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15/08/2012
O Corpo no Esquizodrama
Acho importante falar um pouco da trajetória intelectual e científica de GB, pois acho que o
Esquizodrama é uma confluência da variedade de interesses da formação e do estilo de vida
do autor.
GB é médico psiquiatra argentino, que mora no Brasil há mais de 20 anos. Sua formação se
ampliou para uma pós-graduação em Sociologia. Estudou com Pichón Riviére por muitos
anos, fez sua formação psicanalítica na Associação Psicanalítica Argentina, de onde sai, e
funda, com um conjunto de amigos, o grupo Plataforma (primeiro grupo que se separa da
Associação Internacional de Psicanálise, por razões políticas).
Sua atuação e formação têm sido bastante diversificadas, tendo uma ativa militância
política, que culmina com seu exílio no Brasil. Integrou Movimentos Populares, fundou e
participou de várias organizações de formação, supervisão e clínica, lecionou em
universidades argentinas e brasileiras, assim como em vários países da América Latina e
Europa.
Teve várias experiências de análise, mas a que lhe foi mais marcante, foi a análise
realizada com um discípulo direto de Reich – Alberto Tallaferro, sua Análise grupal e
individual didática com Emilio Rodrigué e o trabalho com a analista Álvares de Toledo,
com quem coordenou durante onze anos trabalhos terapêuticos grupais com drogas
psicodélicas.
Em 1973 fez o primeiro contato com a Esquizoanálise de Gilles e Felix Guattari, encontro
decisivo na sua trajetória daí para frente.
Para quem não conhece, em linhas bem gerais, a Esquizoanálise é uma práxis de produção
de saberes e afazeres que se propõe a compreender o funcionamento da realidade e intervir
na mesma para sua inovação metamorfósica. É uma pesquisa crítica acerca de todas as
organizações sócio-político-econômico-culturais da história, assim como seus sistemas de
representações, suas produções de subjetividade e sua relação com a natureza e o parque
tecnológico e industrial. Esse estudo culmina com o entendimento do Capitalismo
Planetário Integrado, atualmente hegemônico. Para a produção desse saber, a
Esquizoanálise vai “extrair”, redefinir, distorcer e reinserir recursos tomados dos mais
diversos campos do pensamento, do conhecimento e da criação artística, e até do saber
popular e o da loucura. A essa, poderia-se dizer, “metodologia” de produção intelectual e
estratégica, Baremblitt lhe tem denominado “Ecletismo Superior”. O intuito e valor
supremo dessa produção é a invenção, ou seja, a tentativa de geração do novo absoluto.
Com relação à Esquizoanálise, Baremblitt diz: “o achado dessa corrente teve uma
influência radical em meu pensamento e em minha práxis, sobretudo porque essa tendência
me abriu uma perspectiva de relação teórica e de ação concreta entre o social o psíquico, o
tecnológico e a natureza, de uma originalidade e consistência que não havia encontrado
nunca e que, até agora, não achei jamais”.
A coerência de Baremblitt entre sua ação política, terapêutica, pedagogia e sua vida
cotidiana, lhe fez propor uma releitura do universo teórico e técnico nos âmbitos da
subjetividade e da sociabilidade, assim como os da prevenção, cura e da reabilitação que
culminou numa proposta de intervenção clínica que denominou Esquizodrama.
O conceito de Klínica
O Ecletismo Superior
A Invenção
A proposta do esquizodrama é a de que sua prática se realize “de tal maneira que se vá
dissolvendo as identidades, subjetividades, alteridades, atributos, territórios e semióticas
cristalizados que caracterizam as entidades do operador e do usuário, assim como a
especifidade dos procedimentos” (GB).
O corpo no Esquizodrama
Como uma tentativa de síntese, difícil por certo, digamos que, para a Esquizoanálise, o que
nós conhecemos como corpo, no sentido físico-químico-biológico (ou noutros sentidos,
como no social ou no lingüístico) tem uma realidade molar e uma molecular. A primeira
tem as características que mencionamos para o molar, principalmente na sua disposição
para a mudança que apresenta uma forte identidade e uma potência de variabilidade
bastante limitada. Mas todo corpo tem uma dimensão molecular, que em algumas
passagens da teoria denominam-se como sendo pré-energética, e pré-material, consistente
em quantidades intensivas de uma potência produtiva insuspeitável.
O importante a destacar é que, cada corpo, dito no sentido molar, real ou possível, tem uma
espécie de “metade” molecular, virtual ou intensiva, que não é confusa ou puramente
caótica (no sentido ruim dessa palavra), senão “caósmica”, ou seja, capaz de combinações
ou sínteses conectivas absolutamente originais, cujos resultados podem até efetuar-se em
novas capacidades , atributos ou propriedades existenciais molares “visíveis ou dizíveis”,
como as chamaria Foucault, mas que atuam quase sempre como um inconsciente potencial-
atual no qual o “De Fora” de Foucault funciona invisível e indizivelmente além do
diagrama de forças que determina os estratos e territórios molares da realidade
convencionalmente reconhecida como tal.
É por isso que Guattari recomenda a montagem de dispositivos operacionais nos quais
temos que estar preparados para que “as coisas aconteçam sempre onde e quando não as
esperamos”, sendo que nossa primeira regra facultativa consiste em “não atrapalhar”,
especialmente com “conceitos fundamentais” rígidos, prescrições severas de método,
regras e técnicas fixos.
Em nossa sociedade atual, tem-se dado muita ênfase ao corpo empírico chamado
“individual”, mas a um corpo do qual se exige um padrão estético: o corpo malhado,
definido, “turbinado”, “esbanjando saúde”. Atividades físicas e alimentação saudável
passam a estar destinadas a esses objetivos. Sem deixar de considerar os aspectos positivos
de alguns desses hábitos, sabemos que, infelizmente, todos esse investimentos, em geral, se
baseiam em possibilitar a produção de uma “imagem”, de um corpo/objeto/mercadoria, que
venha a satisfazer aos valores dominantes da nossa sociedade, sendo que a mídia contribui
enormemente para isso.
Poderíamos dizer que esse corpo é capturado e obrigado a atender a essa expectativa.
As relações criadas com o corpo, nas diversas organizações sociais (trabalho, escola,
família, lazer, estudo, relações amorosas,...) vão nos dizer se o mesmo é considerado
simplesmente como um objeto-meio, para conseguir torná-lo utilitário, exibicionista,
injustamente violento, asceticamente “neutro” ou obssessivamente controlado, ou se ele é
potenciado na sua “metade” intensiva, na sua potência de invenção e de expressividade.
O estudo dessas práticas nos mostra corpos capturados, modelados e apropriados, segundo
certa lógica e ética destes modelos disciplinares, tanto mais difíceis de combater quanto
mais se postulam como científica ou racionalmente fundados.
Para o Esquizodrama, não existe um modelo a priori do corpo, ou melhor, não lhe interessa
o corpo normalmente reconhecido, nem o sujeito desse corpo, que teria uma identidade
própria.
O que interessa ao esquizodrama é a produção de um dispositivo em que os corpos são
recriados e conectados, de uma maneira insólita: com a natureza, a sociedade e o parque
tecnológico. Esse corpo novo, não perde a condição de humano, mas adquire matizes e
dimensões que tem a ver com o que poderíamos chamar de situação, clima, ou atmosfera -
musical, escultural, literária e, ao mesmo tempo afetiva, política,... Trata-se de corpos
bizarros, absolutamente novos, que podem ser individuais ou coletivos, ou acoplados a
mundos singulares dos que formam parte. Esses corpos são tomados por devires segundo os
quais encontram sua maneira de torna-se animal, vegetal, mineral, vento, água, fogo,
adquirir diversas idades, raças, imperceptível etc.
Não nos interessa trabalhar o indivíduo com seu corpo, ou o corpo desse indivíduo,
enquanto entidades molares ( apropriados pelo sistema sócio-político vigente), mas como
esse indivíduo/corpo, ou suas partes/corpo, ao integrar-se a diversas peças de um
dispositivo klínico, funciona ativando suas potências metamorfoseadoras.
Daí o prefixo esquizo: nos interessa fazer emergir as potências dos fragmentos desse corpo
silenciadas por um padrão dominante. Boca que olha, olho que come, dedo que enxerga,
palavras que têm forma,...enfim, propiciar a expressividade do não pensado, ainda
desinstitucionalizado, não capturado, e sua potencialização.
Ao criar dispositivos para que isso aconteça, acreditamos estar possibilitando outras
maneiras de viver. Trata-se de inventar corpos inéditos, dotados de uma sensibilidade que
permite que se sinta a si mesmo e ao outro de uma maneira insólita. Adquire-se uma
sensibilidade sensorial inabitual. Surgem novas formas de se usar os espaços, novos
objetivos de vida, novas formas de expressar-se, novas parcerias ,...