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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Amanda Martinez Lourido

Desvelar o corpo: compreensões sobre corporeidade no


contexto escolar

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

2017
AMANDA MARTINEZ LOURIDO

Desvelar o corpo: compreensões sobre corporeidade no contexto escolar

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada à banca examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em
Educação: Psicologia da Educação, sob orientação da
Profa. Dra. Luciana Szymanski.

SÃO PAULO

2017
BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

______________________________________
Agradecimentos

À orientadora, Luciana Szymanski, por percorrer comigo este caminho, pela


confiança no meu trabalho, por me proporcionar tão rica experiência.

Às Professoras das bancas de qualificação e defesa - Profª Marília Marino e Profª


Rita de Cássia Antunes – pelo cuidado e carinho dos apontamentos e pelas
imensas contribuições a este trabalho, por terem se interessado pelo tema, e
pelos saberes e experiências compartilhados com tanta generosidade.

Ao CNPq, pela concessão da bolsa de estudos.

Aos professores e professoras do programa, pelos conhecimentos e pelas


experiências enquanto pessoas e pesquisadores, gentilmente compartilhados, e
pela contribuição para nossa formação enquanto mestres.

Aos colegas com os quais tive o prazer de percorrer este caminho, em especial
Lia, Eliane, Felipe e Angélica, por terem tornado meus dias nesta grande cidade
muito melhores.

Aos parceiros da EMEF Morro Grande – professoras, professores, estudantes,


funcionários, gestores – pelas ricas contribuições e pela convivência acolhedora.
Em especial, a Fernanda, Luiz, Herica e Elayni, pela confiança mútua, pela
abertura, e pela incrível experiência de diálogo e colaboração.

À minha família, em especial àqueles sem os quais nada seria possível, meus
pais, por acreditarem e contribuírem infinitamente nos meus sonhos. Ao meu
irmão e ao meu parceiro, Daniel e Gustavo, pelas alegrias e pelo apoio que
tornaram este caminho mais leve.
Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo,
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros,
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta

Novos Baianos
RESUMO

LOURIDO, Amanda Martinez. Desvelar o corpo: compreensões sobre


corporeidade no contexto escolar. 2017, 125 p. Dissertação (Mestrado) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

O presente estudo compõe a linha de pesquisa “Panoramas da infância e


adolescência: um estudo fenomenológico sobre práticas psicoeducativas em
instituições”, coordenado pela Profa. Dra. Luciana Szymanski, do grupo de
pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na Família,
Escola e Comunidade (ECOFAM). Realizada em uma escola municipal de
ensino fundamental na periferia da cidade de São Paulo, esta pesquisa teve
como objetivo compreender a corporeidade e seus desdobramentos no contexto
escolar. Esta experiência de pesquisa e intervenção psicoeducativa foi uma
oportunidade para refletir sobre a relação entre Universidade e escola,
permitindo perceber as amplas possibilidades de enriquecimento e
aprimoramento a ambas instituições, além de permitir compreender a
abordagem fenomenológica como facilitadora de um método questionador e com
olhar crítico frente aos desafios da sociedade. Este estudo consiste em uma
pesquisa qualitativa de caráter participante e interventivo, pautada na
abordagem fenomenológica, em especial no pensamento de Merleau-Ponty.
Buscou-se desenvolver uma investigação sobre o corpo junto à comunidade
escolar, a partir de três aspectos: 1. Identificar os modos de manifestação e
expressão da corporeidade no cotidiano, espaços e atividades escolares. 2.
Compreender a relação de educadores com a questão da corporeidade. 3.
Promover um espaço de intervenção-reflexão com as educadoras acerca da
corporeidade e suas possibilidades nas práticas pedagógicas. Os procedimentos
utilizados na pesquisa foram a observação participante e o encontro reflexivo,
proposto por Szymanski, H. A análise se fez a partir da noção de Constelações,
proposta por Szymanski, H, e da compreensão merleaupontiana sobre a
corporeidade e demais aspectos relacionados ao tema. No diálogo com as
educadoras houve críticas à estrutura educacional brasileira, no sentido de
manter práticas segmentadas e controladoras sobre o corpo e o conhecimento
dos alunos. O corpo apareceu como parte da dicotomia cartesiana,
desvalorizado e subjugado a conteúdos e práticas “racionalizadas”. Por outro
lado, as atividades extracurriculares revelam o caráter corporal e a valorização
da experiência que a educação escolar pode proporcionar, apesar de ainda ser
necessária vasta discussão sobre esses aspectos no ambiente escolar, tendo
em vista transformações que compreendam a educação e a aprendizagem
enquanto experiências da existência humana que só podem realizar-se por meio
da corporeidade.

Palavras-chave: fenomenologia; educação; corporeidade; Merleau-Ponty.


ABSTRACT

LOURIDO, Amanda Martinez. Unveil the body: comprehensions about


corporeity in the school context. 2017, 125 p. Dissertation (Master) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2017.

The presente study composes the research line “Childhood and adolescence
panorama: a phenomenological study about psychoeducational practices in
institutions”, coordinated by Professor Dr. Luciana Szymanski, of the research
group on educational practices and psychoeducational attention in the family,
school and community (ECOFAM). Conducted in a municipal elementar school
on the outskirts of São Paulo, this research aimed to understand the corporeity
and its unfoldings in the school context. This experience of research and
psychoeducational intervention was an opportunity to think about the relation
between University and School, allowing to perceive the ample possibilities for
enrichment and improvement for both institutions, also enable to understand the
phenomenological approach as facilitator of a questioning method and with a
critical view when faced with society challenges. This study consists in a
qualitative, participatory and interventional research, based on the
phenomenological approach, especially the Merleau Ponty thought. It’s was
carried out an investigation about the body with the school community based on
three aspects: 1. Identify the ways of manifestation and expression of corporeity
in daily life, spaces and school activities. 2. Understand the relation between
educators and the issue of corporeity. 3. Promote an area of intervention-
reflection with the educators about the corporeity and its possibilities in the
pedagogigcal practice. The procedures used in the research were the participant
observation and the reflective encounter, proposed by Szymanski, H. The
analysis was made from the notion of Constelation, proposed by Szymanski, H.
and from the merleaupontian comprehension about the corporeity and other
aspects related to the theme. In the dialogue with the educators there were
criticisms to the brazilian educational structure, on how to mantain segmented
and controlling practices about the body and the students knowledge. The body
shows up as a part of the cartesian dichotomy, devalued and subjugated to
rationalized contente and practices. On the other hand, the extracurricular
activities reveal the corporal character and the appreciation of experience that
can be provided by school education, although extensive discussion is still
needed about these aspects in the school environment, in view of transformations
that understand education and learning as experiences of human existence that
can only be realized through corporeity .

Key-words: phenomenology; education; corporeity; Merleau-Ponty.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 8
Primeiros passos ............................................................................................ 8
Corpo: um fenômeno a ser investigado ........................................................ 10
A pesquisa .................................................................................................... 15
1. A DICOTOMIA MENTE-CORPO EM PERSPECTIVA .............................. 17
1.1. O paradigma cartesiano e a cisão mente-corpo .................................. 17
1.2. Corpo e controle social ........................................................................ 22
1.3. O corpo como personagem na educação ........................................... 27
2. CORPOREIDADE E EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES À LUZ DO
PENSAMENTO DE MERLEAU-PONTY........................................................... 34
2.1. Corporeidade....................................................................................... 36
3. MÉTODO E ATITUDE FENOMENOLÓGICA NA PESQUISA .................. 43
3.1. Método e rigor em fenomenologia: outras contribuições de Merleau-
Ponty............................................................................................................. 47
3.1.1. “Retornar às coisas mesmas” ....................................................... 52
3.1.2. Redução fenomenológica ............................................................. 54
3.1.3. Intencionalidade ............................................................................ 56
3.2. Contexto da pesquisa.......................................................................... 58
3.2.1. O território ..................................................................................... 58
3.2.2. A escola ........................................................................................ 59
3.2.3. Participantes parceiros ................................................................. 61
3.2.4. Cuidados éticos ............................................................................ 62
3.3. Procedimentos .................................................................................... 63
3.3.1. Observação participante ............................................................... 64
3.3.2. Encontros reflexivos ..................................................................... 70
4. DESVELANDO CORPOS, PALAVRAS E SENTIDOS .............................. 73
4.1. Diário de bordo .................................................................................... 73
4.2. Encontros com as educadoras ............................................................ 75
4.3. Como se desvelam os corpos: análise em foco .................................. 81
4.3.1. “Então, a minha didática quem faz sou eu” - cuidar de ser
professora... .............................................................................................. 84
4.3.2. Experiências de ser professora: um retorno à coisa mesma ........ 90
4.3.3. “E a escola acaba sendo... presa” - desafios de ser professora e
críticas ao mundo escolar vivido ............................................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 110
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 115
ANEXO I ......................................................................................................... 118
ANEXO II ........................................................................................................ 119
ANEXO III ....................................................................................................... 120
ANEXO IV ...................................................................................................... 122
8

APRESENTAÇÃO

Primeiros passos

Diferentes pessoas e experiências encaminharam-me para o que venho


buscar nesta dissertação de mestrado. Cada qual contribuiu ao seu modo para
me ajudar a olhar o mundo da forma como venho fazendo. Este trabalho tem
como tema, a princípio, o corpo, mas fundamentalmente diz sobre a existência
de modo mais amplo. O interesse pelo corpo e suas possibilidades de expressão
e realização repousam em passagens da minha história, as quais me proponho
a contar nas próximas linhas.

Foi na dança que percebi minha relação mais íntima e compreensiva com
meu corpo e suas possibilidades de movimento. Aos 7 anos de idade iniciei
minha formação em ballet clássico na cidade onde morava. Naquela época, meu
interesse maior e minha curiosidade repousavam nos elementos que
compunham aquele universo artístico inteiramente novo para mim.

No meio desse percurso, época da minha adolescência, vivenciei um


período de angústias, incertezas e muitas transformações, chegando a quase
desistir da dança. Talvez as exigências da dança ao meu corpo – extensas horas
de aula, dores musculares, pés machucados - representassem solicitações de
outros aspectos da minha vida com os quais estava aprendendo a lidar.
Superado este momento, tive a oportunidade de viver experiências prazerosas
e descobertas sobre mim mesma por meio da dança.

Os anos finais da minha formação coincidiram com o despertar do meu


interesse por outros estilos de dança, o que fortaleceu ainda mais minha relação
com esta arte e, por consequência, com meu corpo. Ao todo foram 9 anos de
formação básica, seguidos de 4 anos de participações em festivais de dança
pelo estado de São Paulo, e mais 2 anos de algumas poucas aulas. Dancei ballet
clássico, jazz, dança livre e ballet contemporâneo.

Faziam parte deste mundo da dança professoras e professores de


diferentes estilos, que me acompanharam durante os anos em que lá estive, bem
como colegas e amigas com quem compartilhei histórias, vivências, prazeres e
desprazeres que ali havia.
9

Noutro lugar a dança não era possível. Não era uma prática ou lazer da
minha família e amigos, e na escola simplesmente não havia momento para
qualquer manifestação do meu corpo e dos meus colegas. Os espaços e as
atividades escolares, na maior parte do tempo, não contemplavam e muitas
vezes não permitiam aquilo que eu vivia tão intensamente com meu corpo na
dança.

Ainda assim, a escola promovia atividades “extracurriculares” que me


foram muito prazerosas e se tornaram boas lembranças do período escolar. Sem
propostas intencionais de valorização da questão do corpo e do movimento,
estes eventos permitiam a mim e aos meus colegas experimentar novas formas
de nos expressar cultural e artisticamente. Foram desfiles, passeio de bicicleta
da primavera, gincana do livro, gincana esportiva, apresentações teatrais, e,
nestas oportunidades, eu e meu corpo, meu eu-corpo, deliciavam-se.

Entretanto, por ter sido a dança a via que encontrei para manifestar minha
corporeidade1, acreditava que tudo aquilo que se relacionava ao meu corpo só
era possível em salas espelhadas, com música alta e barras de ferro nas
paredes. Por muito tempo não percebi possibilidades de me expressar
corporalmente em outros momentos e situações da minha vida. Aos poucos fui
percebendo que a dança não era para mim uma prática, mas sim uma
possibilidade de ser e apreender o mundo ao meu redor. Busquei, a partir de
então, encontrar este modo de ser nas escolhas que fui fazendo ao longo da
minha vida.

A Psicologia entra nas cenas da minha vida, e com ela dois


acontecimentos passaram a nortear minhas escolhas nesta profissão. Conheci
a abordagem fenomenológica-existencial que, com sua linguagem poética e seu
modo sensível de compreensão da existência e das possibilidades humanas,
inaugurou em mim uma busca pela compreensão de mundo a partir desta
abertura.

Conheci também uma escola e sua fundadora, que realizava uma


proposta educacional atenta à existência dos alunos como seres no mundo,

1
Conceito cunhado por Merleau-Ponty, a ser explicitado no tópico seguinte.
10

valorizando o brincar, o uso das artes e da música (em especial) como


experiências que ampliam a abertura do ser em relação ao mundo e aos outros.

Na dinâmica desta escola e a partir de suas práticas com os alunos,


professoras e famílias, pude perceber que a instituição buscava estreitar as
relações entre a família e a escola, demonstrando que o contexto escolar está à
serviço da vida, das relações entre as pessoas e do modo como se vive no
mundo.

Ao privilegiar o corpo dos alunos nas atividades e propostas, esta escola


parecia compreender a relação indissociável entre ser humano e mundo, e o
quanto esta relação se dá pelo corpo. As artes e o contato com a natureza eram
utilizados como instrumentos de mediação da aprendizagem dos alunos, além
de serem oferecidos também, em outras situações, como lazer e fruição.

Com as famílias a abordagem era a mesma: sua contribuição não era


apenas financiando eventos e atividades. As famílias eram convidadas a
confeccionar artigos a serem vendidos nos bazares, ajudar na decoração das
festas e também eram personagens em teatros e apresentações culturais
promovidas pela escola. Novamente, esta escola chamava sua comunidade a
estar presente “de corpo e alma”.

Meu encontro com esta escola inspirou em mim a busca por modos de
fazer educação que fossem “integrais”, o que exige e possibilita maneiras mais
criativas de estar na escola, tanto para alunos quanto para professores. A
tentativa de dar conta deste compromisso comigo mesma foi o que me trouxe ao
mestrado em Educação: Psicologia da Educação, na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.

Corpo: um fenômeno a ser investigado

Uma vez mestranda, tento dar sentido à minha busca aliando o


pensamento fenomenológico, em especial de Merleau-Ponty, a uma discussão
sobre o corpo e a corporeidade. Aos poucos, foi surgindo uma inquietação que
unia as dimensões da psicologia, da educação e do corpo, e que com a ajuda da
minha orientadora e dos meus colegas orientandos, culminou no problema que
11

esta pesquisa se propõe a investigar: Como o corpo é compreendido no


contexto escolar?

Ao fazer este questionamento, consideramos a escola como o lugar


próprio da aprendizagem, da convivência e da percepção de si e do mundo,
sendo o corpo e a corporeidade modos de vivenciar as experiências que se dão
neste espaço.

Corporeidade é aqui considerada o elemento mediador entre o eu e o


mundo, as pessoas, as coisas e si mesmo, em outras palavras, instrumento de
realização da existência humana. Machado (2010, p. 35), inspirada em Merleau-
Ponty, indica que a corporalidade2 “implica estar vivo, ter um eu, sentir-se um eu
– algo vivenciado e completado muito aos pouquinhos, algo nunca plenamente
situado ou satisfeito.” Estas questões serão discutidas em profundidade no
capítulo 2.

Entretanto, a escola na forma como se apresenta atualmente demonstra


uma tendência à valorização de relações que privilegiam a dimensão cognitiva,
a partir de uma visão dicotômica entre mente e corpo, em que a corporeidade
ocupa um lugar menos privilegiado em relação à “racionalidade”. A partir de tal
inquietação, surge a proposta desta pesquisa em investigar as compreensões
que se fazem sobre o corpo e a corporeidade na escola, tendo em vista buscar
formas de superação da dicotomia acima referida.

As propostas pedagógicas atuais, influenciadas pelo discurso filosófico


pós-modernista, anunciam a busca por superar a lógica e a racionalidade
iluministas por meio da tentativa de implantação de práticas interdisciplinares,
reorganização curricular e espacial do ambiente escolar. Para Gaya (2006, p.
251):

Todavia, paradoxalmente, é nessa mesma escola e no âmbito


dessa mesma pedagogia que o paradigma do racionalismo
iluminista inspirador de uma educação intelectualista
permanece, entre outras evidências, assumindo a herança
cartesiana que concebe o corpo como simples extensão da
mente.

2
A autora opta pelo termo corporalidade como uma possibilidade de tradução da obra de
Merleau-Ponty. Entretanto, corporalidade e corporeidade referem-se ao mesmo fenômeno aqui
estudado.
12

A forma dicotômica como a escola lida com seus alunos possui bases
históricas e filosóficas, que remontam aos primórdios da educação. Buss-Simão
et al (2010), fazem uma reflexão acerca da infância e do corpo na educação a
partir da dicotomia entre as dimensões de natureza e cultura. Acentuam que a
temática corpo e infância vem sendo estudada de forma segmentada,
privilegiando ora as perspectivas biológicas, ora as sociológicas e culturalistas.
Esta abordagem cindida do tema negligencia a atenção aos aspectos inter-
relacionais entre estas duas visões.

Os autores ressaltam que no Brasil as pesquisas sobre corpo e infância


são, em sua maioria, na área das ciências naturais e biológicas, fomentadas
principalmente com o movimento higienista. Esta tendência acentua o suposto
privilégio da dimensão da natureza em relação à cultura, polarizando a discussão
e deixando escapar a interação entre estas dimensões.

[...] o eixo civilizatório constituído no ocidente nos coloca sob


uma hegemonia epistêmica que se caracteriza, entre outras
coisas, por uma concepção dualista na análise dos fenômenos.
Ao não considerar que a complexidade presente no real
extrapola os dualismos, tais análises acabam impondo limites
significativos tanto no âmbito da pesquisa quanto no âmbito das
intervenções sociais, entre as quais aquela que nos instiga: o
âmbito da educação. (BUSS-SIMÃO et al, 2010, p. 158)

Para Nóbrega (2005), os estudos de Merleau-Ponty acerca da percepção


e da corporeidade ampliam o entendimento sobre o processo de conhecer do
ser humano. Acredita que a experiência vivida se dá pela via da corporeidade,
pois no mundo o homem é um corpo, ele não possui um corpo.

A percepção é o fundamento do fenômeno do conhecer. Considerar a


corporeidade como veículo da aprendizagem revela a dimensão existencial do
conhecer, e não ‘racional’, pois “A cognição depende da experiência que
acontece na ação corporal” (NÓBREGA, 2005, p. 606). Assim, percepção e ação
– veículos do conhecimento - são indissociáveis da cognição.

A perspectiva do conhecimento por meio do intelecto reduz as


possibilidades humanas de conhecer o mundo. Neste sentido, a compreensão
da percepção como modo de acesso ao conhecimento permite uma nova
13

abordagem dos temas relacionados à educação, ciência e conhecimento. Assim,


a ciência pode superar seus esforços de ordenação linear dos acontecimentos
no mundo para passar a atribuir sentido aos fenômenos.

Para Nóbrega (2005), questionar sobre o lugar do corpo na educação diz


respeito ao modo como o corpo foi compreendido no currículo e atividades
escolares, bem como sua função na apropriação de saberes e formação dos
educandos. Esta consideração nos faz perceber que o corpo não é considerado
instrumento de acesso e apreensão do conhecimento. Entretanto:

Ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar são produções do


sujeito humano que é corpo. Desse modo, precisamos avançar
para além do aspecto da instrumentalidade. O desafio está em
considerar que o corpo não é instrumento para as aulas de
educação física ou de artes, ou ainda um conjunto de órgãos,
sistemas ou o objeto de programas de promoção de saúde ou
lazer. (NÓBREGA, 2005, 610)

Buss-Simão et al (2010, p. 160) propõem: “[...] conceber as crianças e


seus corpos como potencialidades, e não mais como uma natureza que precisa
ser ‘controlada’ e moldada.” A tendência modeladora e controladora da
educação, que se reflete nas práticas escolares, visa fazer dos educandos –
sejam crianças ou adultos – algo que eles não são. Em outras palavras, a
educação modifica as pessoas para que elas se tornem algo que não
necessariamente elas mesmas.

Transformar a visão da escola sobre os educandos implica mudar suas


práticas em função de fazer com que seus alunos encontrem seu vir-a-ser, suas
possibilidades de ser, e não interromper este processo e implantar um outro.

Não negamos que o objetivo de inserção no conhecimento já


elaborado pela humanidade seja um objetivo válido, mas
insistimos na necessidade de se pensar propostas educativas
nas quais os modelos de socialização deem espaço à
participação efetiva das crianças, de forma que elas possam
constituir-se como sujeitos de direitos ativos. Em outras
palavras, insistimos na importância fundamental, para a
constituição de um mundo melhor, mais justo, solidário e feliz,
que o processo de socialização que ocorre por meio da
educação deixe de ser vertical e impositivo, deixe de ser tão
14

marcado, como tem se caracterizado [...] (BUSS-SIMÃO et al,


2010, p. 162)

Neste sentido, há o desafio em superar, por um lado o uso instrumental


do corpo na educação, e por outro as práticas educacionais de controle sobre o
corpo. A preocupação com a motricidade e os cuidados com o corpo não podem
estar restritos a disciplinas específicas, mas sim, como aponta Nóbrega (2005),
permear todas as práticas que tem como foco a aprendizagem.

A proposta de evidenciar o corpo na escola tem como objetivo fazer com


que se considere o ser humano como um ser corporal. Nóbrega (2005, p. 610)
explica que:

Nosso corpo traz marcas sociais e históricas, portanto questões


culturais, questões de gênero, de pertencimentos sociais podem
ser lidas no corpo. Por que não incluir nessa agenda, para além
do controle dos domínios de comportamentos observáveis, a
questão dos afetos e desafetos, dos nossos temores, da dor e
do medo que nos paralisa ou nos impulsiona, do riso e do choro,
da amargura, da solidão e da morte? Note-se que falo em incluir
questões significativas que atravessam nosso corpo, que nos
sacodem, que nos revelam e que nos escondem. Não se trata
de incluir o corpo na educação. O corpo já está incluído na
educação. Pensar o lugar do corpo na educação significa
evidenciar o desafio de nos percebermos como seres corporais.

Nóbrega (2005) indica que compreender e conviver com as sensações e


o caráter efêmero da corporeidade humana é um grande desafio para a
humanidade e, em especial para as ciências ocidentais. O conceito de civilização
é associado à dominação da natureza, e o corpo, neste sentido, é considerado
uma natureza a ser dominada, por conta de sua dimensão física.

A agenda do corpo na educação e no currículo deverá


necessariamente alterar espaços e temporalidades,
considerando o ato educativo um acontecimento que se
processa nos corpos existencializados e é atravessado pelos
desejos e pelas necessidades do corpo e que, seguramente, não
é propriedade de nenhuma disciplina curricular, mas que pode
oferecer-se, não sem resistência, como projeto de inusitadas
colaborações nesse espaço e tempo da educação que
compreendemos como currículo. (NÓBREGA, 2005, p. 613)
15

Neste sentido, nossa pesquisa pretende contribuir para a discussão sobre


o tema do corpo na escola com as contribuições do pensamento fenomenológico
de Merleau-Ponty sobre a corporeidade, articulando Psicologia e Educação,
tendo como objetivo compreender o corpo e a corporeidade no contexto escolar.
Assim, buscamos superar a percepção e as consequentes práticas escolares
dicotômicas, permitindo vislumbrar novas possibilidades de ensino e
aprendizagem que já vêm sendo praticadas em algumas instituições escolares.

A pesquisa

O presente estudo se insere no projeto “Panoramas da infância e


adolescência: estudo fenomenológico sobre ações psicoeducativas em
instituições”, coordenado pela Profa. Dra. Luciana Szymanski, que compõe o
grupo de pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na
Família, Escola e Comunidade (ECOFAM). Realizada numa escola municipal de
ensino fundamental da cidade de São Paulo, nossa pesquisa insere-se na
comunidade escolar em questão junto com outras pesquisas que abordam
diferentes aspectos do cotidiano escolar.

O interesse por estudar o corpo no contexto escolar deu-se por aspectos


pessoais que constituem minha história de vida, mas a elaboração e definição
do problema desta pesquisa, bem como de seus objetivos, foi realizada junto aos
protagonistas da comunidade escolar envolvidos neste processo de
investigação, em reuniões, observações e conversas informais. Esta produção
conjunta dá-se pelo caráter participante desta pesquisa, aspecto que será
discutido no capítulo 3.

Assim, a questão e os objetivos que norteiam esta pesquisa são os


seguintes:

Problema: Como o corpo é compreendido no contexto escolar?

Objetivo geral: Compreender a corporeidade e seus desdobramentos no


contexto escolar.

Objetivos específicos: 1. Identificar os modos de manifestação e


expressão da corporeidade no cotidiano escolar. 2. Promover um espaço de
16

intervenção-reflexão com as educadoras acerca da corporeidade e suas


possibilidades no contexto escolar. 3. Compreender a relação das educadoras
com a questão da corporeidade.

Na busca de promover um espaço de diálogo e reflexão com as


educadoras da escola que participou da nossa pesquisa e com a realização
desta intervenção, tivemos o intuito de ampliar a compreensão desse grupo
acerca da questão da corporeidade no contexto escolar, tendo em vista fortalecer
as propostas e práticas de valorização da corporeidade presentes na prática
educativa destas professoras, bem como as atividades culturais e de expressão
da corporeidade que já são realizadas nesta escola.

Pretendemos contribuir para a compreensão do fenômeno da


corporeidade no contexto escolar a partir da divulgação das práticas corporais
promovidas pela instituição participante deste estudo e da reflexão crítica das
educadoras sobre esta questão. Para isso, realizamos um estudo que se
desenvolveu no seio da escola, com a intervenção e participação de alunos,
professoras e gestores.

Ao abrirmos um espaço de reflexão sobre a questão do corpo na escola


junto às educadoras pudemos desvelar novos sentidos para este fenômeno, o
que possibilita novas discussões que podem suscitar novas pesquisas e
investigações sobre este tema que carece de atenção.
17

1. A DICOTOMIA MENTE-CORPO EM PERSPECTIVA

Para compreender a questão do corpo na escola decidimos fazer uma


leitura sobre correntes filosóficas que fundamentam estruturas e práticas
presentes até os dias atuais nas escolas, em especial o pensamento de
Descartes (1596-1650). Apresentamos também um contraponto crítico ao modo
como as escolas e os sistemas educacionais tem funcionado e atuado
socialmente ao longo do tempo, com as contribuições de Foucault (1926-1984).
Por fim, fazemos uma reflexão junto a algumas pesquisas na área da educação
que revelam como o corpo vem ocupando os diferentes espaços nas escolas.

1.1. O paradigma cartesiano e a cisão mente-corpo

Descartes elabora sua proposta filosófica inspirado pela crescente cultura


renascentista do período em que viveu, com o intuito de fundar uma nova ciência,
substituindo as formas de conhecimento vigentes por um novo sistema de
pensamento.

Nesta época, século XVII, a cultura de conhecimento dominante era a


chamada “escolástica”, que vinha aos poucos perdendo sua hegemonia. O
crescente enfraquecimento da autoridade religiosa abriu espaço para que a
cultura de conhecimentos baseados na fé cristã fosse enfrentada, movimento
que se expandiu para os saberes científicos e filosóficos. Era necessária uma
nova forma de produção de conhecimento, e as diversas áreas do saber foram
tocadas por este movimento. (SANTIAGO, 2005)

É neste clima de mudanças emergentes que surgem as primeiras


propostas de Descartes, com a obra “Meditações metafísicas”, em 1641. Nesta
obra, Descartes propõe um mergulho às raízes filosóficas, buscando superar e
suspender de seu pensamento todo o conhecimento produzido até então, em
especial os conhecimentos advindos da tradição escolástica.

Na dúvida acerca dos conhecimentos previamente estabelecidos surge o


fundamento do cartesianismo:
18

Aliás, é por meio da dúvida, tornada metódica e aos olhos de


Descartes conduzida ao limite, que o cartesianismo ganha um
dos seus traços mais distintivos. Se de fato sua tarefa maior é a
refundação, então convém preparar o terreno fazendo tábula
rasa das opiniões antigas, livrando-se assim dos preconceitos
que obstam o bom uso da razão humana. (SANTIAGO, 2005, p.
15)

O percurso reflexivo que leva à dúvida metódica se inicia com a suspeita


acerca das informações e conhecimentos advindos dos sentidos. Descartes
(1641/2005)3 afirma que tudo o que conheceu até então era fornecido pelos
sentidos, mas pôde perceber que algumas destas informações confirmaram-se
falsas após melhor investigação. Isto o levou a duvidar daquilo que os sentidos
lhe ofereciam.

Dessa forma, percebeu que não apenas os sentidos, mas tudo aquilo que
pertence ao mundo físico, ao qual denominou res extensa – coisas, corpos,
sensações – são passíveis de dúvida. Por outro lado, a res cogitans - a razão
pura, o pensamento em essência, o espírito – sempre se orienta pela razão, pois
não parte de elementos sensíveis e, portanto, apresenta maior veracidade.

Pois, esteja eu acordado ou dormindo, dois e três juntos sempre


formarão o número cinco e o quadrado nunca terá mais de
quatro lados; e não me parece possível que verdades tão
aparentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou
incerteza. (DESCARTES, 2005, p. 35)

Assim, considera a física, a medicina, a astronomia e as demais ciências


que dependem do mundo sensível (res extensa) como incertas e passíveis de
dúvidas, uma vez que seu objeto de conhecimento é instável. Já as ciências
exatas, como a geometria e a aritmética, que não precisam provar sua existência
no mundo sensível, possuem alguma certeza, uma vez que tratam de questões
mais gerais e simples.

3
A obra original “Meditações metafísicas” foi publicada originalmente em 1641, e o exemplar
utilizado como base teórica para nossa pesquisa data de 2005. Nas referências a esta obra que
se seguirão ao longo deste texto a data que aparecerá junto ao nome do autor será a do exemplar
utilizado para a realização deste estudo. Adotamos este modo de apresentação das referências
ao longo de todo este trabalho.
19

A esta questão dos sentidos serão somadas outras desconfianças, como


a situação enganadora dos sonhos e a possibilidade da existência de um Deus
enganador e maligno, que levarão Descartes a adotar a dúvida como método de
investigação.

Esforçar-me-ei, não obstante, e seguirei mais uma vez a mesma


via em que entrara ontem, afastando-me de tudo aquilo em que
possa imaginar a menor dúvida, tal como se eu soubesse que
isto fosse absolutamente falso; e continuarei sempre nesse
caminho até que tenha encontrado algo de certo ou, pelo menos,
se não puder outra coisa, até que tenha aprendido certamente
que não há nada de certo no mundo. (DESCARTES, 2005, p.
41)

Por meio deste instrumento metodológico que se inaugura em seu


pensamento, – a dúvida metódica - Descartes (2005) inicia o processo de colocar
em dúvida tudo aquilo que lhe foi possível saber até então pela via dos sentidos
– o mundo, as coisas, seu próprio corpo e a si mesmo – desconstruindo todo o
pensamento e a lógica sobre a qual baseava sua existência e a existência do
mundo. A partir daí faz um questionamento fundamental - quem sou eu? - que
culminará na famosa fórmula Penso, logo existo, nas obras “Discurso do método”
e “Princípios da filosofia”.

Descartes (2005) tentou identificar em si os atributos corporais e afirma


não ter sido capaz de se assegurar de nenhum deles. Passa, então, a refletir
sobre os atributos da alma, chegando a seguinte conclusão:

[...] e noto aqui que o pensamento é um atributo que me


pertence. Só ele não pode ser desprendido de mim. Eu sou, eu
existo: isto é certo [...]. Ora, eu sou uma coisa verdadeira e
verdadeiramente existente; mas que coisa? Disse-o: uma coisa
que pensa. (DESCARTES, 2005, p. 46)

Descartes (2005) identifica que a certeza de sua existência não depende


de nada além da própria razão, ou seja, mesmo que não consiga provar a
existência das coisas corporais, ainda sim a existência de si mesmo enquanto
alguém que pensa, pois duvida, é assegurada.
20

Assim, chega a seguinte afirmação: “Mas o que sou então? Uma coisa
que pensa. O que é uma coisa que pensa? Isto é uma coisa que duvida, que
concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina e que
sente.” (DESCARTES, 2005, p. 47-48) Estas ações relacionadas ao pensamento
são consideradas como modos de pensar que se unificam no ser pensante.

Ao afirmar-se como uma “coisa que pensa”, Descartes (2005) busca,


então, compreender o mundo sensível. Identifica que as coisas materiais são
aquilo que o pensamento apreende enquanto conceito, ou seja, são a abstração
que se faz das coisas, e não aquilo que os sentidos ou a imaginação produzem
sobre sua aparência. O pensamento e a razão permitem que se conceba as
coisas materiais para além de sua imagem.

Esta compreensão decorre de Descartes (2005) considerar os corpos das


coisas como substâncias flexíveis e mutáveis, que dificultam a apreensão de
uma concepção única sobre eles e, por isso, não se pode assegurar um
conhecimento estável. Assim, a identidade dos corpos e das coisas materiais se
dá pelo pensamento, que produz um conceito estável e único das coisas,
podendo ser aplicado independente da forma como essa coisa aparece aos
sentidos.

Neste sentido, o corpo é dispensável às atividades de conhecer e pensar,


pois por meio da razão é possível produzir conceitos e entendimentos e, mesmo
que não se tenha certeza da existência do mundo e das coisas, é certo que existe
uma “coisa pensante”, pois o ser humano pensa, sente e duvida.

Descartes (2005) identifica que o “ser pensante” (res cogitans) é


composto por uma substância distinta e mais perfeita do que as coisas corporais
(res extensa). Assim, a razão pode ser a causa das sensações e percepções do
mundo sensível e das coisas corporais, pois possui em si sua eminência.

Desta forma, compreende-se que não são as sensações ou percepções


que fornecem informações sobre o mundo sensível, mas sim o pensamento que
produz concepções a respeito deste mundo. Desta forma, Descartes (2005, p.
118) afirma que: “[...] é certo que esse eu, ou seja, minha alma, pela qual sou o
que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e pode ser ou existir
sem ele.”
21

Admitindo a existência das coisas corporais (res extensa) e sua distinção


e subordinação à razão (res cogitans), Descartes (2005) retoma a questão dos
sentidos e das sensações. Conclui que, apesar da natureza corruptível e fugaz
das percepções fornecidas pelos sentidos, há certa verdade em suas
demonstrações e, aquilo que porventura se mostrar equivocado pode ser
corrigido pelas faculdades mentais da razão, uma vez demonstrada excelência
da substância do pensar sobre a dos sentidos.

A partir desta reflexão, Descartes (2005) concebe o ser humano como a


unidade que se forma na fusão entre espírito (res cogitans) e corpo (res extensa).
Identifica, assim: “[...] que não estou somente alojado em meu corpo, assim como
um piloto em seu navio, mas, além disso, que lhe sou estreitamente conjunto e
tão confundido e misturado que componho como que um único todo com ele.”
(p. 122)

Entretanto, apesar desta conjunção entre o corpo e o espírito que permite


sentir, perceber e compreender o mundo ao redor, é ainda ao espírito (razão)
que compete conhecer “o real” e a verdade das coisas, bem como promover
julgamentos sobre as percepções advindas dos sentidos. Assim, a razão
mantém sua dominação sobre o corpo e, consequentemente, sobre o ser de
cada humano.

Além disso, Descartes (2005) faz outra distinção entre o espírito e o corpo,
identificando que o corpo é composto por partes, enquanto o espírito é uno. É
possível ter algumas partes do corpo subtraídas sem que isso afete a razão,
entretanto, a razão quando retirada acaba por anular o ser e a existência do
corpo por inteiro.

Percebemos que ao longo de seu discurso nas “Meditações metafísicas”


Descartes se refere ao “espírito” como eu e ao corpo como outro, algo externo e
alheio a si mesmo, fazendo-nos compreender o sentido existencial que os
conceitos de res cogitans e res extensa tiveram para o filósofo: a razão é a
essência do meu ser; sou algo que pensa e meu corpo é uma extensão de mim
mesmo.

Não obstante sua contribuição ao pensamento filosófico e da vasta


adesão das ciências às suas ideias até os dias de hoje, Descartes não inaugura
22

a noção da cisão mente-corpo, apesar do conceito “dicotomia cartesiana”


conferir-lhe todo o crédito por tal compreensão. Sua contribuição se deu no
sentido de sistematizar esta questão acerca do ser humano que já vinha em
discussão no campo da filosofia desde seus primórdios.

1.2. Corpo e controle social

Por volta do século XVII e XVIII, percebeu-se que o corpo poderia ser
utilizado como objeto passível de manipulação e alvo de interesses de poder. Ao
mesmo tempo em que podia ser manipulado e treinado, também era possível
controlar e submeter o corpo. As técnicas de controle e aperfeiçoamento das
habilidades corporais foram exploradas inicialmente na área militar, mas
rapidamente foram difundidas na educação, nas instituições hospitalares e na
área industrial. (FOUCAULT, 1975/2014)

Ao caráter manipulável, moldável, treinável, obediente e hábil do corpo


humano, Foucault (2014) chamou “corpos dóceis”, definindo-os da seguinte
forma: “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que
pode ser transformado e aperfeiçoado.” (p. 134).

Apesar da exploração da ideia dos corpos dóceis na “Época Clássica”, os


corpos sempre foram submetidos a regimes limitantes que impõem obrigações
e punições nas diversas sociedades e governos, controlados por dispositivos de
poder que manipulam pessoas e seus corpos em nome de interesses próprios.
(FOUCAULT, 2014)

Mondardo (2009) reitera a ideia de Foucault, afirmando que o corpo, por


ser o lugar onde as relações humanas se originam, foi também percebido e
utilizado como “primeiro território” de controle e dominação dos indivíduos. A
ideia do corpo como primeiro território humano, utilizada nos séculos XVII e XVIII
para disciplinar as pessoas por meio do treinamento e controle de seus corpos,
transformou-se no controle das massas populacionais nos séculos XIX e XX,
tendo como finalidade o controle da vida das pessoas, mas do que de seus
corpos.
23

Neste sentido, entendemos que o controle dos corpos se dá para


controlar a forma de produzir as relações e, portanto, a própria
direção que a vida dos seres humanos toma. Para o controle do
território são controlados os corpos, para o controle das massas
controla-se a vida através do biopoder. (MONDARDO, 2009, p.
02-03)

O corpo como elemento fundamental do ser humano é produtor de


relações, de espaços e territórios para sua locomoção e permanência. Ao
mesmo tempo, o corpo também é produto do espaço que habita, transformando-
se de acordo com as solicitações e imposições do meio. Esta característica plural
e maleável do corpo permite a criação de territórios, ou seja, espaços delimitados
de poder de um corpo, que podem reproduzir as ideologias e as relações de
poder que permeiam o mundo a seu redor. (MONDARDO, 2009)

Estes territórios não são apenas espaços físicos, mas também práticas,
hábitos, ideias e rotinas que vão ocupando os territórios individuais de cada
pessoa. O que determina a criação destes territórios de dominação, segundo
Mondardo (2009), é a classe burguesa, por meio do poder do Estado. Neste
sentido, a movimentação e ação dos corpos passa a ser utilizada como
estratégia de controle das pessoas, por meio de regras, normas e leis.

Portanto, a ação do poder sobre o corpo atua para a


normatização do comportamento, a partir do adestramento e da
imposição na forma de movimento dos sujeitos. [...] As ações
dos corpos devem ser enquadradas dentro de regras e de
normas impostas pelos territórios, que também, devem
transparecer ideologicamente para o controle, a forma cada vez
mais “natural” da imposição e do ordenamento, para se
apresentarem, dessa maneira, como “normais”, como “naturais”
e para o “bem comum” da sociedade. (MONDARDO, 2009, p. 4)

Foucault (2014) chama de “disciplinas” o conjunto de técnicas e


modalidades utilizadas para, por meio da coação constante, tornar um corpo
dócil e útil. A mecânica e a eficácia dos movimentos são exploradas ao máximo,
tendo em vista ampliar e aprimorar as habilidades corporais, sendo importante
todo o processo de execução de uma tarefa, e não apenas seu resultado. As
disciplinas ocupam-se não apenas dos movimentos do corpo, mas do tempo e
do espaço que envolvem sua execução.
24

Apesar de já serem utilizadas, nos séculos XVII e XVIII as disciplinas


passaram a servir como “fórmulas gerais de dominação”, sendo aperfeiçoadas a
cada nova descoberta. Foucault (2014, p. 135) descreve a relação entre as
disciplinas e o controle político:

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce


uma arte do corpo humano, que visa [...] à formação de uma
relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente
quanto é mais útil, e inversamente. [...] O corpo humano entra
numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o
recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente
uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se
pode ter domínio sobre o corpo dos outros [...]. A disciplina
fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”.

No corpo é descoberto um potencial realizador, que permite


aperfeiçoamentos diversos, mas também a utilização destas habilidades para o
controle de suas próprias ações. O caráter impositivo destes exercícios e
habilidades adquiridas pelo corpo fazem com que as pessoas fiquem sujeitas à
manipulação externa, ou seja, ao mesmo tempo em que os exercícios habilitam
o corpo, também o controlam.

A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos


de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos
de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo;
faz dele por um lado uma “aptidão” uma “capacidade” que ela
procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência
que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição
estrita. [...] a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo
coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação
acentuada. (FOUCAULT, 2014, p. 135-136)

Neste trecho, Foucault utiliza a figura do soldado para ilustrar um corpo


hábil e poderoso, mas ao mesmo tempo submisso. Esta compreensão acerca
das possibilidades de disciplinar o corpo foi sendo aperfeiçoada de acordo com
os interesses das instâncias de poder, e em cada área foi tomando
características específicas, mas todas com o mesmo objetivo de utilizar as
habilidades dos corpos e sujeitar grupos de pessoas a interesses políticos.
25

As disciplinas insidiam sobre o tempo e os espaços ocupados pelos


corpos. Os lugares são determinados, específicos, demarcados, tanto para o
grupo, quanto para os indivíduos que participam de determinado grupo. O sujeito
encontra-se localizado para ser vigiado e, assim, controlado.

É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o


desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação
difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de
antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração. Importa
estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como
encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis,
interromper as outras, poder a cada instante vigiar o
comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as
qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para
conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço
analítico. (FOUCAULT, 2014, p. 140)

Sobre o controle do tempo e do espaço, aponta Mondardo (2009, p. 5):

A importância de distribuir através das divisões do território feito


através do Estado é uma maneira de poder atuar mais
firmemente no planejamento de controle, de imposição de
regras, de formas de coerção e de controle dos corpos. Controle
através do tempo e do espaço, controle dos territórios criados
pelas instituições do Estado e pelos corpos da sociedade.

As instituições, neste sentido, são fundamentais no sistema de controle e


dominação dos “sujeitos-corpos”, pois atuam como instrumento de multiplicação
destas práticas, além de naturalizar as ideias e valores da classe dominante, por
meio de discursos e saberes. (MONDARDO, 2009)

Todos os espaços, além de permitirem a vigilância e controle constante


das pessoas, passaram a ser utilizados para alguma finalidade específica.
Nenhum espaço pode ficar sem utilidade. As pessoas devem ocupar os espaços
de forma ordenada: surgem as organizações por fila. De acordo com Foucault
(2014, p. 144):

A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a


grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar:
filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação
atribuída a cada um em relação à cada tarefa e cada prova;
colocação que ele obtém de semana em semana, de mês em
26

mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas


depois das outras; sucessão de assuntos ensinados, das
questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente.

A lógica de ordenação por filas sequenciais passou a determinar a


organização escolar para além dos corpos dos estudantes, habitando os
currículos e a formação escolar de modo global. Foucault (2014, p. 144) identifica
os efeitos deste novo advento na educação:

A organização de um espaço serial foi uma das grandes


modificações técnicas do ensino elementar. [...] Determinando
lugares individuais tornou possível o controle de cada um e o
trabalho simultâneo de todos. Organizou uma nova economia do
tempo de aprendizagem. Fez funcionar o espaço escolar como
uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar,
de recompensar.

O tempo, no uso das disciplinas, também precisou ser otimizado, tornando


cada segundo fundamental e passível de utilidade. Exatidão, aplicação e
repetição passam a ocupar os tempos na escola. Tal atitude fez povoar a rotina
escolar com sinetas e apitos que anunciam o início e o fim de cada momento do
dia.

A gestão do tempo na escola, tendo em vista o controle sobre os alunos,


fez com que, além dos espaços esquadrinhados e restritos, os alunos também
fossem limitados pelo tempo, tendo de obedecer e se adequar a um chronos4
soberano, sendo o tempo de cada um extinguido daquele espaço.

A determinação quanto ao uso de objetos também obedece à lógica do


controle, pois são criados modos específicos, por exemplo, de manusear o lápis,
que incide sobre a caligrafia e assim por diante. Surgem daí a obrigatoriedade
por escrever com a mão direita, por segurar o lápis de uma tal forma e por
reproduzir a escrita de um modo específico, por exemplo.

De acordo com Mondardo (2009), as estratégias de controle e dominação


dos corpos visavam, além do controle dos hábitos e do adestramento das
pessoas, a naturalização destes mesmos instrumentos. Desta forma, a

4
Palavra de origem grega que se refere ao tempo em sua dimensão cronológica (segundos,
minutos, horas, dias, meses, anos, séculos).
27

mobilidade não é proibida, mas sim limitada e controlada por regras e


imposições.

O controle e a dominação dos corpos, de caráter mecânico e disciplinar


nos séculos XVII e XVIII, passa a incidir sobre a dimensão existencial da vida
das pessoas nos séculos XIX e XX. Mondardo (2009) afirma que o interesse das
instâncias e classes de poder passa a ser o controle dos modos de vida das
pessoas, seus desejos, vontades e aspirações, com o intuito ainda de manter as
relações de poder e dominação de uma classe sobre outra.

Neste sentido, a produção de determinados saberes ajuda a manter,


perpetuar e legitimar a lógica de dominação vigente. As instituições militares e
escolares têm importante protagonismo neste sentido, servindo como
instrumentos de produção de conhecimentos de interesse das classes
dominantes.

É através do microespaço, isto é, dos cemitérios, asilos, das


prisões, da escola, do exército etc., que são expressadas pelo
conjunto de arranjos espaciais para disciplinar a manter a ordem
dos corpos. A ordem disciplinar sobre os corpos impõe formas
de convivência espacial através dos modos de convivência
cotidiana. (MONDARDO, 2009, p. 8)

A ideia de corpo como primeiro território de dominação confere ao corpo


a imagem de território que contém vida e existência, e portanto, é passível de
dominação por alguém que pretende ter domínio e controle sobre esta
determinada “coisa” que o território-corpo contém.

1.3. O corpo como personagem na educação

A Era Renascentista inaugurou uma mudança nos interesses da


sociedade ocidental, e a educação do corpo, como aponta Nóbrega (2005),
passou a ocupar espaço significativo nas ideias pedagógicas daquela época. Os
comportamentos, gestos e atitudes eram considerados expressão do “ser
interior” das pessoas e, portanto, deveriam ser bem treinados e modulados a fim
de transmitir uma boa impressão a respeito de si.
28

As regras diziam da apresentação do corpo, do vestir, do andar,


do olhar, dos gestos, das refeições e do portar-se à mesa, dos
encontros, de como se dirigir aos mais velhos, do dormir e do
jogo. Essas regras eram provenientes da cultura oral e foram
transformadas em livro escolar, uma compilação de regras de
comportamento, de regulações da vida social. (NÓBREGA,
2005, p. 601)

Com o iluminismo, inaugura-se na educação a ideia de dominar o corpo e


suas expressões, a fim de fazê-lo servir à aquisição do conhecimento. A
racionalização sobre o corpo se fortalece com o avanço das ciências médicas,
que forneceram elementos para, por exemplo, setorizar a educação em etapas
de acordo com as idades, habilidades e maturidade dos aprendizes. Os
exercícios físicos visavam, portanto, controlar as necessidades, desejos e
impulsos do corpo.

A ideia de domínio da racionalidade, já nesta época, envolvia o domínio


do corpo:

Percebemos que o sensível está posto na filosofia moderna e no


ideário pedagógico do Iluminismo, mas assume, com relação ao
conhecimento, um papel inferior ou acessório. As paixões estão
relacionadas aos sentidos, aos desejos e às necessidades do
corpo. Já a idéia de civilização se relaciona ao princípio de
dominar a natureza, sendo o corpo humano também natureza,
elemento da physis, o princípio civilizador aplica-se aos
processos corporais, à materialidade do corpo. (NÓBREGA,
2005, p. 603)

A partir do século XIX, quando a educação se torna responsabilidade das


escolas e não mais das famílias e comunidades, a educação do corpo passa da
noção de civilidade para as práticas corporais como os esportes, ginástica e
educação física – música, caça, dança e letras para classes abastadas. Sobre
isto, Nóbrega (2005, p. 604) aponta:

A ginástica precisou da racionalidade científica para legitimar-se


socialmente. Destaca-se, desde então, a preocupação com a
saúde como responsabilidade do indivíduo. Esta seria a grande
vantagem na aplicação da ginástica, a saúde. A ciência e a
técnica combinaram-se para controlar os excessos do corpo.
29

As práticas corporais participam da formação educativa das pessoas por


meio da racionalização, reforçando sua submissão em relação às atividades
ditas intelectuais. Esta concepção e compreensão do uso do corpo na educação
se mantém nos dias de hoje.

Farah (2010) indica que os espaços teórico-metodológicos do “corpo que


se move” são as disciplinas que trabalham fundamentalmente com a questão
motora (Educação Física, Esportes, Dança, Teatro). Esta perspectiva perde de
vista a compreensão do corpo enquanto elemento mediador entre o aluno e o
mundo e, portanto, fundamental à aprendizagem.

Buss-Simão et al (2010) alertam ao fato de que o corpo entra em evidência


na escola, muitas vezes, para ressaltar diferenças de aparência e desempenho
entre as crianças, observações comumente utilizadas na tentativa de identificar
doenças, transtornos ou desvios da “normalidade”. Novamente, a dimensão
biológica do corpo é utilizada como instrumento de padronização e controle, e
não como elemento constitutivo de cada pessoa e instrumento de aprendizagem.

Outra forma de evidenciar o corpo na escola são as queixas de indisciplina


dos professores em relação aos alunos. Para Farah (2010) estas queixas estão,
na maioria das vezes, relacionadas à agitação corporal. Este fenômeno é
também frequentemente relacionado a fatores externos à escola (família,
sociedade) ou a fatores pessoais dos alunos (aspectos comportamentais e
psicológicos), sem se considerar as práticas escolares como geradoras de
“indisciplina”.

Em ambas situações, corpo como padrão de normalidade e como alvo de


críticas de indisciplina, a corporeidade dos alunos é tomada apenas em seu
aspecto observável, e não vivencial. As experiências que os alunos vivem são
reduzidas a comportamentos que se regulam às normas ou que se desviam dela,
e assim, usa-se o elemento observável como forma ora de correção, ora de
punição.

A ideia de que a escola ignora o corpo é ilusória, de acordo com Buss-


Simão et al (2010) pois, ao contrário do que se acredita, o corpo é objeto de
30

grande interesse da educação, mas pela via do controle e da modulação, e não


da exploração de suas possibilidades para a formação das pessoas.

Considera-se inegável a obrigatoriedade da proteção às


crianças, todavia, os estudos críticos da Sociologia da Infância
têm posto em discussão que esse direito de proteção esteja em
consonância com os direitos de provisão e participação. A
necessidade de considerar as crianças atores sociais
competentes, ainda que com competências diferentes daquelas
dos adultos, permeia as discussões nesse campo sociológico.
(BUSS-SIMÃO et al, 2010, p. 163)

Nóbrega (2005, p. 608) aponta que:

Desaprendemos a conviver com a realidade corpórea e a


aprender partindo da reversibilidade dos sentidos, privilegiamos
a razão sem corpo, no entanto a percepção, compreendida como
um acontecimento da motricidade, pode resgatar esse saber.

Ao contrário das práticas escolares convencionalmente utilizadas, a


vivência do corpo em movimento possibilita a criação de novas percepções e
sentidos, pois a percepção é fruto da motricidade. “A percepção do corpo é
confusa na imobilidade, pois lhe falta a intencionalidade do movimento. A
intencionalidade não é algo intelectual, mas uma experiência da motricidade.”
(NÓBREGA, 2005, p. 607) A percepção considerada a partir das experiências
corporais revela a relação íntima e indissociável do homem com o mundo.

A cognição emerge da corporeidade, expressando-se na


compreensão da percepção como movimento e não como
processamento de informações. Somos seres corporais, corpos
em movimento. [...] A mente não é uma entidade “des-situada”,
desencarnada ou um computador, também a mente não está em
alguma parte do corpo, ela é o próprio corpo. Essa unidade
implica que as tradicionais concepções representacionistas se
enganam ao colocar a mente como uma entidade interior, haja
vista que a estrutura mental é inseparável da estrutura do corpo.
(NÓBREGA, 2005, p. 606-607)
31

Farah (2010), numa pesquisa em que retoma estudos sobre “corpo e


escola” entre os anos de 1999 e 2006, identifica três agrupamentos de assuntos
em relação ao tema: 1. Corpo, escolarização e poder (que aborda assuntos como
o gênero, a disciplinarização, a sexualidade, a higienização e o controle); 2.
Corpo, educação e currículo (envolve o estudo de disciplinas como Educação
Física, Língua Portuguesa, Biologia, Educação Musical, e atividades escolares
como a Educação Especial e a Dança, visando à inserção do corpo no currículo
escolar); e 3. Corpo e formação de professores (pesquisas que envolvem o corpo
do professor, suas percepções e representações, e a relação destas com a
prática pedagógica).

O currículo de uma escola pode revelar algo do que se pensa e se espera


em relação à dimensão corporal das pessoas ali presentes. No currículo, o corpo
pode ser percebido em seus modos explícitos e implícitos de aparecer, ou seja,
nas propostas pedagógicas que envolvem o corpo em sua dimensão afetiva,
motriz, expressiva, cultural, histórica e outras, e nas práticas que se efetivam a
partir deste planejamento curricular. (FARAH, 2010)

Questões como “quais disciplinas, conteúdos, ações e atividades


pedagógicas contemplam o corpo?”, “como o corpo aparece e é utilizado em
relação aos materiais pedagógicos (livros, imagens, músicas, vídeos)?”, “quais
discussões são suscitadas em relação às questões do corpo?”, dentre outras,
permitem perceber os modos como o corpo e as manifestações corporais são
consideradas e possíveis na escola.

Em relação às disciplinas e atividades escolares, Farah (2010) aponta que


as situações de avaliação são aspecto importante para compreender o corpo na
escola e sua relação com o conhecimento. O valor atribuído à avaliação de
algumas disciplinas escolares e o peso destas na aprovação/reprovação de
alunos ou validação de seus conhecimentos revela a hierarquia existente entre
as disciplinas em termos de importância para a formação dos alunos, atribuída
não apenas pela escola, mas por todo o sistema educacional.

De maneira geral, das disciplinas de Artes, Educação Física, Dança,


Educação Musical e Teatro não são exigidas avaliações rígidas como nas
demais disciplinas, e os conhecimentos nela aprendidos são pouco
considerados no repertório escolar dos estudantes. Este aspecto evidencia a
32

desvalorização destas disciplinas que tratam das questões do corpo de forma


ampla e profunda em relação às demais disciplinas consideradas de ordem
racional e/ou lógica.

Tal questão faz pensar quais disciplinas e conhecimentos vêm sendo


privilegiados e valorizados na educação e em cada escola, mas também é
possível identificar as concepções de aprendizagem e conhecimento presentes
neste tipo de visão educacional. Revela-se, assim, a clássica dicotomia
mente/corpo, histórica e filosoficamente construída e mantida pelas ciências
metafísicas que, consequentemente, produz disciplinas escolares que também
segmentam o conhecimento e tem um olhar dicotômico para com seus alunos.

Farah (2010) quando discorre sobre a questão da avaliação em relação


às disciplinas que envolvem o corpo não sugere a criação de práticas avaliativas
e mensuráveis nos moldes positivistas, mas indica a necessidade de considerar
a importância da dimensão corporal no processo de aprendizagem,
independente da disciplina ou do conteúdo.

Ao observar uma escola, pode-se identificar sua disponibilidade ou não


em valorizar os aspectos corporais dos alunos: em relação aos espaços dos
quais dispõe, os objetos e materiais que possui e investe, as atividades e eventos
extracurriculares que promove, o tempo e o espaço dos recreios e momentos
livres, ou seja, as situações que permitem o uso e a expressão do corpo dos
alunos.

Ao criticar o modo como o sistema educacional vem cuidando da questão


do corpo nos planejamentos e práticas escolares não ignoramos que existem
iniciativas educacionais diferentes desta que dicotomiza o ser humano e valoriza
a expressão e uso de outras linguagens pedagógicas.

Experiências pedagógicas como as de escolas de metodologia Waldorf e


as escolas de inspiração em Reggio Emilia, assim como escolas que fazem uso
de práticas meditativas, yoga e outros recursos expressivos, vivenciais e
artísticos demonstram seu valor e revelam uma compreensão sobre educação
bastante alinhada com a discussão à qual nos propomos nesta pesquisa.

Entretanto, consideramos que, apesar de sua validade, essas práticas e


iniciativas ainda são insuficientes, pois estão limitadas, em sua grande maioria,
33

a instituições de ensino da rede particular. Novamente, as classes socais


abastadas tem o privilégio de poder optar por escolas que oferecem uma
compreensão sobre educação que não é dicotômica, manipulável e dominadora.

Nossa crítica repousa sobre a educação em seu amplo aspecto, ou seja,


na forma como se apresenta para a maior parte da população brasileira. Quando
falamos do corpo na escola, questionamos não apenas práticas e métodos, mas
principalmente propomos uma reflexão para que seja possível repensar o modo
como a educação vem formando as pessoas para o mundo, este modo mecânico
e padronizado.
34

2. CORPOREIDADE E EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES À LUZ DO


PENSAMENTO DE MERLEAU-PONTY

Há uma necessidade primordial e recorrente na filosofia em discutir a


questão corpo-mente, ora enquanto entes unificados, ora cindidos e colocados
em posições opostas. Na busca por compreender o corpo5 no contexto escolar,
buscamos nos apoiar e basear nossa compreensão numa abordagem que
contempla o corpo em sua integralidade.

A escolha pelo pensamento de Merleau-Ponty (1908-1961) para iluminar


as reflexões aqui empreendidas deu-se não apenas por sua contribuição
filosófica sobre a noção da corporeidade enquanto totalidade, mas por sua
atitude fenomenológica ao lançar um novo olhar ao mundo para compreendê-lo
da forma como aparece.

Neste capítulo, apresentamos brevemente o pensamento de Merleau-


Ponty sobre a questão da corporeidade, refletindo os modos como esta
compreensão se articula com a dimensão da educação. No capítulo seguinte
trataremos dos aspectos metodológicos do pensamento fenomenológico deste
filósofo.

Talvez a mais importante prerrogativa merleau-pontiana para


fazer ciência humana acerca da vida infantil é recusar
dicotomias: Merleau-Ponty convida seus alunos nos Cursos da
Sorbonne a colocar entre parênteses as intermináveis
discussões da separação entre natureza e cultura, entre o inato
e o adquirido, entre o que é fisiológico e o que é psíquico, entre
maturação e aprendizagem. (MACHADO, 2010, p. 17)

Esta passagem faz refletir não apenas sobre a contribuição de Merleau-


Ponty para pensar a infância, mas o modo como o autor percebe a vida e o ser
humano de forma geral. Machado (2010, p. 17) acentua que o filósofo “nos
convida a buscar totalidades”. E é com esta busca que se compromete nossa
pesquisa, ao compreender o corpo e o ser humano em sua integralidade.

5
Corpo, neste sentido, e ao longo de todo o trabalho, compreendido enquanto corporeidade,
aspecto a ser explicitado ao longo deste capítulo.
35

A busca pelas totalidades foi o que levou Merleau-Ponty a fazer parte de


uma “geração de descontentes”, que reuniu estudantes franceses contra o
ensino de filosofia dos liceus e universidades da época. A crítica deste grupo
repousava no fato de que os currículos dos cursos de filosofia encerravam-se
com o pensamento de Emmanuel Kant (1729-1804), ignorando pensadores que
inauguravam novas perspectivas filosóficas como, por exemplo, Edmund
Husserl (1859-1938), que oferecia subsídios para um “retorno às coisas
mesmas”. (CARMO, 2011)

Inspirado por Husserl, Merleau-Ponty buscou com sua fenomenologia


trazer a filosofia do mundo especulativo das ideias e da racionalidade para
pensar o mundo vivido.

Essa “geração dos descontentes”, como foi chamada,


reconhecia a importância do pensar alemão, mas queria que a
filosofia tratasse dos problemas de sua época [...], pretendia que
a filosofia incorporasse as preocupações contemporâneas das
ciências humanas, tornando-se mais concreta e menos reflexiva.
(CARMO, 2011, p. 9)

Apesar de discípulo do pensamento husseliano, Merleau-Ponty utilizou-


se do rigor do método fenomenológico de seu mestre sem, com isso, adotar uma
postura dogmática e acrítica. Uma de suas atitudes que demonstrou isso foi sua
preocupação em formular uma filosofia da existência, e não da essência
humana. (CARMO, 2011)

Assim como trata a questão da ciência e do olhar para o mundo, a noção


de corporeidade para Merleau-Ponty pretende superar a dicotomia mente-corpo,
à qual a dimensão corporal é subjugada aos domínios da “mente”, propondo a
perspectiva do ser integral. Neste sentido, o pensamento deste filósofo não
apenas se afina à proposta da nossa pesquisa, mas nos oferece um modo de
olhar o mundo, os corpos, os fenômenos a partir de uma nova abertura.

Tratamos neste capítulo da compreensão fenomenológica de Merleau-


Ponty sobre a questão da corporeidade, e as questões sobre a fenomenologia
enquanto método na perspectiva deste filósofo que nortearam a realização da
nossa pesquisa são apresentadas no capítulo 3.
36

2.1. Corporeidade

O pensamento fenomenológico compreende o corpo de forma distinta das


ciências naturais, como a física e a biologia, por exemplo. Machado (2010, p.
35), inspirada pelo pensamento de Merleau-Ponty, considera a corporeidade
uma condição humana que se dá nas relações que o ser humano estabelece
com o mundo e no convívio com os outros, por meio da linguagem e da cultura:
“Nossa gênese corporal, nossa corporalidade, está envolta por uma rede de
significações tramada pela linguisticidade: desenho das relações das pessoas
ao redor com a língua e a cultura.”

Corporeidade é uma dimensão entrelaçada à noção de espaço, – não no


sentido de “dimensões e proporções” - no modo como se vive o espaço do
entorno a partir do próprio corpo. Assim, corpo e espaço são dimensões
inseparáveis, pois não é possível ser um corpo sem habitar ou situar-se num
determinado espaço.

Ao longo da vida, as pessoas vão vivenciando a dimensão espacial do


mundo por meio da corporeidade: “O espaço fora de si, o espaço do mundo
compartilhado, será percebido por meio de grandezas, aproximações e
afastamentos das coisas e pessoas.” (MACHADO, 2010, p. 64)

Merleau-Ponty (2013) considera o corpo como a primeira condição de


contato do ser humano com o mundo e, portanto, toda a existência humana e
suas expressões só são possíveis a partir da corporeidade. Ao se referir à
corporeidade como condição humana, toma como exemplo o ofício dos pintores.
Identifica que o corpo não é fundamental à pintura apenas pela necessidade do
movimento ao realizar o traçado, mas pela possibilidade da visão e pela
necessidade do movimento do corpo para a realização deste sentido.

Para Carmo (2011, p. 19-20), as ideias de Merleau-Ponty acerca do


mundo e da consciência relacionam-se fundamentalmente com a questão da
corporeidade enquanto condição humana, e indica que “Era exatamente isso que
Merleau-Ponty almejava em seus primeiros estudos: desenvolver uma filosofia
que mostrasse o ‘enraizamento’ do espírito no corpo, isto é, a consciência atada
a um corpo que a liga ao mundo.”
37

A corporeidade enquanto condição humana faz pensar também sobre a


existência no pensamento de Merleau-Ponty, uma vez que o conjunto de sua
obra é atravessado a cada vez pela perspectiva do ser humano enquanto corpo.

Em um primeiro momento, consideramos um equívoco buscar


compreender o fenômeno da corporeidade para Merleau-Ponty de forma
descolada de todos os outros aspectos tratados em sua obra. Entretanto, este
tópico intitulado “Corporeidade” busca evidenciar o modo como a questão da
corporeidade enraíza todos os outros aspectos referentes à existência humana
no pensamento deste filósofo.

O ser humano possui em si a condição de ser ao mesmo tempo vidente e


visível, tocante e tocável, sentido e sensível. Pode vivenciar os dois lados das
situações: ver a si mesmo, tocar a si mesmo, ouvir a si mesmo, sentir a si mesmo.
Neste paradoxo, por sua corporeidade, o ser humano vivencia o mundo ao
mesmo tempo em que é também parte deste mundo, move-se com o mundo e
com as coisas.

A corporeidade dá-se no estar junto às coisas, nesta relação indivisa entre


sentir e ser sentido. Como aponta Merleau-Ponty (2013, p. 20):

[...] meu corpo conta-se entre as coisas, é uma delas, está preso
no tecido do mundo, e sua coesão é a de uma coisa. Mas, dado
que vê e se move, ele mantém as coisas em círculo a seu redor,
elas são um anexo ou um prolongamento dele mesmo, estão
incrustadas em sua carne, fazem parte de sua definição plena,
e o mundo é feito do estofo mesmo do corpo.

A partir desta compreensão, corpo e mundo enquanto imbricação,


Merleau-Ponty (2013) faz uma crítica ao modo como o pensamento cartesiano
lida com esta situação corpo-mundo. Como apresentado no capítulo anterior,
Descartes (2005) inaugura uma nova filosofia para sua época e contribui, dentre
outros conceitos, com a ideia da dicotomia mente-corpo, conhecida como
“dicotomia cartesiana”.

Porém, a cisão entre mente e corpo não se origina na filosofia cartesiana,


pois já vem sendo discutida desde os primórdios do pensamento filosófico, com
Platão e Aristóteles, por exemplo. A contribuição de Descartes, neste sentido,
38

foi, justamente, a de apresentar uma sistematização consistente que justifica


esta dicotomia há muito instaurada no pensamento filosófico. Sua concepção
acerca da dicotomia mente-corpo foi amplamente absorvida pelo pensamento
científico-filosófico e perdura até os dias de hoje em diversas esferas de
conhecimento.

No sentido oposto da reflexão apresentada por Merleau-Ponty, Descartes


(2005) defende a tese de que mente e corpo são formados por substâncias
diferentes, e que a substância que compõe a mente é mais perfeita do que a do
corpo. Sob este entendimento, a mente é considerada a verdadeira essência do
ser humano, enquanto o corpo é uma extensão a serviço das determinações da
mente.

Em oposição à esta concepção, Merleau-Ponty (2013, p. 28) aponta que


a tese de Descartes “É o breviário de um pensamento que não quer mais
frequentar o visível e decide reconstruí-lo segundo o modelo que dele se oferece.
Vale a pena lembrar o que foi essa tentativa e esse fracasso.”

O fracasso indicado por Merleau-Ponty (2013) em relação à tese de


Descartes refere-se ao modo como as ciências metafísicas apropriaram-se deste
postulado para criar e legitimar correntes de pensamento, conceitos e métodos
de investigação que foram se afastando cada vez mais do mundo vivido e lidando
apenas com suas representações.

Os resultados da apropriação do pensamento cartesiano pelas ciências e


pela filosofia podem ser percebidos no modo como as correntes pedagógicas,
que inspiram práticas ainda hoje realizadas nas escolas, lidam com a relação
mente-corpo, como apontam os estudos de Nóbrega (2005), Gaya (2006), Buss-
Simão et al (2010) e Farah (2010), discutidos no capítulo anterior.

Além disso, a ideia de que a razão humana (mente) é capaz e responsável


por criar as coisas no mundo permitiu a muitas correntes científicas o
esquartejamento dos fenômenos e a manutenção do status de verdade apenas
àquilo que permanecesse estável a seus instrumentos de investigação.

Diferente da lógica de Descartes sobre o mundo e as coisas, Merleau-


Ponty (2013, p. 33-34) considera o mundo enquanto espacialidade: “O espaço é
39

em si, ou melhor, é o em si por excelência, sua definição é ser em si. [...] o espaço
é a evidência do onde.”

Para Merleau-Ponty (2004) a corporeidade faz com que, ao estar num


determinado lugar ou espaço, a pessoa não o veja como se fosse um observador
absoluto, sem corpo e sem ponto de vista, como pensava Descartes; ela percebe
o mundo de forma situada, a partir de um lugar onde está olhando. Isto significa
que as pessoas habitam o mundo, ocupam os espaços familiarizadas com estes.

Neste sentido, o mundo enquanto espaço é o onde no qual o ser humano


acontece, existe, é. As dimensões espaciais – como profundidade, orientação,
distância, altura e outras - são percebidas por um alguém a partir de sua
presença neste espaço, e por este alguém ser corpo, é que estas dimensões são
possíveis de serem percebidas. Sem um “alguém” estas dimensões do espaço
simplesmente não existem, pois elas só são possíveis ao olhar de alguém que
vê.

Aqui o corpo não é mais meio da visão e do tato, mas seu


depositário. Longe de nossos órgãos serem instrumentos, ao
contrário, é que são órgãos acrescentados. [...] O espaço [...] é
um espaço contado a partir de mim como ponto ou grau zero da
espacialidade. Eu não o vejo segundo seu envoltório exterior,
vivo-o por dentro, estou englobado nele. [...] o mundo está ao
redor de mim, não diante de mim. (MERLEAU-PONTY, 2013, p.
39)

Esta familiaridade com que o ser humano habita o mundo permite refletir
sobre o modo como as escolas são estruturadas e organizadas, algo percebido
na escola onde realizamos nossa pesquisa. A disposição dos móveis e objetos
e os espaços ocupados e disponíveis nas salas de aula e nos demais espaços
da escola revelam uma proposta e convocam determinadas atitudes, e não
outras.

Isto significa que salas com carteiras enfileiras e voltadas à lousa, por
exemplo, dificultam a comunicação dos alunos entre si e sugerem maior atenção
à pessoa do professor, enquanto que salas com carteiras organizadas em
semicírculo convidam os alunos a olharem-se e conversarem, estando o
professor integrado ao grupo.
40

Tais organizações de espaços e propostas são percebidas tanto por


alunos quanto por professores, tanto que a tentativa de superar as barreiras
impostas pela configuração do espaço como, por exemplo, alunos que gritam
para falar com colegas do outro lado da sala ou levantam-se para se aproximar
dos colegas distantes, são consideradas pelos professores como indisciplina e
desatenção.

Assim, na proposição de superar e reintegrar aquilo que Descartes um dia


cindiu, Merleau-Ponty (2013) apresenta seu compromisso com uma nova
filosofia. Sua busca consiste em abandonar a atitude explicativa de falar sobre e
pelas coisas, empreendendo o esforço de deixar as coisas falarem por si e de si
mesmas. Isso permite que verdades que se encontravam solucionadas pela
filosofia sejam reabertas e novamente colocadas em questão, como o
movimento que fazemos em nossa pesquisa com a questão do corpo na escola.

E assim, Merleau-Ponty (2013, p. 40) compara a atitude fenomenológica


para com o mundo, as coisas e a existência humana, à postura do pintor: “Ora,
essa filosofia por fazer é o que anima o pintor, não quando exprime opiniões
sobre o mundo, mas no momento em que sua visão se faz gesto [...].”

O modo como alguém olha o mundo faz parte de sua condição de ser
lançado no mundo, e também de sua percepção sobre si, sua corporeidade e a
relação que estabelece com as coisas. Neste sentido, Merleau-Ponty (2004, p.
17 e 18) afirma que: “Encontramos aqui, pela primeira vez, essa ideia de que o
homem não é um espírito e um corpo, mas um espírito com um corpo, que só
alcança a verdade das coisas porque seu corpo está como que cravado nelas.”

Entretanto, as observações na escola pesquisada nos fizeram perceber,


assim como já apontavam as pesquisas citadas no capítulo anterior, que a escola
considera a mente enquanto condição privilegiada do ser humano,
disponibilizando a maior parte de seu tempo para atividades que estimulam a
racionalização enquanto os corpos dos alunos permanecem imóveis nas
carteiras.

As atividades que envolvem movimento e que requerem mudanças de


espaço ou deslocamentos são, geralmente, compreendidas pelos alunos como
uma forma de lazer. Estes momentos são as aulas de Educação Física, as
41

saídas pedagógicas (museus, parques, exposições), os eventos culturais e as


atividades extracurriculares. Assim, a escola6, apesar de sua atuação
diversificada na formação destes alunos, mantém seu principal foco nas
atividades que privilegiam a racionalização dos conteúdos das disciplinas.

As coisas no mundo estabelecem certos tipos de relação com o ser


humano e provocam, por consequência, determinadas sensações e percepções,
por conta da corporeidade. O fato de o ser humano não ser si mesmo sem ser
corporal, faz da corporeidade a forma como ele se relaciona com tudo ao seu
redor e com sigo mesmo.

É assim uma tendência bastante geral reconhecermos entre o


homem e as coisas não mais essa relação de distância e de
dominação que existe entre o espírito soberano e o pedaço de
cera na célebre análise de Descartes, mas uma relação menos
clara, uma proximidade vertiginosa que nos impede de nos
apreendermos como um espírito puro separado das coisas, ou
de definir as coisas como puros objetos sem nenhum atributo
humano. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 27)

E nesta relação do ser humano com o mundo estão presentes não apenas
coisas e mundo, mas também os outros, aqueles que se relacionam com este
mundo também sendo corporeidade, tão enraizados nas coisas quanto nós. Para
Merleau-Ponty (2004) não há vivência de si mesmo para o ser humano que seja
individual e solitária, pois a “consciência” de si mesmo só se dá a partir da
experiência com o outro.

É no outro que o ser humano se reconhece, ao ver e ser visto, tocar e ser
tocado, falar e ser falado. A partir da experiência de uma pessoa com outra é
que se torna possível uma reflexão de si, um retorno a si mesmo. Neste sentido,
o ser si mesmo se faz possível na coletividade, por meio da linguagem e da
experiência de viver no mundo com os outros:

E o próprio adulto descobre na sua vida mesma o que sua


cultura, o ensino, os livros, a tradição lhe ensinaram a nela ver.
Nosso contato conosco sempre se faz por meio de uma cultura,
pelo menos por meio de uma linguagem que recebemos de fora

6
No capítulo reservado à análise, estas questões sobre a escola pesquisada e as compreensões
de corporeidade ali presentes serão mais profundamente exploradas.
42

e que nos orienta para o conhecimento de nós mesmos.


(MERLEAU-PONTY, 2004, p. 48 e 49)

Ao considerar que o ser humano percebe e compreende a si mesmo a


partir do olhar e da compreensão dos outros, pode-se considerar a escola, em
sua função formadora, como fundamental nesta relação ser humano-mundo. Na
escola são ensinados os conhecimentos acumulados e utilizados pela
humanidade, além de serem transmitidos e expressos modos de pensar e agir
no mundo.

O modo como a escola compreende e lida com seus protagonistas, e as


relações que se estabelecem entre gestores, professores e alunos reflete o modo
como estes perceberão a si mesmos e ao mundo que lhes é apresentado pelos
conhecimentos que se mostram na escola.
43

3. MÉTODO E ATITUDE FENOMENOLÓGICA NA PESQUISA

Nosso trabalho constitui-se na forma de uma pesquisa qualitativa,


assumindo uma postura crítica em relação ao modelo científico hegemônico das
ciências naturais, propondo, assim, um olhar sensível e próprio ao fenômeno do
corpo e da corporeidade no contexto escolar, tendo em vista seu caráter social.
Este capítulo propõe localizar a presente pesquisa no panorama científico e
esclarecer suas vinculações e compromissos com a comunidade acadêmica.

Schwandt (2006) sugere que a pesquisa qualitativa deve ser entendida


como um campo à crítica científica social, mais do que uma teoria social,
metodologia ou filosofia. Neste campo científico valoriza-se a fidelidade em
descrever como os fenômenos sociais se mostram ao pesquisador, permitindo
respeitar as experiências da vida cotidiana.

Neste sentido, as abordagens qualitativas assumem uma postura crítica


em relação ao cientificismo e às formas de produção do conhecimento de modo
instrumental, controlador e que se dizem neutras, pois acreditam que a
compreensão é, necessariamente, interpretativa e, portanto, um aspecto da
condição humana. (SCHWANDT, 2006)

Denzin e Lincoln (2006) percebem a pesquisa qualitativa a partir de uma


complexa trama histórica, e indicam que sua definição só é possível a partir desta
perspectiva. Entretanto, arriscam uma definição genérica quando afirmam que:
“[...] a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no
mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão
visibilidade ao mundo.” (p. 17).

Neste cenário, o pesquisador busca compreender os fenômenos a partir


do local onde estão situados, por meio do entendimento das pessoas e dos
fenômenos ali presentes. Uma pesquisa qualitativa que se propõe a investigar
fenômenos que ocorrem no contexto escolar, como é o caso deste estudo, deve,
portanto, empregar seu método e seus instrumentos na aproximação à realidade
escolar local, entrando em contato direto com os membros da comunidade
escolar, para assim buscar compreender suas experiências frente ao fenômeno
que se pretende estudar.
44

As pesquisas qualitativas promovem a combinação de diferentes métodos


de investigação com o intuito de compreender a complexidade dos fenômenos
da forma mais abrangente possível, na tentativa de captar pontos de vista
diversos sobre o tema estudado. Isto decorre do fato de as pesquisas
qualitativas, segundo Denzin e Lincoln (2006), não possuírem uma teoria ou
paradigma que as defina. Pelo contrário, o campo da pesquisa qualitativa é
formado justamente pela multiplicidade e confluência de diversos paradigmas
teóricos, sem privilegiar um método ou prática em detrimento de outros.

Tendo em vista a inserção no contexto social e educacional investigado,


nossa pesquisa também possui caráter participante que, dentre outros aspectos,
tem como finalidade, de acordo com Rocha e Aguiar (2003), a produção de
conhecimento que seja acessível e disponível a todos, permitindo-o ser útil na
promoção de qualidade de vida à população.

Este trabalho revela seu caráter participante desde a sua constituição


enquanto projeto de pesquisa, uma vez que faz parte do Grupo de Pesquisa em
Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na Família, Escola e
Comunidade (ECOFAM), que se preocupa com o caráter comunitário e social
das produções acadêmicas.

Com o intuito de estreitar as relações entre universidade e comunidade,


o grupo de pesquisa ECOFAM investe em pesquisas do tipo participantes,
interventivas e com engajamento social, visando à produção de conhecimento
científico com qualidade e rigor acadêmico, aliada à criação, sistematização e
difusão de práticas psicoeducativas que sejam eficientes e relevantes às
instituições sociais nas quais estas pesquisas se inserem.

Tendo este histórico como pano de fundo, a proposta da nossa pesquisa


foi acolhida pela instituição escolar tendo em vista as possíveis contribuições
mútuas que poderiam ser construídas com esta parceria. A equipe gestora da
escola ocupou papel fundamental na evolução deste trabalho, contribuindo com
seus conhecimentos acerca da comunidade local e do funcionamento da
instituição, direcionando a investigação que este trabalho se propôs a realizar.

Antes mesmo da definição do problema de pesquisa, munidas de um olhar


que indagava como o corpo é compreendido no contexto escolar por seus
45

diversos atores, já estávamos observando, caminhando pelos corredores da


escola, participando de aulas, presenciando atividades, compondo reuniões.

A rotina observada, as pessoas encontradas, as conversas realizadas, as


demandas colocadas, contribuíram para a delimitação do problema ao qual essa
pesquisa se propôs a estudar: Como o corpo é compreendido no contexto
escolar?

Este caráter comunitário da pesquisa participante revela nossa


preocupação com a constante troca e participação da comunidade pesquisada
no processo investigativo. Esta é uma forma de produção de conhecimento que
promove o empoderamento dos seus participantes, revelando o potencial criativo
das pessoas frente a situações conflituosas.

A pesquisa participante busca compreender o papel do pesquisador frente


ao campo de estudo no qual sua investigação está situada. Para Thiollent (1987),
a postura participante do pesquisador requer uma constante autoavaliação de
seu papel na situação observada, para que mantenha sempre clara a finalidade
que rege seu trabalho. Tendo em vista o engajamento científico e social do
estudo, o pesquisador deve estar sempre atento à finalidade acadêmica de seu
trabalho e ao sentido que sua pesquisa tem para a comunidade, e vice-versa.

As pesquisas caracterizadas como interventivas apresentam uma


proposta metodológica que rompe com os modelos de pesquisa tradicional,
encaminhando-se a uma atuação que se propõe a transformar a realidade
política e social de seu campo de atuação numa dimensão micropolítica. A não-
neutralidade, neste sentido, consiste numa condição para a produção do
conhecimento, e não numa dificuldade a ser superada. (ROCHA; AGUIAR, 2003)

Tendo em vista o caráter qualitativo e interventivo desta pesquisa,


preocupada com aspectos de ordem política e social, a abordagem metodológica
escolhida para orientar esta investigação foi o pensamento fenomenológico de
Merleau-Ponty. Assim como as modalidades de pesquisa apresentadas
anteriormente, o pensamento fenomenológico promove uma crítica às ciências
metafísicas e positivistas por serem consideradas soberanas e absolutas, como
única forma de acesso às verdades.
46

A pesquisa qualitativa enfrenta resistências acadêmicas das ciências


positivistas, pois são consideradas por estas um ataque à tradição científica.
Denzin e Lincoln (2006, p. 22) afirmam que:

As ciências (positivistas) experimentais (física, química,


economia e psicologia, por exemplo) são muitas vezes vistas
como façanhas da civilização ocidental, supondo-se, em suas
práticas, que a ‘verdade’ possa transcender a opinião e a
tendenciosidade pessoal.

Estas ciências criticam os métodos empregados, a validade das


“verdades” e a crítica social e política provenientes dos estudos qualitativos, pois
acreditam numa realidade estável e mensurável, na qual atuam de forma
apolítica e amoral.

Para Martins e Bicudo (1989), diferente das pesquisas quantitativas que


fazem uso de instrumentos assertivos e lógicos, as pesquisas qualitativas
requerem a habilidade do pesquisador em perceber na experiência vivida, sua
relação com o fenômeno estudado e os elementos relevantes a serem
considerados em cada situação.

Isto não sugere um combate às pesquisas quantitativas, tampouco


desconsidera-se sua necessidade e relevância; apenas busca-se a produção de
novos modos de acesso aos fenômenos que produzam conhecimentos que
ampliem a perspectiva sobre os assuntos estudados e não permitam que os
saberes sejam tornados propriedade de um único modo de investigação. Busca-
se, justamente, a pluralidade de perspectivas e possibilidades de conhecimento.

A resistência das ciências positivistas à pesquisa qualitativa acaba por


ajudar a definir esta última, acentuando a distinção entre as duas a partir do seu
compromisso com uma determinada perspectiva teórica ou paradigmática, da
responsabilidade em relação ao tema investigado e da constante crítica à política
e aos métodos das ciências positivistas. “Os pesquisadores qualitativos
ressaltam a natureza socialmente construída da realidade, a íntima relação entre
o pesquisador e o que é estudado, e as limitações situacionais que influenciam
a investigação.” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 23)
47

3.1. Método e rigor em fenomenologia: outras contribuições de Merleau-


Ponty

A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os


problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a
essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo.
Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as
essências na existência, e não pensa que se possa
compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a
partir de sua “facticidade”. É uma filosofia transcendental que
coloca em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da
atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo
já está sempre “ali”, antes da reflexão, como uma presença
inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este
contato ingênuo com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto
filosófico. É a ambição de uma filosofia que seja uma “ciência
exata”7, mas é também um relato do espaço, do tempo, do
mundo “vividos”. (MERLEAU-PONTY, 2015, p. 1)

Assim começa o Prefácio da obra “Fenomenologia da Percepção”


(1945/2015) de Merleau-Ponty, sua tese de doutoramento. Partindo da questão
“O que é a fenomenologia?”, o filósofo revisita o pensamento fenomenológico de
Husserl a partir de sua nova compreensão que, como o trecho demonstra,
encontra-se enredada na questão do ser humano enquanto existência e não
apenas como essência.

Neste tópico, dedicamo-nos a apresentar algumas considerações sobre o


pensamento fenomenológico enquanto método a partir do pensamento de
Merleau-Ponty. Para este filósofo, “a fenomenologia se deixa praticar e
reconhecer como maneira ou como estilo; existe como movimento antes de ter
chegado a uma inteira consciência filosófica.” (MERLEAU-PONTY, 2015, p. 2).

Tal constatação acentua dois aspectos caros à abordagem


fenomenológica: o primeiro, diz respeito ao entendimento da fenomenologia

7
O termo “ciência exata” aparece traduzido desta mesma forma nos exemplares de 1994, 1999
e 2015 da obra “Fenomenologia da percepção”, de Merleau-Ponty, da editora Martins Fontes.
Apesar de acreditarmos que o termo não condiz com a natureza de seu pensamento filosófico,
consideramos que o autor tenha feito uso das aspas (“”) para sinalizar que estava dando a este
termo um outro significado que não o original ou comumente utilizado à época. Possivelmente,
Merleau-Ponty considerava que a fenomenologia fazia uma tentativa de elevar-se ao mesmo
estatuto das ciências ditas “exatas”, mas ao mesmo tempo mantendo sua proximidade e
fidelidade ao mundo vivido, ou seja, uma ciência que seja respeitada e considerada como tal,
mas que não se afasta do mundo e das coisas para elevar-se a tamanha potência.
48

sobre si mesma como um método antes de qualquer coisa, um modo de se dirigir


ao mundo, às coisas e às verdades, e não um arcabouço teórico estável e
soberano; o segundo, diz respeito à despretensão da fenomenologia de concluir
o pensamento fenomenológico, o que seria exatamente o oposto da proposta
desta corrente filosófica.

Frente à questão posta, de que a “fenomenologia só é acessível a um


método fenomenológico”, Merleau-Ponty (2015, p. 2) chama atenção para a
assunção de uma atitude fenomenológica àquele que se propõe a empreender
uma investigação pautada nesta abordagem, revelando que “É em nós mesmos
que encontramos a unidade da fenomenologia e seu verdadeiro sentido.”

Sua fenomenologia é uma crítica à ciência metafísica, soberana à época,


pois indica que “A ciência manipula as coisas e renuncia habitá-las.” Identifica,
assim como os demais filósofos de sua corrente, que a ciência não se percebe
pertencente a este mundo que toma como “objeto” de sua investigação, olhando-
o, assim, a uma distância segura que permita sua diferenciação deste mundo.
Dessa forma, a ciência torna os “objetos” passíveis de manipulação, tratando-os
como se nada tivesse que ver com eles.

No bojo das pesquisas qualitativas, o pensamento fenomenológico -


desde sua vertente husseliana até seus desdobramentos no pensamento de
Heidegger e outros filósofos contemporâneos à sua fenomenologia - coloca-se
de forma crítica e resistente à metafísica e às ciências positivistas.

Critelli, em seu livro “Analítica do sentido” (2006), apresenta o


pensamento fenomenológico de forma sistematizada, contribuindo para uma
compreensão clara e eficiente desta abordagem enquanto método de
investigação. Sua orientação fenomenológica repousa no pensamento de Martin
Heidegger (1889-1976), discípulo de Husserl, e de sua discípula Hannah Arendt
(1906-1975).

Apesar das diferenças metodológicas existentes entre o pensamento de


Merleau-Ponty e Heidegger-Arendt, as contribuições do pensamento de Critelli
(2006) para a discussão que se seguirá dizem respeito à crítica do pensamento
fenomenológico à metafísica, ponto de convergência entre os filósofos em
49

questão e, portanto, não prejudicam a coerência metodológica e filosófica deste


trabalho.

Sendo assim, Critelli (2006) indica que a fenomenologia considera a


metafísica, a si mesma e qualquer outro tipo de ciência, como modos de acesso
às verdades, ou seja, cada qual é apenas uma perspectiva possível de
investigação dentre outras.

Entende-se por metafísica o modo tradicional de pensamento adotado


pela população ocidental que desconsidera a noção de perspectiva no acesso
ao conhecimento, pois acredita que as “verdades” são únicas, estáveis e
absolutas. Ao longo da história da filosofia, foi-se adotando o modo metafísico
de investigação como o único possível e, portanto, “o verdadeiro”, fazendo com
que todas as ciências se baseassem nele. (CRITELLI, 2006)

Desta forma, Critelli (2006, p. 13) indica que:

A fenomenologia põe em questão exatamente esta espécie de


crença metafísica na unicidade da verdade e na busca de uma
perspectiva de conhecimento que seja absoluta. [...] O
pressuposto de que parte a fenomenologia, nesta discussão, é
o de que a perspectiva do conhecer e a verdade que este
alcança não podem, senão, ser relativas.

Assim como não considera possível apenas um modo de investigação, o


pensamento fenomenológico também identifica os conhecimentos e as verdades
como parciais, temporárias e relativas. Isto significa que tanto as ciências quanto
suas verdades são limitadas. Isto porque a totalidade de algo não pode ser
apreendida, pois os fenômenos movem-se entre o ocultamento e a revelação.
(CRITELLI, 2006)

A crítica às ciências metafísicas, aponta Merleau-Ponty (2004), não visa


à negação do valor destas ciências e à eliminação de suas contribuições, mas
questiona sua hegemonia. Para ele:

Não se trata de negar ou de limitar a ciência; trata-se de saber


se ela tem o direito de negar ou de excluir como ilusórias todas
as pesquisas que não procedam como ela por medições,
comparações e que não sejam concluídas por leis, como as da
50

física clássica, vinculando determinadas consequências a


determinadas condições. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 6)

Assim, rejeitam-se as atitudes que consideram que o mundo, como fazem


crer as ciências experimentais, existe para ser testado dentro dos laboratórios
por esta ou aquela técnica. O fazer científico, segundo Merleau-Ponty (2013),
deve estar atento à sua condição de “coisa em construção”, que tem como base
o mundo existente e sensível.

É preciso que o pensamento da ciência [...] torne a se colocar


num “há” prévio, na paisagem, no solo do mundo sensível e do
mundo trabalhado tais como são em nossa vida, por nosso
corpo, não esse corpo possível que é lícito afirmar ser uma
máquina de informação, mas esse corpo atual que chamo meu,
a sentinela que se posta silenciosamente sob minhas palavras e
sob meus atos. (MERLEAU-PONTY, 2013, p. 17)

Nesta compreensão do mundo enquanto invólucro do ser humano,


Merleau-Ponty (2013) considera as artes e, em especial a pintura, como
expressões humanas que se apoderam e se enredam neste mundo sensível
para produzir a si mesmas, diferente do modo como as ciências estabelecem
sua relação com este mesmo mundo.

Nesta fusão à qual o ser humano está dado ao mundo, considera-se a


percepção como a condição de estar no mundo, permitindo incorporá-lo, senti-lo
e vivê-lo. Sobre esta relação humano-mundo e sua mediação via percepção,
Merleau-Ponty (2015, p. 6) revela que:

A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo


um ato, uma tomada de decisão deliberada; ela é o fundo sobre
o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles.
O mundo não é um objetivo do qual possuo comigo a lei de
constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus
pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. [...] o
homem está no mundo, é no mundo que ele se reconhece.

Merleau-Ponty (2004) faz uma distinção entre perceber e definir (ou


explicar), sendo a primeira relacionada à própria fenomenologia e a segunda às
51

ciências metafísicas. Para o filósofo, estas duas possibilidades de olhar o mundo,


percepção e definição, estão intimamente relacionadas ao pensamento que as
produz enquanto instrumentos de investigação. Cada forma de acesso aos
fenômenos produzirá diferentes tipos de conhecimentos e verdades.

Ao perceber, o observador reconhece, a cada vez, os detalhes e as


particularidades que fazem do fenômeno estudado o ser singular que ele é. A
significação e a função de um fenômeno só farão sentido quando emergirem, ao
olhar do observador, das qualidades perceptíveis daquilo que se mostra.

Ao definir algo, em contrapartida, busca-se encontrar a função de


determinado “objeto”, ou as relações de causa e efeito que regem a
manifestação deste. Uma vez definido o “objeto” (o que é, como é), ele sempre
será tomado a partir deste conceito que o engloba e o fecha. Novas definições
exigem, necessariamente, a eliminação da definição vigente.

Ao considerar a percepção como acesso às verdades, rejeita-se a ideia


imposta pelas ciências metafísicas de que o conhecimento das coisas por meio
da percepção produz falsas “verdades” ou “meras aparências”, e que a verdade
é a superação da aparência pela racionalidade científica que se dedica a definir
e explicar os fenômenos.

A verdade, para o pensamento fenomenológico, é considerada a partir de


sua inconstância e mutabilidade, dependente do olhar do observador. Neste
sentido, Merleau-Ponty (2004, p. 7 e 8) valoriza a “percepção sensível” como um
modo de fazer ciência que seja mais próximo das experiências humanas:

Em ciência, não podemos nos vangloriar de chegar, pelo


exercício de uma inteligência pura e não situada, a um objeto
livre de qualquer vestígio humano e exatamente como Deus o
veria. Isso em nada diminui a necessidade da pesquisa científica
e combate apenas o dogmatismo de uma ciência que se
considera o saber absoluto e total. Isso simplesmente faz justiça
a todos os elementos da experiência humana e, em particular, à
nossa percepção sensível.

A partir desta breve passagem por algumas compreensões acerca do


pensamento de Merleau-Ponty, os tópicos seguintes reservam-se à exploração
52

de pontos importantes à sua fenomenologia, revelando suas raízes husselianas


e evidenciando os desdobramentos resultantes de sua reflexão acerca destas.

Estes apontamentos filosóficos serviram como norteadores das atitudes


de investigação e das reflexões realizadas em nossa pesquisa, uma vez que
buscamos com este trabalho compreender o fenômeno da corporeidade situado
num contexto escolar específico, acessado por meio de observações, descrições
e análises que interrogam pelos sentidos ali expressos.

3.1.1. “Retornar às coisas mesmas”

Merleau-Ponty (2015) aponta que a fenomenologia ocupa-se da descrição


dos fenômenos, e não de sua explicação e análise, retomando a premissa
husseliana de “retornar às coisas mesmas” como forma de resistência às
ciências de tradição cartesiana.

Considera a ciência como um produto das experiências vividas no mundo


pelas pessoas, e não como a soberana representante da realidade. Há um
mundo vivido antes da ciência, um mundo do qual a ciência depende para criar
suas explicações, determinações e verdades.

A proposta de “retornar às coisas mesmas” tem em vista o


aperfeiçoamento da ciência que busca uma prática científica rigorosa, a partir da
retomada de experiências no mundo vivido e dos fenômenos ali presentes. É
uma postura crítica e resistente ao modo como as ciências modernas
empreendem suas ações, a partir da tentativa de superar aquilo que se sabe
sobre o mundo, as pessoas e as coisas e buscar o próprio mundo, as próprias
pessoas, e as próprias coisas, para que possam mostrar-se e falar por si
mesmas.

Nesta intenção da busca por acessar aquilo que precede a ciência e suas
pré-concepções, adotando uma postura fenomenológica, como sugere Merleau-
Ponty, nossa pesquisa valeu-se de uma etapa de observações no contexto de
realização da investigação. Por meio destas observações, foi possível conhecer
a rotina da escola, as pessoas que ali estavam, e os sentidos que se mostravam.
53

A ciência é uma forma de contato com o mundo e também um modo de


expressá-lo – ciência e mundo são coisas diferentes – a ciência depende do
mundo para fazer sentido; o mundo é o sentido de si mesmo. Ao buscar
compreender os acontecimentos daquela escola antes de apresentar propostas
ou hipóteses da pesquisa, a vida que acontecia naquele lugar com aquelas
pessoas pôde se mostrar, pôde falar por si, antes de ser falada por nós,
pesquisadoras.

Retornar às coisas mesmas é retornar a este mundo anterior ao


conhecimento do qual o conhecimento sempre fala, e em relação
ao qual toda determinação científica é abstrata, significativa e
dependente, como a geografia em relação à paisagem [...].
(MERLEAU-PONTY, 2015, p. 4)

É por rejeitar práticas e procedimentos investigativos que consideram o


mundo um a posteriori em relação a si mesmos que Merleau-Ponty (2015, p. 5)
acentua a função e o sentido da descrição em relação ao movimento de retorno
às coisas mesmas, pois acredita que “O real deve ser descrito, não construído
ou constituído”.

Assim, ao descrever os acontecimentos vivenciados nesta escola, as


características deste lugar e os modos de ser daquelas pessoas, nos foi possível
abandonar as convenções usuais e científicas sobre “o que é uma escola
pública” ou “como se comporta o corpo na escola”.

Ao observar e descrever esta experiência pudemos identificar formas


peculiares e genéricas de ser escola, alunos ou professoras naquele lugar, que
dizem respeito à esta experiência, mas que também podem ser reconhecidos
em tantas escolas, mas não em outras. A história de corporeidade que se
mostrou ao nosso olhar nesta escola é única, mas também múltipla e aberta,
pois esta experiência não está congelada, não é “a verdade imutável”, ela
continua se escrevendo a cada vez.
54

3.1.2. Redução fenomenológica

A questão da redução fenomenológica, um dos aspectos do método


fenomenológico elaborado por Husserl, é considerada por Merleau-Ponty (2015)
como uma questão metodológica que não está acabada e que dificilmente o
estará um dia.

O mundo é o a priori de toda existência, consciência ou reflexão; tudo o


que se faz, se pensa, se percebe parte desta base que é o mundo. Sendo
corporeidade, o ser humano vê e é visto, toca e é tocado, sente e é sentido por
este mundo. Esta exposição do ser humano ao mundo e aos outros faz com que
não se possa fazer um desligamento completo entre o ser e o mundo. Por esta
razão, Merleau-Ponty (2015) acredita não ser possível uma redução
fenomenológica completa, pois a condição fundante de ser-no-mundo impede
este afastamento total.

O corpo é situado no mundo com os outros, e isto é o que traz a


necessidade – para o pensamento fenomenológico – e também o limite de um
exercício de afastamento. Estas ideias de mundo fundante e corpo situado
também são o fundamento da consciência intencional, outra premissa
husseliana, que será tratada no tópico seguinte.

Ao estar na escola na qual foram realizadas as observações e


intervenções desta pesquisa, levávamos conosco experiências anteriores com
outras escolas, nossas percepções enquanto alunas, e nossas compreensões
científicas e filosóficas acerca dos fenômenos “escola”, “alunos”, “professores”,
“disciplinas”, “currículo”, entre outros.

Para que pudéssemos estar atentas e presentes frente aos fenômenos


singulares da escola na qual nos encontrávamos mergulhadas, numa atitude
fenomenológica de “retornar às coisas mesmas”, foi necessário afastarmo-nos
de nossas pré-compreensões sobre todos os temas e fenômenos que nos
apareciam.

Como aponta Merleau-Ponty (2015), este afastamento não pode ser


completo, tendo em vista a condição humana de estarmos constante e
fundamentalmente entrelaçadas com o mundo. Entretanto, nos foi possível
identificar nossos conceitos e compreensões prévios àquela experiência, para
55

que pudéssemos estar atentas àquilo que nos pertencia enquanto compreensão
e àquilo que podíamos perceber na escola e junto às pessoas com as quais nos
encontramos.

É porque somos do começo ao fim relação ao mundo que a


única maneira, para nós, de apercebermo-nos disso é
suspender este movimento, recusar-lhe nossa cumplicidade
(encará-lo ohne mitzumachem, diz frequentemente Husserl), ou
ainda colocá-lo fora do jogo. Não porque se renuncie às certezas
do senso comum e da atitude natural – elas são, ao contrário, o
tema constante da filosofia -, mas porque, justamente enquanto
pressupostos de todo pensamento, elas são “evidentes”,
passam despercebidas e porque, para despertá-las e fazê-las
aparecer, precisamos abster-nos delas por um instante.
(MERLEAU-PONTY, 2015, p. 10)

Esta redução será sempre uma tentativa, limitada e incompleta, uma vez
que não é possível empreender uma reflexão sem que haja um mundo a ser
refletido. Assim, o filósofo atesta que:

A reflexão não se retira do mundo em direção à unidade da


consciência enquanto fundamento do mundo; ela toma distância
para ver brotar as transcendências, ela distende os fios
intencionais que nos ligam ao mundo para fazê-los aparecer, ela
só é consciência do mundo porque o revela como estranho e
paradoxal. (MERLEAU-PONTY, 2015, p. 10)

Tal redução requer um rompimento de nossa familiaridade com o mundo


enquanto seres humanos, e isto exigiria que fossemos seres absolutos,
independentes do mundo, o que não somos. Assim, para Merleau-Ponty (2015)
“O maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução
completa.” Tal constatação demonstra a coerência deste método em relação às
suas próprias ideias, pois a afirmação de uma redução completa negaria nossa
condição de ser-no-mundo-com-os-outros, condição inalienável ao ser do
humano.
56

3.1.3. Intencionalidade

Merleau-Ponty (2015) indica que a intencionalidade é considerada por


muitos como a principal descoberta da fenomenologia, promovida por Husserl; e
que sua compreensão só é possível por meio da redução fenomenológica,
tratada anteriormente. Assim, reporta-se à frase: “Toda consciência é
consciência de algo.”

Trata-se de reconhecer a própria consciência como projeto do


mundo, destinada a um mundo que ela não abarca nem possui,
mas em direção ao qual ela não cessa de se dirigir – e o mundo
como este indivíduo pré-objetivo cuja unidade imperiosa
prescreve à consciência a sua meta. (MERLEAU-PONTY, 2015,
p. 15-16)

Husserl distinguia a intencionalidade em dois tipos. Há uma


“intencionalidade de ato”, que se refere às tomadas de decisão, posição e juízo
deliberadas, fruto da escolha, ato voluntário. Este tipo é comumente tratado por
diversos filósofos e é o que se entende por intencionalidade de forma recorrente.
O outro tipo, “intencionalidade operante”, é a que forma a unidade pré-reflexiva
entre o mundo e a existência humana e das coisas. Não é um conhecimento
objetivo, mas sim uma dimensão que antecede toda racionalização e
objetivação. (MERLEAU-PONTY, 2015)

Carmo (2011) faz uma “tradução” da compreensão husseliana acerca dos


dois tipos de intencionalidade para o pensamento de Merleau-Ponty, utilizando-
se da noção de consciência intencional. Indica que, à primeira vista, Merleau-
Ponty mantém dois tipos de consciência – uma filosófica e outra perceptiva –
que podem ser consideradas análogas às categorias de Husserl
(intencionalidade do ato e intencionalidade operante). Entretanto, tal separação
é apenas um recurso didático, pois são dois modos de acesso e contato do ser
humano com os fenômenos do mundo.

Esta acepção de Merleau-Ponty acerca da consciência, apresentada por


Carmo (2011), demonstra a importância da dimensão perceptiva no pensamento
do filósofo. Ao considerar uma consciência, ou presença no mundo, que se dá
ora de forma filosófica/analítica, ora de forma perceptiva ou sensível, é
57

necessário considerar também o mundo enquanto algo que está sendo refletido
e, por outro lado, como algo que toca a existência antes mesmo de ser pensado.
Estas são as dimensões reflexiva e pré-reflexiva do mundo no pensamento
merleaupontiano.

É esta intencionalidade operante (Husserl) ou consciência perceptiva


(Merleau-Ponty) que “[...] fornece o texto do qual nossos conhecimentos
procuram ser a tradução em linguagem exata.” (MERLEAU-PONTY, 2015, p. 16)
A questão da “compreensão” para a fenomenologia está enredada neste
entendimento da intencionalidade pré-reflexiva, pois é a busca por reencontrar
algo que sempre esteve lá, no mundo e nas coisas.

Ao se deparar com determinada situação ou fenômeno, interroga-se a


partir de qual perspectiva a compreensão deve se realizar, qual dimensão
escolher, ao que responde Merleau-Ponty (2015, p. 17):

Deve-se compreender de todas as maneiras ao mesmo tempo,


tudo tem um sentido, nós reencontramos sob todos os aspectos
a mesma estrutura de ser. Todas essas visões são verdadeiras,
sob a condição de que não as isolemos, de que caminhemos até
o fundo da história e encontremos o núcleo único de significação
existencial que se explicita em cada perspectiva.

Para Carmo (2011), o desafio da fenomenologia repousa na manutenção


da integralidade, tanto do ser humano, quanto das coisas, considerando a
existência enquanto a inevitável imbricação de um no outro, sem que um se torne
superior ou soberano ao outro. É a necessidade de a existência humana e o
mundo estarem sempre abertos e dispostos um ao outro.

É neste sentido que se considera cada pesquisa uma forma única de olhar
o mundo, as pessoas e os fenômenos. Cada pesquisador carrega consigo uma
pré-compreensão do mundo que se formou ao longo de sua história e das
experiências que vivenciou. Esta singularidade também está no modo como as
coisas e as pessoas mostram-se em cada situação, a cada vez.

A escola na qual buscamos compreender o fenômeno da corporeidade


em nossa pesquisa mostrou-se a nós de forma peculiar e única, pois revelou-se
a partir de nossa presença e intencionalidade de nosso olhar e investigação. Em
58

contrapartida, nos disponibilizamos nesta escola com um olhar que carrega uma
forma única de estar no mundo. Neste sentido, a intencionalidade revela o
encontro único e singular que cada pesquisa pode propiciar àqueles que se
colocam à disposição do mostrar-se dos fenômenos.

3.2. Contexto da pesquisa

3.2.1. O território

A escola onde realizamos as intervenções desta pesquisa está localizada


na Zona Norte da cidade de São Paulo, no bairro da Brasilândia. É um bairro
periférico da cidade que, junto ao bairro da Freguesia-do-Ó, fazem parte de uma
mesma região. A escola fica localizada em uma área relativamente nova do
bairro, chamada de Morro Grande, que apelida o nome pelo qual a escola é
popularmente conhecida na região: Escola Morro Grande.

Segundo Rosa et al (2016), a formação da Brasilândia ocorreu por meio


de um processo de ocupação e migração próximo às fronteiras do distrito da
Freguesia do Ó no fim da década de 40. O território era, originalmente, um sítio,
que foi vendido para uma empresa de loteamento, e os lotes vendidos para
famílias de renda média. Os primeiros moradores dos loteamentos foram
pessoas que moravam em habitações populares e cortiços do centro da cidade,
desocupados e demolidos à época.

Assim, a formação deste bairro é marcada desde seus primeiros


moradores por traços e histórias de exclusão. Aliado a isso, juntaram-se a este
bairro migrantes das regiões Norte e Nordeste do país, em busca de melhores
condições de vida nas grandes cidades. Este território passa a se caracterizar
por habitantes de baixa renda e pela superlotação das habitações. As habitações
desta região comportam hoje, em sua maioria, de 3 a 5 pessoas, mas podendo
chegar a 9 ou mais pessoas em alguns casos.

A Brasilândia é um dos bairros com piores serviços de coleta de lixo e


saneamento básico. Além disso, esta é a terceira região da cidade em número
de pessoas que residem em favelas. Frente a este cenário, os índices de
desigualdade para esta população são um dos mais altos do município.
59

Ao caminhar pelas ruas do bairro no entorno da escola, tivemos contato


com esta realidade. Ruas sem asfalto e com esgoto a céu aberto, ladeadas por
extensas faixas de lixo jogado no canto dos muros. Nestas ruas residiam alguns
alunos da escola, enquanto outros caminhavam por elas para chegar à escola.

Outro aspecto que caracteriza a população deste território, de acordo com


o levantamento de Rosa et al (2016), é a questão racial. A Brasilândia é o
segundo distrito da cidade de São Paulo com a maior porcentagem de população
negra. 40% dos moradores desta região ganham até 2 salários mínimos. As
condições de empregabilidade deste território são amplamente precárias, com
pouca oferta de empregos formais e, destas poucas, com salários baixos. Assim,
grande parte desta população desloca-se para a região central da cidade para
exercer alguma atividade remunerada, recebendo salários baixos e com
condições precárias de trabalho.

A região também apresenta altos índices de violência, como homicídios,


violência infantil e contra mulheres. É também umas regiões da cidade com os
mais altos índices de homicídio juvenil (7,7 a cada 10 mil habitantes entre 15 e
29 anos), com dados de 2014, com expressivo aumento de mortes de pessoas
negras.

Território quente, chamado carinhosamente de “Brasa” por sua


população, que se mobiliza, que carrega história de luta, que
cobra do Estado garantia de direitos, mas que se organiza, ela
própria, para responder a muitas de suas necessidades [...].
(ROSA et al, 2016, p. 66)

A partir deste panorama, identificamos que os alunos que frequentam a


escola em que realizamos nossa pesquisa fazem parte deste território e
correspondem às características desta população: negros, pobres, com poucos
recursos de habitação, saúde e, quase nenhum recurso de lazer.

3.2.2. A escola

A pesquisa foi realizada em uma escola municipal de Ensino Fundamental


localizada no bairro Brasilândia. Fundada em 2009, a referida escola conta com
60

a mesma equipe gestora desde o início de suas atividades - diretor, vice-diretora


e assistente de direção - bem como alguns membros do corpo docente que
acompanharam seu nascimento. Fazem parte da equipe escolar também as
coordenadoras pedagógicas, os funcionários de setores da limpeza, auxílio,
secretaria, refeitório, e as estagiárias de Pedagogia.

A escola habita um prédio com três pavimentos – térreo e dois andares


superiores. Fazem parte deste uma quadra poliesportiva coberta, um pátio
externo aberto, um refeitório com mesas coletivas, um pátio interno com mesa
de ping-pong e cantinho de leitura. Cada andar conta com salas de aula com
modelo tradicional (mesas e cadeiras individuais para os alunos, dispostas em
fileiras e voltadas para uma lousa, ao lado da qual encontra-se a mesa do
professor ou professora), além de uma sala de música, outra de artes, a sala de
vídeo, uma sala de computação e a brinquedoteca.

As paredes são decoradas com painéis que ilustram atividades realizadas


pelos alunos em diferentes aulas e eventos, com desenhos, poemas, frases. A
manifestação dos alunos e o registro de suas experiências podem ser vistos em
todos os corredores, andares e salas de aulas. Estas impressões transmitem a
presença e o envolvimento dos alunos e educadores nas atividades promovidas
na escola, sugerindo sua postura ativa e engajada nas situações que ali se
apresentam.

Coletividade e participação foram aspectos percebidos nesta escola. A


pesquisa iniciou-se com uma reunião com a equipe gestora, e depois uma
reunião com a presença dos professores e professoras, para que pudessem
conhecer a proposta apresentada e, em contrapartida, para opinarem, sugerirem
e apontarem caminhos nos quais esta pesquisa poderia ter melhor serventia para
a escola, e também experiências mais próximas do tema em questão.

Este mesmo movimento de participação coletiva parece ser uma prática


desta instituição e desta equipe, e se dá na elaboração e efetivação de eventos
extracurriculares promovidos pela escola, como a Olipaz (gincana envolvendo
diversas atividades, jogos e brincadeiras); e a Mostra Cultural Itinerante (na qual
estivemos presentes). Na Mostra Cultural – evento que percorre as ruas do bairro
da escola, em que grupos de alunos das diferentes séries fazem apresentações
de dança, canto, tradições de cultura popular, declamação de poemas, entre
61

outros – a comunidade escolar se reúne para planejar o evento, confeccionar


adereços, faixas e materiais, ensaiar as performances de cada grupo.

A participação e envolvimento dos diferentes personagens deste contexto


escolar nas ações promovidas na escola parecem ser estimuladas em grande
parte pela equipe gestora, como forma de fortalecer o engajamento com temas
sociais e culturais de interesse da comunidade da qual esta instituição faz parte.

3.2.3. Participantes parceiros

A pesquisa contou com a participação de estudantes do Ensino


Fundamental I e II, em especial, duas classes de 6 ano e duas classes de 8 ano,
no período de 1 semestre no qual realizamos as observações. Ao acompanhá-
los em aulas e em conversas informais, percebemos que seus interesses, em
diversas ocasiões, extrapolavam as possibilidades da sala de aula, e seu
aproveitamento e interesse nas atividades escolares ampliavam-se nas aulas de
Educação Física e em atividades extracurriculares, como o evento da Mostra
Cultural, o projeto de skate e as saídas pedagógicas a exposições e situações
culturais, por exemplo.

Outra personagem fundamental à esta pesquisa foi Isadora8, professora


de Educação Física. Por meio da observação periódica de suas aulas com
diferentes turmas de alunos, percebeu-se a ampla possibilidade de práticas
inovadoras de ensino que valorizam o corpo e a expressão como formas de
aprendizado. Os temas abordados em tais aulas e as atividades propostas
envolviam o sentido da coletividade, o valor de cada membro no grupo, a
valorização de habilidades individuais, a criatividade dos alunos, dentre outros
aspectos que extrapolavam os conteúdos pré-determinados pelo currículo.

Em conversas informais, Isadora expôs suas crenças e interesse em


relação aos alunos, às suas aulas e à escola. Contou sobre sua busca por temas
e atividades que promovessem o empoderamento dos estudantes, revelando
suas habilidades e talentos, mesmo que seu desempenho em outras áreas do
conhecimento estivesse aquém das expectativas.

8
Nome fictício.
62

Além dos aspectos técnicos de sua profissão, Isadora demonstrava


empatia em relação aos alunos, o que parecia ser recíproco, além do interesse
e preocupação com o desempenho destes em aulas e na vida escolar de forma
geral. Em uma situação observada em aula, um aluno cantou um rap escrito por
ele em frente aos colegas, elogiando e homenageando a professora. Os colegas
bateram palmas e Isadora o agradeceu com um abraço carinhoso.

Fizeram parte também da pesquisa as professoras de Ensino


Fundamental I e a Coordenadora Pedagógica que acompanha o trabalho destas,
as professoras e professores do Ensino Fundamental II, e 4 professoras de
Educação Infantil e Ensino Fundamental I convidadas de outras escolas da rede
municipal de educação de São Paulo. Este coletivo participou das intervenções
promovidas pela nossa pesquisa nos Projetos Especiais de Ação (PEA)/Jornada
Especial Integral de Formação (JEIF)9. Ao longo de 3 encontros, o grupo
contribuiu para a criação de um espaço de discussão, escuta, troca e reflexão
acerca do corpo, da corporeidade e de seus desdobramentos no contexto
escolar.

Por fim, a equipe gestora da escola teve participação constante e


importante na evolução deste trabalho, por meio de reuniões periódicas, nas
quais informações e percepções eram trocadas e, a cada momento, as
demandas da instituição eram rearranjadas aos objetivos da pesquisa. O olhar
local dos gestores e as reflexões advindas das observações da pesquisa foram
construindo a cada vez o percurso pelo qual caminhou esta investigação.

3.2.4. Cuidados éticos

Esta pesquisa segue os procedimentos éticos previstos na Resolução Nº


466, de 12 de dezembro de 2012, que aponta cuidados éticos em pesquisas
científicas envolvendo seres humanos. O projeto desta pesquisa (nº

9
O PEA e o Horário Coletivo compõem a JEIF (Jornada Especial Integral de Formação). Além
das 25 horas-aula dedicadas à regência, os professores que optam por essa jornada cumprem
mais 11 horas/aula, sendo 4 horas/aula dedicadas ao PEA (Projeto Especial de Ação), dedicado
ao estudo de um tema específico
63

54997816.2.0000.5482) foi submetido ao conselho de ética da universidade e ao


comitê avaliador da equipe Plataforma Brasil, sendo aprovado.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo I) foi assinado pelo


gestor da instituição parceira onde se realizou a pesquisa, e os participantes da
pesquisa foram convidados a participar da pesquisa e das intervenções, bem
como consentiram com a gravação de um encontro, estando cientes do
anonimato de sua participação e da possibilidade encerrar sua participação na
pesquisa a qualquer momento sem prejuízo à sua pessoa. Os nomes dos
participantes foram alterados ao longo do texto para preservar sua identidade.

3.3. Procedimentos

Os procedimentos e recursos instrumentais empregados em uma


pesquisa devem servir para ajudar a responder ao questionamento inicial que
empreende a investigação. Qualquer instrumento pode possibilitar ou impedir o
acontecer de uma investigação.

Para Critelli (2006), ao se empreender uma pesquisa sobre pessoas e


seus modos de ser e estar no mundo, não se pode restringir a infinita gama de
fenômenos que se manifestam aos instrumentos que buscam mensurá-los. Os
instrumentos de uma investigação não deveriam restringir as possibilidades de
ser dos fenômenos, mas sim ampliá-las.

Neste sentido, instrumentos de investigação são materiais provisórios e


secundários, determinados pelo modo de ser dos fenômenos estudados. O que
interessa a uma investigação fenomenológica é o “o que se investiga”
(fenômeno) e não o “como se investiga” (método, procedimentos, instrumentos).
Preocupamo-nos, assim, com a escolha dos instrumentos empregados em
nossa pesquisa, um acesso aos fenômenos sem sua desfiguração.

A reflexão de Merleau-Ponty (2004, p. 59) sobre a pintura moderna


permite pensar – metaforicamente - sobre a necessidade fundamental de
articulação e coerência entre pensamento, método e instrumentos de
investigação:
64

A distinção frequentemente feita entre o tema do quadro e o


procedimento do pintor não é legítima porque, para a experiência
estética, todo o tema reside na maneira pela qual a uva, o
cachimbo ou o maço de cigarros são constituídos pelo pintor na
tela. Queremos dizer que, em arte, apenas a forma importa, não
o que se diz? De forma alguma. Queremos dizer que a forma e
o conteúdo, o que se diz e a maneira pela qual se diz não
poderiam existir separadamente.

3.3.1. Observação participante

O instrumento de acesso da fenomenologia às experiências do mundo é


a descrição como forma de compreensão, o que a diferencia em relação às
pesquisas metafísicas, que buscam a explicação das experiências. O movimento
de descrição que permite compreender os fenômenos revela o caráter intencional
abrigado neste tipo de investigação, uma vez que acarreta a vivência do
pesquisador enquanto observador de determinado fenômeno que se mostra a ele.
(MARTINS, 1992)

Neste sentido, a descrição revela seu caráter intencional, é o encontro do


pesquisador com o mostrar-se do fenômeno; é um encontro único, pois o ser do
pesquisador é único, e o modo de mostrar-se daquele fenômeno naquele momento
é igualmente único. Um pesquisador não poderia descrever um fenômeno da
mesma forma duas vezes, porque ao mostrar-se num outro momento, este
fenômeno já é outro.

Descrever algo implica necessariamente um agente de descrição, ou seja,


alguém que descreve algo. Há também a necessidade de se descrever algo para
alguém que não conhece este algo, ou seja, um expectador da descrição. A
descrição tem, então, o sentido de algo que é escrito para fora. Fazer o outro
entender o ser de algo é habilitá-lo a reconhecer aquele ser no mundo, diferenciá-
lo de outros seres, reconhecê-lo em sua singularidade. (MARTINS; BICUDO, 1989)

Tendo em vista a importância da descrição como modo de compreensão


para a fenomenologia, nossa pesquisa valeu-se da observação participante como
ferramenta de investigação do fenômeno da corporeidade no contexto escolar.
Efetivamente, o uso da descrição em nossa pesquisa também serviu como material
65

de análise, pois muitos elementos destas descrições foram utilizados para ampliar
a percepção sobre os aspectos analisados em nossa investigação.

A natureza do fenômeno estudado – a corporeidade – também direcionou


a escolha do instrumento em questão. Além disso, por se tratar de uma pesquisa
qualitativa de caráter interventivo e participante, o uso da observação participante
promoveu nossa aproximação sensível aos fenômenos presentes na escola.

A observação participante constitui um longo processo, que envolve


desde o momento da inserção do pesquisador no local de estudo, passando por
uma aproximação exploratória inicial do campo pesquisado, o acompanhamento da
rotina dos grupos sociais ali presentes, e finalizando-se com o fechamento da
pesquisa. (VALLADARES, 2007)

Em nossa pesquisa, a inserção na comunidade escolar foi facilitada pela


parceria estabelecida entre o grupo de pesquisa ao qual este estudo se vincula
(ECOFAM) e a instituição escolar desde a fundação desta. Por conta de tal
parceria, a escola acolheu esta pesquisa tendo em vista as possíveis contribuições
mútuas que poderiam se dar com nossas propostas e intervenções. A equipe
gestora da escola participou de forma ativa e articulada na evolução deste trabalho,
tanto na delimitação do problema de pesquisa quanto no planejamento de etapas
interventivas e direcionamento de demandas.

De acordo com Valladares (2007, p. 154):

O pesquisador não sabe de antemão onde está “aterrissando”,


caindo geralmente de “pará-quedas” no território a ser
pesquisado. Não é esperado pelo grupo, desconhecendo muitas
vezes as teias de relações que marcam a hierarquia de poder e
a estrutura social local. Equivoca-se ao pressupor que dispõe do
controle da situação.

Apesar da comunidade escolar estar familiarizada com a presença de


pesquisadores e a realização de pesquisas na escola - alguns alunos,
professores e funcionários já foram entrevistados em algum momento ou
participaram de alguma atividade proposta por um pesquisador – isso não esgota
a singularidade da chegada de uma nova pesquisadora e uma nova pesquisa
como esta.
66

O fato de a rotina, as práticas e a estrutura escolar serem conhecidas pela


pesquisadora, sugere que ela já conheça ou já esteja habituada ao que ali
acontece, preparada talvez para o que está por vir. Mas, como indica Valladares
(2007), esta é uma falsa impressão de segurança. Apesar daquilo que é
previamente conhecido pelo pesquisador, cada comunidade possui uma forma
particular de lidar com aquilo que é comum a todas as escolas.

O processo de observação participante é longo justamente para que


aquilo que parece conhecido seja desvelado e revelem-se relações e pessoas
únicas que habitam aquele local. Com a participação na rotina local e a
aproximação das pessoais por um longo período de tempo, o pesquisador
consegue perceber o que há ali para ser visto, ouvido e sentido.

Outro elemento fundamental da observação participante, segundo


Valladares (2007), é a figura do próprio pesquisador como observador.
Independentemente do que haja para ser observado neste ou naquele local, uma
observação só terá relevância como produto de pesquisa perante o olhar
indagador do sujeito que pesquisa. É neste sentido que o problema de pesquisa
deve nortear os passos, olhares e palavras do pesquisador frente ao campo
pesquisado.

Nosso questionamento com esta pesquisa deu-se no sentido de


compreender de que forma a comunidade escolar considera e faz uso do corpo
nas atividades pedagógicas e na rotina escolar. Desta forma, a cada visita e
observação realizada nesta escola nos questionávamos sobre a corporeidade
dos alunos, dos professores, dos funcionários, pelos espaços e suas
possibilidades, pelos objetos, móveis e utensílios, pelos tempos disponíveis e
faltantes.

Assim, como indica Valladares (2007), o pesquisador sempre será um


estrangeiro frente à comunidade pesquisada e isto é um aspecto positivo, pois
permite uma relação entre ele o os membros da comunidade que favorece sua
tarefa de observador.

Iniciamos a exploração do campo em nossa pesquisa acompanhando


uma professora de Educação Física em suas aulas com diferentes turmas. A
cada turma em que a professora entrava para dar aula éramos convidadas a nos
67

apresentar aos alunos, dizendo sobre a pesquisa, nossa formação e sobre a


instituição onde realizamos a pesquisa, atestando nosso papel de estrangeiras.
Depois disso, os alunos passavam a nos procurar para fazer perguntas e contar
coisas sobre suas vidas e experiências na escola que se relacionavam àquilo
que havia sido dito no momento em que nos apresentamos.

Houve outro momento em que nossa situação de estrangeiras na escola


foi significativa, contribuindo para o direcionamento da pesquisa. Em uma
reunião com a equipe gestora, apresentamos algumas propostas baseando-nos
em aspectos positivos de práticas observadas na escola. Tal apontamento foi
recebido pela equipe como um feedback positivo de seu próprio trabalho, e foi
evidenciada a importância deste comentário justamente pelo fato de ter sido
apontado por um olhar de fora da comunidade escolar.

Percebemos a importância das relações estabelecidas numa pesquisa


considerada participante, que se confirma em diferentes momentos ao longo de
sua realização. Sobre este aspecto, Valladares (2007, p. 154) aponta para uma
significativa vinculação no campo de estudo:

Uma observação participante não se faz sem um “Doc”,


intermediário que “abre as portas” e dissipa as dúvidas junto às
pessoas da localidade. Com o tempo, de informante-chave,
passa a colaborador da pesquisa: é com ele que o pesquisador
esclarece algumas das incertezas que permanecerão ao longo
da investigação. Pode mesmo chegar a influir nas interpretações
do pesquisador, desempenhando, além de mediador, a função
de “assistente informal”.

Neste caso, o papel de “Doc” nesta pesquisa foi ocupado pela professora
de Educação Física já mencionada, Isadora. Além de se colocar à disposição
frente à proposta, permitiu nossa participação em suas aulas, convidou-nos para
uma atividade extracurricular (visita a uma exposição), facilitou nossa
comunicação com outros professores, além de estar a todo momento tirando
dúvidas sobre funcionamentos locais, situações corriqueiras, eventos da escola
e sobre seus planejamentos e propostas de aulas e atividades.

Isadora foi uma pessoa fundamental para o encaminhamento tomado por


esta pesquisa, o que confirma o apontamento feito por Valladares (2007), de que
68

o/a “Doc” pode influenciar as interpretações e decisões do pesquisador. No


acompanhamento de suas aulas, foi possível perceber possibilidades, trabalhos
e compreensões do corpo dos alunos que revelaram um entendimento sobre o
tema muito semelhante à noção de educação integral e de ser humano que
nortearam nossa investigação.

Valladares (2007) faz um comentário que retrata um aspecto da


observação participante que vivenciamos com nossa pesquisa na escola: “Com
o tempo os dados podem vir ao pesquisador sem que ele faça qualquer esforço
para obtê-los.” (p. 154). Isto de fato aconteceu, mas só foi possível com a
realização de visitas periódicas à instituição e com o envolvimento e participação
nas atividades que ali haviam.

Participamos não apenas da rotina escolar na disciplina de Educação


Física, mas também da visita a uma exposição cultural, de uma reunião de pais,
de uma reunião docente e de um evento cultural itinerante promovido pela escola
chamado Mostra Cultural. A participação nestas atividades nos fez perceber
aspectos fundamentais para a estruturação de uma nova etapa da pesquisa,
redirecionando nossas reflexões a possibilitando novas formas de olhar para o
fenômeno do corpo que ali se mostrava.

O trabalho de observação participante exige do pesquisador um exercício


constante de reflexão ao longo do processo, pois podem ocorrer erros e desvios,
o que exige uma constante autocrítica. Como aponta Valladares (2007), o diário
de campo, ou diário de bordo para Machado (2002), é uma ferramenta que
auxilia o pesquisador a revisitar os fenômenos percebidos e suas próprias
atitudes frente a eles a partir de suas descrições, permitindo refletir sobre os
acontecimentos e planejar mudanças necessárias ao melhor encaminhamento
da pesquisa.

Martins e Bicudo (1989) valorizam a descrição nas pesquisas qualitativas


em educação, para que se tenha acesso às experiências e vivências das práticas
educativas e institucionais, visando a maior clareza para a compreensão dos
fenômenos educacionais. Neste sentido, a criação de estratégias e intervenções
pode ser articulada àquilo que foi compreendido do fenômeno investigado, e não
pressuposto. A compreensão e tomada de decisões a partir da descrição é uma
retomada da experiência vivida.
69

Em nossa pesquisa buscamos estar presentes no contexto em que


efetuaríamos nossas intervenções. Andamos, permanecemos, observamos,
conversamos e, por fim, percebemos as possibilidades de intervenção que
aquela escola nos oferecia. Buscamos retomar as experiências de corporeidade
vividas por alunos e educadores na escola, e a ferramenta de acesso a este
fenômeno foi a observação participante.

Sobre este aspecto, Denzin e Lincoln (2006, p. 33) revelam a postura


assumida atualmente pelos pesquisadores qualitativos:

Qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes da linguagem,


do gênero, da classe social, da raça e da etnicidade. Não
existem observações objetivas, apenas observações que se
situam socialmente nos mundos do observador e do observado
[...]. Nenhum método é capaz de compreender todas as
variações sutis na experiência humana contínua.
Consequentemente, os pesquisadores qualitativos empregam
efetivamente uma ampla variedade de métodos interpretativos
interligados, sempre em busca de melhores formas de tornar
mais compreensíveis os mundos da experiência que estudam.

Foram realizadas observações periódicas e sistemáticas, nas quais foi


possível identificar demandas e possibilidades presentes na instituição e nas
práticas escolares em relação ao tema da corporeidade. Percebemos a
promoção de atividades e eventos na escola que estimulam a corporeidade dos
alunos, aliada a situações culturais e artísticas.

Apesar da rotina escolar estar em função do cumprimento de atividades


curriculares obrigatórias, a escola propõe em seu cronograma anual atividades
como Sarau; saídas pedagógicas à museus, exposições, parques, etc; a Olipaz
(gincana envolvendo diversas atividades, jogos e brincadeiras); e a Mostra
Cultural Itinerante, em que os alunos fazem apresentações de dança, música,
canto e recitação de poemas pelas ruas do bairro ao redor da escola.

Há aulas de capoeira, um projeto de skate, equipamento de som


disponível aos alunos no horário dos intervalos para ouvirem músicas de sua
escolha, além de um grande e bem conservado acervo de instrumentos
musicais, artigos e materiais para educação física.
70

As aulas de educação física da professora Isadora, em especial,


revelaram uma prática disciplinar obrigatória no currículo escolar que permite
explorar a temática da corporeidade a partir de diversos temas. Nestas aulas foi
possível acompanhar atividades sobre modalidades de lutas; dança,
coreografias e movimentos ritmados com bola de basquete; estimulação da
dinâmica do grupo por meio de jogos em equipe; criação de jogos pelos alunos;
compreensão de habilidades corporais como agilidade, flexibilidade e força.

As observações e participação da rotina escolar permitiram perceber o


trabalho já realizado pela escola no sentido de planejar e promover atividades
que permitem a expressão da corporeidade dos alunos. Nossa percepção foi
transmitida aos gestores da escola, e foi acolhida de forma positiva, e nesta
oportunidade, foi possível revisitar o problema de pesquisa e seus objetivos,
permitindo delimitar ainda mais estes aspectos a partir das demandas
apresentadas pela escola.

3.3.2. Encontros reflexivos

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa de caráter interventivo pautada


no pensamento e na metodologia fenomenológica, nossa pesquisa propõe um
trabalho de atenção psicoeducativa aliado a uma investigação científica, que se
utiliza de instrumentos adequados ao fenômeno da corporeidade situada no
contexto escolar.

Tendo em vista atender à demanda dos participantes da pesquisa frente


à temática da corporeidade no contexto escolar, assim como compreender sua
concepção de corporeidade, os procedimentos envolvidos nesta pesquisa
visaram promover práticas reflexivas pautadas em uma relação horizontal de
troca entre todos os envolvidos no processo.

Na busca pela compreensão do sentido da corporeidade no contexto


escolar, foi escolhido como instrumento de investigação o encontro reflexivo,
prática proposta por Szymanski, H (2011). Para compreender o funcionamento
e a dinâmica deste instrumento, vale atentar-se à conduta adotada na entrevista
reflexiva, que originou os encontros reflexivos. De acordo com Szymanski e
Szymanski (2013), ambos procedimentos favorecem a condição de reflexividade
71

a partir de uma dinâmica dialógica na relação que se estabelece entre


pesquisador e participantes.

Independente do contexto ou da finalidade, devem ser esclarecidos aos


participantes os objetivos aos quais a entrevista ou o encontro se propõe. O
caráter reflexivo destes instrumentos reside na troca constante entre os
envolvidos na situação: a entrevistadora faz pequenas devolutivas ao longo do
processo a fim de expressar sua compreensão acerca do que é dito pelo
entrevistado ou pelo grupo.

Encontro e entrevista reflexiva assemelham-se quanto a elaboração das


questões a serem colocadas à discussão, os cuidados éticos, a aproximação do
grupo frente as atividades de reflexão propostas e o momento de síntese. O
encontro reflexivo difere da entrevista reflexiva pelo fato de ser sempre uma
atividade coletiva que busca uma resposta às demandas do grupo, por meio de
atividades realizadas como forma de sensibilização frente ao tema apresentado.

Szymanski e Szymanski (2013), chamam atenção à dimensão corporal


envolvida nas atividades de apresentação dos temas de reflexão aos grupos, o
que faz deste um instrumento ainda mais afinado à esta pesquisa. As atividades
vivenciais de preparação para a discussão envolvem a questão da corporeidade
por ser o corpo o modo pela qual as pessoas vivenciam o mundo e onde
repousam suas memórias, vivências e a história de cada ser, aliado ao modo
como o corpo e a corporeidade vem sendo apresentados ao longo deste
trabalho.

Os encontros contaram com a participação de um coletivo de professoras,


professores e uma coordenadora pedagógica nos Projetos Especiais de Ação
(PEA)/Jornada Especial Integral de Formação (JEIF) – período semanal de
formação permanente e trabalhos coletivos da equipe docente com as
coordenadoras pedagógicas na escola. Esta fase da pesquisa foi realizada ao
longo de 3 encontros, com duração de 3 horas cada, no espaço do PEA/JEIF
disponibilizado pela escola.

Os encontros tiveram como objetivo promover um espaço de reflexão


acerca do fenômeno do corpo na escola, que permitiu perceber a compreensão
dos docentes acerca do tema. A partir disso, buscou-se ampliar a compreensão
72

do grupo sobre a questão da corporeidade por meio de atividades e conversas


reflexivas, tendo em vista suscitar nas participantes novas possibilidades de
práticas que ampliem as experiências dos estudantes na escola por meio da
valorização da corporeidade.

Desta forma, o encontro reflexivo foi utilizado nesta pesquisa de duas


formas: como prática interventiva10 e como instrumento de coleta de material
para análise. As descrições dos encontros foram sintetizadas e apresentadas no
capítulo seguinte, e servirão como materiais de base para a análise das
Constelações, no capítulo 4.

10
O projeto de intervenção apresentado à equipe gestora da instituição escolar onde a pesquisa
foi realizada e o conteúdo programático das atividades realizadas nos encontros estão
disponíveis nos Anexos I e II.
73

4. DESVELANDO CORPOS, PALAVRAS E SENTIDOS

Neste capítulo apresentamos uma síntese do diário de bordo referente ao


período de observações na escola e também uma breve descrição dos três
encontros reflexivos11 que configuram a intervenção de nossa pesquisa. Estes
materiais servem de apoio para a análise realizada neste estudo, que constitui a
parte final deste mesmo capítulo.

4.1. Diário de bordo

O período de observações nos permitiu perceber aspectos da rotina


escolar e o modo como se realizavam as atividades escolares e pedagógicas.
Revelaram-se os modos como os membros da comunidade escolar articulavam-
se entre si, como assumiam funções, como realizavam tarefas rotineiras e
tratavam de assuntos coletivos.

A demanda da escola nos levou a acompanhar as aulas de Educação


Física da professora Isadora. A equipe gestora sinalizou esta orientação na
reunião em que a parceria entre a pesquisadora e a instituição foi estabelecida,
e este convite se renovou com a disponibilidade da própria professora em nos
receber em suas aulas.

A participação nestas aulas permitiu perceber o modo peculiar como a


professora planejava os conteúdos e programações de aula, aspecto que
também foi tema de muitas conversas entre nós e Isadora. As aulas revelaram
a compreensão de Isadora sobre sua disciplina e suas concepções
educacionais e pedagógicas: as atividades eram realizadas, geralmente, na
quadra da escola e envolviam elementos como música, jogos coletivos,
instrumentos esportivos, vídeos, entre outros.

Nas aulas que observamos foram realizadas atividades com diferentes


classes, que abordaram temas como: movimentos ritmados com bola; criação
de coreografias em grupo; estudo das habilidades físicas e criação de jogos que
contemplassem essas habilidades; estratégias de jogos em equipe; e outros.

11
Os materiais e recursos utilizados nos encontros reflexivos estão descritos detalhadamente e
com as referências no Apêndice II.
74

Isadora fazia seu planejamento de aulas em forma de projetos, que


envolviam: a apresentação do tema, a realização de algumas atividades que se
tornavam gradualmente complexas, e finalizava com uma produção criativa dos
alunos em relação ao tema do projeto. Além das atividades, Isadora mantinha
uma relação carinhosa, próxima e divertida com os alunos. De maneira geral,
os estudantes aprovavam e envolviam-se em suas propostas, além de
demonstrar afeto e carinho pela professora.

A partir da leitura do estudo de Farah (2010), apresentado no capítulo 1,


passamos a nos atentar aos elementos estruturais, materiais e organizacionais
da escola que se relacionavam às aulas de Educação Física e demais
atividades que privilegiavam a corporeidade dos alunos.

Não apenas em relação à aula de Educação Física, mas também para as


demais disciplinas, percebemos que a escola dispunha dos recursos materiais
necessários às atividades (bolas, cordas, elementos esportivos, redes,
instrumentos musicais, sala de vídeo com aparelhagem adequada, sala de
leitura e livros nas salas de aula, sala de artes com materiais artísticos e
plásticos, etc). A escola tem uma estrutura com amplos espaços coletivos e
acessibilidade, como os corredores largos, os pátios coberto e aberto, a quadra,
porém as salas de aula apresentam espaço limitado à organização das carteiras
dos alunos em fileiras.

Na maior parte do tempo, as únicas professoras que utilizaram espaços


fora das salas de aula foram as que lecionam as disciplinas de Educação Física,
Informática e Educação Artística, pois a escola contempla espaços privilegiados
para estas modalidades (quadra, sala de informática e sala de artes,
respectivamente). As professoras e professores das demais disciplinas
realizavam suas aulas majoritariamente nas salas de aula.

Em contrapartida às atividades pedagógicas que se realizavam orientadas


pela matriz curricular, as atividades extracurriculares apresentam propostas que
oportunizam a expressão da corporeidade dos alunos. Estas atividades, –
Olipaz, Mostra Cultural, Oficinas (skate, grafite, capoeira, xadrez), saídas
pedagógicas (visitas à museus, exposições, parques, teatro, cinema) –
entretanto, ocupam um lugar restrito no tempo e nas atividades da escola.
75

Apesar da menor escala, estas atividades extracurriculares promoviam a


mobilização coletiva da comunidade escolar, envolvendo a participação de
todas as instâncias da escola: gestores, coordenadoria, profissionais da
limpeza, professores e professoras dos dois períodos, alunos das diversas
turmas e famílias. O planejamento coletivo destas atividades e sua realização
foram propostos e incentivados pela equipe gestora, que valoriza e articula
esses projetos.

Neste sentido, percebendo a importância de tais atividades de expressão


da corporeidade que já eram realizadas nesta escola, em especial nas
atividades extracurriculares, e acolhendo a demanda da escola de trabalhar e
refletir com a equipe docente sobre esta questão, foram planejados e realizados
os encontros reflexivos. A exposição dos aspectos observados na escola foi
acolhida pela equipe gestora de forma positiva, e nesta oportunidade foi
possível revisitar o problema de pesquisa e seus objetivos, permitindo delimitar
ainda mais estes aspectos a partir das demandas apresentadas pela escola.

4.2. Encontros com as educadoras

1º Encontro

O objetivo deste 1º encontro foi sensibilizar as participantes12 em relação


ao tema da corporeidade, buscando compreender quais experiências e
conceitos estavam relacionados às suas ideias sobre CORPO.

Na primeira dinâmica, foram dispostas figuras em que o corpo aparecia


em relação a situações como viagens, convivência com filhos, atividades físicas
(yoga, pilates, andar de bicicleta, etc), atividades manuais e caseiras (cozinhar,
jardinagem), prazer em ouvir música, convívio com animais de estimação,
valorização de hábitos cotidianos (tomar banho, dormir). O grupo optou por
evidenciar momentos e situações de suas vidas relacionadas a lazer e atividades
prazerosas.

12
Referimo-nos ao grupo de pessoas que participou dos encontros reflexivos com palavras do
gênero feminino (as participantes, as professoras, etc), pois este grupo foi composto em sua
maioria por participantes do sexo feminino.
76

Apenas uma participante trouxe uma situação de trabalho para a


apresentação, referindo-se positivamente às atividades realizadas na educação
infantil (roda de conversa, cantigas, brincadeiras). Outro tema relacionado ao
trabalho suscitou a questão da falta de tempo para usufruir de momentos de
lazer e atividades prazerosas.

Em seguida, partimos para uma atividade que envolvia movimento,


agilidade, na qual a partir de uma palavra-chave lançada pela pesquisadora as
participantes deveriam dizer palavras relacionadas às suas experiências. As
palavras-chave foram: MOVIMENTO, SENSAÇÃO, TRISTEZA, SAUDADE,
TRABALHO e APRENDER.

Ao longo da dinâmica, as participantes pareceram ter mais facilidade em


relacionar as palavras “movimento” e “sensação” com situações de suas vidas;
as palavras “tristeza” e “saudade” já pareceram demandar maior introspecção e
reflexão, suscitando palavras-resposta como dormir, recolher, chorar, raiva, etc;
as palavras “trabalho” e “aprender” demonstraram uma divisão radical, na qual
“trabalho” foi representada em sua maioria por palavras negativas, como dor,
cansaço, esgotamento, e a palavra “aprender” revelou relações com
memorização, relaxamento, atenção, conforto e quietude.

A relação negativa entre corpo e trabalho ficou evidente ao longo da


dinâmica e foi retomada na conversa após a atividade; a professora de Língua
Portuguesa relacionou este fenômeno ao significado da palavra trabalho em
latim – tripalium, instrumento de tortura utilizado na Idade Média – que fazia com
que o significado original desta atividade estivesse relacionado a “ser torturado”.

Em seguida, apresentamos diferentes definições da palavra “corpo” ao


grupo: definição segundo o dicionário, segundo falas de crianças retiradas de um
livro13, e segundo a noção de corporeidade, de acordo com Merleau-Ponty.

Na discussão, as participantes relacionaram as questões do corpo com a


escola. A escola foi identificada como lugar de lazer, atividades culturais e, neste
sentido, prazerosa para os alunos e, portanto, como um lugar de oportunidades
aos estudantes, uma vez que a região onde a escola está localizada é

13
Referência no Apêndice II
77

desprovida de equipamentos culturais e de lazer. O aspecto de lazer da escola


foi relacionado às atividades extracurriculares.

Quanto à questão do corpo dos alunos como revelador dos cuidados


familiares, identificamos uma tendência denominada “não-higienista” por uma
das participantes, mas que tratou do “descuido”, mau-cheiro de alguns alunos,
roupas inadequadas para o clima, como aspectos que dificultavam a relação
entre elas como professoras e seus alunos.

O limite do corpo foi outro tema que envolveu o grupo, trazendo para a
conversa um número maior de participantes. O corpo foi identificado como um
limite, no qual a agressividade, o toque e a movimentação excessiva foram
considerados elementos negativos no comportamento dos alunos.

Neste sentido, foi apontada a necessidade de a escola atuar no controle


e na disciplinarização destes comportamentos, pois os alunos ultrapassam os
limites do seu corpo e invadem os limites dos outros, colegas e professores.
Revelou-se, em alguns discursos, o incômodo frente ao contato físico excessivo
com os alunos, próximos demais ou levantando-se e movimentando-se na sala
o tempo todo. Tais constatações foram relatadas pelas participantes segundo
situações vivenciadas dentro da sala de aula.

A questão da violência e dos comportamentos agressivos dos alunos


entre si, comportamentos estes identificados como brincadeiras de briga e luta,
foram considerados pelo grupo como um hábito que os alunos aprendem em
casa, como brincadeiras de luta e briga com pais e irmãos.

Os relatos compartilhados fizeram perceber que, apesar de a conversa


inicial ter caminhado para a desconstrução da dicotomia mente-corpo, as
participantes mantém uma compreensão de corpo, quando relacionada à escola,
que ainda encontra dificuldades em superar esta dicotomia.

2º Encontro

Baseadas no encontro anterior, buscamos evidenciar a relação que o


grupo estabelecia entre o corpo e suas práticas pedagógicas, como proposta
para este 2º encontro. A partir da apresentação de vídeos e fotos, alguns
78

participantes relataram situações de humilhação e repreensão vivenciadas em


sua infância na escola, com ênfase na conduta agressiva e punitiva dos seus,
então, professores.

Foi discutida a questão das necessidades/possibilidades de mudança nas


práticas pedagógicas, no sentido de tornar as experiências de aprendizagem dos
alunos mais diversificadas e vivenciais, e também o trabalho das professoras
mais agradável. Houve comentários ressaltando as dificuldades que geram
entraves na promoção de mudanças: a estrutura e os espaços das escolas
(públicas e particulares), com salas pouco espaçosas e a quadra sempre
ocupada pelas aulas de educação física; o sistema escolar (estrutura curricular),
que cerceia as opções de conteúdos e limita o tempo de realização de propostas.

Demonstravam dificuldades em promover mudanças significativas a partir


da solidão da sala de aula, uma vez que consideravam o sistema escolar
soberano. Este foi o aspecto mais comentado enquanto dificuldade a ser
superada, mas também como um dos pontos mais rígidos desta mudança.

O comportamento dos alunos frente a novas propostas de aula foi


apontado como ponto de dificuldade, pois a agitação motora e as conversas
excessivas demonstravam o despreparo destes para aproveitar propostas que
exigiam mudanças. Atrelados a esta questão foram suscitados temas como
cansaço, medo da proposta dar errado ou ser mal recebida pelos alunos, falta
de tempo e disposição para o planejamento dessas atividades.

Outra questão apresentada como entrave às mudanças foi o desgaste das


professoras gerado nestas situações, ainda mais agravado no caso daquelas
que enfrentam jornada dupla e/ou tripla. Por ser diferente do modo convencional
de dar aula e, geralmente, envolvendo movimento e atividades do corpo, essas
propostas geram muito cansaço, dificultando sua repetição constante.

As participantes reconhecem tais dificuldades por considerarem-se num


período de transição enquanto professoras, no qual percebem a ineficiência de
práticas antigas, identificadas pelo grupo como tradicionalistas, mas que também
não conhecem ou não foram formadas a partir de novas propostas pedagógicas,
frente às novas demandas (perfil das crianças que têm chegado na escola, novas
tecnologias e formas acesso ao conhecimento).
79

Apesar de todas as dificuldades colocadas como impeditivos de mudança,


três experiências foram compartilhadas e consideradas positivas e prazerosas
por seus protagonistas. Tais experiências foram vivenciadas a partir de
necessidades destas professoras em fazer com que suas aulas fossem mais
prazerosas para elas e para seus alunos.

Suas propostas envolveram: mudanças no espaço da sala de aula ou


mudança de lugar para realizar a aula; uso de recursos diferentes dos habituais,
como músicas e vídeos; propostas diferenciadas de atividades, como convidar
os alunos a dançar determinado ritmo musical, ou cantar alguma música com
letra significativa, ou percorrer lugares da escola com a turma; espaço de diálogo
com os alunos, onde a professora colocava-se à disposição para ouvir as
colocações dos alunos sobre o tema ou a proposta apresentada.

Estas professoras revelaram, em alguns casos, não acreditar na


efetivação ou sucesso de sua proposta, mas identificaram o aproveitamento dos
alunos, a disposição para novas propostas e atividades, e as contribuições ricas
que os alunos acrescentaram à disciplina, além do prazer promovido e partilhado
com tais experiências.

Ao fim do encontro, percebemos que a maior parte do grupo parecia


interessada e envolvida, mas apenas as professoras do ensino fundamental II
colocavam suas situações e opiniões em partilha, as mesmas do encontro
anterior.

3º encontro

Para o último encontro, planejamos uma atividade que suscitasse a


discussão central da nossa pesquisa, a qual viemos nos encaminhando junto
com as participantes nos dois encontros anteriores. Este encontro foi escolhido
para ter seu conteúdo transcrito e transformado em material de análise, como
está apresentado no decorrer deste capítulo.

Com uma dinâmica de cooperação, as participantes foram separadas


aleatoriamente em 5 grupos com 4 pessoas cada. Pedimos aos grupos que
elaborassem uma atividade ou aula que incluísse a dimensão corporal, a partir
da noção de corporeidade.
80

Depois deste momento de planejamento, os grupos apresentaram para


todo o coletivo suas propostas. O primeiro grupo sugeriu uma atividade de
sensibilização dos alunos frente à deficiência visual. Por meio de uma
brincadeira de cabra-cega, junto com a participação da professora, os alunos
poderiam vivenciar a falta da visão e, posteriormente, discutir sobre o respeito
às diferenças e os modos de cuidar e lidar com colegas que tenham alguma
necessidade especial.

O segundo grupo sugere uma brincadeira em movimento chamada


“Yapo”, do grupo musical Palavra Cantada. Acessamos o vídeo desta música na
sala para que todos pudessem assistir. As participantes defenderam que é uma
atividade completa, pois envolve música, movimento, memorização, agilidade,
etc, mas não esclareceram a finalidade da proposta.

O terceiro grupo propôs uma visita dos alunos dos nonos anos a um asilo,
diante da qual fariam um planejamento de atividades a serem realizadas com os
moradores do local e mobilizariam a comunidade escolar e local com
arrecadação de fraldas geriátricas, roupas, alimentos e outros utensílios.
Indicaram que os adolescentes, de maneira geral, não costumam ter paciência
e respeito às pessoas idosas, e que esta atividade envolve a necessidade de
cuidar do outro e ter um olhar sensível às necessidades de uma pessoa que
apresenta limitações de idade.

O quarto grupo partiu de experiências já realizadas pela escola – saídas


pedagógicas – para fazer sua proposta. Suas participantes revelaram que
gostariam de levar seus alunos para conhecer espaços artísticos, monumentos
históricos, parques e exposições. Indicaram que as saídas pedagógicas
envolvem processos burocráticos e que suas possibilidades são restritas frente
à imensidão de ofertas culturais que a cidade de São Paulo oferece.

Com esta proposta, a intenção deste grupo foi oferecer aos alunos
oportunidades de vivenciar diferentes lugares e culturas, ampliando seu olhar
sobre o mundo e sobre suas próprias possibilidades, pois seus alunos pertencem
a uma classe social que não pode custear este tipo de atividade, e o território
onde vivem não oferece tais dispositivos culturais.
81

O quinto e último grupo apresentou uma atividade para turmas de 4º ano.


Segundo as participantes, esta proposta fazia parte do planejamento de suas
aulas, e seria realizada com os alunos em breve. Por meio da brincadeira
“Escravos de Jó”, as professoras trabalhariam com suas turmas sobre a questão
da escravidão no Brasil. Estudaram o significado da música, encontraram
diferentes formas de propor o jogo e sugeriram uma discussão ao final. Indicaram
que perceberam que os alunos tinham interesse pelo tema da escravidão e
buscaram tornar a discussão lúdica e prazerosa.

Ao fim das apresentações, propusemos uma discussão acerca daquilo


que foi apresentado pelos grupos, retomando os assuntos que foram abordados
nos encontros anteriores. Fizemos, então, o seguinte questionamento: Como
vocês relacionam a atividade que acabaram de realizar com a discussão sobre
o corpo nos últimos encontros? A discussão que se seguiu foi gravada, transcrita
e utilizada como material para a análise apresentada no capítulo 5.

4.3. Como se desvelam os corpos: análise em foco

Apresentamos agora, diante das cenas resumidas anteriormente e


detalhadas nos anexos, a análise dos materiais desta pesquisa. Para a reflexão
e discussão sobre os temas e aspectos que se revelaram ao longo do processo
de análise mantivemos diálogo com as contribuições do pensamento de
Merleau-Ponty e com os pesquisadores que investigaram a questão do corpo na
escola, citados nos capítulos iniciais deste trabalho.

Os materiais utilizados nesta pesquisa como conteúdo de análise foram


organizados a partir do princípio de Constelações, proposto por Szymanski, H
(2004). No primeiro momento, os materiais foram separados por unidades de
sentido comum para, posteriormente, formarem Constelações.

As constelações formadas nesta pesquisa são frutos de nossa


compreensão sobre o fenômeno do corpo na escola, olhar este que se fez ao
longo do processo de pesquisa, revelando o caráter intencional e situado deste
olhar. As constelações dependem de alguém que as admire, para que recebam
nome e sentido de acordo com a compreensão de cada pessoa. Assim, cada
novo olhar possibilita novas constelações a serem formadas.
82

[...] podemos dizer que é importante refletirmos sobre onde


estamos nesse vasto universo de possibilidades de
interpretações. Assim como um céu pode ser desenhado de mil
maneiras, assim os fenômenos. É o que a epoché nos ensina. É
preciso saber em que lugar nos encontramos, de que lugar
falamos, pois nossa compreensão é circunstancial, é situada.
(SZYMANSKI, H, 2004, p. 3)

Para Szymanski, H (2004), as constelações são um modo de organização


da compreensão daquele que observa o movimento fenomênico no mundo, o
desvelamento e ocultamento dos entes. Este movimento de velar-desvelar
demonstra o caráter fluido e particular a partir do qual as constelações foram
formadas e apreciadas em nossa pesquisa.

Para auxiliar na organização dos relatos nas diferentes constelações e


para refletir sobre os sentidos que nelas se apresentaram contamos com os
apontamentos de Merleau-Ponty, tanto em seu aspecto metodológico quanto
crítico e filosófico. Este filósofo considera que nós nos confundimos – ou nos
fundimos – àquilo que admiramos. Esta fusão entre nós, pesquisadoras, e os
fenômenos aqui desvelados, constituem a análise desta pesquisa.

O pintor vive na fascinação. Suas ações mais próprias – os


gestos, os traços de que só ele é capaz, e que serão revelação
para os outros, porque não tem as mesmas carências que ele –
parecem-lhe emanar das coisas mesmas, como os desenhos
das constelações. Entre ele e o visível, os papéis
inevitavelmente se invertem. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 25)

Buscamos, com esta investigação, “retornar às coisas mesmas”, ou seja,


desvelar o fenômeno da corporeidade na escola tal como mostrou-se a nós,
pesquisadoras. Foi fundamental à formação das constelações a percepção
situada da corporeidade na rotina e atividades escolares e a descrição detalhada
e sensível daquilo que se fez ver.

Para a assunção desta atitude de retorno, a “redução fenomenológica”,


ou epoché como apontado por Szymanski, H (2004), consistiu num exercício
constante de reflexão. A cada olhar e participação na rotina daquela escola,
83

nossas vivências e pré-concepções em relação ao fenômeno da corporeidade e


as expectativas em relação à pesquisa e aos fenômenos que se revelavam
exigiam a necessidade de evidenciação, para que fossem suspensos ou
reduzidos à nossa vivência pessoal, permitindo aparecer aquilo que fosse
próprio dos fenômenos ali revelados.

Neste mesmo sentido, a análise dos materiais foi feita tendo clareza da
“intencionalidade” que dirigiu nosso olhar ao fenômeno da corporeidade nesta
escola, pois, como aponta Szymanski, H (2004), a forma como as constelações
são organizadas revelam a compreensão do pesquisador frente aos fenômenos.

As constelações aqui apresentadas foram formadas a partir da leitura


compreensiva da transcrição do terceiro encontro14 com as professoras que
participaram da pesquisa. Escolhemos não identificar a autoria de cada fala, mas
sim usar o conjunto de discursos e contribuições como a fala comum deste
grupo. A análise do material transcrito também conta com nossas reflexões e
percepções acerca do período de observação na escola e dos dois encontros
que antecederam o momento referente ao material gravado e transcrito.

Assim, compreendemos que os relatos das professoras podem ser


contemplados a partir de 3 constelações: 1. “Então, a minha didática quem faz
sou eu” - cuidar de ser professora; 2. Experiências de ser professora: um retorno
à coisa mesma; 3. “E a escola acaba sendo... presa” - desafios de ser professora
e críticas ao mundo escolar vivido.

Ao retomarmos o ponto central deste trabalho, que é a compreensão da


corporeidade no contexto escolar, percebemos que as constelações se
apresentam de forma a revelar as possibilidades, experiências, desafios e
resistências presentes nas vivências dessas pessoas enquanto corpos que
habitam o espaço desta escola e que desempenham a função de professoras.

A seguir, apresentamos uma análise a partir das constelações sugeridas,


utilizando algumas falas das professoras para ilustrar os temas por nós
explorados, e apresentando as contribuições do pensamento de Merleau-Ponty

14
Descritos no capítulo anterior.
84

e de pesquisadores que, assim como nós, investigam a questão do corpo na


escola para fazer a discussão e reflexão sobre estes temas.

4.3.1. “Então, a minha didática quem faz sou eu” - cuidar de ser professora

Os depoimentos que formam esta constelação revelam a professora


enquanto protagonista do ambiente escolar, pessoa que desempenha uma
atividade específica e fundamental ao funcionamento da escola, ocupando um
papel que requer investimento pessoal, assunção de responsabilidades e
desempenho de determinadas atitudes.

Alguns relatos comportam a passagem de situações vivenciadas pelas


professoras, mas a maior parte dos assuntos contempla uma perspectiva que
revela o papel ideal de professora identificado por este grupo. Tais ideias foram
organizadas em dois subgrupos de acordo com os temas abordados: as atitudes
de ser professora; e a valorização da aprendizagem pela via da experiência.

Uma das atitudes de ser professora apontadas pelo grupo foi a


importância da professora estar envolvida na realização de atividades e
vivências junto aos seus alunos. As professoras indicaram que o envolvimento
nas atividades junto aos alunos, e não apenas na função de mediadora ou
orientadora, contribui para o sentimento de confiança necessário à relação que
se estabelece entre alunos e professoras, como revelam os trechos a seguir:

É, que confiança é criado em conjunto [...], pode ser a


atividade mais maravilhosa do mundo, mas se o professor
também não se entregar, ele não tá ali naquele vínculo com
o aluno, aquilo não vai surtir um efeito legal, né.

[...] a gente acredita que vai mudar a atitude dessa pessoa.


Que dificilmente ela vai olhar, depois de um trabalho desse,
de sensibilização, de conversa, de experimento, que o
professor se envolve, tenha confiança [...] O vínculo pra
tudo isso, a gente acredita que a atitude muda também.

Nestas falas, as participantes indicam que deve haver um envolvimento


da professora com seus alunos e uma entrega à situação vivenciada em
85

conjunto. A partir desta atitude de entrega e envolvimento da professora, as


participantes acreditam que haverá uma atitude positiva por parte dos alunos,
como a transformação de comportamentos, por exemplo.

Esta compreensão revela o aspecto da coexistência para Merleau-Ponty


e de que este existir com os outros se dá pelo contato dos corpos, pela fusão de
mundos nas relações, pela troca de olhares, palavras, gestos, toques. É no ato
de estar junto que a relação entre professora e alunos se realiza, e não no
distanciamento de papéis, daquela que transmite o conhecimento para aqueles
que absorvem o conhecimento. A vivência horizontal das relações permite
compreensões do mundo que transbordam os aspectos técnicos da educação
formal.

Partindo desta mesma compreensão de troca e proximidade na relação


de professoras e alunos, a escuta foi considerada pelo grupo como uma atitude
necessária ao papel docente, como revela o seguinte trecho:

Não, e também, gente não são todos os professores que dão


oportunidade para o aluno falar, vamos pensar junto, vamos
escrever... infelizmente não é.

Apesar da escuta aos alunos ser uma atitude valorizada pelo grupo,
revela-se nesta fala que há uma dificuldade em manter-se atenta às
necessidades dos alunos. Quando esta participante revela que “não são todos
os professores que dão a oportunidade para o aluno falar”, sugere que a escuta
aos alunos não é uma prática docente ou uma exigência da escola ou do modelo
educacional escolar, mas sim uma escolha que cabe a cada professora,
dependendo da disponibilidade particular de cada uma.

Entende-se, assim, que o modelo escolar sugere relações hierarquizadas,


inclusive entre professoras e alunos, e que a atitude de escuta aos alunos sugere
uma abertura particular de cada professora. Possivelmente, o fato de o modelo
educacional vigente não considerar esta escuta aos alunos como atitude docente
dificulte a assunção desta postura de forma isolada por cada professora.

Podemos pensar também que, além das professoras não terem respaldo
e cobrança do modelo educacional para realizarem esta atitude de escuta, estas
86

mesmas professoras lecionam no mesmo modelo educacional no qual foram um


dia alunas. Isto significa que estas que um dia foram alunas, aprenderam com
suas experiências que a escola não é um lugar que escuta a fala dos alunos, e
que a escuta não é uma atitude que constitui o papel da professora, ao contrário,
o que constitui a professora enquanto tal é justamente o poder do discurso e da
razão, e sua diferenciação em relação aos alunos, o que impede a escuta às
necessidades e vozes dos alunos.

Desvela-se, portanto, uma contradição. Apesar de não terem sido


formadas para, enquanto professoras, darem voz aos alunos e ouvirem suas
contribuições e necessidades, estas professoras valorizam esta atitude como um
aspecto positivo da prática docente.

O outro tema que aparece enquanto atitude docente para este grupo
revela a compreensão de que a professora é a responsável pelo modo como o
ensino e os conhecimentos serão apresentados aos alunos. Este assunto
apareceu em dois relatos. No primeiro, a professora indicou que o seu
preconceito pessoal em relação a uma palavra poderia ter privado seus alunos
de uma atividade, como revela o trecho a seguir:

Quando eu fui começar a cantar a música com eles, eu falei,


mas isso não tá certo, 'trepa no pau e não sabe descer', acho
que eu não vou cantar com eles. [...] eu vi a M. [outra
professora] cantando, aí ela cantando toda alegre, eu falei
‘não, vou ensinar’. Aí depois, né? A gente vai ver, né, onde
tá o preconceito, né?

Aquilo que esta professora considerava como preconceito podemos


entender a partir do significado próprio desta palavra: algo que é previamente
concebido. Podemos relacionar a compreensão desta professora de que seu
julgamento prévio sobre a canção teria impedido a atividade a seus alunos à
concepção husseliana de suspensão fenomenológica e, consequentemente, à
noção de retorno à coisa mesma. Na experiência desta professora, ao ver outra
professora cantando a música “toda alegre”, pôde suspender seus preconceitos
sobre a letra da música e seus significados, o que a permitiu perceber a
experiência de cantar a música e vivenciar esta experiência.
87

É neste sentido que este grupo considera que o papel que a professora
desempenha é fundamental na forma como os alunos serão apresentados aos
conhecimentos e também na seleção de quais conteúdos estarão disponíveis ou
não para serem acessados. Este outro trecho revela este mesmo tema de outra
forma:

... aí eu fiz um contrafluxo. Eu me pus no lugar do aluno pra


dar a aula. Então a minha didática quem faz sou eu.
Então eu acho isso, eu acho que nós estamos falando aqui
dessas indicações de aula, mas a aula em si, a didática em
si, ela é uma vantagem na mão da gente, né. A gente planeja,
e a gente chega na sala, a gente tem uma proposta, eles tem
outra, a gente precisa trabalhar o conteúdo, e quando
trabalhar esse conteúdo, pra trazê-lo pra essa curiosidade,
pra essa espontaneidade, né.

Este relato carrega muitos elementos que indicam atitudes valorizadas por
esta participante em relação ao seu papel enquanto professora. Ela afirma que
a didática, que entendemos aqui como metodologia didática, é uma escolha
particular de cada professora, ou seja, cada professora escolhe o modo como
quer ministrar suas aulas, apresentar os conteúdos e se relacionar com seus
alunos.

Esta participante considera essa escolha uma vantagem. Na sua


experiência, sua escolha consistiu em colocar-se no lugar dos seus alunos e
buscar identificar a forma mais interessante e espontânea de tratar os conteúdos
e temas obrigatórios do currículo, tendo em vista despertar a curiosidade dos
seus alunos.

Nas duas falas, esta sobre a didática e a anterior sobre o preconceito,


pudemos identificar que a docência e a metodologia escolhida por cada
professora revelam uma noção de perspectiva, de estar situada. Assim como na
compreensão deste grupo, consideramos que a ação docente depende das
experiências singulares e do modo de ser que constitui cada professora. A partir
de suas diversas experiências e de seu modo de existir no mundo, cada
professora irá realizar a docência de um modo singular. E isto pode ser tanto
88

uma vantagem quanto um desafio, como demonstram os relatos apresentados


anteriormente.

Como já havíamos indicado no início da discussão desta constelação,


além das atitudes de ser professora este grupo considerou que o cuidar de ser
professora também envolve a valorização da aprendizagem pela via da
experiência.15

Ao longo dos três encontros realizados com este grupo foram


apresentados temas como: dicotomia mente-corpo; corporeidade segundo o
pensamento de Merleau-Ponty; aprendizagem por meio da racionalização do
conhecimento e apreensão de conceitos versus aprendizagem por meio da
experimentação dos conteúdos nas diferentes situações da vida e do mundo. No
terceiro encontro, sugerimos que as professoras se organizassem em grupos e
criassem uma proposta de atividade a partir deste princípio de “aprendizagem
por meio de vivencias e experiências”. Os relatos a seguir que compõem esta
constelação referem-se à atividade proposta neste encontro.

Para ilustrar o modo como as participantes compreendem a


aprendizagem pela via da experiência, selecionamos os trechos abaixo a serem
discutidos em seguida:

[...] foi de comum acordo que um trabalho de olhar para o


outro através de uma sensibilização é muito importante em
todos os graus, então a gente colocou aqui que é importante
o envolvimento do professor, né, que no caso seria uma
sensibilização em uma brincadeira primeiro, de cabra-cega
pras crianças perceberem essa necessidade da visão, né,
estar com a falta de.

E é uma ideia que eu sempre tive, [...] de fazer um projeto,


por exemplo, de levar, por exemplo, os nonos anos num...
num asilo, numa casa de idoso, e eles terem esse contato,
com a pessoas mais idosas, passarem um... um dia, fazer
um trabalho voluntário, preparar atividades pra esses
idosos. Ter essa troca, assim, esse momento de uma troca
de carinho, de respeito. E nisso, envolver também a

15
É importante relembrar aqui que os encontros reflexivos que foram realizados com este grupo
de professoras tiveram o tema “o corpo na escola”, nos quais a concepção de aprendizagem por
meio de vivencias e experiências foi assunto recorrente. Assim, consideramos que o grupo achou
importante destacar esta compreensão como uma atitude docente a ser valorizada frente à
proposta trabalhada aos longo dos encontros.
89

comunidade. Então deles tarem fazendo essa visita, por


exemplo... mas não só uma visita, assim, por si só, né, tem
todo um trabalho antes, durante e depois.

Aí o pessoal começou a falar muito de 'ah, eu pegava e


levava os alunos pra algum lugar. [...] E aí cada um foi
falando um lugar, surgiram vários lugares, e... várias ideias,
é, e... o que eu achei, o que une todas essas ideias, é... é
enriquecer a vida dos alunos em experiências, de vivências,
visão de mundo, de repertório cultural [...] Vem com essa
ideia de incorporar a cidade, incorporar os lugares de lazer,
de artes, históricos... [...] de incorporar, de trazer pra dentro
aquilo, de tomar conta.

Cada uma das participantes faz uma proposta de atividade fundamentada


na vivência e experimentação de situações. No primeiro trecho, a professora
sugere que os alunos possam vivenciar a falta da visão por meio de uma
brincadeira, com o intuito de fazê-los valorizar sua condição de videntes e
respeitar a deficiência, dificuldade ou diferença de outros alunos. No segundo
relato, a professora propõe que os alunos visitem um asilo, realizando atividades
junto a seus residentes, com a intenção de fazê-los perceber o valor das relações
e do cuidado com o outro. A terceira fala revela a intenção das professoras em
fazer com que os alunos possam ampliar suas vivências no mundo, por meio da
cultura e do lazer, visitando e ocupando espaços da cidade.

O que nos parece comum entre os relatos apresentados é que as


propostas sugeridas pelas professoras indicam que os conteúdos curriculares
não comportam a multiplicidade de experiências que podem ser oferecidas na
escola e pela escola. Além disso, entendemos que as participantes reconhecem
seu potencial de educadoras para além daquilo que já esperam delas enquanto
professoras. Com estas propostas, essas professoras acreditam que podem
ensinar mais do que os conteúdos pré-determinados nos currículos, podem
participar da formação dos seus alunos de forma integral, podem contribuir para
a formação de cidadãos.

Essas propostas que revelam a dimensão do movimento, da


experimentação e da expansão dos muros da escola (reais e simbólicos) indicam
que a educação escolar pode ir além da transmissão de conteúdos e conceitos
abstratos. As atividades sugeridas pelo grupo chamam os alunos a participar de
90

experiências que tocam a existência como um todo, chamam o corpo a se


engajar e se entrelaçar nas coisas, nas pessoas e nos lugares. Assim, como
aponta Nóbrega (2005), o corpo deixa de ser usado como mero instrumento para
as aulas de educação física ou artes, e passa a ocupar a escola como um todo.

As propostas apresentadas pelas participantes também indicam que a


educação pode assumir e expandir as experiências dos alunos no convívio com
diferentes pessoas, ao vivenciar e ocupar diversos lugares, ao experimentar
situações e condições de ver, sentir e tocar o mundo de diferentes formas.

Para finalizar nossas compreensões sobre esta constelação, destacamos


a seguinte fala de uma participante sobre a aprendizagem a partir da dimensão
da experiência:

Tem uma frase de um curso que eu fiz voltado pra


pedagogia Waldorf, que falava assim "Não tente ensinar
com a cabeça de uma criança, o que ainda não passou pelo
coração." [...] Então assim, é... primeiro vem essa parte de
experimentar, de você fazer, de você se entregar, de você tá
com o outro, e depois consequentemente vai vir essa parte
racional, intelectual.

Esta professora acentua que a aprendizagem requer um retorno à


dimensão existencial do ser humano, para que os temas e conteúdos possam
ser apreendidos em seus aspectos conceituais e abstratos pelos alunos. Assim,
consideramos que o grupo apontou algumas atitudes e compreensões
necessárias ao exercício de ser professora que revelam o caráter
fundamentalmente existencial da aprendizagem e a importância de estar junto
enquanto existência compartilhada e, portanto, estar junto enquanto corpo.

4.3.2. Experiências de ser professora: um retorno à coisa mesma

Nesta constelação estão reunidos relatos que explicitam experiências


vividas pelas participantes no exercício da docência. Suas falas revelam o
caráter existencial e vivencial de ser professora, que extrapola o padrão
91

compreensivo e reflexivo caraterístico dos relatos apresentados na constelação


anterior.

Escolhemos associar o tema desta constelação à leitura de Merleau-


Ponty sobre a noção husserliana de “retorno às coisas mesmas”, pois
percebemos que os relatos aqui reunidos suspendem o ato de pensar sobre a
profissão de ser professora, desvelando as práticas e atitudes que se dão no
exercício imediato e vivencial desta profissão.

No encontro com este grupo essas experiências de ser professora


apareceram como forma de valorizar a execução bem-sucedida de uma
proposta, como possibilidade de driblar impedimentos, dificuldades e desafios
que se apresentam, e como percepção de que a relação que se estabelece no
ato de educar e de aprender extrapola os limites colocados pelo sistema
educacional ou pela burocratização do ensino escolar.

Como exemplo de uma atividade realizada e considerada bem-sucedida,


um grupo de professoras do 4º ano do ensino fundamental expôs sua proposta:

A nossa proposta era uma brincadeira, né, Escravos de Jó.


[...] A gente fez uma pesquisa dos significados da música,
que tá tudo a ver com o nosso projeto, e é um tema esse que
os alunos tem demonstrado muito interesse, é bem legal.
[...] É uma musiquinha super simples, mas que tem uma
história, aí, por trás, como os nossos alunos... nós temos
um conteúdo aí pra trabalhar, e também eles estão
interessados em saber mais da cultura e curiosidades, nós
vamos trabalhar também a questão da... da história, da
música, o porquê, né, e trabalhar com a... os movimentos, o
corpo, que usa bastante, a questão da concentração, e
enfim.

As professoras indicaram que os projetos pedagógicos devem ser


formulados a partir do interesse dos alunos. Por outro lado, indicam que sua
profissão e o sistema educacional no qual estão inseridas exige uma
determinada programação de conteúdos a serem ensinados. Com esta proposta,
essas professoras consideram ter conseguido reunir uma série de exigências e
necessidades de forma bem-sucedida: conseguiram aliar o interesse dos alunos,
92

o conteúdo a ser ministrado, e uma metodologia que deu conta de inserir


elementos musicais, de movimento e culturais.

Outro ponto levantado por este grupo foi a experiência de reconhecer


desafios e buscar superá-los, como demonstra o relato a seguir:

Na minha sala, eu t- eu tenho segundo ano, e na minha sala


eu tenho o hábito de todos os dias, a última aula, um tempo
da aula é para uma brincadeira, é... de movimento. Né. Então
eles já esperam por aquele momento. [...] Porque... a gente
sabe que no ensino fundamental, nem tudo a gente
consegue colocar em movimento o tempo todo, né. Então,
é... eu criei essa rotina para que eles... pelo menos aquele
tempinho do dia tenham a oportunidade de sair um
pouquinho da cadeira, né, daquela... atrás daquela mesa o
tempo todo.

Percebemos que esta professora faz uma crítica ao modo como o ensino
e a aprendizagem se dão no ensino fundamental. Nossa pesquisa e os encontros
reflexivos realizados com este grupo também apontaram críticas neste mesmo
sentido. Como revela não saber outra forma de realizar sua atividade docente
frente à imposição do sistema de ensino formal, esta professora encontrou nas
brincadeiras com o corpo e o movimento uma saída para experimentar com seus
alunos outras formas de estar na escola.

Assim, a escola e a concepção de ensino que ela carrega mantém a visão


dicotômica sobre seus alunos, mas também sobre suas professoras, pois seu
formato padronizado e único de ensino direciona a prática profissional a poucos
recursos e metodologias de ensino, para que a dicotomia mente-corpo
permaneça operando.

A experiência desta professora revela que a educação escolar não


comporta a brincadeira, o movimento do corpo e outras formas de expressão
que não sejam o ouvir atento, silencioso e imóvel dos alunos e, por outro lado, o
exercício docente que envolve a oratória, a solidão e o controle das situações
que se apresentam.

Um tema bastante presente ao longo de todo o processo reflexivo deste


grupo e que aparece nesta constelação para compor o quadro de experiências
93

de ser professora foi a questão denominada pelas participantes como


espontaneidade.

Que é o que a gente falava na semana passada, que as


vivências mais legais que a gente teve foram vivências meio
ao acaso assim, uma coisa inesperada aconteceu, alguma
coisa...

Como no trecho anterior, as vivências consideradas por este grupo como


espontâneas revelaram o aspecto existencial da experiência de ser professora e
também o fenômeno da coexistência, pois as situações espontâneas relatadas
pelas participantes contavam sempre com sua interação junto aos alunos.

No trecho abaixo, uma professora relata uma situação vivenciada em sua


sala de aula:

E a gente vê... a gente vêm tão separado assim, tão fechado,


assim, que a gente deixa de aproveitar certas coisas, como
essa espontaneidade que as vezes aparece. Uma vez... [...]
na quinta série, um aluno que tá no oitavo agora, repetiu de
ano, chamado G. É terrível. Terrível. E a gente tava lendo um
texto lá, e paramos para comentar sobre a palavra "já". Ia
falar pra eles sobre esse tipo de palavra, e a gente ficou
falando, né, perguntei pra eles o que significava a palavra
"já", aí eles falaram "agora", tal. Aí o G. parou assim e falou
pra mim "mas, engraçado, p'ssor, 'já' significa 'agora', mas
quando a minha mãe fala 'já já' pra mim, ela tá querendo
dizer 'daqui a pouco'. E eu nunca tinha parado pra pensar
nisso. [...] porque ele é danado, ele assim [...] tem muita
dificuldade de aprendizagem, mas trouxe uma coisa assim,
e todo mundo olhou pra ele, assim, 'Nossa, G, é verd- 'e ele
ficou todo se achando. [...] E aí a gente parou pra conversar
e aí eu, ah, e aí eu 'deixa a aula pra lá né, vambora, né, o que
vocês criaram da aula', o que o G. trouxe é muito mais rico
do que eu tinha trazido. [...] Uma aula bem interessante e,
surgiu também da... da espontaneidade. Aí as vezes a gente
tá com a aula preparada, e “não, você tem que falar do 'já',
depois você vai falar das palavras, Você... vai ler um pedaço
texto pra falar de determinada coisa”. E às vezes você
manda "ah, legal, G. brigada, pessoal, vamos lá,
continuando, vamo aqui agora...' e você perde muita coisa.
94

No relato desta participante, a espontaneidade surge na troca da


professora com seus alunos, que fazem contribuições e questionamentos
baseados em suas vivências no mundo. O retorno à coisa mesma se revela
neste relato, onde um aluno que não corresponde aos padrões escolares
estabelecidos chama a atenção dos colegas e da professora para a aplicação
vivencial de uma palavra em seu mundo, fazendo com que esta palavra ganhe
outro sentido.

A professora percebe que ignorar esta contribuição do seu aluno em nome


de manter a programação curricular seria uma perda. Quem perderia? Ela e seus
alunos. O que perderiam? A oportunidade de olhar e refletir sobre a aplicação
vivencial dos conceitos e conteúdos trabalhados no ambiente escolar como se
fosse entidades abstratas, e não como o que de fato são: coisas do mundo,
coisas no mundo.

[...] eu percebo que os alunos- eles se envolvem muito, as


vezes numa... numa leitura espontânea que eu levo... no
começo da aula. Agora, por exemplo, a gente está
estudando samba, na festa de cultura popular, e daí, na
música do- na letra tem um versinho que fala 'o samba
venceu ditadura, sem qualquer armadura'. Daí eles me
perguntaram o que era ditadura, e eu- e eu falei pra eles. E
daí como eu tinha visitado o Museu da Resistência
recentemente, eu reportei pra eles isso. E eles ficaram
maravilhados, assim, então as vezes, é... as vezes o
interesse pelo conhecimento, pelo novo, ele se dá muito
pelo espontâneo, que tá fora do planejamento. Assim, está
no planejamento, mas são conversas que, é... ultrapassam
esse artificialismo da escola.

Na crítica que se revela no trecho anterior, a participante denuncia a forma


artificial como os temas do mundo e da vida são tratados na escola. Ela indica
que o interesse dos alunos frente aos assuntos apresentados na escola se dá
na relação que se estabelece entre esses conteúdos e suas vidas, algo que se
realiza no diálogo, na troca de experiências, e não no ouvir calado de uns
(alunos) e no dizer mecânico do outro (professoras).

Ao contar sobre sua visita ao museu, relacionando o tema discutido em


sala de aula com uma experiência pessoal, a professora pôde mostrar aos
95

alunos o modo como os temas escolares estão repletos de vida, fazem parte do
mundo vivido, se dão na dimensão da existência.

Por fim, destacamos o trecho de um relato de uma das participantes que


demonstra seu olhar frente às necessidades dos alunos, ao tempo e
disponibilidade de cada pessoa, que ultrapassam as formatações possíveis do
ambiente escolar:

"Vai, C, você consegue!" Aí até que ele desmontou, falei "Tá


bom, pelo amor de Deus, pega seu livro, vai tomar uma
água..." Aí ele voltou. Aí ele voltou, encostou lá de novo,
falei "C, vamos fazer o seguinte, na hora que você se sentir
à vontade, você achar que é o dia, que é o momento, em
qualquer aula minha, você pode pedir pra ler." Quando não
me surpreendeu, dois dias depois ele pediu pra ler. E ele
leu... que não dava muito pra ouvir. [...] Então essas tiradas
que a gente tem que ter o tempo inteiro. Buscar a magia de
trazer...

Esta professora compreende que sua experiência com alunos de diversas


faixas etárias e seu desejo de extrapolar os limites da sala de aula lhe permitem
perceber de forma mais sensível as necessidades, possibilidades e a
singularidade na experiência de cada um de seus alunos. Sua atitude revela uma
resistência ao modo limitado como a escola trata das diferenças e singularidades
dos membros de sua comunidade.

Os relatos aqui apresentados revelam um panorama sobre experiências


de ser professora vivenciadas pelas participantes, que compreendem, dentre
outros aspectos, desafios a serem superados e críticas percebidas ao longo da
trajetória docente, temas que serão abordados na próxima constelação.

4.3.3. “E a escola acaba sendo... presa” - desafios de ser professora e críticas


ao mundo escolar vivido

Nesta constelação reunimos os relatos de experiência das participantes


que dizem sobre os desafios em sua prática docente tendo em vista
metodologias que valorizam e exploram a dimensão da corporeidade e também
as críticas em relação ao sistema educacional e outros fatores que dificultam a
96

execução de propostas que se desviam do padrão ao qual as escolas têm sido


dirigidas.

Os relatos que revelam desafios à prática docente contam sobre situações


vivenciadas junto aos alunos, quando o corpo encontra-se em relação com
outros corpos e experiências, situados em experiências de ensino e
aprendizagem. Um dos desafios parte da consideração das participantes de que
algumas atitudes e comportamentos dos alunos exige que algumas propostas e
atividades sejam realizadas, o que justifica o uso de metodologias e práticas que
fazem uso do corpo, do movimento e da expressividade.

[...] a gente percebe que o respeito, quando há... quando a


deficiência é muito visível, quando é uma coisa mais leve,
eles não tem esse devido respeito, né. [...] e a gente falou
que é importante também a gente mostrar que uma pessoa
que tem uma necessidade especial, ou duas, que a gente
tem alguns casos, até um pouquinho mais, ela não é
ineficiente em tudo [...]

Neste trecho, uma das participantes justificava uma proposta de atividade


que fazia parte de um exercício realizado no encontro reflexivo. Sugeriu uma
brincadeira de cabra-cega como forma de sensibilizar os alunos para tratar sobre
deficiências e diferenças. Para ela, os alunos têm dificuldade em lidar com
alguns colegas que possuem necessidades especiais e, a partir desta inabilidade
dos alunos, ela e seu grupo expuseram esta proposta.

Em contrapartida, outra participante contou que fez uma proposta à sua


turma de alunos: pediu que listassem assuntos e temas que gostariam de discutir
e aprender, e a partir dessas sugestões organizaria seu planejamento, fazendo
com que os assuntos de suas aulas representassem o interesse dos alunos.
Entretanto, a professora não obteve o resultado esperado, e revela como se
sentiu no trecho a seguir:

Essa questão da... da rotina, das coisa que se repetem, não


afeta só nós professores, na verdade. Afeta muito os alunos
também. [...] Mas outro dia eu fiz um trabalho com os alunos
pensando naquela coisa de levantar os temas de interesse
deles, tema de namoro, de férias, Natal, Ano Novo, essas
97

coisas assim, assuntos de interesse deles, pra ter uma aula


representativa e tal... e corrigindo esses trabalhos eu fiquei
impressionado como... como eles pediam coisas que eu já
tinha trabalhado com eles. Então tinha pouca coisa nova,
muito abaixo da minha expectativa. [...] Então isso mostra
bem que... que eles... eles também tão com essa coisa da
rotina. E aí gera uma... uma certa insegurança na gente,
porque a minha ideia com esse trabalho é que eles
sugerissem coisas que alimentasse o meu trabalho. [...] 'ah,
não sei se isso que eu vou fazer, vai ser explicativo, se vai
ajudar, se vai agradar, se não vai...se vai dar certo, se não
vai.’ É complicado.

Diferente de sua colega da fala anterior, esta participante deparou-se com


um desafio colocado pelos alunos no ato de proposição de uma atividade. Indica
como desafio à sua prática os efeitos da rotina e das repetições do cotidiano
escolar sobre o interesse dos alunos nas aulas. Frente a isso, a insegurança
passa a acompanhar ideias e sugestões de atividades que escapam à rotina e
estrutura escolar.

Aliado a este sentimento de insegurança, no 2º encontro reflexivo as


participantes também relataram medo, frustração, cansaço e trabalho excessivo
quando se referiram a propostas de atividades que se diferenciavam do modelo
escolar tradicional de aulas expositivas. Consideraram algumas de suas
propostas fracassadas, pois os alunos rejeitaram suas ideias, “bagunçaram” e
não aproveitaram a aula, consideraram sua proposta uma “recreação”, etc.
Frente a estes comportamentos dos alunos percebidos pelas participantes,
optavam por retomar as práticas docentes que já realizavam.

Estas experiências descritas pelas participantes nos fizeram refletir sobre


a corporeidade como uma condição de estar envolvida pelo mundo, imersa no
mundo e entre as pessoas e relações. Apesar do planejamento das atividades
propostas, no momento de realização e encarnação destas atividades no mundo
da sala de aula, a professora foi lançada e chamada a lidar com a reação dos
alunos e com o rumo que os acontecimentos tomaram. Os sentimentos de
insegurança, frustração e medo aparecem no panorama existencial dos
fenômenos e dos acontecimentos que sua proposta desvelou.

A desistência de abordagens expressivas em nome de práticas docentes


tradicionais revela uma “falsa” sensação de segurança, que se dá pelas
98

repetidas vivências que as professoras tiveram em sua vida escolar enquanto


alunas e mantêm em sua prática docente enquanto profissionais. Rotina e
repetição simulam estabilidade e permanência, tanto para as professoras quanto
para os alunos e, assim, sugerem que todo acontecimento pode ser previsto e
controlado.

Ao permitir-se um outro modo de exercer a docência, estas professoras


depararam-se com a dimensão existencial do mundo da sala de aula, panorama
encoberto pela placidez e segurança da rotina. A inclusão do corpo de forma
expressiva na educação comporta este desafio: permitir a manifestação do
caráter existencial e mundano sempre presentes.

Como aponta Nóbrega (2005), compreender e conviver com as


sensações, os sentimentos e o caráter efêmero da corporeidade é um grande
desafio, especialmente para a sociedade ocidental e a suas ciências. Nosso
conceito de civilidade está intimamente relacionado à noção de dominação e
controle da natureza humana, ou seja, controle do corpo e dos pensamentos.

Outra situação apontada pelas participantes como um desafio é a situação


socioeconômica de seus alunos. Diferente das situações anteriormente
discutidas, neste caso o desafio não se apresenta no comportamento dos alunos,
mas sim na percepção das professoras em relação às condições sociais e
econômicas de seus alunos, e a compreensão de que a escola pode ser um
espaço de oportunidades para vivenciar experiências de cultura e lazer
diferentes daquelas que se apresentam na comunidade e nos bairros dos quais
os alunos fazem parte. O trecho a seguir revela essa compreensão pelo olhar de
uma das participantes:

[...] a gente já vem de uma classe média, meio uma classe


média baixa, aí né. Mas em comparação com a maioria dos
nossos alunos, a gente fica um pouco assim. A gente teve,
por mais que... por exemplo estudei a vida toda em escola
pública, desde a pré-escola até a faculdade, mas eu tive
oportunidade de... de ter certas vivências, assim...

Nesta fala, a participante identifica na classe social a qual seus alunos


fazem parte uma limitação de vivencias e oportunidades. Noutro momento do
99

encontro, as participantes sugerem atividades que ampliem as experiências


educacionais, culturais e artísticas dos alunos, com visitas a museus,
exposições, monumentos e locais históricos, instalações de arte, etc.

Ao perceberem a falta de opções que se apresenta na vida de seus


alunos, as participantes identificam um desafio à sua prática, o que requer que
mobilizem esforços e propostas que possam transformar esta condição. Para
que houvesse esta compreensão de que é preciso tomar uma atitude frente à
condição social dos alunos, as participantes precisaram perceber e valorizar as
diferentes experiências culturais, artísticas e de lazer que tiveram a oportunidade
de vivenciar.

Outro aspecto, a faixa etária dos alunos, em especial dos adolescentes,


foi apontado como desafio pelas participantes, pois consideram que a idade na
qual os alunos se encontram faz com que apresentem comportamentos e
atitudes que se revelam como dificuldades à prática docente.

- Eu acho que é ainda tem um aliado fortíssimo que é a


rejeição, né? Porque enquanto criança, ele pode pisar na
tinta... [...]
- ...e carimbar a parede. [...]
- Depois de uma certa idade, isso já é sujeira, já é... [...]
- ... e daí começa toda- todo o processo de tesourar a
criatividade.
- Eu vejo isso com uma força enorme dentro da minha sala.
[...]
- Porque assim, você pode tentar usar com eles, como o A.
falou, de todas as formas, existe um... [...]
- Não quero, não vou... o medo do ridículo...
- ... porque daí eu acho que tá adolescendo, já tá virando
adulto...
- ... o medo do 'meu amigo...', é... 'o meu amigo vai me
xingar', 'não vou querer passar por isso'. Então é todo um
processo.
- É. Aí você vai entrando naquela fase de adolescência, que
daí o... aí a imaginação já não flui tão bem.

- O problema é o boicote!
100

- Então! Mas aí já não pode mais fazer tantas coisas, porque


é teu amigo que dá risada, ou porque já... já concretizou que
aquilo tá errado...
-... já passou a idade, 'agora eu não posso mais fazer
isso'...
- E aí você vira adulto, e você entra num mundo cheio de
regras, cheio de obrigações [...].

Nos trechos acima a “adolescência”, ou seja, a idade e comportamentos


que as participantes consideram próprios desta faixa etária, são considerados
desafios ao seu trabalho, pois os alunos apresentam resistência,
questionamentos e negação de algumas propostas oferecidas pelas
professoras.

Fica evidente que o olhar do outro gera introversão e não-participação dos


alunos, pois, por sermos seres corporais e por fazermos parte do mundo, somos
ao mesmo tempo videntes e visíveis, o que faz com que modulemos nossas
atitudes uma vez que nos percebamos nus frente ao olhar desvelador do outro.

As participantes compreendem que o medo da exposição, do julgamento


e da rejeição faz com que os alunos tolham a sua própria criatividade e a dos
colegas, fazendo com que as propostas de atividade que estimulam a
criatividade, a expressão e a exposição não encontrem campo fértil.

Noutra fala, a inibição dos alunos é associada à cultura escolar e ao


imaginário social sobre a função da escola, reforçado pelas famílias, como indica
a participante no trecho a seguir:

...a idade também, né. A escola sempre foi assim, né.


Quando você tá na Educação Infantil, por exemplo, no CEI,
na EMEI, as crianças usam a imaginação, ousam... você
desenvolve trabalhos... qualquer coisa que você propõe,
topam. [...] Quando já vem pro Fundamental I, já vem aquela
ideia cultural de que agora é sério, agora você tá na escola.
Então ainda tem aquela visão... assim, agora, acabou a
brincadeira. Agora você entrou na escola. Família... usa
isso.

Para esta participante, a idade continua sendo o desafio que gera a


quebra da criatividade e de interesse dos alunos pelo conhecimento. Ela revela
101

a imagem cultural que se tem da escola: um lugar sem brincadeira, onde os


assuntos são tratados de forma séria e rígida. Quando diz “acabou a
brincadeira”, entendemos que o corpo passa a ocupar outro lugar na escola: a
cadeira, o silêncio, a obediência, a solidão.

Ao lançar luz neste relato, percebemos que há uma compreensão cultural


do que é a escola e de qual sua função, que se confirma frente às práticas
escolares que vêm sendo realizadas nas escolas há muitos anos. Assim, é
possível compreender o estranhamento e a rejeição dos alunos relatados pelas
professoras. As propostas que dão vez ao corpo, ao movimento e à
expressividade quebram o padrão no qual a instituição escolar vem pautando
sua função.

Outro relato apresenta um contraponto neste modo de ser escola nas


diferentes idades dos alunos:

Eu já no fund.(amental) I, acontece eu acho que o contrário.


No fund. I eles tem muita vontade de aprender, assim... bem
conteúdo mesmo, assim, se você faz uma proposta dessas
assim no fund I, aparece 'ah, eu quero aprender fração,
quero aprende- sabe assim, é, desde o...
- ... gostam de mapas, né...
- É! Começa planetas...
- ... planetas...
- Os animais...
- Assim, eu acho que vão se perdendo isso, acho que
quando chega no fund II..
- ... da curiosidade, né...

Para esta participante, a curiosidade e o interesse dos alunos pelo


conhecimento “vai se perdendo”, relacionando ainda este comportamento dos
alunos à sua idade. Noutro trecho, uma participante indica que o interesse dos
alunos pelos assuntos dá-se de acordo com sua idade e relaciona isso, mais
especificamente na adolescência, às mudanças na vida dos alunos e à
transformação hormonal.
102

- Não, é! Penso que tem a ver com a faixa etária também.


Porque os nosso- nonos anos, eles, é, comigo assim, eles
querem as coisas assim, tabela periódica, coisas assim, que
eles se sintam assim...
-...importantes, é, interessante isso. Mas eu acho que tem
bem a ver com hormônios, a faixa etária, do que do 'ah, eu
tô aprendendo uma coisinha assim, tão sem-graça’.
- É! E eu acho que eles querem uma coisa que 'nossa, eu tô
estudando", não tá sabendo o que que tá falando, o que tá
estudando...

Neste trecho, a participante indica que a idade dos alunos faz com que
optem por conteúdos e metodologias mecânicas, com relevância e importância
social. Para ela, a aprendizagem desses conteúdos faz com que os alunos
sintam-se valorizados em seus grupos sociais. Frente a isso, as professoras
sentem-se impedidas de propor atividades que tratem de outros temas.

Contraditoriamente, noutro momento, o grupo considera que os alunos


não têm interesse nos conhecimentos apresentados na escola:

Eles tem... tem essa dificuldade mesmo. Uma certa


acomodação também no corpo, eles, né... esse movimentar
o corpo é pra outras coisas, pra beijo, pra... [risos] Não é
muito pra... [risos]
- Ficar na sala, fechar a porta pra ninguém...
- Estudar pra que?
- É.
- Facebook...

As participantes indicam que seus alunos apresentam disposição e


interesse em temas e situações que fazem parte de sua vida social, e que não
apresentam envolvimento frente às situações e assuntos tratados na escola. O
grupo considera que há um desinteresse nos alunos e isso configura-se como
um desafio.

O último aspecto que selecionamos como desafio indicado pelo grupo é


ilustrado pelos trechos de relatos a seguir:
103

- Uma vez eu fiz um projeto com eles de origens do universo.


Várias explicações sobre a origem do universo. Aí quando
chegou no texto sobre o Big Bang. "Ô, A., mas peraí, não é
aula de português? Vamo ler texto de ciências por que?"
- Eles tem isso...
- Aconteceu, engraçado... aconteceu a mesma coisa...
- É! Às vezes eu coloco algumas perguntas de matemática
pra eles no meio do texto, aí... 'mas é... é português? Vai dar
aula de matemática agora?'
- Eles não conseguem...
- Já invadiram um departamento daqui não é seu. Peraí que
o horário, a aula é de português, aí senão... Mas é! Tem umas
caixinhas assim...

[...] hoje eu dei aula de história pro B, e estava falando dos


índios, [...]. Aí um aluno vira pra mim assim. "Mas... isso é
aula de ciência, que estamos lendo os índios em ciências."
Aí eu parei, falei, "Pára o mundo que eu quero descer, quem
falou que ciência, história, geografia... então vamo lá. Tu-do.
Tudo no mundo é ciências. Tudo, assim. Essa aqui é a
ciência que vai tratar disso, de tratar disso, matemática é
uma ciência exata, português é o que vai tratar da nossa
língua, tudo é ciência.

As participantes indicam que os alunos demonstram estranhamento frente


à fusão de temas de diferentes disciplinas. Ao longo dos encontros com este
grupo, discutimos que a corporeidade incluída e expressão na escola faz com
que diferentes linguagens e metodologias sejam utilizadas na proposição de
atividades. Frente a isso, o grupo relatou diversas experiências como estas
destacadas acima.

O grupo considera que esta segmentação do pensamento é a forma como


os alunos pensam o conhecimento. Por outro lado, as participantes, neste
momento da reflexão, ignoram o fato de que seus alunos conhecem apenas este
modelo curricular, o conhecimento é separado em disciplinas, mantendo
diferentes horários e professoras para cada segmento, como se todas estas
partes não formassem um mesmo todo: o mundo. Neste caso, o desafio consiste
na percepção das participantes de que os alunos não recebem de forma positiva
a articulação de disciplinas e resistem a propostas deste tipo.
104

A relação entre alunos e professoras aparece como elemento


fundamental às participantes para que sua prática docente seja uma experiência
significativa em suas vidas. Ser com os outros, especialmente em relações de
troca, como entre alunos e professoras, é uma condição inalienável a nós
humanos. Os desafios que se apresentam nesta relação fazem com que as
pessoas reflitam e busquem formas mais autênticas de estar juntas, como
aparece nos relatos desta constelação.

O outro aspecto que compõe esta constelação são as críticas das


participantes em relação a elementos e situações que incidem direta ou
indiretamente sobre sua prática enquanto professoras.

Umas das questões levantadas pelo grupo como uma crítica ao longo dos
três encontros foi a diferenciação entre práticas e possibilidades estruturais e
curriculares da educação infantil e do ensino fundamental, e também entre
ensino fundamental I e II.

As práticas e metodologias utilizadas na educação infantil foram


valorizadas pelas participantes, enquanto que em relação ao ensino fundamental
o grupo considera que as práticas tornam-se enrijecidas e monótonas, pois são
determinadas por um currículo limitado e por uma estrutura educacional que
incide diretamente sobre a prática docente.

Apesar de perceberem os aspectos que dificultam a diversidade de


metodologias e linguagens na escola que incluam o corpo e o movimento, as
participantes não chegaram e oferecer estratégias e soluções de mudança para
esta situação. Apesar disso, algumas delas relataram práticas individuais que
driblam tais dificuldades.

Outras críticas neste sentido foram feitas pelo grupo, como o crescente
desinteresse dos alunos frente às atividades realizadas e o estranhamento dos
alunos diante da fusão de assuntos de diferentes disciplinas. Ao relatar uma
situação vivenciada em sua sala de aula, uma das participantes considera que
estes comportamentos e reações dos alunos são gerados pelo modo como a
escola organiza o ensino dos conhecimentos.
105

[...] quando eu comecei a explicar a situação da ditadura,


porque que o samba venceu a ditadura, eles falaram, 'mas
você pode ser professora de história, né, não de português.'
Então, assim, eu...Foi uma fala nova pra mim, eu não sabia
como responder. É, porque eu tava dando aula de história.
Então a escola separa isso, a escola não consegue dizer que
a linguagem é tudo junto, é geografia, é história, é
Fund(amental) I, é Fund(amental) II, é matemática. Tem
livros de poesia, com conteúdos de matemática. Mas a
gente separa tudo.

Neste relato, a participante faz uma crítica direta ao modo como a escola
organiza os conhecimentos em disciplinas que não se articulam entre si, o que
faz com que os alunos aprendam que a inter-relação entre assuntos de
diferentes áreas do conhecimento não é possível.

Fazemos aqui um questionamento: sobre o que falam as diversas


disciplinas escolares? Bom, as disciplinas escolares são formadas por
conhecimentos que falam sobre o mundo e as pessoas. Entendemos que as
diversas disciplinas são apresentadas separadamente para organizar de forma
didática conhecimentos comuns. Mas, porque tamanha rigidez em manter estes
saberes sempre separados, sem integração? Em que momento estes
conhecimentos se integram? Quando e de que forma o mundo e a vida no mundo
é reapresentada aos alunos de forma integral e múltipla?

O trecho a seguir apresenta a crítica de uma participante sobre esta


questão:

Eu... eu acho que assim, eu sinto que... até na minha vida


escolar assim, a escola ela... ela faz com que o aluno perca
o espontâneo. Então eles acabam entrando nesse
artificialismo que é a escola e sala de aula...

Parece-nos que a escola separa o mundo e a vida em segmentos


didáticos, mas não realiza o trabalho de reintegrar essas partes, o que torna os
conhecimentos algo artificial, como aponta esta participante. Revelando sua
compreensão cartesiana sobre o mundo, a escola afasta-se do mundo e passa
a lidar apenas com os conceitos, ideias e representações do mundo. Como
106

podem os alunos manter-se interessados em algo que se distancia tanto da vida


que se mostra além dos limites e muros da escola?

O mundo apresentado pela escola por meio das diversas disciplinas e o


mundo vivido pelos alunos no bairro ao lado parecem estar vastamente distante.
O que separa estes dois mundos? O modo de olhar a existência das pessoas
que ali estão, o modo de compreender a vida e as pessoas.

Então eu acho que às vezes acaba acontecendo isso, a


escola, ela... faz com que o aluno perca ess- perca o
espontâneo, até pelo que o... a gente comentou no grupo,
porque toda- toda saída tem que estar alinhada ao
planejamento, então, imagina, a gente tem que ficar dois
meses num assunto, e ainda provar esse assunto através de
uma saída. É extremamente, é... maçante às vezes.
Mecânico.

A escola lida com a vida e com o mundo, ou seja, com os conhecimentos,


com a existência dos alunos e das professoras, de forma mecânica, ignorando o
caráter existencial de estar no mundo.

[...] utilitário, não é espontâneo. E o que mais tem aqui em


São Paulo são... são exposições, assim, e não dá pra gente
provar toda hora. Muitas coisas que poderiam ser espontân-
muitas saídas que poderiam ser espontâneas. Porque a arte
é espontânea, a música é espontânea. E a escola acaba
sendo...presa.

A escola, o sistema educacional, a estrutura escolar, são sinônimos para


denominar uma mesma forma de organização institucional que faz parte da vida
da população brasileira e que incide de forma determinante sobre o modo como
as pessoas vão entender e se relacionar com os conhecimentos e com diversos
aspectos de suas vidas. Esta instituição nos ensina que o conhecimento
socialmente valorizado e válido é aquele que corresponde às expectativas dela
mesma, e que se encaixa e se modifica para caber em seus formatos. Na escola,
as artes, a cultura, o corpo, os saberes são ressignificados e realojados para que
possam ocupar espaços limitados e determinados.
107

Para que as instituições escolares se organizem e funcionem desta forma,


recebem determinações, regulações e supervisão de outras instituições de
patamares hierárquicos mais elevados, como as secretarias de educação dos
municípios e as diretorias regionais de ensino16, por exemplo. As determinações
destes órgãos têm efeito direto sobre a prática profissional das professoras,
como mostra esta participante em seu relato:

E aí eles (agentes dos órgãos municipais de educação)


sempre insistem, mas no fim das contas fica a mensagem
assim [...] 'então, vocês tem que correr atrás, tem que ligar,
tem que chorar, tem que pedir ônibus, tem que não-sei-o-
que, tem que... tem que correr atrás.’ E... e sempre fica
aquela coisa, né, mas tudo bem, a gente pode correr atrás,
a gente, né, tá ganhando pra isso, a gente tem que correr
atrás, na medida do possível, mas... e vocês? E o que vocês
têm a oferecer? [...] A gente vai ficar correndo atrás pra
você, vocês que... tem que ver isso também, né? [...] e a
Secretaria? O que a Secretaria vai fazer pra nos ajudar?
Ninguém fala... fica tudo no ar, 'não, estamos trabalhando
para... vamos estar trabalhando para...’

Esta participante expressa que além de ter que corresponder a exigências


determinadas pelos órgãos educacionais, há pouco apoio destes para que as
professoras possam realizar suas propostas. Noutro relato, uma participante
conta sobre a sobrecarga sentida no cumprimento de algumas destas exigências
e o sentimento de solidão frente à falta de recursos e suporte técnico.

É, é muito assim com o professor, né igual o TCA (Trabalho


Colaborativo Autoral), [...] nós pegávamos os alunos,
colocávamos quatro alunos dentro do carro pra poder sair,
uma coisa que até é ilegal, assim, porque se acontece
alguma coisa... a gente se ferra! Né? Então a gente coloca
quatro alunos, sai, fomos até o parque do Ibirapuera... [...]
Mas é o único meio de conseguir que eles tenham alguma
vivência fora. Né? Que é muito legal porque forma um
vínculo com os professores, eles conhecem um lugar,
muitos não tinham nunca... né... nunca... saído assim antes.
Mas é muito... Solitário, né?

16
Citamos órgãos municipais de ensino, pois nossa pesquisa realizou-se numa escola municipal
de ensino fundamental da cidade de São Paulo.
108

Esta participante faz uma crítica em relação ao TCA (trabalho autoral


colaborativo). Apesar de compreender a importância da atividade e valorizar a
aproximação com seus alunos e a oportunidade de apresentar-lhes vivências
fora da escola, a participante indica que sente-se responsável por realizar tarefas
que expandam sua prática docente estrita e que, além disso, podem causar-lhe
responsabilização e algum tipo de punição caso algum imprevisto aconteça.

A falta de apoio das instituições superiores faz com que as professoras


sintam-se solitárias em sua prática docente, fazendo com que seus esforços
pareçam limitados. Assim, a opção por propor metodologias e práticas que são
inclusivas à corporeidade torna-se uma tarefa muito mais custosa e dificultada,
pois esta mudança não depende apenas das professoras, mas também do modo
como a escola pensa a educação e o conhecimento, e da forma como a escola
e os órgãos educacionais acolhem estas ideias e práticas e dão suporte (ou não)
a estas professoras.

Para encerrar esta constelação, destacamos uma crítica deste grupo


sobre a escola e o modo como a educação acontece nesta instituição:

[...] a gente acha que um trabalho assim nesse sentido, que


não é do português, da matemática, da educação física, é
um trabalho que pode ser abraçado pela escola inteira. Que
traz um resultado de coisas que na sala de aula a gente não
consegue trabalhar, né. [...] Então trabalhos assim que
envolvam a sensibilidade, o carinho, o respeito, essa... que
às vezes na correria do dia-a-dia, no celular, nas redes
sociais, a gente acaba perdendo um pouco disso, do... né,
do olho, do cuidado, do... então algo nesse tipo assim, a
gente pensou.

O grupo compreende que a educação dos seus alunos deve ser mais
ampla do que apenas os conteúdos apresentados pelas disciplinas e que, para
isso, deve haver projetos e atividades que rompam a segmentação dos
conhecimentos e tratem de temas e assuntos da vida, das relações, das pessoas
e do mundo. A escola pode ser um lugar onde a vida pode ser ressignificada,
compreendida a partir de diversos aspectos, vislumbrada em suas diferentes
possibilidades.
109

Nossa pesquisa propôs uma reflexão sobre o corpo na escola. Mas,


pensar o corpo na escola não é fazer com que as aulas de matemática e língua
portuguesa sejam realizadas em roda, ou na quadra da escola, ou no pátio. Não
é exigir que se promovam infinitas visitas a museus, exposições, espetáculos e
parques.

Pensar o corpo na escola é um convite para rever o modo como a


educação das pessoas vem sendo feita, o modo como o mundo e as pessoas
têm sido representados e ensinados; é perceber as possibilidades e
oportunidades que se fazem para a vida dos alunos a partir desta formação; é
pensar novas formas de organização do currículo, dos espaços, dos tempos, das
tarefas e funções.
110

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa versou sobre o corpo, a corporeidade e seus


desdobramentos no contexto escolar, tema que demonstrou ampla pluralidade
de facetas e experiências, terra fértil para inúmeros questionamentos e
reflexões. Por este motivo, acreditamos que o tema da corporeidade e do corpo
na escola e na educação precisa ser amplamente discutido, e assim, optamos
por trazer aqui uma inconclusão, para pensarmos sobre a impossibilidade de
darmos como encerrado um assunto que trata da existência humana e de sua
natureza inconstante e mutável.

Nesta inconclusão que somos, temos ainda questionamentos que não


devem cessar: por que a educação mantém metodologias e práticas que
possibilitam apenas uma via de compreensão dos conhecimentos e do mundo
aos estudantes? Por que os corpos só são permitidos nas escolas quando
quietos e invisíveis? Por que o movimento dos corpos está sempre associado à
indisciplina? Por que a escola prioriza a homogeneização dos corpos e das
pessoas e rejeita as diferenças? Por que apenas duas ou três disciplinas formais
têm propostas para o corpo e todas as outras (que são maioria) não o fazem?

Tais questionamentos e inquietações nos conduziram ao estudo que


buscamos finalizar com estas últimas palavras, mas ainda sem respostas ou sem
soluções. Por outro lado, ao realizarmos esta pesquisa, acrescentamos novas
questões a estas primeiras: Qual a importância de discutir o corpo na escola
frente ao modo como a educação se apresenta atualmente? Onde ficam as
vivências e o aprender ser e estar no mundo? Qual é a função da escola hoje na
nossa sociedade?

Nosso percurso por este tema nos revelou que é fundamental chamar a
atenção da escola e da comunidade escolar para olhar o modo como ela vem se
organizando e que tipo de formação vem oferecendo aos seus alunos. É neste
sentido que nossa escolha pelo pensamento de Merleau-Ponty evidencia-se,
pois ele reivindica um olhar que se coloca no meio das coisas e não pairando
sobre elas.
111

Fomos para dentro da escola, conversamos com gestores, alunos,


professoras, para saber como está sendo inserido ou não o corpo na educação
e para entender porque as coisas vêm acontecendo desta forma. Enraizamo-nos
na escola para ver a corporeidade manifestando-se e depois abrimos um espaço
de diálogo junto às professoras para saber como elas entendem este fenômeno
e como dão conta da dimensão corporal em sua prática profissional.

Questionar o espaço e as possibilidades do corpo na escola acabou por


denunciar um aspecto fundamental: o modo como a escola lida com o
conhecimento e com a formação das pessoas. Na escola onde realizamos nossa
pesquisa, mas possivelmente em muitas outras experiências escolares, o
conhecimento é segmentado em compartimentos isolados, que contam com a
responsabilização de um profissional para cada área. Esses compartimentos,
que chamamos de disciplinas, são abordados e apresentados aos estudantes de
forma separada e isolada. A maior parte destas disciplinas, em especial aquelas
que compartilham o espaço físico comum da sala de aula, mantém uma via de
ensino que reconhece a racionalização de conteúdos em série como
metodologia única.

A inclusão do corpo na discussão acerca do ensino requer a inversão da


lógica até então utilizada na educação, que é: o ensino se orienta a partir dos
conteúdos. Com o corpo em evidência, torna-se difícil manter-se atado ao
princípio do conteúdo enquanto conceito, faz-se necessário abranger a
dimensão existencial de tais conteúdos. É neste ponto que a problemática do
corpo denuncia o modo como a escola lida com o conhecimento: a escola ensina
conceitos fixos, mas não permite aos alunos experimentá-los em sua dimensão
existencial.

Os relatos das professoras sobre o medo de fracassar em alguma


proposta vivencial com os alunos revelam a impossibilidade de permanência e
imutabilidade de um conceito frente à sua existência no mundo. O modelo
escolar impõe barreiras conceituais e metodológicas que dificultam às
professoras explorar a dimensão d a corporeidade em suas práticas, pois por
orientar-se a partir de uma compreensão cartesiana do mundo não admite
conhecimentos que se movem entre as coisas, que mudam de acordo com as
112

circunstâncias da existência, que dependem da intenção e do olhar daquele que


aprende.

Por isso a dificuldade das professoras de manter seu planejamento de


aulas em diálogo com os interesses dos alunos, pois os alunos trazem para a
escola e para a sala de aula suas experiências no mundo, e a professora não
aprendeu seu ofício a partir da experiência, mas sim partindo de conceitos fixos.

Assim, percebemos o choque entre perspectivas sobre o mundo tão


diferentes – a conceitual da escola e a vivencial dos alunos - e, sendo a
professora a autoridade em sala de aula, sua escolha mantém-se soberana, não
por falta de interesse naquilo que os alunos lhe trazem, mas por não saber e não
poder desenvolver seu trabalho a partir desta perspectiva existencial, que vem
do mundo, e não das representações do mundo.

Convidamo-los a pensar o corpo na escola no sentido de rever o modo


como a educação das pessoas vem sendo feita, o modo como o mundo e as
pessoas têm sido representados e ensinados nas salas de aula, para que
possamos perceber as possibilidades e oportunidades que se mostram à vida
dos estudantes a partir desta formação. Pensemos em novas formas de
organização do currículo, dos espaços, dos tempos, das tarefas e das funções.

O corpo nos convoca a sentir nosso profundo e inalienável contato com o


mundo, condição há muito tempo esquecida na escola. Valorizar, evidenciar e
expressar o corpo na escola é uma exigência para que o modelo educacional
que se mostra soberano na educação brasileira seja repensado à luz de
propostas diferentes, inovadoras e, pasmem, já praticadas atualmente neste
mesmo solo nacional.

Enraizar o corpo na escola é um desafio lançado a todos e todas: escolas,


professoras, comunidades, mas principalmente às instâncias de poder político
que gestam e definem as políticas públicas educacionais brasileiras. Para
aqueles que mantêm seus pés e todo seu corpo enraizado ao chão das escolas,
a discussão que aguçamos nesta pesquisa se revela como uma atitude de
resistência. Ao reivindicar o corpo na escola resistimos à massificação do
conhecimento, à banalização do ensino, à desvalorização da vida, ao
desrespeito e à negligência com o mundo.
113

Encontramos essa atitude de resistência ao modelo educacional vigente


na escola que se fez parceira da nossa pesquisa. Apesar de ser obrigada a
seguir o padrão escolar nacional, esta escola promovia eventos culturais e
atividades extracurriculares que buscavam expressar as diversas linguagens
que a sala de aula não consegue dar conta. Esta escola não apenas teve amplo
interesse na proposta da nossa pesquisa como nos ajudou a elaborar as
intervenções realizadas para que o tema do corpo fosse profundamente debatido
com a comunidade escolar.

Acreditamos que a importância em se discutir a questão do corpo na


escola - sua ausência enquanto aprendiz e sua atual função disciplinadora –
evidencia-se frente a uma educação marcada pela visão dicotômica sobre as
pessoas e pela persistência em fazer com que todos aprendam de forma igual,
padronizada e homogênea, ignorando as aparentes e vivas diferenças que se
explicitam entre nós.

A corporeidade anuncia as múltiplas linguagens e possibilidades de


aprendizagem que a existência humana pode comportar e expressar, mas a
escola - orientada por interesses políticos e econômicos e sustentada por
saberes médicos patologizantes – usa esta condição humana como forma de
discriminação, ora identificando indisciplina, ora diagnosticando patologias,
distúrbios e anomalias.

Abraçar a diversidade requer renúncia às “verdades absolutas”, tão caras


à nossa sociedade e às ciências, em sua maioria. A educação que incorpora o
corpo exige que o aspecto vivencial do conhecimento seja aliado às “verdades”
já estabelecidas no arcabouço de conhecimentos construídos pela humanidade.
A corporeidade ameaça o status de único, estável e soberano das “verdades”,
pois envolve a dimensão da experiência, da construção e reconstrução daquilo
que é sempre um vir-a-ser.

As diferenças que os corpos estampam não dizem sobre um desvio


individual, mostram a diversidade possível na população humana e, assim, as
múltiplas possibilidades de aprender e ensinar que podem ser desveladas em
cada um de nós. O que falta é oportunidade, compreensão sobre o tema e
diálogo entre os membros da comunidade escolar. Nossa pesquisa passou por
essas experiências – oportunidade de vivenciar, compreensão e espaço para
114

diálogo. Foi proveitoso, fez surgir sentidos e reflexões, frutos que gerarão novos
planos e práticas na escola.

Com a experiência desta pesquisa, pudemos compreender que tão


grandes mudanças, que não são apenas práticas, mas principalmente de visão
de mundo, de sentido e intencionalidade dos atos, não se fazem apenas na
escola, mas podem começar aí. Uma escola não pode mudar todo um sistema
educacional, mas pode abrir espaços de reflexão, diálogo e questionamento
sobre os temas que lhe são caros. Estes espaços de voz são ricos, pois
desvelam ideias, pessoas, sonhos. Uma escola não pode mudar leis, mas pode
resistir às imposições que lhe são impelidas, criando espaços culturais, artísticos
e expressivos em sua realidade local, mostrando, assim como pudemos
vivenciar junto à escola-parceira da nossa pesquisa, que existem sim outras
formas de educar para este mundo.

Para finalizar, retomamos uma citação de Merleau-Ponty, da qual já


fizemos uso neste trabalho, mas que consideramos valiosa para expressar
nossa busca que por um novo olhar e uma nova postura frente ao mundo e à
existência humana: “Ora, essa filosofia por fazer é o que anima o pintor, não
quando exprime opiniões sobre o mundo, mas no momento em que sua visão se
faz gesto [...].” (2013, p. 40)

Nossa pesquisa nos mostrou que resistir não é se portar como um muro,
que impede a passagem daquilo que se deseja evitar; resistir é deixar virem as
adversidades para que a partir delas possamos, juntos, encontrar e reencontrar
formas de fazer aquilo em que acreditamos. Resistir é ser rio, correnteza, que se
mantém passando, não importa a largura ou estreiteza das margens que o
contém. Sejamos rio.
115

REFERÊNCIAS

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BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org). Repensando a pesquisa participante. 3ª ed.
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VALLADARES, Lícia. Os dez mandamentos da observação participante.


Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 153-155, fev.
2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v22n63/a12v2263.pdf>.
Acesso em 25 de janeiro de 2016.
118

ANEXO I

Modelo de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido à


Instituição parceira

A EMEF __________________________________, situada à [endereço], por


meio deste termo, concorda em participar da pesquisa de campo referente à
pesquisa de mestrado intitulada “DESVELAR O CORPO: COMPREENSÕES
SOBRE CORPOREIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR”, desenvolvido pela
aluna Amanda Martinez Lourido. Sua coordenação está ciente de que a pesquisa
de mestrado é orientada pela Profa Dra. Luciana Szymanski, a quem poderá
contatar, se julgar necessário, pelo telefone 3670-8527 – Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. A instituição afirma que aceita participar sem receber
qualquer incentivo financeiro e com o único objetivo de colaborar com o trabalho
de pesquisa. O objetivo é estritamente acadêmico e diz respeito à necessidade
de maior compreensão de questões relativas ao sentido da corporeidade dos
alunos no contexto escolar. A instituição pode interromper sua participação a
qualquer momento, caso julgue necessário. A comunicação pode se referir às
dúvidas concernentes à realização da pesquisa, ou ao agendamento de outros
encontros, com o propósito de discutir e aprofundar questões relativas ao
trabalho em andamento. O uso das informações oferecidas pela instituição está
subordinado às normas éticas de pesquisa envolvendo seres humanos da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de
Saúde do Ministério da Saúde. A colaboração é anônima, sendo autorizada a
gravação e transcrição de entrevistas organizadas com o fim especial do estudo
em apreço. A instituição terá acesso às transcrições e gravações das entrevistas
bem como de todo o material de coleta de dados. A pesquisadora do estudo
oferece à instituição cópia assinada deste Termo de Consentimento, conforme
recomendações da CONEP.

São Paulo, ___ de _____________de 2016.

Visto da instituição:____________________________

Assinatura do pesquisador:____________________________

Assinatura do orientador:_____________________________
119

ANEXO II

Modelo de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a


participantes

Convidamos o (a) Sr(a) ________________________ para participar da


pesquisa de campo referente à pesquisa de mestrado intitulada “DESVELAR O
CORPO: COMPREENSÕES SOBRE CORPOREIDADE NO CONTEXTO
ESCOLAR”, desenvolvida pela aluna Amanda Martinez Lourido. A pesquisa de
mestrado é orientada pela Profa Dra. Luciana Szymanski, a quem poderá
contatar, se julgar necessário, pelo telefone 3670-8527 – Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Sua participação é voluntária, com o único objetivo de
colaborar com o trabalho de pesquisa. O objetivo é estritamente acadêmico e diz
respeito à necessidade de maior compreensão de questões relativas ao sentido
da corporeidade dos alunos no contexto escolar. Se depois de consentir em sua
participação o Sr (a) desistir de continuar participando, tem o direito e a liberdade
de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, seja antes ou depois
da coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua
pessoa. O (a) Sr (a) não terá nenhuma despesa e também não receberá
nenhuma remuneração. Os resultados da pesquisa serão analisados e
publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo.
O uso das informações oferecidas pela instituição está subordinado às normas
éticas de pesquisa envolvendo seres humanos da Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
A colaboração é anônima, sendo autorizada a gravação e transcrição de
entrevistas organizadas com o fim especial do estudo em apreço. A instituição
terá acesso às transcrições e gravações das entrevistas bem como de todo o
material de coleta de dados.

Eu, _____________________________________________, fui informado(a)


sobre o que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha colaboração,
e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo
que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento é
emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pela pesquisadora,
ficando uma via com cada um de nós.

São Paulo, ___ de _____________de 2016.

Assinatura do participante:____________________________

Assinatura do pesquisador:____________________________

Assinatura do orientador:_____________________________
120

ANEXO III

Projeto de minicurso apresentado à equipe gestora da EMEF parceira da


pesquisa

Nome do curso: Desvelar o corpo

Justificativa: Tendo em vista a dicotomia mente-corpo que se apresenta nas


práticas institucionais escolares, historicamente produzida por uma tradição que
percebe o corpo como inferior e subordinado à racionalidade, estes encontros
buscam superar este paradigma. A partir da compreensão do corpo enquanto
mediador entre as pessoas e o mundo e, portanto, elemento fundamental à
aprendizagem e à formação enquanto cidadãos, percebe-se a necessidade de
promover espaços de reflexão com a equipe docente a fim de ampliar as
possibilidades de atuação destes profissionais contra a manutenção de práticas
que negligenciam o uso do corpo no processo de aprendizagem.

Objetivo Geral: Compreender a relação dos educadores com a questão do


corpo e da corporeidade.

Objetivo específico: 1. Apresentar a dicotomia mente-corpo no contexto escolar


enquanto forma de manutenção de práticas que desvalorizam o corpo como
elemento de aprendizagem. 2. Promover um espaço de reflexão aos educadores
acerca do próprio corpo. 3. Ampliar a discussão acerca da corporeidade e suas
possibilidades no contexto escolar.

Conteúdo: 1. Estreitando as relações entre meu corpo e eu. 2. Possibilidades


de uso do corpo na escola. 3. Oficina de elaboração de práticas corporais nas
disciplinas.
121

Metodologia: Os encontros contarão com o uso de apresentações em Power


Point, a fim de introduzir a discussão dos temas a partir de imagens e frases de
forma expositiva. Serão utilizados recursos relacionados ao movimento, como
dinâmicas corporais e atividades em grupo, acompanhados de recursos
musicais. Cada encontro será finalizado com uma discussão acerca do tema
abordado a partir das vivências propostas. O curso se encerra com uma
atividade prática de elaboração de propostas e atividades práticas a serem
aplicadas na rotina docente, permitindo a retomada desta reflexão sobre o corpo
na escola na prática docente.

Público alvo: Professores e professoras do Ensino Fundamental I e II.

Regentes: Amanda Lourido (mestranda - PUC-SP) – sob orientação da Profa.


Dra. Luciana Szymanski.

Bibliografia Básica:

FARAH, Marisa Helena S. O corpo na escola: mapeamentos necessários.


Paidéia, Ribeirão Preto, v. 20, n. 47, p. 401-410, set-dez, 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/paideia/v20n47/a12v20n47.pdf>.Acesso em 18 de
novembro de 2015.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução por


Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

MACHADO, Marina Marcondes. Merleau-Ponty e a educação. Coleção


Pensadores e educação, 19. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Biblioteca do


Pensamento Moderno. 4 ed São Paulo: Martins Fontes, 2015 [1945].
NÓBREGA, Terezinha Petrucia da. Qual o lugar do corpo na educação?
Notas sobre conhecimento, processos cognitivos e currículo. Educ. Soc,
Campinas, v. 26, n. 91, p. 599-615, maio/ago, 2005. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/es/v26n91/a15v2691.pdf>. Acesso em 30 de setembro
de 2015.

Documentário: Tarja Branca – A revolução que faltava


122

ANEXO IV

Planejamento dos encontros realizados com professoras e professores

1º encontro: Sensibilização dos participantes em relação ao tema da


corporeidade, por meio de dinâmicas e uma conversa reflexiva a partir das
vivências promovidas.

O corpo no dia-a-dia

Dinâmica das imagens: Serão dispostas figuras numa mesa que


representam atividades, situações e objetos. Cada participante escolhe duas
figuras e se apresenta para o grupo a partir da justificativa das imagens que
escolheu.

Questões a perceber:

 Com qual situação/imagem os participantes se identificam?

 Como o corpo se faz presente em suas vidas?

Concepção de corpo

Dinâmica das palavras: num círculo com todos de pé, a pesquisadora


lança uma bola para uma pessoa falando uma palavra-chave, e cada pessoa
que receber a bola deve dizer uma palavra relacionada ao seu corpo nesta
situação. No momento que perceber necessidade, a pesquisadora muda a
palavra-chave.

Palavras-chave: corpo, sensação, movimento, trabalhar, aprender.

A palavra CORPO

A pesquisadora lerá a definição da palavra “corpo” presente no dicionário.


123

Cada participante receberá uma definição da palavra “corpo”, presente no


livro “Casa das Estrelas – o universo contado pelas crianças”, de Javier
Navarro17, e lerá em voz alta para o grupo.

A partir destas definições, será apresentada numa projeção uma definição


fenomenológica acerca da corporeidade, dando abertura à conversa reflexiva
acerca do tema, à luz das atividades vivenciados no encontro.

 Recurso para discussão: “O guardador de rebanhos – VII e IX”, de Alberto


Caeiro18.

2º encontro: Discussão acerca dos usos do corpo na escola e no processo


ensino-aprendizagem.

Exercício de relaxamento e concentração.

Apresentação do vídeo-clip “Another brick in the wall” (1979), da banda de


rock britânica Pink Floyd, seguidas de fotos de escola do século XIX e atuais
com carteiras enfileiradas e voltadas à lousa.

 Comentar a força disciplinar que a escola e seus espaços exercem sobre


os alunos, mas não apenas os alunos.

 Identificar as mudanças históricas e sociais vivenciadas nas últimas


décadas e a estagnação na qual o espaço escolar se encontra.

Apresentação de um trecho do filme “Sociedade dos poetas mortos”


(1989) e trecho do documentário “Tarja Branca – a revolução que faltava” (2014).

 Identificar no professor a postura de ver o mundo sob uma nova


perspectiva.

17
NARANJO, Javier (Seleção). Casa das estrelas: o universo contado pelas crianças.
Tradução por Carla Branco. Ilustração por Lara Sabatier. Rio de Janeiro: Foz, 2013.
18
PESSOA, Fernando. Poesia completa de Alberto Caeiro. Edição por Fernando Cabral
Martins e Richard Zenith. São Paulo: Companhia das letras, 2008.
124

 E agora? Qual a função do professor? Professor como incentivador da


aprendizagem. Ponte entre o aluno e o mundo; disposição para o diálogo.

Apresentação de dois vídeos com encenações de “A morte do cisne”,


trecho do ballet clássico de repertório “O lago dos cisnes”. No primeiro
vídeo, uma bailarina russa dança a versão original da coreografia criada
por Marius Petipa, sob a música de Tchaikovsky, na qual encena um cisne
agonizante a beira da morte utilizando-se de passos e técnicas da tradição
do ballet clássico enquanto estilo de dança. No segundo vídeo, o bailarino
é um brasileiro negro que dança sob forma de releitura o mesmo
repertório da “Morte do Cisne”, também sob a música de Tchaikovsky,
mas utilizando-se do estilo popping, variação street dance.

 A forma de dançar diminuiu ou deturpou o conteúdo da proposta? Sobre


a educação, a abstração é realmente a forma mais elevada de
conhecimento?

Discussão sobre a possibilidade libertadora da educação e a necessidade


de práticas escolares neste sentido que se iniciam na sala de aula.

3º encontro: Planejamento de atuações possíveis dos participantes, em


sua prática como educadores, que integrem a discussão da corporeidade como
experiência de aprendizagem.

Relaxamento com exercício de respiração.

Slides com retomada dos acontecimentos e reflexões do encontro


anterior.
125

Dinâmica do agrupamento: cada pessoa terá colado em uma parte não


visível de seu corpo uma cor (adesivo). Elas devem agrupar-se de acordo com
suas cores, mas sem se comunicar verbalmente ou por meio de mímica.

Atividade em grupo: Os grupos recebem a proposta de elaborar uma


atividade de sua escolha para uma disciplina ou interdisciplinar que tenha como
princípio um planejamento diferente das aulas expositivas em sala de aula.

Após a realização da atividade e a apresentação de cada grupo sobre a


proposta elaborada, os participantes serão convidados a uma conversa reflexiva
que tem como fundamento a seguinte questão: “Qual relação vocês
estabelecem entre a atividade que acabaram de realizar e as conversas que
tivemos ao longo dos encontros sobre o corpo na escola?” [Etapa do
encontro submetida à gravação frente à aprovação das participantes]

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