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José Fernando da Silva
Professor das Faculdades Integradas IPEP.
Um dos mais originais filósofos franceses do século XX, Michel Foucault pautou sua
obra no exame das relações entre os modos de exercício de poder, a constituição de
saberes e o estabelecimento da verdade. O corpo de sua obra procurou mostrar que todo
conhecimento é contingente às formas de exercício de poder e que tal fato tem como
elemento mediador instituições sociais, dispositivos que regulam as relações entre os
modos de exercício de poder e a produção de saberes e verdades. A análise de Foucault
contempla diversos períodos da história, tangenciando-os com a forma de poder que lhes
é característica e os saberes e instâncias de verdade resultantes de cada forma.
Na obra Vigiar e punir, Foucault se propõe investigar os contornos que o direito penal
ganhou nos regimes absolutistas europeus, contrastando-os com o modo com os
contornos que adquiriram nos regimes democráticos que se consolidaram na Europa a
partir do final do século XVIII. Descrevendo o modo como os delitos penais foram (e são)
assimilados historicamente, Foucault tenciona mostrar e contrastar duas formas de
exercício de poder. Cada uma delas se mostra no modo de tratamento concedido ao
criminoso.
Revista Técnica IPEP, São Paulo, SP, v. 6, n. 2,p. 97-101, ago./dez. 2006
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Duas formas de poder são apresentadas à luz do direito penal: nos regimes
absolutistas, é delineado um poder que se exercia e se reafirmava por meio do severo
exercício da punição; no mundo emergente pós-revolução francesa, vemos a
caracterização daquilo que Foucault chama de sociedade disciplinar, uma modalidade de
poder que perduraria até nossos dias e que tem como viés em relação ao direito penal a
preocupação com o vigiar e disciplinar.
Que é um suplício? Pena corporal dolorosa com requintes de atrocidade. Uma vez o
Segundo Foucault, ao final do século XVIII e início do XIX se instaura na Europa o que
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Assim, esse poder se legitima por meio do surgimento e da proliferação de uma série
de instituições que referendam o modelo do Panapticon. Diversas instituições arraigadas
na modernidade seguem o modelo do Panapticon: a fábrica, a prisão, o hospital, a escola.
Essas instituições literalmente seqüestram os indivíduos. A fábrica, as cidades operárias,
a escola, o hospital, o quartel, as casas de repouso e os orfanatos vigiam, disciplinam e
ordenam a vida do grupo dos indivíduos que lhes são subordinados. O indivíduo é fixado
dentro do sistema de produção, construindo sua visão de mundo dentro das normas e
saberes constituídos. Opera-se uma inclusão por exclusão.
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montagem da fábrica, ele cumprirá uma rigorosa rotina de horários, severamente vigiada,
e igualmente recompensada ou punida. Seu escasso tempo fora da fábrica também é
predeterminado. Assim é que, fora da fábrica, mais e mais os indivíduos procuram realizar
cursos de aperfeiçoamento, requisito para manter o status de “seqüestrado”, além das
modalidades de lazer que mais e mais se tornam uma extensão do padrão econômico e
panóptico da sociedade. Vejamos o confisco do corpo.
100 judiciário que impõe normas, dá ordens e toma decisões. Segundo Foucault, é o sistema
judiciário que dá o esqueleto do sistema escolar; afinal, a todo o momento se punem, se
recompensam, se avaliam e se hierarquizam os indivíduos.
Por fim, o poder panóptico enseja o surgimento de uma episteme própria. Foucault
atribui a seu exercício as circunstâncias que tornaram possível o surgimento das ciências
humanas. Encontramos em todas as instituições discipli-nares ligadas ao poder
panóptico a produção de um conjunto de saberes. Este se delineia em dois sentidos: ele
se exerce a partir dos indivíduos e sobre os indivíduos. Quando se diz que esses saberes
são produzidos a partir do indivíduo, é no sentido de as práticas e atividades dos
indivíduos dentro de uma instituição serem o subs-trato necessário à elaboração de um
saber sobre a própria produção do indivíduo. Esses saberes podem ser qualificados
como atuando sobre os indivíduos na medida em que, graças ao seqüestro do indivíduo
em instituições panópticas, é possível a elaboração de saberes diversos sobre o
indivíduo, tais como a pedagogia, a psicolo-gia, a psiquiatria etc., saberes esses que o
definem, qualificam e classificam.
Vemos, assim, que Foucault assume a premissa do conhecimento como uma grande
invenção, ferramenta indispensável à legitimação de uma forma de poder, construída
graças às diversas modalidades de práticas sociais. Nem o conhecimento nem tampouco
a verdade são apregoados como destino natural do homem, referências a pairar no
horizonte, espécie de mote de nosso caminhar. Não. O conhecimento seria apenas uma
ferramenta do poder. Ele não nasceria de nossa amistosa, curiosa aproximação da
realidade, mas seria, antes, produto de nossa ânsia de domínio. Conhecer é dominar, é
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Enquanto Marx crê que o saber é obstruído por modalidades de práticas sociais (por
exemplo, a religião como meio de alienação), Foucault crê que são justamente nossas
práticas sociais enquanto instrumento de determinada modalidade de poder que
engendram o sujeito e também todo um conjunto de formas de conhecimento e de
obtenção da verdade. Foucault apresenta diversas práticas sociais que determinariam a
produção de diversos saberes e o estabelecimento de uma série de verdades. Também a
essência do sujeito se delinearia com essas práticas. Em Vigiar e punir, Foucault destaca
o direito penal entre as práticas sociais que exerceriam esse papel de arquétipo. Nessa
obra, o filósofo francês nos mostra em que medida o modo como uma sociedade pensa e
trata determinada questão é sintoma de uma forma de exercício de poder que a direciona.
Vigiar e punir constitui-se numa excelente obra para refletirmos sobre a espinha
dorsal da realidade que ora vivemos. Desse modo, vale conferir.
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Revista Técnica IPEP, São Paulo, SP, v. 6, n. 2,p. 97-101, ago./dez. 2006