos de campo.
Aspectos antes negligenciados pelo nosso olhar passam a ganhar novas dimensões. Nesse sentido,
a pesquisa etnográfica requer uma paixão que faça-nos voltar sempre aos locais subjetivos da
memória para experienciar novamente o campo, mesmo quando a distância espaço-temporal não
permite retornar fisicamente a esses lugares – como ressalta o antropólogo João Biehl em
entrevista concedida a antropóloga Patrice Schuch (2016):
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Como uma obra aberta ao inesperado e aos imponderáveis da vida que invadem a pesquisa,
a etnografia se constitui como um método de pesquisa cujo objetivo é elucidar, descrever e
compreender as relações humanas, suas potencialidades e os jogos especulares intersubjetivos
estabelecidos em campo. Enredar-se nesses caminhos não é uma tarefa fácil, porém sem a
disposição ao estranhamento, a pesquisa torna-se inviável, estabelecendo-se lacunas e ruídos
comunicacionais.
“As mulheres se ofereciam por acreditarem em um deus e os marujos as aceitavam por
terem esquecido a sua existência” (SAHLINS, 1990: 26). Esta frase de Sahlins é demonstrativa
das considerações dos trabalhos que desenvolvi, e aqui cito mais especificamente a minha
dissertação de mestrado. Nesse trabalho citado, demonstrei que uma mesma prática, o intercurso
sexual, possui significados e sentidos diferentes para as pessoas que as praticam. Desejo, afetos e
amor são sentimentos e sensações que não encerram relações em si, mas criam sentidos diferentes
que perpassam conexões construídas localmente. No estabalecimento de prostituição em que
realizei minha pesquisa, é possível perceber uma economia da sedução em que o sexo oferecido
pelas garotas de programa aos seus clientes, não é o mesmo sexo oferecido aos seus namorados/as.
Como destacado por elas, a entrega é diferente. Todavia, é o sexo – feito de diferentes formas –
que é trocado por essas garotas por afeto, proteção e cuidado com seus namorados/as e por
dinheiro com os clientes. Nessas intricadas relações, circulam os eixos dinheiro e afeto
distribuídos pelas garotas.
Ao descrever as relações estabelecidas em uma rede de reciprocidade pelas garotas, tive
por intuito narrá-las para além dos termos tradicionais vinculados a prática da prostituição –
cliente, garota de programa, cafetão e gigolô – demonstrando que esses termos são limitados
quando procuram definir de antemão relações sociais. Seus significados são relacionais e
construídos simultaneamente no momento em que são construídas as relações entre os diferentes
atores. Dessa forma, o caráter histórico, social e contextual dos encontros estabelecidos durante
uma pesquisa são aspectos que não podem ser negligenciados, visto que a sociedade encontra-se
em constante mudança e que todo conhecimento produzido é datado – mesmo que parte das
análises seja profícua o suficiente para estimular novas pesquisas e retornos ao campo.
Conclusão
Ao empreender um retorno afetivo aos locais da memória, fruto das minhas experiências
em campo para a elaboração da minha dissertação de mestrado, meu intuito aqui foi destacar a
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importância da etnografia para uma tradição antropológica. Para tal, parto do pressuposto de que
compreender um sistema é, desse modo, “penetrar no funcionamento das relações assimétricas”
e, assim, perceber os encalços que perpassam as teias sociais e que são atravessados por dinâmicas
de poder (ORTNER, 2011). Tais nós não são facilmente percebidos, principalmente quando
estamos enredados em nossas relações cotidianas. A dimensão das relações sociais que são
reproduzidas a partir de naturalizações escapa ao olhar descuidado dos que vagam pelas ruas,
seguindo suas rotinas. Cada coisa em seu lugar, tudo bem ordenado e classificado, não parece
estranho aos que seguem o fluxo de suas atividades.
Assim, por mais que haja um consenso acerca da capacidade de categorizar objetos, e até
mesmo pessoas, o modo como diferentes culturas e atores classificam e ordenam o mundo a sua
volta faz com que antropólogos e pesquisadores de distintas regiões realizem movimentos –
espaciais, afetivos e simbólicos – na direção do outro. Ao empreender esse movimento, a
existência do método etnográfico é a nossa âncora para entrarmos e sairmos de espaços,
transpormos barreiras, desnudando as gramáticas que perfazem práticas e discursos que
configuram as relações sociais estabelecidas em campo e inseridas em dados contextos sócio-
históricos. Como dito anteriormente aqui, detalhar os passos dados é crucial para auxiliar futuros
pesquisadores e contribuir para o surgimento de diálogos profícuos quanto aos limites e
possibilidades de compreensão do outro e de exercício da alteridade.
Esse texto representa uma tentativa de compreensão dos processos empreendidos por mim
durante minhas pesquisas de campo, em que me utilizei dos passos dados durante a dissertação de
mestrado por acreditar que a distância tempo-espaço me permitiu rever o texto e as experiências
de campo por um novo olhar. Um olhar consciente dos limites das pesquisas feitas seguindo prazos
e com a dificuldade de obter recursos suficientes para sua realização. Além do fato de, hoje, os
assédios sofridos no período não prejudicarem tanto e servirem mais ao meu interesse de análise.
Dito isso, quero ressaltar que há sempre limites pessoais que fazem parte do fazer antropológico.
Não deixamos de existir com nossos medos, anseios, problemas pessoais e toda dor e delícia de
ser. São essas dores que aguçam nossas curiosidades, nossas angústias e aflições que nos fazem
sair de nossas casas e enveredar-nos por trilhas desconhecidas. Cabe a nós o compromisso ético
de detalhar nossas escolhas metodológicas, refletir sobre nossas entradas em campo, apontando
sistematicamente as estratégias de pesquisa – tendo o suporte teórico como o guia para as nossas
reflexões.
Referências
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BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In. Usos e Abusos da História Oral. (Org.)
FERREIRA, Marieta de Moraes e FIGUEIREDO, Janaína P. A. Baptista – 8ª edição. São Paulo:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 183-191.
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Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
DAS, Veena. The Signature of the State – The Paradoxo of Illegibility. In: DAS, Veena;
POOLE, Deborah (Ogs.). Anthropology in the margins of the state. Santa Fe, New Mexico:
School of American Research Press, 2004, p. 225-252.
FONSECA, Claudia. Quando cada caso não é um caso. In. Revista Brasileira de Educação,
n.10, 1999, p. 58-78.
FAVRET-SAADA, Jeanne. Ser afetado. In. Cadernos de Campo. Revista dos alunos de pós-
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PAULINO, Maria Ângela S. A pesquisa qualitativa em História Oral. Serviço Social em Revista,
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PAZ, Sabrina R.“A Caravana do Amor”: Um estudo sobre reciprocidades, afetos e sexualidade
em um estabelecimento prisional que comporta homens e mulheres em seu interior, Rio Grande/
RS. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-graduação em Ciências
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PORTELLI, Alessandro. O que faz a História Oral Diferente? Revista do Programa de Estudos
Pós-Graduação em História, n° 14, São Paulo, 1997.
SCHUCH, Patrice. Antropologia entre o inesperado e o inacabado: entrevista com João Biehl.
In. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 22, n. 46, jul./ dez. 2016, p. 389-423.
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TAYLOR, Charles. As fontes do self. – A construção da identidade moderna. São Paulo: Edições
Loyola, 1997.
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Resumo: O presente trabalho analisa o uso da literatura como fonte histórica profícua para o
estudo da resistência política e cultural durante a Ditadura Civil-Militar Brasileira. Tomamos
como objeto e fonte de investigação a obra A Festa: Romance, Contos, de Ivan Ângelo, publicada
originalmente em 1976. Partimos do pressuposto de que esta obra constrói representações com
vistas a legitimar certas interpretações sobre o período, a partir da categoria representação, de
Roger Chartier (1990) que estabelece que o texto literário não é uma descrição imediata do real,
mas sim um produto cultural que tem raízes no social. Sendo assim, também pretendemos
demonstrar como o viés histórico presente nas obras literárias utilizadas nesta pesquisa torna-se
fonte para a construção de saberes históricos na sala de aula da educação básica.
Palavras-chave: Ditadura Civil-Militar Brasileira. Literatura de Resistência. Representação e
Censura. História e Literatura.
Abstract: This paper analyzes the use of literature as a useful historical source for the study of
political and cultural resistance during the Brazilian Civil-Military Dictatorship. We take Ivan
Ângelo's work A Festa: Romance, Contos, originally published in 1976, as the object and source
of investigation. We start from the assumption that this work builds representations with a view
to legitimizing certain interpretations about the period, based on the representation category, by
Roger Chartier (1990) who establishes that the literary text is not an immediate description of the
real, but a cultural product that has roots in the social. Therefore, we also intend to demonstrate
how the historical bias present in the literary works used in this research becomes a source for the
construction of historical knowledge in the basic education classroom.
Keywords: Brazilian Civil-Military Dictatorship. Resistance Literature. Representation and
Censorship. History and Literature.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Escola dos Annales trouxe a renovação historiográfica para que o século XX vivenciasse
a transformação na concepção de documento e na relação deste com o Historiador, atravessando
a ideia da defesa da interdisciplinaridade sem sair do campo da História. A concepção renovada
de documento e de seu uso em sala de aula parte do pressuposto de que o trabalho com diferentes
fontes e linguagens pode ser o ponto de partida para a prática do Ensino de História.
Esse diálogo não é fácil, mas extremamente interessante. No caso da Literatura como
documento para a História, percebe-se que existem vários motivos pelos quais a Literatura precisa
ser lida por Historiadores. O primeiro deles é fazer a leitura da Literatura por meio da História
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documentos como monumentos” (LE GOFF, 2003, p. 525). Destarte, a Literatura além de possuir
seu fator cultural, sendo instrumento de conhecimento ao homem, também é formadora de críticas,
reflexões e ideologias.
Opera-se com a interpretação das representações, que articula três pilares: questões do
tempo do escritor, suas ideologias e a sua forma de escrever. Nicolau Sevcenko aponta que
[...] todo escritor possui uma espécie de liberdade condicional de criação, uma
vez que os seus temas, motivos, valores, normas ou revoltas são fornecidos ou
sugeridos pela sua sociedade e seu tempo – e é destes que eles falam. Fora de
qualquer dúvida: a literatura é antes de mais nada um produto artístico, destinado
a agradar e a comover; mas como se pode imaginar uma árvore sem raízes, ou
como pode a qualidade dos seus frutos não depender das características do solo,
da natureza do clima e das condições ambientais. (SEVCENKO, 2003, p. 20).
Aqui é importante salientar que é necessário perceber que o texto literário não é uma
descrição imediata do real, mas sim um produto artístico que tem raízes no social. Percebendo esta
possibilidade interpretativa que o texto literário oferece, nota-se que as diferentes linguagens e
fontes devem estar associadas a uma metodologia de ensino que tome por base a problematização
do conhecimento histórico, o aluno esteja apto a ler o mundo e refletir sobre a relação presente-
passado.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), por exemplo, incorporaram grande parte
do debate e apontam que fonte histórica é tudo o que é registrado pelo homem, portanto, o Ensino
de História atual deve ser pensado para motivar os estudantes na compreensão do conteúdo,
fortalecendo o processo de ensino-aprendizagem como construtor do conhecimento crítico. Ao
utilizar a Literatura, um dos objetivos enunciados nos PCN’s propõe para o quarto ciclo do Ensino
Fundamental durante o processo de ensino-aprendizagem da disciplina de História,
[...] são favorecidos os trabalhos com fontes documentais e com obras que
contemplam conteúdos históricos [...] O confronto de informações
contidas em diversas fontes bibliográficas e documentais pode ser
decisivo no processo de conquista da autonomia intelectual dos alunos.
Pode favorecer situações para que expressem suas próprias compreensões
e opiniões sobre os assuntos, investiguem outras possibilidades de
explicação para os acontecimentos estudados. (BRASIL, 1998, p. 65).
impregnado de tensões em que se torna inseparável o significado da relação teoria e prática, ensino
e pesquisa.” (SCHMIDT, 1997, p. 57).
A FESTA E A RESISTÊNCIA
Publicado originalmente em 1976, A Festa: Romance, Contos permite ao leitor adentrar o
quadro político ditatorial do Brasil dando a dimensão política e percorrendo as denúncias político-
sociais da época, por meio dos nove capítulos que compõem a obra. Já no 1º capítulo é apresentado
fragmentos de depoimentos dos personagens dados ao Departamento de Ordem e Política Social
– DOPS) e a percepção que o romance percorrerá as denúncias político-sociais da época. Temas
como as diferenças entre classes, militância do movimento estudantil são palavras-chave que Ivan
Ângelo expõe para analisar a sociedade e o governo autoritário no cotidiano dos personagens e as
diversas faces que a sociedade brasileira assumiu. Em pleno governo militar, o autor por meio de
uma linguagem simples, soube focar no significado social que essa obra se propunha a trazer.
Ressalta-se a relação entre censura e resistência cultural, uma vez que a Literatura durante
a Ditadura Militar, também serve para transmitir ideias, posicionamentos e também irá sofrer com
a censura imposta. Deste modo, a partir de 1964 a força da censura foi multiplicada e nunca vista
desta forma antes no país e esteva, sobretudo, voltada para as questões políticas, avaliando de
forma subjetiva o que colocasse em xeque a unidade/segurança nacional, como por exemplo, a
Lei de Segurança Nacional, que servia de norte para elencar as diretrizes da censura. Esta lei de
1967 definia as ameaças à ideia construída de nação pelo regime, principalmente no que se referia
à desobediência da ordem político-social. Além deste viés, os campos de produção cultural e
acadêmica também passou por restrições, pois eram dois espaços que contestavam o status quo,
em contrapartida do entendimento moralizante que deveria ser adotado nestas duas esferas.
Esperava-se a resistência à censura durante a década permeada pelo contexto sociopolítico
de repressão. Por resistência, sobretudo seu conceito, é importante ressaltar que o uso de um
conceito deve atentar para a teoria e metodologia que ele será empregado e aqui nos apoiaremos
nos estudos do Historiador alemão Reinhart Koselleck sobre a História dos Conceitos, campo que
ganhou destaque a partir da década de 1950. Desta maneira, para uma palavra ser um conceito,
necessário se faz que ela “a respeito do qual poder-se-ia conceber uma história” (KOSELLECK,
1992, p. 134) e estar dentro de um contexto histórico. Ainda segundo o autor,
Do próprio seio do meu povo sinto elevar-se o apelo: protege-nos, faz algo por
nós para que termine essa nova angústia, esse novo fanatismo, a loucura mística
dos jovens. Estávamos tão confortáveis com a Nova Ordem, tão seguros no nosso
trabalho, certos da queda da inflação, da alta da Bolsa, da vitória na Copa, do
aumento da renda per capita, do desenvolvimento do Nordeste – e vem essa
grande conspiração de fanáticos perturbar nossas certezas. Já não podemos
acordar às seis horas da manhã com a certeza de que dormiremos após a novela
das dez. Já não podemos ver televisão sem que apareça um dos nossos filhos
correndo nas ruas com cartazes obscuros nas mãos. [...] Não podemos apelar para
as leis, porque não há nada nas leis que nos proteja da nova ameaça. Só o poder,
só a autoridade pode nos salvar, apela meu povo. (ÂNGELO, 2004, p. 109).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se considerarmos a premissa que ensinar não é tão somente transmitir conteúdos à outra
pessoa, um dos papéis ao se ensinar sobre as entre História e Literatura de forma integradora e até
mesmo como a Literatura serviu como válvula de escape para o período do Regime Militar, é
permitir que os estudantes construam conhecimentos, tanto aqueles elencados na legislação
educacional quanto aqueles que são proporcionados pela Historiografia que o Professor de
História elege para ministrar suas aulas, uma vez que as escolhas historiográficas definem o lugar
do professor ante o conteúdo.
Para que este posicionamento ocorra cabe ao docente, no processo de ensinar, envolver e
criar condições de efetivação do ensino e aprendizagem e através destas perspectivas se
compreenda o ato de ensinar não somente como um processo técnico e sim como algo que, para
além de apenas estabelecer objetivos, é posto com a necessidade de apropriação, pois, segundo
Freire (1993, p. 27) “[...] não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que
diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende”.
Analisar como as categorias censura e resistência cultural são abordadas na obra de Ivan
Ângelo permite conceber o entendimento sobre como o tema ainda é recorrente nos mais diversos
espaços e necessita de debates. Dessa forma, continuemos posicionados de forma coerente acerca
do tema, visando a emancipação humana e percebendo a exigência do debate com qualidade para
ser a resposta às necessidades econômicas, políticas, sociais e culturais da sociedade.
REFERÊNCIAS
ÂNGELO, Ivan. A Festa: Romance, Contos. 3.ed. São Paulo: Summus, 1978.
CÂNDIDO, Antônio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro
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SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da vida privada no Brasil: República: da belle époque
à era do rádio. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
Abstract: This research addresses how the memories of Afro-descendant teachers are constructed
in scientific productions in the area of education and what they reveal about educational practices,
as "ways of doing" in Brazilian universities. It presents a discussion about the memories, identities
and experiences of Afro-descendant and university professors, based on the studies of New
History (LE GOFF, 2003) and the movements of Coloniality (QUIJANO, 2010) and Decoloniality
(GROSFOGUEL, 2016). It makes use of archeology (FOUCAULT, 2012), panning memories
(POLLAK, 1989; KENSKI, 1997; LE GOFF, 2003) in scientific productions - theses and
dissertations, through the state of the art. It analyzes what the memoirs reveal about the “ways of
doing” (CERTEAU, 2004) of these teachers in Brazilian universities. Highlights the need to
expand the production of knowledge on the subject, especially in the area of education; the social,
political, pedagogical, epistemological and scientific importance of these studies in the production
of female racial identities; memories as narratives of experiences of Afro-descendant university
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teachers produced in their trajectories of struggles and confrontations of racism and sexism; the
memories of resistance that intertwine and intertwine with each other; situations experienced
during their life trajectories that contribute to the elaboration of their ways of doing as educational
practices in universities, developing knowledge and experiences, through the appropriation and
(re) appropriation of academic spaces with the production of experiences that generate Afrocentric
Educational Practices.
Keywords: Afro-descendant teachers. Archeology. Memoirs. Educational Practices
Introdução
MM, MA e ES são de origem pobre e seus pais possuem pouca instrução formal e viam,
na educação, a possibilidade de acender socialmente e economicamente. Rememoram diferentes
situações de racismo, preconceito e discriminação no âmbito das universidades, dentre os quais,
o fato de serem questionadas quanto as suas capacidades intelectuais.
Mauritânia, Mali, Nigéria e Quênia possuem, em suas trajetórias de vida, experiências
com diferentes discriminações quanto ao gênero, raça e classe. Embora tenham alcançado cargos
de poder nas instituições que trabalham, também são questionadas quanto as suas capacidades
intelectuais e profissionais.
Maria José Oliveira criou o laboratório de Programa de Culturas Populares cujo foco de
discussões eram as contribuições dos negros, índios e brancos para a cultura. Defendia que a
comunidade deveria estar presente na universidade e buscava evidenciar a importância dos
afrodescendentes na construção da sociedade brasileira.
Kora, Ghaita Africana, Lira Africana e Kalimba são militantes dos movimentos sociais
e estudantes de escolas públicas. Elas também entendem a docência como uma forma de ascensão
econômica e ruptura com o destino familiar de ser lavadeira ou empregadas domésticas. Durante
suas trajetórias enfrentaram diferentes formas de discriminações e preconceitos.
Maria é de uma família de classe média, tendo sua trajetória educacional vivenciada em
instituições privadas. Dá ênfase ao fato de ter vivenciado diferentes situações de discriminações
de gênero.
A arqueologia, dessas memórias em produções cientificas (teses e dissertações),
evidenciou que as trajetórias das professoras afrodescendentes universitárias são permeadas por
preconceitos e discriminações, cujos obstáculos são enfrentados, principalmente, no que se refere
as dimensões sociais de gênero, raça e classe.
Desse modo, compreendemos que as memórias sociais e educacionais, dessas professoras,
contribuem na sua atuação pedagógica e científica dentro do espaço acadêmico, uma vez que a
memória “constitui a única possibilidade de fazer fluir o passado e dar visibilidade aos excluídos”
(MOTTA, 2003, p. 119).
Além disso, as contribuições de Jacques Le Goff, nos mostra a memória como “um dos
meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a
memória está ora em retraimento, ora em transbordamento. (2003, p.422).
Nessa ótica “legoffiana”, ao realizar a atividade de rememorar e registrarem suas histórias,
as professoras afrodescendentes universitárias refletem sobre si e sobre o outro, registrando ou
visibilizando diferentes experiências. Contar suas histórias significa um movimento de
(re)apropriação de seu “lugar de fala” (RIBERO, 2017), relatando e protagonizando as suas
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experiências sociais, afinal, “há lembranças que esperam o momento propício para serem
expressas” (POLLAK,1989, p.5).
O protagonismo, dessas experiências educacionais, faz emergir tudo “aquilo que “nos
passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente
o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação” (LARROSA, 2002, p.
26).
Com base nessa afirmativa, os acontecimentos vividos formam e transformam a vida
dessas docentes, uma vez que as suas narrativas de experiências revelam, ainda, o quanto exercem
influência na atuação dessas mulheres no espaço acadêmico. Afinal, ao narrarem suas histórias,
as docentes afrodescendentes universitárias “se movem para cima e para baixo nos degraus de sua
experiência” (BENJAMIN, 1994, p.215).
Outro elemento importante, a considerar, é a construção da identidade racial dessas
docentes. Em sendo uma categoria complexa que está em constante processo de construção,
formada e transformada diariamente (GOMES, 1995), pois, ser professora, ser afrodescendente e
ser profissional do magistério superior é um processo de luta por valorização e reconhecimento
deste lugar identitário, sobretudo, quando se trata da população fenotipicamente afrodescendente
e de ascendência sulsaariana. Logo, é uma forma de subverter saberes estereotipados sobre este
grupo. Este é o movimento decolonial que chamamos de resistência epistêmica!
Essas questões ampliam nosso debate acerca da opressão racial. Para Cunha Junior, por
exemplo, “a identidade afrodescendente não é construída pelos caracteres fenotípicos, como
muitos acreditam. É constituída por conjuntos amplos, complexos de motivações e condições
culturais, sociais, econômicas e políticas” (2005, p.257).
Logo, o movimento de resistência epistêmica passa pelo processo de conscientização da
opressão racial, indagando a construção das identidades dessas professoras afrodescendentes
universitárias, a partir de suas próprias experiências sociais e educacionais desenvolvidas durante
suas vidas, cuja trajetória, influenciam inclusive na construção de suas práticas educativas e
acadêmicas, mostrando o quanto as suas memórias se entrelaçam e entrecruzam, como veremos a
seguir.
[...] toda a cultura atua para negar às mulheres a oportunidade de seguir uma vida da
mente, torna o domínio intelectual um lugar interdito. Como nossas ancestrais do século
XIX, só através da resistência ativa exigimos nosso direito de afirmar uma presença
intelectual. O sexismo e o racismo, atuando juntos, perpetuam uma iconografia de
representação da negra que imprime na consciência cultural coletiva a ideia de que ela
está neste planeta, principalmente, para servir aos outros (HOOKS, 1995, p. 468).
De fato, ao ingressar nesse espaço, que historicamente não foi pensado para elas, estas
professoras afrodescendentes, realizam um movimento de subversão a essa lógica epistêmica
moderna cujo discurso hegemônico está substanciado pela colonialidade do poder e saber
(QUIJANO, 2010).
Ao se (re)apropriarem desse espaço, realizam um movimento de “desobediência
epistêmica” (MIGNOLO, 2008), e, ao desenvolverem uma prática educativa de valorização da
história e cultura africana, rompem com a colonialidade de poder, de ser e de saber buscando a
“decolonização do pensamento” (GROSFOGUEL, 2016).
A participação de militância dessas professoras no âmbito dos movimentos sociais,
contribuiu na construção de “maneiras de fazer” próprias, dentro da academia, possibilitando que
desenvolvam práticas educativas de valorização do sujeito afrodescendente, ou seja, práticas
educativas afrocentradas como sendo uso de conteúdos e estratégias que valorizam e reconhecem
as contribuições dos conhecimentos africanos na formação da sociedade brasileira e demais
diásporas africanas.
Essas maneiras de fazer “constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam
do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural” (CERTEAU, 2009, p. 41). Dentre
essas milhares de práticas estão as afrocentradas. Assim, as maneiras de fazer das professoras
afrodescendentes universitárias, são táticas afrocentradas para se apropriarem da universidade, por
meio de suas práticas educativas, e mais, abrem caminhos para estruturação de uma outra lógica
epistêmica que inclui a população afrodescendente em espaços de prestígio social.
Considerando que as práticas educativas possuem intencionalidade, logo, não são neutras,
quando estas promoverem o ensino e a valorização da história e cultura africana, por meio de
discussão nas disciplinas, em orientações de artigos, monografias e atividades em grupos de
estudos e pesquisas, estão questionando a lógica epistêmica eurocentrada, dando visibilidade aos
“saberes subalternizados” (MIGNOLO, 2003).
275
Embora do ponto de vista da gramática normativa os nomes próprios sejam grafados com iniciais maiúsculas, a
autora Glória Jean Watkins exige que seu pseudônimo bell hooks, escolhido em homenagem aos sobrenomes da
mãe e da avó, seja grafado com letras minúsculas
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Por isso, compreendemos as maneiras de fazer das professoras, a partir dos princípios da
Afrocentricidade, ou seja, “um tipo de pensamento, prática e perspectiva que percebe os africanos
como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo com
seus próprios interesses humanos” (ASANTE, 2009, p.93).
Com suas maneiras de fazer afrocêntricas, as docentes subvertem estigmas e preconceitos
estabelecidos na sociedade brasileira, ainda bastante excludente. Assim, argumentamos que estas
professoras afrodescendentes possuem uma prática educativa afrocentrada, uma vez que a
afrocentricidade “gira em torno da cooperação, da coletividade, da comunhão, das massas
oprimidas, da continuidade cultural, da justiça restaurativa, dos valores e da memória como termos
para a exploração e o avanço da comunidade humana” (ASANTE, 2016, p. 12).
As professoras afrodescendentes deste estudo são mulheres que possuem posicionamento
racial e reconhecem a necessidade e importância da discussão sobre as questões raciais na
universidade, assim, realizam um movimento subversivo para se afirmarem nesse espaço,
buscando contribuir para que os sujeitos se reconheçam dentro de sua própria história.
Considerações Finais
precisam sempre comprovarem que possuem capacidades intelectuais, uma vez que são
questionadas devido a “colonialidade do ser e poder” existente nos discursos acadêmicos.
Com esse estudo foi possível destacar:
A necessidade de se ampliar a produção de conhecimentos sobre a temática,
sobretudo na área da educação, uma vez que só encontramos dez produções (teses
e dissertações) que discutem sobre a presença de professoras afrodescendentes na
docência superior;
A importância social, política, pedagógica, epistemológica e científica desses
estudos na produção das identidades raciais femininas;
As memórias enquanto narrativas de experiências de professoras afrodescendentes
universitárias produzidas em suas trajetórias de lutas e enfrentamentos dos
racismos e sexismos;
As situações vivenciadas durante suas trajetórias de vida que contribuem na
elaboração de suas maneiras de fazer enquanto práticas educativas nas
universidades, elaborando saberes e experiências, mediante a apropriação e
(re)apropriação dos espaços acadêmicos com a produção de experiências geradoras
de Práticas Educativas Afrocentrada;
As trajetórias de vidas das professoras afrodescendentes universitárias, presentes nas
produções analisadas, são permeadas de lutas contra os estereótipos estabelecidos por uma
sociedade hegemônica branca e masculina, que desvaloriza suas capacidades intelectuais e
competência docente. Essas mulheres estão sempre resistindo e persistindo para se posicionar e se
afirmarem nesse espaço que historicamente não foi pensado para elas. Eis alguns modos de
construção da resistência epistêmica, práticas educativas afrocentradas e movimentos de
reapropriação de reconhecimento identitário!!!!
Referências
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
1994.
Página 1266 de 2230
CERTEAU, M. de. A Invenção do cotidiano: artes de fazer. 16ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
GOMES, N. L. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995.
KENSKI, V. M. Sobre o conceito de memória. In: Ivani Catarina Arantes Fazenda (org) A
pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. 2 ed. Campinas, SP: Papirus,
1997).
Resumo: Ao nos debruçarmos sobre o movimento LGBTQI+, nos deparamos dos grandes desafios
que ainda existe no cenário para combater e minimizar os impactos em que os membros da
comunidade LGBTQI+ como todo tem perante a sociedade civil brasileira. Enquanto o movimento
a nível de Brasil avançava, a nível municipal/regional o movimento regrediu ou estagnou-se,
ficando invisível a sua atuação (...). A proposta deste artigo é trabalhar/problematizar a partir da
coleta de dados dos LGBTQI+ que vivem na cidade de Imperatriz-MA e a realidade em que
encontra-se a comunidade destes integrantes que ainda consta marginalizado ou “dentro do
armário” diante da sociedade conservadora que reprimi e padroniza as relações sociais aceitas pelo
viés heteronormativo. Entretanto, é visível, que existe uma comunidade LGBTQI+ que consume,
alimenta-se culturalmente e sobressai diante do preconceito “velado” em que são submetidos os
LGBTQI+ locais, como alguns eventos corriqueiros e casamentos LGBTQI+, por exemplo. Foi
trabalhado como referencial teórico Joao Silvério TREVISAN (2002) a obra “Devassos no
paraíso” e “Abaixo do equador” do autor Richar PARKER (2002), além de outros autores que
trabalham o movimento LGBTQI+ como todo. Nos objetivos gerais foi abordado como está o
movimento LGBTQI+ da cidade de imperatriz que partindo de três vieses que são: os preconceitos
do cotidiano, politicas LGBTQI+ locais e por fim, questões afetivas – partindo desses elementos,
foi usado como método qualitativo de pesquisa que utilizou entrevistas com os alguns personagens
da comunidade LGBTQI+, tendo como pano de fundo, os eventuais eventos que ocorreram na
cidade de Imperatriz. Foi constatado, alguns signos sociais que questiona a atuação política do
movimento LGBTQI+ local, ficando perceptível que politicamente não existe um movimento
LGBTQI+ próprio com identidade própria, mas a atuação em lutas dos direitos civis LGBTQI+
parte de alguns outros movimentos sociais que militam pelo mesmo – além deste, também foi
perceptível que existe uma barreira no imaginário social local em que trava uma articulação maior
dos próprios LGBTQI+ em torno de um movimento que aglutina, a priori, que partem deles e para
eles. Nas considerações finais percebe um silenciamento por parte da sociedade civil local e assim
como também, de alguns LGBTQI+ em dialogar/refletir a respeito da comunidade LGBTQI+ de
Imperatriz. Lembrando que a cidade nos anos 80 e 90, possuía grupos específicos que militavam
em prol dos seus membros.
Palavras-chave: LGBTQI+. Movimento social. Politica. Visibilidade. Respeito.
Abstract: As we look at the LGBTQI + movement, we are faced with the great challenges that
still exist in the scenario to combat and minimize the impacts that the members of the LGBTQI +
community as a whole has before Brazilian civil society. While the movement at the level of Brazil
was advancing, at the municipal / regional level the movement has regressed or stagnated, making
its performance invisible (...). The purpose of this article is to work / problematize from the data
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collection of LGBTQI + who live in the city of Imperatriz-MA and the reality of the community
of these members who are still marginalized or “inside the closet” in the face of conservative
society that repressed and standardized the social relations accepted by the heteronormative bias.
However, it is visible that there is an LGBTQI + community that consumes, nourishes itself
culturally and stands out in the face of the “veiled” prejudice to which local LGBTQI + are
subjected, such as some common events and LGBTQI + weddings, for example. The work
“Devassos no paraíso” and “Below the equator” by the author Richar PARKER (2002), as well as
other authors who work with the LGBTQI + movement as a whole, was worked on as a theoretical
framework Joao Silvério TREVISAN (2002). In the general objectives, the LGBTQI + movement
in the city of Empress was approached, starting from three biases that are: everyday prejudices,
local LGBTQI + policies and finally, affective issues - based on these elements, it was used as a
qualitative research method that used interviews with some characters from the LGBTQI +
community, against the background of any events that occurred in the city of Imperatriz. It was
found, some social signs that questions the political action of the local LGBTQI + movement,
being noticeable that politically there is no own LGBTQI + movement with its own identity, but
the performance in LGBTQI + civil rights struggles + part of some other social movements that
militate for the same - in addition to this, it was also noticeable that there is a barrier in the local
social imaginary where there is a greater articulation of the LGBTQI + themselves around a
movement that brings together, a priori, that comes from them and for them. In the final remarks,
he perceives a silence on the part of the local civil society and, as well as, some LGBTQI + in
dialoguing / reflecting on the LGBTQI + community in Imperatriz. Recalling that the city in the
80s and 90s, had specific groups that militated on behalf of its members.
Keywords: LGBTQI +. Social movement. Politics. Visibility. Respect.
INTRODUÇÃO
O movimento LGBT no Brasil tem passados por grandes desafios e questionamentos que
transcende toda um conjuntura de debate nacional a respeito dos direitos civis LGBTQI+ já
conquistados e os que estão na pauta nacional do movimento LGBTQI+ como todo, como o pauta
pela criminalização da homofobia pelo viés legislativo – apesar que houve no ano de 2019 a
equiparação dos casos de homofobia aos casos de racismo pelo viés judiciário276.
276
Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não
admitia a via mandamental. Por maioria, julgou procedente o mandado de injunção para (i) reconhecer a mora
inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional venha
a legislar a respeito, a Lei nº 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à discriminação por orientação
sexual ou identidade de gênero, nos termos do voto do Relator, vencidos, em menor extensão, os Ministros Ricardo
Lewandowski e Dias Toffoli (Presidente) e o Ministro Marco Aurélio, que julgava inadequada a via mandamental.
Plenário, 13.06.2019.
Página 1271 de 2230
277
LEI Nº 8.444 DE 31 DE JULHO DE 2006
Dispõe sobre penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em virtude de orientação sexual, e dá
outras providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO MARANHÃO,
Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembleia Legislativa do Estado decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica estabelecida a aplicação de penalidades, nos termos desta Lei, a toda e qualquer manifestação atentatória
ou discriminatória praticada contra qualquer cidadão em virtude de sua orientação sexual, no âmbito do Estado do
Maranhão.
Art. 2º Consideram-se atos atentatórios e discriminatórios aos direitos individuais e coletivos dos cidadãos
homossexuais, bissexuais ou transgêneros, para os efeitos da presente Lei:
I – submeter o cidadão, conforme a sua orientação sexual, a qualquer tipo de ação violenta, constrangedora,
intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;
II – proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, de acesso
público;
III – praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente determinado em Lei;
IV – preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou
imóveis de qualquer finalidade;
V – preterir quando da ocupação e/ou imposição para pagamento de mais uma unidade em hotéis, motéis ou
estabelecimentos congêneres;
VI – praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão direta ou indireta, em função da orientação sexual do
empregado;
VII – inibir ou proibir a admissão ou o acesso profissional em qualquer estabelecimento público ou privado em função
da orientação sexual do profissional;
VIII – proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero,
sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos.
Art. 3º São passiveis de punição o cidadão, inclusive os detentores de função pública, civil ou militar, e toda e qualquer
organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas em território do
Estado do Maranhão, que intentarem contra o que dispõe a presente Lei.
Página 1272 de 2230
No decorrer da pesquisa, ficou perceptível que a cidade nos últimos 05 (cinco) anos da sua
história local; realizou eventos com pauta LGBTQI+ com a debate e discussão acadêmica e
política a respeito para agregar e difundir mais a “causa LGBTQI+” na cidade. Na linha do tempo
dos últimos cinco anos temos os seguintes eventos ocorridos e organizados por pessoas que
demostram interesse pelo tema ou pesquisam o mesmo com a finalidade de coletar dados para
suas perspectivas pesquisas.
Em 2016, como foi já foi mencionado, os membros da FRENTE LGBT de Imperatriz
realizou 1 encontro de formação política da comunidade LGBTQI+ de Imperatriz. Realizado num
espaço de uma universidade local com a participação de 200 pessoas. Evento que houve uma co-
parceria da Defensoria Pública e do Ministério Público da cidade.
Em junho do ano de 2017, mês do orgulho LGBTQI+ foi realizado exibições de filmes
com temática LGBTQI+ no projeto “Cinema no Teatro”. Todas as segundas feiras do mês de
junho, foi exibido os filmes e em seguida, pós filme, era feita o debate com os participantes que
prestigiava os filmes LGBTQI+. Uma das sessões que deu um público considerável, foi a exibição
do filme “Orações para Bob”, a qual gerou uma comoção com os participantes desta especifica
sessão a respeito do preconceito em que enfrenta no seio familiar os LGBT’s.
FONTE: ASCOM/UFMA
A cidade, que foi relatado por um dos entrevistados, assim como também, por conversas
informais com outros indivíduos da comunidade LGBTQI+ e outros pesquisadores. Descreve que
a cidade de Imperatriz apresenta uma forte resistência em relação aos LGBT’s. Acreditando, que
esse particular, é um empecilho que trava uma boa parte dos LGBT’s em formar e aglutinar um
grupo próprio que lute de forma organizada e em conjunto a pauta LGBTQI+ de Imperatriz.
Mesmo havendo uma comunidade LGBTQI+ visível que frequenta os espaços ou guetos LGBT’s
pela cidade.
No decorrer da coleta de dados e no processo de observação deste referido trabalho. Ficou
perceptível a existência de pequenos grupos com “identidades LGBT’s” (formado por 4 ou 8
pessoas ou até mais em alguns momentos próprios) que reúne-se com a finalidade da diversão e
socializar momentos comuns entre si. Grupos esses que se reúne na Avenida Beira Rio ou em
outros ambientes da cidade. Ficando visivelmente forte, uma cultura de entretimento LGBT para
esse público afim. Reforçando que a comunidade LGBQI+ de Imperatriz é heterogênea.
Ou seja, é comunidade dinâmica e polarizada em questões culturais e estruturais, mas a
respeito da pauta LGBT nacional – a cidade fica na condição de estagnada, devido não haver um
grupo forte que trabalhe e lute pelos membros, como todo, para que os direitos civis já
conquistados a nível nacional possam ser aplicados na cidade. Como o uso do nome social278 para
as pessoas transgêneros e transexuais e a união civil279 para as pessoas do mesmo sexo.
No ano de 2019, ocorreu outros eventos de cunho LGBTQI+ que foram amplamente
divulgados pelos organizadores e também combatidos por pessoas contrarias à realizações dos
eventos.
No primeiro semestre do ano, houve a apresentação do espetáculo “Quem Tem Medo de
Travesti”, organizado e dirigido pelo ator Silvério Pereira – o mesmo, também palestrou num
evento com a participação de aproximadamente 200 pessoas ou até mais num auditório local. O
coletivo cearense, “as travestidas” visa debater e socializar experiências LGBTQI+ no palco.
Levando em conta preconceito, resistência e sororidade entre os LGBTQI+ por onde passam.
278
DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016
Art. 1º Este Decreto dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas
travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, considera-se:
I - nome social - designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida; e
279
RESOLUÇÃO Nº 175, DE 14 DE MAIO DE 2013
Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão
de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as
providências cabíveis.
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Em seguida, no Salão do Livro de Imperatriz, SALIMP, ocorreu também uma mesa com
tema “A comunidade LGBTQI+ de Imperatriz: entre avanços e desafios”. Ocorrido no decorrer
da feira literária, o debate tratava-se de debater quem são/eram os LGBTQI+’s que moram na
cidade de Imperatriz.
Na mesa estavam presente as pessoas, segundo as suas orientações sexuais que se
propuseram debater e refletir esse tema e uma das situações ficou bem claro o debate, foi o
questionamento a respeito de políticas públicas voltadas para a comunidade LGBTQI+ da cidade.
Politicas essas que são silenciadas pelo sistema político local ou ainda não demostraram interesse
em lidar com essa realidade social vigente local.
Um outro ponto de grande questionamento, foi a respeito do forte conservadorismo e
preconceito que gira em torno dos LGBT’ que vivem na cidade e ao mesmo tempo, isso reflete na
estagnação que impede uma aglutinação e formação de um grupo que milite por LGBQI+ com
protagonismo LGBTQI+.
Ficando subentendido que para haver lutas para uma comunidade LGBTQI+ deve partir
dos próprios membros desta comunidade. Entretanto, essa luta ou bandeira, vem sendo travada
por outros movimentos sociais – situação essa que foi citado neste trabalho acadêmico.
Na cidade de Imperatriz fica bem claro que a mesma tem uma comunidade LBTQI+
entretanto, não tem um grupo organizado politicamente que luta pelos direitos civis e combate a
homofobia local na cidade por próprios LGBT’s.
Nas conversas formais e informais, no percurso deste trabalho, foi visitado os lugares em
que os mesmos se encontram, os “guetos ou ambientes LGBTQI+”, e a justifica a respeito de não
haver um grupo articulado politicamente por gays, lésbicas, transgêneros, transexuais, bissexuais,
intersexual, pansexuais, binário e outras identidades de gênero e sexual, é o preconceito que tem
na cidade. Assim como também, foi perceptível que uma boa parte dos próprios LGBTQI+ não
sabia aonde recorrer, caso sofresse um crime de homofobia na cidade.
A respeito de formação política/base ou a respeito da militância LGBTQI+ desconhecia
ou pouco importava-se com a luta ou não a respeito dos direitos civis já conquistados por e para
os LGBT’s no nível federal e estadual por exemplo.
São muitas e muito rápidas as transformações que atravessam o movimento LGBT no
momento atual. Novos sujeitos, novos discursos, pluralidade de visões, novas formas de
atuação, diversos tipos de disputas e tensionamentos. Para procurar entender o cenário
contemporâneo, voltamos às tensões que ganham força após a passagem dos anos 1990
para os anos 2000. (FACCHINI & RODRIGUES, 2018, p. 249).
As lutas do movimento homossexual, enfrentou várias situações e desafios – além da
perseguição do regime militar e do senso comum enraizado no imaginário de uma parcela da
sociedade brasileira como todo. Se tratando do preconceito, cidade de Imperatriz é ímpar neste
debate a respeito da comunidade e movimento LGBQI+ - em comparação com outras cidades no
mesmo porte desta, como as cidade de Araguaína no Tocantins e Marabá no Pará. Cidades estas
que possuem um coletivo atuante que atua em parceria com órgãos públicos, para combater o
preconceito e lidar com situações problemas que gira em torno da população LGBTQI+, como
campanhas de prevenção ao suicídio, a prevenção das IST’s, renda e trabalho e outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
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LIMA, Stephanie Pereira de. As bi, as gay, as trava, as sapatão organizada pra fazer revolução!
Uma análise socioantropológica do Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual
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RIBEIRO, Irineu Ramos. A identidade gay nos programas e telejornais brasileiros. São Paulo:
Edições GLS, 2010.
Resumo: Quando se pensa na presença da mulher no mundo da ciência é tão expressivo e as suas
contribuições científicas se manifestam nas mais diversas áreas do conhecimento. Por muito
tempo, com exceções, as mulheres não puderam desenvolver pesquisas nem mesmo como
auxiliares, já que, até em meados do século XIX eram impedidas de frequentar as instituições de
ensino. Diante da situação histórica da inserção das mulheres na ciência, buscou-se analisar as
contribuições das mesmas para despertar o interesse de discentes de ensino médio de escolas
públicas de Pinheiro – MA para o meio científico. A pesquisa em questão caracteriza-se como de
abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, onde para obter os dados realizou a aplicação de
questionários de caráter misto. A escola por ser formadora de cultura, ela deveria possibilitar os
alunos e alunas a se apropriarem da mesma. Na exploração do material, notamos uma grande
divergência quanto aos interesses pelas ciências exatas, naturais, humanas e linguística, nas
escolas A, B, C e D, por exemplo, é grande o número de dificuldade encontrada pelas meninas
nas disciplinas que contemplam as ciências exatas e da natureza sendo essas com 156 relatos, já
para ciências humanas e linguagens contabilizamos 27 relatos. Percebe-se ainda, alguns resquícios
da educação tradicional nas justificativas dos questionários, das quais destacamos, os fatos da
rigidez dos professores em sala e da grande quantidade de conteúdos para serem “decorados”.
Palavras-chave: Escola; Mulheres na Ciência; Educação básica; Discentes.
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Abstract: When one thinks about the presence of women in the world of science is so expressive
and her scientific contributions manifest themselves in the most diverse areas of knowledge. For
a long time, with exceptions, women could not develop research even as auxiliaries, since until
the mid-19th century they were prevented from attending educational institutions. Given the
historical situation of women's insertion in science, we sought to analyze their contributions to
arouse the interest of high school students from Pinheiro public schools – MA for the scientific
environment. The research in question is characterized as a qualitative approach, of the case study
type, where to obtain the data performed the application of mixed questionnaires. The school
because she is a culture trainer, she should enable students and students to appropriate it. In the
exploration of the material, we noticed a great divergence regarding the interests of the exact,
natural, human and linguistic sciences, in schools A, B, C and D, for example, the number of
difficulty encountered by girls in the disciplines that contemplate the exact sciences and nature
being these with 156 reports, already for humanities and languages we counted 27 reports. It is
also noticed, some remnants of traditional education in the justifications of the questionnaires, of
which we highlight, the facts of the rigidity of teachers in the classroom and the large amount of
contents to be "decorated".
Keywords: Women in science; Insertion; Basic education; Students.
1. INTRODUÇÃO
Analisando a história, nota-se que a Ciência era uma atividade voltada para os homens.
Conforme Leta (2003, p. 1),
A mudança nesse quadro inicia-se somente após a segunda metade no século XX, quando
a necessidade crescente de recursos humanos para atividades estratégicas, como a
ciência, o movimento de liberação feminina e a luta pela igualdade de direitos entre
homens e mulheres permitiram a elas o acesso, cada vez maior, à educação científica e à
carreiras, tradicionalmente ocupadas por homens.
Mesmo diante dessas mudanças ocorridas por parte das mulheres, a representação de
quem faz e pode fazer Ciência ainda é masculina, fazendo com que as mulheres sejam minoria
nessa área. Atualmente, observa-se o número considerável de mulheres em muitas
universidades do país e instituições de pesquisa, entretanto, apesar dessa crescente
participação feminina no mundo científico, ainda é verificado que tal participação vem
ocorrendo de maneira dicotimizada, aquém da presença masculina em determinadas áreas.
Enquanto os meninos recebem mais estímulos para lidar com instrumentos associados
ao mundo masculino, como ferramentas, máquinas, computadores e outros, as meninas passam
por um processo de socialização diferenciado onde elas são estimuladas a lidarem com
assuntos que envolvem mais as áreas de saúde, educação e bem-estar, que acabam fazendo
parte dos seus interesses futuros. Toda essa formação acontece por meio da educação informal
estabelecida pela família, mídia e relações sociais. Como ressalta Silva e Ribeiro (2014).
No início do século XX, a Ciência era culturalmente definida como uma carreira
imprópria para as mulheres, como ressalta Carvalho e Casagrande (2011, p.23) “[...]as
mulheres eram proibidas de frequentar lugares públicos, entrar em bibliotecas, universidades,
publicar resultados de suas pesquisas ou discutir em posição de igualdade sobre seus
conhecimentos com os cientistas. ”
o mundo. No livro, elas citam Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976), uma brasileira zoóloga,
política e diplomata. Figura de destaque no movimento feminista pan-americano e no
movimento de direitos humanos. Ela foi fundamental para a obtenção sufrágio feminino no
Brasil e representou seu país na Conferência das Nações Unidas sobre Organização
Internacional, assinando seu nome na Carta das Nações Unidas. Fora o seu trabalho político,
ela era naturalista no Museu Nacional do Brasil, especializada em sapos venenosos.
Elisa Frota Pessoa, foi outra pioneira no mundo científico, nascida no ano de (1921 –
2018), a mesma era física experimental brasileira. Sendo ela, uma das primeiras mulheres a se
formar em física no Brasil, em 1942, e membro fundadora do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas. “Suas contribuições mais importantes na pesquisa em física foram: introduziu a
técnica de emulsões nucleares no Brasil e a aplicou em vários campos, como física nuclear,
biologia, partículas elementares[...]” (MELO, RODRIGUES, 2013, p.18).
Essas mulheres e muitas outras fizeram a grande diferença no mundo da Ciência, pelo
fato de viverem numa época em que, para se ter sucesso em matemática, Ciências ou
engenharia, as mulheres precisavam de coragem, determinação além de inteligência e, é claro
que elas se encaixavam nesses requisitos, porém não foi fácil e não é fácil. A conquista de
prêmios nas áreas de Física, Química e Matemática - Ciências Exatas - é um evento positivo,
pois tende a motivar as mulheres que trabalham em tais áreas, sendo elas a minoria
(CASEIRA, 2016).
“[...] a inclusão das mulheres nas profissões cientificas tem acontecido de forma
muito lenta e em número muito pequeno quando comparado ao número de
homens nas áreas das Ciências Exatas, tais com Matemática, Física e
Engenharias, porém as mulheres aparecem em maioria nas áreas ligadas às
Ciências Humanas e Sociais.”
Vale enfatizar, que as mulheres ainda sofrem enorme preconceito nessas áreas, pelo
fato de serem áreas consideradas “masculinas”. “A condição biológica foi utilizada para
justificar as inaptidões conforme o sexo e foram e ainda são determinantes para colocarem as
mulheres em formações consideradas apropriadas a sua condição física e psíquica.” ALVES
(2017, p.9). Além de serem rotuladas como sendo o sexo inapto para algumas áreas do
conhecimento, ainda precisam lidar com o impasse da vida acadêmica e da atenção que devem
atribuir à sua família, isso, quando optam pela carreira científica. Muitas de fato, até tentam,
mas acabam desistindo da profissão ou porque precisam dedicar seu tempo à família ou porque
são desestimuladas.
[...]não se nasce mulher/homem cientista com aptidões para ciência, mas são os diversos
espaços pelos quais transitamos que constituem nossas múltiplas identidades, que nos
ensinam modos de viver e definir as masculinidades e feminilidades, bem como as
atribuições de quem é legitimado para produzir conhecimento com aquelas características
que são designadas como necessárias para fazer ciência – racionalidade, neutralidade,
entre outras.
Os estudos de gênero devem ser inseridos nas discussões sobre Ensino de Ciências não
só pela presença das mulheres em atividades científicas que são mais evidentes hoje em
dia, mas também porque a Educação preocupa-se não só com os processos de
aprendizagem em sala de aula, mas também dos aspectos subjetivos e sociais. O papel da
escola e do Ensino de Ciências dentro de uma sociedade que ainda ressalta as diferenças,
os estereótipos e hierarquiza homens e mulheres em se tratando de aprendizagem deve
ser discutido. (SANTOS, 2013, p. 2).
quebrado esse tabu de que apenas os homens podem fazer Ciência, e dessa forma, consigam
construir uma nova visão de oportunidades para as meninas e/ou mulheres que poderão vir a
ser futuras cientistas. De acordo com Santos (2013, p.4),
Sabendo que tais fatores podem servir de estímulos para a inclusão dessas meninas
e/ou mulheres em áreas nas quais são minorias (Química, Física, Matemática e entre outras),
os docentes precisam estar preparados, para contribuírem na construção de conhecimento
científico, incentivando singularmente a participação das alunas nos grupos de pesquisas,
despertando assim, o interesse contínuo do estudo da Ciência para além da sala de aula. Além
disso, por ser o ambiente no qual a importância dos progressos das mulheres no meio científico
deve ser evidenciada a escola tem o poder de influenciar nas mudanças de atitudes das meninas
no sentido de fazer as mesmas acreditarem em seu potencial como futuras cientistas,
exploradoras, inovadoras e inventoras.
São por esses motivos dentre tantos, que esta pesquisa se torna relevante quando visa
salientar o papel da mulher no campo científico, ressaltando o quão marcante foram as suas
conquistas até os dias atuais. Visto que, no decurso de um tempo, tinham algumas das suas
vontades privadas, por questões sociais relacionadas ao “ser mulher”. Por mais que os homens
atualmente tenham maior reconhecimento profissional, percebe-se que aos poucos algumas
conquistas de grande relevância são alcançadas por elas. Conquanto, espera-se maior destaque
ao trabalho delas, uma vez que, além de fazerem Ciência ainda lideram alguns dos seus
principais campos.
Diante disso, esta pesquisa tem como finalidade, potencializar a visibilidade da mulher
na Ciência, enfatizando seu papel dentro da área, no intuito de trazer incentivo e o interesse
dos discentes para o meio científico, analisando possíveis motivações para o porquê dos alunos
e alunas não expressarem interesse na carreira científica. Sendo papel da escola, despertar
nestes, independente de gênero, a curiosidade e a consciência de que conhecer o universo é
uma atividade que a torna mais rica como ser humano. Com base nisso, algumas questões se
colocam: Qual a contribuição da escola no papel de enculturação científica? Qual o interesse
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dos discentes para a área das Ciências? Por que as Ciências não são um atrativo para os
discentes seguir uma carreira profissional?
2. METODOLOGIA
O trabalho tem como base uma abordagem de natureza qualitativa, consistindo em um
método subjetivo para análise das percepções e motivações relacionadas com grupos individuais
e problemas específicos, neste tipo de pesquisa o ambiente é o objeto de estudo em questão, deve-
se manter em contato direto com o pesquisador não dando prioridade para medições e nem
numerações (PRODANOV E FREITAS, 2013, p. 70). Além disso à abordagem qualitativa,
responde as questões particulares, se preocupando com o grau de realidade que não pode ser
quantificado, uma vez que trabalha com um universo de significados, motivações, crenças, valores
e atitudes, correspondentes a um espaço em que as relações dos processos e fenômenos são mais
profundas (MINAYO, 1995, p. 21-22).
Tal análise caracteriza-se como um estudo de caso que visa expor a realidade e explicar
como e porque ocorre o tema em questão, pois segundo Gil (2008, p. 57 – 58) é um tipo de “(...)
estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento
amplo e detalhado (...)”. Que “tem por objetivo proporcionar vivência da realidade por meio da
discussão, análise e tentativa de solução de um problema extraído da vida real.” (GODOY, 1995,
p.25).
Este trabalho foi realizado em quatro escolas localizadas na cidade de Pinheiro – MA.
Após nosso primeiro contato com a direção de cada escola foi nos permitido aplicação dos
questionários com os sujeitos da pesquisa. Para preservar o anonimato dos sujeitos e das escolas
utilizou-se de códigos alfa numéricos, para isso, usou-se a letra “S” para indicar sujeito, “A, B, C
e D” como os indicadores das escolas e “01, 02, 03 ... 0n” referindo-se à sequência dos sujeitos.
Com relação aos questionários, Chizzotti (2003, p. 130) afirma que “(...) é um instrumento para
coleta de dados formado por questões previamente elaboradas com a finalidade de obter respostas
dos sujeitos”. Em seguida, foi explicada em cada turma o porquê da pesquisa, e a importância da
mesma no nosso processo de formação enquanto discentes de ensino superior.
Quanto aos sujeitos da pesquisa, foram escolhidos discentes do 3º (terceiro) ano, uma vez
que já estavam prestes a concluir o ensino básico e posteriormente, ingressarem no ensino
superior. Isto porque a pesquisa visa o estudo das dificuldades encontradas pelos os discentes em
seguir carreiras cientificas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram aplicados 150 (cento e cinquenta) questionários em apenas uma turma do 3º
(terceiro) ano de cada escola, sendo a mesma escolhida de forma aleatória. De acordo com a
Tabela II, descreve-se o quantitativo de mulheres e homens que participaram da pesquisa em cada
escola.
Ainda sobre elas ressaltamos a afinidade particular da área de naturais para o componente
curricular Biologia. É importante ainda destacar a não existência de dificuldades nas áreas que
contemplam as Ciências humanas e linguagem. Para Fourez (2003, p. 111) a crise no ensino de
Ciência é mundial, essa expressa nos jovens um gatilho para o não interesse na carreiras científica,
ou melhor até desperta interesse, entretanto esses não buscam a dedicação para uma Ciência
imposta nas quais não são capazes de responder suas próprias perguntas, visto que os professores
não estão prontos para desenvolverem tais papeis, pois foram e ainda são formados aos moldes
tradicionalistas.
“Por que não gosto de todo tempo ficar explicando a mesmas regras”
(SB04)
Tais falas estão associadas as questões da dinâmica das normas e acordos ortográficos que
estão em constantes mudanças. Salvo a escola A, onde obtivemos uma igualdade para essas
variáveis.
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Tais justificativas, de forma geral, explicitam os fatos da rigidez dos professores em sala e
da grande quantidade de conteúdos para serem “decorados”, essas se fazendo uma das principais
explicações para o desencadeamento das dificuldades entres as áreas. Para Tchaicka e Serra (2017,
p. 14) “a grande maioria dos professores ainda opta pela aula expositiva, tradicional, onde o aluno
é mero arquivo de informação”, ainda segundo elas as justificativas para tais ações estão
relacionada a formação insuficiente do educador, distanciamento da universidade em relação a
escola, desmotivação dos professores pelos baixos salários e más condições de trabalho
(TCHAICKA; SERRA 2017, p. 12).
Para justificativas das afinidades quase que predominante das Ciências naturais com
relação à componente Biologia estavam relacionadas a questões de se tratar do cuidado da natureza
e com corpo humana visando a importância desses para a vida:
O interesse proveniente das áreas de humanas e linguagem são a maiorias das vezes
voltados para as discussões nas aulas e por essas promoverem a visibilidade dos fenômenos ou
aplicações em seu cotidiano:
“Pelo fato historico do nosso mundo e como ele vem evoluindo” (SA10)
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A partir da análise dos alunos, podemos introduzir a história das mulheres na Ciência,
correlacionando com o contexto atual. Mediante a isso, fragmentamos algumas biografias que
podem ser utilizadas no trabalho docente.
Rosalind Elsie Franklin (1920 - 1958) por exemplo, foi uma química britânica que
contribuiu para o entendimento das estruturas moleculares do DNA, RNA, vírus, carvão mineral
e grafite. Embora seus trabalhos sobre o carvão e o vírus tenham sido apreciados em sua vida, suas
contribuições para a descoberta da estrutura do DNA tiveram amplo reconhecimento póstumo.
Maria Goppert-Mayer (1906 - 1972) foi uma física teórica estadunidense nascida na
Alemanha. Com Eugene Paul Wigner e J. Hans D. Jensen, recebeu o Nobel de Física em 1963,
por propor um novo modelo do envoltório do núcleo atômico. Foi a segunda mulher a ser laureada
nesta categoria do Nobel, precedida por Marie Curie.
Amalie Emmy Noether (1882 – 1935) foi uma matemática alemã, conhecida pelas suas
contribuições de fundamental importância aos campos de física teórica e álgebra abstrata.
Considerada por David Hilbert, Albert Einstein, Hermann Weyl e outros como a mulher mais
importante na história da matemática, ela revolucionou as teorias sobre anéis, corpos e álgebra.
Em física, o teorema de Noether explica a conexão fundamental entre a simetria na física e as leis
de conservação.
Dessa forma, deixa-se evidente neste trabalho que a Ciência independe do gênero, mas
depende de coragem, e o que pudemos observar até então, foi demonstração do poder feminino,
no qual fica expresso que as mulheres aos poucos estão conquistando espaço na história da Ciência
e deixando legados, que servem e servirão de estímulo para as atuais e futuras cientistas que ainda
se encontram em sala de aula.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos que em todo decorrer da história as mulheres não tiveram um papel muito
visível no campo das Ciências. Atualmente, percebe-se um incentivo maior as mulheres para as
carreiras científicas. Ao incentivá-las de que toda ideia e teoria proposta por elas deve sim serem
levadas em consideração, motivando-a, isso pode se abrir um espaço maior nos campos da
Ciências e tecnologias. Mediante a isso, continua sendo um desafio, principalmente aos
educadores, levar esse incentivo para o âmbito escolar.
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e justa. Mas para isso deve-se apresentar soluções concretas para se melhorar a equidade
no que diz respeito não só no campo das Ciências e tecnologia, mas sim de um modo geral.
Concluindo, ações, soluções, existem uma série de fatores que devemos observar, mas, só
assim podemos chegar à solução, é importante estimular as meninas desde cedo para que elas se
vejam inteligentes, e não somente bonitas. Que acreditem que são capazes de fazerem descobertas
científicas e que podem ser, sim, tão inteligentes quanto seus colegas rapazes. Incentivando
meninas mais novas a serem cientistas é o primeiro passo para que tenhamos cada vez mais
referências femininas na área e, quem sabe, possamos chegar aos 50% dos reconhecidos pelo
prêmio Nobel.
REFERÊNCIAS
ALVES, Daniela Maçaneiro. A MULHER NA CIÊNCIA: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS. Criar Educação, Criciúma, p.1-25, jul. 2017.
CARVALHO, Marilia Gomes de; CASAGRANDE, Lindamir Salete. Mulheres e ciência: desafios
e conquistas. Revista Internacional Interdisciplinar Interthesis, Florianopólis, v. 8, n. 2, p.20-
35, 26 dez. 2011. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2011v8n2p20.
FOUREZ, Gerard. Crise no Ensino de Ciências. Investigações no Ensino de Ciências. v.8 (2),
p.109 – 123. 2003.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. – 6. Ed. – São Paulo: Atlas, 2008.
MELO, Hildete Pereira de; RODRIGUES, Ligia M C S. Pioneiras da ciência no Brasil. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2013. 38 p.
PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho científico
[recursos eletrônicos]: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. – 2 ed. –
Novo Hamburgo: Feevale, 2013.
SILVA, Fabiane Ferreira da; RIBEIRO, Paula Regina Costa. Trajetórias de mulheres na ciência:
“ser cientista” e “ser mulher”. Ciência & Educação (Bauru), vol. 20, núm. 2, 2014, pp. 449-466
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho São Paulo, Brasil.
TCHAICKA, Ligia et al. Curiosidade, Investigação, Discurssão... afinal: é disso que estamos
tratando em nossas aulas de ciências? In: TCHAICKA, Ligia; REIS, Raissa (Org.). Das moléculas
aos ecossistemas: experimentando a pesquisa em genética e conservação no ensino médio. São
Luis: Uemanet, 2017. Cap. 1. p. 11-19.
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Resumo: A participação feminina no mercado de trabalho ainda continua marcada por profundas
desigualdades sociais, que tem como fundamento a estrutura organizacional do Estado
notadamente influenciada por visões sexistas e racistas. Essa reflexão têm apoio nos estudos que
analisam a trajetória de professoras negras nas universidades como: Silva (2007), Crisostomo
(2014), Santos (2015), Quadros (2015), Oliveira (2006), Machado (2013). No que diz respeito às
questões de gênero tivemos apoio em Scott (1995), Safiotti (2004), Louro (2014) e Oyěwùmí
(2004) e sobre as questões raciais, especificamente, no espaço acadêmico temos: Munanga (2006),
Carvalho (2005) e Coelho (2003), Machado (2013), Cunha Jr. (2005, 2013), Boakari (2010, 2015),
Lélia Gonzalez (1984), Sueli Carneiro (2003), Angela Davis (2015), bell hooks (1995, 2013),
Patrícia Hill Collins (1997, 2000). Aponta o modo pelo qual as desigualdades raciais e de gênero
permanecem como um dos grandes problemas a serem combatidos no mundo do trabalho, sendo
relevante a análise e discussão bibliográfica e documental da inserção histórica da mulher no
mercado de trabalho, considerando: a) a questão da divisão sexual do trabalho que engloba as
desigualdades de gênero e racial no uso do tempo para dedicação à profissão, aos cuidados com a
família, a imposição de uma dupla jornada de trabalho; b) o fato de que a luta das mulheres por
acesso e participação no mercado de trabalho também está associada as suas trajetórias
sociocultural e educacional, embora o processo de escolarização não se constitua, geralmente,
como fator preponderante nas conquistas e sucessos de sua inserção na ordem produtiva; c) a
análise de indicadores sociais ao apontar que, apesar das mulheres possuírem maior grau de
escolarização que os homens, sobretudo, em cursos de graduação, isto não se reflete,
necessariamente, no mercado de trabalho. A compreensão deste fenômeno tem relação com a
divisão sexual do trabalho, pois ainda que as mulheres alcancem níveis educacionais mais
elevados que os homens, elas permanecem como as principais responsáveis pelas tarefas
domésticas e o cuidado das crianças (BARRETO, 2014). Também, a indicação de que existe
segregação espacial combinada à segregação étnico-racial e de gênero no Brasil possibilita uma
futura discussão sobre a possibilidade de existir territórios e/ou lugares femininos negros na
sociedade, seja em limites demarcados, seja simbolicamente instituídos a partir de seus lugares de
vivência e ligação com os demais atores/atrizes sociais, evidenciando as dificuldades de
feminização do magistério superior. Diferentemente da educação básica, as mulheres, sobretudo
as afrodescendentes (pretas e pardas), são minoria no trabalho docente da educação superior.
Palavras-chave: Relações de gênero. Raça. Mercado de Trabalho. Mulheres Professoras
Abstract: Female participation in the labor market is still marked by profound social inequalities,
which are based on the organizational structure of the State, notably influenced by sexist and racist
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views. This reflection is supported by studies that analyze the trajectory of black teachers in
universities such as: Silva (2007), Crisostomo (2014), Santos (2015), Quadros (2015), Oliveira
(2006), Machado (2013). With regard to gender issues, we had support from Scott (1995), Safiotti
(2004), Louro (2014) and Oyěwùmí (2004) and on racial issues, specifically, in the academic
space we have: Munanga (2006), Carvalho ( 2005) and Coelho (2003), Machado (2013), Cunha
Jr. (2005, 2013), Boakari (2010, 2015), Lélia Gonzalez (1984), Sueli Carneiro (2003), Angela
Davis (2015), bell hooks ( 1995, 2013), Patrícia Hill Collins (1997, 2000). It points out the way
in which racial and gender inequalities remain as one of the major problems to be tackled in the
world of work, with a relevant bibliographic and documentary analysis and discussion of the
historical insertion of women in the labor market, considering: a) the issue of the sexual division
of labor that encompasses gender and racial inequalities in the use of time for dedication to the
profession, to care for the family, the imposition of a double working day; b) the fact that women's
struggle for access and participation in the labor market is also associated with their socio-cultural
and educational trajectories, although the schooling process is not usually a major factor in the
achievements and successes of their insertion in the productive order; c) the analysis of social
indicators by pointing out that, although women have a higher level of education than men,
especially in undergraduate courses, this is not necessarily reflected in the labor market. The
understanding of this phenomenon is related to the sexual division of labor, because even though
women reach higher educational levels than men, they remain as the main responsible for domestic
tasks and child care (BARRETO, 2014). Also, the indication that there is spatial segregation
combined with ethnic-racial and gender segregation in Brazil allows for a future discussion about
the possibility of black female territories and / or places in society, either within demarcated limits
or symbolically instituted from their places of experience and connection with the other social
actors / actresses, showing the difficulties of feminization of higher teaching. Unlike basic
education, women, especially those of African descent (black and brown), are a minority in the
teaching work of higher education.
Keywords: Gender relations. Breed. Labor market. Women Teachers
Introdução
A participação feminina no mercado de trabalho continua atravessando profundas
desigualdades, que tem como fundamento a estrutura organizacional do Estado. Nessa
perspectiva, verifica-se que a desigualdade de gênero continua a ser um dos grandes problemas a
serem combatidos no mundo do trabalho.
É importante se discutir a inserção histórica da mulher no mercado de trabalho, com
atenção na questão da divisão sexual do trabalho que engloba as desigualdades de gênero no uso
do tempo para dedicação à profissão, aos cuidados com a família, a imposição de uma dupla
jornada de trabalho.
A luta das mulheres por acesso e participação no mercado de trabalho também está
associada as suas trajetórias sociocultural e educacional, embora o processo de escolarização não
se constitua, geralmente, como fator preponderante nas conquistas e sucessos de sua inserção na
ordem produtiva. Afinal, indicadores sociais têm apontado que, apesar das mulheres possuírem
maior grau de escolarização que os homens, sobretudo, em cursos de graduação, isto não se reflete,
necessariamente, no mercado de trabalho.
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Segundo Barreto (2014), uma possibilidade de compreensão deste fenômeno diz respeito
à divisão sexual do trabalho, pois ainda que as mulheres alcancem níveis educacionais mais
elevados que os homens, elas permanecem como as principais responsáveis pelas tarefas
domésticas e o cuidado das crianças.
A indicação de que existe segregação espacial (ocupação de espaços de prestígio social)
combinada à segregação étnico-racial no Brasil incita-nos à discussão sobre a possibilidade de
existir territórios e/ou lugares femininos negros na sociedade, seja em limites demarcados, seja
simbolicamente instituídos, a partir de seus lugares de vivência e ligação com os demais
atores/atrizes sociais. Dentre estes possíveis territórios, encontra-se o ambiente escolar, tão
importante na revelação sobre as trajetórias das professoras negras.
A atual situação da mulher afrodescendente, dentro do contexto social brasileiro, é fruto
de um processo histórico que se arrasta desde os tempos da colonização e permanece ainda hoje,
com novas feições.
A (não)presença da mulher negra, em alguns espaços, reforça a segregação social e racial
sofrida por ela ao longo da história. Alguns espaços são, simbolicamente, acolhedores da
“sociedade branca” (SANTOS, 2002) em detrimento da população negra, como as Universidades
e, nesse sentido, as relações raciais apresentam uma certa dimensão espacial. tornando para a
mulher negra a relação mais restrita e inflexível.
Partindo desses dados, a problemática central se trata de desvendar quais as contribuições
do trabalho docente feminino nas políticas públicas implementadas pelo Estado, visando enfrentar
as desigualdades de gênero e raça e as diferentes taxas de inclusão no mercado de trabalho, em
especial na docência do curso de Direito.
Além dessas inquietações, outras surgiram: é possível que essa diferença de tratamento nas
relações de trabalho sejam um traço cultural, determinado pela forma de construção do papel da
mulher na sociedade? Como a educação das relações raciais e de gênero pode aproximar o debate
sobre a reparação às minorias? Como o conceito de feminismo pode ressignificar a visão que se
tem da mulher e de seu papel em sociedade, especificamente no mercado de trabalho da docência
universitária?
Na tentativa de responder a esses questionamentos, esse texto propõe apresentar alguns
caminhos metodológicos e possíveis resultados oriundos de discussões mais centradas nas
literaturas sobre docência feminina e suas formas de opressão.
ao ponto de “ressignificar as práticas existentes e inventar nossos percursos com base nas
necessidade trazidas pelo problema de pesquisa que formulamos”, Meyer; Paraíso (2012 p. 42).
Nesse movimento de produção de novos significados, pode ser visto, na visão de Mignolo
(2008) como desobediência epistêmica, de sujeitos invizibilizados pela ciência ocidental, um
modo de pensar e enxergar pelo ponto de vista dos sujeitos subalternos, possibilitando para o
pesquisador aprender a desaprender os conceitos incluídos e enraizados nas epistemologias
ocidentais.
Nessa direção, Machado e Boakari (2013) argumentam que: promover discussões sobre
gênero e raça causa um desconforto e diversas tensões entre os interlocutores, e às vezes, a própria
academia desmerece estes estudos e não os enxergam como ciência. Além disso, demonstra como
os saberes ancestrais, das culturas silenciadas e consideradas inferiores historicamente, são tão
importantes e tão ciência quanto qualquer outra, e que este processo de apagamento só contribui
ainda mais para a opressão desses sujeitos.
Questionar, e colocar em debate a docência universitária exercida por mulheres
afrodescendentes, é uma forma epistêmica de lhes dar visibilidade, de reconhecer a importância
de suas memórias e experiências plurais, de refletir sobre suas trajetórias sociais e profissionais
como docentes no magistério superior.
Ao traçar aspectos acerca das discussões de gênero e pontuar a diferença de tratamento
entre homens e mulheres no mercado de trabalho, importa salientar de início sobre o princípio da
igualdade, previsto na Constituição Federal brasileira.
No âmbito trabalhista, tal princípio busca a igualdade substancial e real entre as partes com
a proteção do empregado, que sempre é a parte mais vulnerável na relação. Na atualidade,
promover a igualdade é um meio de eliminar todas as formas de discriminação, entre elas a que
ocorre no tratamento entre homens e mulheres.
No mercado de trabalho, apesar dos notáveis avanços nos últimos anos no que se refere à
redução das desigualdades entre homens e mulheres, muito ainda há que se avançar no que diz
respeito a salários, produtividade e participação feminina.
Apesar de as mulheres ocuparem cada vez mais postos no mercado de trabalho, elas ainda
são maioria dentre os desempregados, possuem salários menores que dos homens, tem mais
dificuldade em conseguir um cargo de gestão, e são quase que as únicas responsáveis pelos
cuidados do lar.
Assim, é visível a necessidade de uma legislação protecionista à mulher no mercado de
trabalho. Ocorre que, não basta que as condições de trabalho sejam mais vantajosas na lei, é
preciso uma mudança de pensamento, passando pela educação desde à infância, para que seja real
a igualdade entre os sexos.
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Apesar de o texto constitucional ser claro no que diz respeito à igualdade de gêneros, e
proteger especificamente a mulher no mercado de trabalho, uma mudança de paradigma não se
faz apenas com legislação, mas sim com mudança de consciência social. Assim, ainda é notável
que há uma clara divisão sexual de trabalho, incitada desde a infância, onde meninos são
incentivados a brincar com carros, materiais de construção, peças de montar e encaixe, e as
meninas com bonecas e utensílios domésticos.
Melhorar a participação feminina no mercado de trabalho requer uma abordagem
multidimensional, e aqui se inclui a importância da análise do problema de forma transversal,
incluindo nessa abordagem políticas focadas no equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho e na
eliminação da discriminação de gênero além de criação e proteção de empregos de qualidade no
setor da saúde.
A questão da desigualdade no mercado de trabalho vai além da equiparação salarial e dos
aspectos das representações sociais da participação feminina nos espaços sociais, visto que um
outro ponto merece destaque, que materializa-se no reconhecimento das diferenças naquilo que as
Piovesan, Flávia, “Direitos humanos das mulheres no Brasil: desafios e perspectivas”, em Penido, Laís de Oliveira
281
(Coord.); Laís de Oliveira (Coord.), A igualdade de gêneros nas relações de trabalho, Brasília, Escola Superior do
Ministério Público da União, 2006, pp. 205-212.
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torna semelhantes, visto que, quanto mais se aprofunda nas questões de gênero, trazendo de forma
transversal outros aspectos da diversidade como raça, orientação sexual e religião, aumenta-se a
lista de desafios maiores e mais complexos: mulheres brancas com alto nível de escolaridade não
enfrentam os mesmos desafios das mulheres negras com alto nível de escolaridade; mulheres
brancas com alto nível de escolaridade e lésbicas enfrentam desafios que mulheres brancas ou
negras heterossexuais desconhecem, e assim por diante.
Nesse sentido, estudar a mulher afrodescendente e a sua trajetória no mercado de trabalho
docente é de extrema relevância. Estas fazem parte de grupos socialmente desvalorizados:
mulheres, negras e professoras, discriminadas pelo seu pertencimento étnico-racial, na grande
maioria das vezes interligadas à vulnerabilidade socioeconômica e também, menos prestigiadas
em sua intelectualidade e profissão. Há fortes indícios de que essas situações se mantêm e se
reforçam também na Educação Superior com graduandas, pós-graduandas e docentes.
Sabe-se que são inúmeros os obstáculos para que sejam legitimamente efetivadas as
Políticas Públicas de promoção da igualdade. O processo para a reversão de estereótipos negativos
e preconceitos com relação à população negra levará bastante tempo para ocorrer. Ele acontecerá
após um longo processo de transformações, considerando a construção ideológica existente no
Brasil.
Assim, defende-se a ideia da mulher como sujeito fundamental das políticas de emprego,
reconhecendo o trabalho produtivo feminino. A implementação de políticas públicas transversais
de inserção social da mulher através do trabalho formal, apresenta-se como uma das formas mais
adequadas para promoção de igualdade de gênero nas questões laborais, contribuindo de maneira
eficaz nas políticas de inclusão social e redução da pobreza.
Por transversalidade de gênero nas políticas públicas entende-se a ideia de elaborar um
seguimento capaz de encaminhar a sociedade para uma nova visão de competências (políticas,
institucionais e administrativas), além de uma responsabilização dos agentes estatais em relação à
superação das diferenças de gênero, nas mais deferentes esferas do governo, garantindo uma ação
conjunta e sustentável entre todos os setores públicos, aumentando a validade das políticas
públicas, especialmente no que diz respeito às mulheres.
Portanto, é fundamental pontuar junto à sociedade e seus atores para apoiar novos padrões
sociais e empresariais, a fim de promover uma nova política transversal de igualdade e trabalho
através da responsabilidade compartilhada entre os diversos setores do Estado, da sociedade e do
mercado econômico.
Pensar a atuação da mulher em diferentes espaços, coloca em debate a sua história como
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história silenciada, como história de negação aos aos espaços de poder, bem como o direito a ter
sua voz ouvida. Nesse sentido, Boakari (2010, p. 2), afrima que: “os estudos sobre as mulheres
como sujeitos servem de perspectiva rica para analisar como uma determinada sociedade trata da
sua maioria silenciada e esquecida”.
A mulher afrodescendente, junto ao sexismo presente na história das mulheres, tem de
conviver com o duplo marcador social de raça, que a silencia e a afasta ainda mais dos espaços
sociais de disputa de poder. A trajetória de vida das mulheres afrodescendentes é marcada por
estigmas e estereótipos, que a colocam em posição de subalternidade e inferiorização frente a
todos os outros sujeitos sociais.
Assim, falar sobre racismo em instituições de Ensino Superior requer entender a presença
do racismo institucional no espaço acadêmico como perpetuador desse sistema com pouca ou
quase nenhuma presença de professoras afrodescendentes no curso de Direito da UFMA, que seria
nosso universo de interesse, dada a formação de uma das autoras nesta área. Uma vez que tivemos
dificuldade de localizá-las, não significa que elas não estejam lá, entretanto, nos fez enxergar a
estrutura que se move contra o acesso destas mulheres a lugares como estes entendendo ser
extremamente necessário discutir e visibilizar tal situação.
Pudemos nesse estudo que as bibliografias discutidas conversam entre si, demonstrando a
imbricação entre gênero, raça e classe, não sendo possível discutir a presença da mulher no
mercado de trabalho docente sem pontuar a grande discriminação racial sofrida pelas professoras
afrodescendentes, vítimas de um racismo estrutural que as coloca para fora dos espaços de poder
e privilégio.
Esse movimento estrutural se impõe perante a carreira destas mulheres, e ao mesmo tempo,
é motivador, também, de mecanismos de defesa e resistência, visualizando como as que lá estão,
conseguiram furar a bolha do sexismo e racismo. Este é um estudo em andamento, logo, ainda
permanecem muitas indagações entre nós:
₋ É possível inferir que a diferença de tratamento nas relações de trabalho seja um traço
cultural, determinado pela forma de construção do papel da mulher na sociedade, que
possui profundas influências na estrutura da divisão sexual do trabalho, do imperialismo
colonial e das diferentes formas de manifestação dos racismos e sexismos?
₋ Como a educação das relações raciais e de gênero enquanto referencial ético e
transformador pode aproximar o debate sobre o dever de reparação às minorias em sala
de aula?
₋ Como introduzir o conceito de feminismo para melhorar a visão que se tem da mulher
e do seu papel em sociedade, especificamente no mercado de trabalho da docência
universitário, de modo a contribuir para a aplicação de políticas públicas de
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REFERÊNCIAS
MUYLAERT C. J., JÚNIOR V. S., GALLO P. R., NETO M. L. R., REIS A. O. A. Entrevistas
narrativas: um importante recurso em pesquisa qualitativa. Rev Esc Enferm USP 2014;
48(Esp2):193-199. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe2/pt_0080-6234-reeusp-
48-nspe2-00184.pdf. Acesso em 29 de out 2019.
relações de trabalho, Brasília, Escola Superior do Ministério Público da União, 2006, pp. 205-
212.
SANTOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje. O país distorcido: o Brasil, a globalização e a
cidadania. São Paulo: Publifolha, 2002, pp.157-161.
THOMPSON, P. A voz do passado: História Oral. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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Abstract: The present work aims to show preliminary results of the research project and the work
plan started in August 2019, in order to present the philosopher's project as a civilization’s doctor,
as Friedrich Nietzsche is conceived. It’s a bibliographical, theoretical and qualitative research that
aims to analyze three relevant works on the theme, which are “The philosopher's book (1872-
1875) ”, “The Gay Science (1882) ” and the author's autobiography entitled “Ecce Homo (1908)
”, explaining the solution to the “cure” of civilization, the needs of a civilization and the role of
the philosopher and philosophy for that civilization. Thus, Friedrich Nietzsche shows the role of
philosophy as an accessory to a civilization, in which it affirms that isn’t possible to create a
civilization, but to preserve, to prepare or to moderate it. In this way, he concludes the
indispensable journey of a philosopher in a cultural and civilizing ambit.
Keywords: Nietzsche; philosopher; doctor of civilization; philosophy.
INTRODUÇÃO
O propósito deste trabalho é analisar pesquisas recentes na área do projeto de pesquisa e
do plano de trabalho iniciado em agosto de 2019, com o intuito de apresentar o projeto do filósofo
como médico da civilização, tal qual é concebido Friedrich Nietzsche. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica, teórico, qualitativa que objetiva analisar três obras relevantes acerca da temática, a
quais são “O livro do filósofo (1872-1875) ”, “A Gaia Ciência (1882) ” e a autobiografia do autor
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Sendo assim, na segunda parte da obra “O livro do filósofo” intitulado “ O filósofo como
médico da civilização”, Nietzsche visa detalhar a sua atuação na compreensão de uma conexão
interna e a necessidade de toda civilização, traçando um método de análise, dividido em quatro
partes: plano, preparação, parte principal e conclusão que visa responder alguns questionamentos
e explicitar a sua principal temática.
Através dessa pesquisa pode-se extrair a relação entre a filosofia com a civilização, a arte
como forma de valorização do próprio eu, o surgimento dos valores humanos, o espirito de artista
(relatando o papel da arte em uma civilização) e a relação da filosofia com a saúde (que é
denominada como a capacidade vital de se transformar) na qual trabalha a área em que o mesmo
problematiza que a doença possivelmente foi inspiração para o filósofo, além da terapia filosófica
contra um mal identificado como doença cultural, ressalvando as mudanças que ocorreram com o
passar do tempo em cada uma dessas áreas até levar a filosofia para um caráter insignificante.
Com base nisso, Friedrich Nietzsche mostra o papel da filosofia como acessória de uma
civilização, na qual o mesmo afirma que não é possível criar uma civilização, mas sim conserva-
la, prepara-la ou modera-la. Desse modo, ele conclui o indispensável percurso de um filósofo em
um âmbito cultural e civilizatório.
Além disso, é na segunda parte desse texto que Nietzsche apresenta o projeto
esquematizado e dividido em quatro partes: plano, preparação, parte principal e conclusão,
ressaltando assim a tese primordial do projeto do filósofo como médico da civilização, como é
esquematizado abaixo:
É através das ciências que surge uma camuflagem de todas as limitações e as transfigura,
levando aquilo que é de virtudes familiares a um certo mau, a exemplo dos instintos de
conhecimento sem limites e sem discernimento que representa um sinal de inferioridade. Sendo
assim, as ciências geram um círculo vicioso. Baseado nisso Nietzsche visa analisar a relação entre
o filósofo e a civilização com o intuito de perceber como a filosofia representaria uma alternativa
de saída desse problema em questão e mostrar que é impossível construir uma civilização baseada
no saber.
Nossa visão nos prende às formas. Mas se somos nós próprios aqueles que educamos
essa visão, vemos também reinar em nós mesmos uma força artista. Vemos até mesmo
na natureza mecanismos contrários ao saber absoluto: o filósofo reconhece a linguagem
da natureza e diz: "Temos necessidade da arte" e "só precisamos de uma parte do
saber". (NIETZSCHE, 2013, p. 17)
Desse modo, o filósofo vem ser um harmonizador dos problemas que surgem com a
velocidade em que o tempo passa. Nietzsche problematiza ressalvando que possivelmente a saúde
e a doença foram inspiração para o surgimento do filósofo, a qual um age de acordo com a Vontade
em constante progresso e no outro existe uma necessidade de se segurar em algo já que este tem
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um corpo fraco e efêmero. Como afirma o autor, “o filósofo só se encontra absolutamente afastado
do povo por uma exceção: a Vontade também quer algo dele. A intenção é a mesma da arte: sua
própria transfiguração e sua própria redenção. ” (NIETZSCHE, 2004, p. 2)
Mediante essa capacidade do indivíduo de saber viver tudo que a vida propicia (conquistas,
sofrimento, dor, etc.) e de superar-se é que vem a filosofia, como o autor afirma no segundo
prólogo de “A Gaia Ciência” que “de fato admitindo que cada um de nós seja uma pessoa, tem-se
necessariamente a filosofia de sua pessoa” (NIETZSCHE, 2008) e em “Ecce Homo”, onde o autor
contrasta de forma processual como a maneira de ser saudável, adoecer e retornar a saúde é a
prova de que alguém luta pela própria vida, através da vivência e consciência do que venha ser
uma pessoa saudável:
Tendo esse projeto como base percebe-se que segue uma linearidade para o surgir do
filósofo, onde a configuração de médico antecede o papel do filósofo, que só surgirá e atuará após
ter uma “automedicação”. É importante frisar que o mesmo diferencia de forma sensível o
papel que a saúde e a doença propiciam a filosofia de cada indivíduo:
Num homem, são os defeitos que sustentam os raciocínios filosóficos, no outro, são as
riquezas e as forças. O primeiro precisa de sua filosofia, seja para se apoiar, para se
acalmar, se cuidar, se salvar, se elevar ou se esquecer; no segundo, a filosofia é luxo, no
melhor dos casos é volúpia de um reconhecimento triunfante que acaba por sentir a
necessidade de se inscrever em maiúsculas cósmicas no céu das ideias. (NIETZSCHE,
2008, p. 17)
Há uma grande dificuldade para saber se a filosofia é uma arte ou uma ciência. É uma
arte em seus fins e em sua produção. Mas tem o meio, a representação em conceitos, em
comum com a ciência. É uma poesia. Não se pode classifica-la: é por isso que devemos
encontrar uma categoria e caracterizá-la. (NIETZSCHE, 2004, p. 15)
Considerações Finais:
Portanto, o processo que decorre do projeto do filósofo como médico da civilização está
atrelado no reconhecimento de que o adoecer da civilização foi apenas um instante de retrocesso,
constrição a qual levou um seguimento mutuo de diversas áreas que negavam as transformações
e teve seu decaimento ao surgir uma nova ciência, uma gaia ciência, que reconhece seu caráter
errôneo e falsificador, onde ocorre um processo de renovação e expansão no âmbito cultural e
civilizatório, mostrando que a vontade de saber do homem pode ser substituído pela vontade de
não saber, vontade de incerteza não como refutação, mas como aperfeiçoamento.
e da filosofia não é aniquilar tudo que já existe no âmbito civilizatório e criar uma “nova
civilização”, mas prepará-la, conservá-la ou moderá-la com o intuito de fazer uma quebra dos
excessos culturais e civilizatórios já enraizados no meio. Ou seja, é uma porta para possibilidades
através primordialmente da arte, que é considerada a única a ser sincera e através da dominação
da ciência, levando em consideração que o filósofo deverá reconhecer e remediar os problemas
oriundos da civilização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
NIETZSCHE, Friedrich; O livro do filósofo. – Trad. Rubens Eduardo Ferreira Frias. – 6ª Ed. –
são Paulo: Centauro, 2004.
__________________; ECCE HOMO: Como alguém se torna o que é? – Trad. Paulo César
Lima de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
__________________ A Gaia Ciência – Trad. Antônio Carlos Braga. – 2ª Ed. – São Paulo: Escala
Editora, 2008.
Resumo: o presente artigo tem como objetivo analisar conceitos fundamentais da filosofia política
do filósofo prussiano Immanuel Kant. Trata-se de uma pesquisa introdutória ao tema da paz, que
é o sustentáculo do pensamento político do autor. Buscar-se-á com isto entender a relação dialética
dos homens em sociedade, bem como dos Estados entre si e dos homens com os estados. Há, neste
sentido, uma proposta que vigora rumo ao que Kant indica ser o objetivo central da política, a
saber, a fundação e a produção da paz. Pensar tal objetivo político é, sobretudo, pensar a paz
enquanto realização efetiva do próprio direito. Ou seja, remete ao convívio em sociedade
articulado nos moldes de uma constituição civil legal que, por sua vez, almeja o progresso da
humanidade. Ora, para Kant, o processo histórico-político que está diretamente ligado ao
progresso depende não do julgamento do que é ou não moral, mas se constitui na tentativa de
“conduzir a humanidade à realização de um objetivo moral devido, a saber, a convivência
pacifica em sociedade”. Destarte, tendo por base os textos À Paz Perpetua e Metafísica dos
Costumes, busca-se explicitar as condições para a paz no pensamento kantiano.
Palavras-chave: Paz; Sociedade; Direito; Política.
Abstract: This article aims to analyze fundamental concepts of the political philosophy of the
Prussian philosopher Immanuel Kant. This is an introductory research on the theme of peace,
which is the basis of the author's political thinking. This will seek to understand the dialectical
relation of men in society, as well as of the States between themselves and of the men with the
states. There is, in this sense, a proposal that runs towards what Kant indicates to be the central
objective of politics, namely, the foundation and production of peace. To think of such a political
objective is, above all, to think of peace as an effective realization of one's own right. In other
words, it refers to living together in a society articulated along the lines of a legal civil constitution
that, in turn, seeks the progress of humanity. For Kant, the historical-political process that is
directly linked to progress depends not on the judgment of what is moral or not, but is an attempt
to "lead humanity to the realization of a moral objective due to the coexistence peaceful in
society." Thus, based on the texts To Perpetual Peace and Metaphysics of Customs, it seeks to
make explicit the conditions for peace in Kantian thought.
Keywords: Peace; Society; Right; Politics.
proposta que vigora rumo ao que Kant indica ser o objetivo central da política, a saber, a fundação
e a produção da paz.
Pensar tal objetivo político é, sobretudo, pensar a paz enquanto realização efetiva do
próprio direito. Ou seja, remete ao convívio em sociedade articulado nos moldes de uma
constituição civil legal que, por sua vez, almeja o progresso da humanidade.
Ora, para Kant, o processo histórico-político que está diretamente ligado ao progresso
depende não do julgamento do que é ou não moral, mas se constitui na tentativa de “conduzir a
humanidade à realização de um objetivo moral devido, a saber, a convivência pacifica em
sociedade”. Destarte, tendo por base o texto À Paz Perpetua, e mais especificamente os artigos
preliminares da obra, busca-se explicitar as condições para a paz no pensamento kantiano.
Tratar de tal tema é, de modo mais genérico, relatar questões que envolve três tipos de
relações; são elas: entre os indivíduos de uma sociedade; relações destes com os Estados e; dos
Estados entre si. Desta forma, a paz se constitui na filosofia kantiana como um projeto, não só
filosófico, mas, também, e, sobretudo, político. É a partir dela que Kant lança o olhar para a
construção de uma ordem mundial que visa o pacifismo nas relações, sejam elas quais forem.
Além disso, cito Nodari: “[...] segundo Kant, um dos objetivos da política, se não o
principal, é a fundação e a produção da paz.” Segundo Kant, a paz é o fim a ser alcançado através
da condução da política para com os indivíduos e os Estados.
Sendo assim, há que se tentar realizar a paz na vida do homem em sociedade, uma
característica que se deriva do que Kant propõe na Metafísica dos Costumes: a efetivação prática
do direito, sua realização – que é fruto de princípios racionais a priori. Assim, a busca pelo
progresso da humanidade que se dá numa relação entre o direito e sua realização. Cito-o:
Pode-se dizer que essa instituição universal e duradoura da paz não é apenas uma parte,
mas constitui o fim terminal <Endzweck> total da Doutrina do Direito nos limites da
simples razão, pois o estado de paz é o único estado que assegura, sob leis, o meu e o seu
em um conjunto de homens avizinhados, portanto unidos numa constituição cuja regra,
porém, não deve ser extraída, enquanto norma para outrem, da experiência daqueles que
tenham tido as melhores condições até aqui, mas sim a priori, por meio da razão, do ideal
de uma união jurídica dos homens sob leis públicas em geral. (KANT, 2017, p. 159-160)
Portanto, o direito, além de fundamentar a paz, deve fazer o mesmo com a justiça como
forma de alicerçar e garantir a vida de cada um dos homens. Por conseguinte, essa premissa
política kantiana é constituída em defesa da paz e em oposição à justificação da guerra. Com isso,
o prussiano rompe com a proposição creditada “se queres paz, prepara-te para a guerra” e
estabelece como válida a seguinte: “se queres paz, preocupa-te com a justiça”. O filósofo
contribui – ao inovar, de modo genuíno – estabelecendo uma relação entre a guerra, a paz e o
direito. Com isso, o filósofo traz à tona a ideia de que não podemos mais coadunar com a tese de
que para proteger o nosso povo e fortalecer o nosso Estado, precisemos produzir mais armas de
guerra, e, por conseguinte, justificar as guerras, ou, ainda, nomeá-las como justas.
Ao contrário, devemos justificar a paz na tentativa de realizá-la, uma vez que “a paz
perpétua é, por assim dizer, o mais elevado bem político”. Neste sentido, a paz é um processo de
construção humana. Para Kant, é necessário que o homem abandone o estado de natureza uma vez
que este não apresenta seguridade jurídica. Desse modo, com a ideia de uma constituição civil
legítima pautada na união livre dos homens sob o julgo das leis do direito, pode-se pensar em uma
condição legal que indique para a possibilidade de, efetivamente, viver pacificamente. Ora,
seguindo este princípio a tese kantiana acerca da paz estaria, hodiernamente, em aporia ou sob
suspeita de ameaça? Por hora entendo que, os primeiros passos apresentados por Kant em À Paz
Perpétua que se constituem enquanto artigos preliminares para a paz perpétua entre os Estados
nos serão válidos para responder tal questão.
Sobre os artigos Kant escreve que são leis objetivamente proibitivas que tem por premissa
básica uma cláusula intencional aos que detêm o poder à medida que busca gerir com eficácia –
umas mais que as outras – pelas condições “que obrigam imediatamente a um não-fazer”.
Passemos, ainda que suscintamente, a tais artigos:
Primeiro artigo: “Não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz que se
tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura”.
Sobre este primeiro, Kant entende que um tratado de tal modo tende a ser um tratado que
visa adiar as hostilidades, mas não buscar a paz, pois, as causas que determinam uma futura guerra
– seja conhecida ou não – ofuscam, originalmente, um tratado de paz. Desta forma, o mesmo se
constituiria, por assim dizer, como uma justificativa para a guerra, que o autor lê como irrevogável
e necessariamente combatível.
Quanto a isso, observe-se o que escreve Nodari: “O tratado de paz não é um pacto de
paz, pois este dá fim a uma situação circunstancial de guerra. [...] para Kant, é inaceitável sentar
à mesa e assinar tratados de paz com reservas secretas para proveitos em guerras futuras”.
Portanto, é um dever moral incondicionado e inegociável falar a verdade. Um mandamento da
razão.
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Segundo artigo: “Nenhum Estado independente (grande ou pequeno, aqui tanto faz)
poderá ser adquirido por outro mediante herança, troca, compra ou doação”.
Deste segundo, entende-se que um Estado não é um patrimônio que possa ser adquirido
por outro, mas uma sociedade de homens que o constituem como tal, isto é, o homem – um ser
livre, das gentes – ao deliberar por uma constituição legal que fundamente o convívio com os
demais, se faz símbolo caracterizador e primordial de tal instituição política. Sobre o Estado diz
Kant:
É uma sociedade de homens sobre a qual mais ninguém a não ser ele próprio tem de
mandar e dispor. Enxertá-lo noutro Estado, [...] significa eliminar sua existência como
pessoa moral e fazer desta última uma coisa, contradizendo, por conseguinte, a ideia do
contrato originário, sem o qual é impossível pensar direito algum sobre um povo. [...]
Um reino hereditário não é um Estado que possa ser herdado por outro Estado; é um
Estado cujo direito a governar se pode dar em herança a outra pessoa física. O Estado
adquire, pois, um governante, não é o governante como tal (isto é, que já possui outro
reino) que adquire o Estado. (KANT, 2008, p. 5)
Segue-se, pois, que, neste, bem como em outros artigos, Kant assina-la para um aspecto
genuíno que fundamenta a tese de sua filosofia politica, a saber, a soberania, ou, autonomia dos
Estados.
Terceiro artigo: “Os exércitos permanentes devem, com o tempo, de todo desaparecer”.
Acerca disto, o filósofo entende que a formação da instituição militar como instituição
que constitui o Estado é uma ameaça permanente aos outros Estados, ou ainda, ao próprio, uma
vez que estão de prontidão e sempre preparados para a guerra. Desta forma, o autor compreendeu
que “os Estados incitam-se reciprocamente [...] e visto que a paz, [...] se torna finalmente mais
opressiva do que uma guerra curta, eles próprios são a causa de guerras ofensivas para se
libertarem de tal fardo”.
Com relação a este artigo, o comentador é categórico ao afirmar: “A lógica da guerra é
a lógica de quem é mais forte, e, neste sentido, os Estados buscam, indubitável e incessantemente,
superarem-se uns aos outros no quesito arsenal e das condições favoráveis de armamento”.
A exemplo disto pode-se constatar que mesmo depois de mais de 200 anos que Immanuel
Kant escreveu À Paz Perpétua a produção bélica e os exércitos recebem grandes investimentos.
Após o dia da morte do líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, no Paquistão, no dia 2 de maio de
2011, soldados norte-americanos foram condecorados pelo então presidente Barack Obama. Isso
se segue comprovando o que indicara a lógica estabelecida por Nodari sobre se dizer que “o ‘poder
de fogo’ de determinado exercito assinala o poder de um Estado, ou vice-versa”.
Quarto artigo: “Não se devem emitir dívidas públicas em relação aos assuntos de política
exterior”.
Segundo Kant, movimentar a economia de um país através de relações comerciais entre
os Estados não gera suspeitas. Porém, alguns mecanismos de movimentação financeira que
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trabalham com sistemas de créditos, são crescentes e, quando usados para opor-se a outras
potências se apresentam como perigosos, ou seja, “é um tesouro para a guerra”. Acerca disso,
diz Kant: “Esta facilidade para fazer a guerra, unida à tendência dos detentores do poder que
parece ser congênita à natureza humana, é, pois, um grande obstáculo para a paz perpétua”.
Quinto artigo: “Nenhum Estado se deve imiscuir pela força na constituição e no governo
de outro Estado”.
Neste penúltimo artigo preliminar, pode-se dizer que Kant fundamenta um princípio que
passeia no campo de sua filosofia política. Ao “condenar” a ingerência dos Estados face à
constituição legal de outros, o prussiano assinala para o caráter autônomo que uma Nação deve
ter quanto as suas próprias leis. Desta forma, não ferir a legitimidade do direito de outros povos é,
de certo modo, garantir a soberania de seu próprio povo. Interferir na política interna de outro
Estado colocaria em perigo a autonomia de todos os demais. Porém, ainda que Kant fundamente
essa tese em À Paz Perpétua, na Metafísica dos Costumes ele indica que:
O direito dos Estados em sua relação mútua [...] é aquele que temos de considerar sob o
nome de direito das gentes, no qual um Estado, considerado como pessoa moral, diante
de outro Estado em situação de liberdade natural – consequentemente também em estado
de guerra permanente –, propõe-se como questão em parte o direito à guerra, em parte o
direito na guerra, em parte o direito de obrigar uns aos outros a saírem desse estado de
guerra, e ainda, portanto, uma constituição que funda uma paz duradoura, isto é, o direito
depois da guerra. (KANT, 2017, p. 148-149)
Quero dizer com isso que, ainda que o princípio da soberania dos Estados seja
imprescindível para o pensamento político do autor, quando um povo está em guerra – que é uma
condição não-jurídica –, ainda que os demais não possam ingerir em sua vida, podem exigir-lhes
a volta à condição de paz.
Sexto artigo: “Nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades que
tomem impossível a confiança mútua na paz futura, como exemplo, o emprego no outro Estado
de assassinos (percussores), envenenadores (venefici), a ruptura da capitulação, a instigação à
traição (perduellio), etc”.
Deste último artigo – que é uma ordem – depreende-se que o objetivo da guerra pode ser
uma condição de transição para a paz e, que, os Estados não devem permitir que as circunstâncias
de tal conflito possam ser uma ameaça à confiança de se efetivar a paz futuramente. Se em um
momento a guerra afasta os povos, põe-los em conflito; em outro ela os faz unir e juntarem-se sob
leis civis.
Para concluir, por hora, lancemos nossos olhares especificamente a este sexto e último
artigo preliminar. Nele, Kant deixa claro que mesmo na guerra deve haver uma certa confiança,
isto é, ainda que sob ameaça de outrem, o Estado, sendo uma pessoa moral, tem a responsabilidade
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ética para com o(s) outro(s). Caso contrário, não seria possível se falar em convivência pública,
bem como eliminaria qualquer possibilidade de uma paz perpétua. Cito-o:
Todos os tipos de meios de defesa são permitidos ao Estado contra o qual se faz guerra,
exceto aqueles cujo uso tornaria os súditos do mesmo incapazes de ser cidadãos, pois
nesse caso ele se tornaria ao mesmo tempo incapaz de valer, na relação entre os Estados
segundo o direito das gentes como uma pessoa [...] (KANT, 2017, p. 153)
Tendo por base todos esses artigos apresentados por Kant para fundamentar a paz como
uma condição política, voltemos à pergunta que outrora fora feita: a tese kantiana acerca da paz
estaria, hodiernamente, em aporia ou sob suspeita de ameaça?
Para responder tal questão, vejamos a atual conjuntura geopolítica mundial. No último
dia 23/03 aviões da força aérea russa aterrissaram sob solo venezuelano trazendo consigo cerca
de 35 toneladas de material bélico e, aproximadamente 100 tropas. O país latino-americano é
tratado como alvo de uma possível intervenção militar norte-americana – e, aqui, nada disso nos
diz respeito. Desta forma, sob a perspectiva aqui tratada tal fenômeno se constitui como um futuro
e possível estado de guerra denotado por Kant em sua obra. Com isso, conclui-se que o projeto
político de paz proposto pelo autor, se mostra, em nossos dias, sob ameaça ou, por assim dizer,
longe de ser atingido. Porém, isso não nos permite dizer que seja impossível fundá-lo.
Referências:
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Um Projeto Filosófico. / tradutor: Artur Morão; Coleção Textos
clássicos de filosofia. Covilhã, 2008
KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes / Immanuel Kant ; tradução [primeira parte] Clélia
Aparecida Martins, tradução [segunda parte] Bruno Nadai, Diego Nosbiau e Monique Hulshof – Petrópolis,
RJ: Vozes; Branganca Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2013. – (Coleção Pensamento
Humano); 3ª reimpressão, 2017.
NODARI, Paulo César. Ética, direito e política: a paz em Hobbes, Locke, Rousseau e Kant / Paulo
César Nodari – São Paulo: Paulus, 2014 (Coleção
Ethos).https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/03/24/avioes-da-forca-aerea-russa-aterrissam-na-
venezuela-carregando-tropas.ghtml
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Abstract: Explanation of aspects of Comte's positivist project in the Asimov Foundation trilogy.
It’s composed of three stages: description of Comte's proposal, which is based on the law of three
states and the establishment of positive philosophy as the definitive method for human knowledge.
This would enable the establishment of social physics, a science based on the mathematical
experimental method that would be able to make laws about the human being and its societies.
The second stage consists on the analysis of the Asimov trilogy, which portrays the decay of the
great Galactic Empire, which, after 12,000 years of stability, is fragmented due to the stagnation
in which it finds itself. To prevent 30,000 years of barbarism, a group of scientists uses psycho-
history (a fictional science capable of statistically calculating the behavior of human beings) to
execute a plan that would shorten that period to just a thousand years. The last stage consists on
the connexion between comtean ideas and elements in Foundation, the main two being the
following: the correspondence between the law of the three states (theological, metaphysical and
positive) and the political organizations in Foundation (barbarism, Empire and Foundation); and
the correlation between social physics proposed by Comte and psycho-history conceived by
Asimov.
Keywords: Science Fiction. Positivism. Comte. Foundation. Asimov.
1. Introdução
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Este trabalho tem como objetivo investigar o seguinte problema: em que medida há
características do positivismo de Auguste Comte na obra Fundação de Isaac Asimov? Para
desenvolver essa questão, postulamos a possibilidade de explicitar relações entre as ideias de
ambas as obras, tomando como base duas conjecturas: primeiramente, a influência dominante do
positivismo na cultura ocidental desde sua origem até meados da Primeira Guerra (REALE e
ANTISERI, 2005, p. 287); e, em segundo lugar, a divisão da saga Fundação em duas partes com
propostas diferentes: a trilogia original do jovem Asimov e as sequências e prequelas do professor
Asimov – mais de trinta anos separam a publicação dos primeiros e dos últimos livros, dando aos
dois conjuntos argumentos distintos (WILCOX, 1990, p. 55 e PEREIRA, 2018, p. 94).
Silvino (2007, p. 280), mesmo reconhecendo que a paradigma científico não é positivista,
atesta a predominância histórica do mesmo, que se alastra até a atualidade: “A obra de Auguste
Comte, por ser um marco do positivismo, pode auxiliar a entender as características que
influenciaram alguns preceitos que são encontrados (de forma hegemônica) nas ciências até hoje”.
Wilcox (1990, p. 55) aponta a diferença entre as obras de Asimov dos anos 40 e 50 e as obras dos
anos 80, responsabilizando as mudanças políticas e sociais do mundo real, que levaram ao
amadurecimento dos argumentos e posições sociopolíticos em seus livros. Pereira (2018, p. 94)
aponta também a diferença de idade e formação do escritor: “O Asimov que escreveu a Trilogia
da Fundação não era o que finalizaria a saga, o jovem Asimov havia dado lugar ao Professor
Asimov”.
Desta forma, limitamos nossa análise aos três livros originais da trilogia (Fundação,
Fundação e Império e Segunda Fundação), esperando confirmar a hipótese de que o jovem
Asimov, por conta de sua formação282, concebeu várias ideias advindas de Comte ou mesmo de
forma paralela283, devido ao contexto científico de sua época ter sido fortemente influenciado pelo
positivismo. Mais tarde, entretanto, o Professor Asimov criaria, em seus livros tardios, tramas que
criticariam estas mesmas ideias. Assim, considerando o tamanho limitado deste trabalho,
justificamos tal delimitação, deixando a análise da saga como um todo para trabalhos futuros.
2. O projeto de Comte
282
Quando escreveu o primeiro conto da trilogia Fundação, Asimov contava 22 anos e era estudante do curso de
Química da Universidade de Columbia.
283
Paralelas por terem sido desenvolvidas de forma independente – não há provas documentais de que Asimov tenha
sido leitor direto de Comte. Consideramos aqui apenas a influência deste no paradigma científico no qual aquele foi
educado.
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avanço contínuo da gnose humana. Comte denominou tal saber “filosofia positiva” – uma filosofia
que se utilizava das ideias epistêmicas renascentistas para delinear um método definitivo para o
crescimento perpétuo do conhecimento:
[...] indicarei a data do grande movimento impresso ao espírito humano, há dois séculos,
pela ação combinada dos preceitos de Bacon, das concepções de Descartes e das
descobertas de Galileu, como o momento em que o espírito da filosofia positiva começou
a pronunciar-se no mundo, em oposição evidente ao espírito teológico e metafísico.
(COMTE, 1983, p. 8).
Desta forma, assevera-se que o projeto comteano é constituído por uma “díade filosófica”
composta por uma política e uma epistemologia que se retroalimentam, constituindo bases uma
para outra, a fim de guiar tanto o desenvolvimento das sociedades quanto do saber humano. Em
tal projeto, não há interesse por buscar verdades últimas, de forma que ontologias e metafísicas
são (ao menos pretensamente) deixadas de lado, uma vez que não se submetem ao método
experimental: não podem levar ao aumento de conhecimento positivo. Deste modo, Comte
preocupou-se com o desenvolvimento de um conhecimento que pudesse ser instrumentalizado,
para servir para o progresso da sociedade de acordo com os moldes previstos pela sua política.
Assim, destacamos que o
caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis
naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível
constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente
inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam
primeiras, sejam finais. (COMTE, 1983, p. 7).
Esta elaboração comteana se baseia em sua percepção sobre a evolução das sociedades de
sua época, que o mesmo exprimiu na forma da lei dos três estados: toda sociedade humana passa
por três estágios de conhecimento, sendo o primeiro (e mais primitivo) o teológico, o segundo (e
de transição) o metafísico e o terceiro (e definitivo) o positivo.
É importante notar a ideia de progresso histórico linear contida nesta concepção: ela nasce
em um momento em que, de acordo com Reale e Antiseri (2005, p. 288), aconteceram revoluções
políticas e epistêmicas que levaram a Europa a se firmar como grande metrópole mundial,
colonizando praticamente todo o mundo. Assim, do ponto de vista da filosofia positiva (que
reconhece o valor do conhecimento através da aplicabilidade do mesmo), os estágios de
pensamento de povos dominados são mais primitivos e menos válidos que o tipo de conhecimento
que levou os europeus a desenvolver tecnologias que os permitiram dominar o resto do mundo284.
284
Os Estados Unidos, país em que Asimov cresceu, foi uma das muitas colônias da Europa e recebeu diversas ondas
de imigrantes europeus até o século XX. Por conta disso, foi fortemente influenciado pela cultura europeia, devendo
muito de seu desenvolvimento a aplicação de noções da metrópole, como a industrialização e a valorização da
pesquisa científica e tecnológica.
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Em resumo, os três estágios podem ser definidos como se segue: no estágio teológico, os
seres humanos buscam as causas definitivas de tudo o que há, explicando-as através da existência
de agentes sobrenaturais, que agem para provocar este ou aquele fenômeno. É o estágio em que,
segundo Comte (1983, p. 4 e 5) estão as sociedades primitivas, as crianças e as pessoas incultas,
que se atêm à imaginação para esclarecer seus mundos.
O estágio metafísico, por sua vez, marca o surgimento da razão no pensar, alterando o
estágio anterior na medida em que forças abstratas substituem as entidades sobrenaturais no papel
de explicações dos fenômenos. A procura pelas causas definitivas ainda persiste, mas se dá através
do exercício da lógica, responsável por alinhar e alocar entes teóricos, de forma a elaborar modelos
de mundo que correspondam satisfatoriamente à realidade. É o estágio em que se encontram
sociedades desenvolvidas, porém pré-científicas (como a Grécia Antiga). Comte (1983, p. 7)
considera que o estágio metafísico é necessário para que haja a transição para o próximo, uma vez
que a razão é um importante elemento da filosofia positiva.
O último estágio, chamado de positivo, alia os preceitos do empirismo (fundados por
Bacon), a razão instrumental/matemática (sintetizada por Descartes) e a reprodução de
experimentos em laboratório (como formulados por Galileu). É chamado de positivo porque tem
como objetivo o aumento contínuo de um arcabouço de conhecimento, mediante a busca por leis
gerais que governam todos os fenômenos através do estudo de casos particulares. Este crescimento
perpétuo do saber é possível por conta de dois pressupostos: em primeiro lugar, o reconhecimento
de que é impossível chegar a noções absolutas através do método positivo. Este busca (e buscará,
para sempre) apenas o aperfeiçoamento de suas teorias, mediante estudo de experimentos,
submetendo-os à razão lógico-matemática e aproximando-se assim das leis gerais que regem todo
o Universo. Em segundo lugar, o positivismo tem como postulado a existência de uma unidade
universal, um logos do qual tudo faz parte e, portanto, a existência de um padrão fenomenológico
do qual podemos nos aproximar. Comte (1983, p. 4) considera o ápice do estágio teológico a
concepção de um Deus uno e o ápice do estágio metafísico o conceito da Natureza também una,
o que demonstra sua ideia de uma realidade verdadeira única, à qual todos os seres e fenômenos
estão subordinados.
Paralelamente, a perfeição do sistema positivo à qual este tende sem cessar, apesar de ser
muito provável que nunca deva atingi-la, seria poder representar todos os diversos
fenômenos observáveis como casos particulares do único fato geral [...]. (COMTE, 1983,
p. 4).
Em resumo, por considerar que há uma verdade única, porém impossível de ser alcançada
pelos meios humanos, a filosofia positiva alia experimentação controlada e razão matemática para
criar um movimento inerente a ela mesma em direção ao aumento de seu volume de conhecimento.
Entretanto, este movimento é uma busca sem fim, uma aproximação contínua da verdade
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impossível de se alcançar (como num limite de uma função algébrica, que se aproxima sempre de
um valor, sem nunca o atingir).
De acordo com Reale e Antiseri (2005, p. 289), na época de Comte (1798-1857) as ciências
naturais já estavam bem estabelecidas como um conhecimento com corpo próprio e independentes
das filosofias metafísicas e teológicas que imperou na Europa durante a Antiguidade e a Idade
Média. Com a Renascença, veio a revolução copernicana, além das descobertas de grandes
cientistas como Galileu, Kepler, Newton e Lavoisier. Estas levaram a Astronomia, a Física e a
Química a um novo patamar. Não tardaria e A Origem das Espécies de Darwin seria publicada,
revolucionando também a Biologia. Ainda conforme Reale e Antiseri (2005, p. 289), depois de
tais revoluções, o que era apenas conhecimento para eruditos passou a ser informação a ser testada,
reproduzida e instrumentalizada, gerando novas tecnologias e a ascensão da Europa sobre o resto
do mundo.
Em apenas dois séculos, este novo tipo de saber – não transcendental e sem pretensões
ontológicas – geraria mais benefícios materiais do que dois milênios de metafísicas e teologias
que buscavam a verdade absoluta ou o paraíso em outra vida. O sucesso do método experimental
matemático posto em prática285, aliado ao pressuposto já mencionado acima (tudo no universo
pertence a um mesmo logos, uma mesma lei geral, ainda que impossível de se atingir) levou Comte
a sugerir a criação de uma ciência que estudasse as sociedades humanas a partir dos mesmos
princípios metodológicos:
Pois seria evidentemente contraditório supor que o espírito humano, tão disposto à
unidade de método, conservasse indefinidamente, para uma única classe de fenômenos,
sua maneira primitiva de filosofar, quando uma vez chegou a adotar para todo o resto
novo andamento filosófico, de caráter absolutamente oposto. (COMTE, 1983, p. 9).
O alerta é bem simples: não se deve colocar os seres humanos (ou qualquer outro
fenômeno) à parte de todos os outros seres, pois estes obedecem às mesmas leis universais que
aqueles. Desta forma, o ser humano deveria ser estudado da mesma maneira que os outros seres,
não devendo seu estudo ser relegado às primitivas filosofias metafísicas ou teológicas.
À ciência que seria responsável por estudar os seres humanos através do método
experimental matemático, Comte deu o nome “física social”. O filósofo reconheceu desde o
princípio a dificuldade de tal empreendimento, dada a enorme complexidade de tal objeto, além
285
Apesar de o positivismo como doutrina filosófica ter surgido apenas com Comte, a Europa já colhia frutos da
revolução científica/tecnológica desde a época do Renascimento, dois séculos antes.
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da óbvia dificuldade de o sujeito ter a si mesmo (ou a um de sua própria espécie, ou uma
comunidade na qual está inserido) como objeto de estudo.
Entretanto, tais dificuldades não seriam suficientes para que Comte recuasse de sua
proposta, por dois motivos principais: em primeiro lugar, a pressuposição do Universo único que
determina o subjugo de todos os fenômenos a uma unidade de leis. Este se alia aos princípios
civilizatórios da política positiva que apregoavam o progresso através da ciência: “O
conhecimento das leis dos fenômenos, cujo resultado constante é fazer com que sejam previstos
por nós, evidentemente pode nos conduzir, de modo exclusivo, na vida ativa, a modificar um
fenômeno por outro, tudo isso em nosso proveito” (COMTE, 1983, p. 23). A física social teria
assim uma justificativa para sua existência e um objetivo: guiar a humanidade para a ordem social,
gerando um perene progresso tanto político quanto científico.
3. A trilogia Fundação
A série Fundação é composta, ao todo, por sete livros: Prelude to Foundation (1988),
Forward the Foundation (1993), Foundation (1951), Foundation and Empire (1952), Second
Foundation (1953), Foundation’s Edge (1982) e Foundation and Earth (1986)286. Como já
justificamos, neste trabalho analisaremos apenas a trilogia original que, diferentemente dos
romances dos anos 80, foi publicada originalmente na forma de contos na revista Astounding
Science Fiction, entre 1942 e 1950 (PEREIRA, 2018, p. 23), para só depois serem agrupados em
livros. Ressaltamos novamente a idade e formação de Asimov à época, que era um estudante dos
22 aos 30 anos, ainda inatingido pelas críticas epistemológicas do século XX (e.g. as ideias de
Popper287, Kuhn, Lakatos, Feyerabend e Bachelard). Por conta disso, sua constituição acadêmica
e científica era acentuadamente positivista, apesar disso ter mudado ao longo de sua vida.
Asimov alterou suas histórias pelo menos duas vezes, primeiro quando os contos foram
transformados na trilogia e depois quando fez a retcon de sua obra, corrigindo datas, fatos e
atitudes de personagens, para unir em um só Universo as séries Robôs, Império e Fundação
(ASIMOV, 2014a, locais do Kindle 40-43). Por conta disso, decidimos utilizar a versão mais
recente, respeitando a vontade do autor e visando maior coerência com futuros trabalhos que
analisem um conjunto maior da obra.
286
No Brasil, Prelúdio à Fundação, Crônicas da Fundação, Fundação, Fundação e Império, Segunda Fundação,
Limites da Fundação e Fundação e Terra. Citamos títulos e datas de publicação originais para ressaltar a diferença
entre a ordem cronológica dos livros e a ordem em que foram publicados.
287
Asimov no mínimo conhecia Popper, tendo escrito o prefácio de In Pursuit of Truth (1982), uma obra em
comemoração ao 80° aniversário do filósofo.
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3.1. Fundação
O primeiro livro narra a situação da humanidade cerca de vinte mil anos no futuro,
dominando a galáxia e ocupando cerca de vinte e cinco milhões de planetas que são regidos por
um único Império Galáctico. Tal Império é responsável por governar um quintilhão de seres
humanos a partir de um centro burocrático que ocupa um planeta inteiro, Trantor. Esta estrutura
política se manteve intacta ao longo de 12 mil anos, trazendo geralmente paz e prosperidade à
maioria. Entretanto, um cientista chamado Hari Seldon, tendo desenvolvido uma ciência
matemática capaz de prever estatisticamente o comportamento de seres humanos (a psico-
história), alerta para o iminente fim do Império, ao qual se seguiriam 30 mil anos de barbárie e
decadência.
Segundo Seldon, as leis da psico-história são tão infalíveis quanto as leis da química ou
da física, e de maneira alguma a queda do Império poderia ser evitada. No entanto, a mesma
ciência psico-histórica apontava uma solução: diminuir a duração de tal idade de trevas de trinta
para apenas mil anos, através da preparação de uma “Enciclopédia Galáctica” que salvaguardaria
todo o conhecimento da raça humana. Sob esse pretexto, cem mil pessoas são enviadas para
Terminus, um planeta inabitado nos confins da galáxia, a fim de fundar uma cidade responsável
pela elaboração da Enciclopédia. Assim nasce a Fundação, uma colônia de cientistas físicos que
evoluiria para uma nação e seria responsável pelo advento do Segundo Império, dali a mil anos.
Uma Segunda Fundação foi formada em segredo, para continuar desenvolvendo a psico-história
e proteger o andamento do Plano Seldon, poupando a humanidade de 29 mil anos de caos e
sofrimento.
A história avança pondo à prova a sobrevivência da Fundação e são narradas as “crises
Seldon”, ou seja, um impasse sociopolítico previsto pela psico-história. Depois de cada crise, uma
imagem do próprio Hari Seldon aparece no “cofre do tempo”, um projetor holográfico com
mensagens gravadas que explicam a natureza da crise e relembram que a Fundação deve sair
necessariamente vitoriosa, uma vez que sua existência fora planejada pela psico-história. Além
disso, por conta do pretexto inicial para sua formação – a elaboração da Enciclopédia, era a nação
detentora do arcabouço de conhecimento das ciências físicas, enquanto seus vizinhos decairiam
para a barbárie ao se desligarem do Império.
São narradas ao todo três crises Seldon que revolucionam a estrutura política da Fundação:
a primeira se consuma num golpe de estado que usurpa o poder dos enciclopedistas ainda
subordinados ao Império, cinquenta anos após o estabelecimento em Terminus. Salvor Hardin, o
líder do golpe, torna a Fundação (que até então era apenas uma colônia de cientistas subserviente
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ao imperador) uma nação independente, ao mesmo tempo em que lida com a ameaça dos reinos
vizinhos (recém libertos do Império), se tornando assim o primeiro prefeito do planeta.
A segunda crise se passa trinta anos após a primeira e tem como problema principal a
hostilidade dos reinos vizinhos, agora alimentados pela tecnologia provinda da Fundação,
desejando tomá-la como um de seus domínios. Mais uma vez, Hardin “salva” a Fundação, tendo
estabelecido uma “religião da ciência” junto com o fornecimento de tecnologia, fazendo parecer
aos planetas vizinhos que os aparatos tecnológicos eram milagres operados por sacerdotes (que
eram técnicos e cientistas). Assim, a vitória de Terminus foi assegurada novamente.
A terceira crise acontece em decorrência da segunda: depois que os governantes dos
planetas próximos notaram que a Fundação estava dominando todos os vizinhos através da
sedutora oferta de tecnologia acompanhada de domínio religioso, surgiu (nos mundos ainda não
dominados) uma desconfiança de tudo que vinha de Terminus, alimentada pelos líderes políticos
receosos de perderem seus domínios. Por conta disso, surge a classe dos comerciantes, que levam
os produtos tecnológicos da Fundação para os mundos mais distantes sem levar junto o culto
religioso.
Por volta do ano 175 E.F.288, se passa a história de um desses comerciantes, Hober Mallow,
que é enviado para investigar três naves da Fundação desaparecidas no território de Korell, uma
república suspeita por conta de seu avançado desenvolvimento tecnológico. Durante sua
empreitada, Mallow convence o governante korelliano a comprar tecnologia da Fundação, tendo
descoberto a presença de relíquias tecnológicas do Império, alimentadas por energia atômica que
só a Fundação (e o que sobrou do Império) possuíam. Entretanto, ele nota também a falta de
técnicos e manutenção para os equipamentos, marca de uma sociedade decadente que vivia de
recursos do passado. Retornando a Terminus, é acusado de traição por causa da venda de
tecnologia dissociada da disseminação do culto religioso. No entanto, numa reviravolta retórica
em seu julgamento, Mallow consegue se livrar das acusações e, mais tarde, ser eleito prefeito.
Entretanto, movido pelo seu líder beligerante e alimentado por uma réstia da tecnologia militar do
Império, Korell finalmente ataca a Fundação, que não revida e apenas aguarda o povo korelliano,
agora dependente dos artigos domésticos vendidos pelos comerciantes fundacionistas, sofresse
com a privação de tecnologia e depusesse seu governo, acabando com a guerra.
O segundo livro da trilogia é formado por duas partes, sendo a primeira intitulada “O
General”. Esta narra a quarta crise Seldon: o embate entre a Fundação e o decadente, porém ainda
288
Era da Fundação, considerando a chegada em Terminus como o ano zero.
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perigoso Império, agora sob o governo de Cleon II. Terminus já foi há muito esquecido por
Trantor, dada a distância colossal entre os dois e a rebelião de praticamente todos os mundos da
periferia da galáxia. Entretanto, Bel Riose, general imperial extremamente capaz e popular, ouve
falar que nos confins da Galáxia há uma nação desenvolvendo tecnologias avançadíssimas e
expandindo cada vez mais seus domínios. Após explorar a galáxia em busca de tal mundo,
descobre a localização de Terminus e ouve falar no plano Seldon, agora espalhado na forma de
lendas sobre a invencibilidade da Fundação. Movido pelo desejo de realizar um grande feito numa
época marcada pela estagnação, Riose decide conquistar a Fundação, utilizando-se de uma frota
de naves de combate para encurralar Terminus num cerco. Apesar da decadência, o Império ainda
é superior em recursos e homens, sendo uma séria ameaça: entrava-se uma batalha entre o
brilhantismo militar de Riose e a ainda vulnerável Fundação, que tem apenas a “Mão Morta de
Seldon” para defendê-la.
Os governantes da Fundação tentam subornar o general, mas sem sucesso. Após algum
tempo de impasse na guerra, principalmente por conta da cautela de Riose, este pede reforços ao
Império para garantir totalmente sua vitória. Enquanto isso, Lathan Devers, um comerciante da
Fundação, viaja até Trantor para tentar convencer o imperador a ordenar a retirada de Riose.
Devers, no entanto, é incapaz de chegar até o imperador por conta da infindável burocracia que o
cerca. Sua empreitada se mostra desnecessária, entretanto: o sucesso em batalhas e a popularidade
de Bel Riose foram sua ruína, pois alertaram o imperador que tão competente líder militar poderia
ser perigoso, podendo ser o líder de um golpe de estado um dia. Assim, Cleon II ordena o a retirada
das tropas e a execução do general, sob a (falsa) acusação de traição.
Esse episódio demonstra a atuação das “forças da psico-história”, que agem pela
inevitabilidade da vitória da Fundação. Outras possibilidades não ameaçariam a continuidade do
plano Seldon: se o imperador fosse fraco e um general, forte, este teria muito mais a ganhar
conquistando Trantor do que numa busca por regiões longínquas para conquistar. Um general
fraco nunca ameaçaria a Fundação, pois mesmo se o imperador fosse forte, este não poderia se
ausentar da capital por muito tempo sem gerar intrigas na corte e perigo para seu trono. Quando
aconteceu de ambos serem fortes, o interesse do general se voltou para as fronteiras, gerando
perigo para a Fundação. Entretanto, um imperador forte jamais deixaria ser sublimado pelas
glórias de outrem, limando qualquer um que ficasse poderoso demais. Em qualquer um dos casos,
a vitória da Fundação seria inevitável e o Império continuaria a desmoronar sobre si mesmo.
A segunda parte do livro, intitulada “O Mulo”, se passa cerca de cem anos após a batalha
de Riose. Após a morte de Cleon II, o que restava do Império se deteriorou rapidamente, tendo
Trantor sido saqueado por frotas de bárbaros e a capital transferida para o planeta Delicass
(renomeado Neotrantor). O Império, que em seu auge chegou a governar todos os milhões de
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planetas habitados da galáxia, agora se resumia a apenas vinte mundos agrícolas, praticamente
esquecidos pelos seus vizinhos.
A Fundação tomara o caminho oposto: tornou-se a maior potência da galáxia, dominando
diversos mundos através de sua teia mercante de tecnologia. Entretanto, o governo de Terminus
deixara de ser democrático era agora hereditário, estando na terceira geração de ditadores. Por
conta do despotismo e alta taxa de impostos dessa administração, os planetas da periferia da
Fundação começam a conspirar uma revolta, liderados pelos mercadores, cansados de ceder a
maior parte de seu lucro para o governo.
É nesse contexto que surge o Mulo, um grande conquistador que vem reunindo sob seu
domínio os reinos que sobraram da fragmentação do Império. Utilizando-se das grandes naves da
época imperial dos mundos conquistados, o Mulo se volta contra a Fundação, derrotando cada
planeta sem luta. A liderança da Fundação, confiante no Plano Seldon, nada faz a não ser esperar
pela abertura do Cofre do Tempo que, no entanto, revela a primeira falha da psico-história para o
espanto e desespero do povo de Terminus, que há muito acreditava no Plano como seu destino
praticamente divino. Quando a imagem de Hari Seldon aparece, ele fala sobre a crise dos
mercadores e da guerra civil contra o governo, mas não menciona nada sobre a conquista do Mulo:
a psico-história, afinal, só podia prever os movimentos de grandes massas humanas, e o Mulo era
claramente uma anomalia, pois era um indivíduo que conseguia manipular as massas. É revelado
então que o Mulo é um mutante, capaz de influenciar nas emoções das pessoas com o poder de
sua mente.
Após a abertura do Cofre, Terminus é derrotado e posta sob o domínio do Mulo, mas quatro
pessoas conseguem fugir do planeta: Toran Darell (filho de um dos líderes dos mercadores), Bayta
Darell (cidadã da Fundação e esposa de Toran), Ebling Mis (cientista da Fundação que tentou
estudar psico-história de maneira independente, tendo sido capaz de prever a data da abertura do
Cofre do Tempo) e Magnífico Giganticus (bobo da corte do Mulo, que conseguira fugir e fora
“adotado” pelo casal Darell). Os quatro partem e, em sua fuga, decidem buscar pela ajuda Segunda
Fundação que, ao contrário da Primeira especializada em ciências físicas, teria se especializado
todo esse tempo em ciências mentais, representando uma esperança para tentar derrotar o Mulo.
Assim, Ebling Mis decide que eles devem ir até a Biblioteca de Trantor, em busca de informações
sobre a localização da Segunda Fundação.
Chegando lá, Mis trabalha sem parar por semanas, reunindo informações registradas em
livros-filmes. Depois de muito tempo pesquisando sem descansar, a saúde do cientista se deteriora,
deixando-o à beira da morte. Em seus momentos finais, quando está para revelar a localização da
Segunda Fundação para seus companheiros, Bayta atira nele e o mata. Ela revela que Magnífico
é na verdade o Mulo disfarçado, influenciando todos os acontecimentos para que ele mesmo
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encontrasse a Segunda Fundação e os derrotasse. O Mulo, por sua vez, confessa não ter
influenciado mentalmente Bayta (como fez com todos que encontra, inclusive Toran e Mis), por
ter gostado pela afeição natural que ela sentia por ele, coisa inédita por conta de sua aparência
deformada. Depois dessa derrota, o Mulo deixa o casal Darell em Trantor e retorna para a
Fundação, para comandar seu império ainda em expansão e tentar outros meios de localizar a
Segunda Fundação.
O último livro da trilogia também é dividido em duas partes (correspondentes aos contos
publicados originalmente), sendo a primeira “A busca do Mulo”. O mutante, agora ditador da
Fundação e de seus reinos conquistados, continua sua busca pela elusiva Segunda Fundação,
tentando a todo custo destruí-la para eliminar qualquer ameaça ao seu domínio. Para executar tal
missão, o Mulo envia dois dos melhores homens à sua disposição: Han Pritcher (ex-capitão da
Fundação, agora convertido pelo controle mental) e Bail Channis (um militar não convertido,
porém competente, ambicioso e apoiador do Mulo). Por conta de uma fala antiga de Hari
Seldon289, Channis suspeita que a Segunda Fundação esteja escondida no planeta Finstrel290,
levando os dois homens para seguir para Rossem, um planeta agrícola controlado por Finstrel.
Lá chegando, Pritcher se convence de ter encontrado a Segunda Fundação, confrontando
Channis, que ainda insistia em ir para Finstrel. No entanto, o Mulo havia seguido os dois homens
e apareceu no meio da discussão. Ele declara que Bail é um agente disfarçado da Segunda
Fundação, o que explicaria sua competência e rápida ascensão em sua carreira militar, mesmo
sendo um não convertido. O Mulo então revela que já enviou suas naves para destruir o planeta
Finstrel mas, em sua batalha mental contra Channis, desconfia que haja mais algum engodo por
parte dele. O mutante então força o agente a revelar que Rossem é a Segunda Fundação na verdade,
e Finstrel apenas uma distração.
Nesse momento, aparece o líder da Segunda Fundação, chamado de Primeiro Orador, que
explica que nenhum dos dois planetas é a localização verdadeira e que a mente de Channis havia
sido alterada para fazê-lo acreditar que o local secreto era Rossem. Além disso, o Primeiro Orador
conta que agentes da Segunda Fundação haviam sido enviados para libertar todos os convertidos
da Fundação, fazendo ruir o reinado do Mulo. Este, tomado por fúria e desespero, baixa a sua
guarda mental momentaneamente, porém tempo suficiente para o Primeiro Orador, o mais
289
“um refúgio científico será estabelecido em Terminus. E outro será estabelecido na outra extremidade da
Galáxia, digamos assim – e ele sorriu –, no Fim da Estrela”. (ASIMOV, 2014a, Locais do Kindle 664-667)
290
Tazenda, no original. A alteração na tradução brasileira se dá porque o nome do planeta deve lembrar a
expressão Fim da Estrela (Star’s End).
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Contudo, em Trantor, Preem Palver revela sua verdadeira identidade: Primeiro Orador da
Segunda Fundação. Todos os acontecimentos foram planejados por eles, inclusive a guerra de
Kalgan contra a Fundação e o sacrifício dos cinquenta agentes, tudo para que o Plano Seldon,
prejudicado pelo surgimento do Mulo, voltasse aos trilhos. Para isso, era necessário que a Primeira
Fundação recuperasse sua fé no Plano e esquecesse a existência da Segunda. Ao final, Palver dá
a última explicação para a polêmica frase de Hari Seldon: este, sendo um cientista social e não
físico, considerava Trantor o extremo oposto de Terminus, uma vez que cada um tinha uma
situação sociopolítica inversa à do outro. Por causa do Império, que ainda representou perigo para
a Fundação por alguns séculos, não havia lugar mais adequado para a Segunda Fundação se
estabelecer do que na própria capital.
Depois deste resumo, resta demonstrar as relações entre as ideias positivistas de Comte e
as noções epistêmicas e políticas presentes na trilogia de Asimov. Ressaltamos novamente o
caráter insólito de nossos postulados, uma vez que defendemos a influência indireta de Comte
sobre Asimov, partindo do ponto que este teve sua educação científica num contexto
predominantemente positivista.
A primeira relação que apontamos é a presença, nas obras dos dois autores, da ideia de que
o conhecimento científico é a fonte de conhecimento mais confiável, superior às demais (COMTE,
1983, p. 8). Como exemplo, temos a previsão da queda do Império que, por ter sido feita pela
prodigiosa matemática da psico-história, é considerada um fato isento de preconceitos morais e,
portanto, a melhor fonte de informação que os seres humanos dispõem:
[...] uma previsão que é feita pela matemática. Não faço julgamentos morais. [...]
Entretanto, a queda do Império, cavalheiros, é uma coisa sólida e não será fácil evitá-la.
Ela é ditada por uma burocracia em ascensão, um dinamismo em declínio, um
congelamento de castas, um represamento da curiosidade... e uma centena de outros
fatores. Já vem acontecendo, como eu disse, há séculos, e é um movimento por demais
majestoso e maciço para ser interrompido. (ASIMOV, 2014a, Locais do Kindle 405-409).
Seldon afirma ainda que a causa da queda do Império é que o conhecimento parou de
progredir, o que nos leva a uma segunda relação: demonstra-se a noção positivista de que
progresso de uma sociedade está necessariamente atrelado ao seu desenvolvimento científico,
ideia que se faz presente na trilogia como um todo. A própria ideia de Hari Seldon – estabelecer
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Fundações que preservem a ciência para evitar que a galáxia sucumba à “barbárie” – ilustra essa
noção:
A soma do saber humano está além de qualquer homem individualmente; mesmo de mil
homens. Com a destruição de nosso tecido social, a ciência se quebrará em um milhão
de pedacinhos. Os indivíduos saberão muito das facetas incrivelmente pequenas do que
existe para se saber. Eles estarão indefesos e inúteis por si mesmos. [...] Serão perdidos
entre as gerações. Mas, se prepararmos agora um gigantesco resumo de todo o
conhecimento, ele jamais será perdido. As gerações futuras serão construídas com base
nele e não terão de redescobri-lo por si mesmas. (ASIMOV, 2014a, Locais do Kindle
426-431).
Seldon alerta que o principal perigo da queda do Império é a perda do arcabouço científico
acumulado: o conhecimento, por estar atrelado ao bem-estar e ao progresso tecnológico, é mais
importante ainda do que a democracia (como fica claro pelo objetivo das Fundações de criar um
segundo Império) ou de valores como liberdade e respeito à diversidade. Este último é, pelo menos
em relação à cultura, praticamente inexistente na trilogia. A maior virtude é a inteligência lógico-
matemática e a maioria dos costumes culturais é retratada como idiossincrasias aleatórias que
grupos humanos desenvolvem de tempos em tempos.
A terceira ideia positivista presente na trilogia Fundação é a lei dos três estados, ainda que
de maneira lírica e com alguns desdobramentos que levam a diferenças. Expliquemos: como já
mencionamos, segundo Comte (1983, p. 3-5), as sociedades humanas passam necessariamente por
três estágios de conhecimento, sendo o mais primitivo o teológico (que busca explicações causais
definitivas através do sobrenatural), o de transição o metafísico (que trabalha através da razão para
chegar ao conhecimento categórico) e o definitivo, o estágio positivo (onde se busca, através do
método experimental matemático, generalizar fenômenos para gerar conhecimento preditivo). Na
saga de Asimov, essa lei é retratada na forma da queda do Império e ascensão da Fundação por
conta da oscilação do arcabouço científico e tecnológico da galáxia.
A tão temida ruína que levaria a galáxia a barbárie nada mais é do que o decréscimo da
tecnologia (exemplificado na forma da perda da energia nuclear e volta ao uso dos combustíveis
químicos). Os planetas assolados por esse mal tendem cada vez mais a se voltar para a religião,
de forma que a Fundação se aproveita disso, em seus primeiros anos, para dominar os reinos
vizinhos através de seu forjado culto religioso:
A religião... que a Fundação fomentou e incentivou, vejam vocês... é construída sob
linhas estritamente autoritárias. Os sacerdotes têm controle exclusivo dos instrumentos
da ciência que demos a Anacreon, mas eles aprenderam a lidar com essas ferramentas
apenas empiricamente. Eles acreditam inteiramente nessa religião, e no... ahn... valor
espiritual do poder com que lidam. Por exemplo, há dois meses um idiota mexeu com a
usina nuclear no Templo thessalekiano... um dos maiores. Ele contaminou a cidade, claro.
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Isso foi considerado vingança divina por todos, incluindo os sacerdotes. (ASIMOV,
2014a, Locais do Kindle 1883-1888).
Do mesmo modo, no entanto, que o estágio metafísico atua como estágio de transição entre
o teológico e o positivo, em Fundação podemos identificar um estágio intermediário entre o
progresso e a barbárie, majoritariamente na forma da lenta queda do Império, num movimento
que vem das fronteiras para o centro de seu território. Nos planetas que ainda detém resquícios da
antes grandiosa tecnologia imperial, nota-se a estagnação do conhecimento científico e o
crescimento da dependência ao conhecimento técnico baseado em antigos repositórios e manuais:
Ora, eles sequer compreendem seus próprios colossos, agora. As máquinas funcionam de
geração a geração automaticamente, e os responsáveis são uma casta hereditária que
ficaria indefesa se um único tubo-d em toda aquela vasta estrutura queimasse. (ASIMOV,
2014a, Locais do Kindle 3430-3435).
Hober Mallow, o primeiro comerciante a se tornar prefeito da Fundação, nota tal situação
quando viaja para um planeta a meio caminho entre Trantor e Terminus. Lá, os técnicos viraram
uma casta privilegiada da sociedade, cujo conhecimento se baseava nos antigos manuais de seus
equipamentos. A ideia de progresso há muito foi esquecida, tornando impossível o aumento do
conhecimento e precária a manutenção da tecnologia, deixando a população numa decadência da
qual só seria salva quando entrasse em contato com a Fundação. Situação semelhante ocorre com
os “cientistas” do Império:
como eu o vejo. Como seria incrivelmente primitivo ir a Arcturus, ou a Sol, por exemplo,
e sair passeando por lá, quanto os velhos mestres já cobriram os territórios de modo muito
mais eficiente do que poderíamos possivelmente esperar.291 (ASIMOV, 2014a, Locais do
Kindle 879-886).
Lorde Dorwin é um alto funcionário do Império, muito interessado pela “questão da
origem292”. Ao falar um pouco sobre o assunto, é questionado por Salvor Hardin, que sugere uma
pesquisa de campo para colher dados e tirar suas próprias conclusões. O paradigma científico do
Império, entretanto, despreza tal método, pois está tão acostumado com a contínua decadência que
prefere se basear no conhecimento já estabelecido “pelos mestres do passado”. Aqui postulamos
a semelhança com o estágio metafísico de Comte, com a ressalva de que a ausência do método
experimental se dá por conta da decadência geral e não por ainda não ter sido estabelecido. Este
fato gera ao menos uma diferença entre o cenário de Asimov e a teoria de Comte: nesta, a base do
conhecimento é a razão, a construção de ideias metafísicas bem estruturadas para explicar o
mundo; naquele, a razão é baseada na confiança no conhecimento já estabelecido, o que causa a
aceitação e engendramento da decadência, pois aceita que o passado era mais competente que o
presente poderia vir a ser.
Por fim, o último estágio, o positivo, corresponde ao estado de desenvolvimento perene
das duas Fundações. Ambas, cada uma em seu campo, primam pelo crescimento contínuo de seus
domínios e de suas ciências. A estagnação é vista como decadência e o progresso, o estado ideal
para as sociedades. No entanto, a Primeira Fundação, por ser ainda subordinada ao Império em
seus primórdios, precisou ser lembrada de que este estava decaindo e métodos diferentes
precisavam ser adotados. O principal responsável por isso foi o primeiro prefeito, Hardin, que
tomou o poder dos enciclopedistas que insistiam em apenas colher e catalogar o conhecimento do
passado:
[...] Durante esse tempo todo, vocês invariavelmente confiaram na autoridade ou no
passado... e nunca em si próprios, [...] Não são só vocês. É toda a Galáxia. [...] Lorde
Dorwin achava que ser um bom arqueólogo era ler todos os livros sobre o assunto...
escritos por homens que morreram há séculos. Ele achava que a forma de resolver
enigmas arqueológicos era comparar as autoridades opostas. [...] Vocês não estão vendo
que há algo de errado nisso? [...] Ficamos sentados aqui, achando que a Enciclopédia é
tudo o que há. Consideramos que o maior objetivo da ciência é a classificação de dados
passados. É importante, mas não há outros trabalhos por fazer? Estamos regredindo e
esquecendo, não veem? Aqui na Periferia, eles perderam a energia nuclear. [...] Vocês não
291
Lorde Dorwin é um personagem com problemas de fala, de forma que na tradução de Fábio Fernandes, ele troca
algumas letras, como V por F, B por P, D por T etc. Optamos por corrigir as palavras nessa citação para evitar
desentendimentos dos leitores.
292
A localização do planeta de origem do ser humano. Na época da queda do Império, mais de 20 mil anos no futuro,
a história do ser humano em tempos anteriores às viagens espaciais já foi esquecida, sendo chamada de Pré-história
em algumas ocasiões. A Terra, há muito esquecida e inabitada, no máximo aparece em algumas lendas antigas.
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veem? Isso abrange toda a Galáxia. É um culto ao passado. É uma deterioração... uma
estagnação! (ASIMOV, 2014a, Locais do Kindle 1021-1036).
Após o governo de Hardin, a Fundação continuou no caminho do progresso político e
científico, alastrando seu domínio pela galáxia na mesma medida em que se desenvolvia
tecnologicamente. Aqui, a semelhança entre o estágio descrito por Comte e o cenário criado por
Asimov é praticamente plena: ambos pregam que o progresso político advém do progresso da
ciência, no sentido de que se há interrupção do movimento, há decadência. Assim, postulamos a
verossimilhança entre o estágio positivo comteano e o cenário político e epistêmico da Fundação,
na medida em que ambos sustentam o mesmo objetivo e se apoiam nos mesmos pressupostos.
Por fim, a última relação que postularemos é a verossimilhança entre a física social
proposta por Comte e a psico-história imaginada por Asimov. Esta não tem uma definição clara e
distinta na obra de Asimov, aparecendo sempre na forma de uma ciência que se apoia numa
matemática avançadíssima, tendo seus pormenores ocultos pela narrativa:
Gaal Dornick, utilizando conceitos não matemáticos, definiu a psico-história como o
ramo da matemática que trata das reações dos conglomerados humanos a estímulos
sociais e econômicos fixos... Implícita em todas essas definições está a suposição de que
o conglomerado humano que está em foco é suficientemente grande para um tratamento
estatístico válido. O tamanho necessário de tal conglomerado pode ser determinado pelo
Primeiro Teorema de Seldon, que... Uma suposição necessária posterior é que o
conglomerado humano esteja ele próprio inconsciente da análise psico-histórica para que
suas reações sejam verdadeiramente aleatórias... A base de toda a psico-história válida
baseia-se no desenvolvimento das Funções Seldon, que exibem propriedades
congruentes com as de forças sociais e econômicas como... (ASIMOV, 2014a, Locais do
Kindle 274-281).
Pereira (2018, p. 137) chama este tipo de narrativa de “efeito de caixa preta”, o que ajuda
a justificar a ciência presente no livro sem, entretanto, explicar maiores detalhes de algo que
(ainda) não é possível na realidade. Apesar disso, tendo como base apenas a trilogia estudada no
presente trabalho, podemos resumir a psico-história como a seguinte noção: uma ciência com
bases matemáticas que pode calcular e prever os movimentos sociopolíticos de massas humanas,
desde que estas sejam de proporção suficiente e estejam inconscientes de tais previsões. Ora, a
física social proposta por Comte tem praticamente o mesmo conceito: uma ciência baseada no
método experimental matemático que estuda as sociedades humanas. Excetuando-se as condições
para o funcionamento da psico-história (quantidade mínima de humanos e ignorância das
previsões), ambas são idênticas tanto em suas bases quanto em seus objetivos. Assim, afirmamos
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que Asimov, de certo modo, emula a ideia de Comte em sua obra: a psico-história é uma imagem
do que a física social poderia ser, caso os pressupostos epistêmicos positivistas estejam corretos.
Por fim, observemos o Plano Seldon, principal fruto da psico-história: é um projeto que
tem como objetivo fundamental a diminuição do sofrimento dos seres humanos através da
preservação do progresso científico, de maneira análoga à ideologia positivista, que se apresenta
como uma doutrina regeneradora da sociedade através do desenvolvimento tecnológico (COMTE,
1983, p. 98). Aqui, podemos enxergar claras conexões de Asimov com o positivismo, cujo objetivo
é generalizar a “ciência real” e sistematizar a “arte social” (COMTE, 1983 p. 98). Tal ciência real,
para Comte, seriam as ciências que superaram as tendências teológicas ou metafísicas da Filosofia,
concentrando-se apenas no método experimental matemático: assim como no universo de Asimov,
onde a Fundação, por possuir ciência e tecnologia superiores, supera todas as nações rivais que
detém outros tipos de conhecimento, tidos como primitivos ou desnecessários.
5. Considerações Finais
Referências
ASIMOV, I. Fundação [livro eletrônico]. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Aleph, 2014a.
ASIMOV, I. Fundação e Império [livro eletrônico]. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Aleph,
2014b.
ASIMOV, I. Segunda Fundação [livro eletrônico]. Tradução Marcelo Barbão. São Paulo: Aleph,
2014c.
COMTE, A. Curso de Filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo; Discurso preliminar
sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. Traduções José Arthur Giannoti e Miguel
Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
PEREIRA, M. C. J. Histórias de uma psicologia do futuro: representações de ciência e tecnologia
em Fundação, de Isaac Asimov. 2018. 250p. Dissertação de Mestrado - UTFPR, Curitiba, 2018.
REALE, G. ANTISERI, D. História da Filosofia, 5: do romantismo ao empiriocriticismo.
Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005.
SILVINO, A. M. D. Epistemologia positivista: qual a sua influência hoje?. Psicologia: Ciência e
Profissão., Jun 2007, vol.27, no.2, p.276-289.
WILCOX, C. The Greening of Isaac Asimov: Cultural Changes and Political Futures.
Extrapolation, v. 31, n. 1, 1990.
Página 1336 de 2230
Abstract: The 2016 municipal elections in Maranhão reinforce the idea that women are not
interested or are not used to politics, as stated by Rousseau in the 18th century, in view of the
results: the number of elected councilors was 447 women (17%) and 2,140 men (83%) for the
municipalities and municipalities of Maranhão. When reflecting on these data in the research
“Women, Gender Relations and Political Protagonism: study, feminist education and information
as a strategy for change in patriarchal society”, carried out in five municipalities, it is observed
that in all of them women are underrepresented. which expresses inequalities and exclusion of
women from decision-making spaces, a fact that is evident throughout the national territory. These
inequalities reinforce gender roles and do not favor the insertion of women in decision-making
places. FAPEMA financed this research was carried out in five municipalities in Maranhão: São
Luís, Morros, Duque Bacelar, Turiaçu and São João dos Patos. In this communication we present
the results in order to point out paths that can guide changes in female representation in decision-
making spaces in Maranhão.
Keywords: Political Representation. Genre. Women. Maranhão.
1 INTRODUÇÃO
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293
Bela, recatada e “do lar”, assim foi retratada a ex-primeira dama do País Marcela Temer por uma das principais
revistas semanais do Brasil. Nesta matéria, a Revista Veja ressalta que a primeira dama é Bacharel em direito sem
nunca ter exercido a profissão. “Seus dias consistem em levar e trazer Michelzinho (seu filho) da escola, cuidar da
casa, em São Paulo”. Com esta matéria a Revista Veja estabelece como modelo de mulheres aquelas que se dedicam
ao lar e não trabalham. (MARCELA, 2016).
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Os dados das últimas eleições nos âmbitos municipais, estaduais e federal desnudam a
contradição da democracia brasileira ao apontarem que dos 57.337 candidatos a vereador na
eleição de 2012, apenas 7.648 mulheres foram eleitas, contra 49.689 homens. (FERREIRA, 2015).
As mulheres representam 13,3% dos vereadores espalhados nas 5.568 câmaras dos municípios do
Brasil. Houve um aumento simbólico em relação à eleição de 2008, porém esse aumento não
superou os 19%, fato que aponta os muitos desafios para construir paridade de gênero na política.
Este estudo, fruto de pesquisa realizada com o apoio da FAPEMA/Edital igualdade de gênero,
cujo objetivo:
[...] contribuir com o processo de empoderamento de mulheres por meio de informações,
troca de conhecimentos e produção de dados que permita às maranhenses construírem
processos de mudanças e ações visando à transformação das relações de gênero e étnico
raciais no Maranhão. (FERREIRA, 2016, p. 7).
A exclusão das mulheres no mundo social e político foi construído pela sociedade através
da cultura ao internalizar a inferiorização das mulheres legitimando as normas impostas pelo
patriarcado que negou as mulheres o direito de se expressar, de representar e muitas vezes o direito
à existência. No livro As bruxas e o Calibã, Silvia Frederici nos reporta às muitas formas de
interdição das mulheres e como os seus saberes foram ignorados pela ciência e apropriados pelo
capitalismo, fato que explica em grande parte sua exclusão social, política. Sua interdição no
mundo público pode ser mensurada pela sub-representação nos espaços de decisão que contribuiu
para seu cerceamento, seu silenciamento, seu enclausuramento e sua retirada da cena pública e na
naturalização da violência contra esse segmento social. Importante ainda lembrar as palavras de
Silvia Frederici (2017, p.146):
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[...] a separação entre a produção e a reprodução criou uma classe proletárias de mulheres
que estavam tão despossuídas como os homens, mas, que, diferente deles, quase não
tinham salários. Em uma sociedade que estava cada vez mais monetizada, acabaram
sendo forçadas à condição de pobreza crônica, à dependência econômica e à
invisibilidade como trabalhadoras.
O processo de exclusão das mulheres não apenas da ciência, mas da vida social, econômica
e política, reflete nos dias atuais na sub-representação, em sua pouca autonomia, seu pouco
reconhecimento, cujos reflexos podem ser observados nos números ínfimos de mulheres em
cargos de representação no País. Essa constatação também é considerada por Costa (2012, p. 17)
quando afirma que:
A maioria das mulheres ainda não pode decidir sobe suas próprias vidas, não se
constituem enquanto sujeitos histórico e político, não exerceram ou exercem o poder,
seguem oprimidas vivenciando as mais diversas formas de opressão.
A sub-representação é reflexo das condições que precedem os pleitos eleitorais: está nas
relações patriarcais em que convivem os partidos internamente. É visto como. fator
determinante para desestimular a presença das mulheres nos campos de decisão
partidária, está também na cultura do silêncio que lhes foi imposta e na educação de
gênero, que impõe às mulheres assim como aos homens, valores que subestimam as
mulheres, desqualificam sua opinião e desestimulam seu exercício de cidadã.
(FERREIRA, 2019. p. 42).
Para compreender como estas relações se mantêm na política brasileira trago algumas
reflexões sobre o conceito de patriarcado que explica a permanência de relações desiguais,
hierarquizadas e a naturalização da violência contra as mulheres, que perpassa a vida privada e se
insere na vida pública cerceando o direito das mulheres de exercerem a cidadania.
A categoria patriarcado, vem desde os anos noventa sendo discutido com grande interesse
pelas pesquisadoras e estudiosas feministas e tem provocado inúmeros debates nos movimentos
feministas em virtude de ser um conceito estratégico para explicar a permanência das relações de
subalternidade que mantém as mulheres subordinadas às relações de violência, subjugadas a
relações de opressão, muitas das quais com grande dificuldade de romper as relações opressoras.
Seus reflexos, entretanto, perpassam essas esferas para se inserir na vida pública, nos
condicionantes que interferem nas relações de trabalho que incide sobre os salários desiguais e no
pouco reconhecimento, criando mecanismos que irão excluir as mulheres dos espaços de decisão
e de poder.
Ao buscar um entendimento de como o patriarcado se proliferou no mundo ocidental, se
alimentou e se mantém vivo nos dias atuais, encontramos nos estudos da Mary Wollstonecraft
algumas explicações, que merece uma atenção maior de nossa parte. Quando escreveu seu livro
“Reinvindicação dos Direitos das Mulheres”, a autora já nos alertava sobre o problema, no Século
XVIII. O livro reflete como as mulheres foram excluídas da vida social e vida pública na
Inglaterra. No debate apresentado a autora faz severas críticas ao pensamento de Jean Jacques
Rousseau que considerava as mulheres incapazes de exercer cargos na vida pública, sua visão
sobre as mulheres é extremamente conservadora e patriarcal, vejam o dizia a autora:
[...] Rousseau declara que uma mulher não deveria, nem por um momento, sentir-se
independente, que ela deveria ser governada pelo temor de exercitar sua astúcia natural
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e feita uma escrava coquete, a fim de tronar-se um objeto de desejo mais sedutor, uma
companhia mais doce para o homem, quando este quiser relaxar. [...] Que bobagem!
Quando surgirá um grande homem com força mental suficiente para dissipar a névoa que
o orgulho e a sensualidade têm espalhado sobre o assunto? (WOLLSTONECRAFT,
2016, p. 47).
A autora traz elementos importantes de análises depois trabalhado por autoras como
Simone de Beauvoir (1986), contestando a natureza feminina das mulheres. Em seus
questionamentos a Rousseau, aponta que:
[...] se as mulheres são por natureza, inferiores aos homens, por virtude devem ser as
mesmas em relação à qualidade, senão ao grau, ou então a virtude é uma ideia relativa;
consequentemente, sua conduta deveria ser fundamentada nos mesmos princípios e ter os
mesmos objetivos. (Mary Wollstonecraft. Reinvindicação dos direitos das mulheres, 1792)
As falas deste pensador, considerado um dos grandes intelectuais do Século XVIII, autor
de obras de referência como “O Contrato social” reflete o olhar conservador da sociedade sobre
as mulheres. Seus escritos aprofunda a visão patriarcal e preconceituosa que foi forjada sobre as
mulheres ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX e se espraia no Século XXI tendo em vista os
indicadores de violência de gênero e a sub-representação das mulheres na política que refletem o
lugar da mulher na sociedade.
Ao analisar a situação das mulheres nas esferas públicas observamos que muitos países vem
alterando as relações patriarcais no âmbito dos espaços de poder e decisão, principalmente nas
esferas dos legislativos, porém, é visível que a sociedade concentrou o poder nas mãos dos
homens, são eles que dominam a economia e a política na maior parte dos países do mundo,
embora tenhamos exceções em alguns países como Alemanha, cujo comando político está sob a
responsabilidade de Angela Merkel há mais duas décadas.
O patriarcado se manifesta na política, quando são os homens que assumem os principais
cargos de decisão no mundo público: deputado, senador, vereador, gerente de loja, reitor das
universidades, secretários de estado, donos dos grandes empreendimentos econômicos, gerente
dos postos de gasolina e dos supermercados, ou seja, os homens estão à frente da maior parte dos
negócios, empreendimentos, das decisões políticas, assim como na vida privada ao assumir a
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posição de “dono”, “senhor”, julgam-se proprietários das mulheres, assim como dos filhos, das
suas empresas e dos bens que possui. No privado a palavra final em geral é dada ao homem que
decide os destinos da família. Assume como enfatiza Saffioti (1996, p.37) “a posição de caçador,
comportam-se como sujeito desejante em busca de sua presa”. É o seu desejo e vontade que
prevalece, e as mulheres, em muitas situações, se submetem.
Esse comportamento desviante, não foi adquirido com o nascimento, porque os homens não
nascem violentos, dono da verdade, e senhor das mulheres, enfatiza Saffiotti (1987). Esse senso
de dominador, foi desenvolvido pela cultura patriarcal que ensina aos meninos desde cedo a ter
posições de mando, desde cedo são ensinados a serem determinados e a dominar, inclusive as
mulheres. É por meio desse tipo de cultura que a sociedade incute nos homens e nas mulheres os
valores da dominação, da submissão e da subordinação, conforme enfatiza Biroli (2018, p. 43).
As relações de autoridade que produzem a subordinação das mulheres são tecidas por
múltiplos fatores. A dupla moral sexual, a tolerância à violência que as atinge por serem
mulheres, a ideologia maternalista e os limites para o controle autônomo de sua
capacidade reprodutiva são alguns deles. A divisão sexual do trabalho apresenta-se como
variável específica (ainda que não independente), determinante para compreensão de
como se organizam as hierarquias de gênero.
sexualidade, perpassando os espaços públicos e privados a partir das estruturas de poder que
coisificam a mulher, anulando sua importância no contexto social e político.
Ao discutir esta categoria Weber (2005) em seu livro Economia e sociedade enfatiza que
o patriarcado retrata uma situação em que a dominação é exercida por uma só pessoa, em geral o
pai, chefe de família que de acordo com regras estabelecidas hereditariamente e fundamentada na
maioria das vezes pelo domínio da condição econômica, este pai ou chefe de família, mantém uma
relação de total domínio e poder sobre os demais membros da família ou sobre a comunidade em
que vive.
Weber nos explica ainda que esta dominação se mantém apoiada em bases jurídicas onde
se funda a legitimidade. Nas mulheres esta dominação também se sustenta nos preceitos religiosos
que dependendo da interpretação do grupo ou tendência religiosa, reforça a submissão das
mulheres e seu enclausuramento no mundo doméstico.
Por fim, é importante ressaltar que a dominação patriarcal se sustenta na crença da
supremacia masculina, nos poderes senhoriais dos homens, vistos como senhores que ordenam e
súditos que aprendem desde cedo a obedecerem a partir de uma tradição forjada na cultura, na
educação das crianças, passado de geração em geração. (WEBER, 2005, p.184).
Uma boa contribuição para o debate sobre patriarcado vem das teorias de Patemam (1993)
no seu livro: “O contrato sexual”. A autora traz as concepções dos liberais contratualistas, de que
os homens nascem livres e são iguais entre si, são indivíduos dotados de direitos políticos que têm
discernimento e, portanto, podem fazer suas escolhas através da razão, não mais por explicações
místicas como era nos regimes patriarcais em que o poder do patriarca era justificado pela tradição,
sendo então o patriarcado abolido pelas sociedades modernas capitalistas de forma gradativa.
Porém, Pateman, (1993) afirma que isso não se sucedeu uma vez que o patriarcado se restabeleceu
na sociedade moderna se reconstituindo nas relações afetivas e no confinamento das mulheres ao
mundo do privado.
No seu livro Patemam (1993) critica o contrato social de Jean Jacques Rousseau ao dizer
que a história do contrato social é apresentada como uma história de liberdade, em que os homens
no estado natural trocam as inseguranças pela liberdade civil salvaguardada pelo Estado. No
contrato sexual de Pateman a autora reflete a história da sujeição, dominação dos homens sobre
as mulheres, no qual o direito masculino se efetiva no livre acesso aos corpos das mulheres, no
cerceamento de sua liberdade civil que se traduz nos limites impostos pelos liberais que desde
princípios limitou os direitos das mulheres não o universalizando.
A história do contrato sexual é sobre relações (hetero) sexuais e sobre mulheres
personificadas como seres sexuais. A história nos ajuda a compreender os mecanismos
através dos quais os homens reivindicam os direitos de acesso sexual e de domínio dos
corpos das mulheres. Além disso, as relações heterossexuais não estão limitadas à vida
privada. (PATEMAN, 1993, p. 36).
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Ou seja, perpassa a vida privada e se insere na vida pública interferindo nos destinos das
mulheres. Desse modo podemos então afirmar que o conceito de patriarcado explica os processos
de exclusão e dominação das mulheres na sociedade e ajuda a compreender como a diferença
sexual tem sido convertida em diferença política para naturalizar a sujeição das mulheres. Explica
também como a condição de dependência econômica das mulheres contribui para mantê-las
subjugadas ao marido, ou companheiro. Através do patriarcado é possível compreender como os
homens constroem suas relações de domínio sobre as mulheres na medida em que se representam
acima das mesmas, anulando suas iniciativas e suas singularidades. Para Beauvoir (1986, p.13):
O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos ”os homens”
para designar os seres humanos, tendo-se assimilado ao sentido singular do vocabulário
vir o sentido geral da palavra homo. A mulher aparece como negativo, de modo que toda
determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade.
candidatos, entretanto apenas 19% foram eleitas (Gráfico 1B), e isso apenas reforça as assertivas
dos estudos de Ferreira (2010, 2015), Alvares (2012) e Costa (1998) que afirmam que não basta
às mulheres se lançarem candidatas, pois a cultura patriarcal que atravessa a sociedade em
diferentes dimensões interfere na projeção das mulheres para os espaços de poder.
Gráfico 1: A) Total de candidatos à prefeitura de seus munícipios eleitos; 1B) Total de
candidatos à prefeitura de seus municípios.
A B
Fonte:TRE/MA 2016
Nas últimas eleições municipais realizadas em 2016 no Maranhão, o que foi observado é
que, desde o recrutamento das candidaturas, as mulheres são visivelmente minorias. Segundo
dados do Tribunal Regional Eleitoral – TRE, dos 16.132 candidatos, apenas 5.137 eram do sexo
feminino, o que representa 32% (Gráfico 2A). Destas, apenas 17% foram eleitas (Gráfico 2B), o
que denota que não elegemos nem mesmo os 30% determinados pela Lei Eleitoral, que estabelece
30% de candidaturas por sexo
Gráfico 2: A) Candidatos (as) ao cargo de vereador(a); B) Candidatos(as) eleitos(as) ao cargo de
vereador(a).
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A B
Ao analisar a partir da Tabela 4 e Gráfico 3, os partidos que mais lançaram mulheres nas
eleições municipais de 2016, percebe-se que foi o Partido Comunista do Brasil – PCdoB. Foram
441 candidatas e 34 eleitas. Mas, proporcionalmente, foi o Partido Democrático Trabalhista – PDT
que mais elegeu mulheres, tendo em vista que lançou 297 candidatas e elegeu 34 vereadoras,
seguido do PTB, que lançou 133 candidatas e elegeu 17. Os números revelam a necessidade de
discutir a inserção das mulheres nos partidos e instaurar o debate sobre candidaturas, de modo a
ampliar o número de mulheres nas câmaras municipais.
PRP 112 17
DEM 108 10
PRTB 101 9
PRTB 101 9
PSOL 100 0
PMB 88 5
PSC 84 9
PTN 80 8
PTN 80 8
PT DO B 79 3
PPL 53 0
PPL 53 0
REDE 44 2
PCB 12 0
PCB 12 0
PSTU 3 0
Fonte: TRE/MA 2016
Fonte:TRE/MA 2016
Na tabela 5 é possível avaliar o investimento feito pelos partidos nas candidaturas
femininas. Observamos que muitos partidos nem ao menos cumpriram a Lei das Cotas. É
importante destacar que a política de cotas no Brasil, adotada através da Lei 9.096/95, estabelecia
cota mínima de 20% para a candidatura por sexo. Em 1996 esta Lei sofre alteração, através da Lei
9.504/96, ampliando para 30%, no mínimo, e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, o
que foi denominado de cota de gênero. Em 2009 essa legislação sofre outra alteração. Desta feita,
a nova lei assegura a escolha e registro de candidatos estabelecendo que o cálculo do percentual
deva ser feito com base no “número de vagas requeridas” e não mais no número de vagas a
Página 1349 de 2230
preencher. Mesmo com as mudanças na legislação, observa-se que muitos partidos no Maranhão
não cumpriram a legislação. Partidos como PSDB, PSC, PTB, DEM, PSD, PTN, PDT, REDE,
PPS, PRB lançaram menos de 30% de candidatas, fato que denota o não cumprimento da
legislação. Pelos dados do Tribunal Regional Eleitoral, o partido que mais lançou mulheres nas
eleições de 2016 foi o PSTU, entretanto, nenhuma das candidatas foi eleita. Em seguida, destacam-
se PMN, PSOL, Solidariedade, PMDB, PP e PT.
Tabela 5: Eleição 2016 - Número e Percentual de Candidatos(as) por Partido
Total de Total de
Total Total Candidatos
Partido Candidatos ELEITOS Candidatas ELEITAS
Masculino Feminino totais
Masculinos Femininas
PSDB 707 72% 160 279 28,3% 32 986
PSC 214 72% 42 85 28,4% 9 299
PTB 333 71% 68 136 29,0% 17 469
DEM 269 71% 79 110 29,0% 11 379
PSD 521 71% 98 215 29,2% 26 736
PTN 192 71% 30 80 29,4% 8 272
PDT 707 70% 191 296 29,5% 40 1003
REDE 107 70% 8 45 29,6% 2 152
PPS 323 70% 40 137 29,8% 6 460
PRB 600 70% 122 256 29,9% 21 856
PROS 414 70% 56 178 30,1% 13 592
PSL 285 70% 44 124 30,3% 7 409
PSDC 222 69% 32 98 30,6% 10 320
PRTB 226 69% 38 101 30,9% 9 327
PCdo B 1030 69% 217 465 31,1% 40 1495
PR 493 69% 122 225 31,3% 16 718
PMN 287 68% 49 132 31,5% 14 419
PEN 354 68% 42 163 31,5% 5 517
PCB 26 68% 0 12 31,6% 0 38
PRP 245 68% 51 114 31,8% 17 359
PSB 548 68% 100 259 32,1% 17 807
PV 438 68% 83 210 32,4% 22 648
PTdoB 168 67% 30 81 32,5% 3 249
PTC 278 67% 28 135 32,7% 5 413
PPL 109 67% 8 53 32,7% 0 162
PHS 333 67% 0 167 33,4% 9 500
PT 410 66% 73 208 33,7% 19 618
PP 459 66% 97 236 34,0% 22 695
PMDB 582 65% 134 309 34,7% 30 891
SD 322 65% 58 175 35,2% 12 497
PSOL 191 65% 0 104 35,3% 0 295
PMB 134 60% 7 90 40,2% 5 224
PSTU 5 56% 0 4 44,4% 0 9
Fonte: TRE/MA 2016
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Vejamos o exemplo da Costa Rica, que nas últimas eleições alcançou patamares elevados
de presença feminina, fato que se deve, segundo Sagot (2009), ao êxito do sistema de cotas
implantado a partir de definição e procedimentos claros e precisos para garantir sua eficiência.
Para a pesquisadora, o sistema de cotas só funcionou na Costa Rica porque foram incluídas
sanções para quem não cumprisse a legislação, e se garantisse assim sua eficácia. A autora
enumera e destaca três fatores que considera fundamentais para o funcionamento da Lei: “1. Que
seja parte da legislação eleitoral; 2. Que exista clareza quanto aos mecanismos de aplicação; 3.
Que o órgão eleitoral esteja envolvido na garantia do cumprimento do sistema”. (SAGOT, 2009,
p.59). Considera que os esforços das mulheres para transcenderem o papel meramente reprodutivo
nos processos sociais e políticos e para ocupar espaços nas esferas do tradicional poder masculino
começam a render frutos nas últimas décadas nesse país.
Esses pontos apresentados da experiência na Argentina e Costa Rica não são adotados no
Brasil, razão porque a Lei das Cotas não funciona, seu exercício não é fiscalizado pela Justiça
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Eleitoral, contribuindo desse modo para que os partidos tenham regras próprias de deliberação
interna, porque sabem que não há sansões para o não cumprimento da legislação. O exemplo mais
concreto é que a maior parte dos partidos no Brasil não cumpriu a Lei das Cotas na eleição de
2016, mas todos continuam concorrendo nas eleições de 2018.
É certo, então, afirmar que no Brasil: a ineficiência da aplicabilidade da Lei das Cotas
constitui uma das dificuldades das mulheres para superar as desigualdades de gênero na política,
explicando a permanência da sub-representação. Porém, outras razões são apontadas por Romero;
Figueiredo; Figueira e Álvares (2012) e Ferreira (2015). Para essas autoras, a cultura patriarcal no
Brasil e a cultura de elite são marcas profundas que atravessam todo o sistema político brasileiro,
fazendo emergir os racismos, os machismos e os preconceitos contra mulheres que exercem cargos
eletivos ou em outras esferas de poder. Estes estudos demonstram as muitas formas de interdição
das mulheres na política formal, fato que explica, em grande parte, sua pouca inserção em
campanhas e em disputas eleitorais.
É importante enfatizar que, apesar de esses dados já terem sido largamente discutidos e a
sub-representação ter sido bastante denunciada pelos movimentos feministas, são poucos os
estudos no Brasil (em particular, no Maranhão) que trazem elementos para pensar este fenômeno.
A ausência de estudos neste campo contribui para que a presença das mulheres no mundo público
e as ações e mediações que têm notabilizado sua presença na política sejam invisibilizados.
A realidade apresentada nos cinco municípios investigados nos capítulos subsequentes -
São Luís, Morros, Duque Bacelar, Turiaçu e São João dos Patos - com as lideranças indicadas em
cada um dos municípios revela que as mulheres estão preocupadas com a sub-representação;
revela ainda que a maioria das mulheres entrevistadas têm interesse em participar da disputa
eleitoral, mas chamam a atenção para a falta de apoio dos partidos que pouco ou nada fazem para
alterar essa situação. Nos Gráficos 4 e 5 apresentamos alguns indicadores que demonstram a sub-
representação feminina nos cinco municípios onde foi desenvolvido a Pesquisa.
Nº DE CANDIDATAS À PREFEITURA
Nº DE CANDIDATAS
1900ral
Pelos dois gráficos (4 e 5) apresentados, observamos que, nos cinco municípios, apenas
6 mulheres se candidataram a prefeita. Os partidos que mais lançaram mulheres no pleito de 2016
nestes cinco municípios foram o PDT, partido que durante décadas foi liderado pelo ex-
governador Jackson Lago e atualmente está sob a liderança do recém-eleito senador Weverton
Rocha, e o PMDB, que em décadas passadas era considerado um partido de centro-esquerda,
comandado por Renato Archer, Epitácio Cafeteira, Haroldo Saboia, Ana Rita Botão e muitas
outras lideranças. Atualmente o partido é liderado pelo grupo Sarney.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados refletem o olhar da pesquisadora que durante dois anos vem se
debruçaram nesta pesquisa refletindo sobre as falas das mulheres e da população para assim
entenderem os protagonismos e a sub-representação das mulheres no Maranhão. A pesquisa
realizada em cinco municípios iniciando por São Luís, seguido de Morros, Turiaçu, Duque Bacelar
e São João dos Patos apontam para a sub-representação que por sua vez reflete a cultura patriarcal,
impregnada nos partidos e nas instituições, dificultando maior inserção as mulheres nos espaços
de decisão. Cada município apresenta particularidades que merecem ser analisados para assim
entender os protagonismos das mulheres no Maranhão, porém, os dados se repetem, as
dificuldades das mulheres se reproduz silêncios que mostram a permanência das estruturas
Página 1353 de 2230
patriarcais que subordinam e oprimem as mulheres, o que se constitui como é um empecilho para
que a democracia se concretize de fato, uma vez que a mulher ainda não está incluída de forma
igualitária. A questão da sub-representação das mulheres expressa a exclusão nos espaços de poder
e decisão, e as dificuldades que enfrentam para transgredir o atual quadro de desigualdade, visando
construir uma sociedade em que sejam reconhecidas como sujeitos políticos. Na Câmara
Municipal de Duque Bacelar por exemplo essa exclusão é percebida claramente tendo em vista
que existe apenas uma mulher que compõe o quadro dos nove vereadores de deste Município,
situação que se repete em Turiaçu.
As mulheres começam a ocupar os partidos políticos de forma tímida, muitas já se colocam
como candidatas para disputar as eleições, mas na maioria das vezes, quando ocupam lugar nos
partidos, é apenas para o preenchimento das cotas. Mesmo quando ocupam os lugares de poder,
não são reconhecidas por suas ações. Percebe-se que a igualdade de gênero ainda está distante da
realidade dos partidos políticos na maioria dos municípios maranhenses. A baixa
representatividade feminina nesse espaço de poder reflete a necessidade urgente de discutir
estratégias de superar o problema para contribuir na articulação e atuação das lideranças no
referido município. Isso porque a participação das mulheres é importante para a promoção da
igualdade de gênero, para contribuir com o empoderamento das mulheres e fortalecer seu
protagonismo a fim de que as mulheres possam alterar a realidade social dos seus bairros, cidades,
das organizações em que estão incluídas e das quais participam no município.
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WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da Mulher. São Paulo: Boi Tempo,
2016.
Página 1356 de 2230
Abstract: In the present study, I develop reflections on the latest film production of one of the
most well-known characters from the publisher DC Comics: the Joker. In Joker 2019, the story of
Arthur Fleck is told and how he becomes The Joker, an extremely violent character that clashes
with social standards. In this production, specifically, a proposal of origin is presented for the
character and moments of his life, which move between diseases and dramas, points that proposed
the question: how the experience of living in a chaos scenario can contribute to the formation of
an abnormal subject? Moving away from the character's idea of chronic insanity or questions about
his cruelty, I use the film to reflect on and build interdisciplinary bridges based on inspirations
from authors like Foucault (2009; 2014a; 2014b), Butler (2017; 2018), Lauretis (1994) and Spivak
(2014) to problematize the scenarios, discourses, gender technologies and health-disease
processes; the control devices and possibility of agency of the subjects; and how society and the
State show themselves as dynamic relations of differentiation and discrimination systems.
Keywords: Gender. Post-structuralism. Normalization. Health-disease process. Joker 2019.
1 EU E MINHAS ESCOLHAS
Página 1357 de 2230
mesmo personagem, ou, ainda, dos motivos que eu escolhi essa e não outra temática, porém, eu
te peço calma! Mais para frente, tentarei explicar melhor!
Aqui, nesse momento do estudo, eu aproveito para elencar para você que iniciei por meio
do estopim de uma problemática que me veio à cabeça, “de cara”, ao ter contato com esse filme.
Eu poderia ter escolhido vários outros aspectos, mas optei por discutir sobre cenários de caos
versus processos de saúde-doença. E o que eu compreendo como caos? Em que consiste o
elencado processo de saúde doença?
Caos, para mim, nessa pesquisa, é um cenário que insere o sujeito ao ponto de ser
questionada a sua própria consciência e realidade enquanto sujeito. Participando dessa discussão,
sobre processo de saúde-doença, aponto que, aqui, afasto uma percepção restrita de naturalização
sobre o desenvolvimento de doenças e me aproximo de aspectos que analisam a o
desenvolvimento de doenças por meio do questionamento central: como a produção e
determinação de diferenças podem ser declaradas como fatores de desigualdades e injustiças
sendo um vetor para o encadeamento de doenças? Elencando, durante o desenvolvimento, vários
questionamentos secundários que participarão do processo de problematização e do convite para
pensarmos juntos sobre a obra fílmica e dos autores que foram chamados para o diálogo.
Para desenvolver a discussão sobre a problemática apontada, penso que é interessante,
inicialmente, contextualizar, reunindo informações e impressões sobre o filme, relacionando este
com os HQ’s, porque, pode ser que, você, que me acompanha agora, não seja uma pessoa
apaixonada nem por filmes, nem por quadrinhos. Sem problemas! Em um segundo momento,
discuto sobre a capacidade de agência, autonomia dos sujeitos frente a cenários de caos e a sua
relação com o processo de saúde-doença, através de justaposições de ideias presentes na obra dos
pensadores já elencados.
Além disso, aproveito para considerar os processos de abjeção e normalização praticados
por atores como a sociedade e o Estado. Tentando, nesse processo, como fruto de uma pesquisa
básica e exploratória, acionar várias fontes, livros, artigos, filmes, sítios especializados em filmes
e histórias em quadrinhos. Para, desse modo, explicar a metamorfose de Arthur Fleck em Coringa
e os diversos assuntos que permeiam essa transformação.
2 CORINGA (2019): entre HQ’s e cinema
Essa empatia, tão desejada pela editora, pode ter sido alicerçada em vários aspectos. Posso
apontar que, pelo o fato do personagem Batman, mesmo usando capa, como muitos outros super-
heróis, não possui poderes especiais, tais como: voar como o Super-homem, velocista como o
Mercúrio, algo que destoa do perfil dos super-heróis, mas o aproxima de uma pessoa comum.
Além disso, ele se mostra como uma figura sombria e afetada por um drama familiar - seus pais
são assassinados tendo ele como testemunha - e obtendo como principal referência familiar, depois
da morte dos seus pais, seu tutor legal Alfred Pennyworth, o mordomo da família, seu fiel ajudante.
Esta identificação de Batman com seus leitores talvez se deva, principalmente, ao fato
dele ser um homem “comum”, sem superpoderes inatos ou adquiridos. O cidadão Bruce
Wayne (alter ego de Batman) possui, no entanto, o que a maioria das pessoas almeja
numa sociedade capitalista: muito dinheiro para satisfazer seus desejos. (RAMA, 2006,
p. 66)
o sonho de ser comediante, em um estilo ao que chamamos hoje de stand-up294, tendo como
inspiração o apresentador Murray Franklin (representado por Robert de Niro). Entretanto, vários
acontecimentos, ao longo de sua vida, vão proporcionando que um homem que, aparentemente,
poderia ser considerado bom para determinados padrões sociais – bom filho, empregado,
responsável, mesmo diante da pobreza e do sofrimento mental – pudesse se transformar em uma
pessoa que não respeita limites sociais, como matar alguém.
Durante o filme, ocorre uma sucessão de fracassos e tragédias que se entrelaça com a
realidade que muitos de nós, fora das telas do cinema, poderíamos viver. Por um âmbito, Arthur
Fleck exerce suas atividades em um local de trabalho onde sempre é desrespeitado por seus
colegas e chefe; é vítima de violência física por um grupo de pessoas na rua, enquanto trabalhava
como palhaço; vivencia uma cidade em crise econômica, com alto índice de criminalidade, com
os serviços públicos sendo negligenciados e, mesmo dependendo de tratamento, não possui
atendimento com qualidade e sempre conflita à assistente social, Debra Kane, que o assiste,
dizendo que ela não o ouve. Acompanhamento, com medicação, que, por causa dos cortes nas
verbas públicas, acaba sendo cortado.
Por outro âmbito, ao abrir uma das cartas que sua mãe enviava ao seu antigo patrão,
Thomas Wayne, candidato à prefeitura de Gotham, pai de Bruce Wayne, ele lê que a mãe teve um
caso com o seu ex-chefe enquanto trabalhava para ele e que Fleck é filho de Wayne. A partir daí,
Fleck procura Wayne para indagar sobre a sua ausência enquanto pai, em contrapartida, é recebido
de forma áspera, e o homem, em sua defesa, relata que tudo não passa de devaneios decorrentes
do transtorno mental de Penny. Diante da dúvida sobre quem falava a verdade ou não, Athur Fleck
vai em busca dos dados da sua mãe, do período que ela esteve internada no Asilo de Arkham -
local destinado para os considerados criminalmente insanos - e descobre que Penny passou por
vários problemas mentais e que ele foi adotado por ela enquanto criança. Fatos que o fazem
relembrar da sua infância e da série de violências que sofreu de companheiros de sua mãe, mas
que nunca foram impedidas por ela. Nesse contexto, ainda encontramos Fleck como um
personagem com uma estranha relação com mulheres, principalmente, com a sua vizinha, pela
qual nutre uma paixão por Sophie, sua vizinha, mas que nunca conseguiu que, realmente,
acontecesse (MELLI, 2019).
Ao experienciar o filme, no mínimo, podemos perguntar: como esses comportamentos,
fatos, instituições, fracassos e dramas vividos por Arthur Fleck puderam contribuir para a explosão
violenta, transformando-lhe em Coringa? Como os padrões comportamentais, seletivamente, vão
escolhendo aqueles que se encontram como aptos para viver ou não? Quais são aqueles que
possuem possibilidade de serem enxergados pela sociedade ou não? Quais relações atravessam a
294
Levantar-se. Termo utilizado para designar apresentações de comediantes feitas em pé.
Página 1362 de 2230
constituição, percepção de formas adequadas de vida, que se propõem a ditar o que somos ou que
deveríamos ser? Há formas de lutar contra esse processo? Até que ponto poderíamos relacionar a
violência exercida por Coringa uma masculinidade doentia e de uma cidade que se tornou doentia?
Poderíamos afirmar a existência de uma crença na possibilidade de lutar contra padrões
tanto de pensamento como de comportamentos, que acabam caracterizando o que é bom ou mau.
Entretanto, a impossibilidade de nos livrarmos das relações de poder que constituem e atravessam
a configuração desses precedentes, é o que aponta Michel Foucault, em sua obra. Para ele, o poder,
em si, não se exibe. Ele não se constituiria apenas em determinados locais, sujeitos, instituições,
ou como algo que pode ser cedido por meio de atos como a confecção de contratos jurídicos ou
políticos. O poder se apresentaria enquanto relações de poder trazendo à baila a concepção de
força (FOUCAULT, 2009; 2014c). Nesse aspecto, Deleuze (2008 p. 112), apresenta que:
O poder é precisamente o elemento informal que passa entre as formas de saber, ou por
baixo delas. Por isso ele é dito microfísico. Ele é força, e relação de força, não forma. E
a concepção das relações de forças em Foucault, prolongando Nietzsche, é um dos pontos
mais importantes de seu pensamento.
Pelo apresentado anteriormente, podemos compreender que a ideia sobre o que é poder
estaria diretamente interligada a uma compreensão do que seria força. Deleuze (1991, p. 78)
também apresenta um conceito para “força”, ao conceber que ela se mostra que não pode ser
percebido isoladamente, visto que, possui como marca se encontrar em relação com outras forças.
Ao ponto que, ao falarmos de força, automaticamente, estaríamos discorrendo sobre relação, ou
seja, poder. Portanto, a força não teria caracteres como objeto ou sujeito diferentes de si própria.
As relações de poder se expõem nos dispositivos, que se apresentam como “um conjunto
decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas (FOUCAULT, 2000, p. 27). Além disso, atravessa os discursos,
que possuem efeitos de verdades e ditam formas de viver, pensar, ser. Desse modo, com a
possibilidade de agência nas práticas sociais, da ramificação e expressão em micropoderes, não
só participam direta e indiretamente da constituição dos sujeitos mas conduzem a sociedade por
meio do saber. (FOUCAUT, 2000; 2014a; 2014b). Mas será que essas relações de poder, os
dispositivos, os discursos se encontrariam da mesma forma em todos os cenários?
Gayatri Spivak faz uma crítica a Foucault e Deleuze visto que, para ela, eles se centraram
na concepção de um sujeito absoluto e único e das relações de poder de modo imparcial às
diferenças vividas em outras partes do mundo, já que considera que as perspectivas desses autores
se centraram na realidade da Europa. Por isso, ocultaram as multiplicidades de cenários, realidades
e vivências existentes fora desse território, tendo como consequência disso o desprestígio das
Página 1363 de 2230
Para a autora, os subalternos seriam aqueles das camadas mais baixas, determinadas e
configuradas pelas leis dos mercados e das formas de representação política e legal, além das
formas, das modalidades e das hipóteses de comporem o as camadas sociais dominantes. Eles são
silenciados a todo momento e, nesse processo, umas das formas de silenciamento seria a
representação (SPIVAK, 2010, p. 11-14). Por sua vez, não seria qualquer representação. Ela
recorre à Marx para apresentar duas modalidades: vertretung e darstellurg (SPIVAK, 2014, p.
52).
A primeira forma, “falar por”, seria a representação baseada na conduta de alguém ao
tentar representar um grupo. Nessa primeira modalidade, há uma inadequada concepção de
representação, pois aqueles que deveriam falar são cerceados dessa possibilidade por essa pessoa
ou instituição política elencada como representante, tendo como alicerces argumentos como: a
incapacidade de autorrepresentação diante de um suposto conhecimento e a detenção de uma
capacidade de representação, tal como o direcionamento feito a Thomas Wayne, quando ele faz
discursos ratificando a sua candidatura a prefeito de Gotham. Em outro âmbito, a segunda
modalidade de representação se trata da representação dramática, quase teatral, vinculada ao
âmbito estético e da encenação (SPIVAK, 2014, p. 52), estilo próximo ao exercido pelos palhaços
da agência na qual Arthur Fleck trabalha.
Entretanto, a alusão feita por Spivak ao tratar sobre a determinação de locais aos
subalternos, que preenchem determinados requisitos, de cor, gênero, condição social e, por isso,
possuem locais demarcados de modo ideológico, citando as mulheres pobres e negras, retoma a
postura de análise do processo de neutralização do “Outro” (SPIVAK, 2014, p. 110).
Inviabilizando, expropriando a sua capacidade de representação. Isso por meio de negociação de
sentidos, por meio de violências epistêmicas, de silenciamentos. Pontos que se evidenciam na
metamorfose de Athur Fleck para Coringa à medida que, imerso no caos, seu corpo se tornava
“abjeto” para o sistema.
A perspectiva de processos de abjeção, é desenvolvida em várias obras da autora Judith
Butler (2017; 2018). Em seu pensamento, a filósofa se encontra com o conceito de abjeção de
Julia Kristeva (1982) e enfatiza: “o abjeto para mim não se restringe de modo algum a sexo e
heteronormatividade. Relaciona-se a todo tipo de corpos cujas vidas não são consideradas ‘vidas’
Página 1364 de 2230
e cuja materialidade é entendida como ‘não importante” (PRINS; MEIJER, 2002, p. 161). Ou seja,
ela quebra possíveis barreiras de isolamento, contra campos bem traçados e delimitados para se
trabalhar discursos sobre gênero, sobre política, sobre arte, e destaca as relações de poder que
atravessam e constituem os processos de abjeção. Estas participam, inclusive, de desdobramentos
sociais, políticos e econômicos, que circundam a performatividade de gênero.
Mas o que seria isso performatividade de gênero nesse cenário? A performatividade de
gênero se mostra como uma perspectiva para pensar o gênero e o corpo, que considera que a
produção da identidade de gênero não se concebe no âmbito privado – já que isso depende, para
a sua concretização, da relação com o outro, ou seja, é necessária uma ratificação de práticas para
que alguém perceba. Apresenta a autora:
ocorrer possibilidades de alimentar o caos, quando todos os componentes são propícios para isso.
A metamorfose de um homem fracassado, esquecido pelo sistema, em um assassino em série,
ovacionado por uma cidade, demonstram que uma sociedade e uma cidade marcadas pelo
abandono, pela violência, pela decadência não só construíram um Coringa, como o tarjaram como
símbolo de luta contra o sistema e sintoma das doenças sociais. Já que foi pela violência, do
choque ao sistema, diante da transformação de Arthur Fleck para Coringa, que ocorreu a
notabilidade, que aconteceu a saída da insignificância, a saída da subalternidade e vulnerabilidade
para o apogeu em uma Gotham que, apesar de ter sido retratada em um passado, não se mostra
não tão distante de várias cidades ao redor do mundo, que também se mostram doentes.
3 COMENTÁRIOS FINAIS
se mostra bastante complexo trazer em um artigo discussões tão amplas, mas, também, como
possibilidades para, em outras oportunidades, desenvolver reflexões sobre eles.
Diante disso, aspectos servem como alertas, sintomas e denúncias. Isto, pois, a ascensão
da figura do Coringa, na minha compreensão do filme apontado, foi despertada em meio ao caos.
Além disso, fez um sujeito se encontrar no que é considerado como irracional: na violência
extrema, na ultrapassagem de limites, na fuga de padrões, pode se encontrar de modo mais comum
do que em telas de cinema. Ao ponto de verificarmos até que medida a desistência de se adequar
a normas de uma sociedade que nunca o viu enquanto alguém que merecia respeito, dignidade,
uma vida e só passa a enxergá-lo quando ele começa a atacar a tudo e a todos que contribuíram
para o seu sofrimento.
REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa
de assembleia. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. E-book (219 p.).
DUARTE, Rosália. Cinema e educação: refletindo sobre cinema e educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002. p. 126.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
___________. A ordem do discurso. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 24. ed. São
Paulo: Edições Loyola, 2014a.
___________. Sobre a história da Sexualidade. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,
2000. p. 243-277.
PRINS, BAUKJE; MEIJER, IRENE COSTERA. Como os corpos se tornam matéria: entrevista
com Judith Butler. In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 155-
167, jan. 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
026X2002000100009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28 dez. 2019.
QUINTAS, Francisco. Descubra a origem misteriosa do Coringa, o Rei Palhaço do Crime. In:
Aficcionados, 15 jan. 2017. Disponível em: <https://www.aficionados.com.br/origem-coringa/>.
Acesso: 29 out. 2019.
RIBEIRO, Antônio Luiz. Coringa. In: Guia dos Quadrinhos, 05 mar. 2007. Disponível em:
<http://www.guiadosquadrinhos.com/personagem/coringa-/196>. Acesso: 29 out. 2019.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2014.
Página 1368 de 2230
Resumo: Os artigos científicos são a principal maneira de produzir, divulgar e pesquisar em meios
acadêmicos. Como forma de apresentação prévia do conteúdo, principalmente em bases de
pesquisa, os pesquisadores encontram no resumo o conhecimento necessário para decidir se o
texto completo poderá corresponder às suas necessidades; por isso é tão importante a produção de
um resumo acadêmico de qualidade. Tendo em vista esses aspectos, este trabalho investiga o que
a teoria dos Gêneros Textuais diz acerca da produção de resumos em artigos acadêmicos e
relaciona os padrões observados na literatura com a análise feita em uma amostra de vinte resumos
obtidos em revistas de classificação Qualis B1(on-line) na área de Engenharias I (Capes),
nomeadamente de engenharia civil e engenharia ambiental, tendo como base os movimentos
retóricos segundo Swales (1981, 1990, 2004), Santos (1995) e Motta-Roth (2008). Como
resultado, os artigos de engenharia civil apresentaram 72% de movimentos presentes nos textos,
cuja única discrepância ocorreu nos movimentos 4 e 5, o que indica a deficiência de apresentação
de um resultado e discussão/conclusão mais explícitos nos resumos. Nos resumos da engenharia
ambiental, os movimentos foram bem distribuídos em 84% dos textos, com exceção do
movimento 1; porém, neste caso, a estrutura presente nos resumos contém informações suficientes
para que o leitor decida se a leitura do trabalho inteiro se faz pertinente. Como demonstram os
resultados, a maioria dos resumos de artigos publicados em revistas obedeceram às normas
estabelecidas quanto à estrutura, porém foram insuficientes quando analisados sob ótica teórica,
por não demonstrarem conhecimento das estratégias relacionadas aos movimentos retóricos
conforme proposto pelos autores citados.
Palavras-chave: Resumo acadêmico. Movimentos retóricos. Engenharia Civil. Engenharia
Ambiental.
Absctract: Scientific articles are the main way of producing, disseminating and researching in
academic circles. As a form of prior presentation of the content, mainly in research bases,
researchers find in the abstract the necessary knowledge to decide if the full text may correspond
to their needs; that is why the production of a quality academic abstract is so important. In view
of these aspects, this work investigates what Genre theory says about the production of abstracts
in academic articles and relates the patterns observed in the literature with the analysis made in a
sample of twenty abstracts obtained in classification journals Qualis B1 (on-line) in the area of
Engineering I (Capes), namely civil engineering and environmental engineering. The study based
on the rhetorical movements according to Swales (1981, 1990, 2004), Santos (1995) and Motta-
Roth (2008). As a result, the civil engineering articles presented 72% of movements present in the
texts, whose only discrepancy occurred in movement 4 and 5, which indicates the deficiency
Página 1369 de 2230
1 INTRODUÇÃO
A escrita surgiu como uma forma organizar, guardar dados, contar coisas, e firmar acordos
entre pessoas que antes só utilizavam meios orais para veicular tais informações. Esses registros
palpáveis possibilitaram um armazenamento das informações referentes às atividades antrópicas,
permitindo que as histórias e conquistas não se perdessem no tempo nem sofressem deturpações,
mesmo que inconscientes. Para documentar toda e qualquer informação, se faz necessário que o
autor domine várias formas de expressar suas ideias, concepções, conclusões sobre o que está
sendo produzido para que os objetivos do texto sejam alcançados, resultando, no caso da
informação científica, em uma forma de compreensão da realidade e dos fenômenos que a
envolvem.
Com o desenvolvimento da ciência, a maneira como os pesquisadores passaram a trocar
informações também ganhou um maior suporte por meio da escrita. Desde o século XVII, quando
surgiram as primeiras revistas científicas, os cientistas passaram a adotar uma maneira cada vez
mais padronizada de apresentar suas descobertas à comunidade295 científica e à sociedade
(SWALES, 1990). Assim, o conhecimento construído e estabelecido desde então passou a se
preservar de maneira sistematizada por meio dessas publicações, principalmente os artigos
científicos e as monografias, dissertações e teses.
Dentre esses gêneros mais recorrentes no campo da ciência, os primeiros são os mais usuais
e que apresentam um maior impacto na vida da comunidade científica, por causa da sua atualidade
e da facilidade de circulação das informações. No entanto, como parte dos Artigos Científicos, os
resumos ganharam maior destaque por causa de sua capacidade de circular como um gênero
independente. Neste caso específico, o que ocorre é a difusão ampla e gratuita dos resumos dos
295
John Swales (1990) compreende o discurso como parte indissociável de uma ação retórica, a qual depende das
formas de interação de uma comunidade, denominada por ele Comunidade Discursiva. Esta é descrita por ele segundo
as características listadas a seguir: a) metas comuns; b) mecanismos participativos; c) trocas de informações; d)
estilos/gêneros específicos; e) terminologias especializadas; e f) níveis de especialização. A comunidade de
pesquisadores, aqui designada como “comunidade científica” ou “comunidade acadêmica” corresponde a uma
comunidade discursiva.
Página 1370 de 2230
trabalhos (abstract) em plataformas de busca e bases de pesquisa acadêmica, e por meio desses, é
possível selecionar e acessar o material integral do Artigo.
O estudo dos resumos, portanto, adquire relevância por um duplo aspecto: para que os
cientistas obtenham êxito em suas pesquisas é necessário que eles possuam um senso crítico,
primariamente, sobre outros textos científicos produzidos, para determinar o que será capaz de
contribuir, ou não para o seu próprio trabalho, e consequentemente auxiliar mesmo que
indiretamente na produção de ciência como base para iniciação de testes das hipóteses
(estabelecimento de bases teóricas). Para isso é preciso que eles tenham acesso a um número
extenso de resumos, dentre os quais poderão selecionar os trabalhos de acordo com a sua
relevância para o tema pesquisado. Por outro lado, os pesquisadores precisam escrever bons
resumos de seus artigos e trabalhos científicos para que possam alcançar um maior número de
leitores qualificados e cujo interesse venha a ser motivado para o acesso à integra dos textos e o
início de um diálogo cooperativo na produção científica. Assim, diante da necessidade de quem
está lendo o texto acadêmico, é imprescindível que o Resumo tenha uma ideia sucinta sobre o
assunto, porém com objetividade, clareza e que apresente resultados fiéis àqueles obtidos ao final
do experimento, respeitando uma estrutura válida.
Na análise de textos do gênero Resumo de Artigos Científicos, são utilizados termos comuns
em cada área, que têm papel fundamental para a compreensão de atividades relacionadas, que
prosseguirão até a vida profissional do indivíduo e o auxiliarão na comunicação entre os
profissionais de áreas análogas. O principal motivo da análise de gêneros de resumo, portanto, é
o fato de que, quando o pesquisador/estudante procura artigos para se orientar na hora de iniciar
os trabalhos acadêmicos e se depara com o texto que de certa forma apresenta/divulga o artigo
final. Assim, para que o uso do gênero resumo seja eficaz, o texto deve possuir critérios que, se
bem executados, o tornarão válido e de certa forma serão reduzidas as dúvidas sobre o assunto e
levarão o leitor a adquirir o texto acadêmico na íntegra.
Para analisar as produções acadêmicas foi necessário estabelecer critérios e métodos. No
caso, foi adotada a abordagem de observação dos movimentos retóricos próprios do gênero
Resumo, conforme estabelecido por Swales (1990; 2009), Santos (1995) e Motta-Roth e Hedges
(1996). Esses trabalhos, fundantes na área de estudos dos Gêneros Acadêmicos, ainda são
relevantes porque contêm as bases para a escrita de resumos, preservadas até hoje como
convenção. Além disso, possuem os principais conceitos, explorados e expandidos em pesquisas
nos anos posteriores.
Assim, os resumos em artigos acadêmicos são essenciais para a compreensão e interesse
prévio acerca da íntegra de cada trabalho, pois aborda brevemente os objetivos e as possíveis
Página 1371 de 2230
soluções e conclusões obtidas nas pesquisas. Conforme Bhatia (1993, p. 78), seus elementos
principais devem responder às seguintes perguntas:
1. O que o autor fez?
2. Como o autor fez?
3. O que o autor encontrou?
4. O que o autor concluiu?
Trata-se, portanto, de um gênero textual cuja produção deve seguir normas, assim como
ocorre em toda a escrita científica. No entanto, nem sempre isso acontece, o que leva à questão a
respeito de como os pesquisadores e acadêmicos dessa área elaboram seus resumos, em
comparação às convenções estabelecidas para o gênero. Parte-se da hipótese de que, na
engenharia, há problemas na hora da construção do resumo em um artigo, pois o autor muitas
vezes ignora as etapas a serem seguidas na composição. Isso ocorreria pelo simples fato de não
ser uma produção textual muito abordada durante sua formação, o que levaria a dificuldades na
pesquisa e colaboraria para um menor sucesso no meio científico na produção de material
relevante em termos de conhecimento e inovação tecnológica
O objetivo deste trabalho é, portanto, investigar, de acordo com a teoria, a elaboração de
Resumos Acadêmicos na área de Engenharias I, de modo a perceber possíveis padrões de escrita
dos engenheiros e acadêmicos na divulgação de suas pesquisas. Tem como objetivos específicos:
a) Observar a clareza dos periódicos quanto às exigências de padronização dos Resumos
Acadêmicos; b) Verificar a presença dos movimentos retóricos nos resumos; c) Quantificar a
presença dos movimentos teóricos, de modo a evidenciar o grau de conhecimento dos autores
quanto a sua necessidade; d) Explicitar as estruturas linguísticas recorrentes para a realização dos
Movimentos Retóricos.
Para tanto, foi procedida uma análise quantitativa e qualitativa de 20 resumos de artigos
publicados em periódicos on-line que possuem classificação Qualis B1, todos correspondentes à
área de conhecimento Engenharias 1 (Engenharia Civil, Engenharia Sanitária, Engenharia de
Transportes) conforme classificação da CAPES (2017). Os periódicos consultados são: Revista
Ibracon, Revista Ambiente Construído, Escola de Minas, Revista Árvore, Revista Engenharia
Ambiental e Sanitária e Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. O trabalho teve
como estratégia confrontar a disposição da estrutura dos resumos com os modelos propostos pelos
principais estudos acerca da estrutura dos Resumos Acadêmicos (Abstracts) para observar
tendências na escrita desses pesquisadores, de modo a nortear futuros trabalhos que possam
assumir uma função prescritiva ou didática para aperfeiçoar a escrita de autores.
Página 1372 de 2230
2 GÊNEROS TEXTUAIS
carta e assim por diante. Hoje vivenciamos a era da tecnologia, quando as redes sociais podem ser
caracterizadas como suportes para novos gêneros textuais, podemos notar até uma regressão
textual visto que voltamos as nos comunicar “por figurinhas”. Esta análise nos permite perceber
que o conceito de gênero textual é de tal complexidade que muitos pesquisadores mostram visões
diferentes acerca do assunto como para Bazerman, que afirma: “os gêneros não são apenas formas.
Gêneros são formas de vida, jeito de ser. Eles são molduras da ação social.” (1997, p.59).
Porém, como o principal objetivo deste trabalho é análise de resumos de artigos acadêmicos,
iremos nos aprofundar na análise sociorretórica do estudo de gêneros conforme proposto por
Swales (1990; 2004):
Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos membros
compartilham um certo conjunto de propósitos comunicativos. Esses propósitos são
reconhecidos pelos membros especializados da comunidade discursiva original e desse
modo passam a constituir a razão subjacente ao gênero. A razão subjacente delineia a
estrutura esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e
estilo. O propósito comunicativo é um critério privilegiado que opera no sentido de
manter o escopo do gênero, conforme concebido aqui, estreitamente ligado a uma ação
retórica comparável (SWALES, 1990, p. 58).
O autor afirma com isso, então, que o propósito comunicativo é de suma importância para a
identificação do gênero, pois é através dele que utilizaremos a linguagem verbal nas situações
denominadas por ele de “eventos comunicativos” (SWALES, 1990).
Trazendo esta explicação para os textos acadêmicos, notamos que cada um desses se
diferencia pelo uso de estruturas e termos – científicos ou técnicos – específicos de uma dada
agremiação, na qual os autores tentam se inserir ao aceitar o propósito comunicativo já aprovado
anteriormente pelos membros mais experientes desta comunidade. Porém Swales (2004), com o
avanço de seus estudos, notou que o proposito comunicativo exclusivamente determinado não é
tão eficaz na identificação do gênero apresentando então o procedimento textual e o procedimento
contextual.
No procedimento textual, deve-se analisar a estrutura, conteúdo e estilo, no que abrange os
aspectos textuais e linguísticos, além do proposito comunicativo e então assim chegar à definição
de gênero. Após este estudo, o autor orienta que se avalie o contexto no qual o gênero está posto,
para confirmar ou redefinir o proposito comunicativo.
No procedimento contextual, o reconhecimento do gênero se inicia por meio do contexto,
ou seja, identifica-se primeiramente a comunidade discursiva no que tange seus valores, objetivos,
condições materiais, ritmos de trabalho, expectativas, repertórios de gêneros e normas
comportamento. Após o gênero ser identificado de acordo com a comunidade discursiva, é
redefinido o propósito comunicativo, fazendo a identificação de suas características.
Bonini (2004) apresenta nova definição de gênero, propondo a ideia de que o gênero tenha
um propósito previamente concebido na comunidade discursiva. Assim, “[o] gênero demarca,
Página 1374 de 2230
mediante proposito e forma convencionada em uma comunidade discursiva, uma unidade textual
que pode se constituir de uma ou várias ações enunciativas” (BONINI, 2004, p.06). Esse conceito
aproxima o gênero ao texto, uma vez que, para o autor, o discurso concebe uma atividade
discursiva, constituída de texto com finalidade, contexto e interlocutores.
Todas essas percepções acerca dos gêneros textuais mostram que, além de manifestações
textuais escritas, os resumos precisam ser considerados também de acordo com o seu propósito
comunicativo e a partir da aceitação da comunidade que os utiliza. Escrever um resumo, portanto,
é uma atividade discursiva que pressupõe o uso adequado do gênero, segundo sua composição,
estrutura e estilo, para atender a um propósito estabelecido pela comunidade acadêmica: o de
veicular amplamente as informações de um artigo.
retratarem todas as principais partes da obra completa de uma forma pretensamente transparente,
facilitando a leitura e então captando a atenção do leitor.
Para Nida (1992), o abstract deve apresentar, além da discussão gerada pelo o artigo, os
principais pontos de relevância do assunto discutido facilitando a vida do leitor a decidir se o
artigo interessa ou não.
Assim, pode-se definir “resumo” de duas maneiras. A primeira, de forma geral, define o
processo de sumarização de conteúdo, com a função de expor fatos, assuntos, acontecimentos, de
maneira abreviada, contudo sem perder os principais pontos e fatos para que não haja tamanha
discrepância do texto original, tudo isso de forma sintética evidenciado as informações cruciais e
principalmente devem conter os resultados e/ou conclusão de tal acontecimento. O resumo
obrigatoriamente deve-se manter inalterável em questão de sentido e resultados, contudo não deve
conter transcrições do texto original e responder perguntas de maneira implícita que auxiliam a
organizar os fatos deixando o texto fluido (SANTOS,1995). Já o resumo acadêmico (abstract, em
inglês) é um gênero textual próprio do ambiente acadêmico, que assume as características do
processo de resumir, mas também adota uma estrutura própria, convencionada pelos seus usuários
e normatizada por algumas instituições responsáveis pela circulação dos textos acadêmicos.
É interessante notar a evolução dos estudos linguísticos no que se refere à produção do
gênero resumo/abstract. Em 1981, Swales apresentou, a partir do estudo de introduções de artigos
científicos, seu primeiro modelo, conhecido como CARS: Creating A Research Space296 (Criando
um espaço de pesquisa), no qual esquematizava movimentos que poderiam ser usados pelo autor
do artigo para, a partir da apresentação da pesquisa na introdução, estruturar a produção do seu
resumo. Este foi o marco inicial que incentivou diversas pesquisas nessa área e aperfeiçoou o
modelo CARS, a partir do qual cada pesquisador buscou aprimorar os resumos de acordo com as
análises feitas em diferentes áreas de estudos.
Um exemplo claro acerca disso foi o modelo apresentado por Santos (1995), no qual, a
partir do CARS, foram esquematizados submovimentos que constituíam os movimentos originais
e davam uma espécie de direção para elaboração de cada um. A seguir, na Tabela 1 está
demonstrado o modelo proposto por Santos (1995) a partir da análise de 94 resumos de artigos:
Tabela 1: Os cinco movimentos segundo Santos
F
Movimento 1 Situando a pesquisa
Sub-mov. 1 - apresentando conhecimento corrente
Sub-mov. 2 - citandos pesquisas prévias
Sub-mov. 3 - estendendo pesquisas prévias
Sub-mov. 4 - apresentando um problema
296
O modelo CARS foi concebido a partir da observação da estrutura das Introduções dos artigos científicos, as quais
eram a parte do texto em que se apresentava a pesquisa, seus objetivos, método e síntese dos resultados. Em seguida,
essa estrutura foi aplicada à elaboração e análise de resumos.
Página 1376 de 2230
O modelo de Santos foi tão bem aceito na comunidade acadêmica que também foi objeto de
estudo para outros pesquisadores como Motta-Roth e Hedges (1996), que, a partir da análise de
resumos em inglês e português, utilizando o segundo modelo de Swales (1990) aliado ao modelo
proposto por Santos (1995), reelaboraram o modelo CARS para resumo de artigos de pesquisa
conforme apresentado na Tabela 2:
Tabela 2: Modelo Reelaborado por Motta-Roth e Hedges
Movimento 1
Sub-função 1A - Estabelecer interesse profissional no tópico
Sub-função 1B - Fazer generalizações no tópico
Sub-função 2A - Citar pesquisas prévias
Sub-função 2B - Estender pesquisas prévias
Sub-função 2C - Contra argumentar pesquisas prévias
Sub-função 2D - Indicar lacunas em pesquisas prévias
Por meio das análises das tabelas, nota-se que cada autor se preocupou em produzir uma
estrutura de resumo ideal, a partir de suas análises e de pesquisas anteriores, aprimorando e
Página 1377 de 2230
facilitando cada vez mais a forma de se produzir um resumo de qualidade. Contudo, o que se
percebe na prática é que, fora da idealização dos modelos, esta parte do artigo é aquela que parece
receber menos atenção em empenho dos autores. Vale ressaltar que o resumo é a peça chave
responsável pela divulgação de um artigo, por exemplo, pois é com base nele que se julga a real
necessidade de adquirir a obra completa.
Neste trabalho, optamos por considerar o modelo de Motta-Roth e Hedges como parâmetro
para análise, por ser mais completo e apresentar mais possibilidades de execução dos movimentos
retóricos. Os textos analisados se encontram designados pela letra “A”, de “abstract” seguida pelo
numeral correspondente à posição do resumo na análise.
4 O GÊNERO RESUMO EM ARTIGOS DE ENGENHARIA
2.3 resumo crítico: Resumo redigido por especialistas com análise crítica de um
documento. Também chamado de resenha. Quando analisa apenas uma determinada
edição entre várias, denomina-se recensão.
2.5 resumo indicativo: Indica apenas os pontos principais do documento, não
apresentando dados qualitativos, quantitativos etc. De modo geral, não dispensa a
consulta ao original.
2.6 resumo informativo: Informa ao leitor finalidades, metodologia, resultados e
conclusões do documento, de tal forma que este possa, inclusive, dispensar a consulta ao
original (ABNT, 2003 p.1).
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Segundo essa distinção prevista pela norma, para ser redigido o resumo crítico, o autor deve
ter um conhecimento prévio e incisivo sobre o assunto para que possa debater e analisar o
documento de forma consistente; para a escrita do resumo indicativo, o autor faz uma análise
prévia, selecionando os principais argumentos do texto original sem apresentar algum dado ou
conclusão sobre o assunto abordado; e, no resumo informativo, é apresentada toda a estrutura
básica do texto original de forma sucinta dispensando a consulta do trabalho completo, mas
conduzindo o leitor até o texto original. Observe-se, ainda que, embora a norma aponte somente
três tipos de resumo, há um provável erro de digitação que salta aquele que seria o item 2.4.
Neste trabalho, observamos que o tipo de resumo que usualmente acompanha os artigos e
serve como referência nas plataformas de busca é o resumo informativo, ou seja, apesar de conter
as informações gerais sobre o texto original, ele é bastante sucinto em descrevê-las e não dispensa
a consulta ao original, mas conduz o leitor até ele.
A NBR 6028/2003 também detalha a forma de apresentação do resumo quanto à sua
estrutura e ao seu conteúdo:
Os resumos devem ser apresentados conforme 3.1 a 3.3.
3.1 O resumo deve ressaltar o objetivo, o método, os resultados e as conclusões do
documento. A ordem e a extensão destes itens dependem do tipo de resumo (informativo
ou indicativo) e do tratamento que cada item recebe no documento original.
3.2 O resumo deve ser precedido da referência do documento, com exceção do resumo
inserido no próprio documento.
3.3 O resumo deve ser composto de uma sequência de frases concisas, afirmativas e não
de enumeração de tópicos. Recomenda-se o uso de parágrafo único.
3.3.1 A primeira frase deve ser significativa, explicando o tema principal do documento.
A seguir, deve-se indicar a informação sobre a categoria do tratamento (memória, estudo
de caso, análise da situação etc.).
3.3.2 Deve-se usar o verbo na voz ativa e na terceira pessoa do singular.
3.3.3 As palavras-chave devem figurar logo abaixo do resumo, antecedidas da expressão
Palavras-chave: separadas entre si por ponto e finalizadas também por ponto.
3.3.4 Devem-se evitar: a) símbolos e contrações que não sejam de uso corrente; b)
fórmulas, equações, diagramas etc., que não sejam absolutamente necessários; quando
seu emprego for imprescindível, defini-los na primeira vez que aparecerem.
3.3.5 Quanto a sua extensão os resumos devem ter:
a) de 150 a 500 palavras os de trabalhos acadêmicos (teses, dissertações e outros) e
relatórios técnico-científicos;
b) de 100 a 250 palavras os de artigos de periódicos;
c) de 50 a 100 palavras os destinados a indicações breves. Os resumos críticos, por suas
características especiais, não estão sujeitos a limite de palavras (ABNT, 2003, p.2)
estrangeiras, devendo ser categoricamente seguido para adequar-se às normas editoriais de cada
periódico. Seguem algumas orientações fornecidas por revistas brasileiras da área de engenharia.
A Revista Escola de Minas é uma revista técnica voltada para as áreas de mineração e
metalurgia e especializada na publicação de artigos referentes às engenharias Civil, Geológica,
Metalúrgica e de Materiais, Mecânica e Energia e Mineração. Ela refere o seguinte a respeito da
escrita dos resumos:
Resumo em inglês. Cada artigo deve ser precedido por um resumo, apresentando os fatos
contidos no artigo, palavras-chave, fatos importantes fatos e conclusões. Esse resumo
deve ter, cerca de, 150 a 250 palavras, e não deve conter referências, figuras ou tabelas
(REVISTA ESCOLA DE MINAS, [20??], online).
A revista aconselha uma estrutura básica para a produção de resumos, com informações
escassas e sem diferenciações previstas pela NBR 6028/2003. Observa-se, ainda, a preferência do
texto do resumo escrito em língua inglesa.
Os autores deverão informar, nos itens Resumo, Abstract e Material e Métodos, o período
e local (incluindo coordenadas geográficas) de realização da pesquisa, e, no caso de
pesquisa com experimento, o delineamento experimental, os tratamentos e o número de
repetições, texto com no máximo 250 palavras e não ter abreviaturas. (AGRIAMBI – SP.
Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, on-line, p. 2-6).
Página 1381 de 2230
A revista florestal é um canal de divulgação científica e tem como objetivo ser o principal
veículo de disseminação da ciência florestal. Na aba de orientação aos autores consta a seguinte
prescrição para a escrita dos resumos:
[...] texto com 280 palavras, em caso de nomenclatura botânica, os nomes científicos das
espécies devem ser submetidos com o(s) autor(es) do nome (por exemplo, Pinus
sylvestris L.) na primeira vez que são mencionados.
O texto deve ser estruturado da seguinte maneira:
Contexto: O resumo deve começar com o Contexto, apresentando os argumentos que
justificaram a pesquisa.
Originalidade / contribuição / lacuna / inovação: os autores devem indicar que o
manuscrito traz uma inovação, nova contribuição ou destina a preencher uma lacuna
existente na Ciência Florestal.
Objetivo: deve indicar claramente o que o autor pretendia realizar. Metodologia: Este
tópico deve incluir uma breve descrição dos materiais e métodos da conduta do estudo.
Resultados: deve resumir uma descrição sistemática dos resultados, destacando para o
leitor os dados mais relevantes.
Conclusões: as conclusões devem estar ligadas ao objetivo que fornece respostas,
explicações, principais achados do estudo com base no resultado e na discussão.
Conclusões, também, podem resumir as potenciais implicações. As referências e
abreviaturas não são aceitas neste tópico.” (SIF. Revista Árvore, on-line, p.11).
As determinações para a produção de resumos da revista arvores são bem exigentes, levando
em consideração vários termos técnicos científicos utilizados no trabalho e detalham quesitos
presentes na NBR 6028/2003, inclusive com divergências à norma geral, como, por exemplo,
quanto ao número de palavras.
criar um modelo para os autores que de fato levariam o leitor a perceber o conteúdo do texto
integral, esclarecendo as dúvidas, para que ele pudesse decidir se o texto completo o auxiliaria em
seus estudos.
297
Embora a Capes nomeie somente a engenharia sanitária como subárea de Engenharias I, consideramos também
os periódicos e textos que se referiam à engenharia ambiental.
298
Não foi possível a utilização de periódicos na faixa de classificação A1 ou A2, aqueles de maior impacto segundo
a Capes, porque nessa faixa, na área de atuação escolhida, não há revistas publicadas em língua portuguesa.
Página 1383 de 2230
portal que organiza e publica textos completos de revistas na internet, de onde conseguimos filtrar,
a partir da instituição publicadora, os textos acadêmicos.
Para demonstrar a eficiência de se basear em uma linha de análise dos movimentos retóricos,
surge a necessidade de analisar a presença de elementos que darão uma dimensão para a pesquisa
acerca das informações distribuídas no texto analisado, no caso, os Resumos. Dentro do contexto
do presente trabalho, tornou-se importante mensurar a quantidade movimentos retóricos para que
tivéssemos uma ideia sobre a qualidade da estrutura dos resumos dos artigos de engenharia.
Em seguida, são apresentados na forma de tabela os dados quantitativos e distribuição dos
movimentos retóricos nos resumos coletados. A tabela 3 mostra como foram selecionados os
textos em cada área e por revista:
A exploração consistiu pela busca dos artigos publicados em periódicos online o que nos
permitiu analisar os resumos presentes em artigos de somente seis revistas, contudo devido a uma
ótima periocidade destas, o espaço amostral não foi prejudicado.
Os artigos de engenharia civil, em geral obtiveram 72% dos movimentos presentes nos
textos, o que é uma boa porcentagem, visto que a única discrepância ocorreu no movimento 4 e 5
com 50%, que indica a deficiência em de resultados e discussão/ conclusão mais contundente no
final do texto. As tabelas 4 e 5 mostram as distribuições dos movimentos nos resumos das áreas
de engenharia civil e sanitária, respectivamente:
Tabela 4: Ocorrência de movimentos retóricos em 10 resumos na área de
Engenharia Civil.
Movimentos Retóricos Ocorrências dos movimentos Porcentagem %
Movimento 1 9 90%
Movimento 2 8 80%
Movimento 3 9 90%
Movimento 4 5 50%
Movimento 5 5 50%
Total de ocorrências 36 72%
Página 1384 de 2230
Constatou-se nos resumos analisados da área de engenharia sanitária e ambiental que todos
os movimentos foram bem distribuídos com exceção do movimento 1, porém a estrutura presente
nos resumos se mostra com informações suficiente para que o leitor decida se o trabalho inteiro
se faz interessante na sua concepção.
Na tabela 6, apresentada a seguir, são mencionadas as quantidades de palavras nos
resumos, de acordo com a solicitação de cada periódico:
Os valores demonstram que a extensão dos resumos já se encontra padronizada e não parece
ser um problema para os autores. Isso provavelmente se deve ao limite restrito de páginas para as
publicações e à explicitação da regra por meio das equipes editoriais das revistas. Não foram
encontrados resumos truncados ou cortados pelo excesso de texto, porém as médias apontam para
uma preocupação dos autores em se manterem dentro do limite de palavras, escrevendo textos
bem menores que aqueles exigidos, o que pode levar à supressão de movimentos, isto é, os autores
deixariam de descrever seções do artigo pelo receio de exceder o limite de palavras.
Página 1385 de 2230
A tabela 7 apresenta uma média geral do uso dos movimentos em todos os resumos, por
área:
Tabela 7:Quantidade e média de movimentos retóricos por área de atuação
Área de atuação Quantidade de movimentos retóricos Média de movimentos retóricos
Eng. Civil 36 7,2
Eng. Ambiental 42 8,4
Fonte: Elaborada pelos autores.
Com base nas informações obtidas de cada publicação, foi verificado se os textos possuem
os requisitos exigidos pelas revistas e estão de acordo com a NBR 6028/2003. De fato, constatou-
se que apenas a Escola de Minas, quanto ao intervalo de 150 a 250 palavras, e a Revista Brasileira
de Engenharia Agrícola e Ambiental, quanto ao total de vocábulos, estabeleceram a mesma
instrução da NBR 6028/2003. Assim, em extensão, os resumos obedeceram às normas da revista
dispostas na tabela 6 e ao ponto 3.3.5 b) da NBR 6028/2003 que estabelece de 100 a 250 palavras
em artigos de periódicos.
Nos textos analisados foram encontradas estruturas comuns que permitiram identificar
claramente a maioria dos movimentos, com exceção do movimento 1 que é basicamente um
preâmbulo para exemplificar/demonstrar um problema existente e por conseguinte será descrito
para a tratativa de elaborar uma hipótese para cogitar uma solução.
Já no movimento 2 observou-se a ocorrência de expressões que utilizam pronomes
demonstrativos para apresentar à pesquisa, como é notável nos resumos A1 e A3; “Este trabalho
avalia”.
Intuitivamente, a maneira utilizada para encabeçar a metodologia foi o emprego de
expressões verbais para determinar as ações adotadas durante a realização do trabalho, conforme,
por exemplo, nos resumos A8, A16, A20 que utilizaram expressões como: “identificaram-se”,
“utilizaram-se” e “verificou-se".
De maneira análoga ao movimento 2, os resultados apresentaram sentenças semelhantes
como observado nos resumos A1, A7, A14: “os resultados obtidos, os resultados alcançados”.
Na discussão dos resultados dos resumos nos artigos, notou-se uma mescla de todas as outras
estruturas linguísticas utilizadas nos outros movimentos descritos acima como verifica-se em A13
com o emprego do verbo “verificou-se” mas também em A2 aplicando a expressão “o que é
constatado”.
Página 1386 de 2230
No geral, os textos também apresentam a clareza e concisão exigidos pela norma: “O resumo
deve ser composto de uma sequência de frases concisas, afirmativas e não de enumeração de
tópicos. Recomenda-se o uso de parágrafo único (ABNT, 2003, p.2). Quanto ao uso dos verbos,
também a norma é atendida: “Deve-se usar o verbo na voz ativa e na terceira pessoa do singular”
(ABNT, 2003, p.2). Isso permite que se consiga observar a objetividade dos dados apresentados
em cada pesquisa e aumente o poder de decisão do leitor quanto ao acesso ao texto original.
A ocorrência majoritária dos movimentos 1 e 3 nos resumos de engenharia civil indica uma
preocupação dos autores em contextualizar a pesquisa, mostrar a sua necessidade e situar o leitor
quanto aos procedimentos metodológicos adotados. Quanto à contextualização, nota-se que ela
ocorre basicamente de duas maneiras, atendendo às sub-funções A1 (estabelecer interesse
profissional no tópico) e A2 (fazer generalizações no tópico), como se observa a seguir:
O diafragma externo na ligação entre viga metálica de seção I e pilar metálico tubular de
seção circular tem por objetivo o aumento na eficácia da transferência dos esforços. A
proposta é dar alternativas ao uso desse sistema estrutural, reduzindo a limitação imposta
por sua simples ligação ao se adicionar esse elemento, similar a um anel, que envolve o
pilar e é conectado à mesa da viga (A2).
Nesse momento em que a Engenharia civil vem passando por uma fase onde os projetos
estruturais têm sido elaborados com sistemas estruturais compostos por elementos
diferenciados e complexos, alguns critérios e métodos são utilizados com a finalidade de
avaliar aspectos importantes no que diz respeito à estabilidade global e local (A6).
Nos exemplos mencionados, fica claro que a sub-função A é a estratégia utilizada nos
resumos A3, A6 e A7, quando os autores fazem referência àqueles estudos na área de engenharia
civil, ou seja, nos interesses profissionais da área, como respaldo para a realização da pesquisa.
Note-se a expressão “merece atenção especial dos projetistas” em A7. Já a sub-função B está
presente nos resumos A2 e A9, quando os autores descrevem aspectos técnicos que levarão o leitor
a entender a proposta explicitada nos movimentos seguintes.
O movimento 3 pode ser visto nos seguintes fragmentos:
A abordagem é baseada em um cenário hipotético em que transportes motorizados
estariam impossibilitados de ocorrer por restrições diversas. Portanto, apenas os modos
a pé e bicicleta foram considerados para este exercício teórico. As viagens foram
inicialmente classificadas em dois grupos, de acordo com sua adaptabilidade ou [sic]
transformabilidade, sendo as do primeiro grupo consideradas resilientes. Uma terceira
Página 1387 de 2230
categoria teve que ser introduzida, no entanto, para representar outro conjunto de viagens
resilientes. Estas são as viagens excepcionais, isto é, viagens a pé ou de bicicleta que são
mais longas do que as Distâncias Máximas Possíveis (DMP) definidas para a avaliação
da resiliência (A4).
Este trabalho teve como objetivo fazer um levantamento junto aos pequenos
agricultores de cinco municípios da região semi-árida, quanto à utilização das técnicas
voltadas para a captação e o armazenamento de água de chuva (A14, grifo nosso).
[...] o presente estudo buscou identificar as espécies arbóreas utilizadas ao longo de ruas
com túneis verdes e avaliar as condições desta vegetação em Porto Alegre, RS. A relação
entre porte da árvore versus condições do tronco foi investigada, buscando-se estimar
uma possível relação de conflito entre exemplares de grande porte e redes de serviços
aéreas (A17, grifo nosso).
A recorrência de estruturas que explicitam os objetivos do trabalho mostra que essa é uma
questão consolidada para os pesquisadores. Eles demonstram acreditar que é necessária a
informação aos leitores acerca dos seus objetivos de maneira direta e clara.
Outra observação a ser feita, referente ao movimento 3 (também presente em 100% dos
resumos analisados), é que muitas vezes ele se funde ao movimento 2, ou seja, eles são
apresentados conjuntamente em uma única frase, como pode ser visto nos exemplos a seguir:
Página 1388 de 2230
Em virtude disso, este estudo teve como objetivo detectar áreas contaminadas pela
disposição de resíduos sólidos em Paço do Lumiar com base na metodologia do Manual
de Gerenciamento de Áreas Contaminadas do projeto CETESB/GTZ (1999), utilizando
os compartimentos ambientais solo e água superficial como objetos de análise (A13).
Note-se que no último exemplo há indícios dos movimentos 1, 2 e 3 em uma única frase, o
que permite entender que o pesquisador conhece a necessidade de oferecer essas informações ao
leitor, mesmo que não o faça de modo explícito e compartimentado.
O oposto também ocorre. No caso do resumo A5, os autores entenderam como função do
texto apresentar a pesquisa a partir de sua herança histórica e sua necessidade. Assim, traçam um
panorama e encerram o resumo apresentando questões de pesquisa (que sequer são apropriadas
para o gênero), fixando-se, portanto, somente no movimento 1.
A análise demonstra, portanto, que não há escassez de espaço (quantidade de palavras) para
que esses autores pudessem apresentar todos os aspectos envolvidos na pesquisa, representados
nos cinco movimentos. Por outro lado, a maioria dos pesquisadores entendem a necessidade de
expor os pontos essenciais da pesquisa para seus leitores, o que permite que os resumos
desempenhem suas funções discursivas sem grandes problemas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se nos resumos analisados que a maioria desses de artigos publicados em revistas
obedeceram às normas estabelecidas quanto à estrutura proposta na norma ABNT NBR
6028/2003, porém foram insuficientes quando analisados sob ótica teórica, não se sustentando nos
modelos de estruturação do gênero resumo propostos pelos diferentes autores estudados nesta
pesquisa.
Desse modo, percebe-se que a ausência de conhecimento das propostas teóricas e, em alguns
casos da própria norma, prejudica a elaboração e sobretudo posteriormente o entendimento acerca
do conteúdo apresentado nos artigos por causa da ausência das informações necessárias no
resumo.
Página 1389 de 2230
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BHATIA, V. K. Analysing genre: language use in professional settings. London: Longman, 1993.
MINISTHER, Christine Mello. Teoria e análise do gênero “resumo” em artigos científicos: uma
abordagem a partir dos movimentos retóricos. Cadernos do CNLF, vol. XX, nº 01, p. 362-379.
Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2016.
REVISTA IBRACON – Instituto Brasileiro de concreto São Paulo - SP. Disponível em:<
http://www.ibracon.org.br/publicacoes/revistas_ibracon/riem/home.asp >. Acesso em:10-06-
2019.
SWALES, John M. Genre analysis: English in academic and research settings.New York: CUP,
1990.
Resumo: Objetiva-se, no presente artigo, fomentar uma análise da ocorrência bem como das
consequências do uso do fenômeno da metáfora no pensamento de Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778) com base na teoria da metáfora desenvolvida por Paul Ricoeur (1913-2005) em sua obra de
filosofia da linguagem Metáfora Viva. Para tanto, duas obras específicas tornam-se fundamentais:
Ensaio sobre a origem das línguas e Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens, nas quais encontramos dados que sinalizam que Jean-Jacques Rousseau, filósofo
iluminista, já observava na linguagem, o grande potencial a ser trabalhado em prol da filosofia,
utilizando-se, ao longo do percurso, de célebres metáforas a partir das quais intenciona-se analisar
a relação da linguagem figurada com o mito do bom selvagem, abordando a alegoria da estátua de
Glauco e de como se dá essa apropriação do fenômeno da metáfora na filosofia de Rousseau.
Palavras-chave: Metáfora1. Filosofia2. Linguagem3. Discurso4. Transposição5.
Abstract: The goal is, in this article, promoting an analysis of occurrence and the consequences
of the use of the phenomenon of metaphor in the thought of Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
based on metaphor theory developed by Paul Ricoeur (1913-2005) in your work of philosophy of
language Metaphor Alive. To this end, two specific works become fundamental: essay on the
origin of language and discourse on the origin and basis of inequality among men, in which we
found data that indicate that Jean-Jacques Rousseau, enlightenment philosopher, already observed
in the language, the great potential to be worked in favour of philosophy, and, along the way,
famous metaphors from which you intend to analyze the relationship of body language with the
299
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (PGCult) – Mestrado Interdisciplinar da
Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão.
Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa Interdisciplinar Jean-Jacques Rousseau UFMA, vinculado ao CNPq. Foi
bolsista do PIBIC/CNPq referente ao Projeto de Pesquisa: FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E LINGUAGEM: da natureza
poética ao reconhecimento das paixões, da memória, da imaginação e de Outrem em Rousseau. E-mail:
francyhelia_sousa@outlook.com
300
Doutora em Filosofia pela PUC/SP. Atualmente é Professora Associada I da Universidade Federal do Maranhão.
Membro do GT Hermenêutica da Associação de Pós-Graduação em Filosofia - ANPOF. Coordenadora do Grupo de
Pesquisa em Filosofia Francesa da UFMA. Consultora ad hoc da FAPEMA. É Professora Permanente do Mestrado
em Letras-PGLetras, com linha de pesquisa em Hermenêutica e Literatura. Tem experiência na área de Filosofia, com
ênfase em Filosofia Francesa Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: Hermenêutica, Literatura,
Memória, Tempo, História, Metáfora, Educação e Ensino. E-mail: rcoliveira30@yahoo.com.br
301
Doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professor do
Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do
Maranhão – UFMA. lucianosfacanha@hotmail.com
Página 1392 de 2230
myth of the noble savage addressing the allegory of the statue of Glaucus and of how this
appropriation of the phenomenon of metaphor in philosophy of Rousseau.
Keywords: Metaphor1. Philosophy2. Language3. Speech4. Transposition5.
Toda metáfora não somente a palavra ou o nome único, cujo sentido é deslocado, mas o
par de termos, ou o par de relações, entre os quais a transposição opera. Como disseram os
autores anglo-saxões (...) são necessárias sempre duas ideias para fazer uma metáfora.
(RICOEUR, 2000, p. 39).
302
Ricouer se embasa nos escritos de Aristóteles, sendo este o primeiro a fundamentar a problemática da metáfora.
303
O termo personagem está posto apenas para dizer que o selvagem é participante central da metáfora no contexto
que se segue.
304
Aristóteles denomina metáfora como qualquer transposição de termos. Rousseau, a classifica no presente contexto,
como a transposição da ideia, já que não há ainda um termo próprio e verdadeiro para ser transposto.
Página 1393 de 2230
No Ensaio Sobre A Origem das Línguas Rousseau fomenta sua teoria da linguagem, sob
um pano de fundo da poética305 (música). Essa obra seria na historicidade da evolução do homem
a preparação para a comunicação, partindo sempre da origem, do mais simples para o mais
complexo. Descrevendo assim, como e por que surgiram, se formaram, desenvolveram, e o que
ocasionou a degeneração das primeiras línguas. Mas, interessará aqui penas o capítulo III, no qual
o autor expõe de como a primeira linguagem teve de ser figurada (metafórica), uma vez que ainda
não existia sentido próprio ou literal.
Como os primeiros motivos que fizeram o homem falar foram as paixões, suas primeiras
palavras foram tropos. A primeira a nascer foi a linguagem figurada e o sentido próprio foi
encontrado por último. Só se chamaram as coisas pelos seus verdadeiros nomes quando
foram vistas sob sua forma verdadeira. A princípio só se falou pela poesia, só muito tempo
depois é que se tratou de raciocinar. (ROUSSEAU, 1983, p. 164).
Está subtendido aí que também a primeira a nascer, além da linguagem poética, foi a
função poética da metáfora. Ora, se em sua teoria Rousseau está expondo que no primeiro
momento da fala onde o selvagem ao se encontrar com outros não lhes reconhecera pelo simples
fato de ainda não ter despertado para a razão, então esse homem natural apenas estaria
descrevendo aquilo que se punha diante de seus olhos sem a intenção de convencer. Portanto, a
primeira função da metáfora, nesse contexto, é poética.
305
A poética para Rousseau é a música. Essa obra evidência a origem da língua. Que para Rousseau é o canto
apaixonado, a poética, portanto a música.
Página 1394 de 2230
apenas uma projeção imagética, não sendo ainda a coisa mesma, mas a própria transposição da
ideia.
Rousseau inaugura uma historicidade da apropriação da metáfora na linguagem. Se
primeiro o homem metaforizou, sem plena racionalidade, passando e evoluindo do estado de
natureza para o homem civilizado, ao se utilizar da imaginação e despertar para a razão, transpõem
significados e palavras, não mais pela falta do sentido próprio, mas pela necessidade de esclarecer
o discurso ao qual está explicitando, além da intenção de convencer por meio desse
“esclarecimento”306. Para tanto, no contexto da primeira linguagem a metáfora se comporta apenas
como uma descrição, ao passo que a gramatização já é evidente, a metáfora toma para si a função
de preencher uma lacuna semântica deixada pela própria linguagem. E a metáfora de acordo com
a necessidade de quem a utiliza, se presta ao papel ora de descrever ora esclarecer e persuadir. De
modo que no decorrer do Discurso, Rousseau se utiliza tanto de uma quanto da outra.
Feito a análise através da semiótica do termo gigante e por meio da semântica do próprio
contexto metafórico, conclui-se que o sentido da metáfora, enquanto primeira linguagem, seria
um empréstimo (...) que o sentido emprestado expõem-se ao sentido próprio, isto é, pertinente
originalmente a certas palavras (RICOEUR, 2000, p.30). Assim, a função poética no Ensaio se
evidencia ao passo que Rousseau tenta descrever como que a primeira linguagem teve de ser
metafórica. Quanto a função retórica, na tentativa de convencer por meio da descrição, faz-se
menos evidente nesta primeira análise, ganhando mais nitidez na próxima obra a ser trabalhada.
Mas, se o mito do bom selvagem foi estudado a partir da semiótica “gigante“, que se refere
ao efeito de sentido no nível da palavra isolada. Isso porque se ainda não há raciocínio, elocução
ou atos de fala, também ainda não há retórica, a que tal análise ocorre de fato ao nível da linguagem
poética. A metáfora propriamente dita representada pela Estátua de Glauco será analisada ao nível
da semiótica, correspondendo a uma teoria da tensão e referindo-se (...) à produção de metáfora
no seio da frase tomada como um todo (RICOEUR, 2000).
No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, a
apropriação da metáfora da Estátua de Glauco evidencia-se muito mais em detrimento da função
retórica que por uma função poética. A alma humana simbolizada pela estátua vai perdendo suas
características originais no processo de aprimoramento do homem dentro da sociedade. Se, como
muito já enfatizado no presente trabalho, a função poética é descrever o real a partir do ficcional,
a função retórica é convencer o interlocutor a partir do desvio do termo. Assim, a função poética
no Discurso rousseauniano evidencia-se no selvagem que transpõem a ideia sem dar-se conta
disso, enquanto a retórica concerne o bom usa da transposição a fim de persuadir. Pois se do
contrário, seria contraditório descrever através da ficção, algo que o filósofo está o tempo todo
306
A metáfora teria como uma de suas funções preencher a lacuna semântica deixada pela linguagem.
Página 1395 de 2230
apontando: o estado de natureza (...) não existe mais, nunca existiu, e provavelmente jamais
existirá.
Segundo Aristóteles, retórica é a “faculdade de descobrir especulativamente a que, em
cada caso, pode ser próprio para persuadir“ ou provar (ARISTÓTELES, 1993), temos então a
evidência da função retórica da metáfora no Segundo Discurso, a partir da Estátua de Glauco. Em
que o autor escolhe persuasivamente, não outra, mas adequadamente essa metáfora afim de
legitimar sua hipótese quanto à transfiguração do original a partir das características adquiridas ao
longo do processo que constituiu a sociedade. Cito:
E como o homem chegará ao ponto de servir-se tal como o formou a natureza, através de
todas as mudanças produzidas na sua constituição original pela sucessão do tempo e das
coisas, e separar o que pertence à sua própria essência daquilo que as circunstâncias e
seus progressos acrescentaram a seu estado primitivo ou nele mudaram? Como a estátua
de Glauco, que o tempo, o mar e as intempéries tinham desfigurado de tal modo que se
assemelhava mais a um animal feroz do que a um Deus, a alma humana, alterada no seio
da sociedade por milhares de causas sempre renovadas, pela aquisição de uma multidão
de conhecimentos e de erros, pelas mudanças que se dão na constituição dos corpos e
pelo choque contínuo das paixões, por assim dizer, mudou de aparência a ponto de tornar-
se quase irreconhecível [...] (ROUSSEAU, 1978, p. 227).
Desse modo, a metáfora da Estátua de Glauco não seria, como o mito do bom selvagem,
uma ideia de substituição ou de empréstimo, mas uma metáfora proporcional, em que B está para
A, como D está para C: as intempéries do tempo e a ação do mar estão para a transfiguração em
sociedade, assim como a estátua de Glauco está para a alma humana. Assim, segundo Aristóteles,
a metáfora teria como uma de suas funções, preencher uma lacuna semântica, pois se bem
percebemos, como pode algo que “é” (a alma humana) transfigurar? Nesse sentido essa mudança
seria aqui entendida a partir da descrição da metáfora, como aquisição de novas características, as
quais (...) “mudou a aparência a ponto de tornar-se quase irreconhecível” (ROUSSEAU, 1978, p.
227).
Depois de analisarmos como o fenômeno se adequa a cada caso_ função poética e função
retórica_ vejamos agora o discurso que ela percorre.
Segundo Ricoeur a metáfora em Aristóteles perpassa tanto o discurso poético quanto o
retórico. Em Rousseau, a metáfora se concerne apenas ao domínio Retórico. Pois, se na medida
em que o poeta tem o intuito apenas de descrever fatos reais por meio da ficção, ao passo que a
transposição é viva no sentido de ampliar-se o seu sentido, o filósofo, porém, ao se utilizar de uma
transposição morta, a qual cabe uma interpretação limitada, não quer apenas descrever como tal
fato ocorreu_ essa função é do narrador_ mas convencer de que aconteceu da maneira que está
sendo dita (escrita), que tal ou tal coisa funciona daquela maneira. É assim que aqui a metáfora
se faz presente em um discurso retórico: o poeta quer descrever, o filósofo quer convencer.
Página 1396 de 2230
Havia retórica porque havia eloquência, eloquência pública. A observação vai mais longe:
em primeiro lugar, a palavra foi uma arma destinada a influenciar o povo, diante do
tribunal, na assembleia pública, ou ainda para elogio ou panegírico: uma arma chamada a
dar a vitória nas lutas em que o discurso é decisivo (RICOEUR, 2000, p.18).
Se no espírito da polis grega foi forjado a filosofia em sua forma mais sublime
(VERNANT, 2011) nos palcos da publicidade da polis se fazia retórica em sua completude de
elocução, argumentação e composição do discurso. O moderno, destituído do palco público,
limita- se a denominação desviante e resume-se à teoria das figuras do discurso ou teoria dos
tropos. Assim, “a grande retórica de Aristóteles” foi amputada em seu declínio ao limitar-se à
apenas um de seus campos: a elocução.
A história da retórica é a história da pele mágica. Uma das causas da morte da retórica
está aí: ao reduzir-se a uma de suas partes, a retórica perdeu ao mesmo o tempo o nexus
que a vinculava à filosofia por meio da dialética; perdida essa ligação, tornou-se a retórica
uma disciplina errática e fútil. A retórica morreu quando o gosto de classificar as figuras
excedeu inerentemente o sentido filosófico que animava o vasto império retórico. Que
mantinha unidas suas partes e vinculava o todo ao Organon e à filosofia primeira.
(RICOEUR, 2000, p.18).
A retórica dos gregos não tinha somente um programa singularmente mais vasto que a
dos modernos; ela extraía de sua relação com a filosofia todas as ambiguidades de seu
estatuto. A origem “selvagem” da retórica explica bem o caráter propriamente dramático
desse comércio. O corpus aristotélico apresenta-nos somente um dos equilíbrios que
corresponde ao estado de uma disciplina que já não é simplesmente uma arma na praça
pública, mas que ainda não é uma simples botânica das figuras. ( RICOEUR, 2000, p.19)
Conforme Bento Prado Jr. (1998), o moderno que perdeu não só o espaço público e espírito
da vida púbica, perde também a força da voz, exatamente como procede Rousseau: “não ousei,
pois, falar, e não me podendo calar, ousei escrever” (ROUSSEAU, 1948, p. 263). Assim, não é
mais na palavra falada em praça pública que a eloquência se anuncia, mas o moderno o faz a partir
da palavra transcrita nos ensaios, discursos e tratados, ou seja, na palavra escrita.
Ora, se o que se tem na modernidade, segundo Ricouer, é senão uma retórica restrita a uma
teoria da elocução, que se apresenta em dois movimentos contrários, o que leva a retórica a liberar-
se da filosofia e esta: a que leva a filosofia a reinventar a retórica como um sistema de prova de
segunda ordem. Longe de querer encaixar o argumento acima em um leito de procusto, parece
Página 1397 de 2230
evidente que ao se apropriar do fenômeno da metáfora, Rousseau está aderindo ao movimento que
reinventa a retórica como sistema de provas.
Se assim é, Rousseau ao “bem” se apropriar da metáfora em sua filosofia estaria aqui
também se valendo de uma retórica. Como demasiadamente já frisado, o fenômeno da metáfora
que se apresenta tanto sob uma função poética quanto retórica, perpassa em Rousseau apenas o
discurso retórico. Se quem bem metaforiza, é o ser metafórico, Rousseau não seria então somente
retórico, mas metafórico ao passo que este que bem se utilizou da transposição da ideia, do
empréstimo da palavra, e da comparação entre elas, para assim dizer que no final tudo vai um dia
degenerar, é assim, o próprio gênio.
A metáfora torna-se verbo: metaforizar; o problema do uso é assim trazido à luz do dia, o
processo leva-o a esse resultado; b) em seguida, com o problema do emprego, vem o do
emprego “conveniente”: trata-se de “bem metaforizar”, de “servir-se de maneira
conveniente” dos procedimentos da lexis; do mesmo modo é designado quem usa o uso: é
ele que é chamado a esta “ coisa maior”, o “ ser metafórico”; é quem usa que pode aprender
ou não; c) ora, precisamente, não se aprende a bem metaforizar; é dom de gênio, isto é, da
natureza. (RICOUER, 2000, p.41)
Em suma, o relevante em estudar metáfora, como disse Aristóteles, é “bem saber descobrir
as metáforas, significa bem se aperceber das semelhanças”. Bem como perceber a relação dos
discursos com a própria metáfora. Como uma substituição do termo por analogias entre outros,
podem dar significação aos discursos, ao preencher as lacunas semânticas deixadas pela limitação
da linguagem. Outro sim, o selvagem que metaforizou sem saber, não reconhecendo a semelhança
que como o clássico/ moderno que bem metaforizou servindo-se da apropriação conveniente da
transposição. A metáfora em Rousseau se dá, em um selvagem que inaugura o neologismo, e o
civilizado que bem se apropria do termo para convencer. Pois parece, ingênuo conceber o
fenômeno da metáfora em Rousseau apenas por uma função poética. Uma vez que o intuito
evidente da apropriação e do “bem” apropriar-se é função retórica que a metáfora expressa, não
só aqui, mas em vários outros autores como o próprio Platão, que se utiliza de uma alegoria a fim
de esclarecer através de uma linguagem mais acessível ao grande público, porém, bem mais do
que isso, pretende por meio desse mecanismo convencer seus interlocutores, a fim de legitimar
sua teoria.
REFERÊNCIAS
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línguas. Tradução: Fúlvia. M. L. Moretto. Unicamp.1998.
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ROUSSEAU, J.-J. As Confissões. Volume único. Tradução: Wilson Lousada. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora, 1948.
__________. Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Abril Cultural, 1978
RICOEUR, Paul. Metáfora Viva. Tradução: Dion Davi Macedo. São Paulo: Edições Loyola,
2000.
VERNANT, Jean-Pierri. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, pp. 53-72,
2011.
Página 1399 de 2230
Abstract: The discussion about the possibility and the need for correct answers, when applying
the Law (Theory of proper decision), is necessary in these times of excessive judicial activism.
Indeed, ir is necessary to over come the juspositivist paradigma, now dominant in the legal
imaginary, as to the application of legal norms. It is seen that Positivism, in its different nuances,
gives rise to the widening of the discretion of the interpreter/applicator of Law. At this point, it
get on the scene teachers Lênio Streck (with his Critique of Hermeneutics of Law), Ronald
Dworkin (with their Theory of Law as Intergrity and Coherence and Constructive Interpretation),
based on the philosophical thinking of Martin Heidegger and Hans-Georg Gadamer, in combat to
the solipsismo of the judge, that today vige in the Brazilian Law, with the addendum of lessons of
Michel Foucault and Friedrich Nietzsche, on their criticisms of the metaphysical positions and
about relations of power.
Keywords: Theory of Right Decision. Critical Hermeneutics of Law. Theory of Law as Integrity
and Coherence. Lênio Streck. Ronald Dworkin.
1 INTRODUÇÃO
dos ensinamentos de Martin Heidegger (Ser e Tempo, 2016) e Hans-Georg Gadamer (Verdade e
Método, Vol. I e II, 2017), em suas respectivas obras, pode ser utilizada na interpretação/aplicação
do Direito, com os adendos da Teoria do Direito como Integridade, de Ronald Dworkin, em sua
obra O Império do Direito (2010).
Uma das bases do presente trabalho acadêmico é a obra Ser e Tempo, de Martin Heidegger,
a qual fornece as premissas de cunho filosófico para se alcançar a melhor hermenêutica, a qual
possa ser aplicada às decisões jurisdicionais. No decorrer deste trabalho acadêmico, serão
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Deveras, o professor Lênio Luiz Streck, em seu livro Dicionário de Hermenêutica (2017b),
no verbete “Filosofia hermenêutica”, corrobora tal afirmação inicial acerca do pensamento
heideggeriano:
Dessarte, partindo-se de Ser e Tempo, pretende-se fazer uma análise crítica da teoria da
decisão hoje impregnada no imaginário jurídico, quanto à aplicação da justiça, contando com a
ajuda do desvelamento realizado primeiramente por F. Nietzsche e, em sequência, por Michel
Foucault, respectivamente, nas obras Além do Bem e do Mal (2005) e Microfísica do Poder (2012),
dos reais interesses, na sociedade, pela manutenção de velhas práticas que sedimentam o status
quo vigente.
“Não se pode pular a própria sombra”, conforme bem diz o posfácio de Emmanuel
Carneiro à obra Ser e Tempo, haja vista que “todo pensamento se dá algo que não somente não
pode ser pensado como, sobretudo e em tudo que se pensa, significa pensar, isto é, faz e torna
possível o pensamento.” (HEIDEGGER, 2016, p. 550). Nota-se, portanto, que, em noções básicas,
segundo as considerações existenciais defendidas por Martin Heidegger (2016), há sempre algo,
um nada – o qual não é nem negativo, nem positivo – originário de todo pensamento e qualquer
representação: trata-se da realidade, das realizações, que só se desvelam no silêncio, daí
exsurgindo outra premissa essencial de que é necessário que a presença, liberta de preconceitos,
experimente cada contato singular com as coisas do mundo, para somente então percorrer o
caminho hermenêutico adequado para encontrar a resposta correta em sua interpretação.
As noções acima expostas por óbvio aplicam-se aos intérpretes do Direito, já havendo
teorias, notadamente a teoria do Direito como integridade e a teoria da Interpretação Construtiva,
de Ronald Dworkin, que parecem trilhar o mesmo caminho hermenêutico, ao porem em primeiro
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plano palavras-chave tais como tradição, história, experiência, realidade fática, enfim, elementos
necessários na construção de uma resposta correta pelos intérpretes do Direito (em especial pelos
Juízes, na teoria de O Império do Direito (2010)).
Destarte, tanto na obra O Império do Direito, como em outras obras de Ronald Dworkin,
é nítida a sua simpatia pela utilização de uma fenomenologia da decisão judicial, da presença da
facticidade na construção da decisão, nos termos apresentados por M. Heidegger e transcritos
acima, bem como o referido autor lança crítica ao que o positivismo jurídico defende como poder
discricionário do juiz.
Com efeito,
A segunda obra-base deste trabalho acadêmico é a obra do autor brasileiro Lênio Luiz
Streck, Verdade e Consenso (2017a), na qual desenvolve a sua Crítica Hermenêutica do Direito,
a partir de reflexões críticas sobre as ideias (algumas já acima mencionadas) de autores como
Heidegger, Gadamer e Jünger Habermas, bem como, em paralelo, faz análise do ordenamento
jurídico brasileiro e sua aplicação pelos órgãos julgadores (em especial, da Constituição), de modo
que aponta equívocos quanto ao caminho hermenêutico hoje predominante na aplicação da justiça
pelo Poder Judiciário brasileiro.
Segundo Lênio Streck, logo nas primeiras páginas de sua referida obra, o primeiro
problema que se detecta no “ambiente jurídico brasileiro” é a incorporação de uma mistura de
“tradições”, a saber, há um quid - em nossa forma de aplicação do Direito no Brasil - do Common
Law inglês, também da herança codificadora francesa, bem como traços do Direito historicamente
desenvolvido na Alemanha. Segundo o mencionado autor “(...) parece claro que esse ecumenismo
jurídico tem graves consequências no plano da operacionalidade.” (2017, p. 32). Anote-se um
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Depois de uma intensa luta pela democracia e pelos direitos fundamentais, enfim,
pela inclusão das conquistas civilizatórias nos textos legais-constitucionais nos
textos legais-constitucionais, deve(ría)mos continuar a delegar ao juiz a
apreciação do Direito material em conflito, atribuindo às partes um papel
secundário na dinâmica processual, como se o juiz fosse o dono do processo?
Volta-se, sempre, ao lugar do começo: o problema da democracia e da
(necessária) limitação do poder. (STRECK, 2014, p. 33).
Dessarte, o autor Lênio Streck, em sua obra Verdade e Consenso (2017a), aponta a crítica
de Dworkin (2012) ao que aquele chama de “ponto cego” do positivismo, a saber, os limites da
lei em cobrir todos os fatos da realidade e daí a inevitável recorrência à discricionariedade do juiz,
a saber, “decidir, segundo os critérios que lhe parecerem mais convenientes, a questão posta.”
(2017a, p. 50). Destarte, para Dworkin, quando a lei não é clara, ou quando há interpretações
divergentes “haveria, também aqui, a necessidade de se observar que tais decisões aderem a
padrões normativos obrigatórios.” Em outras palavras, Lênio Streck traduz o pensamento de
Dworkin: “mesmo nos casos em que a interpretação dos direitos que conformam o caso não seja
‘fácil’, que não exista regra clara, (...), não estaria o julgador livre para decidir segundo os critérios
extrajurídicos que achasse mais convenientes para o caso.” (2017a, p. 47).
O professor Lênio Streck tem como ponto central de sua CHD – Crítica Hermenêutica do
Direito – a tese de que os princípios constitucionais atuam, não como panaceia aberta à
discricionariedade do intérprete do direito, mas, ao contrário, enquanto limite pragmático (porém,
não no mesmo sentido existente no chamado “realismo jurídico”), histórico-cultural, para qualquer
decisão judicial adequada à Constituição. Em outras palavras, os princípios instalam o mundo
prático faltante nas regras de um ordenamento jurídico. Videlicet:
Outrossim, conforme aponta Lênio Streck, quando se fala em positivismo, seja inclusivo
ou exclusivo, fala-se de um paradigma filosófico que se sustenta originariamente no conceito;
antes dele não há nada, sendo que o Direito somente é reconhecido pelo que é a partir de sua fonte,
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a autoridade que o cria, bem como que o juiz faz simplesmente um enquadramento do fato à lei,
nas palavras do mencionado professor “uma adequação da coisa ao intelecto, uma verdade
correspondencial.” (STRECK, 2017a, p. 53). Por outro lado, quando se fala em pós-positivismo,
o mesmo autor aponta a Filosofia Hermenêutica (Heidegger), bem como a Hermenêutica
Filosófica (Gadamer), nascedouros da sua Crítica Hermenêutica do Direito, um dos objetos de
discussão do presente trabalho acadêmico.
Por outro lado, Lênio Streck critica a tentativa de neutralidade na delimitação do Direito,
haja vista que factualmente é impossível partir-se do que o autor chama de “grau zero de sentido”,
havendo sempre uma pré-compreensão “como instância originária de abertura ao mundo”. Aqui,
vê-se um nítido diálogo com M. Heidegger, em Ser e Tempo. Com efeito, o referido autor aponta
ainda para a discricionariedade, o livre convencimento do julgador como elementos típicos da
chamada “Filosofia da Consciência”, a qual se estabeleceu no século XX e na qual recai o próprio
Positivismo quando admite o protagonismo do juiz quando da impossibilidade da lei em cobrir
todos os fatos do mundo real. Contra esse pensamento dominante, o professor Lênio Streck expõe,
em seu Dicionário de Hermenêutica, no verbete “Fusão de horizontes”, as ideias do importante
discípulo de Heidegger, Hans-George Gadamer, acerca de um “novo significado de círculo
hermenêutico”, verbi gratia:
Deveras, F. Nietzsche (2005), no prólogo de sua obra Além do Bem e do Mal, desvela a
derrota de uma vontade de verdade com base simplesmente em conceitos, senão vejamos:
Página 1405 de 2230
Supondo que a verdade seja uma mulher – não seria bem fundada a suspeita de
que todos os filósofos, na medida em que foram dogmáticos, entenderam pouco
de mulheres? De que a terrível seriedade, a desajeitada insistência com que até
agora se aproximaram da verdade, foram os meios inábeis e impróprios para
conquistar uma dama? É certo que ela não se deixou conquistar – e hoje toda
espécie de dogmatismo está de braços cruzados, triste e sem ânimo. Mais adiante,
Nietzsche aponta o quê de necessário para que uma filosofia meramente
sustentada em conceitos logre algum êxito: [...] quão pouco bastava para
constituir o alicerce das sublimes e absolutas construções filosofais que os
dogmáticos ergueram – alguma superstição popular de um tempo imemorial
(como superstição da alma, que, como superstição do sujeito e do Eu, ainda hoje
causa danos), talvez algum jogo de palavras, alguma sedução por parte da
gramática, ou temerária generalização de fatos muito estreitos, muito pessoais,
demasiado humanos. (NIETZSCHE, 2005, p. 7).
Nos excertos de Nietzsche acima transcritos, podemos identificar a falha de uma filosofia
da consciência ou do sujeito, com suas abstrações da realidade e generalidades, em descarte a uma
construção interpretativa a partir do contato do indivíduo com o mundo, o qual experimenta as
coisas nele contidas, bem como tal “filosofia metafísica” não tem em conta a antecipação da pré-
compreensão do sujeito em suas construções interpretativas. Aqui, pois, observamos um diálogo
com M. Heidegger e Lênio Streck.
Deveras, Nietzsche, logo no primeiro capítulo de Além do Bem e do Mal, expõe ideias que
delineiam o mesmo pensamento que Martin Heidegger, em Ser e Tempo. Formulando sua crítica
aos adeptos da “Metafísica”, aquele autor afirma que:
Este modo de julgar constitui o típico preconceito pelo qual podem ser
reconhecidos os metafísicos de todos os tempos; tal espécie de valoração está por
trás de todos os seus procedimentos lógicos; é a partir desta sua “crença” que eles
procuram alcançar seu “saber”, alcançar algo que no fim é batizado solenemente
de “verdade”. A crença fundamental dos metafísicos é a crença nas oposições de
valores. (NIETZSCHE, 2005, p. 9).
Um pouco mais adiante, Nietzsche parece fazer um prenúncio do que seria anos mais tarde
desenvolvido por Martin Heidegger como sua Fenomenologia Hermenêutica:
Nietzsche continua sua crítica implacável àqueles que ele chama filósofos da metafísica
em busca da “verdade”, dizendo:
Até que finalmente F. Nietzsche, em Além do Bem e do Mal, toca em uma questão que
possibilita, neste momento do presente trabalho, remeter-se à obra Microfísica do Poder (2012),
de Michel Foucault, a partir do qual pretendemos analisar o poder discricionário do juiz, seu livre
convencimento, como fruto de relações de poder devido a não aplicação (ou mesmo ainda rara
aplicação) de um caminho hermenêutico adequado.
Senão vejamos:
Mas esta é uma antiga, eterna história: o que ocorreu então aos estóicos sucede
ainda hoje, tão logo uma filosofia começa a acreditar em si mesma. Ela sempre
cria um mundo á sua imagem, não consegue evitá-lo; filosofia é esse impulso
tirânico mesmo, a mais espiritual vontade de poder, de ‘criação do mundo’, de
causa prima [causa primeira]. (NIETZSCHE, 2005, p. 15).
e por aquelas sofrem metamorfoses para serem aceitos como verdadeiros. Vejamos a assertiva do
próprio autor:
O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma como eles se regem
entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis cientificamente e,
consequentemente suscetíveis de serem verificadas ou infirmadas por
procedimentos científicos. (FOUCAULT, 2012, p. 39)
Porém, segundo Foucault, o que mais importa em sua investigação não são os fatores
externos que influenciam mudanças nos conceitos aceitos como científicos, mas o “regime interior
de poder” que vige entre os enunciados científicos e que impõe a sua modificação, às vezes, de
modo global. Com efeito:
Neste ponto acima descrito, observa-se um diálogo de Foucault com o professor Lênio
Streck. Observemos a passagem em que Lênio Streck interpreta o pensamento de uma filósofa
contemporânea (Susan Haack) acerca da criação de um mundo por “convenção científica”, perigo
já alertado por Foucault e também por Nietzsche, transcrições acima, a saber:
Uma filósofa contemporânea como Susan Haack (2015) não pode ser enquadrada
nesse modelo consequencialista característico do pragmatismo. Haack
responsabiliza – corretamente – determinadas posturas dentro da matriz
pragmatista como vulgares, uma vez que perdem a dimensão de verdade e de
objetividade. Nesse sentido, é possível concordar com Haack na medida em que,
para ela, temos de construir a ideia de que o mundo possa vir a ser uma ficção,
pois a verdade não é somente uma questão de convenção científica; há também
um elemento de base objetiva, uma espécie de ‘mínimo é’ do qual é condição de
possibilidade para a existência da própria ciência e suas verdades. (STRECK,
2017b, p. 225).
Após, quando Foucault começa a discorrer sobre a palavra “repressão”, este autor consigna
que a lei é a faceta jurídica do poder. No entanto, a mecânica do poder, desde o século XVI,
conforme demonstrado em sua outra obra Vigiar e Punir (1975), deixou de ser meramente
negativa, repressiva, um castigo dado para servir de exemplo, mas também passou a um poder que
“produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma
rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que
tem por função reprimir.” (FOUCAULT, 2012, p. 45).
A saber:
Essas novas técnicas são, ao mesmo tempo, muito mais eficazes e muito menos
dispendiosas (menos caras economicamente, menos aleatórias em seu resultado,
menos suscetíveis de escapatórias ou de resistências) do que as técnicas até então
usadas e que repousavam sobre uma mistura de tolerâncias mais ou menos
forçadas (desde o privilégio reconhecido até a criminalidade endêmica) e de cara
ostentação (intervenções espetaculares e descontínuas do poder cuja forma mais
violenta era o castigo “exemplar”, pelo fato de ser excepcional). (FOUCAULT,
2012, p. 45).
Assim, o referido autor aponta a lei, v.g., como mecanismo de poder que permite
“distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; (...) o
estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.” (FOUCAULT,
2012, p. 52). Nesse diapasão, acrescente-se a observação do professor Lênio Streck, no seu
Dicionário de Hermenêutica, verbete “Princípios jurídicos”, que a ruptura de paradigma e sua
descontinuidade, no que diz respeito a regras e princípios, sua diferenciação, distanciamento e
ensejo à discricionariedade dos intérpretes do Direito, implica em um giro da legitimidade da fonte
criadora da lei latu sensu, para a análise da fundamentação do Direito a partir da Constituição. A
saber: “Nesse sentido, estão os conceitos de ‘direitos fundamentais’, das chamadas ‘cláusulas
gerais’, dos ‘enunciados abertos’ e, evidentemente, dos ‘princípios’. Todos estes elementos – que
passam a ser constitutivos da normatividade – são reconhecidos independentemente da lei ou
apesar dela.” (STRECK, 2017b, p. 241).
Pari passu, infere-se um diálogo entre Foucault e Streck, no qual se pode afirmar que o
solipsismo de um juiz togado advém, além da falta de uma teoria da decisão adequada, da
produção da verdade por meio de múltiplas coerções, a partir da “política geral” de verdade
acolhida pela sociedade e feita funcionar como discursos verdadeiros, videlicet:
Este livro adota o ponto de vista interno, aquele do participante; tenta apreender
a natureza argumentativa de nossa prática jurídica ao associar-se a essa prática e
debruçar-se sobre as questões de acerto e verdade com as quais os participantes
se deparam. (DWORKIN, 2010, p. 19).
Segundo Dworkin:
Anote-se, ainda, que Dworkin, após narrar casos em que membros de Tribunais Superiores
ingleses divergiam, não quanto à questão de fato, mas quanto à natureza do Direito aplicável em
cada caso, descrito por aquele autor em seu livro O Império do Direito, aponta o positivismo
jurídico enquanto “teoria semântica que sustenta o ponto de vista do direito como simples questão
de fato e a alegação de que o verdadeiro argumento sobre o direito deve ser empírico, não teórico.”
(2010, p. 46) Por isso, Dworkin (2010, p. 46) conclui:
Por outro lado, quando Dworkin indica a existência de uma “defesa sofisticada do
positivismo” enquanto teoria semântica, o referido autor apontará que, em vez de um fundamento
empírico, relegando a discussão do direito a um mero “fingimento”, o positivista colocará a
discussão no campo teórico, sobre o conteúdo do direito, porém uma divergência puramente
semântica, tal como sobre o significado da palavra “direito”, ou da palavra “casa”. Daí que
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De modo que os juízes, em casos difíceis, estariam criando direito novo. Ou seja, “De nada
adianta dizer que advogados e juízes são capazes de se enganar porque, na verdade, estão
discutindo uma outra questão, a questão política de se o ministro deve ter esse poder, ou se os
estados devem ser proibidos de praticar a segregação nas escolas.” (DWORKIN, 2010, p. 50)
Assim, lendo as páginas seguintes, parece claro que R. Dworkin quer mostrar, nos referidos
casos julgados descritos em seu livro, que, ao contrário do que afirmaria um positivista, conforme
descrito acima, a real divergência entre os julgadores era sobre os fundamentos do Direito, sobre
“aquilo que torna uma proposição jurídica verdadeira, não somente na superfície, mas em sua
essência também.” A saber:
Deste modo, segundo Dworkin (2010), o erro do senso comum teórico, em seu apego ao
chamado “aguilhão semântico”, está notadamente, na sua aplicação “aos conceitos jurídicos, ao
conceito de direito”, em que, ou há um ceticismo que acredita que as divergências existem por
que adotam critérios diferentes, ao divergirem, no plano semântico, sobre o significado de um
mesmo signo, ou as pessoas presas ao aguilhão semântico “tentam identificar as regras
fundamentais ocultas que ‘devem’ estar contidas, mas não reconhecidas, na prática jurídica. Eles
produzem e discutem as teorias semânticas do direito.” (DWORKIN, 2010, p. 55/56)
Sem embargo, Dworkin indica que a parte relevante da divergência em Direito é teórica,
em vez de empírica. De modo que há um engano grosseiro quanto ao que deve ser a divergência
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por correntes filosóficas de cariz positivista. Quando Dworkin, em O Império do Direito, expõe
sobre o ato de interpretar enquanto uma hermenêutica construtiva, este autor indica que, em vez
de critérios compartilhados meramente semânticos, formais, quiçá metafísicos, a divergência
genuína diz respeito às melhores interpretações debatidas e compartilhadas no seio da
comunidade.
Nessa esteira, observa-se a ideia proposta por Dworkin: “As pessoas agora tentam impor
um significado à instituição – vê-la em sua melhor luz – e, em seguida, reestruturá-la à luz desse
significado.” (2010, p. 58). Outrossim, o professor Lênio Streck, no verbete “Coerência e
integridade”, de seu Dicionário de Hermenêutica corrobora, neste ponto, Dworkin, ao aduzir:
Dessarte, Dworkin ressalta que, antes de se interpretar o Direito enquanto prática social,
deve-se buscar um genuíno conceito de interpretação, a saber, “uma teoria da interpretação é uma
interpretação da prática dominante de usar conceitos interpretativos.” (DWORKIN, 2010, p. 60).
Ab initio, Dworkin afirma que quando se interpreta o Direito enquanto prática social, esta
interpretação se dá em apenas um dos contextos ou “ocasião” de interpretação. Daí, o referido
autor diferencia as situações de interpretação por meio de exemplos dos referidos contextos: a
conversação, a interpretação científica e a interpretação artística. Conforme ressalta Dworkin
(2010, p. 61):
A seguir, Dworkin toca em um ponto central para o deslinde de sua teoria interpretativa: a
questão da “intenção” do interlocutor. Com efeito, a primeira grande indagação que o mencionado
autor, ao falar sobre a perene pertinência da “intenção do orador”, é a seguinte:
Podemos afirmar que todas as formas de interpretação têm por finalidade uma
explicação intencional nesse sentido, e que essa finalidade estabelece uma
distinção entre a interpretação, enquanto um tipo de explicação, e a explicação
causal em sentido mais amplo?. (DWORKIN, 2010, p. 61).
Até que Dworkin chega ao ponto fulcral de sua teoria da interpretação construtiva até aqui
discutida: os limites que a linguagem pública impõe ao intérprete na construção de sua
interpretação ótima. O que é diferente da coerção proveniente das microfísicas de poder,
denunciadas por Foucault. Aquela é fruto da história, da prática da comunidade, do melhor
propósito da intepretação. Esta provém da dominação de classes, da instituição da delinquência,
da manutenção do status quo social desigual, enfim, da fabricação contínua de operários
obedientes – uma conspiração de forças não estatais – esse é o enfoque de Foucault (2012) – que
medem e dominam os indivíduos. Neste caso, sobressaem as relações de confiança (e.g, a era dos
“coachings”), em detrimento à busca de um ser autêntico em cada um de nós. (GUIDENS, 2003).
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A saber:
Conforme bem salienta o professor Lênio Streck, podemos afirmar que o desenvolvimento
da interpretação construtiva de Dworkin segue o que Hans-George Gadamer denomina de “Fusão
de horizontes”:
Horizonte é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo que é visível a partir e
um determinado ponto’, diz Gadamer (2012, p. 399). Mas, então, como é possível
liberdade em relação a esse horizonte? Gadamer responde a essa pergunta,
oferecendo a fusão de horizontes como o modo de desarticular as camadas de
sentido inautênticas que constituem o horizonte de sentido. [...] O ponto de
inflexão, portanto, não é teórico-abstrato, mas prático-concreto, ligado à
realidade de onde se busca a inspiração e para onde convergem as possibilidades
abertas pela conversação, onde está em jogo não o exato, mas o contingente, o
mutável e o variável, próprio do acontecer humano na sociedade. A isso Gadamer
vai denominar ‘fusão de horizontes’, termo chave na sua léxica. (STRECK,
2017b, p. 81).
[...] como se as palavras tivessem guardado seu sentido, os desejos sua direção,
as ideias sua logica; como se esse mundo de coisas ditas e queridas não tivesse
conhecido invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias. (2012, p. 55)
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[...] Procurar uma tal origem [metafísica] é tentar reencontrar ‘o que era
imediatamente’, o ‘aquilo mesmo’ de uma imagem exatamente adequada a si; é
tomar por acidental todas as peripécias que puderam ter acontecido todas as
máscaras para desvelar enfim uma identidade primeira. Ora, se o genealogista
tem o cuidado de escutar a história em vez de acreditar na metafísica, o que é que
ele aprende? Que atrás das coisas há ‘algo inteiramente diferente’: não seu
segredo essencial e sem data, mas o segredo que elas são sem essência e sem
data, mas o segredo que elas são sem essência, ou que sua essência foi construída
peça por peça a partir de figuras que lhe eram estranhas. A razão? Mas ela nasceu
de uma maneira inteiramente ‘desrazoável’ – do acaso. (2012, p. 58).
Na verdade, Foucault aponta, neste segundo capítulo de seu livro, como Nietzsche satiriza
a concepção de que no início, na origem das coisas, há a perfeição, uma “alta origem”, fruto de
um exagero metafísico. Ambos os autores vêm a denunciar que tal delírio da origem de algo sem
mácula, perfeito e divino não condiz com o efetivo desenrolar da história humana. A saber,
vejamos o tom satírico de Nietzsche no trecho transcrito por Foucault (2012, p. 59) a seguir:
Enfim, o último postulado da origem, ligado aos dois primeiros: seria o lugar da
verdade. Ponto totalmente recuado e anterior a todo conhecimento positivo ela
tornará possível um saber que contudo a recobre e não deixa, na sua tagarelice,
de desconhecê-la; ela estaria nesta articulação inevitavelmente perdida onde a
verdade das coisas se liga a uma verdade do discurso que logo a obscurece, e a
perde.
Visitando Ser e Tempo, no parágrafo 35, “A falação”, Heidegger (2016) afirma que já há
uma “compreensibilidade mediana” inerente à linguagem falada, a qual não exige qualquer
esforço do ouvinte para uma compreensão originária daquilo de que a fala trata. “Tem-se em mente
a mesma coisa por que se compreende em comum o dito numa mesma medianidade.” (2016, p.
232) Desse modo, Heidegger assevera que, neste caso, não há referência ontológica originária, ou
primária, visto que a escuta e o compreender já aderiram previamente à fala comum, dando origem
a “repetir e passar adiante a fala”.
Senão vejamos:
O falado na falação arrasta consigo círculos cada vez mais amplos, assumindo
um caráter autoritário. As coisas são assim como são porque é assim que delas
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Eis um caldo teórico proposto no presente trabalho acadêmico, para que se resgate, da
Filosofia para o Direito, noções essenciais de compreensão para a elaboração de uma Teoria da
decisão adequada, que sirva de base aos intérpretes do Direito, quando de sua aplicação, em
superação aos métodos juspositivista e pós-positivistas (Positivismo normativo kelseniano, Teoria
da Argumentação alexyana, Teoria Consensual/procedimental harbermasiana), vigentes entre os
intérpretes do Direito brasileiro, que se lastreiam/admitem a discricionariedade do julgador.
(STRECK, 2017a).
Anote-se, porém, que os trechos acima das diferentes obras citadas são apenas um aperitivo
da imensurável profundidade dos referidos autores, pensamentos dos quais, a nosso sentir,
deságuam, em nosso caso, aqui no Brasil, na Teoria da decisão do professor Lênio Streck,
denominada Crítica Hermenêutica do Direito.
3 CONCLUSÃO
A este ponto de presente trabalho acadêmico, já é clara a nossa escolha, como método
hermenêutico adequado, pela Crítica Hermenêutica do Direito, desenvolvida pelo professor Lênio
Streck, por todos os critérios básicos desta Teoria da decisão que tentamos expor no decorrer desta
Monografia.
A Crítica Hermenêutica do Direito (CHD) tem sua ênfase na facticidade, no modo prático
de ser-no-mundo, o qual direciona a atividade compreensiva. A saber:
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Resumo: Neste trabalho pretendemos apresentar e discutir o pensamento do filósofo francês Paul
Ricoeur (1913-2005) sobre o desenvolvimento da narrativa que atravessa a linguagem humana,
em seu aspecto de linguagem plena, como aponta o autor, isto é, a linguagem das metáforas e das
simbologias. N’A metáfora Viva, o autor apresenta essa figura de linguagem como alvo de
investigação analítica e objeto de interpretação. Vemos o pensador reconhecer e legitimar a
metáfora, partindo de um espaço inovador semântico, como referencial do uso da linguagem
metafórica, que se funda numa estrutura de relação entre poesia e mundo. Ou seja, compreende-
se, com Ricoeur, que a poesia lance no mundo um quê estrutural ontológico, um espaço ontológico
e dialético. Agigantando-se sobre os postulados de Aristóteles, na poética, vemos Paul Ricoeur
expandir o uso da metáfora, apontando para o uso que fazemos dela e da relação que esta figura
tem conosco em nossas ações mais cotidianas – fazemos essa análise em passagens do poema O
Guesa. À luz da metodologia hermenêutica fenomenológica que enxerta a primeira ciência na
segunda, é que se pretende investigar e analisar a verdade metafórica existente na supracitada obra
do poeta maranhense Joaquim de Sousândrade. Assim, portanto mostramos que a metáfora tem o
poder de transportar de um âmbito já constituído de sentido para outro completamente novo os
significados, com um novo espaço referencial e, que essa dinâmica é possível graças à vastidão
de horizontes de sentido que detém essa figura de linguagem. Para tanto, mostraremos como os
significados primários abrem espaço para o aspecto ontológico, além de apontar como suas
características de variabilidade e dinamismo os tornam não estáveis, isto é, tornam possível a
ampliação de horizontes semânticos bem como a exploração de outros referenciais. O que, por sua
vez, torna impossível a solidificação do significado.
Palavras-chave: Ricoeur. Hermenêutica. Poesia. Guesa.
Abstract: In this work we intend to present and discuss the thought of the french philosopher Paul
Ricoeur (1913-2005) on the development of the narrative that crosses human language, in its
aspect of full language, as the author points out, that is, the language of metaphors and
symbologies. In the Viva metaphor, the author presents this figure of speech as the target of
analytical investigation and object of interpretation. We see the thinker recognizing and
legitimizing the metaphor, starting from an innovative semantic space, as a reference for the use
of metaphorical language, which is based on a relationship structure between poetry and the world.
In other words, it is understood, with Ricoeur, that poetry throws on the world something
ontological structural, an ontological and dialectic space. Looming over Aristotle's postulates, in
poetics, we see Paul Ricoeur expand the use of metaphor, pointing to the use we make of it and
the relationship that this figure has with us in our most everyday actions - we do this analysis in
passages of the poem O Guesa. In the light of the phenomenological hermeneutic methodology
that grafts the first science into the second, it is intended to investigate and analyze the
metaphorical truth existing in the aforementioned work by Maranhão poet Joaquim de
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Sousândrade. Thus, therefore, we show that metaphor has the power to convey meanings from an
already constituted sense to another, with a new referential space, and that this dynamic is possible
thanks to the vastness of horizons of meaning that this figure holds. language. For this purpose,
we will show how primary meanings open space for the ontological aspect, in addition to pointing
out how their characteristics of variability and dynamism make them non-stable, that is, they make
it possible to expand semantic horizons as well as explore other references. Which, in turn, makes
it impossible to solidify meaning.
Keywords: Ricoeur. Hermeneutics. Poetry. Guesa.
pressupõe o contar dela própria, para se autofazer como história e transformar o tempo em tempo
humano por meio da voz narrativa que introduz a subjetividade na temporalidade.
Sabe-se que o rio Solimões, em cujas margens o Guesa se encontra, não é o Lethes, por
isso não possibilita o esquecimento dos atos de violência aos quais estão sendo submetidos os
índios pela colonização espanhola. Então, levantamos a questão: o que Sousândrade buscava
esquecer? E fazemos isso na interpretação, indagando sobre os aspectos subjetivistas do poema,
uma vez que Sousândrade era adepto do regime republicano e tinha uma proposta de política
educacional para o povo autóctone. A interpretação hermenêutica abre muitas variantes de
interpretação que enriquecem a leitura sem, no entanto, perder o lastro metodológico de análise
dos símbolos presentes no texto poético de cunho hermético.
Na metáfora viva, Ricoeur diz que as imagens poéticas não se destacam apenas pelas
qualidades vívidas. Quaisquer que sejam as metáforas usadas, por meio delas, facilmente se
perceberá que as imagens poéticas servem não apenas de simples ornamentação, são também,
todas elas, destinadas a exprimir os melhores sentimentos que não carecem de um longo
desenvolvimento. O que leva a pensar que a metáfora poética merece ser estudada por si mesma
e tem identidade própria em razão de sua exterioridade significante. Continua Ricoeur: não há
nada mais clássico que essa teoria “econômica” da metáfora, que prega ser ela uma figura da
linguagem que detém uma riqueza de sentido numa única palavra e, por isso, possibilita a
economia de um longo desenvolvimento do discurso. Com efeito, a metáfora e outras figuras,
notadamente a comparação, seriam homogêneas, não poderiam ser distinguidas pelo grau de
ampliação do seu sentido. A mais breve das figuras de palavra, a metáfora, seria também a mais
geral e responsável pela economia de todas as outras figuras de palavras. Essa teoria pode ser
creditada a Aristóteles. No entanto, Ricoeur concorda ser a comparação (ou imagem: eikôn)
também uma metáfora; a diferença é mínima, porque, segundo ele, quando Homero, ao falar de
Aquiles, diz “que este se move como um leão”, ele faz uma comparação (eikôn); quando ele diz
que “é um leão” que se move de um lugar a outro, é uma metáfora. Ricoeur diz que o propósito
de Aristóteles não foi explicar a metáfora pela comparação, mas, explicar a comparação pela
metáfora, e acentua que a metáfora por comparação não é uma formulação simples, como quando
chamamos “Aquiles de leão”: a simplicidade da comparação, por contraste com a complexidade
da proporção de quatro termos, a mesma para que tende a metáfora proporcional como quando
dizemos: “O escudo é a taça de Ares”. Dessa maneira, a metáfora por analogia tende a identificar-
se ao eikon, e a supremacia da metáfora sobre o eikon é, se não invertida, pelo menos modificada.
comparar, são necessários dois termos igualmente presentes no discurso. Ricoeur diz que o
linguista I. A. Richards conceitua a metáfora como uma construção resultante de duas ideias: tenor
e vehicle, equivalendo, respectivamente, à “ideia original” e à “ideia tomada de empréstimo”, ou
seja, aquilo que está sendo dito ou pensado e aquilo com que está sendo comparado. A interação
daquilo que é designado e do veículo geraria um novo sentido, diverso daquele que cada ideia
apresenta isoladamente; e a medida de sentido se imporia como resultante de características
comuns a ambos os sentidos, resultando na construção da metáfora. Porém, a análise gramatical
da comparação assegura a sua dependência em relação a metáfora em geral, apenas diferindo uma
metáfora da outra pela presença ou pela ausência do termo da comparação. Para Aristóteles, a
ausência do termo de comparação na metáfora não implica que essa seja uma comparação
abreviada, mas, pelo contrário, que a comparação é uma metáfora desenvolvida. Ora, a
comparação diz “isto é como aquilo”; e a metáfora diz “isto é aquilo”.
Em Sousândrade, a comparação, por exemplo, entre o nascer do dia com o reflexo da luz
através de uma porcelana ocorre novamente por meio do pronome relativo “qual”, para imprimir
na ideia tomada de empréstimo o sentido da ideia original, constituindo uma imagem rica de
associações, como nos versos do Canto Segundo: “Qual um vaso de fina porcelana / Que de
através o sol alumiasse, / Qual os relevos da pintura indiana / É o oriente do dia quando nasce”
(SOUSÂNDRADE, 2003, p. 35). Já a metáfora aparece como uma contenção de ideias em que se
torna necessário o conhecimento da significação:
espaço atribuído à metáfora na transferência de uma ideia primitiva para uma ideia nova é a
semelhança.
Considerações finais
lado, implica o afastamento das expressões do seu sentido próprio, por outro, supõe que a
expressão própria está disponível e pode ser substituída por outra de livre escolha.
REFERÊNCIAS
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ABEL, Olivier; PORÉE, Jérôme. Vocabulário de Paul Ricoeur. Combra: Minerva Coimbra,
2010.
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CAMPO, Augusto; CAMPOS, Haroldo. Re visão de Sousândrade. São Paulo, Perspectiva, 2002.
RICOEUR, Paul. A Metáfora Viva. 3 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015.
SOUSÂNDRADE, Joaquim de. O Guesa. In: LOBO, Luiza (org). Rio de Janeiro: Editora Panteio,
2012.
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Os conteúdos dos Trabalhos completos do III SIICS são de inteira responsabilidade dos autores.
Eixo 3: Cidades,
Patrimônio Cultural e
Sociedade
Organizadora do Eixo: Profa. Dra. Conceição de
Maria Belfort de Carvalho
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RESUMO: Por que pobres e ricos não se sentavam no mesmo banco da igreja? O problema se
constitui em compreender como se constrói os estereótipos sociais de “superioridade” social dos
grupos “dominantes” e de “inferioridade” social dos grupos menos favorecidos na sociedade
bernardense. As relações sociais entre pessoas que possuem influência política e/ou poder
econômico revelam os mecanismos de exclusão da participação na vida política da cidade.
(ELIAS,2000). Foram realizadas entrevistas com pessoas que frequentam a igreja católica da
cidade de São Bernardo desde os anos 70, advindas de distintas posições sociais, profissões,
idades, raça e orientação sexual. Muitos entrevistados relatam que a posição privilegiada se dava
devido consenso de que os “ricos” eram “católicos de verdade”, eram os únicos dignos de ocupar
aquele espaço. Segundo os interlocutores, “pobres” que se sentavam nos bancos da frente, eram
retirados por outros “pobres” para dar lugar aos “ricos”, em razão daquele espaço ser de uso
exclusivo daqueles. Pois, seria uma ousadia “pobres” ocupando o espaço “dos ricos. Identificamos
que o fazer político em cidades “provincianas” sempre foi um tema conflitante, no entanto,
pesquisar questões sócio-políticas no contexto da Igreja Católica, traz elementos para
compreender as relações sociais na cidade.
1 INTRODUÇÃO
Essa questão gerou uma reflexão sobre os motivos que levavam a esse tipo de
comportamento social. Várias questões surgiram, como o medo, o simbolismo, as estruturas
sociais, etc. O ato de fazer essa pesquisa talvez se encaixe perfeitamente no que Roberto Da
Matta(1978) fala em sua obra “O ofício de etnólogo, ou como ter Anthropological blues”: “Vestir
a capa de etnólogo é aprender a realizar uma dupla tarefa que pode grosseiramente ser contida nas
seguintes fórmulas: (a) transformar o exótico em familiar e/ou (b) transformar o familiar em
exóticos”. (DaMatta, 1978, p. 4).
Por mais que tentemos “mergulhar’ no mundo em que estamos observando, adentrar
ao máximo nesse outro mundo participando de seus rituais, crenças, etc. sempre seremos
estranhos, outsiders para o nosso “pesquisado”. Como aponta Alba Zaluar em sua análise sobre o
trabalho do antropólogo: “Os etnólogos que estudaram tribos primitivas poderiam até se
considerar “adotados” ou socializados como crianças na cultura tribal, mas tiveram consciência
de que seriam sempre outros, estrangeiros” (Zaluar, 2009, p. 563).
A Paróquia de São Bernardo criada em 31 de outubro de 1816 (Silva, 2017) faz parte
do cotidiano da população local. Seus hábitos diários estão entrelaçados com os da igreja. A igreja
é paroquial e, também, um santuário diocesano, cujo o orago é São Bernardo de Claraval, de estilo
neogótico, muito imponente e com sua torre una, dando o sentimento de grandiosidade.
Foi numa dessas missas que ao conversar com uma amiga309, ela me relatou que nos
tempos passados “Não era todo mundo que se sentava no primeiro banco da igreja, eram só os
ricos, os pobres se sentavam atrás”. Daí surge a dúvida que me leva a fazer essa pesquisa, “Por
que pobres e ricos, não ocupavam o mesmo banco da igreja?”.
O que pode, aparentemente, ser algo banal mostra-se quando se pesquisa a fundo, um
emaranhado de redes de significação cultural, como afirma Geertz (1989, p.4): “O homem é um
307
Por questões éticas, preferi não usar os nomes dos entrevistados, optei por nomes fictícios.
308
As missas na igreja paroquial ocorrem de terça à domingo pela manhã e de terça a domingo pela noite.
309
Faço uma referência a obra de Márcio Goldman que expressa o porquê opto por chamar meus interlocutores de
amigos-interlocutores, pois no decorrer da pesquisa, em alguns casos, desenvolvemos uma relação de amizade. “Da
mesma forma, jamais tomei notas na frente de meus “informantes” Por um lado, porque em geral eles também são
meus amigos e eu me sentia constrangido em agir como “pesquisador” (Goldman, 2003, p. 455).
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animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”, com todas as regras e códigos
estabelecidos, com atitudes que perpassam as ações matérias e físicas, abrangendo até o campo
psíquico.
Apresento esse trabalho de maneira que o leitor consiga identificar a relação de “ricos’
e “pobres”, para melhor compreender essas castas (Dumont, 2008) que são os elementos principais
desse trabalho. Em seguida, identifico as razões pelas quais os dois grupos não sentarem no mesmo
banco, procurando demostrar como esse simples ato, o de sentar-se ou não juntos, revela todo um
conflito social velado na cidade de São Bernardo-MA. No tópico seguinte aponto como a fofoca
é uma poderosa aliada para a obtenção de informações para a construção dessa pesquisa e, por
último, demonstro como esse contexto de conflitos é na verdade uma dança-das-cadeiras, onde
uns saem e outros ocupam o lugar deixado.
Poderíamos considerar, a partir das falas dos entrevistados, que o ato de se sentar nos
bancos da frente como algo simbólico, uma marcação de território, pois sentar-se na frente é o ato
de afirmar para todos e para si mesmo a pertença à uma classe social, a dita rica. O ato de sentar-
se atrás, ao contrário do ato dos “ricos” não seria uma marcação de território, mas sim o ato de
ocupar o que lhes restou.
Esta prática teve início por volta do século XIX pois a igreja da cidade se tornou
paróquia em 1816. Atualmente essa diferenciação pelo sentar no banco da frente estar em desuso,
desde o final da década de 1990, esse hábito começou a deixar de ser praticado310. Entretanto, a
memória ainda é forte e presente entre os frequentadores da igreja.
310
As razões das mudanças dessa prática serão apresentadas e analisadas mais à frente no presente artigo.
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inclusive, só havia duas pessoas em cada fileira de banco, algo que me chamou a atenção, dado
que era de se imaginar, que esses bancos fossem disputados.
No segundo dia de observação participante, uma missa de domingo (assim como todas as
missas que observei) cheguei cedo, por volta das 18h30, fui o primeiro “fiel” a chegar e sentar nos
bancos da igreja, sempre no mesmo banco, o terceiro, da fileira ocidental da nave principal.
Comecei a notar algo interessante, as mesmas pessoas também se sentavam nos bancos de sempre,
notei que cada idoso sentava no mesmo banco e quase sempre nas mesmas posições dos bancos.
Como afirma uma amiga-interlocutora, Maria, de 76 anos: “eu não sei quando
começaram a fazer isso, acho que é dos tempo dos escravos, os pretos não podiam se sentar com
os brancos, eu acho que começou assim”. Seu João, de 62 anos, aponta a relação com a política
local: “eu acho que isso começou com os políticos, porque eles se sentavam na frente pra se
mostrar, pros outros ver que ele era mais importante”. Essas falas revelam muito sobre a questão
dos bancos da igreja, pois demostram o provável surgimento dessa prática discriminatória, por
conta do racismo, como se vê na primeira fala, e a outra é por questões políticas, dado que o
racismo é uma prática política.
Já o relato dado por sr. João, revela outra relação de distinção: dos políticos e seus
eleitores. Pois, quando um político escolhe se sentar na frente para “se mostrar”, ele está dando
um uso diferente a prática de excluir todos os que não fizessem parte de seu eleitorado naquele
espaço. Uma prática de distinção social com várias camadas de diferenciação reafirmado
hierarquias sociais e políticas.
Observa-se que ainda há lugares “reservados” nos bancos da igreja, os pobres não
costumam sentar em lugares diferentes, e ricos também não gostam de variar. Numa de minhas
entrevistas, perguntei o porquê desse hábito, a entrevistada, Rosa, aposentada de 79 anos,
respondeu quase de maneira imediata, que isso se dava por conta de gosto, “as pessoas gostam de
se sentar nos mesmos lugares”.
Numa entrevista com uma antiga funcionária da igreja, Antônia de 81 anos, perguntei
se era costume da igreja reservar os bancos da frente para as pessoas abastadas, tanto de poder
político, e/ou de poder simbólico, ela respondeu que não, nenhum banco era reservado. Salvo em
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dias festivos, que alguns bancos deviam ser reservados para o clero e seus afins. Isso demonstra
que não havia “salvo-conduto”, ou seja, a igreja não apoiava essa prática de diferenciação social
através dos bancos da igreja, pelo menos, não de forma direta.
Acredito que seja correto afirmar que a igreja, enquanto instituição, sabia dessa
prática, embora não pudesse apoiar de forma aberta, ela apoiava pelo ato de não fazer nada em
relação à essa prática discriminatória. Vale ressaltar que, a maioria das pessoas que participavam
da casta dos ricos, tinham prestígio dentro da igreja. Isso se demonstra pelo hábito de sentarem no
banco da frente, pois trata-se, além do fator de diferenciação social, um lugar privilegiado, pois
desses bancos, pode-se ver melhor a celebração da missa, e também, os que ocupam esses bancos
são os primeiros a participarem da comunhão, além do fato que, sentados nesses bancos, todas as
outras pessoas podem enxergá-las, revelando assim um espaço de destaque.
eu acho que eles (os ricos), pararam de se sentar na frente porque os pobres não estavam
gostando mais disso, quem gostava eram os velhos, que já estavam acostumados com
isso, nós que era jovem, não gostamos não. Muitos ricos ali era político, precisava de
voto, e quando viram que muita gente não tava gostando daquela atitude (de se sentarem
na frente e os pobres se sentarem atrás) eles pararam de fazer isso, porque se não eles não
se elegia mais. (Ester, 45 anos, 27 de agosto de 2019, às 16h00 h).
O processo de transição entre o hábito de sentar-se atrás, praticado pelos pobres, para
passarem a sentar-se na frente se deu, segundo um entrevistado, por alguns adventos, primeiro,
foi a chegada de um vigário que trouxe as ideias da “Teologia da libertação312”, pregando a
311
As irmãs referidas, são religiosas da congregação “Irmãs de Caridade de Montreal”, que chegaram à paróquia de
São Bernardo no ano de 1989, ficando nessa paróquia até o ano de 2004. (Silva, 2017, p. 115)
312
A Teologia da libertação nasceu na década de 1960, após o Concilio Vaticano II e a Conferência Episcopal
realizada em Medelín como resposta à realidade latino-americana em razão da realidade vivida na América latina da
época, onde se presenciava governos autoritários e a grande injustiça social. Como afirma Sandro Ramos Ferreira da
Silva “A Teologia da Libertação tem características autônomas e surgiu como resposta à realidade latino-americana”
(Silva, 2006, p. 36).
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igualdade entre as pessoas, incentivando a participação dos pobres na vida da igreja, pois até então,
os espaços que os leigos poderiam ocupar dentro da igreja era ocupado por ricos, ou seus filhos.
Como nos mostra os relatos esse processo de transição não foi pacífico, numa
entrevista, que, foi quase involuntária, o entrevistado relatou que uma senhora rica da cidade, nos
tempos em que a “paz de cristo”313 era no fim da missa, ela saia antes, para não ter que
cumprimentar seus vizinhos de banco. Percebe-se uma resistência pelos ricos, e engraçado,
houve/há resistência por parte dos pobres também, os pobres de “moral” que se consideram “meio-
termo”. São pobres com espírito de ricos, no sentido de status. Pode-se observar que também não
se sentem muito à vontade quando vêm um pobre ocupando um lugar de destaque na igreja, isso
obviamente revela muito do conflito simbólico existente.
Isso demonstra que houve um “combate social”, não foi algo pacífico, como se
observa na seguinte citação da fala duma entrevistada “os ricos olhavam torto para os pobres que
se sentavam na frente, olhavam como se estivessem vendo um fantasma, assustados, muita gente
pobre também olhava feio, como se os pobres que se sentavam na frente estivessem fazendo algo
feio”. Podemos ver que houve um estranhamento, uma ruptura de um código social e racial entre
os grupos que compunham a cidade de São Bernardo, pois o grupo das pessoas consideradas
pobres, se dividiu entre os que tomavam a coragem de se sentar com os ricos, e os que censuravam
tal ato.
Percebe-se que o fato do abandono dessa prática social muito comum até os fins dos anos
1990, se deu por vários motivos, políticos, sociais e econômicos, mas o grupo das pessoas “ricas”,
já acostumada com essa diferenciação social, não abandonaram as práticas discriminatórias,
apenas encontraram outra forma de se distinguirem dos meros “pobres”.
Percebendo que, o fato de sentar no banco da frente da igreja já não bastava, e vendo que
pessoas do grupo “inferior”, os “pobres” já começavam a ocupar o espaço que até então era
Ato de saudar os fiéis com um aperto de mão falando “paz de cristo”, geralmente acontecia no fim da missa, hoje
313
ocupado somente por eles, os integrantes da casta dos “ricos”, migraram, já não era interessante
para eles continuarem com a antiga prática.
No entanto, percebi um fato “curioso”, como agora os “ricos” já não ocupam mais os
bancos da frente, há um pequeno número de “pobres” que querem continuar com a prática dos
“ricos”, essas pessoas que fazem parte da casta dos pobres, e que possuem funções dentro da
igreja, seja na Liturgia ou como ministro da eucaristia, passam a ocupar os bancos da frente, como
se na ausência dos “ricos”, o lugar, naturalmente, seria ocupado pelos “pobres médios”, ou seja,
os pobres que acreditam estar num estágio de transição da casta de pobres para a casta de ricos,
uma espécie de “classe média” à brasileira.
São considerados “pobres” pessoas negras e morenas, que não possuem renda elevada,
nem tampouco uma profissão considerada de destaque, como os cargos de vereador, prefeito,
secretário em alguma secretaria municipal, ou um comerciante, por exemplo.
Os ricos eram basicamente compostos por pessoas brancas e com considerável fortuna,
mas não ficava contido nesses quesitos, para pertencer a casta dos ricos, a pessoa devia possuir
também prestígio, deveria ser reconhecido enquanto “ricos” pela casta dos pobres, para só assim
pertencer de fato à essa casta.
314
O Povo Anapuru, ou Anapurus, foi um povo originário, que estava assentado no ao norte da região Leste do que
hoje é o estado do Maranhão. Esse povo pertencia ao tronco linguístico Tupi, são considerados grandes ceramistas e
hábeis pescadores e agricultores. O último registro acerca desse povo se deu no início do século XIX. (Lima; Aroso,
1991).
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Uma entrevistada, Madalena, de 85 anos, relatou que “nem sempre eles tinha muito
dinheiro, era mais o respeito, sabe? Tinha que ser respeitado”. Em continuação às indagações,
questionei o que era “ser respeitado” para ela, “respeitado naquele tempo era ser de boa família,
não sair em conversa, ir pra igreja, andar arrumado, não andar em bagunça, não ter amizade errada,
tudo isso era coisa de gente respeitada” afirma Madalena.
Em São Bernardo, os “pobres” são aqueles que não possuem influência social, não são
dotados do código social de “ricos”. A grande maioria das pessoas que são enquadradas nesse
grupo, são negros, enquanto que a grande maioria das pessoas enquadradas no grupo dos ricos,
são pessoas brancas.
(Dumont, 2008, p. 50), mostrando como esse modelo de divisão e segregação social funciona
através da hierarquização da sociedade.
Embora possa se pensar que esses dois grupos sociais estão separados e em conflito,
se analisarmos a fundo, pode-se perceber que na verdade esses dois grupos estão em uma relação
de dominação, pois são interdependentes, pois não basta ser ter uma grande quantidade de dinheiro
para fazer parte da casta dos “ricos”, a pessoa deve ser reconhecida como merecedora, para só
então ser enquadrada na casta dos “ricos”. Embora seja a casta dos “pobres” que legitima o
enquadramento dos membros do grupo dos “ricos”, estes ainda são subjugados pelos ricos, deve-
se salientar que há uma relação de dominantes e dominados.
Nessa resposta pode-se perceber que há uma questão econômica entrelaçada nas
condições dos participantes da casta dos ricos. Como se observa na seguinte resposta dada pela
mesma entrevistada, quando perguntei como eram as roupas usadas durante as missas “ah meu
filho, aquelas roupas eram caras, não era qualquer um que podia ter não, tinha que mandar fazer.
A gente que era pobre tinha só uma ou duas muda de roupa, usava e já lavava pra guardar”. Revela-
se uma clara distinção econômica entre as castas que se articula com a esfera social e racial sob o
manto da postura religiosa.
No tópico seguinte iremos apresentar um dos elementos centrais para a obtenção dos
dados etnográficos, bem como, da inserção no campo de pesquisa: a fofoca. O ato de fofocar fala
muito dos que estão fofocando, e dos que estão sendo “comentados” pela comunidade.
As observações no campo têm revelado muitos detalhes fascinantes, coisas que só são
perceptíveis à um olhar etnográfico, detalhes que nos passam despercebidos, coisas rotineiras e
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aparentemente sem sentido, mas ao aplicar métodos etnográficos, dá-se a entender todo o universo
de significados que pode haver dentro de uma simples igreja.
No ato de fofocar pode-se ter acesso às informações valiosas, que geralmente não se
obteria por meios tradicionais de coleta de informações. Como cita Pedro Paulo Oliveira (2010,
p.03), “As fofocas não podem ser vistas como fenômenos independentes. Elas dependem das
normas e crenças coletivas e das relações e interações entre os agentes”, ou seja, a fofoca não é
um passatempo, ou um ato involuntário, a fofoca possui uma série de normas que a credenciam,
tornando o ato de fofocar, um instrumento valioso para o pesquisador.
O ato de fofocar é comum em São Bernardo. Percebi que geralmente o ato de fofocar
está restrito às senhoras de certa idade, mulheres que se sentem como referência moral e ética para
os demais. Tive a oportunidade de entrevistar uma dessas personagens da cidade: uma antiga
funcionária da Igreja e uma viúva que se ocupa nos seus afazeres diários domésticos e ir à igreja.
Muitos em São Bernardo acreditam que o ato de fofocar se dá pelo fato de “não ter o
que fazer”. Entretanto, a partir da pesquisa foi possível compreender que fofocar está para além
de passatempo. Fofocar é marcação de território, é um manifesto sobre si mesmo em relação aos
outros. A partir das conversas com a entrevistada percebi uma ramificação na classificação
“´pobres”, pois mesmo essa senhora sendo pobre(a partir das características apresentadas
anteriormente), ela não sentava nos bancos de trás, sentava-se no meio, entre os pobres e ricos.
Ao perceber esse detalhe em relação as fofocas em São Bernardo, detalhe que percebi
no decorrer das minhas observações e das minhas inúmeras interlocutoras-amigas, que me faziam
o favor de repassar as fofocas da cidade.
Essas pessoas sentarão no “meio”, são o meio termo, são pobres, mas possuem certa
influência, ou pelo menos imaginam que possuem, principalmente dentro da igreja, são referência
moral e ética para os pobres, e possuem certa consideração por parte dos ricos.
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Considerações finais
Como o ato simples de sentar num banco de uma igreja simboliza essa diferenciação
de classes? Seria o ato de sentar-se na frente ou atrás, fator determinante para ser considerado rico
ou pobre? Ou, é a pertença à uma dessas classes que determina o banco que esses indivíduos irão
ocupar?
A resposta para essas questões, ao qual tenho observado, é complexa e possui várias
ramificações teóricas, dado a interdisciplinaridade do tema em questão. Podemos analisar essa
questão supracitada, através das lentes das várias áreas que se dedicam ao estudo da sociedade,
como as ciências sociais e ciências humanas, incluindo a Antropologia e a Sociologia, áreas que
foram referência para o desenvolvimento dessa pesquisa.
Atualmente, os “ricos” nem sempre se sentam na frente. Na verdade, estar raro ver um
“rico” na igreja, talvez porque a diferenciação social já tenha migrado do espaço dos bancos da
igreja, e tenha se alocado num novo espaço da cidade. Isso é apenas uma hipótese, uma
consideração preliminar (já que a pesquisa ainda estar em andamento) e quando vão, sentam-se
na frente, mas tendo que dividir com os pobres, ora, não existe vácuo no poder, se um espaço
disputado é abandonado, logo outro grupo irá ocupar.
Podemos falar que acabou o conflito de classes dentro da igreja de São Bernardo?
Arrisco-me a falar que, os “ricos” perceberam que a contestação dos sentidos acerca de “ocupar
os bancos da frente”, migraram para outro espaço simbólico que demarcasse sua posição,
procuraram um lugar em que os pobres não ameaçassem tomar seus lugares. O conflito foi
resignificado, ele ainda está em São Bernardo, porém em outros espaços sociais315.
315
Esses novos espaços sociais de diferenciação social estão sendo o objetivo atual da pesquisa.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Página 1442 de 2230
ABSTRACT: The inequality of urbanization in brazilian cities highlights growth based on capital
appreciation at the expense of the social. The first consequence of such a situation is the socio-
spatial segregation. As a characteristic of segregation, the concept of the right to the city is
adopted, which is neglected by the State and minimized by the real estate market, resulting in the
separation of location in cities based on income, demonstrating the capitalist character that shapes
cities, and the exclusion that poorest people face when their rights are denied. Basic guarantees
such as basic sanitation, transportation and adequate housing thus become privileges. In addition
to the wide variation in the supply of services and public facilities, the city has a considerable
housing deficit, which is the target of proposing solutions through popular housing programs,
where the segregationist character is once again imposed. As one of the main modifiers of space,
the real estate market has an influence on long daily trips, the number of vacant homes, social
exclusion and the presence of inadequate housing.
Keywords: Urban Financialization; Housing; Right to the City;
INTRODUÇÃO
O Brasil passou por diversas fases em suas políticas de habitação e sua expansão é
intrínseca aos conjuntos habitacionais. Quando houve uma explosão no crescimento e atratividade
de pessoas gerada pela indústria, vimos se agravar a questão da habitação e a estrutura das cidades
passou por significativa reestruturação. Hoje, o Minha Casa Minha Vida trouxe um novo
arcabouço e novos pontos críticos, que farão parte da análise desse trabalho. Os alarmantes índices
relacionados a moradia demonstram o caráter arbitrário dado ao tema, com soluções ainda
insuficientes para conter a raiz do problema, afinal, não se elimina o déficit habitacional apenas
com novas construções.
Para além disso, há a necessidade de avaliar e compreender o papel das políticas públicas e como
elas interferem na prática, para neutralizar os efeitos do mercado no cenário brasileiro, tanto no
passado (para levar a atingir as configurações urbanas vigentes) quanto no presente (para perceber
seus futuros direcionamentos.)
Para Botelho (2005, p.33) o setor imobiliário vai muito além da construção civil, de
forma que abrange também os sub-setores da indústria produtora de materiais de construção e o
setor terciário. As atividades terciárias, estão ligadas à “incorporação e o loteamento, compra,
venda e aluguel de imóveis”. É importante destacar o emprego do loteamento nesse setor, que é a
prática da parcela do solo para que possa ser comercializado conforme sua viabilidade e possíveis
vantagens econômicas dos proprietários. Dessa forma a gestão da terra, através do capital
imobiliário, produz o espaço urbano, ou seja, a organização urbana adquire características
moldadas pela atribuição de um determinado valor a uma determinada área. Como Abramo (2007,
p.44) destacou, o mercado imobiliário se comporta de uma maneira diferente, e o preço segue esse
padrão, de forma que, segundo o autor, esse mercado não determina um valor baseado nos custos,
lucro, e investimentos, mas sim através da capacidade financeira da demanda.
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Determinadas principalmente pelo maior ou menor acesso a serviços urbanos, tais como
transporte, serviços de água e esgoto, escolas, comércio, telefone, etc., e pelo prestígio
social da vizinhança. Este último fator decorre da tendência dos grupos mais ricos de se
segregar do resto da sociedade e da aspiração dos membros da classe média de ascender
socialmente. (SINGER, 1998, p.27)
Logo, o valor do solo urbano está vinculado a sua localização e por sua vez determina
níveis de urbanidade que segundo Burnett (2008, p.100) é “um fator decisivo da equação montada
para decidir o destino de investimentos imobiliários”. Com tais investimentos em evidência, é
interessante observar o papel da especulação imobiliária na formação de pontos “favoráveis”,
tanto no sentido do acesso a pontos que futuramente serão explorados, quanto na implementação
por parte do Estado de melhorias de infraestrutura capazes de elevar o valor do imóvel
substancialmente.
Esse processo gera uma limitação de locais para moradia, principalmente para a
população de baixa renda. Quando as áreas mais valorizadas são ocupadas, a parcela da população
que não possui recursos para a compra de residências nesses pontos é obrigada a habitar regiões
periféricas na cidade, de forma que se inicia um processo de espraiamento, no qual a expansão da
cidade segue o fluxo ditado pelo mercado imobiliário e se molda em áreas sem atratividade,
serviços e infraestrutura. Fica claro a relação entre a oferta de serviços públicos e a localização de
moradores pela sua renda, de forma que a quantidade e qualidade de serviços prestados é
proporcional a renda dos moradores do local (SINGER, 1998, p.35).
Nesse ponto de vista, se vê a cidade como mercadoria, que pode ser explorada, onde
por um lado há procura por garantia de qualidade de vida e de outro as vantagens de acúmulo
financeiro. O capital, então, é um dos agentes mais significativos na produção do espaço, o que
traz a necessidade de compreensão da financeirização da cidade em contradição à garantia dos
direitos fundamentais dos cidadãos.
O termo empresariamento urbano utilizado por Harvey, ilustra esse caráter capitalista
predominante nas cidades brasileiras a partir do início da globalização, o qual o define de forma
resumida:
mas acontece com frequência a apropriação privadas dos benefícios, ao passo que os riscos dos
projetos executados estão nas mãos do Estado, caso falhem. (BOTELHO, 2004, p.114). Tal
separação acontece durante o processo da chamada renovação urbana, presente nos planos
estratégicos amplamente difundidos, e busca a dinamização das cidades transformando-as
prioritariamente em um local de consumo.
Vale ressaltar que o direito a cidade não é um direito além dos que já existem, é um
direito para garantir o cumprimento dos mesmos (MATHIVET, 2010, p.22) A Carta Mundial de
Direito a Cidade traz conceitos e premissas que complementam esse termo e esclarece suas
reivindicações. Nela fica esclarecido que o direito a cidade:
[...] É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis
e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus
usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre
autodeterminação e a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente
a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente,
e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos.
(Carta Mundial de Direito a Cidade, 2006, Art.01)
Vale lembrar que embora o PMCMV cumpra a sua função de garantia do direito à
moradia, ele ainda possui problemáticas relacionadas ao direito a cidade. Conforme pautado no
Estatuto da Cidade, deve ser priorizado a função social da cidade e da propriedade, de forma que
a produção habitacional em larga escala não se torne mais uma forma de exclusão da população
de baixa renda. Mesmo que os beneficiados com o programa passem a receber uma nova moradia
adequada, percebe-se que ela não está inserida no contexto urbano, pois os serviços necessários
(creches, transporte público, postos de saúde, comércio...) não existem nas proximidades e por
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vezes até mesmo infraestrutura básica como saneamento, asfalto e iluminação pública não estão
presentes.
Essa forma evidente de segregação pode ser especificada em sua forma voluntária e
involuntária, conforme Villaça (2011, p.141), onde uma forma acaba gerando a outra e camadas
mais altas são beneficiadas em detrimentos das mais baixas, mesmo em um ambiente onde as
camadas ricas são a minoria expressiva. Dessa maneira, a capacidade de escolha de habitação pela
classe social mais alta faz com que as classes mais baixas sejam direcionadas para áreas de
exclusão, ou menos valorizadas, de acordo com o seu rendimento.
Mesmo com a clara prioridade dada aos bairros e conjuntos com renda mais alta, é
possível observar movimentos de “expulsão” dos moradores de bairros menos valorizados para
periferias ainda mais distantes do centro. O fenômeno conhecido com gentrificação acontece
quando áreas da cidade, antes desvalorizadas, passam por um processo de revitalização e ganham
novos usos e vida com a recuperação de seus espaços urbanos, o que gera um movimento reverso
com a atração de novos empreendimentos, serviços e pessoas. O local antes habitado por uma
camada mais pobre da população passa receber maior fluxo e retorno de uma classe acima
(geralmente classe média) que se depara com a valorização imobiliária do local. Ou seja, os
investimentos voltados para melhorias urbanas para os moradores são de fato aplicados, mas os
mesmos não são totalmente beneficiados, uma vez que cedem à pressão de sair do imóvel por um
preço mais alto que o normal e voltam a habitar pontos periféricos em moradias inadequadas.
que necessitam de uma expansão considerável dos serviços já existentes (equipamentos urbanos,
saneamento, iluminação pública, asfaltamento).
Para Milton Santos (1993, p.95) as grandes cidades espraiadas brasileiras são repletas
de vazios, onde existe uma relação das características espaciais como: “tamanho urbano, modelo
rodoviário, carência de infraestruturas, especulação fundiária e imobiliária, problemas de
transporte, extroversão e periferização da população”. Dessa maneira, a especulação incide
diretamente no tamanho das cidades, de forma que os seus vazios se tornam alvos posteriores à
urbanização fundiária. Como um efeito em cascata o setor imobiliário conduz o espraiamento, que
conduz a uma nova urbanização, esta com carências de serviços, que conduz a uma valorização
espacial diferenciada, como consequência há novamente periferização e o aumento do tamanho
das cidades, de modo que uma retenção especulativa dos vazios urbanos conduziu a uma nova
periferização, conforme observa Santos (1993, p.112). Produzem-se novos vazios urbanos, ao
passo que a população necessitada de habitação, mas sem poder pagar pelo seu preço nas áreas
mais equipada, deve deslocar-se para mais longe, ampliando tal movimento.
para arcar com as despesas de um imóvel localizado em áreas centrais. No caso da segregação
voluntária os moradores possuem condições para habitar regiões periféricas e precárias de serviços
sem influenciar no seu padrão de vida, aproveitando as externalidades positivas como maiores
áreas disponíveis e segurança (ofertada pelos condomínios fechados).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em diversos momentos é possível observar a relação entre a direcionalidade da
implementação das políticas públicas como uma forma de motor para expansão do mercado
imobiliário. Esse caráter é acompanhado da lógica capitalista onde a cidade é considerada um
negócio a ser gerido de forma empresarial, com a utilização de ferramentas que valorizam a
economia e o valor de troca dentro das cidades (GUIMARÃES, 2013, p.192). Desse modo se vê
a valorização de uma economia política em detrimento do território como supracitado e
explicitado por Harvey (1996, p.53) ao caracterizar e definir o novo modelo de empresariamento
urbano.
Dessa forma a questão urbana necessita ser tratada em todas as suas faces e
especificidades para entendimento geral do seu papel na configuração das cidades. Para Rolnik
(2002, p.56) existe a necessidade do entendimento da cidade como um todo, de forma que se pense
globalmente em suas problemáticas e não considerar apenas as áreas com prioridade de
necessidade de melhorias. Tal pensamento é primordial ao se tratar das causas e consequências da
exclusão urbana que hoje afeta a grande maioria das cidades brasileiras, principalmente do ponto
de vista, e Rolnik (2002, p.56) destaca ainda que para desfazer tal segregação é necessário usar
uma correta estratégia da distribuição dos investimentos, uma regulação urbanística e a gestão
urbana.
A segregação urbana presente nas cidades pode ser demonstrada de diversas formas,
tanto espacialmente como estatisticamente. A diferenciação entre índices básicos como renda,
infraestrutura, densidade são capazes de informar quais são os bairros favorecidos pela
especulação e consequentemente com maior estrutura urbana e valor por metro quadrado. As
relações econômicas existentes dentro de uma área da cidade podem ser capazes de dinamizar o
território ou aumentar seu nível de segregação, o qual cria barreiras sociais que acabam por
caracterizá-los.
relacionadas aos poderes políticos e econômicos, de tal forma que estabelecem uma distribuição
desigual dos investimentos e define a estrutura interna das cidades.
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Página 1454 de 2230
RESUMO: Estudo sobre a religiosidade africana no contexto do turismo maranhense. Com esse
trabalho pretende-se discutir a prática da atividade turística em São Luís, coexistindo a matriz
afro-religiosa. Para tanto, vale-se da segmentação turística - turismo étnico -, bem como estudos
sobre etnicidade e a cultura, a fim de compreender os indivíduos na qualidade das suas práticas
culturais construídas junto ao seu grupo étnico. Desta forma, o estudo tem a intenção de fomentar
a discussão sobre a relação do turismo com os terreiros na cidade de São Luís, sobre uma
perspectiva de sustentabilidade social, econômica, ambiental e cultural, analisando os impactos
do turismo para as comunidades de terreiro, a fim de que não se espetacularize as práticas do
terreiro, promovendo conhecimento acerca da religiosidade africana na cidade. Trata-se de um
estudo bibliográfico e pesquisa de campo para coleta de dados a partir das casas de culto mais
antigas em São Luís, como a Casa das Minas-Jeje, Casa de Nagô e Terreiro do Egito, pela sua
historicidade e herança cultural presentes na dinâmica cultural local. Por se tratar de uma pesquisa
em construção não se tem resultados a apresentar.
ABSTRACT: Study on African religiosity in the context of Maranhão tourism. With this work it
is intended to discuss the practice of tourist activity in São Luís, coexisting the Afro-religious
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matrix. There it is used by the tourist segmentation - ethnic tourism - as well as studies on ethnicity
and culture, in order to understand individuals in the quality of their cultural practices built with
their ethnic group. Thus, the study intends to foster discussion about the relationship between
tourism and terraces in the city of São Luís, about a perspective of social, economic, environmental
and cultural sustainability, analyzing the impacts of tourism for the communities of so that the
practices of the yard are not spectacular, promoting knowledge about African religiosity in the
city. This is a bibliographic study and field research for data collection from the oldest houses of
worship in São Luís, such Casa das Minas-Jeje, Casa de Nagô and Terreiro do Egito, for its
historicity and cultural heritage present in the local cultural dynamics. Because this is a research
under construction, there are no results to be presented.
1 INTRODUÇÃO
A prática do turismo no mundo revela que o ato de viajar, além do deslocamento por
motivações variadas, implica na construção de experiências por meio do contato com pessoas e
territórios distintos, um fenômeno social complexo que pode “ser definido como a ciência, a arte
e a atividade de atrair e transportar visitantes, alojá-los e cortesmente satisfazer suas necessidades
e desejos” (McINTOSH E SHASHINKANT APUD IGNARRA, 2003, P. 12).
Isto é, uma rede de relações entre pessoas, culturas e lugares, distribuídas por
segmentações que abrangem as motivações das viagens, entre elas o turismo étnico, reconhecido
por valorizar as etnias em relação às origens e representações sociais, para assim, trabalhar as
especificidades de um grupo étnico específico de forma planejada e organizada - para este estudo,
a matriz afro-religiosa. Por isso, agrega-se à discussão a etnicidade e a cultura, para melhor
compreensão da matriz afro-religiosa no Maranhão.
Portanto, para debater essas questões o tópico seguinte apresenta uma abordagem
sobre o turismo e a atividade turística, com vistas à segmentação Turismo Étnico, bem como o
contexto histórico e as especificidades da religiosidade africana na cidade de São Luís; para tanto,
têm-se a trajetória da Casa das Minas, Casa de Nagô e Terreiro do Egito - espaços sagrados em
São Luís e a influência destes para a continuidade da matriz afro-religiosa na historicidade africana
na cidade.
A experiência turística é composta por pessoas que a partir de uma origem, escolhem
um destino para viagem, no qual os turistas e visitantes buscam os atrativos que possuem mais
afinidade ou até mesmo que tenham curiosidade em diversos aspectos, sejam eles por lazer,
negócios ou para enriquecimento intelectual. Assim, os mesmos podem chegar ao destino com
uma finalidade e ser atraídos por outra, ampliando sua visão sobre o local visitado.
Por essa razão, o planejamento turístico “deve considerar todas as formas possíveis de
contribuição ao bem-estar dos moradores e desenvolvimento integral do destino” (PETROCCHI,
2009, P. 07), ou seja, predeterminar ações para o futuro do destino, amparada por objetivos
capazes de serem aplicados e/ou adaptados à uma oferta turística, capaz de contemplar os turistas
e a comunidade que irá recebê-los. Em função disso, planejar o turismo com foco na cultura afro-
religiosa faz-se necessário devido à representatividade da religiosidade africana denominada
Tambor de Mina em São Luís, em que os terreiros demonstram ser espaços de dedicação ao
sagrado e manutenção de saberes ancestrais.
Dado isso, a experiência nesses lugares varia de acordo com o perfil do turista, desde
alguma ligação com essa prática cultural, uma forma para obter conhecimento científico, ser
adepto do Tambor de Mina, afinidade com os terreiros ou mesmo presenciar parte dos ritos
sagrados. Alguns turistas também buscam por suas raízes, sua identidade, de uma forma ou outra
se identificam com a experiência de vida africana seja pela espiritualidade, por sua cor ou
referência familiar.
Então, por meio do Turismo Étnico é possível conhecer “as atividades turísticas
decorrentes da vivência de experiências autênticas em contatos diretos com os modos de vida e a
identidade de grupos étnicos” (MINISTÉRIO DO TURISMO, p.17-18, 2005). Esta segmentação
propicia contemplar os terreiros que existem, e a partir de elementos como, raça, religião e a língua
- essenciais na formação processos históricos edificados - uma herança cultural comum,
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O Maranhão aparece geralmente nos estudos afro-brasileiros como "a terra do Tambor
de Mina" - manifestação religiosa dominante em São Luís, que tem como principais
representantes a Casa das Minas-Jeje (dahomeana) e a Casa de Nagô (iorubana), abertas
por africanas em meados do século XIX. De acordo com as informações disponíveis, o
Tambor de Mina foi levado da capital para outras cidades maranhenses [...].
À vista disso, os espaços dedicados à prática do sagrado são pontos de referência física
para o desenvolvimento da atividade religiosa, as casas de mina ou os terreiros são elementos
fundamentais para as reuniões onde a fé é exercida e as entidades são manifestadas nos rituais de
reafirmação da fé. Logo, apesar da matriz afro-religiosa apresentar elementos em comum na sua
prática, possui casas e espaços distintos, a exemplo da Casa das Minas, Casa de Nagô e Terreiro
do Egito, considerados os mais antigos e tradicionais em São Luís, ainda que estes espaços
sagrados não sejam mais ativos para a prática religiosa, porém continuam sendo referência na
cidade devido à sua historicidade.
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[..] o rei Ghezo, ao assumir o trono, enviou embaixadas à procura de sua mãe em Cuba e
no nordeste do Brasil. Verger constatou que entre as divindades cultuadas os nomes de
diversos membros da família real do Daomé anteriores a Adandozan [..]. Conforme
Verger, fora do Daomé o culto daquelas divindades só era conhecido no Maranhão.”
(FERRETTI, 198, p.2011)
Com isso, a Casa as Minas Jeje, é de origem Fon do antigo Daomé no Continente
Africano. Desta casa não se originaram outros terreiros em São Luís seguindo seus preceitos, o
porquê é uma incógnita. Assim como muitos mistérios ou fundamentos que cercam a história da
Casa das Minas. Em entrevista cedida à coleção Memória de Velhos, o etnógrafo Nunes Pereira
falou da relação com a Casa e uma das mães mais famosas da casa, que foi mãe Andresa. “Mãe
Andresa, com reservas, porque compreendem, a Casa das Minas tinha estrutura secreta, como de
várias sociedades na África, na Ásia, enfim, no campo religioso. [...] ‘meu filho, eu posso te
adiantar algumas coisas, outras eu não posso dizer” (MARANHÃO, p. 77, 1997).
Ainda na entrevista, Nunes Pereira fala de uma possível relação entre a casa das Minas
e sacerdotes africanos durante o século XIX. Para ele eram homens que “vinham da África e se
dirigiam imediatamente à Casa das Minas, homens que tinham, não só o dever de estimular a
prática daqueles atos religiosos, das festas, mas de esclarecer uma filosofia do próprio culto”.
Atualmente, a Casa das Minas realiza apenas a festa do Divino Espírito Santo, além de ser lugar
para agradecimentos e devoção no dia de São Pedro (29 de junho) pelos grupos de Bumba Meu
Boi; sua administração é feita por zeladores - também cumprindo uma missão religiosa.
Por conseguinte, a Casa de Nagô, está localizada na rua Cândido Ribeiro, próxima à
Casa das Minas no tempo e no espaço. A data e sua fundação não se sabe ao certo. De acordo com
pessoas mais velhas no culto aos Voduns, as africanas fundadoras da casa chegaram ao Maranhão
depois de 1830. Logo, a sua fundação ocorreu após a fundação da Casa das Minas, “mas com
pouco tempo de diferença, apenas o intervalo no porto entre a chegada de um navio e outro nos
portos do Maranhão” (SANTOS, 2001, p. 47).
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De acordo com a autora, a Casa de Nagô foi fundada por africanas de nação malungos
que contaram com a solidariedade da já existente Casa das Minas para sua fundação. “[...] Josefa
e outras foram ajudadas por Maria Jesuína, que fundou a casa Jeje e que era muito amiga do
pessoal que fundou a casa de Nagô” (SANTOS, 2001, p. 47).
A origem da Casa de Nagô também foi registrada através das memórias de dona Maria
Lucia de Oliveira, nascida em 1905, já falecida. Mas teve suas memórias registradas na coleção
Memórias de Velho. Dona Lúcia teve a maior parte de sua vida dedicada como filha de santo da
Casa de nagô, em suas memórias fala das fundadoras africanas de nomes Josefa e Joana e relembra
de outas filhas que comandaram a casa, a exemplo de Dona Joaninha, Nhá Brígida, Honorina,
Maria Cristina e Vitorina.
Essa relação de solidariedade e semelhanças entre a Casa de Nagô e a Casa das Minas
foi lembrada também por Nunes Pereira quando indagado sobre as diferenças entre as casas ele
respondeu que não conseguia identificar tantas diferenças, mas identifica algumas,
Ah! Eu não consegui identificar isso. Até no cerimonial, há uma série de atitudes, não só
religiosas, mas atitudes políticas, as disposições. A maneira de trajes é diferente,
extraordinariamente, entre a Casa das Minas e a Casa de Nagô. Eu nunca consegui nunca
identificar essas diferenças. (MARANHÃO, p. 82, 1997)
A autora Mundicarmo Ferretti, (2001, p. 03) também aponta diferenças desde a sua
fundação. “Conforme um dos mitos de origem, a Casa de Nagô matriz iorubana no tambor de
Mina, teve uma angolana entre suas fundadoras e integrou desde o princípio, uma entidade
cabocla, o que talvez explique a diferença”. No entanto, são diferenças percebidas pelos autores,
não propriamente princípios descritos pelas casas, uma vez que, não se trata de fazer comparações
entre as casas de Tambor de Mina, mas apontar a diversidade afro-religiosa através de processos
históricos construídos a partir da diáspora, estabelecendo semelhanças e diferenças.
Por meio da Casa de Nagô, por exemplo, originaram-se várias casas afiliadas,
fundadas por filhas que após uma preparação religiosa assentaram suas próprias casas, na sua
maioria, já extintas. A literatura aponta algumas delas como: o Terreiro de Vó Severa; Cota do
Barão, Noêmia Fragoso dentre outras. Na atualidade a Casa de Nagô não possui mais dançantes,
é coordenada por uma comissão que realiza apenas a festa do Divino Espírito Santo e um Boi de
Encantado - cuja festa acontece dia 29 junho dia de São Pedro.
Por fim, o terceiro espaço sagrado de interesse desta pesquisa é o Terreiro do Egito,
que diferente da Casas das Minas e Casa de Nagô, não possuiu espaço edificado localizava-se na
área rural da Ilha de são Luís, denominada Cajueiro, próximo ao porto do Itaqui. Foi fundado pela
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africana Basilia Sofia de nome privado no culto aos Voduns de Massinocô Alampong. De acordo
com a literatura, ela foi a primeira Vondunsi a ocupar o território do Cajueiro e fincar seu
assentamento. Além de espaço sagrado, assim como a maioria dos Terreiros era também um
espaço de resistência política no período da escravidão.
Este terreiro é um lugar sagrado muito antigo do Maranhão, foi ocupado pela
população negra maranhense desde o tempo do cativeiro. Suas matas abrigaram escravizados
fugidos e, durante mais de um século, foi local de reunião e de realização de rituais religiosos de
grande número de pessoas ligadas a diversos terreiros de São Luís e de outros municípios
maranhenses (FERRETTI, 2016, p. 02). A origem do terreiro do Egito está na memória de vários
filhos de santos que possuem sua formação religiosa a partir de seus iniciadores que foram
preparados pelas Vodunsis do Terreiro do Egito no século XX, sob a coordenação da Vodunsi
Mãe Pia.
O Terreiro do Egito tem sua dinâmica interrompida após a morte de mãe Pia, sua
última Yalorixá; alguns filhos e filhas com raízes no terreiro se esforçaram para mantê-lo, mas
não conseguiram conciliar suas atividades em suas casas e no Terreiro do Egito. Vários donos de
terreiros tiveram sua formação no Terreiro do Egito. As atuais casas denominadas Casa Fanti-
Ashanti (Terreiro de Candomblé) e Terreiro de Yemanjá foram fundadas por Babalorixás que
tiveram sua origem no Terreiro do Egito, respectivamente: Euclides Meneses e Jorge Itacy de
Oliveira, ambos falecidos. Entretanto os terreiros continuam em atividade e são considerados,
sobretudo o Terreiro de Yemanjá um dos mais tradicionais no culto ao Tambor de Mina no
Maranhão.
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De acordo com memórias dos mais velhos, o Terreiro do Egito era um espaço aberto.
Durante as festas era construído um barracão de palha. O lugar era e é tido como um lugar sagrado,
guardião da memória afro-religiosa no Maranhão. Na atualidade essa memória e o território este
ameaçado em função da apropriação de uma empresa de capital internacional. Os moradores da
Comunidade do Cajueiro travam uma batalha judicial para não terem sua história destruída em
nome do lucro do capital internacional.
Uma dinâmica social possui inúmeros conceitos que buscam explicar suas
singularidades, um destes conceitos é o de cultura, reconhecido popularmente por representar
hábitos e costumes do ser humano, tornando-se capaz de englobar inúmeras denominações que
apresentam os contextos socioculturais e as relações expressas entre os indivíduos na sociedade.
Assim, o processo de entendimento sobre a cultura revela a transformação e construção de
identidades, bem como a forma de pensar que lugares os indivíduos ocupam no mundo.
Sendo assim, a sociedade dispõe da cultura como uma dimensão capaz de compor
identidades, nas quais os indivíduos identificam-se por aspectos culturais em comum, ou seja, um
conjunto de expressões características de um grupo social no tempo e no espaço. Isto posto, “a
cultura está em um estado de fluxo constante. Não há a possibilidade de estagnação nos materiais
culturais, porque eles estão sendo constantemente gerados, à medida que são induzidos a partir
das experiências das pessoas (BARTH, 2005, p.17)”.
Uma atribuição categórica é uma atribuição étnica quando classifica uma pessoa em
termos de sua identidade básica mais geral, presumivelmente determinada por sua origem
e seu meio ambiente. Na medida em que os atores usam identidade étnicas para
categorizar a si e aos outros, com objetivos de interação, eles formam grupos étnicos
neste sentido organizacional (POUTIGNAT, p. 193-194).
Assim, os grupos étnicos são compostos por uma teia de sentidos, em que seu valor e
relevância são aferidos principalmente pelos que compõem e identificam-se com suas
características, e deste modo veem-se representados por uma comunidade ou um grupo de pessoas,
organizadas pela sua etnicidade. Logo, para fins desse estudo essa análise refere-se à religiosidade
em conformidade à atividade turística.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por isso, ao longo do trabalho são apresentados aspectos que atestam a ancestralidade
e contemporaneidade do Tambor de Mina no Maranhão, em que passado e presente dialogam para
a manutenção dos saberes ancestrais, despertando interesse principalmente de turistas, acerca dos
mistérios e fatos que envolvem os terreiros e mantém estes como espaços guardiões da memória
afro-religiosa.
REFERÊNCIAS
Página 1465 de 2230
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Benim: a estátua de GU. IN. Revista do Instituto Estudos Brasileiros. São Paulo/USP. Nº 63,
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edição. Rio de Janeiro, 2001.
SANTOS, Maria do Rosário Carvalho. O Caminho das matriarcas Jeje-nagô, São Luís, 2001
Página 1467 de 2230
ABSTRACT: The paper seeks to announce the multiculturalism existing in the faculty of the
Physics Degree and Bachelor course of the Federal University of Maranhão (UFMA), through
analysis of documents that make explicit the presence of diverse cultures in Academy. In the
investigation, 24 active teachers were registered. Out of this total, eleven teachers are native to the
state of Maranhão, four are foreigners, and nine are from different Brazilian states. The recognition
of different identities in the school environment has encouraged the development of researches
associated with the teacher's experience in teaching, enabling better understanding and
strengthening of multiculturalism since the teacher has his inseparable culture of teaching praxis
(MOTA, BARROS and SILVA, 2017). We believe that the documentary analysis developed and
the results presented in this research can contribute to the clarification of previously obscure,
camouflaged and neglected issues.
Keywords: cultural studies; multiculturalism; teaching practice; teacher.
INTRODUÇÃO
Os primeiros traços dos Estudos Culturais foram evidenciados no período pós-guerra
na Inglaterra com o fenômeno de migração. A abrangência em diversos campos do conhecimento
(etnias, política, sociologia, filosofia), e a clarificação de significados requestou o reconhecimento
de diferentes grupos étnicos culminando para expansão deste estudo no mundo (STUART HALL,
2006).
Página 1468 de 2230
Para melhor compreensão da presente pesquisa, julgamos ser necessária aduzir alguns
termos pouco conhecidos ou divulgados na língua portuguesa. Palavras como, multiculturalismo,
pluralismo cultural, interculturalismo, pluriétnica, são constantemente usadas de forma
equivocadas. Entendemos que a má interpretação dos significados destas palavras vem
contribuindo para o seu desuso e para o analfabetismo funcional, além disso, a carência dessas
palavras no dia a dia provoca o empobrecimento do vocabulário brasileiro. Acreditamos que, por
meio da compreensão do significado destes termos, o cidadão poderá identifica-se neles e
reivindicar o reconhecimento do seu grupo étnico ou cultural.
a inclusão da cultura desse grupo, o país desenvolveu um modelo de políticas públicas migratórias
denominado “Assimilacionismo” que sugere a assimilação entre os grupos, a fusão de diferentes
culturas numa única identidade.
[...] a pluralidade de vozes que compõem um país deve ser ouvida para que sua cultura
se entenda de modo não estereotipado e para que se faça da diversidade uma forma de
ampliar-se o conhecimento da espécie humana, una do ponto de vista biológico mas
ricamente diversificada do ponto de vista cultural” (COELHO, 1997, p. 262).
identidades culturais em uma práxis docente heterogênea como forma de potencializar e dar
visibilidade ao multiculturalismo.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Ao abordamos a temática, Estudos Culturais, faz-se necessário apresentarmos os
transcritos da Constituição Brasileira de 1988, para melhor entendimento das leis que tratam do
reconhecimento do cidadão que compartilha a mesma nação. Diante desta questão, discutir os
Estudos Culturais exige discutir políticas que potencializam o respeito à diversidade cultural, a
condecoração ao multiculturalismo e a sociedade pluriétnica.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas
e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional.
(BRASIL, 2017, p.79).
O reconhecimento de uma nação pluriétnica permitiu a criação de um ambiente
jurídico para atender diferentes grupos. Visando o respeito à sociedade pluralista, no ano de 2005
o governo brasileiro acrescentou ao artigo 215 o parágrafo terceiro, assegurando no inciso V o
dever à “valorização da diversidade étnica e regional” (BRASIL, 2017, p.79). Neste viés, torna-
se relevante a disseminação dos Estudos Culturais no país em que novas perspectivas sobre étnica,
religião e cultura vêm cooperando para o enriquecimento intelectual da nação (JACQUES
D'ADESKY, 1997).
Página 1471 de 2230
[...] o fazer docente está muito além da mera ocupação de um posto profissional,
encontrando-se incluídos neste fazer, uma sobrecarga de compromisso social, político e
cultural, com outras várias condicionantes ligadas às significâncias e sentidos que
ultrapassam as demarcações estatais e a normatização institucional (MOTA, BARROS e
SILVA, 2017, p. 149).
trabalho docente sob novas perspectivas multiculturais, facultando o rompimento com olhares
essencialistas.
Esses debates podem gerar mudanças na relação entre o sujeito que ensina e o sujeito
da aprendizagem, na seleção dos conteúdos, nas metodologias de ensino, na prática pedagógica,
no reconhecimento e valorização de inúmeras identidades, uma vez que o ambiente de ensino e
aprendizagem se configura no contexto multifacetado (MOTA, BARROS e SILVA, 2017).
METODOLOGIA
Nos processos metodológicos da pesquisa, buscamos junto ao Departamento do curso
de Física (licenciatura e bacharelado) da UFMA, documentos que nos auxiliasse na divulgação
verídica dos dados. Salientamos que o Departamento de Física teve ciência dos objetivos do estudo
e compreendeu sua relevância para o conhecimento da diversidade cultural no curso de Física.
Ressaltamos que o estudo não tem a intenção de representar em seus dados professores substitutos,
apenas professores que obtiveram aprovação em concursos, ou que lecionam há mais de vinte
anos.
REPRESENTAÇÃO DO MULTICULTURALISMO
Sobreviver em um país com tamanha desigualdade social como o Brasil, exigi muitas
das vezes que famílias inteiras deixem seu lugar natural em busca de melhores condições de vida.
Conjecturamos que a luta por melhores condições de vida tenha sido o principal motivo que levou
estes professores retirantes a deixarem sua cidade/país e permanecerem no estado do Maranhão.
de Física da UFMA. Salientamos que em alguns países, a divisão territorial é feita em províncias,
distritos ou cidades o que o diferencia da divisão territorial do Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 51. ed. Brasília: Edições Câmara,
2017.
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Página 1476 de 2230
INTRODUÇÃO
Dentre os estudos sobre as políticas de incentivo à leitura proficiente na educação
básica, ousamos destacar as ações educativas do projeto “Faróis da Educação”316, desenvolvido
na perspectiva de uma prática social orientada para incrementar as habilidades leitoras dos
estudantes que frequentam essas minibibliotecas. Tendo a potencialidade de despertar naqueles
que as frequentam o pensamento crítico, possibilitando a transformação de si mesmo e da
sociedade. Portanto, contribuindo assim ao processo formativo do educando. Desse modo,
concordamos que a alfabetização é um ato político no sentido do pensamento de Freire (2001).
Em tempos de flagrante desprezo à cidadania, vale problematizar o quanto as políticas
educacionais têm sido insuficientes para garantir uma alfabetização de qualidade. Questiona-se
em que medida o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) têm elevado o aprendizado
na educação infantil pública brasileira. O diagnóstico do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB), sobretudo da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), não seria indicativo
de fracasso escolar? Se isso ocorre, havemos de admitir violação do direito humano e jurídico de
aprendizagens de qualidade ao impedir o educando de conviver dignamente na sociedade e de
aprimorar seus conhecimentos.
O projeto “faróis do saber”, objeto desse estudo, tem a preocupação em formar leitores
ao incentivar nos frequentadores das minibibliotecas o hábito da leitura. Não encontramos
evidências sobre a compreensão do ato de ler enquanto interpretação do texto, não restrito à
codificação e à decodificação do mesmo. Contudo, por serem públicas, pressupomos a integração
da comunidade e da família no processo de formação de estudantes leitores. É possível que se os
pais forem leitores os filhos tendem a imitá-los. Além de outros exemplos simples como aproximar
a criança do livro visitando livraria, biblioteca pública, banca de revistas, sebos ou, até mesmo,
levando-os a uma feira do livro. É interessante que se dê oportunidade a criança de escolher o
livro de sua preferência, pois, a paixão pela leitura ocorre gradativamente e se inicia quando o
leitor principiante ler o que gosta de ler. Em relação ao aprender pelo exemplo, o mesmo diríamos
dos professores. E cabe a questão: qual o interesse dos professores pela leitura e a pesquisa?
316
“Faróis da Educação” e “Faróis do Saber” são denominações do mesmo projeto.
Página 1480 de 2230
DESENVOLVIMENTO
Inicialmente convém explicitar o entendemos por leitura. Por isso, compartilhamos do
que defende Furtado (2009, p. 1) “Entende-se por leitura não somente decifrar símbolos gráficos,
mas, essencialmente, a compreensão e a utilização da informação para o desenvolvimento do
conhecimento e como prática social e socializadora”. Observemos no pensamento da autora a
perspectiva emancipatória do ato de ler que se associa ao que diz Freire (2001, p. 9). “a leitura da
palavra é sempre precedida da leitura do mundo”. Por isso, os educadores ligados à alfabetização
necessitam compreender que, segundo Bourdieu, Cartier (2001), a leitura caracteriza-se por não
ser neutra, haja vista que a linguagem articula-se em um contexto cultural-ideológico.
Uma pessoa letrada em Leitura não tem apenas as habilidades e conhecimentos para ler
bem, mas também valoriza e usa a Leitura para diversas finalidades. Portanto, um dos
objetivos da educação é cultivar não apenas a proficiência, mas também o envolvimento
com a Leitura. Envolvimento, neste contexto, implica a motivação para ler e abrange um
conjunto de características afetivas e comportamentais que incluem o interesse e o prazer
na leitura, a percepção de controle sobre o que é lido, o envolvimento na dimensão social
da leitura e as diversas e frequentes práticas de leitura (MEC/PISA, 2019, p. 46).
Notemos que a legislação vigente nos “decretos do livro” define como um dos
elementos da política de formação do hábito da leitura a parceria entre comunidade e estado.
Especificamente às “Bibliotecas Farol do Saber”, assim menciona a lei no artigo 4º da lei 10.613,
Do fim de 2017 até agora, foram inauguradas ou reabertas 45 bibliotecas públicas, cinco
delas em São Luís. Outras três devem começar a funcionar até o fim do ano na capital
maranhense, um caso raro entre as grandes cidades brasileiras. Com 63% de suas escolas
equipadas com bibliotecas, é a que apresenta maior diferença relativa ao índice de seu
estado comparado a outras capitais.
Apesar de 55% dos entrevistados informarem que sabem da existência de uma biblioteca
em sua cidade ou seu bairro (esse número era maior em 2011 (67%), 66% não
frequentam bibliotecas ou frequentam raramente (14%). Somente 5% da população
frequentam sempre, e 15%, às vezes. A biblioteca mais frequentada por quem frequenta
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A pesquisa perguntou a professores qual tinha sido o último livro que leram e 50%
respondeu nenhum e 22%, a Bíblia. Outros títulos citados: Esperança, O Monge e o
Executivo, Amor nos tempos do cólera, Bom dia Espírito Santo, Livro dos sonhos,
Menino brilhante, O símbolo perdido, Nosso lar, Nunca desista dos seus sonhos e
Fisiologia do exercício. Entre os 7 autores mais lembrados, Augusto Cury, Chico Xavier,
Gabriel Garcia Márquez, Paulo Freire, Benny Hinn, Ernest W. Maglischo e Içami Tiba.
CONCLUSÃO
A pesquisa nos permitiu identificar nas políticas de incentivo à leitura uma perspectiva
cultural, associando-as ao direito humano básico de acesso ao conhecimento. Por isso, “os serviços
da biblioteca pública devem ser oferecidos com base na igualdade de acesso para todos, sem
distinção de idade, raça, sexo, religião, nacionalidade, língua ou condição social". FERREIRA
(2006, p.117). Ao pensar a comunidade quando do planejamento, o projeto “Bibliotecas Faróis da
Educação” ou “Faróis do Saber” prestaram um relevante serviço à educação pública maranhense.
Obviamente que os resultados foram qualitativos no sentido da impossibilidade de mensurar
quantos jovens, crianças e adolescentes adquiriram o gosto pela leitura.
Referências
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Página 1487 de 2230
INTRODUÇÃO
As mutações sociais e físicas são uma constante na dinamização da humanidade. Seu
nascedouro encontra-se nas mais diversas razões o que pode tornar-lhes radicais e fora de qualquer
controle – a tal ponto que mudanças pujantes, oriundas desses processos, desnudem
idiossincraticamente tudo aquilo que é assolado por elas.
Como habitat das mais variadas formas de vida, os ecossistemas terrestres são
assolados por ações antrópicas praticadas de forma insustentável e que acarretam desequilíbrios
nos seus ciclos naturais. Imiscuído nesse processo, o homem, entendido aqui enquanto ser na
natureza, não tem condão para eximir-se das consequências advindas com diversas ordens,
resultados e níveis de intensidade.
Diante deste cenário, foi proposta pelo sociólogo alemão Ulrich Beck o surgimento de
uma nova forma de teorização da construção social ocidental, com suas especificidades próprias,
relacionada ao modo como a Modernidade rompe com o que havia proposto em termos de
segurança para humanidade e que dá origem aquilo que ele nomeia como Sociedade de Risco – a
Modernidade acaba com a tradição das sociedades agrárias erguidas em fundamentos feudais e
estamentais, ao ser aprimorada dá origem, então, a sociedade industrial que, a sua vez, teria seus
desdobramentos numa nova composição social que seria uma etapa do seu desenvolvimento
ulterior, para além da previsão vislumbrada pela sociedade industrial. Na propositura desta
investigação, pretende-se identificar pontos interseccionais entre as alterações climáticas, que
culminam em situações catastróficas, nem sempre ocasionadas pelos ciclos naturais, mas
intensificadas pelo modo de ser e estar no mundo do homem moderno, que agravam tais ciclos e
produzem impactos que reverberam em todos os âmbitos da comunidade afetada e que tem como
resultado o deslocamento ambiental em nível internacional já que, devido ao supracitado, torna-
se impossível a permanência no locus de origem. Corolário de tal processo, têm-se hodiernamente
levas migratórias que transpassam limites nacionais, mas não se classificam enquanto refugiados
e não gozam das garantias protetivas previstas pela Convenção de Genebra, de 1951 ou Convenção
da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados.
2012) para paisagens desconhecidas, culturas diversas, passando a ocupar a categoria do Outro e
a configurar o estigma do outsider (ELIAS, 2005), tendo que ressignificar seu ethos.
O método que norteará a pesquisa será o método hipotético-dedutivo que, nos tem
como ponto em comum com o método dedutivo, o procedimento de racionar a partir de preceitos
gerais para preceitos particulares. Optou-se, conforme exposto acima, por ter como ponto de
partida a constituição de uma hipótese viável de trabalho que será verificada no transcurso da
investigação. São as abordagens hipotéticas que servirão de aproximação com o objeto e de
resposta à problemática formulada (MEZZAROBA, 2009).
A estrutura social dos séculos que se seguiram ao período que foi convencionado a ser
chamado de Modernidade, pautou-se no impacto do surgimento da ciência e no estabelecimento
da racionalidade conforme disseminado, durantes os séculos XVII e XVIII, na Europa pelos
filósofos iluministas que queriam romper as amarras do pensamento religioso que vigorava até
então, desta feita, tudo o que é conhecido como cultura industrial alicerçou-se no Iluminismo, que
por sua vez, visava o desenvolvimento das formas de pensar e produzir com vistas ao controle do
futuro. Todavia, o mundo tal qual previsto e esboçado por eles não atingiu as expectativas. O
cotidiano tem revelado um total descontrole do homem, nem mesmo os aclamados: progresso,
racionalidade científica e tecnologia puderam garantir que a vida seja mais previsível ou segura.
As questões globais relacionadas às mudanças do clima bem como os riscos trazidos a reboque
exemplificam como as ações humanas influenciam diretamente o meio, seja através de
modificações radicais ou de agravamentos daquilo que é considerado natural como terremotos
incidentes em áreas habitadas, fortes chuvas que causam enchentes e deslizamentos, etc. Estes
riscos associados à falta de certeza quanto às dimensões de seus impactos acabam por acarretar
um certo alinhamento ou nivelamento nos afetados – não importa o privilégio e muito menos o
nível de carência, os riscos estão imbricados à globalização e seus efeitos, em menor ou maior
intensidade, são inerentes a todos (GIDDENS, 2007).
A força propulsora dessa transformação foi o capitalismo, com sua lógica de mercados
que abrangeria consumidores nos planos nacional e internacional, onde o que se mercantilizaria
não seriam apenas produtos, mas também a força humana do trabalho. Na ordem social capitalista
há como que uma inquietude, uma mobilidade baseada na tríade investimento, que tem por
resultado o lucro, que por sua vez, será convertido novamente em investimento. Pautado num
sistema de produção para mercados competitivos e que possui como cerne um sistema de classes,
o capitalismo baseia-se no vínculo estabelecido entre a propriedade privada e a mão de obra
assalariada (GIDDENS, 1991).
Um outro aspecto, em relação ao uso da força de trabalho, pautada nas relações sociais
de classe vigentes nos sistemas estatais do período pré-moderno, reside no fato de que esta nunca
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era inteiramente econômica, uma vez que, o uso coercitivo e violento da força ou sua ameaça, pela
classe dominante composta ou com disponibilidade de guerreiros, imperava (GIDDENS, 1991).
Assim, a Modernidade é uma organização social, um modo de vida, que nasce num
dado contexto histórico – conforme supracitado, geograficamente na Europa e que a posteriori
consagra-se mundialmente através de suas características e consequências universais que passam
a produzir diversos modos de vida que rompem com as ordens sociais tradicionais em diversos
níveis e se transformam continuamente na multidimensionalidade de suas instituições. Ainda
naquilo que pertine às sociedades cujos meios de produção é o capitalismo, pode-se destacar: a
essência de extrema competição e expansão que alavancam consigo a necessidade de inovação
tecnológica constante; o viés econômico, apesar de forte influência sobre as instituições é distinto
de outro viés social tal como o político; o isolamento entre Estado e Economia, uma vez que, a
propriedade privada dos meios de produção, ou seja, os investimentos são privados e pautados na
mutação do trabalho assalariado em mercadoria e na divisão de classes.
doméstica. Mesmo nas culturas mais desenvolvidas do período pré-moderno, as vidas eram
regidas de acordo com as manifestações da natureza, o homem e o meio ambiente estavam
imbricados de tal modo que o sustento das populações estava atado à prosperidade das colheitas,
da criação dos pequenos rebanhos destinados à subsistência e do acontecimento os não dos
desastres naturais.
O título original da sua principal obra, Risikogesellschaft (em alemão, 1986) Risk
Society (em inglês,1992), alçou Beck à categoria de um dos principais teóricos da atualidade.
Um dos motivos pelos quais houve tanta repercussão em torno da publicação vincula-
se à quase premonição da obra ao tratar de questões nucleares no ano do acidente ocorrido em
Chernobyl, o que impulsionou a análise sociológica da realidade “[...] baseada em fatores de
mudança estrutural assente no próprio conceito de sociedade e na força e na imanência dos
fenómenos sociais” (MENDES, 2015, p. 23).
Assim, caracteriza a modernidade tardia como o período onde: “[...] a produção social
da riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos”. Continua aduzindo
que esses riscos, “[...] São riscos da modernização. São um produto de série do maquinário
industrial do progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior”
(grifo do autor) (BECK, 2010, p.23-26).
consequências, etc. Todos esses fatores podem ser potencializados por fatores tais como a
globalização.
ideias que o governo gostaria de manter no exterior (drogas, imigrantes ilegais, críticas à
violação de direitos humanos) acabam por encontrar seu caminho. Entendida desta
forma, a globalização significa o assassinato da distância, o estar lançado a formas de
vida transnacionais, muitas vezes indesejadas e incompreensíveis [...] (grifo do autor).
A segunda, tem como adeptos aqueles – radicais, que acreditam que, além de estar em
pleno desenvolvimento os efeitos da globalização podem ser sentidos em toda parte, haja vista, o
mercado global que além de indiferente às fronteiras físicas a cada dia que passa se torna mais
onipresente e desenvolvido. Para Giddens (2010), nenhum dos 2 posicionamentos sustentam-se,
uma vez que, a globalização não pode ser vista apenas sob os aspectos econômicos. Por ter sido
propulsada, a partir da influência dos sistemas de comunicação preocupados em disseminar
informações, o processo globalizatório é antes, cultural, político, tecnológico e, em igual peso,
econômico.
A comunicação em tempo real, alterou a forma com que a vida dá-se nos mais
diversos locais do globo, não importa a classe econômica, ou seja, a globalização não está do lado
de fora, nos grandes centros, ela está do lado de dentro, no dia-a-dia, influenciando a ordem, social,
familiar, íntima, causando transformações em todas as facetas da vida, não importa se urbana ou
campesina, se tradicional ou cosmopolita, numa complexa teia de processos que também se
tornam responsáveis pelo ressurgimento de várias identidades culturais, há muito perdidas.
Não é somente uma nova variedade de conexões e de relações entre Estados e sociedades,
que surge com a globalização em todas as suas dimensões; é o conjunto das suposições
fundamentais sob o qual todas as sociedades até hoje organizaram, viveram e apoiaram
a sua condição de unidades territoriais mutuamente separadas (grifo do autor).
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Riscos disseminados por questões ambientais têm diversas formas de incidência assim
como muito são suas formas de transmutação, a crise ecológica tem diversos desdobramentos e
um desses são as mudanças ou alterações climáticas causadas pelos processos de industrialização,
queima de hidrocarbonetos dentre outros.
A base fundante dos marcos legais internacionais que passaram de fato a proteger e
tentar preservar o meio ambiente foi Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, em Estocolmo, no ano de 1972 porque foi ali que se estabeleceu uma agenda global de
ações voltadas para o uso dos recursos ambientais já que estes passaram a ser vistos como
esgotáveis, o que permitiu que viesse a lúmen novas percepções de crescimento econômico, além
de ter incluso a biosfera como algo que deveria ser cuidado.
atmosférica, foi Conferência realizada no Rio de Janeiro, em 1992, Rio-92 ou Eco-92, que
inaugurou esse capítulo com a noção de desenvolvimento sustentável, com seu tripé conceitual
que abrangia: meio ambiente, sociedade e economia. Após isso, vieram as Conferência das Partes
– COP´s e suas principais decisões, com destaque à COP III, que originou o Protocolo de Kyoto
– que inova ao preconizar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, que é um dos
principais meios utilizados para coibir a emissão de gazes do efeito estufa.
Dentre as consequências humanas das alterações climáticas, pode ser trazida à baila a
questão dos fluxos migratórios que reforçarão a movimentação internacional de pessoas oriundas
dos locais que deixaram de existir ou que se tornaram inóspitos à vida devido aos impactos
ambientais sofridos pelas alterações climáticas desencadeadas pela sociedade de risco e reforçada
pelos processos de globalização.
essa distância não é fruto de uma escolha, “[...] e migrantes internacionais que cruzam fronteiras
políticas entre Estados para poderem ser elegíveis à proteção conferida pelo direito dos refugiados
e para serem protegidos pelo ACNUR (CLARO, 2016).
Essa resistência é descrita como um estigma, carregado por aqueles que migram e que
ao chegarem às cidades acolhedoras deixam de ser vistos ou considerados em sua totalidade e
passam a ser diminuídos ou reduzidos a como que estragados, por não serem desejados ali,
conforme Goffman (2008 p.12): “Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu
efeito de descrédito é muito grande [...] e constitui uma discrepância entre a identidade social
virtual e a identidade social real”.
Mas não é apenas o avanço dos mares e oceanos que pode causar a migração forçada por
motivos ambientais: refugiado do clima é toda e qualquer pessoa que se vê obrigada a
migrar do seu local de origem por quaisquer motivos relacionados à mudança e
variabilidade climáticas, sejam esses de início rápido (como ciclones, tornados, chuvas
intensas que causam enchentes, tsunamis, entre outros) ou de início lento (aumento
gradativo da temperatura do planeta, desertificação, degelo de calotas polares, etc.).
Somam-se aos efeitos climáticos também a interferência do homem no meio ambiente,
que tende a aumentar o risco de que populações inteiras tenham que migrar para
sobreviver, como nos casos de erosão do solo, derrubada de vegetação nativa, poluição e
qualquer outra situação que cause desequilíbrio ecológico temporário ou permanente.
Estimativas apontam que até 2050 o mundo terá entre 250 milhões e 1 bilhão de
refugiados do clima, mas já há quem afirme que na primeira década do século XXI esse
número mínimo já tinha sido ultrapassado em razão do aumento exponencial de desastres
ambientais no mundo todo. Nesse cenário, Bangladesh, país localizado no Oceano
Índico, com baixa altitude e que possui o maior delta do mundo em termos de vazão de
água, pode, sozinho, produzir um número de refugiados do clima maior do que o mundo
todo somado. Isso se deve principalmente ao fato de Bangladesh possuir alta densidade
demográfica e alta taxa de natalidade num território que recebe água do oceano, dos rios
que desembocam no seu delta (formado pela confluência de três grandes bacias
hidrográficas) e do degelo dos Himalaia.
Outra característica que marca esses que se movimentam internacionalmente por conta
dos deslocamentos forçados, é a transformação de características identitárias que carregam traços
culturais muitas vezes ligados ao local de ancestralidade, como por exemplo no que diz respeito a
Página 1502 de 2230
CONCLUSÃO
Entendeu-se que a partir da Revolução Industrial, os moldes de desenvolvimentos
da sociedade foram sempre pautados na exploração do meio ambiente como se este não estivesse
imbricado à sociedade e fosse inesgotável.
Exemplo disso são as situações causadas pelas alterações climáticas em suas mais
variadas formas. O meio ambiente só teve proteção internacional com relevo a partir da década de
70, com a Convenção de Estocolmo, que já tratava de questões ligadas à proteção da biosfera,
durante o decorrer do tempo outros normativos foram criados com vistas a envolver indivíduos,
Estados e Organismos Internacionais a promoverem o desenvolvimento sustentável em
consonância às transformações sociais.
Todavia, assim como os riscos se dissipam e se agravam, vão surgindo novos atores
nessas relações como é o caso daqueles que se movimentam internacionalmente por serem vítimas
das alterações do clima, os deslocados ambientais, estigmatizados como estrangeiros e sem
proteção jurídica no plano internacional
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Página 1503 de 2230
ABSTRACT :This paper presents the discussion of an ongoing research (dissertation project of
the academic master's degree in Psychology by the Federal University of Maranhão) and its
objective is to reflect on the phenomenon of friendship in its relationship with the formation of
subjectivities, adopting the theory as an epistemological basis. phenomenological and existential
of Hannah Arendt. It goes through, first, the way in which friendship was constituted as Philía,
relating us to otherness at the same time that it based this relationship based on familiarity. Then,
it shows how friendship was giving way to fraternity in the Modern Age, a period of history
marked by mass societies and the overvaluation of the private sphere. Finally, it emphasizes how
friendship as a process of formation of subjectivities and political practice can be understood as a
proposal to overcome the emptying of the public sphere, uniting social differences and allowing
the encounter with the different to be marked by the production of thoughts and "yourself". In the
Arendthian conception, “in the public-political sphere [...] a 'kind of' friendship 'flourishes, like
the Aristotelian philia politique, which considers at the same time those who are close and the
world that stands between each and between all" (WAGNER, 2006, p. 100).
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INTRODUÇÃO
[...] manifestação que não se comporta uniformemente no tempo e no espaço [...]. Assim,
assinala-se que, mesmo existindo uma tradição mais ou menos constante (e que pode ser
denominada de aristotélica-ciceroniana) de reflexão teórico-filosófica sobre a amizade
perfeita (teleia philía/amicitia vera), as práticas e o significado social da amizade mudam
constantemente (ORTEGA, 2002, p. 11-12).
Com o passar dos séculos surgiram os tratados filosóficos sobre a amizade, dos quais
se mantém na história do pensamento ocidental enquanto tradição o tratado aristotélico. Para
Arendt (2008), Aristóteles fora quem primeiro politizou a amizade, interpretando-a como aquilo
que torna as cidades e os cidadãos unidos entre si. Para o filósofo, a Philía “[...] parece também
manter as cidades unidas, e parece que os legisladores se preocupam mais com ela do que com a
justiça” (ARISTÓTELES, 1999, p. 153). De acordo com Arendt (2005) a vida na pólis enquanto
vida em comunidade era distinta da cidade-estado enquanto localização física. Tratava-se de uma
organização comunitária cuja característica a lhe conceder singularidade era o agir e o discurso,
e o verdadeiro espaço público situava-se entre as pessoas a viverem em conjunto. Nesse sentido a
pólis era entendida como “[...] espaço da aparência, [...] ou seja, o espaço no qual eu apareço aos
outros e os outros a mim; onde os homens assumem uma aparência explícita, ao invés de se
contentar em existir meramente como coisas vivas ou inanimadas” (ARENDT, 2005, p. 211). A
pluralidade dos integrantes da pólis era o que tornava a Philía-amizade a virtude capaz de unir as
diferenças.
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o que Arendt (2005) definiu como triunfo do animal laborans, condição humana pela qual
entendemos que o homem passa a reger a sua vida em função da garantia de sua sobrevivência.
Os homens perderam, com isso, a sua preocupação pelo cuidado com o mundo
comum, favorecendo o surgimento de uma sociedade consumista, cuja preocupação se resume em
trabalhar (laborar) e consumir, mantendo-se distante das preocupações de ordem pública. Esse
contexto conduziu à crença inquestionável na razão instrumental, “[...] fomentadora de sistemas
técnico-burocráticos, que têm como finalidade permitir que forças necessárias de um processo
natural ou histórico sigam seu rumo sem nenhum impedimento” (PASSOS, 2014, p. 80) e ao
surgimento das sociedades de massa. Barros e Josephson (2007) apontam que as “massas” podem
ser entendidas enquanto multidão, ou seja, um agrupamento de grande número de pessoas a
exercerem influência mútua.
sentido original mesmo de filantropia, amor e admiração pelas coisas humanas, deturpando-a em
caridade ou sentimentalismo em face da dor espetacularmente exposta” (AGUIAR, 2011, p. 137).
Sendo assim, compete, então, perguntar: como entender a amizade enquanto prática
política e experiência intersubjetiva capaz de inventar outras formas de relacionamento e
subjetividades? Trata-se de um modelo de amizade, conforme destaca Ortega (2000), que
privilegia a pluralidade, a experimentação de estar na companhia dos outros, a liberdade e a
desterritorialização. Para ele, um discurso acerca da amizade que lhe afirme enquanto experiência
política e intersubjetiva capaz de afirmar as nossas diferenças sociais nos conduz a entende-la
como uma forma de amor mundi. Entender a amizade enquanto amor mundi na concepção de
Hannah Arendt nos conduz a análise de seu conceito de “mundo” e de que modo ele se constitui
enquanto palco dos processos de subjetivação. A sociedade habita um mundo, um mundo marcado
pela singularidade de um Ethos que se distingue da natureza. Nesse sentido, aquilo que singulariza
os homens é também condição do que lhes torna plural, visto ser na sociedade que formamos
nossos valores, ideias, sentidos e, consequentemente, nossos juízos. “Pode-se dizer, então, que os
múltiplos componentes de subjetividade se difundem como fluxos que percorrem o meio social,
dando-lhes movimento” (MANSANO, 2009, p. 111). O movimento das subjetividades a se
desenrolar no meio social ocorre no mundo que habitamos, a esfera pública. Para Arendt (2005,
p. 62),
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O mundo pelo qual a filósofa se referiu não atende a formas unânimes de existência,
mas a modos distintos de subjetividades. Trata-se do artifício humano, que uma vez produzido
liberta o homem da natureza, relacionando-o com o conjunto de artefatos, instituições e leis criadas
por ele. Para Arendt (2005) esse artifício deve ser entendido como espaço adequado para a “ação
e o discurso”, condições pelas quais se constitui a pluralidade enquanto lócus da vida humana.
Conforme enfatizou Passos (2014, p. 128) “o mundo, na perspectiva arendtiana, é vislumbrado
pela ótica da pluralidade, [...] pois demonstra que o mundo não deve ser compreendido como lar
de um único povo, mas sim como a morada de uma multiplicidade de etnias e culturas”. Sendo
assim, podemos entender que para Arendt, a superação de uma vida eminentemente restrita ao
trabalho depende de um retorno do homem ao mundo (à atividade pela qual fabricamos os
artefatos que compõem o mundo objetivo) e à ação, pela qual criamos nesse mundo um espaço de
experiência política e intersubjetiva com os outros. O “amor” por esse mundo, diferentemente do
amor romântico e do amor fraternal, não faz referência a nós mesmos ou a nossa intimidade, mas
se constitui enquanto disposição e aprazimento em compartilhar de maneira discursiva as nossas
opiniões e os acontecimentos mundanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A amizade representa um fenômeno que estabelece um vínculo entre os sujeitos
envolvidos, sendo suas características principais a convivência, o compartilhamento de ideias e a
afeição pela relação intersubjetiva com o outro. Esse conjunto de atribuições conduz à ideia de
que a amizade nos liga àqueles “iguais” a nós, seja essa igualdade marcada por uma igualdade de
valores, crenças ou vínculos parentescos. Porém, a amizade pensada enquanto prática política se
propõe como experiência intersubjetiva que privilegia o contato com o diferente em uma relação
agonística. Em seu sentido embrionário a amizade deriva do antigo conceito de Philía, conceito
grego que além de contemplar as relações marcadas por vínculos sanguíneos, também
contemplava o tratamento com o “estrangeiro”. De modo diferente, a amizade na Idade Moderna
se distinguiu por seu intenso apelo ao contexto familiar, definindo assim o que Arendt denominou
por “sociedade intimista” ao tratar do esvaziamento da esfera pública na modernidade.
Considerando o contexto contemporâneo, percebemo-nos diante do desafio de fazer surgir
novamente o mundo entre-os-homens, resgatando o caráter público (distinto daquilo que é íntimo)
da esfera dos assuntos humanos. A amizade, nessa perspectiva, se distingue das relações íntimas
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REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de M. da G. Kury. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1999.
HANNAH, Arendt. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2005.
______ . Homens em tempos sombrios. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
ORTEGA, Francisco. Para uma política da amizade: Arendt, Derrida, Foucault. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2000.
______ . Francisco. Genealogias da amizade. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002.
AGUIAR, Odilio Alvez. A amizade como amor mundi em Hannah Arendt. O que nos faz
pensar, 28, p. 131-144.
PASSOS, Fábio A. O conceito de mundo em Hannah Arendt: para uma nova filosofia política.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
PRIMO, Joana Sampaio. Amizade, espaço de pensamento e alteridade: uma análise das cartas
de Freud a Fliess. São Paulo: PUC, 2015.
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RESUMO: Em Aristóteles (1997) lemos que “Uma cidade é constituída por diferentes tipos
humanos: pessoas iguais não podem fazê-la existir”, assim, uma cidade é também, constituída por
tipologias diferentes, e são esses distintos suportes textuais que proporcionam ambos (r)existirem.
A essa resistência chamamos manifestação artístico-literária produzida no Século de Ouro
Espanhol, o Emblemata. Assim, objetivamos investigar a cidade na literatura do Século de Ouro
Espanhol, tendo-a como tema em livros de emblemas, especificamente, donde o lema seja
explicito às questões da mesma. “El emblema consta de tres elementos: una imagen o figura
(pictura), un título en forma de breve sentencia (inscriptio) y una explicación más amplia del
contenido implícito en la imagen y en el título (suscriptio). La publicación en 1531 de la colección
que lleva por título Emblematum liber, del italiano Alciato, impulsó el emblema como género
didáctico-moral en toda Europa. Muchas obras barrocas, especialmente algunas de Quevedo y las
de Gracián, están influenciadas por la literatura emblemática”, Tasende (2000, p. 246). Ainda que
em muitos emblemas tríplex apareçam citadas o étimo cidade, outros trazem somente a pictura a
qual possibilita o estudo do tema. No livro de emblemas encontramos os mais variados temas, e
dentre esses, a temática citadina, todos eles com suas linguagens ideográficas as quais nos
permitem afirmar que “El emblema, medio de comunicación simbólica, es hoy un tema de
investigación interdisciplinaria que abarca las literaturas neolatinas y vernaculares, las artes
visuales y la cultura material” Peter M. Daly in Cull e Vistarini (1999, p. 07).
ABSTRACT: In Aristotle (1997) we read that “A city is constituted by different human types:
equal people cannot make it exist”, thus, a city is also, constituted by different typologies, and it
is these distinct textual supports that provide both (r) exist. We call this resistance artistic-literary
manifestation produced in the Spanish Golden Century, the Emblemata. Thus, we aim to
investigate the city in Spanish Golden Century literature, having it as a theme in emblem books,
specifically, where the motto is explicit to the issues of the same. “The emblem consists of three
elements: an image or a figure (picture), a title in the form of a brief sentence (inscriptio) and an
explanation of the content contained in the image and the title (suscriptio). The publication in 1531
of the collection that goes by title Emblematum liber, by the Italian Alciato, impelled the emblem
as a didactic-moral genre throughout Europe. Many Baroque works, especially some of Quevedo
and las de Gracián, are influenced by emblematic literature”, Tasende (2000, p. 246). Although in
many triplex emblems the last city is mentioned, others bring only the picture which enables the
study of the theme. In the book of emblems we find the most varied themes, and among them, the
city theme, all of them with their ideographic languages which allow us to affirm that neolatines
and vernaculars, visual arts and material culture” Peter M. Daly in Cull and Vistarini (1999, p.
07).
1 INTRODUÇÃO
A imagem da cidade, na emblemática, é univalente, um conceito que pode ser
entendido como recorrencial ao conjunto das produções de livros de emblemas no Século de Ouro
Espanhol. A imagem da cidade – enquanto discurso misto – é recorrente mesmo que não haja
intenção explicita no lema. A cidade, nos livros de emblemas é como percebemos, uma “res
significans”, sempre confirmante de que ela nos bonifica uma vida retirada – pela dualidade
campo/cidade – de um lugar de insegurança para um de refúgio, amuralhado, fortificado e
protegido dos pecados. Pois, o mundo natural, como era compreendido na época, estava imbuído
de sentido moral, mas também de insegurança e desamparo.
317
“Creo que una de las claves del éxito del género (y, en concreto, del volumen que aquí se presenta, paradigmas de
los libros de emblemas), más allá del compendio de saberes que mostraba, más allá de la revolución que supuso la
imprenta en el mundo de la cultura, o incluso de su empleo pedagógico, se halla en la libertad de interpretación de
esas imágenes, en ocasiones herméticas, en ocasiones de fácil identificación. A esto se puede objetar que el lema
(título que deviene en concepto) y el epigrama (poema que expresa el contenido del lema y el sentido de la imagen)
podrían, en principio, dejar escasos resquicios para una lectura personal de los emblemas” (ZAFRA, 2003, p. 07).
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Todos eles com suas linguagens ideográficas que nos apresentam o formato do
emblema tríplex: Imagem ou pictura gravada, lema ou mote (geralmente em Latim), epigrama
(versos que explicam o sentido de toda composição). Vale o destaque para o caso do emblema,
Legum munia urbium moenia, de Solórzarno parafraseado por António de Novaes Campos, pois
está ela, a obra em seu conjunto, e o emblema, acrescidos de colorido; algo inusitado para a
produção do emblema áureo, mas não para a produção do livro nos albores do século XVIII.
Como as ekphraseis, as ilustrações são, ente outras coisas, interpretações que necessitam
elas mesmas de interpretações; mas, como quer que as leiamos, elas afetarão o modo
como lemos os textos que ilustram, mesmo quando sua maneira de reescrita acaba na
verdade por subverter os textos”, (CLÜVER, 1997, p.44).
Para além destas questões, as ekphraseis, ainda que, em muitos momentos, sejam
fontes de inspiração e produção de textos não verbais, exige leituras e conhecimento dos desenhos
simbólicos, como são fontes aprofundadas de obras literárias e pictóricas. Isto porque, a sua
produção é mais que um diálogo intertextos, é uma produção de conhecimentos culturais,
profundamente harmônicos às questões da arte e da literatura áurea; e, consequentemente, a
interpretação e o saber sobre a tradução de algumas obras verbais em sistemas de signos não
verbais, bem como dos não verbais para os verbais exigindo um leitor qualificado e educado nas
práticas culturais de textos clássicos. Isto por entendermos a colaboração entre imagem e texto,
no Século de Ouro, existe, mas a mais profunda elaboração de imagens não exige palavras, e a
318
“Las posibles diferencias de los subgéneros y la terminología de lo que en sentido amplio denominamos
“emblemas” son muy discutidas por los tratadistas, pero la conclusión a la que se llega es que todas esta modalidades
se consideran esencialmente la misma cosa: ver Azanza y Zafra, 2000. Para cuestiones generales, ver Praz, 1989;
Campa, 1990; Maravall, 1990; Egidio, 1990; Cuadriello, 1974; Literatura emblemática hispánica… 1996; y los
clásicos Gallego, 1991; y Sebastián, 1981. Más reciente es el importante libro de Rodríguez de la Flor, 1995. Tal
modo de expresión no exige, naturalmente, la presencia de todas las partes constituyentes de un emblema tipo, esto
es, el mote, el elemento visual y la glosa. Incluso, como recuerda V. Infantes (1996) a propósito de la literatura,
abundan los loci emblemáticos por el texto sin que se corresponda necesariamente con una ilustración de tipo gráfico”,
(ARELLANO e OLLETA in ARELLANO e PEREIRA 2010, pp. 27 e 29).
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maior produção verbal não precisa se apoiar na imagem, são ambas, pois, produções resultantes
de práticas socioculturais, produzidas com e por modelos clássicos e outros deles derivados319,
refletindo práticas de traduções.
Vale o destaque para dizer com as palavras de Roman Jakobson (2000), o que
entendemos por tradução e, muito em particular, a inter-semiótica. Justamente porque sabemos
que o emblema está todo ele impregnado de questões relativas às três espécies de tradução –
intralingual, interlingual e inter-semiótica320. Isto porque, a tradução das suscriptio de um idioma
como o latim, para o espanhol, é uma área de estudos da tradução interlingual ou tradução
propriamente dita; enquanto que a tradução da inscriptio possibilita o estudo da tradução
intralingual, pois muitos signos do espanhol do século XVI precisam ser reformulados por outros
signos da mesma língua em séculos posteriores; e a pictura deixa albergar, a transmutação
enquanto tradução inter-semiótica aquela que consiste na interpretação dos signos verbais por
meio de sistemas de signos não verbais.
Os emblemas que vamos analisar mais adiante, todos eles contêm as pictura, nas quais
observamos a transmutação, no nosso caso em estudo, a tradução dos signos verbais em signos
pictóricos em preto e branco e colorido. As pictura em destaque são objetos de tradução do nível
verbal para o ilustrativo. Eis, pois, um duplo trabalho de tradução por parte de quem ilustrou os
emblemas. No caso muito em particular – há o que chamamos, por questão didática, tradução inter
semiótica/intralingual pois, no caso dos emblemas de Solórzano Pereira parafraseados por
António Campos e o de Mendo, os dois ilustradores foram às fontes verbais clássicas para realizar
suas ilustrações. Um em cores e o outro em preto e branco. O mesmo tipo de tradução, observamos
nos emblemas de Juan de Horozco y Covarrubias e o de Alciato, em cujo lema lemos: O dever
dos filhos para com os pais. Nesses emblemas as cidades em chamas, o trato das disposições das
personagens, a panorâmica da pictura é levemente diferente uma da outra. Houve uma
transmutação parcial em todas as ilustrações. Pois observamos alguns comunicantes que são
equivalentes – ainda que em cor, como a pictura de Solórzano. As de Juan de Horozco y
Covarrubias e as de Alciato, em preto e branco, bem como a de Solórzano, parafraseadas, mesmo
319
A estas questões é importante lermos o texto de René Wellek e Austin Warren (1971) – especialmente o capítulo
onde os teóricos são precursores na discussão dos estudos interartes: Literatura e outras artes (pp.159-176). Vale o
destaque para afirmar e confirmar que – “Depara-se-nos, por fim, este problema: certas épocas ou nações foram
extremamente produtivas apenas em uma ou duas artes, e mesmo estas completamente estéreis ou meramente
imitativas e derivativas de outras”, Wellek e Warren (1971, p.169).
320
Distinguimos três maneiras de interpretar um signo verbal: ele pode ser traduzido em outros signos da mesma
língua, em outra língua, ou em outro sistema de símbolos não-verbais. Essas três espécies de tradução devem ser
diferentemente classificadas: 1) A tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de outros signos da mesma língua; 2) A tradução interlingual ou tradução propriamente dita
consiste na interpretação dos signos verbais por meio de alguma outra língua; 3) A tradução inter-semiótica ou
transmutação consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais.
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que em cores, sofreram poucas modificações na panorâmica geral da tradução do verbo para as
imagens.
Eis, pois, o motivo pelo qual afirmamos que este emblema, por si só, possibilita muitos
estudos interartes. O emblema de Mendo originou o de Solórzano que, por sua vez, o de António
Campos. O deste último, além do acréscimo da cor, da moldura diferenciada, apresenta outro
texto, ou seja, se compõe, portanto, quebrando a triunidade do emblema áureo, em quatro novas
partes. As pictura foram duas vezes revisitadas e o texto idem. Este sofreu duas traduções
interlingual. A primeira do latim para o espanhol do século XVI, e a segunda, deste para o
português do século XVIII. Temos, portanto, neste emblema, as três espécies de tradução de que
fala Jakobson (2000).
321
“Ler um texto como tradução de outro texto envolve uma exploração de substituição e semiequivalências, de
posibilidades e limitações. No caso de traduções intersemióticas, alguns leitores fascinam-se com as soluções
encontradas, enquanto outros podem ver nisto a melhor demonstração das diferenças essenciais entre os varios
sistemas de signos”, (CLÜVER 1997, p.43).
322
“Composición de un dibujo simbólico que encierra una idea de sentido moral, político, social… y un lema, con el
propósito de captar los ánimos mediante representaciones gráficas. (…) la publicación en 1531 de colección que lleva
por título Emblematum liber, del italiano Andrea Alciato, impulsó el emblema como género didáctico-moral en toda
Europa”, (CALDERÓN 2000, p. 246).
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E, mais ainda, outras tantas revisitações, o que por si só, explica as espécies de
traduções, levando em consideração que a suscriptio de todo emblema, como era prática na época
dos tratadistas, é resultado da explicação mais amplas do conteúdo implícito na imagem – pictura
– e no título - inscriptio. O que significa afirmar que em cada caso, no de Solórzano para o de
Mendo e no de António Campos para o de Solórzano, encontramos muitos processos dialógicos
explicativos que se coadunam às formas novas de pesquisas, como esta, que enquadra a leitura, e,
consequentemente, a produção do emblema, no campo dos estudos da tradução – interlingual,
intralingual e inter-semiótica, tendo naquela modalidade de composição literária, novos campos
possível de pesquisas. O que ratifica a importância do gênero para os estudos culturais.
Deste modo, a ele, o homem sábio do Século de Ouro, coube produzir obras tão
significativas que nos parece difícil chegar a um denominador comum sobre um tema tão eterno
e importante para as letras, se não nos valendo de prestimosos diálogos intertextuais324. O que nos
faz pensar em Benjamin (1986) sobre a alegoria da polis como escrita e também nos enigmas
textuais perfeitamente estruturados sobre a cidade no texto de Berardinelli (2007): Cidades
visíveis na poesia moderna, quando ambos falam de Baudelaire e Whitman, heróis lendários e
fundadores sobre a poesia moderna, em cujas obras rondam o tema da cidade. E, também, da polis
com o poder se deslocar, via ato de criação literária, para qualquer espaço, e, no nosso caso, menos
para o geográfico e mais para o da criação artística, mas com profundíssimas marcas para o poder,
como “exercício das imagens simbólicas da cultura”. (RAMA, 1985, p. 48)
323
Para maiores aprofundamentos acerca do sábio e, consequentemente, da categoria sabedoria, indicamos o livro -
Modelos de vida en la España del Siglo de Oro, Tom II, Arellano e Vitse (2007). Muito em particular o texto – El
hombre sabio es un caracol, una represntacion emblemática, de Bouzy.
324
Entendemos com Clüver (1997) que o diálogo intertextual é…e também, dentro da temática a cidade, para Zárate
in Azanza e Zafra (2000, pp. 225-234), no texto Imagen y poder, alegorías en emblemas, do qual retiramos este
excerto: “pero no podemos olvidar que el Emblema, como recurso intelectual, busca sus fuentes en la literatura clásica,
en bilblia, en la historia, en la historia, en la medalística, etc., y en muchas ocasiones, populariza ideas e imágenes
que ya la pintura o el grabado había universalizado con anterioridad (…) Es nuestro propósito hablar con ejemplos,
proponer al lector consideraciones puntuales donde la pintura o el grabado, imágenes parlantes, no son otra cosa sino
alegorais conocidas en su tiempo que se fundamentan en la tradición literaria”.
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O pensamento sobre a polis – como espaço de poder e de criação é o que nos faz pensar
que A cidade das letras de Rama (1985) é o locus constituído pelas trocas simbólicas, pelas lutas
dentro de processos ideológicos que fazem da “cidade-signo, uma semiologia social e literária”,
(ACHUGAR in RAMA, 1985, p.17). Constituída, pois, e construída como metáfora de criação,
definimos a cidade, pelo olhar dos emblematistas áureos, como tesouro difusor de erudição, e suas
produções sobre cidades, como já afirmamos noutro texto325, nos proporcionam confirmar que:
325
Cárcel, lugar revelador de la ciudad como cultura visual en el teatro breve, no Colóquio Internacional sobre
Teatro e Cidade na Universidade de Varsóvia, no mês de Junho de 2019. (Artigo no prelo a ser publicado pela Revista
Hipogrifo da Universidad de Navarra).
326
Pensemos nas obras – Cidades Imaginárias, de Ítalo Calvino e na que a originou: As viagens de Marco Pólo. Na
edição Livros de Bolso Europa América, tradução de M. de Campos, no- 294. Cujo editor, Francisco Lyon de Castro
ao comentar a obra afirma: “Durante séculos, a mais variada imagem do Oriente foi-nos dada pela narrativa de Marco
Polo. Nenhuma outra obra gozou de tanta popularidade. Foi através dela, essencialmente, que o Ocidente conheceu
os palácios sumptuosos dos déspotas asiáticos, os rios e as cidades do Catai, os costumes e ritos dos Indianos, as
plantas e as espécies raras, os animais fabulosos. Com o seu livro, o modesto e prudente mercador veneziano procurara
dotar a Europa de uma espécie de grandioso guia destinado a revelar, com a maior fidelidade possível, um mundo
praticamente desconhecido. Tal facto não impediu, porém, de sobre ele recair a suspeita de exagero e de fanfarronice,
quando não mesmo de mistificação. É, na realidade, um singular paradoxo que um livro tão realista e positivo pudesse
ser considerado um conjunto de fábulas e de mentiras e, ao mesmo tempo, constituir um estimulante de sonhos e
miragens para conquistadores e poetas. Não se pode esquecer, por exemplo, que a sua leitura ajudou a fomentar em
Colombo a ilusão pertinaz, que nele continuou até ao fim da vida, de ter atingido não as praias cubanas, vanguarda
de um novo continente, mas as praias do misterioso Cipango, o actual Japão. (...) O tempo já fez justiça a Polo. O
veneziano impôs um passo gigantesco à consciência geográfica do seu tempo, destruindo muitas fantasias que a
Europa situava no inexplorado Oriente. Pode-se dizer que o livro de Marco Pólo abre as portas à literatura cientifica
moderna” Nota introdutória, Francisco Lyon de Castro, (s/d).
327
“El predominio de lo clásico suele coincidir con civilizaciones fuertes en las que el hombre que parece haberse
hecho dueño de las circunstancias, se afirma en la vida y el artista en su obra: aquélla es un presente que se ofrece
para exprimirlo y saborearlo, ésta intenta reflejar en su equilibrada plenitud, la perfección inmutable de la belleza
absoluta” (…) A la seguridad en sí mismo del hombre renacentista que confería a la vida un sentido de belleza y
placer dio paso la fugacidad del tiempo barroco. “Del coged hoy vírgenes, las rosas” se pasa al “Carpe Diem” en
donde la más preciada belleza ha de volver como el hombre, “en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada”,
como recuerda Góngora” (CARDONA 1999, p.06).
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aplica a muitos propósitos, pois a polivalência, o amplo campo de produção; assim como as
temáticas dos emblemas, facilitam incursionar em temas como este. O que não diminui, pelo
recorte temático, o valor e importância do livro de emblemas, muito menos o traduz naquilo que
ele realmente significa, no entanto, o presente trabalho proporciona confirmar que,
Durante una época rica en obras decisivas para la cultura, apareció un volumen titulado
Los Emblemas de Alciato traduzidas em Rimas Españolas, versión castellana de la que
podemos considerar una de las obras más influyentes del Renacimiento. El Emblematum
liber alciatii dejó huellas en casi todos los campos del saber y del arte de su tempo y de
posteriores centuria. No sólo el elevado número de las ediciones que se sucedierón
durante los siglos XVI y XVII, cerca de 150, da prueba de ello. Escritores, pintores,
escultores e incluso predicadores y políticos hallaron en sus páginas un fabuloso tesoro
de saberes variopintos y, sobre todo, asequibles, asi como una codificación de símbolos
que resultó extraordinariamente novedosa en su formato de mote, grabado y epigrama.
(ZAFRA, 2003, p.05).
Dito isto, podemos afirmar que a cidade, na produção emblemática áurea, permite uma
erudição visual, pois a pictura é um aspecto implícito ainda que silencioso na manifestação
artístico-literária, isto porque a emblemática dedicou, também, esforço em transformar a cidade
em preceitos de reflexão e saber sobre o homem, suas ideias de e sobre a polis. Somente porque:
Estos emblemas, que intentan dar cuerpo a las ideas, son antes de todo el reflejo de una
tópica antigua submergida en lo que se suele llamar la “sabiduría de las naciones”, es
decir un conjunto de sentencias proverbiales cuya fuente a veces se olvida ya que muchos
de ellas se remontan a épocas anteriores a los estóicos. (BOUZY in ARELLANO e
VITSE, 2007, p. 127)
questões da cidade. Ainda que saibamos que em muitos emblemas tríplex328, observamos o tema
da cidade, na sua composição de pictura, mas não trazem o lema sobre ela, mesmo que em alguns
casos, na suscriptio e na explicatio apareçam citadas, ou vice-versa.
Neste cenário, como em todos onde o ser social está impregnado de símbolos e valores
da sociedade na qual vive, sentimos a presença das contradições sociais, das lutas consigo e com
o próximo, das adversidades que as artes oferecem a este mesmo ser, no qual ele é o objeto da
arte.
328
Veja Rodrigues, Edmilson in Revista Infinitum v. 1, n. 1 jul/dez 2018 no artigo: Um tópico da tradição
emblemática: o leão e a estética de persuasão no palácio dos leões em São Luís: capital do Estado do Maranhão,
patrimônio de emblemas portugueses, donde o autor nos esclarece como está composto o emblema, o que para alguns
teóricos, como veremos, é classificado de Emblema tríplex. “El emblema consta de tres elementos: una imagen o
figura (pictura), un título en forma de breve sentencia (inscriptio) y una explicación más amplia del contenido
implícito en la imagen y en el título (suscriptio). El tema o sentencia recoge, a veces, un adagio o refrán, como sucede
en los citados Emblemas morales de Sebastián de Covarrubias, con lo que se evidencia la relación existente entre los
emblemas y la literatura de que se sirven y a la que nutren”, Calderón (2000, p. 158 e 159). Outra definição nos
esclarece Tasende (2000) no Diccionario de términos literarios: “Emblema composición de un dibujo simbólico que
encierra una idea de sentido moral, político, social… y un lema, con el propósito de captar los ánimos mediante
representaciones gráficas. El emblema o la empresa (ésta de carácter más abstracto y particular, aunque acabaron
confundiéndose) está formado por tres partes: un cuerpo, que es la figura o imagen (pictura), un título, lema o mote
(inscriptio), y una explicación (suscriptio), a veces en verso. La publicación en 1531 de la colección que lleva por
título Emblematum liber, del italiano Alciato, impulsó el emblema como género didáctico-moral en toda Europa. En
España hubo muchas colecciones. Son famosos, entre otros, los Emblemas morales (1589), de Juan de Horozco, y las
Empresas (1640), de Saavedra Fajardo. Muchas obras barrocas, especialmente algunas de Quevedo y la de Gracián,
están influenciadas por la literatura emblemática”, (TASENDE, 2000, p. 246).
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Unas de las más importantes muestras de la literatura del extenso período comprendido
entre los finales del Renacimiento y el Barroco está constituida por los emblemas y
empresas, literatura nacida al amparo de un notable desarrollo de la minoría intelectual y
de la gran difusión que, por médio de la imprenta, alcanza la cultura occidental durante
el siglo XVII. (SORIA, 1975, p. 09)
Ao inserir este complexo enunciado textual no cenário de uma sociedade sedenta pelas
artes da cena – música, teatro, baile, muito mais que as visuais, proporcionada, pela atenção aos
ao texto escrito, e mais tarde impresso, e sua constante relação com os clássicos, podemos afirmar
que o emblema era produzido para e por uma pequena parcela da sociedade, que além de saber ler
e escrever podia recuperar os textos antigos.
Ahora bien, al recuperar las sentencias de la antigüedad para elaborar los lemas, la
emblemática se impone como un nuevo campo del saber humano, un campo donde
imperantes conceptos: tópica, braquilogía y taxonomía, por lo cual la joven ciencia – ars
emblemática – se estabelece en la cultura barroca como tesoro difusor de la erudicón.
(BOUZY in ARELLANO e VITSE, 2007, p. 119)
329
“Los espectáculos de todo tipo adquieren en el Siglo XVII una importancia extraordinaria. No deja de ser chocante
que en una época de tan agudizada crisis social para España interior y la del Imperio la diversión y el ocio ocupen tan
privilegiado lugar en las relaciones del pueblo. Más que un contrasentido es, sin embargo, como señaló José María
Díez Borque, una constante histórica propia de las sociedades decadentes”, Jaime Lisavetzky Díez, en Ángel
Berenguer, Madrid en el teatro, 1994, p. VIII.
330
“O estudo de tais textos (textos intersemióticos que nesta altura do texto de Clüver ele denomina de estudos
culturais) requer uma competência específica, e a formação de leitores competentes para tanto (além da formação de
leitores equipados para lidar com intertextualidades interartes) é uma das funções dos estudos interartes”, (CLÜVER,
1997, p. 52).
331
Tais questões de intertextualidade preocupam-se mais com a produção e a recepção do que com os próprios textos:
os traços intertextuais que descobrimos e que nos remetem a uma miríade de pré-textos não dependem tanto do que
está “no texto”, e sim do nosso próprio repertório de textos e hábitos de leitura. Esses hábitos e convenções forma-se
nas comunidades interpretativas a que pertencemos. Um esforço académico para entender nossos hábitos de leitura
(isto é, o modo como atribuímos sentidos a textos) deverá atentar para os tipos de relações intertextuais que
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Deste modo, quando tinham acesso as obras, os homens de cultura media, liam mais
rapidamente os emblemas através da pictura, nesta integração, interessantíssima, entre texto e
imagem, fazendo, deste um tesouro difusor de saberes, com prioridades, objetivos e fins bem
delimitados, como aduz Sanchez Perez (1977):
No entanto, sabemos que esse tesouro não foi inventado, somente, para “educar” os
“incultos”, e informar saberes aos “cultos”. Os emblemas foram utilizados em várias áreas do
saber. “El emblema y empresas fueron también usados para la decoración simbólica de edificios.
El emblema ayudó a informar prácticamente todos los modos de la comunicación verbal y visual
durante los siglos XVI y XVII”, (PETE M. DALY in CULL e VISTARINI, 1999, p.08)
costumamos estabelecer; quando essas relações intertextuais envolvem textos criados em outros sistemas de signos,
deve-se atentar para o modo de recepção desses tipos de textos”, (CLÜVER 1997, p.40).
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5 CONCLUSÃO
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De qualquer modo, com ou sem a presença das teorias da cidade, no Século de Ouro
espanhol, a emblemática vale, se não intrinsecamente como obra de arte, visual e pedagógica, vele
como testemunho literário do livro como registro de interesses voltados às questões da sociedade
e, consequentemente, das políticas de condução das urbes ao patamar de cidades letradas; vale,
ainda, como documento da difusão, entre nós, da literatura emblemática com os temas assentes
nas questões de modelos de vida áureo que se alargam ao patamar da vida na sociedade atual;
vale, pois, como tesouro de consulta à história das mentalidades. Os livros de emblemas –
produzidos nos séculos áureo e reformulados no século XVIII, como o de António Campos
Novaes – servem como testamento de referência ao diálogo interdisciplinar entre literatura e
sociologia.
Podemos, pois, afirmar que o trabalho dos emblematista é uma arte produzida pela
inteligência que, através da criatividade do homem sábio áureo, contribuiu com sua arte e
sensibilidade, a instituir e constituir os parâmetros, da ordem social, tendo como eixo fulcral de
criação os saberes acumulados.
De certo modo, vários trabalhos e centenas de artigos com referências aos aspectos da
cidade – fortaleza, amuralhada, fortificada, pecadora, religiosa, vitoriosa, de refúgio, defesa do
catolicismo332, etc., – afirmam a continuidade de elementos e motivos constantemente
reatualizados dentro da tradição iconográfica em geral e na emblemática em particular. Vale
acrescentar que todos nós, profissionais das letras, necessitamos incursionar, como dialética
interior, nesse universo amplo de pesquisas que é a emblemática. Assim, foi o que pretendemos
demonstrar nesse trabalho, que teve como tema, os emblemas nos quais é percuciente e
instigadoramente validada a contribuição desta arte aos estudos culturais.
REFERÊNCIAS
332
Indicamos alguns emblemas coletados de Vistari & Cull (1999), cujos motes de ciudades estão ali marcados e
destacados, tais como: Ciudad nos. 40, 307, 308, 395, 396, 561, 910, 1095, 1202, 1234, 1258, 1525, 1549; ciudades,
no. 179; ciudad amurallada, nos. 324, 397, 398, 490, 573, 1061, 1187, 1395; ciudades en llamas, nos. 592, 1000;
ciudades sin muros, no, 1079; e muito em particular os emblemas: 1527 – Babilonia, cujo lema: ómnibus ídem (SCH
– Cent. 1, Emb. 8, f.8); 593 – Troia, e o lema: La piedad de los hijos para con los padres (Alciato, 128 na edição em
cotejo e 96 na edição de Zafra (2003, edição facsímil, ambas edições com picturas distintas). Estes emblemas e mais
o 11 do livro 3 de Juan Horozco y covarrubias nos dão uma mostra cabal da importancia e recorrência dos motivos
embelmáticos por vários autores de emblemas. E ainda, o emblema 400 – lema: Fulmen ab ore venit (Núñez de
Cepeda, Emp. 19, 303-4); emblema 281, da cidade de Sicilia, lema: Inimicus insuperabilis – (Soto, Emb. 43, f.90).
Assim, a pesquisa pode avançar com muitas outras obras e imagens de ciudades, quando levamos em consideração a
pcitura quere seja pela presenca de elementos como: igreja, praça, prédio, monumentos, palácio, ruas, etc., sirva para
concluir esta nota o emblema no. 486 sem lema, (Juan Horozco de Covarrubias, Emb. 28, Livro 3, f. 266r), donde a
imagem revela cidadãos na praça de Creta carregando sacos, supostamente cheios de suas misérias.
Página 1527 de 2230
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SENNET, Richard. Carne e pedra – corpo e a cidade na civilização Ocidental. Beste Bolso, Rio
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ZAFRA, Rafael. Los emblemas de Alciato traducidos en Rimas españolas (1549). Ediciones
UIB, Universitat de les Illaes Balears, 2003.
Anexo 1
Página 1528 de 2230
ABSTRACT: The capitalist system is in constant and profound reorganization, restructuring and
reconfiguration, this process being inherent to its dynamics. This fact indicates, among other
issues, that society is experiencing a structural crisis of capital, as well as the capitalist system's
own relentless attempts to adjust and prolong its domination over the contemporary social fabric.
The 2008 crisis has called into question the need to reinvent many economies, and such effects on
culture are undeniable, since culture is inseparable from the economic process. As a response to
the period of crisis in the system, new economic and social practices have emerged, among them
the Economy of Sharing, which, at the same time, proves to be one of its most easily perceived
facets. Considering this panorama and the growing discussions about the culture of sharing, the
purpose of this article was to understand how the crisis is configured as a driving force for the
emergence of new socioeconomic and cultural practices and their main impacts.
Keywords: Crisis. Capitalism. Culture. Sharing.
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INTRODUÇÃO
A dinâmica do sistema capitalista é marcada por crises estruturais e esse fato denota
que o sistema é falho em sua essência, porém, apresenta uma alta capacidade de regeneração. Essa
regeneração vem acompanhada de muitos processos de reestruturação e reconfiguração que
afetam todo o conjunto de funcionamento do sistema, principalmente na relação entre este e o
fator trabalho - uma relação historicamente determinada e de lutas. Observa-se, nesse sentido, uma
força de ajustamento que busca, sobretudo, prolongar a sua dominação sobre o tecido social
contemporâneo a partir da sujeição do trabalho e de um discurso e práticas mais neoliberais.
A crise de 2008 que eclodiu pelo estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos,
mas que afetou toda a economia global, trouxe à tona as fragilidades do sistema, a partir do então
em curso, processo de financeirização do capital. O cenário de crise estrutural e desemprego que
afeta muitas nações, tem provocado um efeito que dimana novas práticas socioeconômicas, a
despeito da Economia do Compartilhamento que tem se mostrado uma verdadeira febre mundial
e, principalmente no Brasil, considerando a atual conjuntura da economia e do mercado de
trabalho.
É por considerar esse panorama de crise estrutural, que se busca analisar, enquanto
objetivo principal desse estudo, como a crise mais recente do capitalismo contemporâneo originou
novas prática socioeconômicas, bem como os seus principais efeitos, principalmente no mundo
do trabalho a partir do surgimento e propagação, capitalizada, da Economia Compartilhada como
válvula de escape. Para buscar tais entendimento, utilizou-se o recurso metodológico teórico-
bibliográfico a partir de pesquisa em livros, artigos e publicações acadêmicas para subsidiarem a
problematização do tema em estudo.
Marx entende o movimento social pela sua particularidade que se configura como
histórico-natural e cujas implicações são diversas na intenção, consciência e vontade dos homens.
A instabilidade do próprio sistema é uma de suas facetas e que por conta de seu caráter intrínseco,
qualquer tipo de abalo promove alterações em suas forças produtivas. Em perspectiva histórica, o
Página 1531 de 2230
A crise do capitalismo não se mostra cíclica, mas estrutural e profunda, sendo inata do
próprio sistema, da sua própria dinâmica, e que afeta de forma mais generalizada o conjunto social
e, sobretudo, sua capacidade de adaptação para sobreviver às novas formas de controle do seu
metabolismo por parte capitalismo (MÉSZÁROS, 2000;2011). Dois pontos se mostram como
fundamentais a respeito da manifestação da crise no capitalismo contemporâneo: o primeiro, o seu
caráter inerentemente cíclico do processo de acumulação do capital e o segundo, a retórica cíclica
das crises no sistema de produção capitalista (CARCANHOLO,2011).
[...] a crise do capital que experimentamos hoje é fundamentalmente uma crise estrutural.
Assim, não há nada especial em associar-se capital a crise. Pelo contrário, crises de
intensidade e duração variadas são o modo natural de existência do capital: são maneiras
de progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com
dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação. Nesse sentido, a última coisa que
o capital poderia desejar seria uma superação permanente de todas as crises, mesmo que
seus ideólogos e propagandistas frequentemente sonhem com (ou ainda, reivindiquem) a
realização de exatamente isso. (MÉSZÁROS, 2011, p.795, grifo nosso)
A partir da crise mais recente, iniciada com o crash do mercado imobiliário norte-
americano de créditos hipotecários, em 2007, mas sentida com efeitos mais intensos e agudos em
2008, que se começou a observar um processo ainda mais acelerado não só de reconfiguração,
mas de reierarquização do capitalismo mundializado (CHESNAIS, 2013). Com uma arquitetura
nova, o capitalismo contemporâneo, um capitalismo mais neoliberal (FILHO 2011), tem
promovido processos de reestruturação produtiva com fortes impactos e desregulamentação,
sobretudo, do mercado de trabalho. Este age operando e reforçando, dessa forma, a sua lógica
interna de exploração e acumulação pelo aumento de mais-valia, tanto em países centrais, mas,
principalmente nos países periféricos com excesso de exército de reserva nos quais o mercado e
as condições inerentes deste encontram-se fragilizados. Sobre o processo regenerativo e ao
mesmo tempo autodestrutivo do sistema, considera-se que:
[...] o capital, como um sistema orgânico global, garante a sua dominação, nos últimos
três séculos, como produção generalizada de mercadorias. Através da redução e
degradação dos seres humanos ao status de meros “custos de produção” como “força de
trabalho necessária”, o capital pode tratar o trabalho vivo homogêneo como nada mais
do que uma “mercadoria comercializável”, da mesma forma que qualquer outra,
sujeitando-se às determinações desumanizadoras da compulsão econômica.
(MÉSZÁROS, 2000, p. 8)
“A crise foi acompanhada por uma expansão notável das economias alternativas [...].
Elas são “alternativas” porque, de uma maneira ou de outra, em menor ou maior extensão,
desafiam os princípios básicos da produção capitalista, como propriedade privada,
trabalho assalariado e produção para troca.” (CASTELLS, 2019, p. 61)
333
“Da globalização da crise passamos à crise da globalização” (BRAGA, 2017, p.21)
Página 1534 de 2230
Ou seja: a crise aflora um sentimento mais comunitário e o poder que as redes podem
proporcionar como um movimento de resposta à conjuntura. As mudanças radicais de consumo
entre os séculos XX e XXI, ou seja, de um hiperconsumo e discurso de posse, a um consumo mais
colaborativo e um discurso de acesso (SUNDARARAJAN, 2018), promoveram novos ideais
sobre os rumos da economia e os ditames sui generis da lógica capitalista. Sobre isso é importante
ressaltar que:
[...] Em vez de trazer uma nova fase de abertura e confiança pessoal às nossas interações,
está criando uma nova forma de fiscalização, em que os prestadores de serviços devem
viver com medo de delatados pelos clientes. [...] Em vez de libertar indivíduos para que
tomem controle direto sobre suas próprias vidas, muitas companhias da Economia do
Compartilhamento estão dando fortuna a seus investidores e executivos criando bons
empregos para seus engenheiros de programação e marqueteiros, graças à remoção de
proteção e garantias conquistadas após décadas de luta social e graças à criação de formas
de subemprego mais arriscadas e precárias para aqueles que se fato suam a camisa.
(SLEE, 2017, p.23-24)
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Assim sendo, o sistema capitalista, estrategicamente, lança mão das tecnologias e das
inovações para aproximar mais e mais áreas da vida social à sua órbita e caso não haja
confrontação à essa investida o que ocorrerá é uma opressão ainda maior sobre o trabalhador
(HUWS, 2017). Segundo Antunes (2019, p.20), “esses contingentes mais proletarizados,
especialmente no setor de serviços, participam cada vez mais (direta ou indiretamente) do
processo de valorização do capital”. A despeito disso, considera-se que:
Com o uso das novas tecnologias, o emprego se torna mais fragmentado. O trabalho tende
a se tornar cada vez mais flexível, tanto nas remunerações (concorrência dos baixos
salários asiáticos e efeitos da precariedade sobre os salários) quanto na polivalência das
tarefas, sem que as possibilidades de mobilidade social sejam suficientemente satisfeitas
em caso de demissão, sobretudo, para os assalariados das pequenas e médias empresas.
Em casos extremos, o trabalhador se torna seu próprio empregador e perde não apenas
sua liberdade, mas também seu sentimento de pertencer a um grupo. Ele fica sozinho
diante de obrigações que lhe escapam, que ele não domina: a nuvem e o big data. Ele se
“uberiza” (SALAMA, 2017, p.158)
334
Trata-se de um neologismo que usa, como raiz, a denominação da empresa de serviços de transporte, UBER, para
fazer referência a um novo padrão de reorganização produtiva e do trabalho.
Página 1537 de 2230
global, redesenha novas e velhas modalidades de trabalho – o trabalho precário – com o objetivo
335
de recuperar as formas econômicas, políticas e ideológicas da dominação burguesa” nas últimas
décadas.
335
Id. Infoproletários. Boitempo Editora, 2009. p.233.
Página 1538 de 2230
A flexibilidade336, nesse sentido, ganha força com crises econômicas e sociais (DAL
ROSSO, 2017), ou seja, em substituição à contratação tradicional, mais onerosa, e menos
competitiva, e diante da emergência do emprego flexível, que representa uma lógica de custos
mais interessante ao capitalismo, assiste-se uma intensificação e tendência do emprego flexível se
tornar o modelo de contratação vigente (PICCININI; OLIVEIRA; RUBENICH, 2006). A
intensificação do trabalho337, bem como ganhos minimizados, mecanismos da engenharia do
capital, constituem-se em elementos centrais da informalização do trabalho, que, ao ampliar o seu
336
Segundo Holzmann (2006, p.71), a flexibilidade tem representado precarização da vida e do trabalho dos
trabalhadores, aumento da insegurança, perda de direitos e benefícios conquistados em lutas históricas
337
O trabalho mais intenso consome mais energias do funcionário com vistas a obter maiores ou melhores resultados,
razão pela qual alguns autores passaram a denominar a intensificação de aumento da carga de trabalho. (DAL ROSSO,
2008, p.197)
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[...] além da era industrial representar apenas um piscar de olhos da história humana,
outras formas de troca, comércio e emprego associadas à economia compartilhada não
são nenhuma novidade. As tecnologias digitais na atualidade estão nos levando a
comportamentos familiares como compartilhamento, emprego autônomo e formas de
trocas dentro das comunidades que já haviam existido no passado. Tal aspecto sem
ineditismo, tanto na natureza das atividades, quanto na forma de trabalho, é importante
porque o formato aprimorado de algo que já nos é familiar ganhará adoção generalizada
muito mais rapidamente, além de ter um impacto econômico muito maior do que as
experiências de consumo ou modelos de emprego completamente inéditos
(SUNDARARAJAN, 2019, p.29).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O capitalismo contemporâneo enquanto resultado das metamorfoses e reflexo das
inovações é reflexo de um cíclico processo de reconfiguração que se expressa mais decisivamente
nos modos de produção pelo qual o sistema opera. A economia do compartilhamento, travestida
de “uberização”, representa uma realidade irreversível na economia. É importante analisar e,
sobretudo, compreender até que ponto, ou seja, qual é o limiar, para a adesão desse novo modelo
de economia e de utilização do trabalho, bem como os impactos da utilização dessas novas formas
de se construir negócios na precarização do mercado e da força de trabalho no Brasil, já calejada
por uma forte tendência de intensificação, flexibilização precedente ao movimento de uberização
da economia.
338
O capitalismo operando em escala global ao criar cooperativas falsas como forma de precarizar ainda mais os
direitos do trabalho, quando não a sua destruição.
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formato de exploração da força de trabalho e assim, tem-se uma moderna precarização do trabalho
que se realiza a partir de dispositivos móveis, plataformas digitais, de agendas virtuais de trabalho
e de uma carga excessiva de trabalho “compartilhado”.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Século XXI: Nova era da precarização estrutural do trabalho? In: ANTUNES, R.;
BRAGA, R. (org). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo,
2009.
DAL ROSSO, S. O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. 1ed. São Paulo:
Boitempo, 2017.
ECKHARDT, G. M.; BARDHI, F. The sharing economy isn’t about sharing at all. Harvard
Business Review, v. 28, 2015.
IANNI, O. Globalização: Novo paradigma das ciências sociais. Estudos Avançados. vol.8 no.21
São Paulo May/Aug. 1994. Disponível em: <http://ref.scielo.org/9xwmzx >. Acesso em
20.jan.2020.
MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção Os Economistas).
MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo,
2011.
RIFKIN, J.. El fin del trabajo. Nuevas tecnologías contra puestos de trabajo: el nacimiento de
una nueva era. Revista Chilena de Derecho Informático, n. 2, 2003.
Página 1542 de 2230
SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2017.
RESUMO: O trabalho ora proposto, visa discutir a saúde bucal do paciente renal crônico, por
meio do diálogo entre a odontologia e a educação, tendo como locus um centro de nefrologia de
um hospital de média e alta complexidade na cidade de São Luís, Maranhão, a fim de elencar as
patologias bucais mais comuns aos pacientes com DRC e que medidas podem ser adotadas no
sentido de prevenir alguns problemas bucais que emergem nesse contexto, considerando o
currículo da área de ciências, de modo mais específico em relação à saúde bucal. A metodologia
adotada é a pesquisa qualitativa, de natureza descritiva, onde por meio da pesquisa bibliográfica
e de campo se apresentam os dados colhidos na pesquisa ainda em andamento, mas que evidencia
que faltam maiores informações sobre a saúde e higiene bucais, em uma perspectiva educacional.
ABSTRACT:The work now proposed, aims to discuss the oral health of chronic kidney patients,
through the dialogue between dentistry and education, having as locus a nephrology center of a
medium and high complexity hospital in the city of São Luís, Maranhão, Brazil. in order to list
the most common oral pathologies for patients with CKD and what measures can be taken to
prevent some oral problems that emerge in this context, considering the science curriculum, in a
more specific way in relation to oral health. The methodology adopted is qualitative research, of
a descriptive nature, where through the bibliographic and field research the data collected in the
research still in progress are presented, but which shows that more information about oral health
and hygiene is lacking, in an educational perspective.
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1 INTRODUÇÃO
A sociedade atual vem passando por modificações de diferentes ordens, que fazem
com que mudem as concepções acerca do papel das profissões e dos espaços. Nesta acepção, o
espaço hospitalar vem sendo percebido para além da atenção e cuidado com a saúde humana, em
uma perspectiva de cura de patologias. Ao contrário, este considera a pessoa em tratamento em
sua totalidade, o que faz com que se considere outros aspectos ou áreas, tais como a educação e a
odontologia, por meio de um diálogo interdisciplinar que visem à recuperação e ao bem-estar do
paciente em tratamento, assim como a prevenção das doenças e patologias, tais como a doença
renal crônica.
Dados do IBGE (ano) apontam que existem em níveis mundiais, mais de três milhões
de pessoas com DRC, um aumento potencial de aproximadamente 8% por ano. No Brasil, esse
número é grande, sendo que aproximadamente 100.500 pacientes fazem hemodiálise, o que os
leva a ter uma redução na qualidade de vida, agravada pelo envelhecimento e tempo de tratamento.
(SETTE; ABENSUR, 2010).
Considerando assim, que o paciente, vítima de doença renal crônica, doravante DRC,
é, via de regra acometido por outras patologias, como problemas de saúde bucal, entre outras, o
que faz com que o profissional dentista e o educador tenham extrema importância em relação aos
cuidados e trabalho educativo para com o paciente em tratamento da DRC.
A relevância do tema discutido está em desvelar que aspectos devem ser observados,
do ponto de vista da saúde bucal, de pacientes com DRC, assim como, identificar de que forma as
doenças que acometem esses pacientes podem ser tratadas e mesmo combatidas, a partir de um
trabalho onde a saúde e a educação dialoguem entre si.
Hábitos de higiene são ensinados desde a mais tenra idade e, no que diz respeito à
saúde bucal, atividades como a escovação dos dentes são muito importantes, a fim de se evitar
problemas como cáries, bastantes comuns na vida de crianças e adultos. Escovação dos dentes
não são o único hábito para que se tenha uma boca saudável.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde bucal ocorre quando
a pessoa não apresenta:
É então abrangente o cuidado com a boca, considerando que sua presença além do
bem-estar natural de um corpo bem cuidado, para além da estética e do ponto de vista social, este
é essencial para a saúde do indivíduo, pois a boca exerce importantes funções na saúde, razão
porque entre os hábitos de higiene a serem trabalhados, está a questão da saúde bucal. Idem (p.3)
chama a atenção para o fato de que um quantitativo bastante grande de brasileiros não é adepto de
hábitos frequentes de limpeza dos dentes:
Enquanto o fio dental, escova e creme dental são usados por apenas 53% da população,
segundo pesquisas do IBGE, 89% realiza a higienização menos de 2 vezes por dia. Os
dados refletem um sério problema que está relacionado não apenas às cáries ou mau
hálito. Muitos ainda desconhecem, mas a falta de cuidados com a saúde bucal pode trazer
danos a todo o organismo.
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Observa-se assim, que a despeito de todo e qualquer cuidado em relação à saúde bucal,
tema trabalhado no contexto da educação formal, desde os primeiros anos de escolarização, nem
todas as pessoas tratam da higiene bucal de forma adequada, chamando-se a atenção para o fato
de que se indivíduos saudáveis têm dificuldade em cuidar da própria boca, quando doentes, estes
cuidados caem ou são negligenciados potencialmente. A grande maioria dos pacientes com DRC
têm uma higienização bucal deficiente, que junto a fatores sistêmicos provenientes da doença,
impulsionam o aparecimento de outras patologias bucais.
A DRC é vista como um grande problema de saúde pública, sendo uma das principais
causas de morte e de incapacidade. Sua incidência vem crescendo em brasileiros devido ao
aumento de pacientes hipertensos e diabéticos e pelo envelhecimento da população5-7.
No que concerne à DRC, esta se caracteriza, de acordo com Castro et al (2017, p. 308-
309) pela:
[...] pela perda lenta, progressiva e irreversível da função renal ou destruição dos néfrons,
podendo levar o paciente a um quadro de síndrome urêmica, devido ao aumento de
substâncias tóxicas no sangue que surgem pela incapacidade dos rins de desempenhar a
filtração glomerular, sem contar com a sua deficiência na produção de eritropoietina.
Inúmeros são, pois, os problemas que acometem o paciente com DRC, entre estes,
problemas bucais, resultantes da própria doença em si ou mesmo decorrentes das terapias
realizadas ao longo do tratamento de uma DRC.
Xie T, Yang Z, Dai G, Yan K, Tian Y, Zhao D et al. (2014) comentam acerca da
redução das idas ao dentista, especialmente por aqueles que fazem hemodiálise, o que potencializa
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maus hábitos de higiene e acometimento de lesões que, caso não tenham um tratamento adequado,
tendem a agravar o quadro do paciente e até mesmo o prognóstico da enfermidade.
A fim de coletar dados a subsidiar a pesquisa ora em andamento, cujos objetivos são
identificar o uso de serviços odontológicos por indivíduos com Doença Renal Crônica (DRC) em
tratamento hemodialítico em uma Unidade de Saúde do Sistema Único de Sáude (SUS), elencando
as patologias bucais mais comuns aos pacientes com DRC e que medidas podem ser adotadas no
sentido de prevenir alguns problemas bucais que emergem nesse contexto, considerando o
currículo da área de ciências, buscou-se contato com o grupo de educação que integra um projeto
de extensão desenvolvido na unidade hospitalar, que atende pacientes com DRC, que fazem
hemodiálise na unidade.
de entrevista semiestruturada buscar-se respostas para questões que vão desde suas percepções
sobre o que seria a saúde bucal, que doenças lhes acometem e em que medida estas têm relação
com a DRC.
4 CONCLUSÃO
A DRC é uma patologia cujo crescimento vem chamando a atenção das autoridades e
estudiosos que atuam no atendimento à saúde humana, em razão desta acometer um preocupante
quantitativo, tanto em termos mundiais, como nacionalmente, como é o caso do estado brasileiro.
As complicações associadas à IRC devem ser consideradas com rigor, visto que muitas
vezes são elas que determinam o tratamento odontológico do paciente; é importante que o
cirurgião dentista esteja atento a problemas médicos que possam apresentar algum risco à
segurança do tratamento odontológico dispensado só paciente, sendo fundamental que o
profissional da odontologia esteja inserido nas equipe multiprofissional da nefrologia de modo a
prestar uma assistência à saúde bucal de qualidade, aos pacientes com DRC em tratamento
hemodialítico, assim como, conhecer sobre a doença de base e a condição de saúde geral do
paciente.
REFERÊNCIAS
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RESUMO: Reflete sobre o artesanato como expressão cultural popular, abordando a discussão
de identidade cultural, a partir da cidade de Juazeiro do Norte-CE, localizada na região sul do
Estado do Ceará. Essa cidade, destaca-se como um centro de peregrinação religiosa no nordeste
do Brasil, tendo na figura histórica o Padre Cícero Romão Batista seu maior expoente. As
romarias, característica do catolicismo popular existente na cidade, fomentaram a circularidade
da cultura através da interação das diferentes identidades culturais que para lá confluem, através
dos romeiros, artistas, pesquisadores, artesãos e empresários, todos que visitam a cidade. Para
além da figura do Padre Cícero, destaca-se na região do Cariri Cearense um território marcado
pela presença da cultura negra, indígena e paleontológica, assim como pela biodiversidade da
Chapada do Araripe. Assim sendo, nesse território em que a circularidade das culturas se
faz presente numa troca contínua, a presente pesquisa coloca-se com o intuito de apresentar o
artesanato na cidade de Juazeiro do Norte a partir do Centro de Cultura Popular Mestre Noza. O
estudo justifica-se pela importância cultural do artesanato na cidade, neste contexto, a pesquisa
tem como objetivo geral discutir o artesanato enquanto uma expressão da cultura da cidade cidade
de Juazeiro do Norte-CE, a partir do citado centro. Nesse sentido, foram consideradas algumas
premissas, tais como, evidenciar o artesanato da Região do Cariri Cearense como uma referência
cultural, bem como veículo de transmissão da memória para as gerações futuras, além de
apresentar seus aspectos econômicos como o fato de ser fonte de renda e de fomentar o comércio
da região. Para tanto, realiza-se uma revisão de literatura, com ênfase na coleta de dados através
de observação participante, tendo como sujeitos os artesãos que trabalham no Centro de Cultura
Popular Mestre Noza. Ao analisar os fatos estudados, foi possível observar que o artesanato, como
elemento da cultura, possibilita o desenvolvimento econômico, além de perpassar por aspectos
políticos, identitários e sociais. Conclui-se que a cultura é um elemento determinante e ao mesmo
tempo determinado pelo meio social, e o artesanato, por fazer parte da chamada cultura popular,
muitas vezes visto como algo menor ou de baixo valor estético, quando comparado com a arte tida
como erudita, representa um papel proeminente na formação da história cultural do território.
339
Artigo produzido no âmbito do grupo de pesquisa SABERES - Informação e Cultura, Patrimônio Cultural e
Sustentabilidade da Universidade Federal do Cariri.
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INTRODUÇÃO
Nesse contexto, destaca-se a contribuição de Padre Cícero, que além de sacerdote, foi
um grande incentivador do desenvolvimento político, social e econômico dessa região,
reconhecendo na arte e na cultura um valor não só econômico, mas também social. Ele incentivou
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a produção artesanal como uma fonte de renda para as pessoas do Juazeiro e, promoveu a arte
juazeirense fora da região nordeste (WALKER, 1999).
Hoje, mais de 80 anos após a morte de Padre Cícero, as peças artesanais, que retratam
sua pessoa e seu modo de vida, continuam sendo as mais produzidas e mais vendidas pelos
artesãos locais, por serem as peças mais procuradas pelos romeiros e devotos que vêm a cidade,
assim os artesãos produzem também para atender a demanda na venda das peças, levando em
consideração o fator econômico.
Esse centro de cultura homenageia em seu nome o Mestre Noza (Inocêncio Medeiros
da Costa) como é popularmente conhecido, um romeiro que chegou em Juazeiro do Norte em
1912, após caminhar cerca de 600 km ao vir do município de Quipapá (PE), local onde foi criado.
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Anos depois, a partir de 1930, começou a ficar conhecido como artista popular, imaginário
(escultor de imagens) e xilogravurista, na qual exploraremos mais detalhes de sua vida e atuação
nas seções posteriores do artigo.
Com o passar dos séculos muitos desses produtos da cultura material foram sendo
substituídos por produções industrializadas e as produções artesanais hoje, como o artesanato, se
configura como prática cultural popular que atende aos interesses da sociedade de consumo,
através de seu valor estético e simbólico (SILVA, 2016); ao falarmos desse aspecto simbólico,
cabe salientá-lo como patrimônio cultural por sua representatividade à cultura, memória e
identidade dos grupos sociais que os produzem.
De acordo com Maia (2003, p.1) cultura pode ser conceituada [...] como as diferentes
maneiras de viver de um povo, transmitidas de geração a geração recebidas por tradição. Nesse
sentido, o modo de falar, as crenças, o saber e o artesanato representam a forma do homem se
relacionar em sociedade.
Em vista disso Keller (2014, p. 330) destaca que o artesanato não pode se restringir
somente a um simples serviço manual. Apresenta em si a aptidão de esquematizar e de inventar
artefatos baseados em elementos da cultura, assim como a propriedade do saber/fazer, da técnica.
Nesse segmento Barroso (2002, p. 10) afirma que “[...] quem compra artesanato, está
comprando também um pouco de história. Nem que seja a sua própria história de viagens e
descobertas.” Desta forma o artesanato faz parte da cultura tradicional dos povos, já que as suas
origens remontam à época pré-industrial. Segundo Sebrae (2010, p.14) artesanato de referência
cultural se refere:
Este produto artesanal patrimonializado dentro do seu contexto local, possui diversos
valores que envolve as imaginações, afetos, crenças, as práticas. E para o turista destituído de um
vínculo pessoal e comunitário, o artesanato é apenas um bem cultural a ser consumido
(MENEZES, 2012).
Esta foi uma das primeiras confirmações que tivemos nas conversas com os artesãos,
“é um aprendizado passado de geração em geração, vi meu irmão esculpindo e logo quis aprender
e faço isso até hoje, 32 anos depois”, relata Beto. Como ressalta Silva (2009), a complexidade que
envolve os estudos sobre o artesanato decorre do fato de que este, na qualidade de elemento
componente do patrimônio cultural, incorpora-se ao conjunto de monumentos, documentos e
objetos que constituem a memória coletiva de um povo e, portanto, deve ser considerado do ponto
de vista social e cultural.
Nessa perspectiva, Santos (2012, p.16) diz que por ser uma referência cultural na
cidade, o Centro de Cultura Popular Mestre Noza tem demonstrado, através da sua arte, a
valorização da cultura regional, fomentando a difusão das tradições locais através do artesanato
em madeira com a representação de imagens que representam o contexto social em que estamos
inseridos, proporcionando ao público em geral informações referentes à nossa sociedadee uma
forma de representação da memória coletiva.
Nessa perspectiva Polanyi (2012) evidencia o artesanato como uma atividade produtiva que gera
renda, em grande parte complementar, para inúmeras famílias de baixa renda, assim como é uma
atividade que demanda determinadas habilidades e capacidades, manuais e criativas.
Podemos perceber a partir da fala de Freitas (2006) que não basta valorizar o
produto, mas sim, o produtor: o artesão, que possui, na grande maioria das vezes, difíceis
condições para realizar seu trabalho, sendo que , na prática, seus métodos, modo de vida e
necessidades têm pouco espaço em um sistema capitalista. Logo os artesãos precisam de
implementações por parte do poder público para melhorias nas suas condições de trabalho. Diante
disso, vê-se a relevância de políticas públicas que abordem as particularidades tanto o produto
vendido, como também do produtor.
Nas pautas abordadas pela autora citada, observamos o discurso de revitalização que
os artesãos necessitam para melhorias das suas condições de trabalho e renda. Em conformidade,
Lima e Galvão (2006) ressaltam que a revitalização e implementação do artesanato consiste na
inserção de novos métodos de trabalho no processo produtivo dos artesãos, tendo como objetivo
sua adequação ao mercado.
Keller (2014, p. 326) afirma que há uma relativa carência de informações sobre a
atividade artesanal no Brasil e sobre seu real impacto cultural e econômico. O trabalho artesanal,
em geral, complementa a renda dos artesãos e de suas famílias, o autor ainda ressalta que o
trabalho artesanal tem valor no sustento da família e na reprodução da cultura local.
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o que chamamos de arte não é apenas aquilo que culmina em grandes obras, mas um
espaço onde a sociedade realiza o visual. É nesse sentido amplo que o trabalho artístico,
sua circulação e seu consumo configuram um lugar apropriado para compreender as
classificações segundo as quais se organiza o social.
Associado a isto, percebemos que o artesanato fortalece cada vez mais a economia
da cidade de Juazeiro do Norte e região, trazendo um grande fluxo de pessoas de outros locais.
São milhares de pessoas por ano que chegam até a cidade em busca de conhecê-la e principalmente
explorar a cultura local, sendo que os artesãos estão os mais procurados por essas pessoas.
Apesar das dificuldades econômicas, o artesanato ainda representa para a maioria dos
trabalhadores a única atividade produtiva exercida. Na região do Cariri cearense, a produção do
artesanato destaca-se e configura-se como principal, e muitas vezes única forma de sustento do
tabalhador. O artesanato da região em destaque além de ser conhecido no mundo todo e,
consequentemente, atrair pessoas de vários lugares interessadas em acompanhar inclusive o
porcesso de produção dos artesãos, ainda carrega consigo o valor histórico e memorial daquela
cidade, suas tradições, e, por último, garante o sustento à muitas famílias e associações.
Existem várias características que identificam o conjunto das atividades artesanais como
um arranjo produtivo local informal. São elas: a elevada informalidade, a forte tradição
familiar que marca todos os elementos estruturais da empresa, como as relações de
trabalho, a forma de apreensão e de transmissão de conhecimento, com reflexos na
dinâmica de inovação do produto (DINIZ e DINIZ, 2007).
A cidade de Juazeiro do Norte abriga artesãos nacionais e internacionais, que têm suas
peças expostas em museus; e artesãos mestres da cultura cearense que norteiam o ofício artesanal
e contribuem para permanência da cultura sertaneja. Conforme Grangeiro (2015), a princípio, o
alto grau de visibilidade das peças produzidas por um determinado grupo de artesãos apresenta-
se como um possível indicador de êxito profissional destes trabalhadores.
Colocando em pauta o contato com alguns artesãos do Centro de Cultura Mestre Noza
percebemos que cada artista possui um tempo diferente dedicado ao trabalho artesanal, em sua
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maioria tendo em vista às necessidades da renda para família. Vale relembrar que as
transformações que vêm ocorrendo com passar dos anos, como o desenvolvimento das redes
sociais e os novos processos de consumo e de produção, fez com que os artesãos buscassem novas
formas de expor a produção dos seus trabalhos.
Desde então, Mestre Noza participou de diversas exposições com obras de escultura e
xilogravura em Crato-CE, Recife, Rio de Janeiro e em Paris, sendo considerado o grande artista
popular do Cariri cearense, como enfatizam muitos dos artesãos do Centro de Cultura. Alguns
trabalhos feitos por ele fazem parte do Museu de Arte do Ceará e do Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP).
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visitante, que pode inclusive acompanhar o trabalho dos artesãos no local, o que se faz um
diferencial para turistas e pesquisadores. Hoje, a entidade conta com 103 associados, dos quais 12
trabalham diariamente no Centro Mestre Noza, os demais criam seus produtos em casa e expõe
no espaço cultural em estudo.
Quando refletimos sobre esse espaço, nos vem à mente Marteleto (1995, p. 2) que
advoga acerca da relação natural que perpassam os conceitos de Cultura e informação.
Funcionando como uma memória, transmitida de geração em geração, na qual se encontram
conservados e reproduzíveis todos os artefatos simbólicos e materiais que mantêm a complexidade
e a originalidade da sociedade humana, é depositária da informação social.
Assim o artesanato pode ser compreendido como uma marca original de uma cultura
local, pois, ao construir suas peças, o artesão expressa, por meio de uma técnica específica, o seu
fazer, o seu conhecimento tácito, o qual foi acumulado das gerações passadas, uma expressividade
original que marca sua cultura e territorialidade.
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Por conseguinte, Castilho (2013) destaca que a cultura está sempre enraizada com base
no território, proveniente da integração do homem para adequar-se às adversidades do local, e
assim construir a sua identidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço em estudo representa dessa forma, tanto uma fonte de informação como um
lugar de memória local, onde as pessoas podem conhecer um pouco da história local e apreciar
obras cujo valor ultrapassam os paradigmas de um mundo industrial.
REFERÊNCIAS
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Resumo: A transformação dos ambientes pela dinâmica natural e interferência do homem tem
alterado a configuração dos seus elementos e os fluxos de energia, o que resulta em mudanças
profundas nas paisagens, alterando o estado de equilíbrio ambiental. O objetivo deste trabalho é
analisar as modificações da paisagem na área da “península” da Ponta d’Areia, a partir da década
de 1970, período de ocorrências mais intensas, com enfoque na evolução da paisagem, como
resultado de transformações impostas pelos agentes naturais e pelo homem. A área da Ponta
d’Areia era habitada em sua maior parte por pescadores, cujo modo de vida foi alterado a partir
dos anos 1970 em face da construção da ponte “José Sarney” que possibilitou o acesso de famílias
de classe média, residentes no centro histórico, tornando a Ponta d’Areia mais frequentada. Com
as diretrizes estabelecidas no Plano de Expansão da cidade de São Luís, em 1958, o Plano Diretor
de 1974 previa a expansão urbana com a criação de novos bairros, avenidas e ruas, além da
construção do Anel Viário e da urbanização dos “bairros” do São Francisco e Ponta d´Areia,
começando com o aterramento, em 1975, de parte do Igarapé da Jansen para a construção da
Avenida Maestro João Nunes, ligando-os e facilitando o acesso da população à praia da Ponta
d’Areia. A especulação imobiliária tem sido intensa desde os anos 2000, o que resultou na
diminuição gradativa de espaços naturais, dando lugar a prédios comerciais e residenciais,
restaurantes e hotéis. Outro fato que contribuiu para a alteração da paisagem local foi a construção
de um espigão litorâneo destinado a controlar o deslocamento natural de areia para oeste, e com o
propósito de conter a abrasão da orla e o assoreamento dos canais do Anil e do Bacanga. As
mudanças na paisagem da Ponta d’Areia ocorreram de forma acelerada, resultando na extinção da
antiga vila da Ponta d´Areia, devido à ausência de políticas de planejamento e gestão efetiva, a
fim de reduzir os impactos ambientais e sociais da área, mediante a proteção da população
tradicional e implantação do uso e ocupação racional do solo.
Abstract: The transformation of environments by natural dynamics and human interference has
altered the configuration of its elements and energy flows, which results in profound changes in
the landscapes, altering the state of environmental balance. The objective of this work is to analyze
the landscape changes in the Ponta d'Areia “peninsula” area, from the 1970s onwards, a period of
more intense occurrences, focusing on the evolution of the landscape, as a result of
transformations imposed by natural agents and by man. The Ponta d'Areia area was mostly
inhabited by fishermen, whose way of life was altered from the 1970s onwards due to the
construction of the “José Sarney” bridge that enabled the access of middle-class families residing
in the center making Ponta d'Areia more popular. With the guidelines established in the Expansion
Plan of the city of São Luís, in 1958, the 1974 Master Plan provided for urban expansion with the
creation of new neighborhoods, avenues and streets, in addition to the construction of the Ring
Road and the urbanization of the “neighborhoods” from São Francisco and Ponta d´Areia, starting
with the grounding, in 1975, of part of the Igarapé da Jansen for the construction of Avenida
Maestro João Nunes, connecting them and facilitating the population's access to Ponta d'Areia
beach. Real estate speculation has been intense since the 2000s, which resulted in the gradual
reduction of natural spaces, giving way to commercial and residential buildings, restaurants and
hotels. Another fact that contributed to the alteration of the local landscape was the construction
of a coastal spike designed to control the natural displacement of sand to the west, with the purpose
of containing the abrasion of the shore and the silting up of the channels of Anil and Bacanga. The
changes in the landscape of Ponta d'Areia occurred at an accelerated rate, resulting in the
extinction of the old village of Ponta d´Areia, due to the absence of effective planning and
management policies, in order to reduce the environmental and social impacts of the area, through
the protection of the traditional population and implementation of the rational use and occupation
of the soil.
1 INTRODUÇÃO
2 METODOLOGIA
2.1 Métodos
A metodologia utilizada teve como base a observação e registro dos fatos relacionados
com a temática do trabalho, análise e classificação, além do apoio da orientação fenomenológica
(TUAN, 1980) na percepção e descrição do ambiente, com suporte nas técnicas qualitativas
(MARCONI; LAKATOS, 2003), para subsidiar os trabalhos de gabinete.
considerada em duas vertentes: a filosófica e a empírica, sendo que ambas partem do princípio da
realidade social do indivíduo e o objetivo é a sua concepção.
Segundo Guerra (2014, p. 11), para alguns estudiosos das ciências sociais e humanas,
as abordagens quantitativas não seriam satisfatórias, e por isso novas técnicas qualitativas seriam
necessárias para a geração de conhecimento científico. “A pesquisa qualitativa não se preocupa
com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo
social, de uma organização, etc” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 31).
Para alcance dos objetivos da pesquisa foram realizados métodos e técnicas que
subsidiaram nos seguintes procedimentos metodológicos:
De acordo com Araújo, Teles e Lago (2009, p. 4631), a ilha do Maranhão (Mapa 01)
está localizada no norte do estado, e é limitada ao norte pelo oceano Atlântico e baía de São
Marcos, ao sul com a baía de São José e o estreito dos mosquitos, a leste com a baía de São José
e a oeste com a baía de São Marcos, possuindo aproximadamente 834,83 km² de extensão,
constituída pelos municípios São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa.
Segundo a Lei 3.253 (1992, p. 04), que dispõe sobre o zoneamento, parcelamento, uso
e ocupação do solo urbano e dá outras providências no município de São Luís, a área residencial
da Ponta d’Areia inicia-se no ponto de interseção da Av. Nina Rodrigues com a Av. Maestro João
Nunes, seguindo pela primeira até atingir a linha de preamar da praia da Ponta d'Areia, onde se
prolonga até interceptar a Rua das Verbenas, tomando rumo à direita, até atingir a linha limite de
fundos dos lotes lindeiros à Av. dos Holandeses, prosseguindo com rumo à esquerda por este
limite, até interceptar a Av. Maestro João Nunes, deslocando-se à direita desta avenida até atingir
o marco desta divisa.
Para Santos, Dobbert e Feitosa (2010, p. 02), a transformação dos ambientes naturais
pela interferência do homem tem alterado os fluxos de energia e o nível de reversibilidade do
meio, o que resulta em mudanças profundas, diminuindo a qualidade ambiental para as espécies
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As transformações ocorridas nas paisagens costeiras são habituais, seja por meio
natural, ou por ações antrópicas, geralmente para atender as necessidades do homem. Sousa e
Silva (2010, p. 01), afirmam que o valor do litoral se consolida por mediar relações econômicas
que dependem dos recursos da zona costeira, que corresponde a uma área, cujas potencialidades
vêm convergindo em um processo de ocupação, em ritmo cada vez mais acelerado, associado ao
desenvolvimento, industrialização, urbanização e a exploração turística.
Assim o modo de vida tradicional da população do centro de São Luís foi alterado em
função da construção da ponte José Sarney (Figura 01) sobre o rio Anil, na década de 1960, o que
causou a saída de famílias de classe média do antigo núcleo central em direção ao que se chamou
de “Cidade Nova”, tornando a área da Ponta d’Areia mais frequentada.
Figura 01: Construção da ponte José Sarney, década de 1960, São Luís - MA
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Segundo Coelho e Sales (2017, p. 20), o início da urbanização da área da Ponta d’Areia
foi impulsionado durante a gestão do prefeito Haroldo Tavares, engenheiro civil, entre os anos de
1971 e 1975, que antes de assumir a prefeitura, era secretário de Viação e Obras Públicas no
governo de José Sarney, sendo as suas medidas mais importantes, a criação de uma imobiliária
municipal, em 1971 chamada SURCAP (Sociedade de Melhoramentos e Urbanismo da Capital)
que recebeu da União as glebas que viriam a guiar a expansão da capital maranhense, dentre elas
na região da Ponta D’areia, as quais foram desmembradas em lotes residenciais e parcelas para
empreendimentos turísticos, dentre eles, presentes na Península está o Iate Clube de São Luís,
inaugurado em 1974, além É do aterro de parte da “península”, facilitando sua urbanização.
Nas décadas de 1980 e 1990, Tiers (2017, p. 11) afirma que a Ponta d’Areia passou a
ser um alvo das imobiliárias, em função da sua localização, sendo um atrativo para as classes que
possuem melhor poder aquisitivo. O que ocorreu foi o avanço da cidade em direção às praias e o
desmatamento da vegetação de mangue ao redor da Laguna da Jansen, expandindo o “bairro” em
questão, e tornando-o uma área caracterizada por condomínios de alto padrão.
Os primeiros prédios construídos na área da Ponta d’Areia tinham até cinco andares,
estabelecidos pelo Plano Diretor de São Luís de 1976, possibilitando a construção de uma
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cobertura. Mas com a mudança na Lei 3.253 de Uso e Ocupação do Solo (1992, p. 36) nas zonas
turísticas, os edifícios para usos de hospedagem passaram a ter gabarito máximo igual a 15
(quinze) pavimentos e, para os demais, igual a 12 (doze), atraindo mais investidores imobiliários.
“Essa dinâmica reconfigurou o espaço urbano da Ponta d’Areia, que gradativamente passou a ter
os terrenos mais caros da região metropolitana de São Luís e mais disputados pelos investidores
imobiliários” (VIEIRA, 2013, p. 73).
A especulação imobiliária na Ponta d’Areia tem sido intensa desde os anos 2000, o
que resultou na diminuição gradativa de espaços naturais, como as áreas de manguezais, dando
lugar a prédios comerciais e residenciais (Figuras 02 e 03), casas de veraneio, restaurantes, hotéis,
entre outros. Em relação aos antigos moradores, os pescadores e famílias de baixa renda, Tiers
(2017, p. 17) afirma que a maioria deles recuaram e migraram para “bairros” adjacentes como o
São Francisco e a Ilhinha.
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Figura 02: Prédios na orla marítima da praia Figura 03: Prédios no “espigão” da Ponta
da Ponta d’Areia, São Luís - MA d’Areia, São Luís - MA
Os processos responsáveis pela dinâmica costeira são representados por ações dos
elementos naturais, relacionados aos fatores oceanográfico e climático, os quais modelam a
paisagem na forma de depósitos sedimentares ou feições erosivas, causados geralmente pela ação
das ondas, chuvas, e dos ventos. “Entende-se como processos costeiros a ação de agentes que,
provocando erosão, transporte e deposição de sedimentos, levam a constantes modificações na
configuração do litoral” (MUEHE, 2012, p. 257).
As praias são os ambientes mais alterados em suas configurações espaciais, por serem
depósitos de sedimentos, acumulados pela ação eólica e de ondas, como o caso da praia da Ponta
d’Areia, uma área caracterizada por terraços de abrasão e afloramentos rochosos, amplamente
utilizados para o lazer.
Como ações naturais que continuam modificando esta região, podem-se citar as ondas,
as quais, conforme Feitosa (1989, p. 163), constituem o maior potencial morfogenético, em função
das condições climáticas e litológicas, manifestando-se de forma mais intensa nas proximidades
da costa, onde o relevo impede o seu desenvolvimento, onde ocorre a descarga total ou parcial de
sua energia, resultando em erosão.
Figura 04: Erosão em frente aos bares da praia da Figura 05: Enrocamento em frente ao Praia Mar
Ponta d’Areia, São Luís - MA Hotel na Ponta d’Areia, São Luís - MA
A construção do espigão da Ponta d’Areia em 2011 constitui uma barreira, a qual foi
instalada com o objetivo de conter o deslocamento natural de areia pela deriva litorânea de leste
para oeste, controlar a erosão de uma parte do “bairro” da Ponta d’Areia, e o assoreamento dos
rios Anil e Bacanga, mas o resultado esperado não foi almejado, já que os efeitos erosivos ainda
são constantes na área onde há bares, ao lado da Praça do sol.
Figura 06: Espigão costeiro na Ponta d’Areia, São Figura 07: Enrocamentos para evitar o avanço dos
Luís - MA sedimentos na Ponta d’Areia, São Luís - MA
Após a construção do espigão, Sousa et al. (2012, p. 02), afirmam que na dinâmica da
paisagem ocorre intenso processo de sedimentação e erosão devido aos fatores exógenos,
destacando-se os de origem eólica. Na área é possível observar enrocamentos (Figura 07) para
refrear o acúmulo de material arenoso em função da ação dos ventos, sem sucesso; desgaste dos
assentos devido a ação eólica e salitre (Figura 08); além de riscos as pessoas que visitam o local
(Figura 09).
Figura 08: Assentos erodidos pela ação eólica Figura 09: Área do espigão sem grade de proteção
Figura 10: Área da “penísula” da Ponta d’Areia, Figura 11: Área da “penísula” da Ponta d’Areia,
São Luís, 1956 São Luís, 1975
Fonte: Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, 1956 Fonte: PMSL, 1975 apud Marques, 1996
No ano de 1994 (Mapa 05, Figura 14), a urbanização já prevalecia em boa parte da
área de estudo, enquanto a faixa de areia diminuiu, dando indícios que a urbanização continuava
progressivamente. Em 2004 (Mapa 06, Figura 15), década na qual a especulação imobiliária na
Ponta d’Areia progrediu intensamente, a orla da praia está reduzida, em função das dinâmicas de
marés. As áreas de vegetação têm maior destaque que os anos anteriores, em função da reserva de
lotes para a construção de mais empreendimentos.
Entre os anos 2000 e 2017 (Mapa 07, Figura 16), a configuração espacial da Ponta
d’Areia foi alterada, afirmando o domínio de grandes empreendimentos imobiliários
verticalizados, tidos como uma saída para o crescimento populacional, havendo pouca vegetação
a oeste, mas com a mesma área de manguezal a leste. Na faixa de areia, houve um aumento em
toda orla, devido à construção do espigão costeiro, sendo este um resultado satisfatório para os
objetivos do empreendimento de aumentar a largura da praia.
Figura 14: Imagem de satélite da “penísula” da
Mapa 05 Ponta d’Areia, 1994
Fonte: Adaptado Google Earth, 2004; IBGE, 2015 Fonte: Google Earth, 2004
Fonte: Adaptado IBGE, 2015: Google Earth, 2017 Fonte: Google Earth, 2017
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Página 1584 de 2230
RESUMO: Museus são as instituições culturais mais antigas que existem, guardiões do
patrimônio e da memória que promovem a educação, lazer e entretenimento aos seus visitantes. E
o turismo, em específico o segmento cultural, é a atividade econômica destinada ao conhecimento,
valorização e a preservação do patrimônio cultural. Apresenta-se neste trabalho os museus do
Reggae e Arte Sacra, ambos situados no Centro Histórico de São Luís que demonstram em seus
acervos a riqueza da identidade cultural de seu povo. O objetivo deste trabalho é analisar os
espaços museais de São Luís como importantes atrativos a serem utilizados para o turismo cultural
na cidade e essa análise é pautada na visão dos gestores desses espaços.
ABSTRACT: Museums are the most ancient cultural institutions that exist, guardians of heritage
and memory that promote education, leisure and entertainment to their visitors. And Tourism,
particularly the cultural segment, is the economic activity intended to knowledge, valorization and
preservation of the cultural heritage. This project presents about the Reggae museum and the
Sacred Art museum, both placed in the historic city center of São Luís, which exhibit in their
collections the richness of cultural identity of its people. This project aims to analyze the museum
spaces in São Luís as important attractions to be used for cultural tourism in the city and this
analysis is based on the managers’ point of view from these spaces.
INTRODUÇÃO
São Luís possui uma forte identidade cultural presente nas mais diversas
representações culturais existentes. Toda essa representatividade pode ser vista em uma
algo destinado apenas para as elites, porém esse conceito foi mudando e adquirindo diversos
significados ao longo dos anos, passando a incorporar a diversidade cultural.
METODOLOGIA
340
Os museus estão entre os atrativos mais visitados do Brasil. Ministério do Turismo; disponível em:
http://www.turismo.gov.br/últimasnotícias ; acesso em: 15 nov.2019
Página 1586 de 2230
Com o projeto ainda em fase de andamento, na elaboração deste artigo foram aplicadas
inicialmente entrevistas apenas aos gestores dos museus. Em seguida, os resultados
foram analisados e inclusos no texto.
REFERENCIAL TEÓRICO
Entretanto, conforme Funari (2006 p.9), “as coletividades são constituídas por grupos
diversos em constantes mutação, com interesses distintos e, não raro, conflitantes. Uma pessoa
pode pertencer a diversos grupos e, no decorrer do tempo mudar para outros”. O patrimônio
concebido como representatividade simbólica de identidade, a partir da seleção do entorno, pode
possuir valor para uns, porém, não necessariamente, tenha o mesmo significado para outros. O
patrimônio individual é a escolha daquilo que entendemos de valor que nos interessa, já o
patrimônio coletivo é algo mais distante que é escolhido para representar a coletividade, pode nos
interessar, ou não.
mundo todo, o turismo é um negócio que totaliza $3 bilhões por dia, do qual
potencialmente podem usufruir países em todos os níveis de desenvolvimento. É a
principal fonte de câmbio estrangeiro para um terço dos países em desenvolvimento e de
metade dos países menos desenvolvidos, nos quais ele corresponde a até 40% do PIB”
(BRASIL, 2012. p.21).
O interesse pela cultura engloba conhecer o homem em todas as suas ações e relações
com o meio em que vive. O turismo vem nesse sentido, proporcionar ao visitante o interesse pela
cultura, história e vivências das comunidades visitadas. A segmentação turismo cultural é
direcionada ao patrimônio material e imaterial; a arquitetura, as memórias, o saber fazer, os
fenômenos culturais e sociais. De acordo com o Ministério do Turismo (BRASIL, 2010) “turismo
cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos
significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo
os bens materiais e imateriais da cultura”.
Para Costa (2009), o conceito de turismo cultural ainda continua indefinido, pois o
foco tem sido direcionado apenas para o objeto que motiva a visita. O conceito mais amplo de
turismo cultural estuda o fenômeno por completo, as motivações de seus participantes, as
características do objeto e de sua demanda, a interatividade, as experiências as relações com a
comunidade local, o que proporcionam a preservação e educação por meio do conhecimento do
patrimônio cultural.
a comunidade quer realmente essa aproximação mais direta com o turista? A atividade turística
muitas vezes é imposta a comunidade e como consequência percebe-se a mudança social do lugar
e o desaparecimento da cultura nativa, estando a atividade voltada ao turismo convencional de
luxo que transforma o lugar em local para residências de veraneio.
“Muitas são as discussões em que profissionais sugerem que turismo cultural e turismo
sustentável são sinônimos, contudo, há vários aspectos que mostram a incompatibilidade
entre ambos. Dentre os aspectos estão as pressões sobre a diversidade cultural que podem
ser decorrentes da homogeneização da cultura, ocasionando a redução dessa diversidade
o que acarreta na diminuição do desejo de viajar do turista em vivenciar outras culturas.”
(SWARBROOKE, 2000, p.35)
O turismo cultural ainda nas palavras de Swarbrooke (2000, p.39), “difere seu viés
sustentável quando o relacionamos com as mudanças ocorridas na educação da atualidade. Os
jovens, hoje em dia, estão aprendendo muito mais sobre negócios e tecnologia e menos sobre artes
e história, o conhecimento pelo homem comum, pela cultura está diminuindo”.
Entretanto, segundo Dias (2006, p.69) “os bens patrimoniais culturais constituem uma
importante ferramenta educacional, dando aos jovens a oportunidade de conhecer o passado como
forma de compreender o presente e consolidar valores que fazem parte do processo de construção
da identidade”. Porém, com a era tecnológica e a velocidade transitória e cambiante com que tudo
se transforma, se modifica, chamar a atenção do público, principalmente do público jovem e
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motivá-los a visitar museus, por exemplo, o patrimônio cultural existente, é um desafio, ainda
mais quando se percebe na gestão o receio em inovar e atender os anseios desse público.
Em São Luís, o grande desafio é tornar os museus produto para o turismo cultural,
inseri-los na atividade econômica para valorização da cultura e do desenvolvimento social. Os
atrativos culturais existentes somados a estruturação, divulgação e promoção, vêm a ampliar a
estada do turista que visita a cidade fora dos períodos de festas e abrevia sua estada a cidade por
não encontrar opções de entretenimento. Dessa forma, veem a cidade apenas como porta de
entrada rumo à cidade de Barreirinhas, o destino principal, onde está situada a atração maranhense
de grande visibilidade no país, o atrativo natural “Lençóis Maranhenses”.
Apesar de seu rico patrimônio cultural, material e imaterial, São Luís ainda não se
destaca como destino turístico voltado ao turismo cultural, uma segmentação que se encaixaria
perfeitamente aos moldes de sua diversidade. No centro histórico de São Luís estão concentradas
várias tipologias de museus com um enorme desafio: ampliar o número de visitantes a essas
instituições, embora, já se perceba algumas instituições sendo muito bem visitadas por seu
público.
Neste trabalho delimitamos nossa pesquisa a análise de dois entre os vários museus
existentes no centro histórico de São Luís: Museu do Reggae e o Museu de Arte de Sacra.
O Museu do Reggae
Está situado a Rua da Estrela, Praia Grande. É um espaço destinado a cultura musical
oriunda do Caribe, mais precisamente da Jamaica. O ritmo ganhou o gosto popular dos
ludovicenses e já faz parte da cultura Maranhense, incorporando a cidade o atributo de Jamaica
brasileira, sendo o primeiro Museu do Reggae idealizado fora da Jamaica. Foi inaugurado em
janeiro de 2018 e já é considerado a casa de cultura mais visitada da cidade, segundo o gestor, e
grande parte dos visitantes desse espaço são os próprios maranhenses. O museu está aberto ao
público de terça a domingo das 10h às 20h e a entrada é gratuita.
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Política cultural é a discussão sobre como a instituição quer agir e se relacionar com a
sociedade. Define o alcance social do museu em todos os seus aspectos, científicos e
comunicacionais, entendendo o museu como uma instituição preservacionista e de
comunicação. Assim, situa-se face ao patrimônio cultural e conceitua o seu público, para
então propor o seu papel nas construções da memória e identidade (MAST, 2009, p.38).
O museu é de grande importância para a população de São Luís ligada ao reggae, que
sempre foi muito marginalizada e discriminada, uma discriminação social e racial. Então, o poder
público, que durante muito tempo, mais de quatro décadas, reprimiu o reggae, hoje, reconhece
essa cultura e, não apenas reconhece como estimula e esse estímulo se dar exatamente com a
existência de programações anuais que valorizam essa cultura.
O museu não possui canais de divulgação nas redes sociais ainda, mas está em pauta
como um dos objetivos a serem cumpridos na atual gestão. Em questionamento sobre a
passividade na utilização das redes sociais como veículo de comunicação e divulgação das
atividades realizadas, foi esclarecido que não há passividade, muito pelo contrário, em se tratando
de comunicação existe tanto interatividade nas relações virtuais quanto nas interpessoais e, que
uma não exclui a outra. Questionado ainda, sobre a relação museu e as tecnologias foi falado que
isso é uma grande evolução, não pode existir museu sem comunicação, e que os museus não
podem mais ser vistos como depositário de coisas velhas. Existem várias tipologias de museus, e
o nosso foco é a informação. A instituição contém relíquias como: guitarras, fotografias, discos
antigos etc, mas contém além de tudo informação. Possui monitores capacitados a dar
informações aos turistas objetivando uma visita agradável, que ao final deixam suas avaliações
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sobre essas visitas em um instrumento de avaliação que já é o mais preenchido entre as casas de
cultura na cidade.
Estando atualmente o Museu do Reggae como a casa de cultura mais visitada em São
Luís, questionamos a relação da instituição com a atividade turística na cidade, o gestor esclareceu
que os museus são sustentados pelo turismo. No caso especifico do museu do Reggae, este tem
um impacto muito forte, porque São Luís é a cidade considerada a capital do reggae no Brasil,
apelidada de Jamaica Brasileira, vindo a despertar a curiosidade de pessoas de outras cidades,
outros estados e até mesmo de outros países. Antes mesmo de completar 2 anos de existência a
instituição atingiu a marca de 100 mil visitantes e desses visitantes temos mais de 30 mil turistas.
Então, é um impacto grande e positivo do museu do reggae sobre a cadeia turística do Maranhão.
aberto à visitação de terça à sexta-feira das 9h às 17h30h, sábado das 9h às 17h e domingo das 9h
às 13h e é totalmente gratuito.
O acervo em exposição permanente do MAS (Museu de Arte Sacra) contém uma vasta
coleção de peças de metal, precioso ou não, e imaginária, com exemplares de grandes movimentos
artísticos como o maneirismo, barroco, o rococó e o neoclassicismo” (MHAM, 2014). O museu
possui junto ao acervo a imagem de São Bonifácio com um relicário no peito em formato de flor
contendo fragmentos de ossos do mártir que dá nome a imagem. “Esta imagem simboliza a pedra
fundamental da missão da companhia de Jesus no Maranhão e Grão-Pará” (MHAM, 2014).
A entrevista com a gestora do Museu de arte Sacra não pode ser realizada devido a
sua atuação no espaço ser muito recente, contudo, conseguimos realizar tal façanha com a gestora
Museóloga do MHAM, a qual pode nos dá várias informações do anexo museu de Arte Sacra. A
entrevista realizou-se no dia 7 de novembro por voltas das 16h. Em análise a gestão do espaço, a
gestora museóloga do MHAM forneceu informações sobre políticas públicas culturais voltadas
aos museus do estado, inclusive o MAS, acessibilidade, planejamento e a relação dos museus com
o turismo no Maranhão.
Segundo a gestora, uma das políticas públicas culturais voltadas para os museus foi a
criação do Sistema Maranhense de Museus (SMM), a lei foi sancionada nesse segundo semestre
de 2019 e com esse sistema pretende-se pensar em políticas públicas culturais voltadas para o
setor museal do Estado do Maranhão.
Esse sistema pretende ser um apoio para as instituições tanto estaduais como
particulares e municipais em relação a consultoria sobre como se deve agir dentro dos espaços,
desenvolver atividades, desenvolver cursos de formação para os funcionários, mapear os museus
do Maranhão, dá apoio no que se refere a criação de museus comunitários e pequenos museus de
acordo com os objetos existentes nas cidades, pois sabe-se que existem muitas cidades que
possuem objetos significativos, mas que o povo não despertou para expor esses objetos como
acervo em um museu, e cidades que não tem condições de criar um espaço para exposição.
Então, o SMM propõe esse apoio não só na capital, mas em todo o estado. Outra
política voltada aos museus foi em relação a gratuidade, esse ano foi sancionado um decreto do
governo do Estado em que todos os museus como o MHAM, museu de Arte Visuais, MAS e todos
as instituições culturais vinculados a secretaria de cultura do estado tivessem entrada gratuita.
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Antes pagava-se R$5,00 pra entrar no museu, mas havia a política de que criança de até 7 anos,
idosos e grupos de escolas públicas também não pagavam, o primeiro domingo do mês não era
pago.
Sobre o uso de tecnologias, o MAS possui há pouco tempo uma página interativa nas
redes sociais, no entanto, não se tem um diagnóstico sobre o fluxo de visitantes a partir da criação
desse status. Mas, de acordo com a gestora é importante que os museus estejam inseridos nas redes
sociais, pois amplia a visibilidade sobre as atividades que acontece na instituição.
Cada anexo tem seu gestor que fica responsável pela parte de comunicação do museu
e essa iniciativa de abrir uma página nas redes sociais partiu da gestão anterior do MAS. Os
museus ficam à disposição da secretaria de cultura do estado, que possui uma falha tremenda em
relação a comunicação e divulgação dos museus, pois não se têm profissionais direcionados a área
do marketing. “Os profissionais de marketing se envolvem na gestão da troca de diferentes tipos
de produtos: bens, serviços, eventos, experiências, pessoas, lugares, propriedades, organizações,
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informações e ideias” (Kloter; Keller, 2012, p.4). Nos museus é interessante que tenham
profissionais capacitados nas mais diversas áreas para melhor fruição de suas funções.
Falou-se também sobre a relação dos museus com o turismo em São Luís, segundo a
gestora há uma ausência de profissionais que atuem nessa questão de empenhar os museus
voltados a um público mais amplo. E considera o turismo um vetor de desenvolvimento para
cadeia econômica, sendo percebido uma mudança e que a cidade melhorou em muitos aspectos
sobre a atividade. Mas, que o turismo deve ser feito com planejamento e que em muitas cidades o
turismo é algo predador, as pessoas não se sentem mais felizes morando ali. Em Barcelona, por
exemplo, os moradores se sentem incomodadíssimos com a quantidade de turistas que visitam a
cidade, mas a atividade é importante para o desenvolvimento econômico. – Por que a vinda do
turista é boa pra cidade de São Luís? Porque ele vem gastar o dinheiro dele aqui, com restaurante,
com taxi, hotel e isso faz a economia girar e se o governo estiver atento a isso, vai fazer de tudo
para manter a vinda desse turista a cidade.
RESULTADOS
No tocante ao uso de tecnologias, são ativos nas redes sociais, muito embora, dentre
os museus pesquisados apenas o Arte Sacra possua rede social própria, partindo da gestão anterior
a ideia de abarcar o público virtual para divulgação de suas atividades. Isso na visão dos gestores
amplia a visibilidade e alcança um público diversificado que desconhece o museu ou não pode
visitá-lo pessoalmente. Quanto ao uso de ferramentas de gestão, ambos enfatizaram o uso do
planejamento como principal meio de condução das ações a serem realizadas, demonstraram-se
alheios a tais ferramentas de gestão que poderiam auxiliá-los na administração dos espaços. Há
uma ausência de profissionais relativos a outras áreas que abrangem o setor museológico o que
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daria maior fruição quanto as funções que são exercidas apenas por um profissional que administra
o museu em específico, no caso, o museólogo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, em exceção a algumas casas de cultura que são muito visitadas em São Luís,
esses espaços precisam ser lugares de contínua visitação, não existe museu sem seu público, isso
é fato! Contudo precisam de estratégias para atrair esse público, pois sendo instituições totalmente
geridas com recursos públicos deve haver uma maior articulação dentro desses espaços para maior
aproveitamento desses recursos e que não sejam destinados apenas aos turistas, mas que a
população do entorno os veja como sendo locais propícios ao lazer e entretenimento.
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Página 1598 de 2230
Abstract: The article analyzes the migratory experiences lived by the inhabitants of the
municipality of Vargem Grande in Maranhão, which witness significant changes in the dynamics
of the municipality, since there is an expressive expansion of the city driven massively by the
migration of rural residents that occurred since the 1980s to the current days. In this perspective,
with the departure of these populations from the countryside to the city, it drenched their
surroundings, thus creating countless neighborhoods, as a result of which, the rural settlements
were emptying out. In this sense, the objective is a critical analysis of the everyday life in the
city of subjects from the countryside, as well as understanding the city dynamics from the
adaptation of new subjects, discussing the socioeconomic impacts of urban expansion observed
in recenyears. The analysis of these mobilities also makes possible a discussion
Página 1599 de 2230
about the interdependence relations between the subjects of the countryside and
the city. Methodologically, micro-History is used as a beacon for research, since
it allows this closer look at the relationships established between subjects and
the space in which they live. Thus, authors such as Levi (1992) Bensa (1998)
Jacobs (2000), among others, guide the writing of the text. It is concluded that the
process of expansion of the city in the aforementioned period is mainly due to
migration in the countryside-city sense, mobility that shapes a new social
organization based on the adaptation process of migrated subjects who start to
live with experiences until then not experienced. Thus, the process of adaptation
of migrated subjects is a process that requires new forms of social organization
that, coming from the countryside, need to remake life in the city, discovering
new ways of working that enable survival, however, life in the city does not cancel
his connection with his place of origin, a fact that implies a new socialization,
always looking for relationships that identify with his peasant life. The city thus
becomes a privileged locus of new social relations based on heterogeneous
practices.
Keywords: City. Experiences. Migration. Adaptation.
INTRODUÇÃO
estas áreas rumo aos municípios de Icatu e Morros, partes destes sujeitos foram
instalando- se, formando pequenas povoações e, posteriormente vilas. A categoria de cidade foi
conquistada a partir da sua data de emancipação política datada do ano de 1935, quando o
município passa a sustentar-se politicamente, e a partir de então passa a vigorar sua autonomia
independente dos municípios vizinhos.
Os movimentos populacionais apresentam-se como uma das características humanas
mais remotas, pois desde os primeiros habitantes já havia formas de migração, atualmente os
deslocamentos populacionais apresentam-se com novas formas e motivações, porém algumas
características permanecem. Assim, a migração é a movimentação dos seres humanos nos
diferentes espaços. De acordo com Ianni (2004), o migrante é aquele que está sempre em busca
de novos ares, em constante movimento, que deseja encontrar novos modos de viver, arriscando-
se diante da possibilidade de emancipação. Neste sentido, a migração apresenta-se como essa
possibilidade de transformação de vida, na qual as pessoas que se aventuram nessa jornada estão
sempre em busca de melhorias de vida, uma vez que a mudança requer coragem
e determinação.
Neste contexto, a migração rural-urbana prevê uma mudança que traz em seu bojo uma
ressignificação dos movimentos populacionais uma vez que, em sua maioria são ocasionadas por
fatores de expulsão das populações do campo para as áreas urbanas. Portanto, a migração rural-
urbana é um dos fatores determinantes da mudança nos cenários urbanos e rurais, pois em
contraste ao esvaziamento do meio rural apresenta-se a cidade com uma população excedente
vivendo, muitas vezes, em condições precárias de sobrevivência.
Os movimentos populacionais em geral definidos como migração ganham diversos
conceitos, estes surgidos a partir das diferenças entre suas estruturas, pois depende de como essa
migração ocorre. Desta forma, quando o movimento de pessoas está condicionado ao
deslocamento destas em direção a outros países caracteriza-se como migração externa, sendo a
migração interna aquela em que se constitui numa mobilidade dentro do próprio país.
Segundo Mendonça (2015) e Gonçalves (2001) há outros movimentos caracterizados por
diversas situações de deslocamentos: tais como: o nomadismo (caracterizado por migrações em
que populações inteiras se deslocam em busca de alimentos e abrigo, é um movimento constante
e define as sociedades primitivas, estando, portanto, em extinção); migração urbano-rural
(caracterizada pela migração de pessoas de um setor urbano para os espaços rurais, sendo
atualmente bastante incomum); migração sazonal (define-se enquanto uma migração que é
estritamente temporária, pois tem como finalidade a mudança geralmente influenciada por
fatores naturais, onde populações migram de um determinado local, em determinado estação do
ano e retorna tão logo seja viável, define-se esta também como transumância - este tipo de
migração é comum entre os sertanejos no Nordeste brasileiro); migração pendular (uma migração
de caráter não permanente na qual, trabalhadores saem todas as manhãs de suas residências em
determinada cidade e só retorna ao final do dia, esta migração é típica das grandes cidades e
regiões metropolitanas); migração urbano-urbano (esta ocorre atualmente com muita frequência
e é caracterizada pela mudança de pessoas de uma cidade para outra); e migração rural-urbana
ou êxodo rural – foco do nosso estudo – (é marcado pela mudança de pessoas do espaço rural
para o espaço urbano, tendo diversos fatores de influência e sendo atualmente um dos grandes
pontos de discussão das migrações contemporâneas).
Sendo assim, a compreensão dos movimentos populacionais entre o meio rural e urbano
do município de Vargem Grande no Maranhão no período supracitado é viabilizada através de
uma análise ‘micro’ que nos leva a uma percepção ‘macro’ da problemática. Pois, segundo Levi,
A Micro-História tenta não sacrificar o conhecimento dos elementos individuais a uma
generalização mais ampla, e de fato acentua as vidas e os acontecimentos individuais.
Mas, ao mesmo tempo, tenta não rejeitar todas as formas de abstrações, pois fatos
insignificantes e casos individuais podem servir para revelar um fenômeno mais geral
(LEVI, 1992, p.158).
Neste sentido, a decisão dos sujeitos em migrar do espaço rural para o espaço urbano é
permeada por singularidades e ambiguidades que estão para além do que aparentemente se
observa. Sendo, portanto, uma investigação prenhe de significados que através da pesquisa
Micro-Histórica podemos esboçar algumas considerações relevantes acerca deste processo.
Assim, por meio do jogo de escala que segundo Bensa (1998) articula os processos ‘micros’ aos
processos ‘macros’ leva-nos a uma compreensão acerca das migrações ocorridas no município
de Vargem Grande-MA se considerarmos estes como parte de uma conjuntura maior na qual
aspectos singulares estão conectados a estruturas plurais. Diante disso, a riqueza sobre esse caso
mais especifico de migração, viabiliza uma análise mais ampla acerca deste fenômeno, pois as
mobilidades locais não se desligam de fenômenos mais gerais.
Face ao exposto, este estudo tem como foco uma análise dos movimentos migratórios de
sentido rural-urbana ocorrido na cidade de Vargem Grande - Maranhão a partir dos anos de 1980,
buscando analisar aspectos da vida cotidiana dos sujeitos oriundos do campo na cidade, bem
como uma compreensão da dinâmica da cidade a partir da adaptação dos novos sujeitos,
percebendo os impactos socioeconômicos da expansão da cidade nos últimos anos, objetivando
ainda uma discussão sobre as relações de interdependência entre o espaço rural e
Como pode ser percebido na tabela acima, a partir dos anos de 1980, os movimentos
populacionais no município de Vargem Grande, em especial os de sentido rural-urbano
acentuaram-se significativamente. Neste caso, analisando a tabela, podemos perceber o
quantitativo populacional equivalente aos anos de 1980 a 2000 e encontramos a discrepância
entre ambos os números, ficando visível a saída do homem do campo, bem como o crescimento
relevante da população da cidade, sendo perceptível uma dinâmica de migração bastante forte
nestes anos.
Face ao exposto, é comum aos migrantes, primeiro a dor de deixar a vida no campo, em
seguida o processo doloroso de adaptação que, para muitos deles não se conclui, pois mesmo
morando há anos na cidade nunca deixam determinados comportamentos típicos do campo.
Diante do choque que se tem ao chegar a um local estranho, a nova vida passa por transformações
que abalam as famílias oriundas do campo na cidade. Os migrantes uma vez na cidade são
levados a aderir à organização do novo local de moradia, local este nem sempre digno para a sua
família.
Sendo assim, uma vez migrados estes indivíduos precisam se alocar em algum espaço na
cidade e desta forma surgem novos bairros e novas formas de ser e fazer a vida dentro desta nova
dinâmica, marcada por novas atividades para garantir a sobrevivência da família, onde os novos
habitantes da cidade precisam a todo custo se inserir nesta cultura que agora lhe cerca. Deste
modo, o sr. José Ribamar nos relata que,
Era pequena (a cidade), aqui não tinha casa, poucas casinhas, não tinha água, não tinha
luz aqui, né! A gente tinha que carregar água de onde tivesse, não tinha nada aqui, não
tinha açougue, né! Hoje, está igualmente cidade grande, porque tudo tem aqui, tem feira
de tudo enquanto tem, viu! Tem uma creche ali, né! Que isso aí foi uma benção que eles
construíram... (COSTA, 2019)
No relato, sr. José Ribamar nos apresenta o cenário que ele encontrou na cidade, ainda
pouco desenvolvida. O seu bairro, Baixa Grande, era distante e carente de serviços, sua adaptação
neste espaço foi lentamente uma vez que ele mesmo morando e com os filhos estudando na
cidade, ele ainda realizava atividades agrícolas em Veredas – área rural em que residia. Assim,
ele nos relata que,
Correria grande, ainda trabalhando no interior [...] não é querendo ser mais forte que todo
mundo, mas é como lhe falei, as pessoas que vieram pra cá, por causa da luta toda que a
gente já falou, não resistiram, desistiram, já delas, eu venci todas [...] não desistir de
nenhuma luta, cabeça fria, né! Tinha vez que a bicicleta estava quebrada eu ia de pé pro
interior não importava a hora que chegava lá, ia e voltava. (COSTA, 2019)
A adaptação paulatina expressada por ele, reflete a resistência do homem do campo em
abandonar seus laços, pois segundo Scott (2014, p.18) “a migração não é caracterizada por um
pleno rompimento com o lugar de origem”. Notadamente, a mudança para a cidade realizada
pelo sr. José Ribamar e sua família foi causada por fatores externos que circunstancialmente
impelem os indivíduos a buscarem novos ares.
Outrossim, a migração interna ocorrida no município demonstra a saída das pessoas do
campo e a vinda destas para a cidade, uma vez que há muitos relatos acerca deste movimento
ocorrido por motivações às vezes diferentes de abandono das áreas rurais, mas com destino
geralmente semelhantes que é o centro urbano. Neste sentido, a migração rural – urbano,
influenciou a dinâmica social do município, dando novas formas à estrutura física, econômica,
política e cultural da população Vargem-grandense.
Igualmente, deixar o campo e aventurar-se estabelecendo moradia na cidade permeia
diversas dificuldades que só conhece quem se arrisca a realizá-la, mesmo que sejam forçados a
tal. A chegada à cidade às vezes causa grandes desconfortos tanto para o migrante quanto para a
estrutura física da cidade, uma vez que quase todas estão despreparadas para receber grandes
contingentes de moradores oriundos do campo. Destarte, as aglomerações de moradias nos
arredores da cidade evidenciam uma urbanização descontrolada que foi especialmente
impulsionada pela migração rural-urbana no município.
A mobilidade aqui tratada como migração rural urbana no município de Vargem Grande,
apresenta traços da vida individual de sujeitos que migraram no período de 1980 a 2000 e que
tiveram transformações significantes em vários aspectos de suas vidas, especialmente no que se
refere ao trabalho, pois a partir da decisão de deixar o espaço rural e fixar residência na área
urbana, as atividades laborais outrora desenvolvidas, já não são mais possíveis neste novo
espaço. Diante disso, muitas foram as formas encontradas por essas populações para
desenvolverem atividades que pudessem adquirir alguma renda para ajudar a manter as famílias
na cidade. Neste sentido, o sr. José Ribamar relata sua experiência inicial,
Agora em agosto completou 20 anos, que eu comecei, era um bar quando eu morava na
residência lá embaixo. Aí, é assim: a gente faz uma coisa por vontade, não é porque
possa, não! Aí depois começamos com o comércio, botamos mercadoria, né! Aí, bota
aqui no comércio um pouquinho de mercadoria para começar, né! Eu achava que não
conseguia começar porque, como? Patrão não tinha, aposentado não era, dinheiro eu não
tinha, mas começou com esse lugar, tem crédito, começa a pegar algum negócio bom
também, pra começar o que a gente tem, começamos com pouquinho. (COSTA, 2019)
A percepção sobre as suas limitações é visível na sua fala, entretanto, o esforço pessoal
demonstrado traz em seu bojo toda uma conjuntura social que as populações estão sujeitas
quando do ato da migração em quaisquer que sejam as regiões. Entretanto, a despeito das
dificuldades, a cidade é um lugar onde reside grande número de populações rurais, que de uma
forma ou de outra conseguiram uma instabilidade ao sabor de grande luta que travaram para
encontrar seu espaço em um lugar alheio às suas raízes, mas atrativo no sentido de oferecer
serviços e possibilidades que a área rural ainda era carente.
Neste sentido, o choque cultural causado pelas situações novas, pela sensação de “um
estranho no ninho”, torna-se um desafio à aceitação das organizações da cidade, completamente
diferente do campo. A luta diária perpassa tanto pela adaptação quanto pela aceitação. A sedução
pela cidade traz em seu bojo mentalidades diferentes, linguagens estranhas ao homem do campo,
contato com jeitos diferentes de ser, todo esse conjunto de situações espera o migrante que se
desloca do campo para a cidade e nesta estabelece moradia. Neste sentido, Alves e Marra
apontam que,
A decisão de migrar é decisão da família. Ela avalia os ganhos e as perdas, incluindo-se
os riscos que toda mudança traz. Expectativas sobre salários, bem-estar da família,
desemprego, violência, programas do governo, aposentadorias, etc., baseadas no destino
e na origem, são cuidadosamente avaliadas. Influenciam-nas a opinião de amigos já
residentes no destino, como também a dos residentes na origem e o clima de otimismo
ou de pessimismo que vigora no destino (ALVES & MARRA, 2009, p.07).
As transformações ocorridas nos cenários, nos comportamentos e hábitos das pessoas que
migram tornam-se fatores que determinam a vida dos novos habitantes da cidade, diante disso,
esta decisão precisa ser analisada pelos sujeitos envolvidos. Nessa perspectiva, podemos
perceber o reflexo das migrações nos fatores sociais, culturais e psicológicos dos envolvidos.
Portanto, sair de seu lugar de origem exige certos cuidados que são analisados por aqueles que
decidem migrar, isto quando a migração não acontece de maneira forçada.
Galináceos – galinhas
1980 104.719
1982 22.452
1984 23.580
1986 13.821
1988 15.084
Fonte: IBGE - Pesquisa Pecuária Municipal 1980-1990
Situação semelhante à tabela acima, esta última apresenta uma amostra da produção
realizada na década de 1990, na área rural. Neste sentido, também se pode encontrar uma queda
na produção agrícola destes produtos, visualizando assim uma queda no ritmo de produção no
que se refere à lavoura que são típicos de pequenos produtores.
Sendo assim, uma das implicações mais relevantes da saída dos indivíduos das áreas
rurais foi o impacto nas produções de base agrícola e criação de animais de pequeno porte, sendo
que estas ações afetam a estrutura econômica do município. Neste caso, temos um processo de
transição da economia de tipo agrícola para uma economia de serviços, assim, não somente o
espaço rural sente este impacto, mas também o espaço urbano. Face ao exposto, evidencia-se o
que Elias afirma sobre a interdependência dos sujeitos, pois, segundo ele,
“Esse arcabouço básico de funções interdependentes, cuja estrutura e padrão conferem a
uma sociedade seu caráter específico, não é criação de indivíduos particulares, pois cada
indivíduo, mesmo o mais poderoso, mesmo o chefe tribal, o monarca absolutista ou o
ditador, faz parte dele, é representante de uma função que só é formada e mantida em
relação a outras funções, as quais só podem ser entendidas em termos da estrutura
específica e das tensões específicas desse contexto total.” (ELIAS, 1994, p.22)
A presença de um elo com o espaço rural é muito forte entre os habitantes da cidade que
de lá vieram, sendo assim, o apego por seu espaço de origem atrai novamente este sujeito que
tendo as condições necessárias, depois de certa idade, tende a voltar a conviver na tranquilidade
oferecida pelo espaço rural, pois as motivações da saída atualmente não apresentam mais tanta
força e uma vez estabilizados na cidade, procuram agora novos modos de existência que lhes
ofereçam uma paz que, para eles a cidade não oferece.
Neste sentido, as relações estabelecidas entre os dois mundos rural e urbano giram em
torno de uma cultura que, para estes sujeitos não é fácil se desvincular, mesmo que para alguns
a vida na cidade tenha se tornado promissora, a vida no campo ainda é uma opção relevante.
Neste caso, enquanto que, para migrar para a cidade o tenham feito de forma instável, para
retornar ao campo precisam estar certos de que terão uma comodidade e estabilidade, pois
tempos diferentes exigem posturas diferenciadas.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
BENSA, Alban. Da micro-História a uma antropologia critica. IN: REVEL, Jacques (org.) Jogos
de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: fundação Getúlio Vargas editora, 1998.
COSTA, José Ribamar Silva. Entrevista concedida a Eva Rosa do Lago. Vargem Grande, 17
ago. 2019 [a entrevista encontra-se transcrita]
IANNI, Octavio. Origens agrárias do estado brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 2004.
JACOBS, Jane. O tipo de problema que é a cidade IN: Morte e Vida de Grandes Cidades. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
LEVI, Giovanni. Micro - História. In: BURKE, Peter (org.) A escrita da História: novas
perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
MENDONÇA, Tibério. Os movimentos populacionais. Disponível em:<
http://www.tiberiogeo.com.br/texto/TextoUvaMovimentosPopulacionais.pdf> acesso em: 16
de agosto de 2019.
RESUMO:O projeto tem como objetivo central, constituir um núcleo de formação de agentes
culturais nas comunidades do Centro Histórico de São Luís, tornando-os multiplicadores de
informações sobre os aspectos históricos, culturais e turísticos. São utilizadas atividades como:
palestras, visitas técnicas, minicursos, oficinas, artesanato, fotografia, mostras de vídeos e
documentários, exposições sobre os aspectos naturais e culturais, resgate histórico e
antropológico sobre ao patrimônio cultura de São Luís. As atividades são desenvolvidas afim
de aproximar e promover a identificação com o espaço e o sentimento de pertencimento, para
que possam também mediar e interagir com a cultura, fortalecendo a preservação do patrimônio
cultural e o desenvolvimento do turismo.
ABSTRACT: The project aims to constitute a nucleus of formation of cultural agents in the
communities of the Historic Center of São Luís, making them multipliers of information about
historical, cultural and tourist aspects. Activities such as: lectures, technical visits, short
courses, workshops, crafts, photography, video shows and documentaries, exhibitions on
natural and cultural aspects, historical and anthropological rescue on cultural heritage of St.
Louis. The activities are developed in order to approximate and promote identification with
space and the feeling of belonging, so that they can also mediate and interact with culture,
strengthening the preservation of cultural heritage and the development of tourism.
1 INTRODUÇÃO
O projeto reúne alunos com interesse de atuar como agentes e mediadores no espaço
cultural maranhense dessa forma, tem como objetivo geral, constituir um núcleo de formação
de agentes culturais nas comunidades do entorno da Universidade Federal do Maranhão –
UFMA e outras localidades, tornando-os multiplicadores de informações sobre os aspectos
históricos, culturais e turísticos de São Luís. São objetivos específicos: Estimular o interesse
dos jovens e adultos em conhecer os aspectos históricos, culturais e turísticos de sua
comunidade, por meio de investigações acerca da dinâmica cultural local; Despertar o
empreendedorismo comunitário, favorecendo articulações e a busca de soluções criativas e
inovadoras em prol da preservação do patrimônio cultural; Valorizar o patrimônio cultural da
cidade.
2 METODOLOGIA
3 REFERENCIAL TEÓRICO
de tradições memoráveis, retomando o acervo cultural do Centro Histórico de São Luís adquiriu
ao longo da história. Atualmente o turismo cultural é bastante forte e pode colaborar na
diversidade cultural em contraposição aos processos de homogeneização derivado do mundo
globalizado em que vivemos, visto que essa atividade turística se realiza em função do diferente,
do exótico, do curioso e, por isto, pode se constituir em um instrumento para o intercâmbio
entre culturas (BRITO, 2009, p. 231).
A valorização dos aspectos culturais e históricos por parte dos agentes culturais
contribuirá para o reconhecimento da sua identidade local, revelando significados. E a
sensibilização da própria comunidade em identificar suas origens desencadeia a vivência da
cultura, através do resgate das tradições e memorização coletiva. Conforme Martins (2003), a
identidade preserva de forma peculiar os fatos da sociedade.
4 RESULTADOS E DISCURSSÕES
Ao que tange a organização do curso, 56,3%, disseram ser excelente e apenas 43,8%
consideraram excelente. Fato este, que demostra uma sistematização em relação aos conteúdos
e comprometimento em relação aos horários em que ocorriam as aulas. Em relação ao horário,
as aulas foram realizadas das 14:00h às 17:00h, carga horaria está que deu o equivalente a 120
horas de duração de curso, que correspondeu a 4 meses. Este horário foi flexível para a maioria,
pois existiam alunos que tinham outros compromissos e tentavam compatibilizar o horário com
as suas outras atividades pessoais e profissionais.
Em relação ao conteúdo das aulas, muitos disseram que atingiu as suas expectativas,
correspondendo a 93,8%, e apenas, 6,2% disseram que não. O conteúdo do curso foi algo bem
extenso e ao mesmo tempo dinâmico, primeiramente fora trazidos conceitos sobre cultura,
gestão da cultura, a diferença do agente cultural para o gestor cultural, o perfil deste
profissional, economia criativa visando um foco empreendedor, e pra finalizar a elaboração de
projetos culturais, onde, primeiramente, foram realizadas as aulas e com a finalidade de colocar
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a teoria em pratica, foi elaborado um projeto cultural, sendo este, uma exposição com o tema:
ALÉM DA BELEZA: Identidade e Ritmos. Está exposição, foi realizada no dia 18 de dezembro
e teve duração de 8 horas, sendo realizada numa manhã e uma tarde, onde no turno da manhã
foi realizada a exposição e a tarde a parte das oficinas de dança, penteados e turbantes. Houve
um número significativo de público, por todo o planejamento feito anteriormente.
Demonstrando assim, sucesso na ação do projeto.
Em relação ao horário do curso, a maioria considerou que este foi compatível com
os objetivos, sendo este, um total de 81,3%, e apenas, 18,8%, disseram que não foi compatível
o tempo disponível para a realização do curso com os objetivos do projeto. Por ser um curso de
curta duração, o projeto foi de acordo com os objetivos traçados, pois as aulas foram planejadas
de maneira em que o curso fosse algo dinâmico e consistente, contribuindo para uma formação
crítica e visando tornar estes alunos, futuros empreendedores da nossa cultura maranhense.
Quando perguntados sobre a sua avaliação sobre o curso, muito disseram ser bom,
correspondendo a 50% do total, 43,8%, disseram ser excelente e apenas, 6,2% disseram ser
regular. Este, foi considerado como bom e excelente, pois os objetivos propostos foram
alcançados e houve uma aprovação do público participante do projeto. Demostrando, assim,
que indicarão para outras pessoas e que utilizarão o certificado para exercerem a profissão em
seu bairro, município e estado, mostrando a quão rica e diversificada é a nossa cultura
maranhense, a partir do conhecimento que já tinham e obtiveram pelo curso.
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E por fim, o último item a ser avaliado, foi em relação aos monitores, a maioria
considerou que foram bons, correspondendo a 50%, enquanto 43,8% disseram ser excelente, e
apenas, 6,2% disseram ser regular. Fato este que coincidiu com os dados anteriores, em relação
a avaliação sobre o curso, como pode ser visto no gráfico anterior. Esse contexto, teve grande
representatividade para uma maior compreensão sobre a permanência ou não, dos alunos no
projeto. Resultado este, considerado bom e excelente em relação aos monitores do projeto. E
realmente, houve uma preparação por parte dos monitores, um planejamento das aulas,
agregamos valores obtidos através do curso de Turismo ao assuntos do curso e propomos as
aulas serem realizadas de maneiras dinâmicas e com bastantes discussões em sala de aula,
houve uma interação de todos os participantes em relação aos assuntos trabalhados em sala de
aula. A assiduidade dos alunos foi incrível e bastante satisfatória do ponto de vista dos
monitores, também.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
NEILSON, Christopher A.; ZIMMERMAN, Seth D. The effect of school construction on test
scores, school enrollment, and home prices, Journal of Public Economics, vl. 120 (2014), 18 –
31.
SANTOS, Reinaldo Soares dos. O Encanto da Lagoa: O imaginário histórico-cultural como
elemento propulsor para o turismo cultural na Lagoa Encantada. Dissertação (Mestrado em
Cultura e Turismo) – Programa de Pós-Graduação em Cultura e Turismo, UESC/ UFBA,
Ilhéus-Ba, 2004.
Página 1620 de 2230
Abstract : The form of organization of the state and the constitutional rules have a decisive
influence on the city management process, since they can establish different legal requirements
for the three levels of government. Considering this scenario, this article presents the conceptual
and historical foundations of federalism in Brazil. A description of the distribution of
competences among the federated entities is made based on the analysis of the provisions of the
Federal Constitution of 1988, which innovated by raising the municipalities to the quality of
entities of the federation with autonomy identical to the member states in the elaboration of
their laws and policies and established a series of competencies common to federated entities.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo apresentar alguns aspectos do federalismo no Brasil,
visto que a decisão das unidades locais de governo (estados e municípios) pela implementação
de uma dada política pública está resguardada pelo princípio da soberania. Isto é, salvo
expressas imposições constitucionais, nada impede ou obriga que um dado município ou estado
venha a implementar uma política pública qualquer, assim a gestão das cidades é fortemente
impactada por esses dispositivos.
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O presente artigo está dividido em quatro seções além desta introdução, na seção
seguinte discorre-se sobre os fundamentos conceituais do federalismo, na terceira apresenta-se
um breve histórico do federalismo no Brasil, a quarta seção evidencia a distribuição de
competências entre os entes, na última seção tecemos nossas considerações finais.
O termo 'federal' é derivado do latim foedus, o qual (...) significa pacto. Em essência,
um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas
conexões internas refletem um tipo especial de divisão de poder entre os parceiros,
baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de
favorecer uma unidade especial entre eles (ELAZAR, 1987 apud ABRUCIO, 2005,
p. 4).
Gilda Araújo (2005) corrobora com esta ideia ao afirmar que a autonomia e
soberania dos entes federados prevista no pacto federativo, garantem que cada instância tenha
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poder de realizar suas próprias políticas, pois cabe aos governos subnacionais “autonomia para
gerir questões políticas e econômicas locais” (ARAÚJO, 2005, p.78-79).
Deste modo:
Dois critérios devem ser atendidos para caracterizar uma nação como federalista: 1)
“o Estado deve conter subunidades políticas territoriais, cujo eleitorado seja
constituído pelos cidadãos dessas unidades; além disso, a constituição deve garantir a
essas unidades soberania na elaboração de leis e de políticas”; 2) “deve haver uma
unidade política de âmbito nacional, que contenha um poder legislativo eleito por toda
a população do Estado, e à qual caiba, por garantia constitucional a competência
soberana para legislar e formular políticas em determinadas matérias” (STEPAN,
1999, p.4 apud CRUZ, 2009, p. 49-50).
O federalismo moderno foi criado nos Estados Unidos, em 1787. As treze colônias,
até então fragilmente interligadas, abriram mão de parte de sua independência para que se
criasse uma nova esfera de governo – a União. Assim, elas se tornaram estados que, apesar de
constituintes de uma mesma nação, mantiveram boa parte de sua autonomia e estabeleceram
relações de interdependência – e não de simples hierarquia – entre si e com o Governo Federal
recém-constituído. Este pacto político-territorial foi garantido pela Constituição, o mais amplo
e originário contrato federativo (ABRUCIO; FRANZESE, 2007).
Assim, qualquer país federativo é ou foi instituído para dar conta de uma ou mais
heterogeneidades. Se um país deste tipo não constituir uma estrutura federativa, dificilmente a
unidade nacional manterá a estabilidade social ou, no limite, a própria nação corre risco de
fragmentação. A coexistência destas duas condições é essencial para se montar um pacto
federativo (ABRUCIO, 2005).
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Desde o início, o ideal federativo empolgou lutas regionais pela Independência, mas
acabou sendo relegado por uma elite de letrados, formada em Coimbra, que temia os
riscos de desintegração do antigo território colonial. É certo que as diferentes
províncias, muito distantes umas das outras, sempre se comunicaram diretamente com
a Corte portuguesa e ainda não reconheciam um centro nacional de poder. Foi feita,
portanto, a opção inicial por um império unitário, descartando o federalismo e a
república que tanta instabilidade política e guerras entre províncias vinham
provocando na América espanhola (CAMARGO, 2001, p. 317).
Foi Portugal quem criou os municípios no solo da sua colônia sul-americana, como
imitação dessa instituição já existente na Europa há séculos. Até a independência
brasileira, em 1822, o município funcionava como “ponta de lança” para penetração,
sem nunca deixar de ser uma afirmação da soberania da coroa portuguesa. Foram eles
os verdadeiros detentores do poder de ordenação fática e decisão política. Na prática,
os governos locais — as câmaras — nessa época exerciam também funções que
formalmente eram da competência dos entes estatais superiores, das 12 capitanias
hereditárias. Essas entidades, contudo, eram na verdade subdivisões artificiais e
demasiadamente grandes no território colonial criadas por questões meramente
políticas (...). A vastidão do país, as dificuldades de transporte e a comunicação daí
resultantes levaram necessariamente a uma concentração do poder político fático nos
governos municipais. Eles constituíam verdadeiros centros de autoridade local,
subordinados, em tese, ao governo geral da capitania. No decorrer do tempo, a maioria
deles acabou se tornando praticamente autônomo, perfeitamente independente do
poder central. Foi por isso que o imperador d. Pedro I fez questão que as câmaras
municipais aprovassem solenemente a primeira Constituição do Brasil, de 1824, para
que a Carta Magna da Independência ganhasse mais legitimidade política
(ANDRADE, 2004, p.1125).
Andrade também esclarece que “No período imperial, o país era unitário, a
administração era centralizada e o repasse de competências se dava por outorga, isto é, o
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governo central decidia o que passar à competência provincial ou municipal, caso a caso”
(ANDRADE, 2004, p.1125). A Constituição da Independência brasileira de 1824 manteve, em
princípio, a organização municipal que tinha se formado durante os séculos em que o país era
colônia de Portugal, como assinala Andrade:
Desde então, competia aos órgãos políticos e administrativos locais (às câmaras) o
governo econômico das cidades e vilas (art. 167). Todavia, já em 1828 as câmaras
eram subordinadas aos governos das províncias e declaradas meras corporações
administrativas. (...)
Em 1º de outubro de 1828 foi expedida a Lei do Império, denominada Regimento das
Câmaras Municipais, que veio a reger o município durante todo o tempo anterior à
República. Nela, encontram-se as funções municipais (posturas policiais, ocupação de
vias públicas, regulamentação das construções, dispositivos sobre moralidade e
sossego públicos, trânsito e tráfego, animais, plantas, matadouros, feiras, espetáculos
públicos e medidas relativas à conservação dos logradouros), vedada qualquer
atribuição judiciária. A receita era oriunda da cobrança de valores que hoje poderiam
ser identificados como taxas (ANDRADE, 2004, p.1125-1126).
por julgar conflitos federativos e zelar pelo cumprimento do pacto fundante, isto é, da
Constituição Federal (ABRUCIO; FRANZESE, 2007).
Aventou-se pela primeira vez sua autonomia política (eleição de seus prefeitos e
vereadores), financeira (decretação de seus impostos, taxas e outras rendas) e administrativa
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(organização de seus serviços). Porém, não lhe coube menção quando da definição da forma
federativa, permanecendo os mesmos tópicos da primeira Constituição republicana
(ANDRADE, 2004).
Celina de Souza ilustra bem o que ocorreu neste período em que foi outorgada a
Constituição de 1937:
Com relação aos municípios, a Constituição de 1937 ficou composta como as cartas
anteriores, permanecendo o respeito à autonomia relativa ao peculiar interesse municipal, bem
como a eleição dos vereadores, o poder de decretar impostos e taxas e a prerrogativa de
organizar seus serviços. Porém a partir deste momento os prefeitos seriam nomeados livremente
pelo governador do estado (ANDRADE, 2004). Tolhendo-se assim a sua autonomia política.
Já o final do período 1945-64 foi marcado por uma forte radicalização política, em
meio ao cenário da Guerra Fria e à falta de efetiva adesão das elites brasileiras ao processo
democrático. O resultado foi a realização de um golpe de estado, com apoio de líderes civis –
particularmente os governadores de São Paulo, Guanabara e Minas Gerais – e capitaneado pelos
militares. Instalou-se um regime político que durou cerca de 20 anos e teve forte impacto na
Federação e no pacto federativo (ABRUCIO; FRANZESE, 2007).
O golpe de 1964 colocou o Brasil na rota dos regimes autoritários que passaram a
governar a América Latina nos anos 1960. Paradoxalmente, os militares não
promulgaram imediatamente uma nova Constituição, embora tenham feito várias
emendas à Constituição de 1946. A nova Constituição do regime só foi promulgada
em 1967 e em 1969 uma longa emenda constitucional foi editada. Como se sabe, a
Constituição de 1967-1969 e a reforma tributária de 1966 centralizaram na esfera
federal poder político e tributário, afetando o federalismo e suas instituições (...). No
entanto, apesar da centralização dos recursos financeiros, foi a reforma tributária dos
militares que promoveu o primeiro sistema de transferência intergovernamental de
recursos da esfera federal para as subnacionais, por meio dos fundos de participação
(Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios
(FPM)). O critério de distribuição abandonou a repartição uniforme entre os entes
constitutivos, passando a incorporar o objetivo de maior equalização fiscal pela
adoção do critério de população e inverso da renda per capita. No regime militar, as
esferas subnacionais também recebiam as chamadas transferências negociadas, que
cresceram significativamente no período (SOUZA, 2005, p.109).
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos (...)
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição (BRASIL, 2013).
suas rendas e, sobretudo, prestar uma gama de serviços de interesse da coletividade municipal.
Cabe ressaltar que descentralização de recursos públicos aos municípios começou antes mesmo
da nova Constituição, no início da década de 80, principalmente via aumento de transferências
federais por meio dos fundos de participação.
apud CRUZ, 2009, p. 87), um limitando a esfera de ação do outro. Já no modelo de federalismo
cooperativo “existe uma maior aproximação e entrelaçamento entre as esferas estadual e
federal, que passam a desenvolver competências comuns, havendo uma cooperação entre as
duas esferas e um nítido predomínio da União” (CASSEB, 1999, p.19 apud CRUZ, 2009, p.87).
No que diz respeito aos estados, a Constituição não enumerou expressamente suas
competências na prestação dos serviços públicos. Reservaram-se para os estados as matérias e
serviços que não tenham sido atribuídas taxativamente aos outros entes da federação,
caracterizando-se assim pela competência remanescente ou residual. As únicas exceções foram
as competências para instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; e
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Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem,
observados os princípios desta Constituição.
§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por
esta Constituição.
§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços
locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para
a sua regulamentação.
§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento
e a execução de funções públicas de interesse comum (BRASIL, 2013).
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e
conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras
de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e
cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros
bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a
integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e
exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a
União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (BRASIL, 2013).
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
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II - orçamento;
III - juntas comerciais;
IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino e desporto;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário (BRASIL, 2013).
programas nestas áreas. Esta distribuição de competências é propícia para produzir os efeitos
esperados pela literatura sobre federalismo e políticas públicas: superposição de ações;
desigualdades territoriais na provisão de serviços; e mínimos denominadores comuns nas
políticas nacionais. Estes efeitos, por sua vez, são derivados dos limites à coordenação nacional
das políticas (ARRETCHE, 2004).
No entanto, até o momento nenhuma lei foi proposta pelo poder Executivo ao
Congresso Nacional, com este objetivo. Compreendendo a complexidade da questão, Rezende
pondera que uma melhor definição das competências por meio da regulamentação do artigo 23
não é algo fácil, uma vez que envolve repensar o próprio papel do Estado e as responsabilidades
do setor público, destacando a impossibilidade de se definir um “rígido cardápio que estabeleça
em detalhes as responsabilidades da União, dos estados e dos municípios”, em virtude das
enormes disparidades socioeconômicas regionais (REZENDE, 1995 apud CRUZ, 2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
membros na elaboração de suas leis e políticas e estabeleceu uma série de competências comuns
aos entes federados, posicionando o Brasil como um país de federalismo do tipo cooperativo.
Outro ponto a ser destacado neste tipo de federalismo, é que este possibilita que
União, Estados e Municípios se omitam diante de algumas questões, e a população permaneça
sem uma ação governamental e não saiba, efetivamente, de quem cobrar se do governo
municipal, estadual e federal. Isso permite que cada esfera de governo culpe a outra pelo
problema, sem que nenhuma ação efetiva seja tomada.
REFERENCIAS
ANDRADE, S. A. M. de. O novo pacto federativo brasileiro e seu efeito na prestação dos
serviços públicos: enfoque na segurança pública. In: Revista de Administração Pública. Rio
de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v. 38, n. 6, nov.-dez 2004.
Página 1644 de 2230
ARAUJO, G. C. de. Município, federação e educação: história das instituições e das ideias
políticas no Brasil. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo. 2005.
INTRODUÇÃO
Para melhor trabalhar essas memórias buscamos autores que nos proporcionassem
o conhecimento de trabalhos que nos ajudassem no momento tanto da interpretação, quanto da
transcrição. Assim, buscamos exemplos em obras de autores para somar em nosso trabalho e,
que trabalhassem com objetos de estudos próximos ao objeto aqui apresentado.
Evidentemente tanto o Ouvir quanto o Olhar não podem ser tomados como faculdades
totalmente independentes no exercício da investigação. Ambos se complementam e
servem para o pesquisador como duas muletas (que não nos percamos com essa
metáfora tão negativa...) que lhe permitem caminhar, ainda tropegamente, na estrada
do conhecimento. A metáfora, propositadamente utilizada, permite lembrar que a
caminhada da pesquisa é sempre difícil, sujeita a muitas quedas... (Cardoso de
Oliveira, 1996, p.18).
Devemos, portanto, nos atentar para que cumpramos esses objetivos para se ter
êxito no momento da transcrição dos relatos feitos por moradores das comunidades as quais
nos debruçamos a estudar, entendendo que nessas três habilidades- olhar, ouvir e o escrever-
um sempre vai complementar o outro. Como Cardoso de Oliveira (1996) alerta que a jornada é
difícil, mas que é possível desde que o pesquisador atente minimamente para os elementos
significativos que envolvem o objeto de pesquisa.
341
Vale ressaltar que a entrevistada atuou durante muito tempo como professora no povoado Araçá por ter
frequentado a escola básica repassando seus conhecimentos aos demais.
Página 1648 de 2230
Brito, 77 anos, pescador, Domingos Lourenço da Silva, 72 anos, pescador e Francisco das
Chagas Sardinha de Araújo, 54 anos, pescador.
O presente artigo estar dividido nos seguintes tópicos: primeiramente, iremos tratar
sobre as primeiras ocupações ocorridas no povoado Barreiras, que logo em seguida passa a dá
início a um segundo povoado denominado de Araçá. No segundo tópico será trabalhado as
transformações pelas quais a lagoa da Barreiras passa com o decorrer do tempo, e como as
famílias dependentes dela vivem quando ela passa pelo processo de erosão, dificultando a vida
de muitos sujeitos em seus cotidianos. No terceiro tópico dar-se-á continuidade as maneiras que
esses sujeitos vivem em seus cotidianos, mostrando suas atividades produtivas, apresentando
ao leitor como comunidades pequenas que vivem em locais “isolados” mantém a subsistência
dos grupos que ali residem. Por fim, as considerações finais a partir dos resultados preliminares
dessa pesquisa que estar em andamento.
342
Local este que são desenvolvidas as atividades de fluxo comercial, educacional e saúde.
343
Levantamento feito durante a pesquisa de campo, assim como o povoado Barreiras tem uma estimativa de 500
habitantes. Ressalta-se que os números de habitantes dos povoados Barreiras e Araçá estão em constante
modificação. Os números apresentados são referentes ao início da pesquisa no ano de 2017.
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povoados Barreiras vieram da Santa Quitéria velha, onde ficava o antigo centro comercial da
cidade, mas que devido as circunstancias naturais do ambiente, como as enchentes do Rio
Parnaíba, tiveram que se deslocar para outros locais.
Aqui tudo era mato onde cada um ia morar que limpava, pra nós viver nós plantava
feijão, milho melancia, arroz, batata e outras coisa mais... e desde menino eu sempre
trabalhei de roça e pesca, o pessoal chamava meu pai de cilora eu não sei porque, mas
talvez seja porque o homem ao saia da lagoa e da roça. Eu não tenho lembrança do
meu pai sem fazer nada em casa, ele sempre tava trabalhando e nós também, era assim
que os pai de família tudim sustentava suas cria, era difícil nessa parte, e quando num
dava na roça de um a gente trocava, as pessoas se entendiam desse jeito e assim é até
hoje (Marcos Brito, 77 anos. Entrevista realizada por Francisca Geysa l. Araújo, e
Aleilson Sales em 28/11/2019, às 09:30 horas).
Outro fator que contribuiu para a migração foram as enchentes do rio Parnaíba, que
por inúmeras vezes fez com que esses indivíduos perdessem seus pertences conquistados. Mas
o principal fator segundo compreendido nos relatos dos moradores do povoado Barreiras foi a
perda das lavouras quando aconteciam as enchentes, pois as plantações eram feitas geralmente
nas croas do rio.
344
Segundo o dicionário Houaiss araçá, termo de etimologia Tupi, é uma denominação comum a vários arbustos
e árvores dos gên. Psidium e Campomanesia e a alguns do gên. Myrcia, da família das mirtáceas, com o tronco
malhado e frutos bacáceos, semelhantes aos da goiabeira (Psidium guajava) e ger. Comestíveis. Existem três tipos
de sua espécie, o Araçá amarelo, vermelho e o verde.
345
Santa Quitéria velha, fica localizada nas proximidades do rio Parnaíba, a mais ou menos 15 km do povoado
Barreiras e Araçá. Ela é o antigo centro comercial do município. Devido a emancipação muitas pessoas passaram
a migrar para o novo centro e suas proximidades.
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A memória ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada. Isso
resume perfeitamente a dialética da memória e da identidade que se conjugam, se
nutrem mutuamente, e se apoiam uma na outra para produzir uma trajetória de vida,
uma história, um mito, uma narrativa. Ao final, resta apenas o esquecimento. (Candau,
2018, p,16).
Não muito distante do objeto aqui estudado, podemos perceber que as pessoas que
habitam esses pequenos povoados, estão carregados desse tipo de simbologia, onde os
moradores geralmente exaltam um “nome” em específico. Para seguir dando continuidade a
esse sujeito, o “ser heroico” permitiu a divulgação dos objetivos traçados por esse alguém,
dando início a alguns tipos de acontecimentos em gerações passadas marcando sua época
Página 1651 de 2230
O que importa para esses povos são os conhecimentos que foram adquiridos ao
longo de suas vidas, por meio das memórias de seus antepassados, sendo estas, postas antes
mesmo de seu nascimento ocorrendo, assim, a não delimitação do espaço de tempo onde ocorre
a “ação”, seja ela no presente, passado ou futuro.
Desse modo, as histórias surgem e, junto com elas, novos objetivos levando um
grupo a se transformar e expandir seus horizontes. Refiro-me aqui a expansão de território, visto
pelos moradores como um meio de proteger o maior bem da comunidade, a lagoa. As famílias
que habitam o local lutam para impedir a posse ilegal de seu território, como especificado na
introdução deste trabalho.
Tem dia que eu consigo 50,00 reais as vezes até menos depende dos quilos de peixe
que é vendido, eu acho que por mês eu consiga na faixa de uns 700,00 a 800,00 reais
no máximo, mas isso quando dá peixe, as vezes a gente não consegue nada durante
uma noite de pesca, porque é a melhor hora pra pescar, é a hora que os peixes estão
se mudando de lugar, hoje em dia tá tudo mais difícil pois já não tem mais muito peixe
nessa lagoa, porque não tem comida pra eles. (Senhor Francisco das Chagas Sardinha
de Araújo, 54 anos. Entrevista realizada por Francisca Geysa L. Araújo em
09/05/2018, às 16:00 horas)
No relato do senhor Francisco das Chagas pode ser verificado a informação já citada
acima quando apontamos a renda mensal das famílias que residem os povoados, sobrevivendo
com menos de um salário mínimo. O que nos leva a compreender as dificuldades enfrentadas
por cada família em particular, e a necessidade de proteger sua única fonte de subsistência, a
pesca na lagoa, além de elemento fundamental da sociabilidade da comunidade, agente de
inúmeras histórias vivenciada por toda a comunidade.
346
Francisco das Chagas Sardinha de Araújo 54 anos, pescador, gentílico quiteriense, residente do povoado Araçá
desde seu nascimento.
Página 1652 de 2230
do senhor Domingos Lourenço da Silva347 ao relatar sobre sua renda mensal “acho que no mês
todinho eu consigo uns 500 a 600 reais. Nessa faixa. Isso quando tem peixe na rede. Na roça
eu consigo no máximo uns 100,00 reais com a venda de feijão quando o pessoal vem comprar,
mas nós aqui sempre tivemos consciência de pegar só o que precisar, senão Deus castiga o olho
grande”.
Percebe-se então que a economia local gira entorno principalmente de dois fatores
principais de subsistência: a lagoa, conhecida como lagoa da Barreira348, responsável pelo
suprimento das necessidades dos pescadores, e, o plantio de roças que ajudam a manter a
economia de subsistência das famílias que habitam aquele espaço. Essa comunidade é
constituída por pescadores e lavradores349. A grande maioria dos pescadores, é registrada na
colônia de pescadores de Santa Quitéria do Maranhão, localizada na sede do município,
possibilitando o acesso a carteira profissional que os garante anualmente a uma quantia para
“manter-se” no período da piracema350 ou seja, o período de reprodução dos peixes. Mais
adiante aprofundaremos sobre esse assunto.
Não se sabe ao certo sobre a data de surgimento do povoado Araçá, pois desse local
não se tem registro em cartório. O que dificulta afirmar aqui, uma data específica de sua
primeira ocupação e, é exatamente, por tal motivo que procurou-se recorrer a memória dos
moradores dos povoados Araçá e Barreiras, especialmente dos mais velhos, pela sua memória
da história de formação dessa comunidade, seja essa aproximação por convivência ou relatos
de seus pais e avós.
347
Domingos Lourenço da Silva, 72 anos, pescador, nascido no bairro de Santo Antônio, na cidade de Santa
Quitéria do Maranhão, mudou-se para o povoado Barreiras aos seus 13 anos de idade para trabalhar com a pesca
artesanal, e a plantação de arroz.
348
A lagoa é conhecida como lagoa da Barreira devido a sua maior extensão nessa localidade, e também por
motivos de o povoado ter surgido antes do Araçá.
349
Para manter a subsistência das famílias é necessário que os sujeitos dessas comunidades acumulem mais de
uma função, temos aqui o pescador que também é lavrador, dividindo as tarefas do roçado durante o dia, e a
pescaria a noite, tendo uma árdua jornada de trabalho.
350
A piracema é um período natural de reprodução dos peixes de água doce, que ocorre em ciclos anuais no período
de chuvas. O período de restrição de pesca serve para garantir ciclo de vida dos peixes e assegurar a renovação
dos estoques pesqueiros para os anos seguintes.
351
O povoado Araçá é uma comunidade pequena, não pavimentada, possui estrada de terra, possui uma escola de
ensino fundamental menor, com apenas uma sala sendo ministradas as aulas do maternal, junto com alunos do
primeiro e segundo ano. O povoado não dispõe de posto de saúde, tem-se apenas uma agente de saúde tanto para
o povoado Barreiras como Araçá. As casas estão próximas umas das outras com menos de 5 metros de distância,
estando elas nas proximidades da lagoa, mais ou menos a 500 metros de distância. Essas informações nos foi
repassada pela agente de saúde Joselina Marques Lopes, a mesma reside no povoado Araçá.
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formação, com elementos criados a partir da perspectiva, tanto individual como também,
coletiva. Vale ressaltar aqui que as memórias vivenciadas por cada morador, especificamente
dos mais velhos, contribui de forma relevante para a construção da história do povoado a partir
das várias formas de reconhecimento simbólico, construindo, de forma prática o seu sentido de
pertença, conforme relato de D. Joana Marques.
Olha tudo que eu aprendi foi graças a Deus e também a tudo que minha mãe me
contava, até onde eu sei essas terras aqui não tem dono, mas alguns querem dizer quer
dizer que as terras são deles, mas nós mais velhos sabemos que não é. Porque nossos
pais quando vieram pra cá essas terras não tinham dono nenhum, e mesmo que tenha
isso, não vai mudar porque a minha história vem dessa terra, e o que eu sei eu digo
pra quem me pergunta, eu sou daqui e é a única coisa que me importa de verdade.
Meus pais viveram aqui então eu sou daqui. As brincadeira que eu sei é daqui, o jeito
que o pessoal se divertia, tudo isso eu sei, mas também sei que os tempos mudaram.
Eu vejo que os rapazes e moças já não são iguais e eu não vejo mal nenhum porque
no meu tempo de moça não era a mesma coisa do tempo da minha mãe, as coisas
mudam e a gente também né minha filha...(Joana Marques de Lima, 80 anos.
Entrevista realizada por Francisca Geysa l. Araújo no dia 06/03/2019, às 9:00).
Percebe-se que mesmo havendo a falta de registro documental sobre este povoado,
seus integrantes tratam de manter viva as histórias e tradições contadas por seus antepassados,
repassando para as gerações seguintes, fazendo com que se perpetue o conhecimento de suas
raízes, levando adiante sua cultura através da memória, sendo ela repassada para os que
demonstram interesse em conhecer a história de seu surgimento enquanto local de habitação e
de pertencimento.
Stuart Hall (2000) apresenta como o indivíduo adquire sua identidade, apontando
alguns elementos, entre eles está o de pertencer a um determinado grupo, tomando para si
algumas características próprias do grupo que está inserido. Contudo, isso não quer dizer que
esse indivíduo necessariamente já formou sua identidade por completo, estando aberto a novas
experiências. O autor nos leva a compreender que estamos em constantes modificações que
Página 1654 de 2230
compõem as nossas “identidades”, enquanto pluralidade, sendo elas mutáveis, e que nunca
sessam de se readaptar, ou seja de se reconstruir.
futura geração. O que possibilita aos demais viver seu presente, remodelando-o de acordo com
suas escolhas. Cabe a cada um escolher o que viver, e o que lembrar.
Contudo, isso não quer dizer que devamos apagar da lembrança, ou deixar de
praticar, o que foi vivido e transmitido por nossos pais e avós, mas sim, deixá-lo de lado por
um instante, ou melhor adormecido por um determinado tempo, surgindo mais tarde uma busca
incessante de reafirmação de si através dessas memórias vividas por gerações anteriores a nossa.
É exatamente quando buscamos em nossas memórias o vivenciado ou praticado por gerações
passadas que, de alguma forma, marcou aquela geração, que encontramos nas lembranças
marcas utilizadas como ferramenta de reafirmação de identidade do “eu” dentro da própria
comunidade no tempo presente.
A necessidade de recordar é, portanto, real, mesmo que apenas para que não nos
tornemos seres “podres e vazios”. Mas, realidade, mais do que necessidade de
memória, o que parece existir é uma necessidade metamemorial, ou seja, uma
necessidade da ideia de memória que se manifesta sob múltiplas modalidades nas
sociedades modernas. Essa necessidade é indissociável da busca pelo esquecimento,
que ocorre concomitante ao lembrar. (Candau, 2018, pág.126)
Vieram pra cá três famílias que foi a do papai (Caetano), as dos Cabrinhas que era o
pai do Pedro, e também a família dos Lopes que é a da comadre Joana, vieram pra cá
pra aproveitar as terras, depois o pessoal foi tendo filhos, e os filhos cresceram e
começaram a se casar, e daí começou a chegar mais gente. Mas todos de uma mesma
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família. Passou muito tempo tendo só essas famílias. (Raimunda Lopes de Araújo, 95
anos. Entrevista realizada por Francisca Geysa L. Araújo no dia 08/10/2018 às 15:25
horas).
Percebe-se que as histórias de vida tanto dos indivíduos como também da formação
dos povoados está ligada diretamente a existência da lagoa, não somente como fonte de
subsistência, mas como uma dádiva enviada por Deus para essas comunidades (Araçá, e
Barreiras), permitindo-lhes manter suas memórias de gratidão a esse lago, sendo ele o motivo
das atividades ali desenvolvidas.
anos, muitas coisas tenham se modificado. Podemos dizer então que os moradores contam com
a ajuda uns dos outros para manter as práticas culturais de seus antepassados vivas.
352
O Ibama coloca-se hoje como uma instituição de excelência para o cumprimento de seus objetivos
institucionais relativos ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos
recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental. Disponível em https://www.ibama.gov.br
› institucional › sobre-o-IBAMA.
353
O que provoca a captura de espécies em reprodução, ou até mesmo dos peixes que estão no processo de
ovulação, porém isso não é motivo para culpar o pescador de praticar tal ação, eles apenas buscam meios de
sobrevivência assim como os demais seres vivos o fariam.
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estudando até a universidade. Inúmeros filhos de pescadores deixam de estudar para dedicar-se
ao ofício de pescador ou lavrador, alguns chegam a cursar apenas o ensino fundamental
abandonando os estudos. O senhor Marcos Brito explica o porquê de seus filhos não terem
frequentado uma escola, o mesmo dizia: “meus filhos nunca estiveram em uma escola, nós num
tinha condição, então tinha que trabalhar na lagoa e na roça”354.
Eu tive que parar de estudar muito cedo, não porque eu queria mas porque eu tinha
que sustentar minha mãe e meus irmãos, depois que meu pai se separou dela, e
também eu quase nunca tinha tempo pra estudar e nem dinheiro pra comprar lápis pra
mim, então eu desisti nem sei se eu um dia pensei em ser um doutor ou coisa parecida,
porque eu via a situação era triste mas Deus ajudou nós, hoje meus filhos já estudam,
uns tem suas famílias já, outros estudando e pra mim isso já é uma realização, e pra
criar meus filhos eu também sofri, mas nunca essa lagoa me abandonou, eu sei que eu
errava assim como muita gente nós pescava quando peixe tava no período de desova,
eu sentia pena mas era eles ou eu, os camarada faziam as pesca só pra comer nesses
tempos, e pra entender alguma coisinha e comprar o arroz, ninguém denunciava
ninguém porque hoje podia ser eu, amanhã podia ser o que me denunciou. (Francisco
das Chagas Sardinha de Araújo, 54 anos. Entrevista feita por Francisca Geysa L.
Araújo, no dia 05/12/2019, às 7:30 horas.).
Porém, essa atitude é compreensível aos olhos dos integrantes da comunidade, que
veem nessas ações o desejo de suprir as necessidades destes pescadores devido a inexistência
354
Marcos Brito, 77 anos. Entrevista realizada por Aleilson Sales, e Francisca Geysa L. Araújo, no dia 20/11/2019
às 9:30 horas.
355
Não é objetivo deste trabalho em momento algum menosprezar o ofício de pescador, mas salientar as
dificuldades enfrentadas pelas pessoas que dependem integralmente da pesca, sendo ela limitada ao ambiente.
Página 1659 de 2230
de uma renda regular para a manutenção de si e de sua família. Esta questão é pactuada entre
os membros da comunidade ocasionando a não intromissão dos outros na atividade
desenvolvida nos povoados com o objetivo de garantir a própria sobrevivência. Lembrando que
tal fato direciona-se, exclusivamente, à manutenção da atividade pesqueira durante a
piracema356.
Ave Maria eu quase morri de desgosto quando fui lá ver com meus próprios olhos
aquela sequidão toda, os peixes tudo seco em cima da terra...eu chorei porque eu nuca
pensei que eu ia tá viva pra ver uma coisa dessas, me criei com essa lagoa, ela faz
parte da minha história. (Lera Brito, 67 anos. Entrevista feita por Aleilson Sales, e
Francisca Geysa L. Araújo no dia 17/11/2019, às 09:00hs.)
A identidade da própria comunidade está emaranhada nas formas de vida que foram
desenvolvidas no local devido ao valor simbólico da lagoa, observando-a como um símbolo de
356
O período da piracema acontece de acordo com cada região, dependendo da nascente do rio. O IBAMA divulga
os meses nos quais acontecem as desovas dos peixes, sendo repassado as instituições nas quais esses pescadores
associam-se. Sob o aviso os pescadores passam a cessar as pescarias até que os peixes tenham passado por tal
processo.
Página 1660 de 2230
vida e resistência, como é relatado por dona Joana, que diz ter conseguido manter seu grupo
familiar vivo graças a lagoa. Em todo o seu relato ela passa a agradecer a Deus pelo “presente”,
ressaltando que todos os moradores daquele local devem suas vidas a essa lagoa.
Eu desde mocinha sempre me virei, casei cedo e tive filho cedo também e quem me
ajudou a criar, a sustentar de verdade meus filhos foi essa lagoa. Cansei de sair meio
dia pra pescar eu levava tudim, nesse tempo eu era casada com o Dachaga, ele pescava
de um lado e eu de outro, e os menino ficavam na beira da lagoa com a Helena e a
caranguejo cuidando, aí nós chegava com o que pegava e lá mesmo passava o sal e
comia. Minha filha era bom demais apesar das dificuldades mas era bom, por isso eu
te tido que todo mundo desse lugar tem que arribar as mãos pro céu e agradecer a
Deus por essa lagoa, Deus já sabia que nós ia precisar dela pra viver, pena que o
pessoal num tá mais respeitando nada. (Joana, 80 anos. Entrevista feita por Francisca
Geysa no dia 06/03/2019, às 16:30 horas.)
Quando digo resistência, refiro-me a luta contra os grandes posseiros de terras que
tem se apropriado de territórios dentro da comunidade. Sem apresentar documentos para os que
ali vivem, tomando para si principalmente as terras nas margens da lagoa da Barreira. Causando
assim o desmatamento de espécies nativas de plantas (araçá, jatobá, Axixá, e entre outras)
existentes nas margens da lagoa e também delimitando espaços de terras dentro da água com
arames farpados, trazendo riscos à saúde física tanto dos pescadores, quanto dos animais que
ali vivem.
Carla de Jesus Dias e Mauro W. Barbosa de Almeida (2004) apresentam uma série
de conflitos existentes em uma reserva de seringueiros que buscam afastar os olhares
ambiciosos de seu território, não permitindo a posse ilegal de terras dentro da reserva. O que
ocasiona a tensão e o conflito com muitos empresários do agronegócio. Os seringueiros
articulam seus costumes sem agredir a natureza usufruindo dos recursos da natureza, de forma
coletiva com responsabilidade.
Não muito distante do objeto aqui estudado podemos relacionar esses habitantes da
reserva do Alto Juruá, com os moradores dos povoados Araçá e Barreiras, que buscam
desenvolver meios para afastar todos aqueles que querem destruir toda uma história, com a
posse de terras não autorizadas, e o desmatamento das terras as margens da lagoa, não se
importando com o todo. Contudo, o objeto em questão abrange toda a população da cidade na
qual esses povoados estão inseridos.
Devido aos ataques desses posseiros, os nativos têm buscado meios de se fazerem
ouvir. Assim os mais velhos procuram repassar seus conhecimentos adquiridos por meio de
suas tradições e da oralidade, para não ocorrer a perda do sentimento de pertença. Os “mais
velhos” veem nesse “contar” uma maneira de se fazer presente mesmo depois da morte,
resistindo a essas pessoas que decidiram tomar para si terras que, na concepção destes
moradores, “são para todos”. Segundo D. Joana Marques Lima:
Eu não tenho outra lembrança na minha vida de outros lugares, porque eu vim pra cá
muito pequena acho que eu não tinha nem cinco anos de idade quando o papai
resolveu se mudar, eu morava na Barreira, só me lembro disso, eu só sei que aqui eu
estou. Eu gosto de contar pra quem me pergunta como eu vivia, eu até estou feliz
porque vocês vieram aqui, até parece que sou importante. Mas deixa eu dizer minha
filha foi muita luta porque aqui não tinha nada quando nós chegamos tivemos que
construir tudo, primeiro vieram só umas poucas famílias que foi a da Raimunda Sarú
veio também a das cabrinhas que é pai do Pedro, e a nossa né. Olha eu já tô velha
daqui uns tempo eu vou morrer porque nós tudim vamos, mas antes de eu morrer eu
vou continuar contando minha história que é pra ver se alguém vai tomar consciência
de cuidar dessa lagoa que criou nós tudim aqui dessas redondezas, e por mais que eu
morra eu sei que alguém sempre vai lembrar de mim igual nós lembra dos nossos pais
e avós, fica na memória mesmo que agente num queira. Eu sou filha daqui e isso já
me basta, eu sou dessa terra. (Joana Marques de Lima, 80 anos, moradora do povoado
Araçá. Entrevista realizada por Francisca Geysa L. Araújo em 02/11/2018 às
14:30hs).
A preservação da lagoa da Barreira faz-se necessária para que junto com ela se
preserve as culturas ali desenvolvidas, os modos de vida, a memória dos seus primeiros
habitantes, mantendo viva assim suas identidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história de vida dos moradores, tanto do povoado Barreiras quanto do Araçá, está
emaranhada nas atividades que são desenvolvidas em seu meio, em especial, sua relação com
a lagoa do Barreiras. As práticas tradicionais desses moradores estão baseadas nos aspectos
socioeconômicos, simbólicos, culturais, vivenciados por eles. Assim é relevante considerar o
contexto para que se possa compreender sua cultura. No decorrer da pesquisa pode ser
percebido o anseio dos moradores em contar suas estórias para só assim não deixarem ser
esquecidas as formas de vidas dos primeiros moradores do local, permitindo as futuras gerações
entender quais as principais atividades praticadas por seus antepassados. E, como se deu o
processo de ocupação do território habitado, permitindo assim a perpetuação de seus
ensinamentos e, até mesmo de seus ofícios, pescadores e lavradores. Devemos compreender
memória como algo vivo que resiste a diferentes mazelas e estar em constante transformação.
Com o passar dos anos a lagoa do Barreiras passou por inúmeras modificações,
como apresentado no decorrer do texto, tanto em seu aspecto físico como também simbólico,
sendo motivo de preocupação por parte dos moradores mais velhos das comunidades que a
consideram como parte de sua identidade, levando-os a temer o seu total desaparecimento.
Até o momento a lagoa e esses indivíduos tem passado por inúmeras dificuldades
de resistir aos grandes posseiros que tem tomado para si as terras nesses locais. Logo vale
Página 1663 de 2230
enfatizar que está pesquisa ainda está em andamento, contudo buscamos até o momento
contribuir da maneira que podemos para a preservação dessas comunidades juntamente com a
lagoa como parte da identidade dos que ali se encontram.
Referências
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conflito na Reserva Extrativista do Alto Juruá-Acre. Revista Boletim Rede Amazônica.
2004. Disponível em: https://mwba.wordpress.com/extos-publicadospublished-texts/. Acesso
em: 23 jan.2020.
CANDAU, Joel. Memória e identidade. Tradução Maria Leticia Ferreira. – 1.ed., 4
reimpressões. São Paulo: Contexto, 2018.
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do Antropólogo: Olhar, Ouvir, Escrever.
1. São Paulo. USP, 1996, v.39.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org. e
Trad.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes,
2000. p. 103-133.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentísmo e experiências do tempo. 1.
ed.; 2. reimp. —Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. – (coleção História e Historiografia).
IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
Disponível em: http://www.ibama.gov.br/institucional/sobre-o-ibama. Acesso em: 24 jan.
2020.
MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada.
São Paulo: Contexto, 1992. (Caminhos da história).
Página 1664 de 2230
RESUMO: O presente trabalho propõe uma análise teórica sobre os impactos e/ou
consequências dispostas pela inovação no processo de desenvolvimento socioeconômico de
uma nação. Pretende-se, assim, averiguar a influência de mudanças nas técnicas industriais e
produção de novas tecnologias ao processo de exploração do trabalho no século XXI. Objetiva-
se, portanto, apresentar quais condições a classe trabalhadora vem se deparando frente ao
fomento da inovação no capitalismo contemporâneo.
Palavras-Chave: Inovação. Desenvolvimento. Tecnologias.
ABSTRACT: ABSTRACT: This paper proposes a theoretical analysis of the impacts and / or
consequences of innovation in the process of socioeconomic development of a nation. It is
intended, therefore, to investigate the influence of changes in industrial techniques and the
production of new technologies in the process of labor exploitation in the 21st century. The
objective, therefore, is to present what conditions the working class has been facing in terms of
fostering innovation in contemporary capitalism.
Keywords: Innovation. Development. Technologies.
INTRODUÇÃO
A ideia do neoliberalismo apareceu logo após a II Guerra Mundial, tendo como uma
das principais bases teóricas a obra “O caminho da servidão” de Friedrich Hayek, em 1944. Seu
principal ideal era a forte resistência ao processo de intervenção racional e planejada na
economia por parte dos indivíduos e empresas. Para Hayek, “o acúmulo de informações e sua
aplicação na economia é fundamental” (Hayek, 1944, p.169).
As principais ideias neoliberais de Hayek são baseadas nas ideias de aliados como
Milton Friedman e Karl Popper. Foi a partir de então que a Sociedade de Mont Pélerin358 foi
fundada, tendo como base o combate ao keynesianismo. Segundo Friedrich Hayek, o papel do
Estado tem que ser totalmente oposto à engenharia social, ou seja, ao invés de solucionar a
desigualdade gerada pelo mercado, seu papel seria de proteger a ordem espontânea.
357
“A noção de ‘capital humano’, que se afirma na literatura econômica na década de 1950, e, mais tarde, nas décadas de
1960 e 1970 [...] Trata-se de uma noção que os intelectuais da burguesia mundial produziram para explicar o fenômeno
da desigualdade entre as nações e entre indivíduos ou grupos sociais, sem desvendar os fundamentos reais que produzem
esta desigualdade: a propriedade privada dos meios e instrumentos de produção pela burguesia ou classe capitalista e a
compra, numa relação desigual, da única mercadoria que os trabalhadores possuem para proverem os meios de vida seus
e de seus filhos – a venda de sua força de trabalho” (FRIGOTTO, 2006, p.10).
358
Sociedade de Mont Pélerin: foi fundada em 1947, logo após o final da segunda guerra, em Mont Pélerin, na Suíça. A
sociedade formou-se com o intuito de discutir o modelo de Estado e o destino do liberalismo na teoria e na prática, face
a experiência totalitária vivida em países como a Alemanha, Itália e União Soviética. Os princípios defendidos por este
grupo, formado inicialmente por historiadores, economistas e filósofos, se baseavam pontualmente na defesa do estado
do direito, democracia, liberdade de escolha, liberdade econômica, incluindo um mercado aberto e consequentemente
competitivo, assegurando desta forma, a liberdade em sua mais ampla e irrestrita forma (COIMBRA, 2012, p.31).
Página 1666 de 2230
359
Estado de Bem-estar Social é uma perspectiva de Estado para o campo social e econômico, na qual a distribuição de
renda para a população, bem como a prestação de serviços públicos básicos, é visto como uma forma de combate
às desigualdades sociais (TODAMATERIA, 2016, p.04).
Página 1667 de 2230
Com a nova era de acumulação de capital, o estado neoliberal atuou como a forma
estatal necessária, utilizando meios para concretizar seu ideal, como por exemplo a privatização
dos meios de produção e de algumas empresas estatais. Outra medida que este estado neoliberal
adotou foi a desregulamentação das atividades privadas, além da liberação do comércio externo
e dos fluxos econômicos. Esses meios só foram colocados em prática com apoio de
organizações externas, como o Fundo Monetário Internacional360 (FMI) e o Banco Mundial361,
o que levaram à aceleração do processo de acumulação de renda e da transferência do capital
dos países periféricos aos países centrais.
360
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma agência especializada das Nações Unidas que foi concebida na
conferência de Bretton Woods, New Hampshire, Estados Unidos, em julho de 1944. Oficialmente, o FMI trabalha para
promover a cooperação monetária global, garantir a estabilidade financeira, facilitar o comércio internacional, promover
o alto nível de emprego e o crescimento econômico sustentável e reduzir a pobreza em todo o mundo (ONUBR, 2015,
p.03).
361
O Banco Mundial é uma agência especializada independente do Sistema das Nações Unidas, é a maior fonte global de
assistência para o desenvolvimento, proporcionando cerca de US$ 60 bilhões anuais em empréstimos e doações aos 187
países-membros (ONUBR, 2015, p.07).
Página 1668 de 2230
362
Os Direitos Humanos são direitos básicos de todos os seres humanos e incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade
de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros.
Página 1669 de 2230
Inovação foi a palavra usada por Schumpeter para descrever uma série de novidades
que “podem ser introduzidas no sistema econômico e que alteram substancialmente as relações
entre produtores e consumidores, sendo o elemento fundamental para o crescimento
econômico” (TORRES, 2011, p.03). Para Schumpeter, inovação seria a introdução comercial
de um novo produto ou “uma nova combinação de algo que já existe, criados a partir de uma
invenção que por sua vez pertence ao campo da ciência e tecnologia” (SCHUMPETER, 1997,
p.17).
“A relação entre inovação e emprego sempre foi complexa, quando não conflituosa.
Mas nesse quadro econômico internacional, essa relação parece assumir uma forma
ainda mais complexa e conflituosa e, talvez por isso mesmo, sujeita a simplificações.
Não é de hoje a introdução da inovação tecnológica no processo produtivo e é
resultado da concorrência entre os capitais. Seu objetivo maior é elevar a
produtividade e reduzir o trabalho vivo diretamente envolvido nesse processo. (...) O
desemprego é, contraditoriamente, consequência do desenvolvimento do progresso
técnico, nas condições próprias ao funcionamento sem controle do modo de produção
capitalista. Em outras palavras, embora o móvel da inovação tecnológica seja a
dinâmica da acumulação na busca incessante da maior valorização possível do capital,
ela move-se contra os trabalhadores e a sociedade como resultado da sua apropriação
privada, de sua utilização unilateral e sem regulação social” (MATTOSO, 2000, p.06).
“Ao longo do último século o capitalismo, que é por natureza uma forma ou método
de transformação econômica, tem baseado o impulso fundamental que o mantém em
movimento de inovação. Para garantir a reprodução de tal modelo de acumulação, em
escala global, tem-se recorrido, com frequência cada vez maior, a expedientes capazes
de permitir o monopólio dessas inovações como forma de estimular o espírito
empreendedor363” (SCHUMPETER, 1961, p.110).
363
Schumpeter (1961) chama “ato empresarial” à introdução de uma inovação no sistema econômico e “empresário” ao
que executa esse ato. A distinção entre “empresário” e simples “diretor” de uma firma é, pois, fundamental, ainda que
eventualmente as duas figuras coexistam na mesma pessoa. “Empreendedor”, para Schumpeter, é o capitalista que inova.
Página 1671 de 2230
Joseph Schumpeter foi um dos autores, por exemplo, que contribuiu para a teoria
do desenvolvimento econômico ressaltando a teoria do empresário. O autor, em sua teoria,
define o empresário como agente inovador, ou seja, um indivíduo que executa novas
combinações e assim, de forma criativa, permite a criação de novos produtos ou serviços no
mercado. Entretanto, ele também definiu o desenvolvimento econômico como a concretização
de novas combinações a partir dos fatores de produção, mas não abordou as condições para tal
“sucesso econômico”, deixando a classe trabalhadora totalmente de fora de sua teoria, focando
apenas no agente empresário.
inovação deve tornar-se precedente essencial de capacitação, mesmo que seja preciso excluir a
classe base de todo o processo industrial que são justamente os trabalhadores.
e aumentar a produtividade, são eles as mudanças de tecnicidades que, nada mais são que a
realocação das técnicas industriais de produção de mercadorias. Nesse processo o trabalhador
sofre inúmeras consequências degradantes como, por exemplo, a substituição de sua força de
trabalho por maquinarias capazes de realizar seu laboro por menor custo e em menor período
de tempo. Esse processo de destruição de trabalho é cada vez mais presente com as políticas de
inovação industrial e tecnológica no século XXI.
O capitalista visa lucros a sua indústria, e não mede esforços para consegui-lo.
Ainda segundo Marx, uma combinação entre a ganância dos capitalistas e as forças que tendem
a reduzir o lucro em relação ao capital investido faz com que os capitalistas aumentem a taxa
de exploração.
“Há crescente evidência de que cada uma das revoluções na organização do trabalho,
tornada possível pelas sucessivas revoluções tecnológicas, surgiu de tentativas
conscientes dos empregadores para solapar a resistência da classe trabalhadora a mais
aumentos na taxa de exploração364” (MANDEL, 1990, p.35).
364
MANDEL, Ernest. Long Waves of Capitalist Development, op. cit., p.35. “there is growing evidence that each of these
revolutions in labor organization, made possible through successive technological revolutions, grew out of conscious
attempts by employers to break down the resistance of the working class to further increases in the rate of exploitation”.
365
Embora expressão exata do grau de exploração da força de trabalho, a taxa da mais-valia não é expressão da magnitude
absoluta da exploração. P. ex., se o trabalho necessário = 5 horas e o sobre trabalho = 5 horas, o grau de exploração é =
100%. A magnitude da exploração é aqui medida por 5 horas. Se, pelo contrário, o trabalho necessário = 6 horas e o sobre
trabalho = 6 horas, o grau de exploração de 100% permanece inalterado, enquanto a magnitude da exploração cresce 20%,
de 5 para 6 horas.
Página 1674 de 2230
implicavam um desvio do preço da força de trabalho com respeito ao seu valor, fenômeno que
Marini denominou de superexploração.
Como visto, com a inovação nas técnicas industriais no fomento de novos produtos
e serviços no capitalismo contemporâneo, a exploração do trabalho aumentou tornando-se uma
realidade cada vez mais degradante no século XXI. Houve também destruição trabalhista,
resultado direto do implemento de maquinarias capazes de substituir a mão de obra humana.
Por fim o enxugamento salarial fora abordado como consequência da degradação e exploração
trabalhista por partes dos capitalistas donos dos meios de produção. Entretanto, outra
consequência direta acarretada pela utilização de novas técnicas industriais no capitalismo
contemporâneo é destacada por Claudio Katz: o Trabalho Informal. Para esse autor, “a
exaltação às condições precárias do trabalhador informal, consiste em sintomática confissão de
fracasso do neoliberalismo e de sua flexibilização trabalhista, um sistema destruidor de
empregos” (KATZ, 2016, p. 102).
366
“A globalização pode ser compreendida como uma nova condição e possibilidade de reprodução do capital surgida
principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando começaram a predominar os movimentos e as formas de
reprodução do capital em escala internacionais” (IANNI, 1996, p.37).
Página 1676 de 2230
aos países centrais e essa relação configura o mais preponderante quadro de exploração
econômica e trabalhista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Também é visto que, segundo a análise crítica marxista, consegue-se adentrar mais
ainda ao assunto, podendo fazer-nos refutar tais aparatos como, por exemplo, as consequências
degradantes expostas ao trabalhador assalariado mediante tamanha mudança industrial com
base nas novas técnicas inovativas: aumento de jornada de laboro; destruição do emprego;
enxugamento de salário e exploração trabalhista.
REFERÊNCIAS:
PRIEB, Sérgio. A classe trabalhadora diante da terceira revolução industrial. São Paulo.
Ed. da UNICAMP, 2008.
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SCHUMPETER, J.A. The instability of capitalism. Connecticut. Ed. Economic Journal, 1928.
_____________. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital,
crédito, juro e o ciclo econômico (1 ed., 1934). Tradução de Maria Sílvia Possas. Coleção Os
Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
SCHUMPETER, Joseph A. Imperialismo e classes sociais. Rio de Janeh-o: Zahar, 1961.
TODAMATERIA. Estado de Bem-Estar Social. Publicado em: 16/07/2016. Disponível em:
<https://www.todamateria.com.br/estado-de-bem-estar-social/> Acessado em 07/08/2019.
TORRES, Ricardo Lobato. A “INOVAÇÃO” NA TEORIA ECONÔMICA: UMA REVISÃO.
Rio de Janeiro. Ed. da UFRJ, 2011.
Página 1679 de 2230
development of collaborative and interventional work in a space that needs a look at the
complexity of everyday problems, in which we are inserted as social subjects.
1 INTRODUÇÃO
Assim, a proposta geral estava pensada para ações em pontos estratégicos da cidade,
seguindo o modelo de pequenas exposições que levantassem questionamentos sobre aspectos
diversos dentro da questão ambiental, conforme vivenciados pelos habitantes. Com este
objetivo final, diversos grupos de discentes ocuparam espaços específicos da cidade buscando
estabelecer diálogos com os transeuntes através de trabalhos de cunho artísticos-ambiental.
Deste modo, visando proporcionar aos indivíduos um olhar reflexivo sobre as problemáticas
ecológicas que permeiam o ambiente social.
escultura ecológica, buscando trabalhar questões voltadas aos aspectos naturais pertencentes ao
ambiente. Segundo Silva (2005), a ecologia passou a se incorporar nesse tipo de linguagem
artística por volta dos anos de 1970, a partir de variados artistas que discutiam sobre questões
relacionadas a “recuperação ecológica e outras práticas de conservação da terra” (SILVA, 2005,
p. 59).
Assim, percebemos que esta obra artística pertence à arte pública, uma vez que, se
refere a um tipo de arte voltada para o povo, com o intuito de promover um movimento
dialógico com a população no contexto em que está inserida socialmente, bem como uma
consideração dos valores socioculturais, conforme sustentado por Silva (2005). Além do mais,
tem como principal característica o processo de interatividade, objetivando um ato reflexivo
por parte do transeunte com o objeto artístico. Desse modo, relacionando forma e conteúdo,
signo e significado.
artística. Isso, com o intuito de conhecer a opinião dos transeuntes e moradores que frequentam
rotineiramente o local. Visando assim, diagnosticar sua real importância naquele contexto.
Dessa forma, este trabalho está organizado a partir de cinco tópicos, em que no
primeiro é feito uma abordagem sobre a importância da Educação Ambiental como um meio
de construção de novos paradigmas, ou seja, passa a ser pontuado sobre a Educação Ambiental
e sua finalidade no que tange ao sujeito enquanto ator social. No segundo, apresentamos
algumas discussões com relação a percepção sobre a questão ecológica do ambiente, no qual a
ênfase recai sobre o conceito de ecologia e seu papel inter-relacionado as práticas de
conservação da terra destacadas por Boff (2015).
A Educação Ambiental foi um dos meios criados por diversos estudiosos com o
objetivo de garantir a todos os indivíduos o pleno conhecimento sobre aspectos voltados para
questão do ambiente humano. Além disso, de acordo com Dias (2003, p. 82) “[...] para o
desenvolvimento da Educação Ambiental é recomendado que se considerassem todos os
aspectos que compõem essa questão, ou seja, os políticos, sociais, econômicos, científicos,
tecnológicos [...]”.
Observamos que sua principal finalidade para com todo ser humano é promover um
amplo conhecimento intelectual, social e moral, através de uma forma instrutiva, intentando
desenvolver um processo de sensibilização para uma conscientização, mais especificamente
sobre as problemáticas ecológicas que o meio ambiente vive enfrentando, e tentar buscar
maneiras favoráveis para soluciona-las.
Constatamos que segundo Dias a EA, deve ser promovida a todos os indivíduos
independentemente de faixa etária “[...] ou a todos os níveis na educação formal e não formal”.
Assim, podemos ver em plena contemporaneidade que a educação formal ocorre dentro do
contexto escolar. Já o ensino não formal ocorre, mais especificamente no exterior desses
ambientes, como por exemplo o próprio ambiente escolhido para a execução deste trabalho, a
saber na região denominada Cai N’água, próxima ao centro comercial da cidade.
Com relação aos paradigmas Kuhn apud Dias (2003), apresenta dois significados,
“o primeiro mais amplo tem a ver com toda constelação de opiniões valores e métodos
participados pelos membros de uma determinada sociedade [...] o segundo mais restrito deriva-
se do primeiro e significa as referências, as soluções concretas[...]”. Ou seja, entendemos que
esses conhecimentos sobre os paradigmas pontuados pelo autor, dizem respeito as mudanças
Página 1684 de 2230
Nesse sentido, para Boff (2015), a ecologia teve seu caráter ampliado ao deixar de
apenas seguir suas metas iniciais, pois estavam vinculadas somente a questões de proteção e
preservação de animais extintos. E passou a se integrar ao meio através de uma concepção
analítica ampliada, mais voltada para a sociedade contemporânea. Houve a necessidade de se
pensar o ser humano a partir de sua nova postura de se constituir enquanto ser “energívoro”.
Ou seja, seres que buscam destruir todas as energias naturais do ambiente. Seres vorazes, que
fazem uso insustentável do ambiente, primando por um consumo desenfreado das reservas de
energia do planeta. Como vem sustentar o autor [...] “a ecologia deixou seu primeiro estágio na
Página 1685 de 2230
3- METODOLOGIA
Além disso, é conhecida como uma das maiores cidades de seu entorno. Local este
onde está inserido o Rio Buriti, considerado segundo Martins (2016), como uma das principais
fontes de abastecimento de água para a população bernardense, nas quais, conforme o autor,
carrega sobre si um relevante papel:
[...] representa uma importância fundamental para os lugares por onde passa e mais
ainda para a vida das pessoas. Pois, além de servir a população com água canalizada
em suas residências, servi para irrigar as lavouras, para saciar a sede dos animais, para
pescar, navegar e muitas vezes para o lazer e diversão dos banhistas”. (MARTINS,
2016, p.50).
Página 1686 de 2230
Pretendendo compreender de forma mais aprofundada, a respeito dos objetivos propostos nestas
áreas inter-relacionadas.
Assim, este primeiro momento de aplicação foi pensado, tendo em vista o trabalho
desenvolvido pelo o artista contemporâneo Richard Serra, mais precisamente da obra intitulada
“Tilted Arc”, de 1981. Uma placa de metal de grandes proporções, instalada em uma praça da
cidade de Nova York. Um trabalho que, por não considerar certas peculiaridades da dinâmica
social do local, teve que ser retirado. Isto devido a fatores como a falta de comunicação com a
população, e questões referentes a circulação das pessoas que frequentavam aquele ambiente.
Assim como o não consentimento da população em relação a sua implantação, entre outros
fatores (SILVA, 2005).
Além disso, a escolha para realização desta proposição escultórica teve como
inspiração, trabalhos desenvolvidos por diversos artistas do campo da arte urbana e ambiental.
Entre eles Eduardo Srur, artista brasileiro, que desenvolve intervenções voltadas as questões
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ambientais que permeiam o contexto social do qual faz parte. Nos inspiraram trabalhos como o
“Barco sobre um rio enterrado”, onde o artista busca proporcionar reflexões acerca da poluição
causada nos rios da cidade de São Paulo. Nos norteamos ainda por proposições de artistas como
Frans Krajcberg em seu incessante diálogo sobre a preservação ambiental. E nos diálogos com
a Land Art, como artistas como Robert Smithson, dentre outros.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Este tópico objetiva apresentar breves considerações acerca de como veio a ocorrer
a aplicação da proposição socioeducativa, voltada para as questões ambientais que envolvem o
Rio Buriti. Pretende pontuar compreensões de alguns sujeitos entrevistados, a respeito da
implantação dessa proposta naquele ambiente, e ainda abordará o andamento de sua última
etapa.
Pesca bastante lixo e o rio buriti como qualquer outro tem que ser preservado, tem que
ser cuidado. Ele é que nem uma criança [...] nós temos que cuidar muito bem, se não
Página 1689 de 2230
ele morre. E nós vamos ficar como sem rio? Aqui é praticamente o cartão postal da
cidade, é esse Rio Buriti (JOÃO, 2018).
Além disso, outras pessoas externaram seus pontos de vistas sobre a grande
relevância de se implantar um tipo de escultura como esta, uma vez que, segundo eles “o Rio
Buriti é considerado uma grande fonte de riqueza e se ele fosse bem preservado poderia trazer
grandes benefícios como, por exemplo: financeiramente, em que poderia ser um ambiente
agradável para o turismo” (JOSÉ, 2018).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BOOF, Leonardo. Ecologia; grito da terra, grito dos pobres; Dignidades e direitos da
Mãe terra. e d. Ev. E ampl. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
SILVA, Fernando Pedro da, 1965- Arte pública: diálogo com as comunidades: Belo
Horizonte C/Arte, 2005.
RESUMO: O Desterro é um dos bairros mais antigos da cidade de São Luís que reúne um
acervo patrimonial material considerável, percebendo-se ainda, a existência do patrimônio
imaterial inestimável, as memórias de seus moradores. As memórias são consideradas uma
atratividade a mais para o lugar e estimulam a curiosidade de visitantes interessados nas
vivências, costumes e saberes passados da comunidade. Em relação a atividade turística, os
testemunhos de memória dinamizam as relações e agregam valor ao espaço. O objetivo desta
comunicação é promover uma reflexão sobre a relação de lugar memória e turismo cultural no
Bairro do Desterro. Este estudo é uma pesquisa exploratória que se valeu de um apanhado
bibliográfico para fundamentação teórica, e descritiva, com instrumento de entrevistas com
idosos do lugar. Aliadas ao turismo as memórias podem e devem ser trabalhadas pelo
dinamismo das relações, agregando valor ao patrimônio e reforçando o sentimento de
pertencimento, promovendo assim, o intercâmbio cultural. Com os resultados e discussões
obtidos da pesquisa conclui-se que a relação memórias e turismo cultural é de grande
importância para compreensão e interpretação do patrimônio, criando-se vínculos entre
moradores e visitantes, trazendo benefícios como a preservação e valorização do lugar.
ABSTRACT Desterro is one of the oldest neighborhoods in the city of São Luís and brings
together a considerable material heritage collection, also realizing the existence of invaluable
heritage, the memories of its residents. Memories are considered an additional attractiveness to
the place and stimulate the curiosity of visitors interested in the experiences, customs and past
knowledge of the community. Regarding tourist activity, memory testimonies boost
relationships and add value to space. The objective of this communication is to promote a
reflection on the relationship of memory place and cultural tourism in the Desterro
Neighborhood. This study is an exploratory research that was used by a bibliographic survey
for theoretical, and descriptive foundation, with an instrument of interviews with the elderly of
the place. Allied to tourism memories can and should be worked by the dynamism of
relationships, adding value to heritage and reinforcing the feeling of belonging, thus promoting
cultural exchange. With the results and discussions obtained from the research it is concluded
that the relationship memories and cultural tourism is of great importance for understanding
and interpretation of heritage, creating links between residents and visitors, bringing benefits
such as preservation and appreciation of the place.
Keywords: Memory. Identity. Heritage. Cultural Tourism.
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INTRODUÇÃO
instrumento metodológico utilizado na pesquisa de campo foi a entrevista aplicada a dois idosos
do bairro com idades entre 80 e 90 anos, que forneceram fatos e experiências passadas no lugar.
De posse das informações, descrevemos as lembranças dos entrevistados e percebemos
depoimentos semelhantes, a memória individual fazia parte da memória coletiva, a identidade.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Segundo Le Goff (1990, p.426), “uma das grandes preocupações dos indivíduos
que dominaram e dominam as sociedades históricas é tornarem-se senhores das lembranças e
do esquecimento. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses
mecanismos de manipulação da memória coletiva”. Para Halbwachs (2006, p.30) “Nossas
lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos
que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos”. Isso acontece porque
Página 1694 de 2230
somos indivíduos que fazem parte da coletividade, não estamos sós. Àqueles que participam de
nossas lembranças terão o que dizer dos acontecimentos que às vezes nós mesmos não nos
damos conta que existiram, sempre que precisamos nos lembrar de algo recorremos as
memórias dos outros.
De acordo com Candau (2012, p.21) Considerando a memória “[...] todo indivíduo
é dotado dessa faculdade que decorre de uma organização neurobiológica muito complexa”. O
autor classifica essa cognição humana em protomemória, memória e metamemória em suas
diferentes manifestações. A protomemória ou memória de baixo nível é a mais importante, a
memória individual, pois nela se enquadra aquilo que constitui o indivíduo, seus saberes e suas
experiências são resistentes e melhor compartilhadas pelos membros da sociedade, lembranças
do que se aprende cotidianamente e se utiliza sem a necessidade que se diga como se faz. A
memória, como um grande arquivo e a metamemória, uma reinvindicação da memória
esfacelada, esquecida (CANDAU, 2012).
Ainda de acordo com Candau (2012, p.59), “o sujeito que perde sua memória se
esvazia e vive somente do presente, perde suas capacidades conceituais e cognitivas. Sua
identidade desaparece”. O mecanismo memória faz parte da formação do indivíduo, perdê-la
significa negar a existência de tudo aquilo ao qual se fez parte. A construção que se achava
sólida, o conhecimento, as relações sociais, as experiências e vivências adquiridas ao longo do
tempo, não possuem mais significado ou valor, não existem mais. Vive-se apenas dos flashs
sem duração, sem raízes, perde-se a identidade, perde-se a personalidade.
Para Bauman (2005, p.19) “as identidades flutuam no ar, algumas escolhidas por
nós mesmos, outras nos são infladas e lançadas por pessoas a nossa volta”. É preciso ter cuidado
com a dimensão de identidades que incorporamos, há ambivalências em torno do que se decide
escolher para construir uma identificação, é desesperador querer sentir-se parte de algo que nos
é alheio apenas pela provável sensação de sermos acolhidos.
Segundo Bauman:
Esse fenômeno coletivo que surge a partir das motivações para viajar, como
conhecer e vivenciar a cultura de determinados lugares, envolve diversos equipamentos como
transporte, alimentação, hospedagem e lazer. Esses serviços geram outros serviços que giram a
economia local, é o efeito multiplicador do turismo. Para Barreto (2003), o turismo é uma
prática social, onde múltiplas relações se estabelecem, os serviços criados a partir dessa prática
e os lugares visitados constituem um fenômeno turístico.
histórico e cultural através de experiências e buscar conservá-los faz parte dessa atividade. O
turista dessa segmentação procura vivenciar experiências interagindo com a população
receptora, são mais exigentes e mais conscientes da preservação do patrimônio cultural do que
os chamados turistas de massa.
Muitas são as discussões em que profissionais sugerem que turismo cultural e turismo
sustentável são sinônimos, contudo, há vários aspectos que mostram a
incompatibilidade entre ambos. Dentre os aspectos estão as pressões sobre a
diversidade cultural que podem ser decorrentes da homogeneização da cultura,
ocasionando a redução dessa diversidade o que acarreta na diminuição do desejo de
viajar do turista em vivenciar outras culturas. (SWARBROOKE, 2000, p.35)
367
A indústria se caracteriza como setor secundário que transforma a matéria-prima em bens de consumo, já o
turismo é considerado pertencente ao terceiro setor, o de serviços, portanto, não pode ser considerado uma
indústria muito embora alguns autores o denominem dessa forma.
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isso perde-se o caráter singular do lugar e vivencia-se a mesmice, não há intercâmbio, não existe
troca de conhecimento, não se adquire nada, pois o lugar não tem nada a oferecer que o visitante
já não os tenha visto e/ou vivenciado. A padronização também consiste em uma ameaça
constante à atividade e ao produto turístico, pois quando se insere produtos originários de outras
partes do país, como atrativos de determinado lugar descartando a autenticidade de seus
produtos locais, isso não entusiasma nem chama a atenção do turista que está sempre à procura
de algo novo, ver paisagens culturais e criatividade inéditas nos lugares em que visita. Pela
dimensão do país e características diferenciadas entre as regiões, é possível com inovação,
formatar um produto diversificado e autêntico, ampliando a permanência do turista no lugar
visitado agregando valor e satisfação às suas experiências.
O trabalho sobre lugar memória prossegue com os relatos dos idosos e foram
conferidos por meio de entrevistas. As entrevistas foram concedidas por dois simpáticos
velhinhos, um casal, mas residentes em endereços diferentes. Não foram interrogados sobre o
conhecimento da existência um do outro, mas talvez se conhecessem. Foram muito solícitos,
educados e não faziam cerimônia em contar abertamente suas memórias sobre as vivências que
tiveram no bairro em outras épocas. Nas entrevistas, foram percebidos fatos idênticos as
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memórias de ambos os entrevistados, talvez por aparentar quase a mesma idade e morarem a
bastante tempo no lugar, os idosos tenham vivido fatos semelhantes e construiram suas
memórias individuais fazendo parte de uma mesma coletividade, possibilitando dessa forma, a
construção identitária de ambos. Conforme Pollak:
368
Programa do governo federal de urbanização do centro histórico de São Luís, mas que faz parte na memória
dos moradores como suposto nome dado ao bairro Praia Grande.
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rua do giz tem um hotel muito bom. Quando o turista vem ao bairro eu indico a Igreja do
Desterro, o Mercado Central, a Fonte das Pedras [...] Para alimentação do turista/visitante o que
a senhora indicaria? “Um prato que eu indicaria: peixe”.
Ela relatou mais: “Quando eu cheguei aqui no bairro, morava num quartinho
alugado, meu pai já estava morando aqui [...] ele foi me buscar no interior mais meu marido, eu
tinha só uma filha pequena. Aí, nós fomos morar bem aqui atrás próximo ao Chagas e Penha
que era uma fábrica muito falada,[...] era, agora é Caema369 [...] lá era fábrica de sabão [...].
Minha filha a água do mar vinha bem aqui na minha casa, depois eles aterraram tudo, as
embarcação vinham bem pertinho da minha casa. Das embarcação tiravam coco, madeira, arroz
[...] a gente olhava lá de casa tudinho [...] Na nossa época era bonito pra gente, hoje em dia já
se acabou, não é mais.
Fonte: IBGE
369
Companhia de Água e Esgotos do Maranhão.
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A própria percepção de especial é dada por quem percebe o lugar. Quem vê, avalia,
partindo desde seus sentidos e experiências. Mas o que de verdade dá sentido a um
lugar é o conjunto de significados, os símbolos que a cultura local imprimiu nele, e é
isso que leva o outro a sentir, partindo de seus valores, o lugar o qual se visita
(MARTINS, 2006, p.39).
Como relata a moradora local, o mar foi decisivo para o desenvolvimento do lugar,
muito utilizado, muito mais que atualmente, São Luís possui um intenso recurso hidríco que
devia ser melhor aproveitado, até mesmo pela própria atividade turística. “As lanchas que
traziam as mercadorias [...] tinha 3 lanchas, era Sta Luzia, Sta Helena [...], mas me esqueci os
nomes das lanchas. Aí, não demorou muito passou essa avenidona (Avenida Beira Mar –
Vitorino Freire), “Ave Maria”, aí foi melhorando tudo. Olha tinha embarcação que passava um
mês pra chegar aqui”. Quando a senhora veio de Viana370, a senhora veio por terra ou de barco?
“Nem fala, que esse tempo não tinha nada pra vir por terra, eu vim de barco [...] de carro quando
370
Município da baixada maranhense.
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eu vim era 2 dias e meio, 3 dias pra chegar”. Nesses relatos percebe-se o desenvolvimento um
tanto tardio a constar pela data acima 1951 ainda não havia aterro nessa parte da cidade, estando
quase completando 4 séculos de fundação.
371
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério
do Turismo que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro.
372
Tambor de Crioula – Manifestação popular típica do Maranhão.
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A memória não pode ser entendida como apenas um ato de busca de informações do
passado, tendo em vista a reconstituição desse passado. Ela deve ser entendida como
um processo dinâmico da própria rememorização, o que estará ligado à questão de
identidade (SANTOS, 2004, p.59).
Outro morador de 88 anos também relatou um pouco de suas memórias, ele falou
de uma época saudosa em São Luís, relembrou o bloco carnavalesco que hoje em dia é uma
escola de samba do bairro, Flor do Samba, da qual já foi presidente duas vezes e dos meios de
transportes que não existem mais, o difícil acesso por terra e o bairro como era antes do
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progresso: “A maré vinha até [...], num tem aquele prédio Nagib Haickel,373 a água vinha até
ali.
Sobre as festas no bairro, ele contou: “Nesse tempo não tinha escola de samba né,
chamava de bloco, a gente brincava os três dias de carnaval direto [...], aí do bloco originou a
escola de samba e hoje gente gasta um dinheirão pra brincar uma hora. Já fui presidente da
escola duas vezes [...], desde criança eu brinco na Flor do Samba. A escola primeiro chamava
Flor do Amor, aí depois foi que todo mundo reuniu... aqui surgiu uma morena, chamava ela de
Dona Flor... Nega Flor, aí teve uma reunião, ah, vamos vê esse nome, aí ficou Flor do Samba.
Era muito divertido, quando ainda era um bloco de carnaval de rua, todos podiam brincar. O
circuito de carnaval ia do bairro até a Praça Deodoro, mas tudo isso acabou. Agora, toda
animação fica no bairro da Praia Grande”.
373
Museu da Memória Áudio Visual do Maranhão – MAVAM. Nas marés cheias, o costado dessa sólida edificação
de alvenaria de pedra argamassada com cal de sarnambi e óleo de peixe, servia de ancoradouro às embarcações
que navegavam no Rio Bacanga transportando, açúcar, algodão, arroz, babaçu e passageiros. Prédio da Antiga
Companhia de Navegação Jaracati, depois pertencente a José Lemos da Costa e, por fim, entreposto comercial
de Nagib Haickel. Disponível em: http://www.fundacaoonagibhaickel.org.br/
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O que podemos perceber é que o tempo não para, e que tudo vai se modificando,
com a globalização, a pressão pelo desenvolvimento das cidades, o crescimento acelerado, as
tecnologias, isso tudo ameaça a existência dos modos, dos saberes e das vivências culturais de
civilizações, no entanto, valorizar as memórias como fator de identidade cultural é de suma
importância, é por meio delas que sabemos quem somos e podemos eternizar os fatos e
vivências passados tornando-os memoráveis.
“Aqui tinha o bondinho a gente pegava na Praça João Lisboa, passava ali no
Mercado Central e ia até o Cemitério do Gavião, esse eu peguei muito. Caia muito [...] tiraram
o bondinho, até que foi um negócio muito bom, porque as ruas daqui é muito estreita não tinha
essas avenidas como tinha agora, a rua que a gente tinha aqui chamava Caminho Grande que
era a Rua Grande, aí esse bonde ia até o Anil. A gente também pegava o trem na RFFSA374 que
ia pra Teresina (PI), tinha uma parada no Marancanã e outra na Estiva [...], aí pegava o Campo
de Perizes e ia embora.
Alberti (2004, p.15) diz que o passado só permanece “vivo” através de trabalhos de
síntese da memória, que nos dão a oportunidade de revivê-lo a partir do momento em que o
indivíduo passa a compartilhar suas experiências, tornando com isso a memória “viva”. Já para
Le Goff (1990, p.250) “a memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura
salvar o passado para servir o presente e o futuro”.
Contudo, apesar de expor com alegria suas memórias, o morador também relatou
sobre o Patrimônio Histórico (os casarões coloniais seculares) tombado pelo IPHAN, órgão que
foi muito citado por ele na questão da preservação do patrimônio, não de forma positiva, mas
como um entrave para reformas de fachadas e áreas internas das casas ( nota-se aí, outro
questionamento similar ao da entrevistada anterior) já que o bairro do Desterro desde sua
374
REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA – RFFSA – era uma sociedade de economia
mista integrante da Administração Indireta do Governo Federal, vinculada funcionalmente ao Ministério dos
Transportes. A RFFSA foi criada mediante autorização da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, pela consolidação
de 18 ferrovias regionais, com o objetivo principal de promover e gerir os interesses da União no setor de
transportes ferroviários. A RFFSA foi dissolvida de acordo com o estabelecido no Decreto nº 3.277, de 7 de
dezembro de 1999, alterado pelo Decreto nº 4.109, de 30 de janeiro de 2002, pelo Decreto nº 4.839, de 12 de
setembro de 2003, e pelo Decreto nº 5.103, de 11 de junho de 2004. Sua liquidação foi iniciada em 17 de dezembro
de 1999, por deliberação da Assembléia Geral dos Acionistas foi conduzida sob responsabilidade de uma Comissão
de Liquidação, com o seu processo de liquidação supervisionado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, através do Departamento de Extinção e Liquidação – DELIQ.
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concepção sempre foi tido como bairro residencial. Segundo o morador, no centro histórico de
São Luís há vários prédios que necessitam de intervenção urgente, pois estão em risco de
desmoronamento, no entanto, os imóveis que os próprios donos querem reformar são impedidos
pela burocracia.
A revolta com os governantes: “Porque o governo não toma conta desses prédios
pra usar como colégio, uma repartição do Estado, porque o que mais usam é alugado, esses
prédios que funcionam coisa do estado, a prefeitura é tudo alugado [...] o governo devia tomar
conta que eles não pagam imposto, não pagam IPTU. “Minha revolta também é que esses
governos não continuam o trabalho do outro: aqui no Maranhão o candidato a eleição perdeu
esse ano, quem entra deve continuar o trabalho do outro. Tem hora que eu fico revoltado que
ninguém toma conta do patrimônio histórico é uma coisa tão bonita que nós temos [...], esses
prédios aí tudo esbandalhado. Você [...], hoje em dia esses prédios estão assim quem é o culpado
é o IPHAN, porque se você comprar um prédio desse aí e querer reformar ele, tu não pode, não
pode nem levantar ele pra reformar um andar, uma coisa, fazer [...] a frente, eles (o IPHAN)
arrumam, mas pra trás [...]. Você vê aquele prédio defronte ao Convento das Mercês, um alemão
tava reformando, aí veio o pessoal do IPHAN foi lá, só porque ele tava botando madeira em um
piso que ele ia fazer de laje, né, eles não autorizaram. Hoje, com esses prédios que estão fazendo
em outros bairros, aí o pessoal vai se mudando, compra um apartamento e se muda. Já tem
pouco morador aqui, antigamente aqui era uma beleza. “Se você entrar ali na Rua dos Afogados
até sair lá embaixo na Camboa [...], eu contei as casas que tem morador. Uma vez eu passei por
ali [...] é triste, as casas que estão abertas é porque tem comércio [...] uma coisa. Eu acho que
isso é por conta do IPHAN”. (Entrevistado 2)
No caso, segundo ele (o morador), “São exigidos documentação que leva tempo
para ser expedida, em seguida espero visita de um funcionário do IPHAN para analisar a
situação da casa, pois não se pode descaracterizar o imóvel. O órgão e autoridades deveriam dá
suporte aos que realmente desejam arrumar os imóveis”. Denotamos nas falas do morador que
existe a ausência e o desinteresse do poder público em criar políticas públicas voltadas as
reinvindicações das populações mais desassistidas que residem no Centro de São Luís, e,
segundo o morador, a burocracia e a ausência do poder público têm causado o aumento na
venda dos imóveis pelos moradores para proverem moradias em locais afastados do Centro.
Pela síntese histórica das transformações da área central de São Luís, se depreende
que o poder público sempre se voltou, da maneira mais pragmática possível, para o atendimento
das necessidades das camadas de alta renda, provocando com isso sucessivos processos de
abandono e degradação de bairros, outrora valorizados. (BURNETT, 2007, p.5)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As memórias sobre o bairro do Desterro e a cidade de São Luís são uma importante
atratividade que podem incrementar a atividade turística e desenvolver a economia local, pois
o ato de contar as memórias, lendas, histórias do lugar e de personalidades do lugar atiçam a
curiosidade e interesse de turistas e visitantes em conhecer o passado e as vivências culturais
de seu povo. Além disso, o bairro possui uma gente hospitaleira, equipamentos e atrativos
turísticos como: museus, igreja, mercados, áreas de lazer e restaurantes.
Mercado do Peixe
Praça do pescador
O que se pode perceber nos relatos do morador é que o turismo se apropria dos bens
culturais da comunidade e torna a cultura local mundializada, homogênea, o que leva a perda
da autenticidade. O que o turista vê em outras partes do país poderá ver aqui, e o que pode
acontecer é que o destino perde sua originalidade, sendo isso considerado uma ameaça ao
produto no mercado turístico.
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O turismo pode sim ser uma atividade que traz benefícios à comunidade, proteção
ao patrimônio e ao meio ambiente, desde que se exija gestores capacitados que entendam da
atividade e da importância de seu planejamento, buscando benefícios sustentáveis, sabendo
porém, que toda atividade econômica gera algum tipo de impacto sobre o ambiente, mas que
os impactos negativos possam ser minimizados e os positivos, maximizados. E ainda, que a
identidade é uma manifestação flexível e mutável como a própria cultura, e que ao longo do
tempo vai incorporando fragmentos. É importante que se mantenha e preserve a cultura
tradicional inerente ao povo maranhense, sua singularidade, pois o Brasil é um país de
diversidades e manter essa essência é primordial como aceitação de nossas diferenças.
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Verena. Ouvir e contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004. In: Thaíse Sá Freire Rocha - Refletindo sobre memória, identidade e patrimônio: as
contribuições do programa de Educação Patrimonial do MAEA-UFJF, XVIII Encontro
regional (ANPUH-MG), 2012.
BARRETO, Margarita. Manual de iniciação ao estudo do turismo. 13ª ed. Ver. E atual.
Campinas: São Paulo. – Papiros, 2003. 164p.
CANDAU, Joel. Memória e identidade. Tradução: Marta Letícia Ferreira. São Paulo:
Contexto, 2012. 219p.
NORA, Pierre. Entre memória e história, a problemática dos lugares. Tradução: Yara Aun
Khoury. In:Les lieux de mémoire, I La République, Paris, Gallimard, 1984, pp. XVIII – XLII.
Tradução autorizada pelo Editor. Edições Gallimard, 1984. Departamento de História PUC-SP.
Proj. História São Paulo, 1993.
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Transcrita e traduzida por Monique Augras.
Editada por Dora Rocha. Estudos Históricos, Rio de Janeiro., vol. 5. Nº10, 1992, p. 200-212.
ABSTRACT: In the research, we talked about the new configurations and representations that
Bumba meu boi has been going through, focusing on the study of images from new
representative codes, we perceive changes in the symbolic values of these popular toys through
new social languages through the insertion of new ones. elements of the cultural industry. The
presentation of this new universe created a different scenario from the past decades. Nowadays,
these cultural manifestations are taking on the dimension of artistic spectacles, where the
ritualistic context of the manifestations is often overlooked because they do not fit in many
aspects with the norms and standards of speculation. In this sense, we highlight the cultural
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INTRODUÇÃO
Vamos destacar de início que para Costa, o nosso Bumba meu boi seria uma
“manifestação folclórica da cultura popular brasileira caracterizada como folguedo. No seu
universo simbólico de representação, existem vários elementos mitológicos, religiosos e teatrais
que permitem à brincadeira uma posição de destaque no imaginário popular nacional” (COSTA,
2015, p.31). Após os oitocentos, principalmente durante o movimento modernista brasileiro
identificou-se a presença de manifestações ligadas ao auto do bumba boi em quase todas as
regiões do Brasil. Então a própria intelectualidade brasileira, em busca da formação identidade
cultural do nosso país, compreendeu que o Brasil foi formado por meio do processo mestiçagem
do branco, do negro e do índio.
Temos ainda uma questão interessante, que segundo Camêlo (2010) foi quando
Mário de Andrade, ao pensar as danças dramáticas brasileiras, observara que os jesuítas
misturavam orações, curas de pajé, mitos africanos para tornar mais eficaz à evangelização. E
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classificou o “Bumba meu boi como o primeiro ato nacional de temática lírica, por misturar
todos os grupos étnicos, mesmo se tratando de uma dança de origem ibérica e europeia. O boi,
um animal presente em todo o território, seria uma metáfora da nacionalidade” (CAMÊLO,
2010, p. 66-67).
E em meio a essa constatação, “o Bumba meu boi, ganhou destaque, por ter em sua
composição e estrutura ritualística, elementos representantes da miscigenação brasileira e por
se fazer presente, de alguma forma, em todo o território nacional” (COSTA, 2015, p. 125).
Fatores como a presença da manifestação folclórica em vários estados como Rio Grande do
Sul, Maranhão, Pará, dentre outros, que fizeram o folguedo ser considerado a “dança-mãe” do
folclore brasileiro na interpretação de Mário de Andrade. Para Corrêa (2012), que estuda o caso
regional, esse pensamento da intelectualidade causou o processo de construção simbólica do
Bumba meu boi por ser o representante da tradição e da cultura maranhense. Por isso, cremos
que os estes processos só foram possíveis porque uma parte da intelectualidade brasileira
preocupou-se em elaborar pesquisas e promover debates acerca da composição das nossas
tradições e de seus agentes promotores. Em parte, a cultura popular respondeu a muitos
pesquisadores como se deu a nossa constituição cultural e social. Assim, podemos entender
como nos transformamos ao longo do tempo e de que forma nos apropriamos das mudanças e
as incorporarmos no tempo presente.
Ê BOI... É TU O PROTAGONISTA?
Além disso, temos outra questão a ser tratada que é o caráter religioso que a imagem
carrega, já que dentro do universo simbólico do Bumba meu boi há elementos religiosos, tais
como o catolicismo, que são bastantes presentes na manifestação por meio da devoção aos
santos e pelo pagamento de promessas. No entanto, ele se faz presente também no couro do boi
que é o protagonista central do folguedo, devíamos dar uma atenção maior a ele, muitas vezes
esquecemos que ele é o centro da manifestação, o auto do Bumba meu boi deixa isso bem claro,
então não são índios e índias, vaqueiros e amos os protagonistas, mais sim o boi mais estimado
da fazenda, aquele que tem sua língua retirada e fica agonizando até que Pai Francisco solucione
a questão; vejamos uma versão do Auto dramático do Bumba meu boi.
Mãe Catirina e Pai Francisco é um casal de negros e são escravos de uma fazenda.
Quando a esposa fica grávida, ela tem o desejo de comer língua de boi. Empenhado
em satisfazer a vontade de Mãe Catirina, Pai Francisco com medo de o filho nascer
com cara de língua de boi, corta a língua do boi mais estimado do rebanho, o preferido
do fazendeiro. Ao notar a falta do boi no rebanho, o fazendeiro pede para seus
subordinados irem a sua procura. Eles encontram o boi quase morto, e descobrem que
Pai Francisco foi quem deixou o animal naquelas condições e se escondeu na mata, o
fazendeiro manda então índios guerreiros procurarem o escravo para prendê-lo e
castigá-lo. O fazendeiro então convoca o doutor veterinário, mas não resolve o
problema do boi. Depois chama curandeiros e pajés, daí o animal se recupera e tudo
vira festa. Noutras versões, o boi já está morto e com o auxílio de um pajé, ele
ressuscita375.
375
As narrativas do Auto do Bumba meu boi possui variadas versões a depender da região do país, e até mesmo
da localidade regional; nesse sentido, ela é rica em interpretações, fato que pode causar certas interpretações
conflitantes. No caso, podem-se citar versões em que o boi é reanimado ou ressuscitado com a intercessão
milagrosa de São João.
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Para Costa (2015), o auto do Bumba meu boi constituiria uma representação cênica
com um enredo central, que assume dimensões e características próprias em cada localidade.
“Essas mudanças estão no plano cênico dos encenadores e organizadores da manifestação
popular, das funções e da representação. Por isso, possui, em cada região, especificidades
próprias ao imaginário local. No entanto, o tema central do auto é sempre mantido”
(COSTA,2015,p. 34). No entanto, percebemos então que a figura central do enredo é o boi, e
temos como coadjuvantes do auto Pai Francisco e Mãe Catirina, por isso, na representação
folclórica eles devem continuar a ser o centro das atenções, sabemos que todos os demais
personagens são importantes, mas o núcleo são eles três, e não poderíamos de forma alguma
ficar a apreciar apenas as coreografias e indumentárias dos brincantes sem antes voltarmos os
olhos a estes três personagens. O boi é o princípio aglutinador da brincadeira, ele deve por isso
ocupar sempre o lugar principal, e ser juntamente com o casal de negros o centro das atenções,
negligenciar isso, seria ir contra o próprio auto, ir contra o próprio enredo da manifestação.
Além disso, estas dramatizações se constituíam como pontos máximos da brincadeira, onde o
riso, o lúdico, a reivindicação e a crítica se faziam presente na encenação dos brincantes. Tais
aspectos alimentavam a indignação das classes ridicularizadas no auto popular.
do boi, que nada mais é que um uma pessoa que dança embaixo da estrutura montada. Esse
brincante, em específico, é uma pessoa que leva tempo para conquistar a delicadeza dos passos
e giros que dão forma e interpretação ao animal. A figura do miolo antes era quase que
exclusivamente masculina, mas com as novas configurações e com a crescente valorização da
figura feminina em todos os segmentos sociais, felizmente podemos ver mulheres sendo miolos
de boi. Assim, além de demostrar que a manifestação folclórica é aberta a novas configurações
de personagens, também podemos ver o quão ela se faz presente nos debates atuais da sociedade
brasileira para que não haja mais inferiorização de gênero, de forma que a valorização feminina
se expanda para o âmbito cultural.
Além disso, destacamos que a figura do boi está inserida no contexto do catolicismo
popular de forma bastante forte quando é realizado o “batismo do boi”, que na verdade é um
ritual no qual um padre asperge água com benta o animal sagrado aos brincantes, para isso
também são escolhidos padrinhos e madrinhas para poderem colaborar e apoiar na realização
da brincadeira durante o período junino. Esses que são escolhidos antigamente eram pessoas de
destaque nas comunidades e que ajudavam como podiam a manifestação. Mas atualmente
vemos representantes de variados segmentos sociais que se fazem presente no ritual para
justamente se promoverem eleitoralmente por meio da manifestação folclórica, há tempos que
a política percebeu que pode angariar votos por meio da cultura popular. Assim, “inventam-se
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novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e rápidas tanto do lado
da demanda quanto da oferta” (HOBSBAWM, 1984, p.12-13). Neste caso, o que devemos estar
atentos é que quanto maior for o status cultural da brincadeira popular maior será a aproximação
de pessoas interessadas no seu poder simbólico, por isso, vemos novos escolhidos que possuem
posições sociais totalmente diferentes dos escolhidos em tempos passados. Neste caso, há uma
apropriação cultural como via de mão dupla onde o grupo folclórico ganha mais apoio
financeiro por meio da pessoa privilegiada enquanto que o padrinho ou madrinha escolhidos
ganham respaldo e notoriedade política ou empresarial dependendo do caso por fazerem parte
deste jogo de trocas.
Em fim o que queremos demostrar por meio das imagens é que são os seus agentes
sociais e suas funções nas manifestações culturais para podermos compreender que a cada dia
a cultura popular se renova, ela não fica inerte ao tempo, constantemente se apropria de novos
elementos visando à construção de uma coisa nova. Por isso, utilizamos o conceito de
apropriação como via de mão dupla que, sob a perspectiva de Chartier seria o fenômeno das
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apropriações culturais, em que, a priori, há um choque entre dois elementos distintos, para que,
no final, haja a composição de um elemento novo com características de ambos os elementos
que se encontraram. Assim, concebe-se “o popular com a capacidade de apropriação e
reelaboração dos discursos dominantes, cujas marcas são expressas em suas práticas e
representações” (CHARTIER, 1990, p. 33). De forma que a todo instante devemos estar
vigilantes as novas configurações para que não sejam danosas as estruturas ritualísticas das
manifestações culturais, para que a espetacularização também respeite os fundamentos tidos
com tradicionais e fundamentais para o organismo interno de sua realização. Às vezes inovamos
tanto que acabamos perdendo o elo como passado, então tenhamos em mente, quem realmente
são os verdadeiros protagonistas da brincadeira para que possamos ter um maior cuidado para
como a sua representação, que fique evidente que são as personagens mais importantes no
enredo dramático do auto do Bumba meu boi.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao logo do texto tentamos analisar os usos e funcionalidades das imagens por meio
do conceito de imagem-objeto para podermos pensar as novas configurações e representações
do Bumba meu boi tendo como foco o estudo da imagem-objeto como código informativo para
evidenciar alterações nos valores simbólicos da manifestação popular por meio do processo de
apropriação cultural. Vimos que a cultura popular se apropria continuamente de novos códigos
e posturas sociais inseridos novos personagens, tais como a miolo feminino na manifestação
com o intuito de valorizar o debate atual sobre papel social da mulher na sociedade. Baschet
(1996) afirma que a imagem-objeto se faz necessário para discernir os fenômenos de crença e
participação ritual através dos quais ela autoriza uma forma de presença às forças invisíveis.
Por isso, “somos, assim, levados a ligar estreitamente a análise das duas relações que a
representação entretém, de uma parte, com seu protótipo e, de outra, com o elemento-objeto
que funda sua inscrição em um dispositivo ligado ao ritual e à crença” (BASCHET, 1996, p.7).
Então vemos que o rito e o enredo do Bumba meu boi estão constantemente inseridos em novas
apropriações e ressignificações sociais onde o que está presente por meio das imagens revela o
quanto devemos está atentos as novas mudanças, refletir o quanto elas são importante para se
as manifestações adaptem frente ao tempo presente, e saber aplicá-las sem esfacelar de forma
drástica seus rituais e suas representações sociais. Seria segundo Mestre Patinho “o novo no
velho sem molestar raízes”.
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Por isso, é que trouxemos ao debate a figura cênica e emblemática do boi, para
podermos pensar que ele é o centro da brincadeira, sua gênese, é por meio dele que todo o
enredo se desenvolve, então não deve está submisso a outros personagens, deve ao contrário,
mostrar-se imponente e saltitante por meio de seu miolo, que muita das vezes não é visto porque
está sempre a dar vida cênica ao animal. Mas que mesmo não sendo visto por muitos dos
apreciadores nos arraiais juninos, são eles (os miolos) e ele (o boi) que conferem sentido a
manifestação cultural por meio do drama estabelecido pelo desejo de grávida de Mãe Catirina
e pela temeridade de Pai Francisco de ter um menino deformado por não ter atendido ao desejo
da mulher. Se entendemos de fato, a narrativa do auto perceberemos de cara que após ter sua
língua extraída, o movimento para reanimar o boi grande e com as mais variadas tentativas,
inclusive a de veterinários, mas que o fim da estória só tem graça e alegria porque o boi volta a
sua condição de animal imponente que dança e gira sem para pelo terreiro, talvez devêssemos
entender que sem a alegria e a dança do boi, a brincadeira não mais a mesma.
REFERÊNCIAS
CAMÊLO, Júlia Constança Pereira. Um povo feliz, uma natureza intocada, um patrimônio
preservado: eis o segredo que o Estado do Maranhão quer Revelar. In-Pergaminho
Maranhense: estudos históricos. São Luís: Café e Lápis, 2010.
CORRÊA, Helidacy Muniz. São Luís em festa: o Bumba meu boi e a construção da identidade
cultural do Maranhão. São Luís- EdUEMA, 2012.
COSTA, Alex Silva. Dança de negro, bailado maranhense, sotaque da gente: um estudo
sobre as novas configurações do Bumba meu boi e do Tambor de Crioula. São Luís: Editora
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ABSTRACT: This article aims to analyze the memories about the Japanese immigration
experience that occurred in Maranhão, in the beginning of the 1960s, with the arrival of two
waves of Japanese families to the state for the formation of colonies where they would dedicate
themselves to agriculture and poultry activities. The first colony was installed in the
municipality of Rosário, 74 km from the capital, São Luís, consisting of a group of 20 Japanese
families, about 111 people in all. The second colony was located in the village of Pedrinhas, on
the banks of BR 135 in the rural area of São Luís, formed by 11 families, approximately 89
people. The arrival of immigrants to the state was an initiative of Newton Barros Bello, would-
be governor of Maranhão, to which he would consolidate in 1961, which among his government
goals was the modernization of agriculture in Maranhão, occupation of vacant lands and solving
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the shortage of products fruits and vegetables from São Luís, the Japanese colonies would meet
these demands. The attraction of Japanese families was made possible through an agreement
with the Japanese government, under the mediation of the Japanese consulate in Pará and the
company Jemis - Assistência Financeira SA (Kaigai Ijuh Jigyodan), whose Belém branch was
responsible for bureaucracy and assistance to immigrants from Japanese colonies of the states
of the so-called Legal Amazon that comprised the northern region and Maranhão. Bearing in
mind the complexity of this immigration movement, through the memory and methodology of
Oral History, I present a brief study about the ambiguities of the Japanese presence in
Maranhão, as well as the subjectivities in the reports that the sources allow to glimpse,
confronting them with printed sources, above all, newspapers and establishing a dialogue with
the bibliography about the theme of immigration, paying attention to the singularities and how
immigration will constitute the identity of the Japanese, as well as, what were the impacts of
the experience for Maranhão.
Keywords: Japanese immigration; Memory; Maranhão; Identity
INTRODUÇÃO
A imigração japonesa no Brasil tem seu início no século XX quando desembarcou
no Porto de Santos o navio Kasato Maru com imigrantes para trabalhar nos cafezais paulistas.
“O Brasil já tinha uma tradição de imigração quando chegaram os primeiros japoneses em 1908,
pois durante quase todo o século XIX recebemos estrangeiros” (CARDOSO, 1995, p.29).
Assim como os imigrantes europeus que formaram as primeiras colônias de povoamento no
Brasil, vide alemães, italianos e poloneses; tiveram dificuldades de adaptação e sentiram-se
enganados no que concerne as expectativas de prosperidade no Brasil e o tratamento dispensado
a eles pelos fazendeiros; também os japoneses enfrentaram adversidades ao defrontar a
realidade das fazendas cafeicultoras de São Paulo. Uma vez que nem todos os nipônicos eram
agricultores e chegaram ao Brasil num momento economicamente não muito bom para o café.
condições que foram submetidos pelos fazendeiros, o motivo de fuga dos imigrantes está na
situação de pobreza vivida por eles “devido ao velho sistema de extorsão praticado nas fazendas
(armazéns), tanto quanto ao regime de baixa remuneração que os obrigava a buscar
sobrevivência nas culturas intercalares” (HANDA, 1987, p.56). Outrossim, os japoneses que
integravam a frente pioneira de imigração no Brasil desejavam o enriquecimento, acreditavam
que o Brasil fosse lugar de prosperidade e que conseguiriam juntar um montante de dinheiro
para voltar ao Japão. Logo, deram-se conta das dificuldades de sobrevivência no novo país, e
dos desafios de regressar ao país de origem.
Destarte, apesar do intuito de regresso ao Japão, no final dos anos 1950 a faixa
etária da comunidade japonesa estava distribuída de forma que indicava sua adaptação ao
Brasil. Pois, “a maioria desta população já é formada por descendentes de segunda, terceira ou
quarta gerações, concentrada nos grupos de idade mais baixa” (CARDOSO, 1995, p. 20),
atestando a fixação real dos nipônicos.
Branco e Belém” (HOMMA; FERREIRA; 2011, p. 170), pela procedência ficaram conhecidos
como Peru Kudari e são considerados os primeiros imigrantes a se estabelecerem na Amazônia.
Sendo assim, entendo a imigração japonesa para o Maranhão como uma parte de
uma estrutura que fora esfacelada. A imigração e a desagregação são fenômenos consequentes
da guerra, portanto, podem ser compreendidos como oriundos de um trauma. Conforme o
pensamento de Hartog acerca dos acontecimentos cujas marcas são sentidas como “fendas”
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numa temporalidade. O tempo da imigração japonesa para o Maranhão é uma das brechas no
tempo de crise vivido pelos sujeitos que foram compelidos ao desarraigamento de seu país.
Ainda conforme o autor que reflete a respeito dos regimes de historicidade, ou seja,
na maneira como os sujeitos históricos se relacionam com o seu tempo e entre si, de acordo
com a dialética que Hartog estabelece com Reinhart Koselleck em pensar o presente como
inquieto e dilatado, e, portanto, não conseguir responder nem “preencher a lacuna, no limite da
ruptura, que ele próprio não cessou de aprofundar, entre o campo da experiência e o horizonte
de expectativa” (HARTOG, 2014, p. 56). Sendo a condição de imigrante oriunda de um trauma,
a história oral pode captar fragmentos de memórias que podem reduzir o hiato que há na relação
experiência do vivido, que por ser traumático é difícil de se descrever; e o presente,
transformando-os em narrativa histórica.
376
O terreno localizado no município de Rosário destinado a formação da colônia japonesa intitulada Morro de
Alcântara fora adquirido em compra pelo Governo do Maranhão do deputado Ivar Saldanha, o que a imprensa de
oposição especulava que houvesse interesses escusos na aquisição, sobretudo, quando os japoneses passam a
fazer queixas acerca da infertilidade daquelas terras, algo ainda ser discorrido neste artigo.
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Dessa forma, nas experiências de imigração nipônica não era incomum que alguns
dos orientais recorressem a casamentos fictícios. No Maranhão, registra-se um caso de arranjo
matrimonial, note o relato de um nipônico cuja família, oriunda de Kochi-Ken, precisou recorrer
a este artifício: Minha mãe legítimo ficou no Japão. Eu acha que teve algum problema entre
eles dois. Meu mamãe não sabia se vai ou não vai. Vai ou não vai. Aí meu papai tinha de
arranjar uma mulher pra poder vir pra cá. Tinha que vir casal377.
Sadame Tanabe, japonês colono de Rosário, chegou ao Brasil em 1960, aos 14 anos de idade com família
377
composta pelo pai, Isamu; os irmãos, Mié; Sayoku, Shoji, e Yukio; a madrasta, Masumi e sua filha Keiko e avó,
Horano.
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Muito ruim porque não era nada do que tinham dito a minha família. Eles vieram
enganado, pois, quando chegaram em Rosário a terra era muito ruim. Disseram que
a terra era muita, que era produtiva, boa pra trabalhar, mas era cheia de pedra.
Muito ruim [...] aí assim, muito difícil pra meu pai porque aqui não conhecia nada.
Lá no Japão meu pai tinha uma empreiteira. Trabalhava na engenharia naval. Não
entendia nada de agricultura não. Aqui que teve de apender, na marra!378
378
Relato de Roberto Kumihito Tasaka, nascido no Maranhão em 1961, cresceu no curso da imigração de sua
família que chegou ao Maranhão em 1960 para compor a colônia de Rosário. A época da emigração, a família
Tasaka era composta pelos pais de Roberto Kumihito, o casal Shizue e Genzo Tasaka, o irmão Yatochi Lucas e o
tio (irmão de Genzo), Sumiaki.
379
Memória de Sadame Tanabe.
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Meu pai ficou muito insatisfeito e não demorou muito tempo em Rosário, foi o
primeiro a deixar a colônia. Só depois que saiu da colônia foi que o negócio começou
a melhorar e viram que papai saiu, os outros colonos começaram a ir embora de
Rosário também. Teve muito amigo de papai que saiu da colônia e mudou de ramo,
tombaram pro comércio. Largaram esse negócio de plantação que eles não sabiam.
Meu pai se botou para aprender a plantar [...] Papai não sabia nada de português
brasileiro. Não conhecia o dinheiro daqui. Os filhos, a gente também não falava
ainda. Papai levava o produto e o freguês era que pagava do jeito que queria. Se ia
num comércio comprar alguma coisa, era enganado, não tinha troco ou vinha pouco.
E assim foi até que a gente começou a estudar, os filhos a aprender o português, que
aí a gente traduzia pra papai e começamos a questionar o valor da mercadoria. Foi
que aí a gente começou a pegar fôlego e a coisa começou a melhorar380.
A produção das duas colônias tinha como principal demanda as feiras e mercados
da capital. De início, a produção da colônia Muruaí também foi abaixo da expectativa, há que
se levar em consideração a fase de adaptação dos japoneses e suas técnicas as terras e os
recursos que dispunham. Assim como a instalação das granjas e seu funcionamento careciam
de um tempo de preparação.
380
Memórias de Roberto Kumihito Tasaka.
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Com o tempo, com o uso contínuo dos terrenos, o solo da colônia Muruaí foi se
desgastando e os nipônicos tiveram de espalhar-se por vários povoados daquelas proximidades
onde arrendavam lotes, e iam agricultando até que as terras da colônia tivessem novamente
adequadas ao plantio. As granjas também se destacavam na produção e empregou as pessoas
da região, o que sinaliza que a presença japonesa num espaço rural e cujas práticas agrícolas
eram de subsistência, assim como pesca e caça; de algum modo dinamizou aquele espaço.
Notadamente expresso no relato a seguir de moradora da região que tivera experiências de
trabalho com os nipônicos.
Kasunari381 tinha horta de tudo, plantava de tudo. O forte era o tomate, mas tinha
também o pepino, pimentão, melancia, repolho, muita coisa. A casa dele era na Santa
Fé e as hortas numas terras que ele tinha arrendado na entrada do Rio dos Cachorros.
E a granja do seu Miaki era enorme, ficava na Santa Fé também, tinha pra mais de dez
galpões, produzia muito. Tinha muitos empregados. Mas tinha japonês por todo canto,
no Aracaua, Anajatiua, Pedrinhas, Rio Grande e Rio dos Cachorros382.
381
Memória de Joana Vilar da Silva, moradora da zona rural de São Luís, nas circunvizinhanças da colônia de
Pedrinhas, que tivera contato com os japoneses desde a infância na escola e trabalhou para os nipônicos
Kasunari, agricultor e Miaki proprietário de uma granja.
382
As comunidades citadas por Joana são situadas nas proximidades de Pedrinhas. O povoado Santa Fé não
existe mais, pois, compreende a área onde anos mais tarde se instalaria a empresa ALUMAR.
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Era um trabalho pesado. Não tinha carteira assinada, nenhuma ajuda de custo. Nós
trabalhava por diária. Cinco cruzeiros custava a diária e nós recebia por semana, o
que dava trinta cruzeiros por semana. Nós trabalhava também por temporada. Nós
plantava a horta e aí dava um tempo, quando era o tempo de replantar ou da colheita,
Kasunari chamava nós de novo. Plantava de tudo lá. O forte dele era o tomate, mas
nós plantava pimentão, pepino, repolho, melancia, nabo, rabanete, muita coisa. No
começo nós achava ele esquisito, tudo diferentão, falavam só o necessário mesmo.
Era eles lá e nós aqui. E quando tinha um outro japonês junto, nós nunca sabia que
eles sabia que eles conversava já partiam só pra língua deles. Depois acabamo
acostumando com o jeitão deles [...] mas eu aprendi muito com eles, só que não quis
mais continuar porque nada era certo, não tinha compromisso, não tinha carteira
assinada.
Outrossim, o que pode ser depreendido é que os nipônicos não foram instruídos a
adotar as legislações trabalhistas do Brasil, de modo que as contratações eram feitas de forma
temporária e conforme suas necessidades e sem carteira assinada. É interessante analisar como
os imigrantes organizavam-se socialmente e em como o Estado participava e colaborava com
as colônias. Desse modo, exporei no tópico a seguir os debates acerca da imigração japonesa
no Maranhão, visto que a vinda dos asiáticos partiu de uma iniciativa do Governo do Maranhão
e que as colônias ficaram sob os auspícios da Secretaria de Agricultura do Estado, o que causou
expectativas de modernização e dinamização da principal atividade do Maranhão, a agricultura.
Tão logo, a chegada dos orientais despertou curiosidades e especulações, assim como uma
divisão política, pois, havia quem discordasse e problematizasse a atração de estrangeiros, cujo
reflexo pode ser percebido nas publicações dos jornais.
Manoel Vilar da Silva, morador da zona rural de São Luís, que trabalhou nas hortas do agricultor nipônico,
383
Kasunari Horiuchi.
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Destarte, no que concerne ao auxílio que o Estado deveria prestar aos imigrantes
para o sucesso das colônias, o exame das fontes mostra impressões destoantes acerca do
assunto. O tratamento dado aos nipônicos causou uma dualidade: a entrada de japoneses em
oposição ao homem do campo maranhense, um demonstrativo disto são os jornais alinhados a
oposição ao governo que destacavam as benesses e o capital investido nas colônias dos asiáticos
em detrimento dos lavradores maranhenses.
Mesmo sem “base-ball”, mesmo sem quimonos e ventarolas, mesmo enfim, sem
quaisquer dessa infinidade de coisas que o governo do Estado propiciou, de mão
beijada para os súditos de S. Magestade e Mikado. Os amarelos, por outro lado,
também se dizem ludibriados em sua boa fé agrícola, alegando que, ao contrário do
prometido, não lhes deram a terra recomendada para sua labuta. Afiança-se, aliás, nos
próprios círculos do Palácio dos Leões, que esse negócio de colônia agrícola japonesa,
como a de Morro de Alcântara, em Rosário, nada mais foi que uma negociata das mais
escandalosas. Terras sem valor agrícola algum, adquiridas pelo deputado Ivar
Saldanha ao deputado Freitas Diniz, ao preço de 300 mil cruzeiros, foram mais tarde,
para instalação das colônias nipônicas, vendidas pelo prefeito de São Luís ao governo
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Foi ele que chamou. Ele deu pra gente a casa, o terreno e o caminhão. Teve
dificuldade com sementes. Muito difícil. Governo não deu as sementes. Deu arroz,
milho, feijão pra comer, mas semente pra plantar verdura, não. E ferramentas, papai
trouxe algumas384.
Em vista disso, a dispersão dos colonos de Rosário não tardou. Várias famílias
abandonaram seus terrenos e se mudaram para São Luís ou para outros estados. Apesar dos
japoneses se sentirem enganados, do ponto de vista de quem vivia no Maranhão, principalmente
quando a análise se volta para a perspectiva do homem do campo cuja situação, segundo
manifestada pelos jornais, era de abandono.
384
Sadame Tanabe
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gêneros escassos no mercado, e que por isso custavam caro a população, não se pode perder de
vista - mesmo que as colônias tenham perdido fôlego e que com o tempo os nipônicos tenham
sido deixados de lado e a empresa agrícola da imigração abandonada pelo governo – que de
algum modo os japoneses, ainda que não tenha sido como esperavam ou por muito tempo,
contaram com determinado investimento do Estado, através da Secretaria de Agricultura. E,
confrontando com a vida da população local para onde foram destinados não se pode negar a
distinção social entre os nipônicos e a comunidade da região. A“função veritativa” da memória
cuja ambição é a fidedignidade, no entanto, confunde-se rememoração e imaginação, mas “nada
menos que memória para garantir que algo aconteceu antes de formarmos uma lembrança”
(RICOUER, 2007, p. 26). Logo, a oralidade dá indícios através de falas como a desta moradora
da zona rural que conviveu com nipônicos desde a infância.
Só deles chegar na escola de carro, já era lago que chamava atenção de todo mundo
porque nenhuma criança, naquela região, os pais podiam ter carro. Hoje eu penso
naquela época e lembro que era apenas uma caminhonete velha que os pais
trabalhavam carregando verdura, mas que pra gente era muito, pois, ninguém tinha
nada daquilo385.
Mais uma vez a questão dos lavradores maranhenses aparece nas fontes, uma vez
que um dos deputados, Alves Gondin, abriu a discussão ao votar contra o projeto argumentando
que enquanto casas seriam construídas para japoneses, os lavradores do Maranhão não tinham
auxílio do governo. O debate envolveu outros parlamentares, alguns concordavam com o
deputado Gondin, caso do deputado Vera Cruz Marques que ainda acrescentava que a vinda de
japoneses para o estado só seria plausível se viessem na condição de técnicos para ensinar suas
práticas aos agricultores maranhenses. O deputado Bacelar mesmo declarando que concordava,
385
Relato de Joana Vilar da Silva.
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em parte, com os argumentos de Gondin, lembrou-lhes de que as casas da colônia deveriam ser
construídas, pois, fazia parte do convênio estabelecido com o governo japonês e estava posto
em contrato que ensejou a vinda dos nipônicos para o Maranhão. Outro deputado, Euzébio
Trinta, adensou a querela, pois, teria proferido as seguintes palavras: “acontece que os nossos
lavradores não são de nada. Eles não querem trabalhar. Só querem é ser deputados ou conseguir
um lugar de funcionário público” (AUXÍLIO aos lavradores. Jornal Pequeno. São Luís, p. 05,
20 nov. 1960).
Os dissabores da imigração
A experiência da imigração tem por característica a ambivalência de ser marcada
pela necessidade do imigrante de prosperar, de vencer na nova terra e o risco de insucesso.
Interessante que se compreenda o imigrante, conforme pondera Abdelmalek Sayad,
inicialmente por uma ordem epistemológica, há que se lembrar que um fenômeno que é
chamado e tratado por imigração por uma sociedade e lugar é em outra sociedade e lugar
chamado de emigração. Logo, são “como duas faces de uma mesma realidade” (SAYAD, 1998,
p. 14).
Desse modo, não se deve ignorar que a bagagem do imigrante trazia mais que seus
pertences pessoais, ferramentas e a vontade de trabalhar. Há que se dar importância a toda uma
carga de vivências e valores que traziam consigo, pois, emigrar para cada sujeito é a uma ruptura
com a estrutura a qual está inserido. Deixar um país no Oriente e passar a um estado situado
num país ocidentalizado, duas nações historicamente constituídas diferentes, culturalmente
avessas em que esses indivíduos formados em espaços regidos por leis e costumes tão distintos,
onde os códigos são outros, língua e escrita completamente diferente.
A crise do Japão após a Segunda Guerra Mundial era agravada pelo crescimento
populacional no país, milhões de japoneses que viviam na Coréia, Taiwan, Filipinas, Manchúria
e de outros territórios que os nipônicos ocuparam durante a guerra foram repatriados e
amontoaram-se aos que já estavam no país e sofriam a falta de alimento e desemprego.
Após exaustivas buscas nas matas de Pedrinhas foi encontrado à tarde de ontem o
corpo do japonês Kazuo Otsuka, de apenas 14 anos, o qual domingo último
assassinara com violenta carga de chumbo o brasileiro Leônidas Alves, quando ambos
trabalhavam em uma roça, crime que ocorreu após forte discussão entre o brasileiro e
o japonês [...] o japonês após o crime evadiu-se nas matas de Pedrinhas, levando
consigo certa quantidade de veneno [...] o japonês, no interior das matas ingeriu o
veneno morrendo imediatamente, sendo encontrado o seu corpo em estado de
putrefação (JORNAL PEQUENO, 05 abril, 1968, p. 06)
Na vida familiar dos nipônicos verifica-se conflitos, pois, como Boris Fausto bem
destaca entre as características específicas do imigrante é a sua posição de outro, e do
cruzamento de olhares do estrangeiro para o nacional e deste para o estrangeiro. O imigrante
que é visto com admiração e estranhamento dos nacionais, em alguma medida até desprezo, por
parte dos imigrantes havia sempre o sentimento de que estavam em condição de “gente
devotada ao trabalho” (FAUSTO, 1998, p. 26). Tratando-se dos japoneses que emigraram para
o Maranhão, faz-se importante ressaltar sua característica endógena, algo muito comum entre
as comunidades nipônicas imigrantes, de tentar manter a homogeneidade do seu povo. Sendo
assim, seus filhos eram incentivados a contraírem casamentos entre filhos de famílias
igualmente nipônicas.
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Uma vez que os padrões dos mais jovens de acatar o recomendado pelos mais
velhos são afetados em virtude de sentimentos pessoais que contrariavam o estabelecido. Dessa
maneira, os descendentes dos nipônicos viam-se divididos entre seus desejos pessoais e
imposições sociais. Norbet Elias frisa que esse tipo de conflito é comum nas sociedades
familiares, “um abismo quase intransponível para a maioria das pessoas implicadas” (1994, p.
17). Pois, conforme o pensamento do sociólogo, a vida em comunidade “mais livre de
perturbações” possibilita a satisfação pessoal.
Uma maneira que o imigrante adota como uma alternativa de manter ligação com a
terra natal é a de se organizar em associações e reunirem-se com seus pares, manter o idioma
na intimidade e ensiná-lo as gerações posteriores, visto que
A colônia de Rosário foi constituída em 1960 com vinte famílias, e a colônia Muruaí
por onze famílias em 1961. Sendo assim, o número de famílias que receberam a posse dos
terrenos reforça a noção de como os japoneses, logo nos primeiros anos, abandonaram os lotes
para os quais o governo os destinou. Dessa maneira, o fluxo migratório não cessou depois que
chegaram ao Maranhão, e os nipônicos permaneceram mudando, alguns para localidades no
entorno das colônias ou para outros municípios do estado e teve ainda os que foram para outros
estados.
Outrossim, houve também quem permaneceu ou se mudou para a capital, São Luís,
ocupando espaços rurais da cidade onde continuam agricultando, muitos mudaram
completamente de atividade e passaram a trabalhar no setor de comércio e serviços e alguns
tornaram-se funcionários públicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte, a experiência imigratória japonesa no Maranhão sob o ponto de vista do
que foi proposto pelo governo cuja iniciativa de atrair os nipônicos para o estado não foi
consolidada, pois, apesar de as colônias terem sido preparadas, os japoneses instalados e
recebido algum investimento do Estado, tiveram problemas e enfrentaram dificuldades.
Estruturalmente, os terrenos não se mostraram adequados e o planejamento mostrou
deficiências.
386 387
econômico, os nisseis e sanseis possuem boa escolaridade e há ainda um trânsito entre
Maranhão e Japão, pois, muitos fazem a digressão a terra do sol nascente para trabalhar no setor
fabril, juntar capital e retornam ao Maranhão para investir em suas atividades autônomas.
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386
Primeira geração de descendentes de japoneses.
387
Como são conhecidos os descendentes de japoneses a partir da segunda geração.
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Página 1745 de 2230
ABSTRACT : The paper analyzes the strategies adopted by the service providers in the
conception of touristic products sold in specifically in the Historic Center of which is a space
strongly marked by many cultural activities such as tambor de crioula fairs / shows, theatrical
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performances, city tour, and others. We seek to understand if the activities take into account the
dimensions of the concept of tourism of experience when they are created and developed, going
through tourism planning, destination marketing, creativity and local development. The detailed
analysis of the process of the research involved, in addition to bibliographic research, field
research through the collection of information from venues related to the activity of
tourism,located in the neighborhood of Praia Grande. Thus, the study aims to contribute with
new reflections, as well as to improve the local products and services, interrelating the elements
of creativity, innovation, experience and emotions. The benefits of the research focus on the
quality of the visitation and on the level of attractiveness and competitiveness of the tourist
destination in the market.
1 INTRODUÇÃO
O turismo é uma atividade social que se ajusta constantemente às demandas do
mercado. Por se tratar de um ramo que lida diretamente com diferentes perfis de público,
frequentemente nota-se mudanças que buscam cada vez mais atender às necessidades dos
consumidores, e tais mudanças são notórias perante um público que tem diferentes motivações.
Essa crescente exigência de melhores produtos e serviços traz consigo transformações que
visam agregar valor ao produto e serviço ofertado. Entende-se por valor, os benefícios que virão
no consumo dos bens, pois ao idealizar uma viagem o consumidor passa pela fase do
planejamento, assim como ressalta Kotler e Keller (2006, p. 139); os consumidores do produto
turístico “[...] procuram sempre maximizar o valor, dentro do limite imposto pelos custos
envolvidos na procura e pelas limitações do seu conhecimento, mobilidade e renda.”, ou seja,
isso implica dizer que desde o momento da decisão, o gasto é algo pré-analisado no
planejamento, visto que o turismo é uma atividade geradora de bens e serviços como reforça
Lastres e Cassiolato (2003), pois envolve uma série de negócios como: hospedagem,
alimentação e o entretenimento em geral.
Dessa forma quanto mais benefícios forem agregados ao produto menor será a
percepção de gasto do cliente, pois ele poderá sentir que valeu a pena ter pagado por um bem
ou serviço que lhe proporcionou uma experiência agradável ou até mesmo memorável. Tal
processo é conhecido mercadologicamente como turismo de experiência, pois através desse
novo modelo de ofertar produtos e serviços é possível realizar a imersão do turista ao ambiente,
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criando assim uma relação que estabelece uma comunicação, podendo ser direta (verbal) ou
indireta (não verbal).
Assim, o turismo de experiência tem ganhando destaque nesse cenário, pois busca
inserir o turista ao novo ambiente, fazendo com que esse indivíduo não seja só reativo e passivo,
como também se torne ativo. Pensando nisso, o trabalho que se segue é uma análise do conceito
de turismo de experiência e suas quatro dimensões segundo a perspectiva de Pine II e Gilmore
(1999).
2 TURISMO DE EXPERIÊNCIA
O termo turismo é uma palavra que deriva de tour que significa viagem circular, ou
seja, regresso ao ponto de partida. Para que haja o turismo é necessária a articulação de alguns
elementos que compõem essa atividade, essas são: os turistas, as pessoas que praticam o ato de
deslocamento, o local para onde o turista irá se locomover, os prestadores de serviços locais
(interação com o ambiente) e a motivação pela qual a viagem está sendo realizada. Pezzi (2013)
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contribui ressaltando o turismo sob um viés social porque além de caracterizar-se como uma
pausa no cotidiano, o turista passa por situações em que ele procura algo único, diferente que
alcance ou supere suas expectativas sobre a viagem que planejou.
E por fim podemos destacar a fenomenologia, essa tem um caráter mais relevante
para o presente trabalho, pois eleva o conceito de turismo, por se entender que a atividade
turística é transformadora do meio.
O turismo se destaca como algo peculiar porque nele o consumidor-turista tem que
se deslocar até o produto a ser consumido, o ‘lugar turístico’ que sofre transformações
para poder atender a essa atividade. Assim, a atividade turística possui relação direta
com o espaço geográfico (seu principal objeto de consumo) (CRUZ, 2000, p. 21).
Observa-se então que o conceito de turismo pode ser analisado por vários ângulos,
entretanto quando analisado pela perspectiva fenomenológica, se é possível discernir a
atividade turística da mera mercadoria. Embora seja indiscutível que a atividade turística gera
capital monetário para os prestadores de serviços envolvidos no processo, desde os restaurantes,
meios de hospedagem, aeroporto, agências de viagem, até os prestadores de serviços locais, que
oferecem produtos artesanais, é relevante analisá-lo não apenas nessa perspectiva, pois de
acordo com Vieira e Souza (2010, não paginado) “O Turismo na visão fenomenológica
extrapola sua faceta mercadológica [...]”, pois quando se para de analisá-lo apenas sob um viés
de negócio econômico, compreende-se que ao ser vendido um pacote de viagem, por exemplo,
está se vendendo “experiência humana”.
Nota-se então que a semelhança entre elas é que todas estão correlacionadas a
memórias e a sensações, por isso que apesar de existirem fatores que possam interferir no
processo da atividade turística os autores Dunn Ross e Iso-Ahola (1991, não paginado) reforçam
que fatores sociológicos e condições socioeconômicas influenciam sim na conduta do turismo,
mas que eles não são determinantes na qualidade das experiências, logo, “[...] O que importa
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são as cognições e sentimentos do indivíduo sobre a experiência que está sendo realizada.
[...]”388.
Dessa forma, esse novo olhar sobre as experiências turísticas vem inserindo o turista
no meio ao qual ele se torne um sujeito ativo, fazendo-o desenvolver reflexões, análises e
conceitos sobre o “choque” que sofreu. Através desse pensamento podemos entender que no
dia a dia a rotina é algo que faz parte de nossas vidas e em cada ambiente possuímos papéis,
seja na escola ou trabalho, esses papéis sociais fazem parte de quem nós somos. Mas quando
saímos dessa rotina, e somos introduzidos em um novo meio adquirimos um novo papel social
que será moldado a partir das experiências que serão sofridas ao longo de um dado período.
Graburn (1989) salienta que ao voltarmos para os nossos papéis sociais, esse regresso virá com
a sensação de “shock cultural”.
388
Extraído da versão original: “[…] What matters is the individual's cognitions and feelings about the experience
being undertaken. […]” (DUNN ROSS; ISO-AHOLA, 1991, não paginado).
Página 1751 de 2230
Dessa forma Pine II e Gilmore (1999, p. 31) afirmam que “[...] a oferta de
experiência acontece quando uma empresa usa intencionalmente os serviços como um palco e
os produtos como suporte para atrair os consumidores de forma a criar um acontecimento
memorável [...]”.
Destacam também que os serviços conhecidos como commodities, que podem ser
armazenados, atrelados aos serviços, não são mais suficientes dentro de um mercado
competitivo; é preciso se adequar às necessidades dos clientes e superar suas expectativas.
Página 1752 de 2230
Mediante a essas concepções, entende-se que o turismo está intimamente ligado ao fato de
proporcionar as experiências, e para um melhor entendimento recorre-se a Pine II e Gilmore
(1999, p. 31) que analisam o turismo de experiência a partir de quatro dimensões:
entretenimento, educação, escapismo e estética.
Esta dimensão exige que as ofertas turísticas, capturem e ocupem a atenção dos
clientes para enriquecer a experiência. Os autores utilizaram as questões que
buscavam compreender se o turista havia desenvolvido maior experiência,
aprendizagem, curiosidade e melhora nas habilidades (PEZZI, 2013, p. 47).
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com o objetivo de demonstrar na pratica como tal tendência funciona, foi realizado
a aplicação dos questionários sobre a perspectiva das 4 dimensões do turismo de Pine II e
Gilmore (1999), explorados no presente estudo, no Centro Histórico da cidade de São Luís em
2 empreendimentos com características de A&B, sendo um bar/café e uma sorveteria, e ambos
dos estabelecimentos carregam consigo suas particularidades, e dentre elas podemos destacar
suas arquiteturas, decorações e ambientação.
Através do gráfico pode-se perceber que a cidade natal dos turistas contemplou as
cinco regiões do Brasil e uma turista de fora do país, mais especificamente Buenos Aires,
Argentina, podem notar também que a maioria dos turistas, 46,66% vieram da região sudeste,
enquanto os turistas que vieram das regiões norte, nordeste, centro-oeste, sul e outros países
empataram, com 3,66%:
Da mesma forma, buscamos analisar a percepção dos turistas que visitaram São
Luís, especificamente no estabelecimento que identificamos como bar/café e nele observamos
as seguintes informações: a maioria das pessoas respondeu que a motivação para vir à ilha foi
a trabalho assim como na sorveteria, uma maior quantidade de pessoas em relação à sorveteria
frequentaram esse empreendimento e vieram à cidade por conta do turismo, o quesito férias
apareceu em menor proporção em relação à sorveteria, enquanto “estudos” e “outros” se
apresentaram em quantidade um pouco maior do que na sorveteria.
Entretenimento
3.2 Educação
Escapismo
A pergunta que se adequou para esta categoria foi: “Você conseguiu sair da sua
rotina?” os resultados foram positivos nessa parte da pesquisa porque a maioria respondeu que
sim, tanto na sorveteria quanto no café. No primeiro empreendimento, 93% respondeu que sim
e no segundo, respectivamente, 86% respondeu que sim. Ao questionarmos os turistas que
responderam “não”, observamos um padrão de respostas que girava em torno de respostas
como: “ a cidade se assemelha a minha, inclusive o design do local, então não me senti longe
da minha rotina”, afirmou um turista de Olinda.
Estética
Estética I: “Algo lhe chamou atenção na estrutura local?” 93% dos turistas que
estavam na sorveteria respondeu que sim e afirmaram que ficaram encantados com a estrutura
com influências europeias, cores agradáveis; enquanto no bar/café o percentual ficou em 86%.
Estética II: “Foi possível aprender algo através da observação do ambiente?” nesse
último quesito verificamos que apenas 6% afirmou ter aprendido algo relevante sobre São Luís
visitando a sorveteria, enquanto no bar/café esse percentual foi de 40%, isso se deve pelo fato
de que na sorveteria os elementos construídos para agradar os “olhos” dos turistas são
previsíveis e comuns e pouco dizem sobre a cidade, enquanto no bar/café, aliado à música ao
vivo, cores e quadros que representam a cidade foram colocados em enquadramentos
estratégicos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O turismo como atividade social engloba uma série de fatores que afetam a
experiência do turista. O turismo de experiência tem como foco potencializar as experiências
turísticsa fazendo com que essas se tornem positivas, memoráveis e inesquecíveis. Foi possível
compreender a partir do estudo de campo atrelado aos conhecimentos bibliográficos adquiridos
que o mercado Ludovicense passou por uma série de transformações e ainda está sofrendo
Página 1759 de 2230
modificações em seu turismo, pois os empresários começaram a perceber que precisam atrair
a atenção do público de formas mais eficientes e eficazes, e passaram então a desenvolver
melhor a cultura local em seus negócios.
Dessa forma, por atender todos os pontos essenciais do turismo tradicional e ainda
gerar valor, os produtos e serviços ofertados, acabaram ganhando espaço no mercado, por ser
um diferencial competitivo dentro de um mercado monopolizado. Dessa forma os
empreendimentos hoteleiros e turísticos estão em constante adequação visando atender a esse
novo seguimento, objetivando assim a captação e fidelização dos seus clientes.
REFERÊNCIAS
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Página 1762 de 2230
Abstract: The Golfão Maranhense presentes environmental singularity with intense landscape
dynamics, because the acting of refief modeling agentes, that provides the remobilization of
sandy and clay materials, favoring the development of traditional activities, how the pottery
prodution in Rosário and the on community Itamatatiua – Alcântara, lacated, respectively, in
the east and west portions of recess, whose peculiarities motivate reflections about the relation
between the landscape and the Geodiversity with the pottery prodution, through of a systemic
approach, related to the assumtions of the Geosystemic Theory. All stages of ceramic prodution
are of Paramount importance for the product quality, demand experience and notorious
knowledge about the clay characteris and labor tecnique that expresses the relation man with
nature, that similarities as extraction environment, but differences in the ceramista labo, like
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the predominance of feminine gender and handwork in the prodution at Itamatatiua, while in
Rosário the office is done mostly by men with the aid of machinery. It is infected that there is
notorius relation of the landscape with the Geodiversity, the culture and place economy, above
all about use of clay in the realization of activities of pottery prodution.
Keywords: Clay, Ceramic, Rosário; Itamatatiua.
1 INTRODUÇÃO
Os aspectos geomorfológicos da paisagem, por suas formas singulares, vêm
despertando o interesse em pesquisadores para o que hoje se entende por Geodiversidade,
possibilitando a abordagem desta categoria geográfica com a inclusão do conceito de
Geossistema, uma concepção teórico-metodológica que permite discutir a paisagem a partir da
combinação dinâmica dos elementos físicos, biológico e antrópicos, de maneira
interdisciplinar.
A abordagem de Geodiversidade está ancorada em uma visão crítica de análise dos
processos dinâmicos da natureza, com destaque para a importância dos elementos abióticos. O
conceito ganhou maior notoriedade a partir da divulgação da Avaliação Ecossistêmica do
Milênio (2005), Gray (2014), cujo sistema de classificação consistia na identificação de
serviços ecossistêmicos ligados à biodiversidade.
A partir da ciência geográfica, o estudo está ancorado na categoria paisagem, haja vista
que, conforme Bertrand (2004), a paisagem é produto de uma combinação dinâmica entre os
atores físicos, biológicos e antrópicos, ou seja, sempre em evolução, uma concepção que
considera as ações do homem no meio em que está inserido como agente de transformação da
paisagem, deixando sua marca através das manifestações culturais. A cultura tem papel
essencial na construção da paisagem, uma vez que a diversidade de expressões atribui valores
peculiares a elementos específicos do ambiente físico ou a da geodiversidade.
2 METODOLOGIA
A singularidade ambiental do Golfão Maranhense, com intensa dinâmica da paisagem,
devido a atuação dos agentes modeladores do relevo, propicia a remobilização de materiais
arenosos e argilosos, favorecendo o desenvolvimento de atividades tradicionais, como a
produção de cerâmica em Rosário e na comunidade de Itamatatiua – Alcântara, situadas,
respectivamente, na porção leste e oeste do Golfão, cujas particularidades motivaram reflexões
acerca da relação e diferenças entre a paisagem e a geodiversidade com a produção de cerâmica,
através de uma abordagem sistemática, ancorada nos pressupostos da Teoria Geossistêmica, a
partir das contribuições de Sotchava (1977) e Bertrand (2004).
Os procedimentos metodológicos utilizados no trabalho compreenderam: pesquisa e
análise da literatura relativa ao estudo da temática; levantamento e análise de materiais
cartográficos; trabalho de campo exploratório, para o estudo da paisagem e compreender as
apropriações da geodiversidade nas atividades de laboração tradicional de argila, além da
realização de entrevistas não estruturadas; análise das informações obtidas; produção de
material cartográfico; sistematização das informações e elaboração do trabalho.
As atividades de campo foram realizadas nos dois anos do projeto “O Golfão
Maranhense: Geodiversidade, Patrimônio e Sustentabilidade Socioambiental”. Foram
utilizadas imagens Landsat 5 (sensor TM) e Landsat 8 (sensor OLI), de cenas de órbita/ponto
220/062; 221/061; 221/062 e 221/063, através do site do INPE, seguido de mosaico para
representação do Golfão Maranhense e da confecção dos mapas de localização.
de Longitude Oeste, se limita ao Norte com o município de Guimarães, ao Sul com Bacurituba,
a Leste com São Luís e a Oeste com Bequimão, os principais acessos, partindo de São Luís,
são por barco ou catamarã, o acesso por automóvel é através da rodovia MA – 106 ou de ferry-
boat, até o povoado de Cujupe. A comunidade de Itamatatiua está situada no sudeste do
município.
O município de Rosário-MA está localizado entre as coordenadas geográficas
02°43'45" e 03°11'03" de Latitude Sul, 44°18'23" e 44°07'28" de Longitude Oeste, limita-se ao
Sul com o município de Santa Rita, a Leste com Axixá, a Oeste com Bacabeira, e ao Norte
localiza-se a baía de São Marcos (Figura 01).
produtos, como argila fina para fazer panelas e argila grossa para jarros. O ofício dos oleiros
possibilita maior conhecimento sobre a argila e a utilidade na produção (SANTOS, 2019).
Figura 02: Materiais argilosos mais finos (a) e mais grosseiro (b), na produção em Rosário.
Figura 04: Olaria de produção e venda em Rosário (a); Venda em Bacabeira (b), na rodovia BR-135.
filtro de água e tradições como o “quebra pote”, em Rosário, assim como o destaque econômico
da exploração mineral do granitóide, embora com potencial de degradação ambiental.
REFERÊNCIAS
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SOTCHAVA, Victor Borisovich. O estudo de geossistemas. São Paulo: Universidade de São
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Página 1771 de 2230
ABSTRACT Until the 1960s/1970s, Heritage Preservation Politics were incipient in São Luís,
the need for preservation was latent and was developed through the performance of the
municipal, state and federal public authorities, with the support of UNESCO. In this
perspective, many other actions were developed, culminating in the launch of the “Programa
Nosso Centro”. The main objective of this work is study the effects of Heritage Policies,
Página 1772 de 2230
INTRODUÇÃO
389 DOSSIÊ UNESCO: Proposta de Inclusão do Centro Histórico de São Luís na Lista do Patrimônio
Mundial da UNESCO. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie%20SAO%20LUIS_pt.pdf. Acesso em: 21/07/2017.
Página 1773 de 2230
Diante disso, esta torna-se uma pesquisa necessária, visto que busca traçar um
panorama sobre a conjuntura atual da identidade valorativa patrimonial na cidade de São
Luís/MA, considerando as principais influências do “PAC-CH” e do “Programa Nosso Centro”,
fazendo uma relação desses programas tratando-os como importantes políticas de
patrimonialização, atuando no recorte geográfico do Centro Histórico da cidade São Luís/MA.
Esta se mostra uma pesquisa viável, pois não necessita de muitos recursos materiais
para ser realizada, já que se baseia em pesquisas bibliográficas e entrevistas com moradores da
capital do Maranhão, área abrangida pelo projeto em estudo.
OBJETIVO DA PESQUISA
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
da identidade, da qual Bauman (2005), em sua entrevista com Benedetto Vecchi, chega a uma
definição muito interessante, defendendo que:
Tem-se aqui, que o patrimônio deve ser gerido com muito empenho do poder
público, posto que sua sobrevivência e preservação dependem do desempenho de vários atores
privados e públicos, até mesmo para que os recursos conseguidos para esse fim de preservação
sejam administrados com efetividade. Portanto “Patrimônio cultural, turismo e renovação
urbana são vetores de um mesmo processo de reestruturação do território” (PAES, 2017, p.
678). Assim, “No contexto da política nacional, a patrimonialização surge enquanto uma ‘vontade
de verdade’, que se apoia em um suporte institucional, amparado juridicamente e que tende a
exercer sobre outros discursos uma pressão e como que um poder de coerção” (CHAVES, 2012, p.
32). Pensar a patrimonialização é pensar que esse processo perpassa pelo conceito de Política
Pública que é definida da seguinte forma:
Vê-se que o Estado é o órgão regulador das Políticas Públicas, e gere os demais
envolvidos, assim, Barbosa et all continuam afirmando que:
As políticas públicas são então discutidas e estudadas enquanto um sistema que recebe
inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, e que, por sua vez, influenciam
seus resultados e efeitos. (EASTON, 1965). São ponderadas como um campo dentro
do estudo da política que visa analisar o governo por meio de problemas de ordem
pública (MEAD, 1995); como um conjunto de ações governamentais que poderão
produzir efeitos peculiares (LYNN, 1980); ou como somatório das ações
governamentais realizadas por agentes políticos que atuam de forma direta,
influenciando a vida dos cidadãos. (BARBOSA, et all. p. 1070-1071).
4 OS PROGRAMAS
Já o programa “Nosso Centro” foi Criado pelo Governo do Maranhão em 2019, por
meio da Secretaria das Cidades e Desenvolvimento Urbano e tem por objetivo desenvolver
várias obras no entorno do Centro Histórico de São Luís, contando com o apoio do Governo do
Maranhão, Prefeitura de São Luís e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan).
III – Fomento à atratividade dos polos por meio do incentivo à habitação, ao comércio e às
atividades culturais, como pilares para a sustentabilidade da área;
V – Formalização de parcerias com entes públicos, com a iniciativa privada e com a sociedade
civil.
Cada polo tem suas ações estratégicas que vão de melhorias, recuperação, revitalização,
regularização, criação, ampliação, estruturação, apoio e estímulo como o objetivo de manter
maranhenses e visitantes em São Luís principalmente no Centro Histórico.
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Campinas: SP – Papirus, 2003. (Coleção Turismo).
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PREFEITURA DE SÃO LUÍS/MA: Programa Nosso Centro vai investir mais de R$ 100
milhões para o Centro Histórico de São Luís. Disponível em:
https://www.ma.gov.br/programa-nosso-centro-vai-investir-mais-de-r-100-milhoes-para-o-
centro-historico-de-sao-luis/. Acesso em: 27/06/2019.
SÃO LUÍS AND THE DICHOTOMIES FROM THE LOOK OF PUBLIC POWER TO
THE CITY
ABSTRACT: A delimited geographical space, legally called municipality, characterized by culture and
tradition, climate, vegetation, human culture (settlement), political-cultural and economic-social,
religious practices, choosing a gravitational center for which these concrete and abstract elements (the
practices) converge. This space, once a feud, a village, characterized commercially and administratively,
is called a city. In this space, the view of its leaders is dichotomous. The State benefits specific
geographic-social spaces and social strata in a different way. The empirical field of this research is the
São Luís Island (Maranhão Island) composed of the municipalities: São Luís, Raposa, Paço do Lumiar
and São José de Ribamar. When traveling along Avenida dos Africanos, you will find craters in the
middle of the street needing repair (holes that are already part of the city's landscape) and Avenida dos
Holandeses being constantly resurfaced - why? Another example: the government directs pharaonic
projects to Avenida dos Holandeses, building a viaduct that has an exit to São Luís, Raposa and another
to Paço do Lumiar and the colossal BRT (Bus Rapid Transit). and ends at that avenue. The objective is
to discuss the ways in which the public power conducts urban mobility in São Luís and the consequences
of this.
1 INTRODUÇÃO
Os exemplos utilizados para este artigo para ilustrar essa situação e/ou condição de
atuação do poder público na Ilha de São Luís foi justamente a dicotomia das duas cidades em
um mesmo espaço geográfico, porém, com benefícios a uma classe social determinada. A
separação dos locais de moradia e de trabalho e lazer pode ser verificada no movimento para
os centros comerciais para onde convergem uma grande quantidade de pessoas, principalmente,
no quesito trabalho, onde o movimento pendular de São José de Ribamar, Paço do Lumiar
(Maiobão), Cidade Operária que confluem para Cohab, Anil e São Cristóvão, justificaria a
construção de um viaduto em um desses pontos geográficos e não na confluência São Luís/Paço
do Lumiar/Raposa (conforme figura 1) – local que não apresenta fluxo intenso de pessoas -,
mas é, atualmente, área nobre.
Página 1784 de 2230
Fonte: Os autores
E, na mesma avenida, está sendo construído um BRT (Bus Rapid Transit ou Transporte Rápido
por Ônibus) (conforme figuras 2 e 3). A pergunta é: a quem essa ação do poder público
beneficia?
Fonte: Os autores
Página 1785 de 2230
Fonte: Os autores
2 MOBILIDADE URBANA
No ano de 2019 a Avenida dos Holandeses foi protagonista de uma obra colossal –
a construção de um BRT (Bus Rapid Transit ou Transporte Rápido por Ônibus) – que inicia e
termina na referida avenida, muito distante dos terminais de integração do transporte coletivo.
Ou seja, leva de lugar algum a lugar nenhum. Questiona-se se não seria o BRT mais uma novela
eleitoreira como a do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) – empreendimento alugado por João
Castelo por ocasião de campanha eleitoral. O VLT saía do Terminal de Integração da Praia
Grande e percorria mais ou menos 1 km (um quilômetro), parando nos fundos do Mercado do
Peixe (no bairro do Desterro). O pior de tudo é que havia pessoas que se prestavam a isso (dar
um passeio no VLT).
Fonte: https://oimparcial.com.br/app/uploads/2016/12/brt-324873.jpg
A discussão que se propôs foi: porque essa obra em um local onde o quantitativo
de pessoas é muito inferior ao centro convergente como o bairro da Cohab, do São Cristóvão
Página 1787 de 2230
ou do Anil? O que podemos apontar é que esta obra segue o mesmo critério da construção do
viaduto em frente ao Alphaville. Ou seja, está implicado na questão dos marcadores sociais da
diferença – é para servir ao embelezamento de um espaço já tão beneficiado como a Avenida
dos Holandeses. Não tem relação com beneficiamento das classes populares, mas muito
provavelmente, está relacionado com o tempo que os trabalhadores que vendem sua força de
trabalho nessa região irão chegar.
São Luís, como qualquer grande cidade, é caracterizada pela dicotomia – central e
periférico – marcadores sociais que denunciam a diferença entre ricos e pobres. Nos exemplos
apontados: Avenida dos Holandeses versus Avenida dos Africanos393, o trato para com as
avenidas, o cuidado é completamente diferente e visível a quem quer que seja. A qualidade do
asfalto assim como a pavimentação de ambas avenidas pode ser comparada nas figuras 4 a 7
que seguem abaixo.
Fonte: Os autores
392
Um exemplo do conceito de marcadores sociais pode ser visualizado no trecho: “[...], analisando temas como
a relação das crianças com as diferenças de classe, raça, gênero e outros marcadores sociais, as hierarquias de
poder [...]” (SOUZA, 2006, p. 1).
393
Qualquer semelhança entre Europa e África no trato com as referidas avenidas pode não ser mera
coincidência.
Página 1788 de 2230
Fonte: Os autores
Fonte: Os autores
Página 1789 de 2230
Fonte: Os autores
Portanto, não é nenhuma teoria da conspiração apontar que há duas cidades a partir
do que se observa no trato para com determinados espaços geográficos como situações em que
as avenidas localizadas em áreas consideradas nobres estão frequentemente recebendo
assistência e o que não é nobre, logo, indigno, os buracos e/ou crateras são eternos. Essa
situação não é difícil de se encontrar em São Luís. Como exemplo, no bairro Cidade Operária,
onde faz décadas que o poder público não se faz presente (figuras 8 e 9).
Página 1790 de 2230
Fonte: Os autores
Fonte: Os autores
Realmente, não é falso dizer que a rua está linda. No momento em que é
pavimentada, obviamente, está linda. E há o reforço – “[...] o asfalto é de qualidade [...]”, por
que será que isso precisa ser reforçado? Naturalmente porque não se acredita mais que político
possa fazer algo que seja bom para a sociedade. Então, é bom que isso fique claro - que o asfalto
é de qualidade, que a Prefeitura está trabalhando de forma correta para o cidadão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mauss entendeu que a lógica mercantil moderna não substitui as antigas formas de
constituição dos vínculos e alianças entre os seres humanos e constatou que tais
formas continuam presentes nas sociedades modernas. Semelhantes modalidades de
trocas aparecem, para ele, como um fato social total que se revela a partir de duas
compreensões do total: totalidade no sentido de que a sociedade inclui todos os
fenômenos humanos de natureza econômica, cultural, política, religiosa entre outros
sem haver nenhuma hierarquia prévia que justifique uma economia natural que
precederia os demais fenômenos sociais. Totalidade, também, no sentido de que a
natureza desses bens produzidos pelos membros das comunidades não é apenas
material, mas também e sobretudo simbólica (MARTINS, s/d, p. 2).
Assim como Mauss amplia o conceito de “fato social” com o termo “total”, à teoria
de Durkheim, nos estudos que faz das sociedades não Ocidentais, o que também foi feito por
Malinowski com o Kula. Ambos, Mauss e Malinowski, falam de um tipo de situação
semelhante ao comércio – um sistema de troca - que exclui o dinheiro como principal moeda.
A moeda existe, mas na forma simbólica, baseado na reciprocidade e, no sistema escambo. “O
Kula é uma forma de troca e tem caráter intertribal bastante amplo; [...], um número mais ou
menos restrito de homens participam do Kula – ou seja, recebem os artigos, conservam-nos
consigo durante algum tempo e, por fim, passam adiante” (MALINOWSKI, 1976, p; 71).
Simmel fala da substituição desses sistemas de trocas, comércio, negociação, no Ocidente
moderno, exclusivamente, por outro tipo de moeda – o dinheiro.
Em A metrópole e a vida mental Simmel (1973) tem seu foco de análise para o
indivíduo. Assim como em A filosofia do dinheiro, onde o dinheiro assume a personalidade do
indivíduo e o representa como um cartão de visitas – o indivíduo é, na sociedade em que está
inserido, aquilo que ele possui, o dinheiro que tem.
A vida na cidade, nas grandes cidades, vai alterar essas relações que eram tidas no
campo e isso só foi possível com o advento do dinheiro – arauto das necessidades individuais.
A vida mental da metrópole é, por excelência, a autonomia e a individualidade. Os indivíduos
estão muito mais próximos fisicamente do que quando estavam no campo, mas estão bem mais
distantes na metrópole. Comparativamente, no campo, há uma relação de vizinhança; na
metrópole, é como se os indivíduos morassem em outro planeta. Tal transformação do
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comportamento se deu por volta do século XVIII, quando o homem revoluciona seu modus
vivendi.
Simmel só foi comentado nas considerações finais para ilustrar, que é por meio do
dinheiro que as velhas práticas políticas continuam a atuar. As ações do poder público atuam
dicotomicamente para favorecer sempre uma determinada classe social. As ações dos políticos
só encontram fôlego em vésperas de eleição. A cidade está a muito tempo abandonada, mas ao
aproximar-se os pleitos eleitorais, a placa onde consta a frase: PREFEITURA PRESENTE,
mostra o quanto a essa prefeitura não está presente.
REFERÊNCIAS
DURKHEIM, Émile; COMTE, Auguste, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol. I 1973. –
(Coleção Os Pensadores).
GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos. Trad. de Dante Moreira Leite. 7. ed. - São
Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
SOUZA, Érica Renata de. Marcadores sociais da diferença e infância: relações de poder no
contexto escolar. In: Cadernos Pagu (26), jan./jun. 2006: p.169-199. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30390.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2020.
SIMMEL, Georg. As metrópoles e a vida mental. In: Fidelidade e gratidão e outros textos.
Rio de Janeiro: Relógio D’Água Editores, 2004.
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: O fenômeno urbano. Trad. Otávio
Guilherme Velho. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973. – (Textos básicos de Ciências
Sociais).
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RESUMO: A pesquisa pretende relacionar patrimônio, cidade e sociedade. O poder público tem se
voltado para o centro de São Luís, revitalizando os espaços culturais e históricos, a muito abandonados,
inclusive por esse poder. Marques (2010; 2015) observa que o poder público na figura de seus
representantes tem buscado deixar sua marca na revitalização do centro de São Luís, a exemplo de João
Castelo (Projeto Reviver), Patrimônio Cultural da Humanidade (família Sarney), mas pouco do
prometido se efetivou. Em fins da gestão atual, a Prefeitura de São Luís tem se voltado para a
revitalização, a muito esquecida. Seria mais do mesmo? A pesquisa objetiva comparar o passado e o
presente do Centro Histórico de São Luís em termos histórico-culturais e quanto ao olhar do poder
público, buscando cartografar a dinâmica de revitalização, como das Praças Deodoro e Pantheon e as
atividades turístico-culturais promovidas pela Prefeitura como a Feirinha da Praça Benedito Leite. Faz-
se uma crítica à gestão que esteve à frente da Prefeitura de São Luís desde 2013 e só agora acordou (sic)
para essa e outras questões relacionadas à cidade – por que só agora? Com isso, discutir o potencial que
o Centro Histórico pode oferecer como ganho turístico, reconhecimento como legado cultural,
preservação da memória, por meio da revitalização.
ABSTRACT: The research intends to relate heritage, city and society. The public authorities have
turned to the center of São Luís, revitalizing the cultural and historical spaces, long abandoned, including
by this power. Marques (2010; 2015) notes that the government in the form of its representatives has
sought to leave its mark on the revitalization of the center of São Luís, following the example of João
Castelo (Reviver Project), Cultural Heritage of Humanity (Sarney family), but little of the promised has
come true. At the end of the current administration, the São Luís City Hall has turned to the long-
forgotten revitalization. Would it be more of the same? The research aims to compare the past and the
present of the Historical Center of São Luís in historical-cultural terms and in terms of the government's
view, seeking to map the dynamics of revitalization, such as the Praças Deodoro and Pantheon and the
tourist-cultural activities promoted by the City Hall like the Feirinha in Praça Benedito Leite. A criticism
is made of the management that has been in charge of the São Luís City Hall since 2013 and has only
just woken up (sic) to this and other issues related to the city - why only now? With this, discuss the
potential that the Historic Center can offer as a tourist gain, recognition as a cultural legacy, preservation
of memory, through revitalization.
1 Introdução
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O Caderno “Diretrizes Gerais para o Plano Nacional de Cultura”, quando se refere a diagnóstico,
desafio, política pública, proteção, promoção, do patrimônio artístico e cultural explicita que: