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1 Introdução
A aquisição dos ditongos orais decrescentes do português, sob
o enfoque da Teoria da Otimidade standard (OT) – gerativa/
conexionista – foi discutida em Bonilha (2000) com base nos dados
de 86 sujeitos transversais. Os resultados encontrados pela autora
apontaram para a aquisição dos ditongos constituídos por vogais
baixas em estágio anterior aos ditongos constituídos por vogais
médias-altas e altas – militância de restrições fonológicas. Benayon
(2006), utilizando modelos multirepresentacionais, retoma a análise
feita por Bonilha (2000), questionando a adequação da OT para a
análise dos dados. O trabalho da autora aponta para o papel das
freqüências de tipo e ocorrência no processo de aquisição dos
ditongos decrescentes, e para o papel da morfologia.
2 Bybee (2001:34) entende que o que pode ser tratado como universal nas línguas do
mundo está no que é universal em termos de trato vocal e estocagem neuronial. A
explicação, sem dúvida, convence, e é sustentada pelo conexionismo. A questão é
que a Fonologia de Uso não possui ferramentas para formalizar esses universais, o
mesmo não acontece com a OT, pois as propriedades universais do trato vocal
podem ser expressas por meio de restrições de marcação e a estocagem neuronial
pelo funcionamento dos algoritmos de aprendizagem.
3 Sobre a aquisição dos ditongos nasais no português, Freitas (1997), Costa e Freitas
(2001) e Bonilha (2004).
4 Uma análise prévia dos dados de G. também apontou para a ausência do papel da
morfologia na produção correta dos ditongos:
– o ditongo /Ej/ é sempre produzido corretamente tanto em formas plurais – papéis
e anéis – como no singular – idéia;
– o ditongo [ej] é produzido corretamente em todas as possibilidades de produção
de verbos, sendo reduzido em palavras como seis, leite e Mickey. Se a morfologia
tivesse papel na aquisição desse ditongo, esperar-se-ia, por exemplo, que houvesse
dificuldades na realização, justamente, das formas verbais. Ainda, das três
palavras com maior freqüência lexical que apresentam o ditongo [ej] – meia, seis e
sei –, apenas uma é verbo;
– o ditongo [iw] também é realizado corretamente em todas as tentativas de
produção relacionadas a verbos, sendo que, dos 13 tipos, apenas piupiu constitui
a classe mofológica dos nomes.
5 Resultados
Benayon (2006) fez um levantamento da freqüência de tipo dos
ditongos de acordo com a Amostra Censo, 6 sem considerar as
palavras repetidas, mas misturando ditongos que possuem ou não
relação com a morfologia. Observem-se os resultados no Quadro 2.
Ditongos %
[aj] 13,3
[aw] 20,2
[ej] 40
[oj] 10,2
[ew] 5,8
[iw] 0,3
[uj] 4,3
[Ew] 0,8
[Ej] 2,2
[çj] 2,4
Ditongos Tipos %
[aj] 14 10,14
[aw] 9 6,52
[ej] 59 42,75
[oj] 12 8,69
[ew] 16 11,59
[iw] 13 9,42
[uj] 8 5,79
[Ew] 3 2,17
[Ej] 3 2,17
[çj] 1 0,72
Total 138 100
7 O ideal para o presente trabalho, tendo em vista o dialeto gaúcho, seria considerar a
freqüência de tipos dos ditongos em uma amostra como os dados do Projeto
VARSUL.
8 Salienta-se, no entanto, que [uj] faz parte da palavra muito, portanto, em sua
ocorrência nasal.
Idade [aj] [aw] [ej] [oj] [ew] [iw] [uj] [EEw] Ej]
[E çj]
[ç
1:1 0/1 * * * * * * * * *
0
1:2 * * * * * * * * * *
1:3 * 2/2 * * * * * * * *
100
1:4 4/4 2/2 * * * * * * * *
100 100
1:5 1/1 * 1/2 1/1 * * 1/1 * * *
100 50 100 100
1:6 4/5 2/2 3/3 3/4 1/2 1/2 * * * *
80 100 100 75 50 50
1:7 7/7 3/3 4/7 1/1 * 5/6 * 1/1 * *
100 100 57,1 100 83,3 100
1:8:12 7/7 4/4 2/3 3/3 2/2 2/2 * 2/2 * *
100 100 66,6 100 100 100 100
1:9:9 1/2 3/3 0/1 1/1 1/1 * * * * *
50 100 0 100 100
2:1 8/9 2/2 4/4 5/5 2/2 1/2 * 2/2 * *
88,8 100 100 100 100 50 100
2:2 4/4 0/1 3/4 2/3 2/2 1/1 * * * *
100 0 75 66,6 100 100
2:3 4/7 3/3 8/9 4/5 6/6 3/3 0/1 1/1 * *
57,1 100 88,8 80 100 100 0 100
2:5 3/4 0/1 13/13 9/9 3/3 * * 1/1 * *
75 0 100 100 100 100
2:7 4/5 * 21/21 4/4 10/10 2/2 * * * *
80 100 100 100 100
2:8 8/9 * 8/9 4/4 5/5 3/3 0/1 2/2 * 1/1
88,8 88,8 100 100 100 0 100 100
2:9 6/8 * 18/18 5/5 8/8 1/1 * 1/1 * *
75 100 100 100 100 100
2:10 11/13 1/1 8/8 3/3 15/17 3/3 1/1 2/2 1/1 1/1
84,6 100 100 100 88,2 100 100 100 100 100
3:0 4/4 2/2 19/19 7/9 8/8 2/2 0/1 6/6 * 1/1
100 100 100 77,7 100 100 0 100 100
3:1 9/11 2/3 9/9 12/13 21/21 1/1 2/2 3/3 * *
81,8 66,6 100 92,3 100 100 100 100
3:2 6/6 1/1 15/15 5/5 8/9 * * 1/1 2/2 *
100 100 100 100 88,8 100 100
3:3 1/1 1/1 4/4 5/5 3/3 1/1 1/1 * * *
100 100 100 100 100 100 100
3:4 1/1 2/2 3/3 4/4 6/6 2/2 * * * *
100 100 100 100 100 100
3:5 3/3 1/1 4/4 4/4 2/2 1/1 * * * *
100 100 100 100 100 100
3:6 3/3 3/3 3/3 3/3 6/6 2/2 * * * *
100 100 100 100 100 100
3:8 3/3 4/4 9/9 2/2 4/4 * 1/1 1/1 * *
100 100 100 100 100 100 100
3:9 5/5 1/1 6/6 3/3 2/2 2/2 1/1 * * *
100 100 100 100 100 100 100
1º estágio [aj], [aw], [Ew], [Ej], [çj] [aj], [aw], [Ew], [Ej], [çj]
9 Uma comparação aos resultados constatados por Benayon (2006) não será aqui
realizada, tendo em vista que a autora fez distinção, no que se refere aos ditongos
[ew], [ej] e [oj], entre aqueles que constituiriam ou não unidades morfológicas.
6 Conclusão
Os dados analisados indicam a existência de uma simetria entre
freqüência de tipo e de ocorrência dos ditongos do léxico de G. As
altas freqüências de tipo e de ocorrência dos ditongos – aj, ew, oj –
são suficientes para explicar por que as restrições NoSequence
(nucleus) [+baixo...+alto] e NoSequence (nucleus) [-baixo...+alto]
são demovidas antes de outras, sem que seja preciso falar em
universais.
A demoção da restrição NoSequence (nucleus) [+baixo...+alto],
provocada pelas altas freqüências do ditongo [aj], explica a
produção sempre correta dos ditongos constituídos por vogais
médias-baixas – com baixíssimas freqüências nos dados de G. e na
fala adulta – e pelo ditongo [aw]. É como se esses fossem produzidos
corretamente por implicação, pois violam a mesma restrição na
hierarquia. As baixas freqüências dos ditongos [iw] e [uj] no léxico
de G. justificam as demoções tardias das restrições NoSequence
(nucleus) [+alto...+alto] e NoSequence (nucleus) [+alto, dorsal...
+alto].
As altas freqüências de tipo e de ocorrência do ditongo [ej] na
fala da criança e na Amostra Censo, no entanto, não explicam a
aquisição tardia desse ditongo. Nesse caso, aspectos relacionados à
marcação devem ser considerados. Propõe-se aqui que a natureza
distinta da restrição NotTwice (coronal) é que responde pela aqui-
sição tardia desse ditongo. Determinadas restrições de marcação que
expressam complexidade articulatória são demovidas posterior-
mente no processo de aquisição por apresentarem natureza distinta.
A análise da aquisição dos ditongos orais decrescentes, com base
em dados longitudinais e na Teoria da Otimidade Conexionista,
evidenciou o papel das freqüências de tipo e de ocorrência do léxico
da criança no processo de construção da hierarquia de restrições.
Os resultados também apontam para o papel da marcação de
determinadas seqüências que independem de sua freqüência na fala
adulta ou na fala da criança.