Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
________________________________________________________________
RESUMO
O mito exerce um grande poder e sedução no ideário social universal. O objetivo deste trabalho é estudar
dois grandes mitos: Dom Juan e o Rei Luís XIV. O mito de Dom Juan foi criado pelo Frei Gabriel Téllez
(1571-1648) conhecido como Tirso de Molina através da obra O Burlador de Sevilha e o Convidado de
Pedra, ganhando inúmeras versões, entre as quais podemos citar a obra de Molière Dom Juan ou Le Festin
de Pierre, bases de nossa análise. Dom Juan é um personagem que está constantemente no palco. O mesmo
acontece a Luís XIV rei da França no período de 1643 a 1715, todas as suas ações eram assistidas pela sua
corte, o seu despertar, as suas refeições e até mesmo quando fazia suas necessidades fisiológicas. Luis XIV
é conhecido como O Rei Sol, viveu grandes amores e foi um grande sedutor em seu tempo.
ABSTRACT
The myth has a major power and seduction in universal social ideals. The aim of this work is to study two
major myths: Don Juan and King Louis XIV. The myth of Don Juan was established by Fray Gabriel Téllez
(1571-1648) known as Tirso de Molina by his works: Burlador of Seville and The Stone Guest, which have
innumerous versions, among them we can mention the work of Molière's Don Juan or Le Festin de Pierre
and both are the basis of our analysis. Don Juan is a character who is constantly on stage. The same
happens to King Louis XIV of France in the period from 1643 to 1715, all his actions were attended by his
court, his awakening up, his meals and even when he was on his physiological needs. Louis XIV is also
known as The Sun King and because he was one of the greatest seducers at his time he lived intense loves.
Mito é uma palavra tão pequena com um sentido tão amplo, sedução e magia,
que data da antiga civilização ocidental indo até os nossos dias. A impressão transmitida
é a de que cada ser humano que nasce, independente da raça ou posição social, já tem
243
1
Fernanda Oliveira Cunha, graduada e mestranda em Letras. Orientadora: Daniela Mantarro Callipo.
Página
Projeto: Fábulosas Crônicas: La Fontaine e Machado de Assis. Linha de pesquisa: Arquivos da Memória:
Fontes e Periódicos Literários e Culturais (AMFP). Instituição Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho” UNESP de Assis. E-mail para contato: airamlebasi@bol.com.br
Revista de Letras Dom Alberto, v. 1, n. 3, jan./jul. 2013
seu inconsciente permeado por estas histórias e símbolos, passando a pertencer a dois
mundos: o real X o irreal.
Dois mundos em pauta. O choque entre a realidade e o mundo dos sonhos onde
as impossibilidades tornam-se possibilidades independentes de qualquer fator. O ser
humano tem esta necessidade da fuga à realidade e a inserção em um mundo imaginário
cheio de beleza que o ajuda a viver num mundo cheio de problemas e imperfeições,
oposto do desejado. Assim o mito transmite sua cultura enraizando em diversas
gerações através dos tempos.
E é esta justamente a função do mito: expor, colocar em evidência sentimentos,
sonhos, conquistas, enfim tudo que antes pairava sobre a sombra e que através do relato
do povo transformou-se em mito e este mito alcançou a literatura, dando origem ao mito
literário.
O mito e o mito literário têm a mesma estrutura, através da narrativa eles são
transmitidos a diversos povos, podendo ser alterados de acordo com o contexto de vida
de cada indivíduo. A diferença entre eles é que o mito não tem autor, sua narrativa é
consagrada pela tradição e o sobrenatural.
Já o mito literário tem autor definido e passa por diversas releituras através do
tempo. Podendo ser vistos em diversas obras de arte, tais como: a pintura, a música, a
dramaturgia, a literatura, enfim tecendo contextos históricos e através deles criando
uma tradição literária que passa do sagrado para o profano. Mircea Eliade em Mito e
realidade descreve a passagem do mito para o plano sagrado
mudança nos nomes dos deuses ou dos espíritos maus. Os símbolos religiosos e suas
imagens sagradas estão por toda parte em nossa sociedade. E quando falamos no mito o
Página
anos por ocasião da morte de seu pai Luís XIII. Sua mãe Ana de Áustria governou a
Página
França em regime de regência até o rei atingir a idade de dezesseis anos. Existe um
O rei era louvado por todos os meios possíveis existente na época, Colbert
sabendo da paixão do rei pela arte usou a arte para promover a figura do rei e mitificá-
lo. É sabido que de 1651 à 1659 o rei em pessoa chegou a participar de nove
apresentações de balé criado pelo poeta Isaac Benserade, e também encenou em
algumas peças de teatro.
A construção da imagem real aconteceu em todos os setores: arquitetura,
pintura, música, etc. Paris também era um grande canteiro de obras. Na arquitetura
podemos citar a reconstrução do Louvre depois do incêndio que sofrera, a construção de
grandes Boulevard muito bem arborizados, dando a impressão que o campo tinha
invadido a cidade.
Quando o rei foi morar no castelo de Versalhes, este passou a ser um palácio que
devia mostrar toda a grandeza do rei, um grande símbolo de soberania e poder. Havia,
portanto, a necessidade de reconstruir o palácio e esta grande obra foi confiada a Le Vau.
Segundo Burke, 1994,p.29: Um palácio é mais que a soma de suas partes. É um símbolo
249
de seu proprietário, uma extensão de sua personalidade, um meio para sua auto-
Página
apresentação...
Luís XIV, o lendário Rei Sol, também conhecido como o Grande era endeusado e
colocado em um patamar sagrado, como era costume da época comparar os reis a
deuses. Havia um ritual do toque do rei para curar doenças da pele, como se o toque real
250
tivesse poder de cura ressaltando desta forma o “caráter sagrado da realeza” (ibidem,
p.55). Este caráter sagrado passa também para o Estado em que não se sabe se a célebre
Página
... mito de Luís XIV. À primeira vista a expressão parece apropriada, porque Luís
XIV era constantemente comparado com os deuses e heróis da mitologia
clássica, como Apolo e Hércules. Entretanto, o termo “mito” poderia ser
empregado de uma maneira mais ambiciosa, e também mais controvertida.
Poderíamos definir mito como uma história com significado simbólico ( como o
251
Dom Juan nasceu em uma peça teatral espanhola do século XVII intitulada EL
Burlador de Sevilha y el convidado de piedra, escrita pelo religioso Frei Gabriel Téllez
(1571-1648) conhecido como Tirso de Molina.
Esta narrativa não é muito conhecida pela população, apenas alguns
universitários e na maioria estudantes de literatura é que conhecem a origem de Dom
Juan, na introdução da peça de Molina feita por Mario González, ele descreve justamente
esta ignorância popular do personagem que originou o célebre sedutor.
Esta imagem que temos de Dom Juan como um grande sedutor, contendo um
catálogo de conquistas vem das inúmeras versões, ou seja, releituras pelas quais o
personagem passou e continuara passando através dos tempos e das épocas.
O filme de 1995 dirigido por Jeremy Leven, Don Juan de Marco, é a narrativa que
permeia o conhecimento da sociedade, poucos percebem que o autor do filme deixou
indícios de onde nasceu o roteiro deste filme, pois o livro aparece no início e na cena em
que o psiquiatra vai até a casa de Don Juan e encontra o livro na cabeceira da cama,
mostrando que o nosso protagonista leu Tirso e conhece a história do século XVII.
252
A questão do catálogo surgiu com Da Ponte, ela não existe na história original.
Existem muitas versões de Don Juan, nosso trabalho atem-se ao estudo da obra original
Página
uma situação delicada, elas eram totalmente inferiorizadas e muitas vezes eram moeda
desrespeito se dá com relação a seu pai, seu tio, o rei, seus amigos, enfim a toda uma
sociedade.
Página
Dom Juan pensa que pode quebrar impunemente as leis seculares dos homens
durante o seu “breve tempo” na Terra; e deverá sofrer por toda a eternidade, de
Revista de Letras Dom Alberto, v. 1, n. 3, jan./jul. 2013
acordo com a doutrina da Contra-Reforma. Cabe ao convidado de Pedra dar
uma demonstração de que não pode zombar de Deus. (WATT,1997, p.124)
O convidado de Pedra seria o instrumento de Deus para punir as obras de Don Juan
e levá-lo à danação. Este personagem é de suma importância, pois ele representa a mão
de Deus que fica muito evidenciada nas duas obras a de Tirso e a de Molière.
Durante toda a narrativa, Don Juan é um personagem que não apresenta mudança.
Sua maneira de agir, seduzir, burlar e punir as mulheres por entregar tão facilmente
seus corpos é sempre a mesma: “A aventura donjuanesca reflete as mudanças de
ideologia de cada época, mas o próprio Don Juan não muda nunca.”(BRUNEL, 2005, p.
259)
Mas quando ele se vê frente à morte sente medo, porém “sem reconhecimento de
culpa, nem sinal de remorso” (Ibidem, 1997, p. 125). Ele insultou a morte, zombando
dela ao fazer o convite ao convidado de pedra para cear com ele. O convidado de pedra
aceita o convite o que não era esperado por Dom Juan que ao ver o convidado sente
medo e gela antecipando a sensação da própria morte.
Faz alguns questionamentos ao comendador que não são respondidos, mostrando
desta forma uma certa curiosidade se teria este morrido em paz e se estava em um bom
lugar ou se sofria a danação.
Seu orgulho, egoísmo (que já o levara a perder a noção de castigo), sua honra, não
o deixa faltar com a palavra de aceitar a retribuição do convite feito. E desta forma ele é
castigado por suas ações, selando uma grande moral que aqueles que se rebelam com as
normas da Contra-Reforma acabam sendo castigados por não temerem o castigo de suas
ações, não temerem o céu e a danação.
O Don Juan de Molière apresenta algumas mudanças. Ele é um personagem mais
cético, guiado pela razão, não desenvolve em o plano da emoção. Ele acredita na
matemática em que “dois mais dois são quatro”.
Seu criado Sganarelle está sempre discordando de suas ações, mostrando a ele que
há uma justiça celeste. Ele busca saber em que seu amo acredita, faz lhe muitas
257
Página
2
um herético que não crê nem no céu, nem no inferno”.
Página
Existe uma grande diferença entre Dom Juan e Luis XIV. Dom Juan sai da literatura
para o mundo, ele não é uma pessoa real, com data de nascimento e morte, o contrário
se dá com a figura do lendário rei Luís XIV cujo nascimento data de 1638 e falecimento
em 1715, ele é a representação do mito histórico.
Como vimos, o mito tem um caráter universal e algo muito comum entre eles é não
ter mudanças. Eles têm hábitos rotineiros em suas ações que produzem sempre o
resultado desejado. Segundo Umberto Eco (ECO, 2008, p. 250) “... A personagem do mito
encarna uma lei, uma exigência universal, e deve, numa certa medida, ser, portanto,
previsível, não pode reservar-nos surpresas...”
E assim acontece. Dom Juan age sempre da mesma maneira, seu intuito é seduzir. A
palavra seduzir tem em si uma carga demoníaca muito grande, pois significa persuadir
uma pessoa e tirar dela aquilo que você deseja. Na obra de Tirso de Molina nas notas de
Cojorian existe a comparação de Dom Juan a um demônio (Exu).
A questão do demonismo está presente em diversas personagens literárias. E são
principalmente identificadas nas histórias de vampiros e dráculas. As características de
um vampiro são detectas em Dom Juan. Ele seduz as suas vitimas roubando lhes a alma,
259
Esta “propagação contagiosa” também ocorre no tempo de Luís XIV seu título de
rei, seu sangue real são atrativos que seduzem toda uma geração a fazer um pacto com
sua imagem real. Todos querem estar à sombra do rei, usufruir de seus dons e para tal
260
segundo casamento escondido de todos. Ao que se sabe seu gosto era muito eclético,
Página
Don Juan constrói para as mulheres uma série de espelhos falsos nos quais elas
enxergam uma promessa de amor intenso, pleno, inigualável. Essa miragem as
faz largar tudo o que é direito: a castidade, os laços do casamento, a amizade
aos próximos.... suas vítimas, seduzidas, abandonadas, têm destino
frequentemente trágico: o diabo desviou a sua alma, o inimigo matou-lhe a
esperança... (Ibidem, p.15)
dos prazeres, das festas do que Luis XIV que estava “preso à liturgia da corte real”
Página
(IDEM, p, 19).
de saúde.
Página
Referências
RIBEIRO, Renato Janine. A sedução e suas máscaras: ensaios sobre Don Juan/
organizador Renato Janine Ribeiro. – São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
Página
VATEL Um Banquete para o Rei. Filme. Direção: Roland Joffé, 2000 (1h59)
Revista de Letras Dom Alberto, v. 1, n. 3, jan./jul. 2013
WATT, Ian P. Mitos do individualismo moderno: Fausto, Dom Quixote, Dom Juan,
Robinson Crusoe. Trad. Mario Pontes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
265
Página