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JOAN SCOTT E A NOÇÃO DE EXPERIÊNCIA PARA A COMPREENSÃO

DO GÊNERO NAS PESQUISAS EM PSICOLOGIA

Raiza Barros de Figuerêdo1

Resumo: Este trabalho se propõe a discorrer sobre a noção de experiência proposta por Joan Scott,
a partir de algumas reflexões sobre o uso dessa noção nas pesquisas de gênero desenvolvidas na
psicologia. Essas reflexões ocorreram inicialmente, através de minha pesquisa de mestrado, que se
encontra em fase de andamento e problematiza o gênero na profissão de psicologia. A noção de
experiência, nem sempre é conhecida na obra de Scott, cujo conceito de gênero mais difundido se
encontra no texto: Gênero: uma categoria útil de análise histórica. A metodologia utilizada é
bibliográfica. O uso da noção de experiência, permite não considerá-la de forma essencialista.
Recorrer à experiência tem-se mostrado uma estratégia teórico-metodológica importante, visando
não tomar como referência categorias pré-estabelecidas. Compreender quais as significações de
gênero emergem em determinados contextos, através da noção de experiência, possibilita trabalhar
com a subjetividade nas pesquisas em psicologia, dimensão importante não apenas nessa área do
conhecimento, mas, de modo geral, nas ciências humanas.

Palavras-chave: Gênero; Experiência; Pesquisas em psicologia

1 Introdução
O presente trabalho se destina a discutir sobre a noção de experiência proposta por Joan
Scott, a partir de reflexões sobre o uso dessa noção nas pesquisas de gênero desenvolvidas na
psicologia. Essas reflexões ocorreram inicialmente, através de minha pesquisa de mestrado, que se
encontra em fase de andamento e problematiza o gênero na profissão de psicologia.
Sabemos que a noção de experiência, nem sempre é conhecida na obra de Scott, cujo
conceito de gênero mais difundido se encontra no texto: Gênero: uma categoria útil de análise
histórica. O uso da noção de experiência, permite não tomá-la como auto-evidente, ou de forma
essencialista, mas sim compreendendo-a a partir da história, de como a experiência constrói os
sujeitos. Nesse contexto:
teorizar sobre gênero implica ‘encrenca’ (trouble) sobretudo para a psicologia, na medida
em que essa é uma área disciplinar e a complexidade de gênero, segundo Judith Butler,
exige um discurso inter e pós-disciplinar para resistir à domesticação acadêmica. Desconfio
que o uso quase unânime na academia da definição de gênero de Joan Scott no trabalho
“Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, capítulo de seu livro Gender and the

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Psicóloga, CRP 02/16720. Mestranda em Psicologia, UFPE. Recife, Pernambuco, Brasil.

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Politics of History, publicado em 1988, possa ser considerado como parte dessa
domesticação. Embora Scott trate do poder nessa definição, esta tem sido geralmente usada
de modo a prescindir dos efeitos do poder na própria teorização. Isso fica claro se
compararmos esse trabalho de Scott com um outro trabalho seu muito menos conhecido,
“Experiência” (AZERÊDO, 2010, p. 176).

Para a referida autora, nesse artigo sobre “experiência”:


Scott possibilita um entendimento de gênero muito melhor do que em sua definição
anterior, um tanto domesticada, ou melhor, prestando-se à domesticação. Nesse artigo, em
que faz uma análise crítica de como o conceito de experiência tem sido usado na disciplina
da história, Scott a vê como um evento lingüístico [...] é uma história do sujeito
(AZERÊDO, 2010, p. 176).

Após ter introduzido brevemente a noção de experiência, a seguir, discorrerei sobre a


metodologia desse trabalho.

2 Metodologia
Esse trabalho é bibliográfico:
a pesquisa bibliográfica é a que se desenvolve tentando explicar um problema, utilizando o
conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras congêneres. Na
pesquisa bibliográfica o investigador irá levantar o conhecimento disponível na área,
identificando as teorias produzidas, analisando-as e avaliando sua contribuição para avaliar
a compreender ou explicar o problema, objeto de investigação. O objetivo da pesquisa
bibliográfica, portanto, é o de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas
existentes sobre um determinado tema ou problema, tornando-se um instrumento
indispensável para qualquer tipo de pesquisa (KOCHE, 1997, p.122).

Realizarei uma discussão sobre a noção de experiência de Scott, incluindo também um breve
debate sobre a subjetividade. Também discorrerei sobre a herança objetivista na psicologia, que
possibilita compreender por que tantas vezes a experiência, em seu sentido mais subjetivo, foi
negligenciada nessa área do conhecimento. Por fim, farei a discussão de como tenho pensado em
trabalhar metodologicamente a experiência e a subjetividade nas pesquisas em psicologia.

3 A compreensão de Scott sobre experiência: uma forma de compreender o gênero -


experiência & subjetividade
“Uma historicização que implica uma análise crítica de todas as categorias
explicativas que normalmente não são questionadas, incluindo a categoria
experiência”.(Joan Scott).
Scott em suas construções sobre a noção de experiência, refere que é necessário ter cuidado
com os usos que são feitos desse conceito. Logo no início do texto, ela adverte para o perigo de
tomar a experiência por si só, como auto-evidente, pontuando:

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quando a experiência é considerada como a origem do conhecimento, a visão do sujeito individual
(a pessoa que teve a experiência ou o/a historiador/a que a relata torna-se o alicerce da evidência
sobre o qual se ergue a explicação). Questões acerca da natureza construída da experiência, acerca
de como os sujeitos são, desde o início, construídos de maneiras diferentes, acerca de como a visão
de um sujeito é estruturada - acerca da linguagem (ou discurso) e história - são postas de lado. A
evidência da experiência, então, torna-se evidência do fato da diferença, ao invés de uma maneira
de explorar como se estabelece a diferença, como ela opera, como e de que forma ela constitui
sujeitos que veem e agem no mundo (SCOTT, 1999, p. 4).

Em sua construção sobre a experiência, essa autora é bastante enfática na importância do


papel da história na construção da experiência, afirmando que só quando se entende
verdadeiramente a história é que se pode compreender a experiência. Por diversas vezes ela reitera
esse argumento, conforme se pode perceber nos trechos a seguir: “não são os indivíduos que têm
experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência” (Scott, 1999, p. 5). Ela
destaca que a historicização representa uma resposta aos/às, muitos/as historiadores/as
contemporâneos/as que argumentam que uma experiência sem problematização é o fundamento de
suas práticas, se vale do literário, a partir da literatura, como algo que aponta para várias
possibilidades de interpretação, para compreender a experiência.
Pensando em como analisar a linguagem presente na experiência ela afirma: “o tipo de
leitura que tenho em mente, não pressupõe uma correspondência direta entre palavras e coisas, nem
se restringe a significados únicos, nem tem o propósito de resolver contradições” (Scott, 1999, p.
16). Nesse contexto, a mesma afirma: “experiência é uma história do sujeito. A linguagem é o local
onde a história é encenada. A explicação histórica não pode, portanto separar as duas” (Scott, 1999,
p. 16). Também pontua que o literário não deve ser transformado em fundamental, no sentido de
normativo, para não correr o risco de única escolha, mas de escolha possível.
As considerações a seguir, dizem respeito a essa discussão:
a linguagem aparece, portanto, como sendo da maior importância na teorização feminista
de gênero, e uma forma importante de analisá-la seria através do “literário”, a que Scott se
refere acima. O que seria esse “literário”, que nos ajudaria na psicologia a entender melhor
a experiência dos outros, ou melhor, como coloca Scott, a experiência da diferença? Para
Scott, o literário mostra a complexidade e contradição das produções discursivas sobre a
experiência, que são processos com múltiplos significados, sendo impossível usar uma
única narrativa para dar conta delas. Além disso, não há possibilidade – nem interesse – em
resolver qual narrativa seria mais verdadeira, mais próxima do fato (AZERÊDO, 2010, p.
178).

Recorrer à experiência tem-se mostrado uma estratégia teórico-metodológica importante,


visando não tomar como referência categorias pré-estabelecidas, as quais podem engendrar os
sujeitos em matrizes generificadas. Compreender quais as significações de gênero emergem em
determinados contextos, através da noção de experiência, possibilita trabalhar com a subjetividade

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nas pesquisas em psicologia, dimensão importante não apenas nessa área do conhecimento, mas, de
modo geral, nas ciências humanas.
Com relação à subjetividade, os autores a seguir, afirmam que:

em verdade o conceito de subjetividade passa do campo da psicanálise para os domínios


das psicologias na primeira metade do século passado, mas é somente no seu final que ele
se despe de um sentido naturalizado e substancializado de interioridade, passando a ser
pensado em termos históricos, sociais e políticos – como produção de subjetividade –
apresentando-se contemporaneamente como objeto possível para muitas psicologias de
cunho crítico (PRADO FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).

Sobre gênero e subjetividade, sabemos que:

compreender a complexidade da categoria analítica gênero é fundamental à compreensão


dos processos de produção das subjetividades, que não podem ser reduzidas a identidades
sexuadas estabilizadas no que se convencionou chamar homens e mulheres, masculino e
feminino. As subjetividades são complexas, singulares, heterogêneas e se constituem a
partir de diversas marcações da diferença que excedem à diferença sexual. Há, portanto,
que se desnaturalizar e problematizar tais categorias, o que não implica negar a existência
de homens e de mulheres enquanto sujeitos empíricos concretos (NARVAZ, 2010, pp. 180-
181).

Aprofundando essa discussão, a noção de experiência, a qual iniciei a problematização a


partir de Scott, permite pensar a subjetividade como sendo construída não apenas pela dimensão de
gênero, mas estando relacionada a diversos marcadores sociais como raça, classe, etnia. Mais do
que isso, para mim, essa dimensão está relacionada às formas de ser e de estar no mundo, consigo e
com os(as) outros(as).

4 Um pouco sobre a psicologia: breves incursões sobre a herança objetivista na psicologia e


alguns apontamentos sobre gênero
Farei uma breve incursão na história da psicologia, a fim de tentar compreender por que
tantas vezes a experiência, em seu sentido subjetivo, foi negligenciada nessa área do conhecimento.
Desde o início, a psicologia rapidamente estabeleceu o seu território como o de uma ciência
“objetiva, quantitativa, empírica e livre de valores. O pesquisador, sendo um observador não
enviesado, conduziria experimentos laboratoriais cuidadosamente controlados e se mantinha
distanciado dos objetos em estudo” (Nogueira, 2012, p. 50).
Para essa autora, esse motivo justificaria o fato de que, de modo geral, na psicologia que
nasce como ciência não se fazia sentir o efeito nem a presença do feminismo. Sabemos que nesse
momento de surgimento, tenta-se tornar a psicologia científica, através da objetividade científica.
Faço esse “parênteses”, tentando situar o contexto histórico mais amplo, de modo a facilitar a

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compreensão da associação entre psicologia e objetividade, essa não se fez por acaso. Em fins do
século XIX, a única via de se tornar ciência era através da objetividade, com isso não se pretende
des-responsabilizar a psicologia, por não ter considerado os processos subjetivos, mas tão somente
problematizar essa objetividade.
Com relação à psicologia científica, seu nascimento, é atribuído a Wundt, na Alemanha, em
1879, visto comumente como surgimento oficial. Esse autor discordava da ideia da psicologia
enquanto ciência da alma ou da mente, muito difundida nessa época, para ele, o objeto da psicologia
era a experiência imediata. Nesse período, o que estivesse associado ao mentalismo, ou que fosse
mais subjetivo era descartado. Há vários autores(as) que tem problematizado esse “nascimento” da
psicologia, mas essa discussão não será realizada no presente trabalho.
O esforço em busca da cientificidade também é visto com o Behaviorismo, no início do
século XX, uma das escolas que buscou consolidar a psicologia como ciência. Nesse contexto, a
preocupação com o rigor científico é vista em Skinner (2006), quando destaca a importância de
condições de instrução nas quais se pudesse aprender a descrever adequadamente os estímulos,
visando a fidedignidade na descrição do comportamento. Preocupação essa também vista em
Watson, o qual propõe que a psicologia seja uma ciência empírica “mantendo-se a uniformidade do
procedimento experimental, para que os experimentos dos psicólogos possam assim como os dos
físicos e químicos, ser replicados em qualquer laboratório” (Cançado; Soares; Cirino, 2008, p. 181).
Continuando essa discussão histórica, na década de 60, há um período de crise da psicologia,
mais especificamente da psicologia social, que visa se afastar do imperativo experimental,
característico do behaviorismo. Santos (1998 apud NEVES; NOGUEIRA, 2005, p. 409) refere que
“a importância da adoção de métodos reflexivos nas Ciências Sociais começou a ser advogada a
partir da denominada crise positivista, nos anos 60”.
Algumas perspectivas inauguradas nessa época, a exemplo da teoria das representações
sociais propõem metodologias e formas de conceber a ciência que dependem da interpretação do
pesquisador, fugindo aos cânones da ciência psicológica “normal” de então (Arruda, 2000).
Contextualizando melhor esse surgimento, de acordo com essa autora, na Europa a crise da
psicologia social tomou “a forma de uma afirmação das características do pensamento europeu e
das necessidades da sociedade, acatando as críticas a uma psicologia social fechada na sua torre de
marfim” (Arruda, 2000, p. 114). Essa crise pode ser observada na América Latina, incluindo-se aqui
o Brasil, notadamente a partir dos anos 1970.

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Palmonari e Cerrato (2011) destacam que essa crise surgiu a partir da publicação de um
artigo de Kenneth Ring, em 1967 no Journal of Experimental Social Psychology. Nesta publicação,
os psicólogos sociais eram acusados de terem caído em um mero ritualismo metodológico, por se
preocuparem mais em desenhar cautelosas situações experimentais, para serem publicadas em
periódicos, do que em fornecer elementos para auxiliar na resolução de problemas socialmente
significativos, considerando a pertinência da psicologia social. Esse tensionamento entre
conhecimento teórico X aplicado pode ser observado até hoje no campo da pesquisa científica.
Conforme exposto anteriormente, o viés experimentalista e objetivista se fez presente na
história da psicologia. Ao longo da história, o gênero foi sendo construído associado à dimensão
subjetiva. Objetividade e subjetividade eram vistos de forma antagônica. A breve incursão na
história da psicologia, realizada anteriormente, possibilita compreender por que durante muito
tempo a discussão de gênero não se fez presente nessa área do conhecimento. Não é à toa, que a
inclusão das questões de gênero na psicologia, ocorre após essa crise dos anos 1960 e 1970, a qual
envolve mudança de um paradigma objetivista, para outro que busca enfatizar a dimensão subjetiva.
Mas não foi apenas na psicologia que esse viés experimentalista e objetivista se fez presente.
Neves e Nogueira (2005, p. 408) pontuam que “as ciências sociais durante décadas invocaram a
chancela da objetividade como pilar da garantia de discursos científicos independentes, fidedignos,
verdadeiros e universais”.
Aprofundando essa discussão, especificamente com relação ao debate gênero e psicologia, é
referido a seguir, que:
teorizar sobre gênero implica encrenca pela enorme complexidade desse conceito e também
porque a tendência é domesticá-lo, trazê-lo para a segurança da casa, do conhecido e,
sobretudo, não esvaziar de mim, me posicionando, para possibilitar o encontro do eu com o
outro, percebendo como são conectadas essas figuras do encontro. Em outras palavras, para
se estudar efetivamente gênero é preciso considerar os processos de subjetivação que nos
constituem e também levar em conta o político, e este tem sido um ponto cego nas
teorizações em psicologia (AZERÊDO, 2010, p. 185).

Apesar de considerarmos que a psicologia precisa avançar bastante com relação ao campo
feminista/ gênero, concordamos que a perspectiva feminista na psicologia pode contribuir para
“elucidar os mecanismos psicológicos pelos quais o género exerce o seu controlo. Devem desafiar a
tendência da psicologia para aceitar a diferença, demonstrando como as categorias, quer
profissionais, quer culturais são construídas” (Nogueira, 2001, p. 23).

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5 Compartilhando algumas inquietações sobre como utilizar a noção de experiência em nossas
pesquisas e como trabalhá-la metodologicamente?
Quantas vezes as pesquisas de gênero, não apenas na psicologia, mas nas ciências sociais,
tem considerado as experiências de gênero como auto-evidentes, mesmo quando essas pesquisas
demonstram ser bem intencionadas, mesmo quando propõe uma postura crítica. Como às vezes são
tênues os limites entre uma problematização e uma naturalização do conceito de gênero? São alguns
questionamentos que me levaram a refletir sobre os usos da noção de experiência nas pesquisas de
gênero, notadamente na psicologia, área da qual parte meu posicionamento.
Por exemplo, decido investigar um determinado grupo de mulheres trabalhadoras, mas será,
que é apenas pelo simples fato de eu ter eleito esse grupo de mulheres, que posso afirmar que
trabalho com a dimensão de gênero? Por que esse grupo foi escolhido? Pensemos e reflitamos de
modo a não naturalizar determinadas experiências. Sei que não é tarefa fácil e que, também, não há
respostas prontas.
Apesar de Scott ter pensado a experiência como forma de compreender o gênero, acredito
que essa noção pode ser pensada nas pesquisas em psicologia com as mais diversas temáticas,
principalmente no que se refere a não tomar a experiência dos sujeitos como auto-evidente. Ou seja,
independentemente do tema que estivermos trabalhando, fiquemos sempre atentos(as) para não
naturalizar as vivências dos nossos(as) pesquisados(as), por mais “aparentes” que essas possam ser.
Desconfiemos e interroguemos sempre, pois esse parece ser um caminho que nos aproxima das
vivências subjetivas e simbólicas vivenciadas por eles(as).
Furlin (2012) destaca que na contemporaneidade, o papel das experiências começa a ser
valorizado pela filosofia feminista e estudos de gênero, nos processos de compreensão da produção
do conhecimento e da ação social, se contrapondo à ideia de objetividade pura e de sujeito universal.
O feminismo como movimento social e intelectual valorizou intensamente a centralidade das
experiências das mulheres. Essa valorização pode ser observada, por exemplo, com os grupos de
conscientização de mulheres, nos quais eram destacadas as experiências das mesmas.
Nesse contexto, realizando uma breve incursão histórica, sabemos que:
com o incremento dos movimentos feministas a partir da segunda geração do feminismo,
nos anos 1970, surgem, especialmente nos Estados Unidos, diversos grupos de
conscientização de mulheres. Estes grupos, embora não tivessem o objetivo de ser
terapêuticos, funcionavam como tais, uma vez que possibilitavam a troca de experiências
de mulheres sobre suas histórias de vida e buscavam estimular a autonomia e a
emancipação femininas. Contando com a participação de psicólogas, surgem destes grupos
as primeiras terapeutas feministas que, oriundas das tradições humanista e psicanalítica,
passaram a repensar suas práticas terapêuticas tradicionais, configurando, então, o campo
das terapias e psicologias feministas (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 652).

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Continuando a discussão, é oportuno referir que:
as abordagens positivistas da ciência, cujo legado se mantém visível nas práticas e
metodologias de investigação científica atuais, ao encorajar a neutralidade e a isenção
dos/as investigadores/as, face a todo o processo de pesquisa e de interpretação dos
resultados dele provenientes, perpetuaram a visão do/a cientista alheado/a do seu objeto de
conhecimento e de costas voltadas para a repercussão que a sua própria subjetividade
causava no modo como lia e analisava os elementos observados. O ideal do/a cientista
competente seria compatível, por isso, com a imagem do/a cientista despido/a das suas
crenças, valores e ideologias e convenientemente desatento/a aos factores sociais, culturais,
históricos e políticos que enformavam as performances dos/as actores/actrizes sociais com
os/as quais interagia (face-a-face ou virtualmente) (NEVES; NOGUEIRA, 2005, p. 408).

Essas mesmas autoras vão referir que as perspectivas feministas contribuíram de maneira
decisória para a instauração do movimento crítico nas ciências sociais, propondo um processo de
pesquisa que estimulava os/as investigadores/as a indagar permanentemente as suas formulações do
conhecimento, isso, evidentemente, produz rebatimentos em como são pensadas as metodologias
das pesquisas.
Com relação à metodologia feminista, forma de pesquisa da qual me aproximo, quando
penso na discussão entre experiência, gênero e subjetividade, de modo geral, nessas:

a complexidade da investigação feminista envolve a preocupação com todo o processo de


condução da investigação. As preocupações comuns das diversas epistemologias e
metodologias iniciam com a escolha do delineamento a ser utilizado na pesquisa, uma vez
que diferentes métodos conduzem a diferentes resultados. Os pressupostos epistemológicos,
ontológicos e éticos implícitos nos delineamentos de pesquisa têm implicações políticas,
podendo estar a serviço de interesses diversos (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 651).

Para Crawford e Marecek (1989 apud Neves e Nogueira, 2005, p. 410) o “desenvolvimento
de metodologias feministas na psicologia veio colmatar um espaço de ausência quase total de
tratamento e de inclusão das questões das mulheres e da igualdade na ciência”.
Discorrendo sobre a possibilidade de uso de uma metodologia feminista em Portugal, as
autoras a seguir, afirmam:

não tem sido fácil introduzir em Portugal uma consciência reflexiva no exercício da
psicologia, quer seja nas suas práticas de investigação, quer seja nas suas práticas de
intervenção. As abordagens críticas, apesar de terem vindo a conquistar terreno no seio da
ciência psicológica, estão longe de ocupar o seu justo lugar na fileira dos discursos mais
sonantes e audíveis dentro da psicologia. Mais difícil tem sido ainda dotar a psicologia das
possibilidades que as metodologias feministas colocam à sua disposição, eventualmente por
se desconhecer a multiplicidade de rostos que o feminismo usa e tendencialmente se
escolher o rosto do feminismo radical (curiosamente o menos visível na ciência) como
argumento para a recusa desta aliança (NEVES; NOGUEIRA, 2005, p. 411).

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No Brasil, assim como em Portugal, já começamos a desenvolver metodologias feministas
em nossas pesquisas, apesar de saber das resistências que essas enfrentam. Considero que esse é um
caminho que necessita ser permanentemente construído e reinventado. Desse modo, acredito que o
grande desafio é pensar em metodologias alternativas que possam auxiliar na compreensão das
experiências e da subjetividade dos sujeitos. A ênfase menos na técnica e mais no estar com o outro,
no encontro que ocorre nessa relação, parece ser uma possível caminho que favorece essa
compreensão.

6 Considerações Finais
Conforme destaquei anteriormente, esse trabalho visou discorrer sobre a noção de
experiência, de Joan Scott, a partir de algumas reflexões sobre o uso dessa noção nas pesquisas de
gênero desenvolvidas na psicologia. O pouco conhecimento/ uso dessa noção nos leva a refletir
sobre o porquê disso. Por que determinados conceitos se popularizam em detrimento de outros que
demonstram ser mais adequados para pensar as relações entre gênero e subjetividade?
Que relações de poder, estariam presentes na forma como são difundidos os textos
científicos? Essa relações tem como efeito, a sedimentação de determinadas formas de compreensão
em detrimento de outras.
Nesse trabalho também fiz um breve apanhado da constituição da psicologia, explicitando
sua dimensão objetivista e situando-a historicamente. Essa perspectiva objetivista, durante muito
tempo, negligenciou a dimensão da subjetividade, hoje tão buscada nas pesquisas em psicologia,
notadamente na área da psicologia social e no campo dos estudos sobre feminismos/gênero, que
dialoga muito com a referida área.
Por fim, fiz algumas pontuações sobre como tenho pensado em trabalhar com a noção de
experiência nas pesquisas em psicologia, pensando sempre como nos ensina Scott, não em sujeitos
que tem experiência, mas sim em sujeitos que são constituídos através da experiência. A segunda
concepção fornece uma dimensão mais ativa, além de incorrer em menos riscos de engendrar os
sujeitos em matrizes generificadas.
Considero importante, pensarmos em como as categorias teóricas tem sido trabalhadas
metodologicamente, ou seja como de fato, enquanto pesquisadores(as) damos conta do estamos
discorrendo teoricamente, como esses conceitos fazem sentido ou não na nossa interação com
nossos(as) participantes de pesquisa. Pensar dessa forma, permite que nos posicionemos através de

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uma postura implicada, reflexiva e ativa, dimensões importantes quando se pensa a partir de uma
perspectiva feminista/gênero.

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Title: Joan Scott and the notion of experience to understand the gender in researchs in psychology

Abstract: This paper aims to discuss the notion of experience proposed by Joan Scott, come from
some reflections about the use of this notion in gender´s researchs developed in psychology. These
reflections were initially through the authoress's master's research, which is in ongoing phase and
discusses the genre in the profession of psychology. The notion of experience, isn´t known always
in the work of Scott, whose concept of gender more widespread is in the text: Gender: a useful
category of historical analysis. The methodology is bibliographic. The use of the notion of
experience doesn´t take it as self-evident, or essentialist way, but understanding it come from of
story, how the experience constructs subjects. Use the experience has been an important theoretical
and methodological strategy, to don´t use established categories, which can engender subjects in
gendered matrices. Understand the meanings of gender which emerge in particular contexts,
through the notion of experience, able to work with the subjectivity in researchs in psychology,
important dimension not only in this area of knowledge, but usually, in the human sciences.

Keywords: Gender. Experience. Researchs in psychology

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X

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