Q ue resta da medicina praticada pelos gauleses? Esparsos em obras
de escritores da Antiguidade, surgem registros discretos da originalidade da ciência médica praticada na Gália e, em alguns raros casos, até mesmo os nomes dos médicos. Os gauleses assimilaram a medicina greco-romana e tornaram-se notáveis nas artes da cura nas partes ocidentais do Império, tendo A. Cornelius Celsus louvado, por exemplo, sua engenhosidade no tratamento de moléstias oculares (De Re Medica, VII, 15). Muito interessantes são também as lembranças da medicina popular dos celtas em autores romanos do séc. I até as portas da Idade Média, que conservaram os nomes de diversas ervas, sem dúvida de uso tradicional, bem como suas indicações terapêuticas. É desses escritores, dentre os quais selecionei Plínio, Dioscórides, o pseudo-Apuleio e Marcelo de Bordeaux, que provém a lista abaixo. Os nomes gauleses das plantas aparecem na forma como foram registrados pelos autores clássicos. Essas não são as únicas, mas são aquelas cuja identificação é mais provável.
Obras consultadas:
• Gaius Plinius Secundus, Historia Naturalis
• Pedanius Dioscorides, De Materia Medica • Pseudo-Apuleius, De Herbarum Virtutibus • Marcellus Empiricus (Marcellus Burdigalensis), De Medicamentis
— Korna, a agrimônia (Agrimonia eupatoria), Dioscorides, II, 77. Indicada
para: antiinflamatória. — Bricumum, o absinto (Artemisia absinthium L.); artemisia herba est quam Gallice bricumum appellant (Marcellus, XXVI, 41). Indicada para: emenagoga (induz o aborto). — Betilolen, a bardana (Arctium lappa L.); a Graecis dicitur prosopis [...] Itali personacia, Galli betilolen, Daci riborasta (pseudo-Apuleius, 36). Indicada para: para o tratamento de doenças de pele.
— Oualoida, a camomila (Matricaria recutita); a Graecis dichtur caméléon
[...] Itali beneolentem, alii superbam... Galli oualoida, Campani amolocia, Tusci abiana, Daci amolusta (pseudo-Apuleius, 23). Indicada para: utilizada em colírios.
— Exacum, centáurea pequena (Centaurium erythraea Rafn); hoc
centaurium nostri fel terrae vocant propter amaritudinem summam, Galli exacum, quoniam omnia mala medicamenta potum e corpore exigat per alvum (Plinius, XXV, 26). Indicada para: contra congestão hepática (tónico amargo).
— Thona, a celidônia grande (Chelidonium majus), mencionada por
Dioscorides, IV, 99. Indicada para: o suco trata feridas e dores de dente.
— Berula, o agrião (Nasturtium officinale), mencionado por Marcellus,
XXXVI, 51. Indicada para: em cataplasmas contra a inflamação da gota (tipo de artrite causado por hiperuricemia, a elevação dos níveis de ácido úrico no sangue e no líquido sinovial).
— Belenion (o nome tem outras variantes), o meimendro negro
(Hyoscyamus niger L.); Dioscorides, IV, 68, fornece também o nome dácio. Indicada para: sua toxicidade pode explicar os efeitos psicotrópicos.
— Souiuitis, a hera (Hedera helix L.), Dioscorides, II, 179. Indicada para: remédio para todos os males.
— Beliokandos, cuja identificação é pouco segura, é citado por
Dioscorides, IV, 114; talvez seja a aquileia ou milefólio (Achillea millefolium). Indicada para: antiinflamatória.
— Mulicandos, talvez a mesma planta que beliokandos; a Graecis
dicitur miriofillon, Galli mulicandos, alii uigentia, Daci diodela, Itali millefolium (pseudo-Apuleius, 89). Indicada para: antiinflamatória.
— Baditis, o nenúfar branco (Nymphaea alba); graece nymphaea, Latine
claua Herculis, Gallice baditis (Marcellus, XXXIII, 63). Indicada para: garantidora da castidade, analgésica e emenagoga.
— Rodarum, que talvez seja a ulmeira (Filipendula ulmaria); herba quam
Galli rodarum uocant (Plinius, XXIV, 147). Indicada para: aplicada externamente sobre as úlceras e tumores. — Visumarus, o trevo (Trifolium repens L., o trevo branco, que é o mais comum); trifolium herbam, quae Gallice dicitur uisumarus (Marcellus, III, 9). Indicada para: o suco, usado como cicatrizante; a planta inteira, contra tonturas. — Calliomarcus (em gaulês, callion, “testículo”, markos, “cavalo”), a tussilagem (Tussilago farfara); herba quam Gallice calliomarcus, Latine equi ungula (Marcellus, XVI, 101). Indicada para: em fumigações para acalmar irritações da garganta.
— Vela, o erísimo (Sisymbrium officinale); irionem inter fruges sesamae
similem esse diximus et a Graecis erysimon uocari. Galli uelam appellant (Plinius, XXII, 158). Indicada para: contra a afonia e perda da voz, cicatrizante.
— Odocos, o sabugueiro-anão (Sambucus ebulus); herba quae Graece
acte, Latine ebulum, Gallice odocos dicitur (Marcellus, VII, 13 ; e pseudo- Apuleius, 92). Indicada para: contra mordidas de animais venenosos.
— Gigarus, a bistorta (Bistorta officinalis); polypum emendat herba
Proserpinalis, quae Graece draconteum, Gallice gigarus appellatur (Marcellus, XI, 10). Indicada para: contra mordidas de animais venenosos.
— Usuben, o trovisco (Daphne laureola L.) ou a gilbarbeira (Ruscus
aculeatus L.); Dioscorides, IV, 147. A forma é usubem em pseudo- Apsuleius, 28: a graecis dicitur dafnitis, [...] Itali mustelago, [...] Galli usuben. Indicada para: diurética e emenagoga.
— Titumen, talvez um tipo de artemísia; a Graecis dicitur toxotis, [...] alii
toxobulus, Galli titumen, [...] Daci zired, [...] Romani artemisia (pseudo- Apuleius, 18). Indicada para: contra dores intestinais e dos pés.